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Pesquisa em Comunicação na América Latina

Fernando O. Paulino
Liziane Guazina
Fábio Pereira

(organizadores)

Apoio Técnico: Jairo Faria e Priscila Borges


Capa: Juliana Mendes

2016
2º Curso de Verão: Pesquisa em Comunicação na América Latina

Realizadores: Associação Latino-Americana de Investigadores da


Comunicação (ALAIC), Universidade de Brasília (UnB), Universidad de Puerto
Rico (Porto Rico), Universidad de la República (Uruguai), Universidade
Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Rio Grande do Norte
(UFRN), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), Universidad Católica Andrés Bello (UCAB),
Universidad Andina Simon Bolivar (Bolívia), Simon Fraser University (SFU) e
Université du Québec à Montréal

Apoio: Universidad Autónoma de México (UNAM), Universidad Autónoma de


Aguascalientes, Intercom, SBPJor, Escola Nacional de Administração Pública
(ENAP), UNESCO e UNICEF.

Comissão organizadora do 2º Curso de Verão: Professores(as) Delia Crovi


(UNAM/ALAIC), César Bolaño (ALAIC/UFS), Fernando Oliveira Paulino
(ALAIC/UnB), Gabriel Kaplún (ALAIC/UDELAR), Thaïs de Mendonça Jorge
(UnB), Liziane Guazina (UnB), Luiz Martino (UnB), Fábio Pereira (UnB) e Jairo
Faria (UnB). Email: escueladeveranobrasilia@gmail.com
Índice

Comunicação Pública Digital e Qualidade da


Informação Sobre Políticas Públicas: um
estudo dos portais das secretarias de C&T da
região sudeste do Brasil

Aline Cristina Camargo …............................................................... 09

A participação na emissora pública brasileira:


reflexões teóricas e metodológicas

Allana Meirelles Vieira …................................................................ 24

Sobre expectativas da informação em saúde:


a abordagem do câncer por um programa de
televisão pública

Allan Gouvêa …................................................................ 37

Limites e desafios do Brasil e do México para


o exercício do direito de acesso à informação

Ana Beatriz Lemos da Costa …................................................................ 50

Nuevos marcos regulativos para la


comunicación comunitaria en Uruguay
Construcción de autonomía en las
organizaciones sociales

Ana Inés Garaza Pagliasso …................................................................ 61

Lei de acesso à informação e democracia


digital: informação como pilar para o
desenvolvimento da condição feminina no
Brasil

Bruna Silvestre Innocenti Giorgi …................................................................ 73

Propuestas para el estudio del destinatario de


sitios web y redes sociales de teatros

Camila Pérez Lagos …................................................................ 87

Livros, teoria e joystick: a inserção do


newsgame como ferramenta pedagógica para
o ensino da ética jornalística

Carlos Marciano …............................................................... 100

Os efeitos da midiatização pentecostal na


sociedade brasileira

Catiane Rocha Passos de Souza …............................................................... 109


Comunicação móvel e cidadania na América
Latina

Cíntia Caldas Barcelar de Lima …............................................................... 120

Democracia, poder e mulher: algumas


questões de visibilidade no Brasil e na
Argentina

Claudia Bardal Sória …............................................................... 133

Participação política e deliberação on-line na


sociedade na informação

Daniele Ferreira Seridório …............................................................... 146

Los dueños de la TV: elites políticas y


televisión pública en Colombia

Diego García Ramírez …............................................................... 158

DESAFIOS PARA UMA COMUNICAÇÃO


PÚBLICA “PROPAGÁVEL”: o contexto latino-
americano

Elton Bruno Barbosa Pinheiro …............................................................... 175

A verdade e o jornalismo: Uma perspectiva


filosófica

Fernando Figueiredo Strongren …............................................................... 188

Economía y Comunicación: contribución al


debate a partir de la TV uruguaya

Gianela Turnes …............................................................... 202

Manifestações da estética da fotografia em


revistas culturais no Brasil

Giovanna Beltrão Mendes …............................................................... 219

O problema da convergência na perspectiva


da teoria das barreiras à entrada

Helena Martins …............................................................... 236

Comunicação e experiência sensível: uma


contribuição aos estudos de recepção

Jocélio de Oliveira …............................................................... 250

Pensar el pensar. Los análisis metateóricos


como necesidad del campo de la
Comunicación

José Raúl Gallego Ramos …............................................................... 269


A qualidade no telejornalismo: conceito e
matrizes

José Tarcísio da Silva Oliveira Filho …............................................................... 283

Perspectivas iniciais para o estudo da saúde


do jornalista

Juliana Bulhões Alberto Dantas …............................................................... 296

Programa Comunicação Comunitária da


Universidade de Brasília: as transformações
das práticas de comunicação a partir da
emergência da cultura digital

Juliana Soares Mendes …............................................................... 310

Transparência, lei de acesso à informação e


CMJ – a comunicação pública do Poder
Judiciário sob a perspectiva da lei de acesso à
informação

Kátia Viviane da Silva Vanzini …............................................................... 322

Internet, Povos originários e Colonialidade

Leilane Leal Marinho …............................................................... 338

Webjornalismo em mutação: o caso da série


de reportagens multimídia TAB, do portal Uol

Liliane de Lucena Ito …............................................................... 347

Comunidades virtuais como arquétipos de


transparência pública: vozes da cidadania no
século XXI

Liliane Monteiro …............................................................... 360

O jornalista-intelectual em Antônio Callado: a


concepção de uma narrativa de ideologia e de
enfrentamento nas reportagens de Vietnã do
Norte

Lilian Juliana Martins …............................................................... 377

A Profissão de Relações Públicas no Cinema:


Representação Social e Construção de
Identidades

Lucas Sant’Ana Nunes …............................................................... 393

O esvaziamento da programação infantil na


TV aberta: avaliação de cenário de grades da
TV aberta e o caráter complementar das
emissoras públicas

Luísa Guimarães Lima …............................................................... 404


Lei de Acesso à Informação: resgate histórico
da trajetória política

Luma Poletti Dutra …............................................................... 416

Media Accountability como potencial


instrumento democrático na América Latina:
contrapondo o poder de influência de atores
políticos e econômicos

Mariella Bastian …............................................................... 427

Participação popular nos meios de


comunicação no Brasil

Marina Domingos dos Santos Barbosa …............................................................... 439

Quem é o editor de mídias sociais? Uma


revisão de literatura

Marina Simon …............................................................... 452

Narrativa e Interatividade: discussões sobre a


transmissão de informações na nova
perspectiva da TV Digital

Mayra de Oliveira Sá …............................................................... 466

Participação infantil na mídia digital: uma


adaptação do método cassete-fórum de Mario
Kaplún

Mayra Fernanda Ferreira …............................................................... 482

Un acercamiento a las condiciones para el


desarrollo de la televisión comunitaria de los
movimientos sociales en Uruguay

Nicolás Agustín Robledo Pisciottano …............................................................... 495

Novos paradigmas produtivos da notícia: usos


da infografia interativa na prática
webjornalística

Patrícia Lima …............................................................... 505

Participação e Representação: apontamentos


sobre o Conselho de Comunicação Social

Paula Cecília de Miranda Marques …............................................................... 525

Produção e difusão: a incidência do


pensamento comunicacional latino-americano
no referencial teórico dos GTs da ALAIC

Paulo Vitor Giraldi Pires …............................................................... 540


Em busca de autotransparência: a utilização
da Lei de Acesso à Informação por servidores
da Capes/MEC

Pedro Arcanjo Matos …............................................................... 554

A telenovela como objeto de pesquisa em


comunicação estudo de caso da novela
“Cheias de charme”
…............................................................... 570
Priscila Chéquer

Discapacidad, mujer y medios: reflexiones


para el estudio de las mujeres con
discapacidad en los medios masivos en
Colombia

Sandra Meléndez-Labrador …............................................................... 584

A comunicação pública no legislativo


brasileiro: algumas reflexões sobre o senado
e o programa Interlegis

Valéria Castanho …............................................................... 597

A cobertura noticiosa de protestos no Brasil:


considerações iniciais acerca de gatekeeper,
newsmaking e valores-notícia e da Teoria da
Agenda

Vanessa Beltrame …............................................................... 611

Informação pública, democracia digital e


serviços eletrônicos de governo: análise de
serviços de solicitação de informação pública
na américa latina

Vanessa Grazielli Bueno do Amaral


Maria Teresa Miceli Kerbauy …............................................................... 621
Comunicação Pública Digital e Qualidade da Informação Sobre Políticas

Públicas: um estudo dos portais das secretarias de C&T da região sudeste do Brasil

Aline Cristina Camargo1

RESUMO
A comunicação pública pode assumir o relevante papel de ser uma ferramenta mediadora da integração entre
ciência, tecnologia e sociedade. A popularização da ciência através da comunicação pública deve ser vista como
vetor de inclusão social e subsídio para a democratização do conhecimento, em direção a práticas de gestão e
controle social mais efetivas, apontando para a necessidade de que a opinião pública seja considerada como mais um
dos indicadores relevantes para a gestão de políticas públicas da área. Entre as ações de comunicação pública sobre
políticas de ciência e tecnologia na atualidade no Brasil, destacam-se os portais eletrônicos de governo das unidades
federativas, que incluem páginas específicas das secretarias da área. Políticas e programas desenvolvidos pelas
instâncias estaduais de gestão têm sido cada vez mais divulgados na internet, o que suscita questões de pesquisa
sobre a qualidade das realizações de comunicação na área. Este artigo buscou identificar a potencial contribuição da
comunicação pública digital sobre ciência e tecnologia à afirmação da cidadania, considerada em sua dimensão de
exercício do direito à informação. Para tal, foram aplicadas análises de conteúdo nas páginas das Secretarias de
Ciência e Tecnologia dos estados da região Sudeste: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro.

Palavras-chave: comunicação pública; direito à informação; popularização da ciência.

Introdução
A crescente presença de temas ligados à Ciência e Tecnologia em diferentes dimensões da
vida cotidiana aponta a necessidade do entendimento de questões científicas-tecnológicas para o
exercício da cidadania. A crença na ligação direta entre C&T e desenvolvimento supõe que tomar
uma decisão racional e objetiva pode ser facilitada a partir de informações de qualidade sobre o
tema. De acordo com Hayashi, Hayashi e Furnival (2008), o estudo da ciência e tecnologia sobre
a ótica social justifica-se pelo fato de que a C&T é constituída, acima de tudo, por atividades
sociais: “são atividades realizadas por grupos de pessoas, para grupos de pessoas, os resultados
das quais são usados por comunidades de pessoas. Desse modo, podemos pensar a C&T na
sociedade, e a C&T como uma instituição social” (p. 38).
O conhecimento científico é cada vez mais necessário ao cidadão comum e é produto da
popularização da ciência. As informações que chegam aos não especialistas são mediadas a partir
de pessoas e entidades que fazem usos de vários canais de comunicação e linguagens para
transmitir as novidades científicas aos diversos segmentos da sociedade.

1 Mestre em Comunicação Midiática (UNESP) e bolsista de Extensão do CNPq. Email: alinecamargo20@gmail.com


A popularização da Ciência e Tecnologia é vista como um elemento de inclusão social,
capaz de possibilitar não só entendimento de fatos de Ciência e Tecnologia como também
possibilitar que a sociedade desenvolva o papel de formulador e avaliador de políticas públicas.
Assim, a compreensão da dinâmica entre ciência, tecnologia e sociedade mostra seu
potencial como subsídio para a democratização do conhecimento e para o avanço em direção a
um modo de gestão e de controle social mais democrático no campo da Ciência e Tecnologia, e
aponta para a necessidade de que a opinião pública sobre ciência seja considerada como mais um
dos indicadores relevantes para a gestão de políticas públicas.
A apropriação social da Ciência e Tecnologia exige a aquisição de informações e a

inserção do público em debates e decisões. Entende‐se que a informação isolada se caracteriza

pela verticalidade e subordinação. Nessa perspectiva, as ações comunicativas favorecem a


construção conjunta de saberes e interação entre os envolvidos, potencializada a partir do uso da
internet.
Este artigo tem como objetivos: a) revisar conceitos de Comunicação Pública e Políticas
Públicas; b) abordar a metodologia de avaliação de políticas públicas; c) verificar qual o índice
de qualidade da informação nas páginas referentes a políticas públicas de Ciência e Tecnologia
dos estados da região Sudeste.
A fim de embasar a pesquisa, serão abordados a seguir os conceitos de Comunicação
Pública e Políticas Públicas, com o objetivo de verificar as características e potencialidades da
Comunicação Pública e definir conceitos que abrangem as políticas públicas, especificamente de
C&T, que formam o objeto de estudo desta pesquisa. Ao todo 54 páginas foram coletadas e
analisadas a partir de análise de conteúdo, que considerou referência clássica sobre avaliação de
políticas públicas para estabelecer o IQI (Índice de Qualidade da Informação).

Comunicação Pública
O conceito de comunicação pública refere‐se à comunicação realizada no espaço público

democratizado, com a discussão de temas de interesse público e a participação de diversos atores


sociais, entre eles: governo, empresas, terceiro setor e sociedade civil.
Com o objetivo de diminuir a distância entre instituições e cidadãos, a comunicação
pública envolve o processo de interlocução que dá origem a uma esfera pública de “diálogo e
debate entre Estado, governo e sociedade, na qual temas de interesse coletivo e interesses plurais
são discutidos e negociados” (MATOS, 2009, p. 101). Neste contexto, a comunicação pública
deve ser pensada como processo político de interação “no qual prevalecem a expressão, a
interpretação e o diálogo construídos em uma esfera pública inclusiva e participativa” (MATOS,
2009, p. 105).
Nesta interação, a comunicação pública “se afirma como um elemento estratégico da
mediação entre os atores cívicos e o governo, visando criar e/ou reforçar o vínculo social entre os
parceiros”, (MATOS, 2011, p. 44). Ela é guiada pelo interesse público, o direito à informação, a
busca da verdade e a responsabilidade social.
O processo de comunicação pública deve incluir os atores sociais que integram a esfera
pública para debater e formular propostas de ações ou de políticas que beneficiem a sociedade.
Neste processo observa-se a convergência entre os conceitos de comunicação pública e
comunicação política, uma vez que “os temas, assuntos e interesses envolvendo questões de
poder na sociedade precisam implicar a mobilização, o engajamento e a participação de todos os
atores socias em todas as fases dos processos deliberativos e de implementação” (MATOS, 2011,
p. 45) considerando custos e benefícios de todos os atores sociais envolvidos e os reconhecendo
como cidadãos.
Duarte (2009) defende que a comunicação pública deve objetivar a qualificação da gestão
do público, fazendo com que a sociedade ajude a melhorar a própria sociedade. O papel da
comunicação pública estaria na identificação de demandas sociais, valorização do interesse
público em instituições, qualificação da formulação e implementação de políticas públicas,
melhoramento da compreensão sobre o funcionamento do setor público, avaliação da execução
das ações de interesse coletivo, e outros.
A comunicação precisa criar canais de acesso e participação, estimulando o confronto de
opiniões e o exercício da cidadania. Neste sentido, a comunicação na área pública deve: a)
contribuir para a viabilização das políticas públicas; qualificar os processos de comunicação da
organização; c) apoiar o cidadão em sua relação com o Estado; d) expressar conceitos e ações de
governo. (DUARTE, 2009, p. 131).
Ainda que a internet possibilite canais de participação e interação, problemas
relacionados ao acesso a ferramenta ainda existem, e mesmo que exista o acesso, a participação
do internauta é, por vezes, pouco expressiva ou considerada. De acordo com Barbosa (2011, p.
156), os portais eletrônicos “deixam de levar a participação cidadã para a arena principal, no
combate à reprodução de guetos digitais”. Segundo a autora, é necessário que existam canais que
não se limitem a participação via email ou comentários, por exemplo, mas que alcancem a
interconectividade, “permitindo que o público, em uma perspectiva mais horizontal da
interatividade, faça parte do processo, exerça também sua dimensão autoral”. (BARBOSA, 2011,
p. 156).
Para Zémor (2009), a comunicação pública deve buscar: a) informar; b) ouvir as
demandas; c) contribuir para o sentimento de pertencer ao coletivo e para a tomada de decisão;
d) acompanhar as mudanças. Para o autor, a boa comunicação das instituições públicas deve estar
baseada na transparência, qualidade dos serviços oferecidos e respeito ao diálogo. Sobretudo
quando o assunto em questão diz respeito à implementação de políticas públicas.

Políticas Públicas
As áreas que deveriam receber atenção especial do Estado e políticas de melhoria
sofreram mudanças historicamente, e hoje estão relacionadas com características que são vistas
como direitos de homens e mulheres. As políticas públicas “estão associadas aos direitos que
determinada sociedade reconhece aos seus diferentes cidadãos, são construídas historicamente,
não são conceitos absolutos”, afirma Canela (2005, p. 10).
A política pública não pode se resumir ao momento de sua implementação, uma vez que
consiste em um processo sistemático e não excludente de busca de soluções para problemas
enfrentados pelos cidadãos. Ela pretende colocar o governo em ação a partir de programas,
analisando as ações já realizadas e, quando necessário, propondo mudanças no curso das
medidas tomadas até então.
Souza (2003) afirma que as políticas públicas passam por um processo com várias etapas,
nas quais, de uma maneira ou outra, a mídia estaria presente desenvolvendo um importante
papel. Vicente (2008, p. 277) defende que “a imprensa, por definição, pode e deve assumir um
papel ativo no processo de monitoramento, fiscalização e cobrança quanto à definição, gestão e
avaliação das políticas públicas”.
Aqui é preciso deixar claro que você está se referindo a dimensões atribuídas à mídia no
processo de formulação e implementação das políticas públicas; isto é, dentre as diferentes
funções desempenhadas pela mídia, estão...No agendamento, está a capacidade de a mídia
indicar quais temas merecem destaque a partir do que ela publica ou omite, ou ainda de acordo
com a frequência com que reporta determinados temas. No enquadramento dado aos temas que
aborda, a mídia pode colaborar com a construção de significados e influenciar as etapas do
processo. Na construção da informação, a mídia tem sua função potencializada ao investigar e
fornecer informações, inclusive conferindo voz a fontes alternativas. Na função de controle
social, a mídia trabalharia com o “acompanhamento, não apenas do lançamento oficial de
projetos, mas de sua continuidade, da idoneidade em sua execução e de seus resultados”, pondera
Canela (2005, p. 17).
Ao enquadrar de maneira deficitária as políticas públicas sociais, a mídia acaba por
enfraquecer sua própria capacidade de agendar temas, fornecer informações e ser controladora
social, e enfatiza que a não identificação clara de temas sociais como políticas públicas acaba por
reforçar uma cultura paternalista, como se o Estado prestasse favores e não assegurasse um
direito dos cidadãos.
A democracia, ainda que recente no Brasil, passa por uma fase em que a participação
pública está cada dia em foco pela própria mídia, e ainda mais presente no agendamento de
políticas públicas. Apesar de muito se falar sobre democracia, a política aparece cada vez mais
distante do cotidiano dos leitores, e também ainda mais afastada das exigências do que tem sido
chamado de cidadania informada.
Os subsídios apontados nas páginas sobre políticas públicas “devem abranger com
clareza e amplitude as questões centrais envolvidas, prestando-se tanto à tarefa de proporcionar a
identificação dos assuntos sobre os quais é preciso possuir perspectivas embasadas, quanto ao
próprio processo de construção de posicionamentos, com dados integrais, balizas, comparações,
prognósticos etc”, salienta Rothberg (2010, p. 25).
Para Canela (2005), os indivíduos nem sempre são capazes de “identificar os eixos de
atuação do Estado como políticas públicas”, além de sofrerem limitações na tarefa de avaliar o
desempenho de indivíduos e grupos políticos.
“Quando essa falha informacional passa a atingir não só o cidadão mediano, mas também
os diferentes atores organizados que potencialmente podem exercer um nível mais contundente
sobre os representantes eleitos”, salienta Canela (2008, p. 18), “a possibilidade de as políticas
públicas formuladas atenderem às reais necessidades da população decresce de maneira
diretamente proporcional ao déficit informacional”.
A caracterização das políticas públicas como algo distante e de difícil entendimento pode
incentivar a apatia e a recusa de inserção no sistema democrático. Quanto mais a política é vista
de maneira particular e espetaculosa, mas difícil se torna a visualização da ação política como
algo de grande alcance e grandes consequências.
Busca-se, assim, um meio pelo qual os resultados da ciência possam ser utilizados na
previsão de impactos e formulação de políticas. Assim, os conhecimentos científico-tecnológicos
podem ser utilizados como insumos à tomada de decisão para a formulação de políticas
(policymaking) de desenvolvimento.

Metodologia

Com a contribuição da literatura sobre avaliação de políticas públicas, especialmente


Trevisan & van Bellen (2008), Faria (2005), Costa & Castanhar (2003), Carvalho (2003), Souza
(2003) e Arretche (1998), foi construída uma lista de 20 categorias de análise de conteúdo para a
avaliação de informações sobre políticas públicas disponíveis nos portais eletrônicos de governo
da amostra selecionada (ROTHBERG, 2010).

Cada política encontrada nos portais estudados foi caracterizada com um indicador para
cada variável: “0” (ausência de informação relacionada) e “1” (presença de informação
relacionada). Desta forma, uma política pública apresentada com o máximo de informações
obteria, segundo a lista proposta, 20 pontos. O número de pontos efetivamente obtido na
avaliação de informações a respeito de cada política, quando considerado em relação ao total de
20 pontos, gera um número percentual, correspondente ao grau de abrangência e profundidade
das abordagens de comunicação presentes nos sítios estudados. Este número foi então
denominado Índice de Qualidade da Informação (IQI).

Considerou-se que os subsídios apontados nas informações precisam envolver com


clareza e amplitude as questões centrais envolvidas, prestando-se tanto à tarefa de proporcionar a
identificação dos assuntos sobre os quais é preciso possuir perspectivas embasadas, quanto ao
próprio processo de construção de posicionamentos, com dados integrais, balizas, comparações e
prognósticos.

As análises de conteúdo levaram em conta critérios de disponibilização de informações a


serem adotados na divulgação de ciência e tecnologia nos portais de governo, considerando-se a
importância de contextualizá-las no quadro das políticas do setor. Foram considerados os
seguintes eixos de análise:

1. Antecedentes e diagnósticos – cabe verificar a presença e a profundidade de informações


sobre as condições sociais, econômicas, políticas e ambientais que antecederam e, portanto,
motivaram a criação e a implementação de determinada política.

2. Objetivos e metas – os propósitos de uma política pública podem ser apresentados de forma a
idealizar o cenário a ser atingido, não caracterizado necessariamente em termos quantitativos.
Esta categoria observará a presença ou ausência de informações sobre objetivos (genericamente
enunciados, de forma qualitativa) e metas (específicas, de forma quantitativa) das políticas
públicas.

3. Públicos beneficiados – cabe buscar informações sobre quais critérios foram levados em
conta na hora de decidir porque certo recurso foi alocado para beneficiar de-terminado grupo,
classe social ou setor, em detrimento de outros. Tais decisões, embora com frequência
controversas e excludentes, tendem a ser ignoradas.

4. Impactos sociais – A complexa estratificação social da sociedade contemporâ-nea dificulta a


identificação dos setores que serão mais ou menos beneficiados por determinadas linhas de
pesquisa. Não obstante, é provável que certas camadas serão privilegiadas e outras não atendidas.
Tornam-se necessárias, sob este critério, indagações que tragam subsídios para a consideração de
questões de bem-estar social, exigências de igualdade social e não discriminação.
5. Impactos ambientais – As consequências das políticas de ciência e tecnologia para a
sustentabilidade ambiental tendem a ser enfocadas de maneira simplificada pelos governos, que
receiam suscitar controvérsias em torno de riscos e ameaças. No entanto, o critério de
transparência subjacente a esta categoria implica a divulgação de informações relacionadas de
forma aberta e abrangente.

No âmbito destes cinco eixos de análise foram formuladas 20 categorias, a saber:

1. Condições sociais: fazem referência ao contexto social em que dada política se insere,
envolvendo fatores como trabalho, lazer, saúde etc.

2. Condições econômicas: fazem referência ao contexto econômico em que dada política está
inserida, envolvendo fatores como emprego, desempenho profissional, nível de atividade
industrial, inovação, etc.

3. Cenário político: serão identificadas informações sobre eventuais arranjos, acordos e alianças
políticas que motivaram ou contribuíram para a formulação, a execução e o desempenho de uma
política.

4. Condições ambientais: fazem referência às exigências de sustentabilidade que dada política


procura atender, envolvendo fatores como gestão de recursos hídricos, poluição do ar, das águas
e do solo, contaminação de recursos naturais, economia de recursosetc.

5. Informações legais: será identificada a presença deleis, decretos, regulamentos e portarias


relacionados a uma política.

6. Objetivos: os propósitos de uma política pública podem ser apresentados de forma a idealizar
abstratamente um cenário genérico a ser atingido, não caracterizado necessariamente em termos
quantitativos. Ainda assim, são ligados a motivações que tendem a representar aspirações sociais
legítimas. Daí a relevância de registrar, sob este critério, informações sobre propósitos
genericamente anunciados.
7. Metas: além de objetivos genéricos, uma política também deve possuir metas objetivas,
possíveis de serem visualizadas em termos quantitativos e em escalonamento temporal. A
presença de números, estatísticas e projeções será verificada sob este critério.

8. Recursos e eficiência: sejam materiais, financeiros ou humanos, os recursos disponíveis para


a execução de uma política pública devem ter sido dimensionados, e sua aplicação, programada.
Devem ser consideradas as informações sobre a relação entre os recursos empregados na
implementação de uma dada política e os resultados obtidos, que envolvem planos de gestão,
medidas de otimização e aferição de resultados, redução de desperdício etc.

9. Ações: a partir dos recursos disponíveis, as políticas dependem de ações objetivas para sua
implementação.

10. Informações operacionais, parcerias e convênios: devem ser identificados os dados sobre
procedimentos e instrumentos empregados para que os setores envolvidos em uma política
possam se beneficiar dela, como formulários, editais públicos, instruções para inscrições,
adesões etc. Também devem ser consideradas informações sobre parceiros e conveniados
essenciais para a implementação de determinada política.

11. Públicos-alvo: será observada a presença de informações sobre os diversos setores a quem
uma política se destina, seja em termos genéricos (camadas sociais, faixas etárias, setores
empresariais) ou específicos (entidades, instituições).

12. Instrumentos de relacionamento: serão verificadas as informações sobre a disponibilidade


de formas de relacionamento entre setores sociais e poder público estipuladas no âmbito da
execução de uma política, tanto presenciais (reuniões, audiências públicas e demais eventos),
como virtuais (e-mails, chats, fóruns e consultas públicas online sobre determinada política).

13. Eficácia: serão observadas informações a respeito da relação entre objetivos e resultados
concretamente obtidos no âmbito de uma política. Números, estatísticas e projeções serão
apreciados sob este critério.

14. Efetividade: a avaliação de uma dada política não envolve somente a consideração de efeitos
imediatamente passíveis de mensuração, como número de pessoas beneficiadas e setores
mobilizados, mas também a avaliação em perspectivado impacto sobre as condições anteriores
que foram alvo da política. Sob este critério, serão identificadas as informações que descrevam
os benefícios gerados por determinada política em termos das efetivas transformações obtidas.

15. Custo-efetividade: sob esta categoria será identificada a presença de informações sobre
alternativas de ação possível na situação específica enfocada e as razões para terem sido
preteridas, apresentadas como justificativa para a escolha de determinada política.

16. Bem-estar: será avaliada a presença de considerações sobre os benefícios esperados de dada
política em termos de resolução de necessidades de sobrevivência, conforto material,
atendimento de necessidades básicas etc.

17. Igualdade: sob este critério, serão observadas as informações sobre os resultados de dada
política em termos de sua justa distribuição diante das necessidades dos setores envolvidos, e
referentes ao grau de equidade com que apolítica foi implementada.

18. Satisfação do usuário: serão identificadas as informações provenientes de eventuais


pesquisas de satisfação ou retorno espontâneo de usuários e setores beneficiados por uma
política.

19. Prevenção de riscos: será observada a presença de informações sobre riscos ambientais a
serem controlados na execução de determinada política.

20. Recursos de gestão de riscos: serão identificadas as informações sobre recursos humanos,
materiais e financeiros investidos na gestão de riscos ambientais envolvidos na execução de
determinada política.

As análises aqui apresentadas dizem respeito às páginas com informações sobre políticas
públicas de Ciência e Tecnologia encontradas nas seções permanentes das secretarias estaduais
da área da região sudeste: São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, foram
coletadas e analisadas entre março e maio de 2014. Ao todo páginas referentes a políticas
públicas de C&T foram analisadas.

Análise dos resultados


O gráfico a seguir representa o Índice de Qualidade da Informação (IQI) obtido por cada
um dos estados analisados. Lembrando que, de acordo com o índice, 100% referem-se à
qualidade total da informação a respeito de políticas públicas de Ciência e Tecnologia de acordo
com a metodologia empregada no presente trabalho.
Ao todo foram analisadas 54 políticas públicas de Ciência e Tecnologia. As páginas
foram coletadas entre março e maio de 2014 e são referentes às seções permanentes dos portais
das secretarias estaduais de Ciência e Tecnologia dos estados da região sudeste do Brasil.
(antecipar esta informação para o início do tópico metodologia)
Gráfico I: Número de páginas analisadas em cada um dos portais dos estados da
região sudeste do Brasil.

Fonte: elaboração própria.

Na página referente ao estado de São Paulo (www.desenvolvimento.sp.gov.br/) 13


páginas foram coletadas, em Minas Gerais (www.tecnologia.mg.gov.br) o número foi 14. O
estado com menos políticas foi o Espírito Santo (www.sectti.es.gov.br) que apresentou 9, e o
estado com maior páginas referentes à políticas públicas de C&T foi o Rio de
Janeiro(www.rj.gov.br/web/sect), com 18 páginas.
O índice de qualidade da informação obtido pelos portais foi: Minas Gerais (10%); Rio
de Janeiro (11.66%), Espírito Santo (17.77%) e São Paulo (20.76%). A média do IQI dos quatro
estados foi de 15.04%.

Gráfico II: Índice de Qualidade da Informação obtido pelos estados e média do IQI nos
portais analisados.

Fonte: elaboração própria.

Observou-se que a categoria mais preenchida foi a de objetivos, com (77,77%). Entre as
demais categorias, podem ser detectados três cenários distintos, contemplando conteúdos que
estiveram presentes em diferentes faixas de percentuais do total de páginas web analisadas, a
saber: a) ‘informações operacionais, parcerias e convênios’, ‘ações atuais’, ‘público-alvo’ e
‘recursos e eficiência’, com 53,70 a 20%. b) ‘condições econômicas’, ‘informações legais’,
‘igualdade’, ‘condições sociais’, ‘cenário político’, ‘condições ambientais’ e ‘metas’ com 20% a
1,85%; c) ‘instrumentos de relacionamento’, ‘eficácia’, ‘efetividade’, ‘custo-efetividade’, ‘bem
estar’, ‘satisfação do usuário’, ‘prevenção de riscos’, ‘recursos de gestão’, todos com 0%.
A presença de informações nas categorias preenchidas medianamente no âmbito da faixa “a”
sugere que a atuação dos profissionais responsáveis pela produção dos portais de governo se
orienta pela necessidade de buscar e apresentar os dados mais obviamente ligados a uma política,
como aqueles que se referem às camadas sociais a serem beneficiadas, e como e por que razão
determinados públicos seriam alvo de ações sistemáticas de governo.
A reduzida presença de informações nas categorias situadas na faixa “b” indica que há
pouca preocupação dos produtores e gestores de conteúdo com a exigência democrática de
apresentar dados que permitam avaliar a performance de um governo na execução de uma
política, relacionados a aspectos como pressupostos das escolhas realizadas pelos mandatários,
metas objetivas, recursos investidos, critérios de equidade na distribuição dos benefícios e
resultados efetivamente alcançados.
A escassez de informações nas categorias incluídas na faixa “c” sugere que a produção dos
portais tende a ignorar quase por completo dados essenciais sobre aspectos como formas de
otimização de resultados, planejamento e justificativas sobre as escolhas realizadas pelos
mandatários diante do contexto mais amplo de ações alternativas possíveis.

Gráfico III: Média de frequência do preenchimento das 20 categorias estabelecidas pela


metodologia.
Fonte: elaboração própria.

As análises das páginas referentes a políticas públicas de C&T dos estados da região
sudeste do Brasil indicam que as informações atualmente disponibilizadas nos portais de governo
são superficiais e enquadradas de maneira insuficiente. Sendo assim, a comunicação pública
acaba por enfraquecer a capacidade dos cidadãos de obter informações para manter-se vigilantes
em relação aos resultados da gestão pública. A insuficiência de informações também leva a não
identificação clara de temas sociais como políticas públicas, o que acaba por reforçar uma
cultura paternalista, como se o Estado prestasse favores e não assegurasse um direito dos
cidadãos.

Considerações finais

Sem o entendimento das políticas públicas como resultados de escolhas e sujeitas a


consequências, o público tende a se relacionar de maneira superficial e difusa com o sistema
político. Assim, entende-se qualidade de informação por dados abrangentes para fundamentar
avaliações embasadas sobre as consequências da adoção de determinadas políticas, de modo a
fundamentar cálculos sobre ganhos, perdas e formas de se obter equilíbrio entre eles.
A crescente influência da C&T em diferentes dimensões da vida moderna torna cada vez
mais indispensável o entendimento das questões científico-tecnológicas para o exercício da
cidadania, e mecanismos de popularização da ciência, acesso à informações e participação
precisam ser pensados. De acordo com relatório da Unesco, uma política de popularização da
ciência, direcionada a ampliar o entendimento do indivíduo sobre o mundo no qual está inserido,
poderia estimular a participação pública em escolhas e direcionamentos da ciência e tecnologia e,
consequentemente, contribuir para uma inclusão dos interesses de grupos sociais
tradicionalmente deixados à margem dos benefícios que o desenvolvimento científico e
tecnológico pode proporcionar. Nesse sentido, as ações para promover a popularização da ciência
podem ser entendidas também como estratégicas para impulsionar a inclusão social.
Este artigo apresentou resultados de pesquisa empírica que aplicou análise de conteúdo
sobre uma amostra de 54 páginas web provenientes de portais estaduais de governo no Brasil,
dotadas de informações sobre políticas públicas de Ciência e Tecnologia nos estados da região
sudeste do Brasil (São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro).
Empregou-se um conjunto de 20 categorias de análise de conteúdo, criadas especificamente
em função dos objetivos de pesquisa, que representam a abrangência e a profundidade tidas, no
contexto teórico-metodológico adotado, como necessárias à caracterização completa de uma
política pública do setor.
Os resultados indicam notável insuficiência de informações na amostra analisada, diante de
considerações normativas oriundas da literatura especializada que fundamentaram a metodologia
de investigação e apontam para a necessidade de aperfeiçoamento da comunicação pública
digital.

Referências
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políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998.
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A participação na emissora pública brasileira: reflexões teóricas e metodológicas

Allana Meirelles Vieira1

Resumo: Este artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado sobre a participação e a
representação dos movimentos sociais na emissora pública brasileira, a TV Brasil. Neste
trabalho, em específico, a proposta é fazer uma reflexão teórica e metodológica sobre a
análise da participação, tomando como principal referência a obra de Nico Carpentier.
Nesse sentido, busca-se apresentar correntes de compreensão sobre o termo
“participação”, optando pela adoção de uma perspectiva maximalista. Além disso, serão
apresentadas algumas reflexões iniciais sobre os espaços de participação
institucionalizados na EBC, como o Conselho Curador e a Ouvidoria.
Palavras-chave: Participação; TV Pública; EBC; Conselho Curador; Ouvidoria.

A afirmação da Comunicação como um direito fundamental do ser humano pode


parecer óbvia, mas na prática não é plenamente concretizada no Brasil e nem em outros
países da América Latina. Embora haja uma defesa cotidiana da chamada “liberdade de
expressão” ou “liberdade de imprensa”, esse direito acaba ficando limitado a certos
grupos e classes sociais. Neste sentido, muitas vezes, a defesa da “liberdade de
imprensa” acaba mascarando a busca por uma ainda maior “liberdade de empresa”. As
grandes corporações de jornalismo comercial, assim, se colocam contra, em geral, às
tentativas de afetar seu poder econômico e político na sociedade.
Dessa maneira, a democratização da comunicação se coloca como um desafio
para os países latino-americanos. No Brasil, o sistema se configura historicamente em
oligopólios midiáticos, cuja exploração dos meios se dá prioritariamente com fins
comerciais, como demonstra Bolaño (2004). Além disso, políticos e igrejas atuam como
proprietários de canais de rádio e televisão, assim como, historicamente, canais públicos
foram aparelhados por governos do momento e comunitários se tornaram moeda de
troca no Congresso.

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora


(PPGCOM – UFJF), com bolsa Capes. Graduada em Comunicação pela mesma instituição.
Neste cenário, reproduzem-se através da mídia estereótipos e visões de mundo
hegemônicas, com espaços limitados e sem grande reverberação para narrativas
alternativas. Embora a Internet apareça como uma possibilidade de divulgação de
discursos diferenciados, há também neste veículo a reprodução de estruturas de
dominação e repetição de ideias obervados em outros meios – questão, porém, que não
será aprofundada neste trabalho.
Com a chegada ao poder de partidos de esquerda em vários países da América
Latina, a democratização do setor midiático tornou-se uma esperança aos movimentos
engajados nesta luta. Entretanto, no Brasil, a criação de um “marco regulatório” para a
mídia tem sido adiada durante os 12 anos de governo do Partido dos Trabalhadores
(PT), como o professor Murilo César Ramos afirmou (2015). Uma das poucas medidas
realizadas durante esse período foi a criação da primeira empresa nacional de
comunicação pública, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a partir de uma
demanda do I Fórum Nacional de TVs Públicas com participação de movimentos
sociais.
Embora sua origem e determinados vícios estruturais coloquem em discussão o
caráter público da EBC, sua criação representa, ao menos, o estabelecimento de mais
um veículo em disputa no sistema de comunicação brasileiro. A EBC é responsável
pelo gerenciamento da TV Brasil, da TV Brasil Internacional, da Agência Brasil, da
Radioagência Nacional e do sistema público de Rádio, composto por oito emissoras. Ao
mesmo tempo, a empresa presta serviços à Secretaria de Comunicação do Governo
Federal (Secom), a qual está vinculada, como na produção de programas
governamentais – como “Voz do Brasil”, “Café com a Presidenta” e “Bom dia Ministro”
– para o canal NBR.
Além da mistura de atribuições da EBC, a vinculação da emissora à Secom e não
ao Ministério da Cultura ou das Comunicações foi alvo de indignação – à época da
criação da TV Brasil e desde então – das entidades ligadas à realização do I Fórum
Nacional de TVs Públicas, devido aos prejuízos a sua autonomia. Soma-se a isso o fato
de que os principais cargos de direção da empresa são designados pela Presidência da
República, pela Secom ou por Ministérios, além da crítica recorrente sobre o
financiamento prioritariamente advindo do Governo Federal.
Assim, com a proposta de refletir sobre o caráter efetivamente público da EBC,
mais especificamente da TV Brasil, o grupo de pesquisa “Laboratório de Jornalismo e
Narrativas Audiovisuais”, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), se dedica à
análise e discussão dos programas da TV Brasil, desde 2010. Assim, este trabalho se
configura como parte desta pesquisa de longo prazo (principalmente, porque a autora
participa do grupo desde sua criação) e, mais especificamente, de uma pesquisa de
mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF.
Resumidamente, o projeto de mestrado tem como proposta discutir em que
medida o modelo público de televisão pode se constituir como um espaço contra-
hegemônico ou se, na prática, ele se configura como mais um canal de reverberação de
ideias hegemônicas, contribuindo na manutenção do status quo. Para isso, pretende-se
analisar a participação dos movimentos sociais na TV Brasil bem como sua
representação no principal telejornal da emissora, o Repórter Brasil.
Para tanto, opta-se por uma perspectiva gramsciana sobre o que é público,
entendendo assim, essa esfera não como separada do Estado, mas como parte dele.
Nesse sentido, não se assume a possibilidade de realização de um interesse estritamente
público, completamente separado de interesses estatais, políticos, comerciais e privados,
mas sim a possibilidade de graus de autonomia relativa. Da mesma forma, a concepção
de movimentos sociais que se adota baseia-se no pensamento de Gramsci. Como afirma
Peruzzo, desta pespectiva, eles são considerados “forças autônomas agindo num espaço
não coberto por partidos e sindicatos e, com isso, completando-os no processo de peleja
política” (1998, p.36).
Neste artigo específico, o objetivo é discutir teórica e metodologicamente a
análise da “participação”. O termo, empregado de forma até mesmo banalizada na
atualidade, é, muitas vezes, pouco refletido. Em geral, sua utilização se dá
automaticamente como algo positivo, sem uma contextualização e reflexão sobre a
forma como se realiza ou com que intenções faz-se esse discurso. Além disso,
apresenta-se algumas reflexões iniciais sobre os espaços de participação
institucionalizados na televisão pública brasileira. Assim, este artigo se propõe a ser
uma contribuição neste campo de pesquisa, levantando questionamentos, mais do que
esgotando o debate ou concluindo peremptoriamente a questão.
Devido à extensão do presente trabalho, algumas reflexões teóricas e empíricas
não serão realizadas, como, por exemplo, a discussão mais aprofundada sobre o
conceito de “público”, sobre a definição de “movimentos sociais”, sobre a estrutura de
financiamento e gerência da TV Brasil, sobre o histórico do sistema público de
comunicação no país, entre outras. Estas discussões serão feitas, de maneira mais
aprofundada, na dissertação de mestrado.
O artigo está dividido em três partes, além das considerações finais: a discussão
teórica sobre o conceito de “participação”, a apresentação de perspectivas de análise da
participação e algumas reflexões sobre os aparatos institucionais de participação da TV
Brasil.
Perspectivas teóricas para a análise da participação

A ideia de “participação” está profundamente relacionada com o conceito de


democracia, cujas diversas teorias se debruçam sobre este direito. Diante da variedade
de conceituações e abordagens sobre estes dois termos, torna-se necessário explicitar de
quais perspectivas partem esta pesquisa. Em um estudo que aborda a “participação” em
diferentes campos, “Media and Participation - a site of ideological-democratic struggle”,
o professor Nico Carpentier faz um panorama sobre as perspectivas teóricas em relação
ao termo, distinguindo, a princípio, as teorias minimalistas das maximalistas sobre a
participação democrática.
De acordo com Carpentier (2011), as teorias minimalistas tendem a focar na
representação e na delegação de poder, a partir de um ponto de vista que considera a
política como privilégio das elites. Por outro lado, as maximalistas, equilibram
participação e representação, partindo de uma perspectiva de maximização da primeira.
O segundo aspecto diferencial entre as duas abordagens diz repeito ao enfoque na macro
ou na micro participação. Enquanto os minimalistas consideram apenas a perspectiva
macro, ou seja, de decisões políticas a nível nacional ou de uma comunidade política
imaginada, os maximalistas entendem a participação também na realidade micro da
escola, da família, do bairro, da igreja etc. Deste modo, os primeiros focam na política
institucionalizada (politics) a partir de uma conceituação estreita de “política”, enquanto
os maximalistas entendem a política como uma dimensão do social, perpassando
diversas esferas.
Além disso, segundo o autor, os minimalistas consideram a participação
unidirecional, ou seja, voltada apenas para a política institucionalizada. Mesmo quando
exercida em outras esferas, esta seria o seu fim último, como, por exemplo, na
perspectiva de formação da opinião pública para influenciar a política. Já os
maximalistas partem da ideia de uma participação multidirecional, sem relação
necessária com a política institucionalizada, de forma que, mesmo em outros espaços, se
fortaleça a democracia. Por fim, os minimalistas buscam uma homogeneidade entre os
atores envolvidos, a fim de se chegar a uma decisão política, enquanto os maximalistas
defendem uma heterogeneidade dos atores.
Ambas as perspectivas teóricas poderiam ser adotadas para se analisar um
veículo de comunicação. Aplicando as dimensões minimalistas ou maximalistas à
participação no campo midiático, Carpentier afirma que do ponto de vista minimalista,
essa participação se restringe ao acesso ou à interação. Neste sentido, ele afirma que: “A
participação permanece unidirecional, articulada como uma contribuição à esfera
pública, porém, muitas vezes, servindo às necessidades e aos interesses da própria
grande mídia, instrumentalizando e incorporando as atividades dos participantes não-
profissionais” (CARPENTIER, 2011, p.69).
Nesta perspectiva, Carpentier afirma que a participação é considerada de um
ponto de vista despolitizado. Principalmente com o desenvolvimento da Internet, a
demanda por participação parece cada vez mais frequente. Entretanto, na prática, as
empresas de comunicação acabam se apropriando da ideia em busca de fidelização da
audiência e, portanto, manutenção dos lucros. Como Carpentier explica, em sua
profunda crítica ao capitalismo, Marx afirmou a minimização da participação e a
impossibilidade de uma igualdade neste sistema, ainda que a sociedade capitalista
aprofundasse sua democracia (CARPENTIER, 2011, p.27).
Assim, como aparelhos de reprodução da hegemonia, os meios de comunicação
comerciais se apropriam da busca por “participação” transformando-a em mais um
adereço de seu produto jornalístico. Com vídeos enviados pelo público, programas com
a presença de telespectadores, canais na Internet, etc., simula-se uma participação na
esfera pública.
Ao discutir a mudança estrutural da esfera pública, Habermas aponta algumas
inconsistências na consolidação deste espaço no capitalismo. Se o conceito parte da
ideia da participação igualitária de cidadãos em uma esfera de deliberação pública, na
prática, a própria definição de “cidadão” a partir da detenção de propriedade impede sua
configuração idealizada. “A esfera pública burguesa se rege e cai com o princípio do
acesso a todos. Uma esfera pública, da qual certos grupos fossem eo ipso excluídos, não
é apenas, digamos, incompleta: muito mais, ela nem sequer é uma esfera pública”,
afirma o sociólogo alemão (HABERMAS, 2003, p.105).
Com a criação dos meios de comunicação de massa, poderia haver uma
possibilidade de ampliação do acesso à esfera pública, devido ao poder de alcance da
tecnologia. Entretanto, como Habermas afirmou, a privatização dos meios levou a uma
priorização de outros interesses e a exclusão de grupos da esfera pública midiatizada.
Neste sentido, teríamos uma esfera pública simulada.
Assim, a participação tão enunciada pelos meios de comunicação comerciais
acaba ocultando a permanente exclusão de determinados grupos da esfera pública. Se a
Internet ampliou o potencial de diálogo, por outro lado, o “fetichismo tecnológico” que
considera-a com um veículo sem nenhuma forma de controle e, assim, a chave para a
democratização da comunicação acaba ocultando as relações de poder e dominância que
permanecem operando.
Diante destas considerações, opta-se pelo ponto de vista maximalista associado a
uma perspectiva de autores marxistas. No sentido da participação na democracia,
entende-se que esta última não se resume às questões eleitorais, mas se consolida a
partir de seu fortalecimento nas práticas e na cultura. Portanto, o aprofundamento do
sistema democrático dependeria também da democratização dos meios de comunicação.
Além disso, as perspectivas maximalistas no campo da participação midiática, como
afirmou Carpentier, consideram-na do ponto de vista político e tendem a defender sua
maximização, indo além da mera interatividade ou do acesso, justificando, portanto, a
escolha deste ponto de vista.
A perspectiva marxista se verifica na compreensão de que o sistema capitalista
determina em última instância as relações sociais que se desenvolverão no interior dos
meios de comunicação. Opta-se por uma interpretação gramsciana, a qual assume a
possibilidade de lutas por hegemonia no interior da sociedade civil. Segundo Gramsci
(2007), esta juntamente com a sociedade política formaria o Estado e seria composta por
aparelhos privados de reprodução da hegemonia, como escola, igreja, mídia etc. Sendo
resultado de luta, portanto, a hegemonia inclui o contraditório e forças divergentes,
possibilitando, portanto, a existência de uma contra-hegemonia no âmbito da sociedade
civil. Neste sentido, Moraes afirma que:
“Um dos desafios centrais para o pensamento contra-hegemônico
consiste em alargar a visibilidade pública de enfoques ideológicos que
contribuam para a reorganização de repertórios, princípios, e variáveis
de identificação e coesão, com vistas à alteração gradual e permanente
das relações sociais e de poder. Para isso, são fundamentais
campanhas, mobilizações e pressões sociais por legislações que
detenham a forte concentração do setor nas mãos de um reduzido
número de corporações multimídias. Cabe às políticas públicas
estabelecer mecanismos consistentes de descentralização dos sistemas
de comunicação, tanto para democratizar o regime de concessões de
canais de rádio e televisão, quanto para incentivar meios comunitários
e locais, a produção audiovisual independente, a criação cultural não
mercantilizada e a aplicação de tecnologias digitais nos processos
educacionais e científicos.” (MORAES, 2010, p.73-74).

Assim, Moraes entende a democratização da comunicação como uma forma de


fortalecer o pensamento contra-hegemônico. Neste trecho, Moraes afirma a importância
dos canais comunitários assim como Carpentier trabalha a comunicação comunitária
como uma forma de exercício da participação no campo midiático. Neste sentido, são
nesses canais que a participação mais profunda poderia ser realizada, tanto no âmbito da
representação própria quanto da produção de conteúdo e decisões internas.
Enquanto a participação na comunicação comunitária e na comunicação
comercial fica clara – sendo maximalista e minimalista, respectivamente –, na
comunicação dita “pública”, ela se torna mais ambígua. Assim, pretende-se neste
trabalho, fazer considerações sobre a participação na empresa pública de comunicação
brasileira.

Procedimentos metodológicos para análise da participação

Ao abordar a participação na esfera midiática, Carpentier afirma a possibilidade


de ela ser exercida por meio da mídia ou na mídia, elaborando, portanto, três categorias
de participação: participação na produção midiática, interação com o conteúdo e
participação na sociedade por meio da mídia.
Na participação por meio do veículo de comunicação, tem-se a possibilidade de
ela se exercer na sociedade, porém mediada pela mídia, ou por meio da
autorrepresentação. Neste sentido, esta esfera é entendida como “um espaço onde
cidadãos podem expressar suas opiniões e experiências, e interagir com outras vozes”
(CARPENTIER, 2011, p.67). O autor, porém, considera o fato de que a estrutura e a
cultura midiática bem como o ambiente ideológico impactam na intensidade desta
participação. Já aquela que ocorre na mídia diz respeito à produção de conteúdo e aos
processos de decisão, permitindo assim a atuação dos cidadãos em uma microesfera
relevante da vida cotidiana, além do exercício de seu direito à comunicação.
Assim, tem-se como proposta pesquisar em que medida essas formas de
participação são exercidas pelos movimentos sociais na emissora pública de televisão
brasileira, TV Brasil. Portanto, na pesquisa macro (a ser apresentada como dissertação
de mestrado), a ideia é analisar de que maneira eles participam do processo de produção
de conteúdo e de decisões internas, bem como são representados e conseguem participar
na sociedade por meio do canal público.
Sobre como realizar essa análise, em uma aula ministrada na Segunda Edição do
Curso de Verão da Associação Latino-americana de Investigadores da Comunicação
(ALAIC), Nico Carpentier apresentou algumas etapas para a análise da participação na
esfera midiática. Neste sentido, o autor partiu de uma diferenciação entre acesso,
interação e participação, estando elas em escala crescente de gradação.
Segundo a proposta de Carpentier, a análise deve ser feita a partir das seguintes
etapas: 1) seleção do processo midiático; 2) seleção do campo; 3) análise do processo
midiático dentro do campo; 4) identificação dos atores ativos no processo midiático e
mapeamento de suas relações; 5) análise das identidades e identificações dos atores; 6)
análise do privilégio ou não dos atores envolvidos no processo no campo; 7)
identificação dos momentos de decisão e sua relevância dentro do processo midiático;
8) análise das ações discursivas e materiais nos momentos de decisão e suas relações
com as identidades dos atores; 9) análise da posição de poder de cada ator em cada
momento de decisão; 10) comparação das posições de poder dos atores em cada
momento de decisão; 11) comparação das posições de poder de cada ator no processo
midiático como um todo; 12) avaliação do (des)equilíbrio das posições de poder entre
os atores privilegiados e os não privilegiados.
As etapas propostas por Carpentier são úteis na elaboração de procedimentos
metodológicos para análise da participação no campo midiático, embora algumas
adequações possam ser feitas de acordo com o objeto específico.

A participação em uma emissora pública de televisão

Como dito anteriormente, nos canais de comunicação comercial, a participação


acaba se configurando nos níveis do acesso e da interação, sendo o termo utilizado,
muitas vezes, como forma de legitimação institucional ou de fidelização da audiência.
Já a comunicação comunitária seria potencialmente o espaço mais genuíno de
participação popular no campo midiático, onde os grupos produzem o conteúdo e sua
própria representação. Os canais públicos, assim, não se enquadrariam nem na forma
minimalista de participação e nem na maximalista.
Por um lado, mesmo que de forma apenas legal, a própria constituição do canal
público implica na existência de instrumentos de participação da “sociedade civil”,
como os Conselhos Curadores. Por outro, a prevalência de processos de
profissionalização da produção impedem que seja feita uma autorepresentação. Assim,
não basta questionar a existência ou não da participação em emissoras públicas, mas em
que grau ela é efetivada. Na pesquisa macro (da qual este artigo faz parte), a indagação
vai além, buscando verificar em que medida essa participação resulta na emergência de
contradições e, portanto, de contra-hegemonias. Assim, é possível, conceitualmente,
refletir sobre a relação entre “contra-hegemonia” e “autonomia relativa”.
Este último conceito é abordado por Raymond Williams em sua obra “Cultura”.
Segundo ele, a “autonomia relativa” pode ser medida, ainda que a princípio, a partir da
“distância prática entre ele [um processo cultural] e outras relações sociais organizadas”
(WILLIAMS, 1992, p.186). Assim, deve ser analisada considerando os fatores sociais e
históricos, ou seja, a ordem social como um todo, na qual a produção cultural se insere.
Além disso, um dos critérios para se ter um maior grau de autonomia relativa é a
existência de disputas de interesses, que elevam o nível de complexificação das
relações. Desta maneira, parece haver uma relação entre “autonomia relativa” e
possibilidades de “contra-hegemonia”.
Diante dessas considerações, a participação é compreendida também como uma
estratégia para garantir a “autonomia relativa” da emissora, neste caso, representada
pelo seu distanciamento em relação ao governo e ao mercado. Embora, a vinculação de
emissoras públicas ao Estado, no Brasil e na América Latina, seja alvo de
questionamento sobre o caráter efetivamente público delas, a “autonomia relativa” está
mais relacionada a outras questões. Isso porque há, em geral, ruídos na compreensão
dos termos “estatal” e “governamental”. A partir da visão gramsciana, por exemplo, o
Estado é formado pela sociedade política mais a sociedade civil, ou seja, aparelhos de
coerção mais aqueles de reprodução da hegemonia. Portanto, tem-se uma visão
ampliada sobre o Estado, o qual possui uma estrutura institucionalizada e permanente.
Já o Governo, nos sistemas democráticos, constitui-se por pessoas que ocupam o poder
temporariamente.
Assim, a autonomia das emissoras públicas seria garantida não apenas por
formas plurais de financiamento, mas também pela participação de representantes da
sociedade civil organizada nos organismos de gestão e fiscalização da empresa bem
como nos processos de produção do conteúdo a fim de se impedir que estas emissoras
sejam usadas como instrumentos dos governos do momento.
No caso da TV Brasil, há dois principais órgãos institucionalizados de
participação: a Ouvidoria e o Conselho Curador. A primeira se responsabiliza por
receber comentários do público e analisar criticamente o conteúdo veiculado nos canais
geridos pela empresa. Segundo o Artigo 20 da Lei n° 11.652/2008, que rege o
funcionamento da EBC, compete à Ouvidoria “exercer a crítica interna da programação
por ela produzida ou veiculada, com respeito à observância dos princípios e objetivos
dos serviços de radiodifusão pública, bem como examinar e opinar sobre as queixas e
reclamações de telespectadores e rádio-ouvintes referentes à programação” (BRASIL).
O ouvidor é nomeado pelo diretor-presidente da empresa para um mandato de dois anos,
com possibilidade de exercer o cargo por mais dois.
Entre as funções do ouvidor, está a produção de um “boletim interno diário com
críticas à programação do dia anterior, a ser encaminhado à Diretoria Executiva”; a
publicização de análises sobre a programação da EBC; a elaboração de relatórios sobre
a atuação da EBC, a cada dois meses, para o Conselho Curador; e a produção de
programas de rádio e TV.
Já o Conselho Curador é o espaço de participação da “sociedade” na gestão da
empresa, responsável pela fiscalização e garantia do caráter público e autonomia dos
canais. Entre suas funções, está a aprovação anual do plano de trabalho e da linha
editorial da EBC, bem como a verificação de sua prática, acompanhando e fiscalizando
as programações. Além disso, o Conselho pode emitir voto de desconfiança aos
diretores, por meio de deliberação da maioria absoluta. Caso haja uma segunda
advertência, os diretores podem ser afastados de seus cargos.
Composto por 22 integrantes, o Conselho tem 15 representantes da sociedade
civil; quatro integrantes do Governo Federal (ministros da Educação, Cultura, Ciência e
Tecnologia e da Secom); um da Câmara dos Deputados; um do Senado Federal, além de
um representante dos funcionários da empresa. Os primeiros conselheiros foram
indicados pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, a
escolha dos membros representantes da sociedade civil é feita por meio de consulta a
entidades, as quais fazem indicação de nomes que devem respeitar alguns requisitos
relacionados à “diversidade cultural e pluralidade de experiências profissionais”, além
da garantia de um representante por região do país (BRASIL). A partir disso, o
Conselho fica responsável por elaborar uma lista tríplice e enviar à Presidência da
República, que ainda é responsável por fazer a designação dos nomes.
Além da realização de reuniões, o Conselho Curador promove audiências
públicas, produz uma revista semestral e já firmou parcerias com Universidades com a
proposta de analisar a programação dos canais da EBC. Entre 2010 e 2011, foram
firmados convênios com a Universidade Federal do Ceará e a Universidade Federal de
Juiz de Fora2, com a proposta de monitoramento da programação infantil e do
telejornalismo da TV Brasil, respectivamente. Da mesma forma, a Ouvidoria da EBC
também já estabeleceu parcerias com Universidades para análises dos veículos, dentre
elas, de 2009 a 2014, com a UnB na apreciação de conteúdos radiofônicos.3
Na esfera da produção jornalística da TV Brasil, mais especificamente do
principal telejornal da emissora, Repórter Brasil, há também um espaço
“institucionalizado” de participação: o Outro Olhar. O quadro é destinado à produção
audiovisual do público, com um espaço de cerca de dois minutos no noticiário diário.
Entretanto, na prática diária, ele não é idealmente efetivado, já que, muitas vezes, é o
primeiro a ser cortado quando o telejornal está completo e pelo fato de que muitos dos
vídeos veiculados não são enviados pelo público, mas selecionados pelos profissionais
em canais da Internet. Dessa forma, acabam não se constituindo como aquilo que
exatamente se propõem, que é a oferta de um “outro olhar”.
Assim, como neste caso, a existência de aparatos legais ou institucionalizados
não garante totalmente a efetivação da participação e sua reverberação nos processos de
produção e no conteúdo final apresentado pela emissora. A análise, portanto, deve ir
além da constituição normativa da empresa e de sua estrutura legal, chegando às
práticas cotidianas e levando em conta os aspectos culturais e valorativos que permeiam
os processos.

Considerações finais

Como pesquisar a participação na televisão? Foi partindo deste questionamento


que este artigo se configurou. Esta indagação faz parte de um trabalho maior, destinado
a pesquisar a possibilidade de contra-hegemonia na emissora pública de televisão
brasileira a partir da participação e da representação dos movimentos sociais. Neste

2 Mais informações em COUTINHO, I. (org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2013.

3 Mais informações em PAULINO, F.O.; SILVA, L.M. Comunicação Pública em Debate: Ouvidoria e Rádio.
Brasília: Editora UnB, 2013.Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/14774> Acesso em 14 set. 2015.
sentido, buscou-se estabelecer perspectivas teóricas sobre o conceito de “participação”
que, embora seja tão utilizado e demandado, tenha sentidos e aplicações diversas.
A discussão sobre as visões minimalistas e maximalistas da “participação”, tanto
na democracia como um todo como especificamente na esfera midiática, nos permitiu
localizar a base sobre a qual parte este estudo assim como aplicar esses pontos de vista
na participação promovida pelos diferentes modelos de televisão: comercial,
comunitário e público. Assim, entende-se a perspectiva maximalista como a mais
adequada para se analisar as emissoras públicas, embora elas não sejam capazes de
atingir os mesmos níveis de participação que os canais comunitários.
Considerando que a pesquisa macro inclui uma perspectiva gramsciana, de
contra-hegemonia – e, portanto, politizada – a visão minimalista da “participação”
acaba sendo insuficiente para responder as questões levantadas. Neste sentido, a
participação deve ir além do acesso ou da mera interação, promovendo mais que apenas
uma simulação, até mesmo para que a emissora se constitua de fato como “pública”.
Assim, as etapas de análise propostas por Carpentier se colocam como procedimentos
úteis na elaboração da pesquisa.
De forma inicial, tentou-se, neste artigo, mapear os aparatos institucionais de
participação da TV Brasil, os quais serão posteriormente analisados a partir destas
etapas de análise propostas na dissertação de mestrado em curso. Neste sentido, mais do
que apenas a existência de estruturas legais que possibilitem a “participação”, a
pesquisa macro pretende observar as práticas culturais e cotidianas, que viabilizam ou
não a efetivação desta “participação”, levando a reverberações no conteúdo veiculado
pela emissora.
Já que o interesse da pesquisa é avaliar o grau de emergência de vozes contra-
hegemônicas, essa participação também é analisada a partir de um grupo de atores
específico, que são os movimentos sociais. Para isso, pretende-se analisar, mais
profundamente, por meio da dissertação, a participação no âmbito do Conselho Curador
e na produção jornalística. Desse artigo, surgem então as seguintes questões, que se
pretende responder no trabalho final: Quem são os representantes dos movimentos
sociais no Conselho Curador? Qual a posição deles no processo de discussão? Em que
medida suas reivindicações reverberam na prática? Como se dá o diálogo com os
movimentos sociais no processo de produção do telejornal? A representação destes
grupos é uma repetição de estereótipos ou inclui discussões mais aprofundadas?
Desta forma, mais do que um artigo conclusivo, este texto se constitui como um
ponto de partida para reflexões maiores que serão feitas em relação à participação na
emissora pública brasileira.

Referências

CARPENTIER, Nico. Media and Participation: A site of ideological-democratic


struggle. Bristol/Chicago: intellect, 2011.
______. How to research participatory processes? Aula ministrada na Segunda
Edição do Curso de Verão da Associação Latino-americana de Investigadores da
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política. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. 3.ed.. Rio de Janeiro:
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Universidade Federal de Sergipe; São Paulo: EDUC, 2004.

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serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a
entidades de sua administração indireta; autoriza o Poder Executivo a constituir a
Empresa Brasil de Comunicação – EBC. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 8 abr. 2008, p.1. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm. Acesso em:
20 mai. 2015.

MORAES, Dênis de. Comunicação, hegemonia e contra-hegemonia: a contribuição


teórica de Gramsci. Revista Debates. Porto Alegre, v.4, n.1, 2010, p.54-77.

PERUZZO, Cicilia. Comunicação e movimentos populares: a participação na


construção da cidadania. 3ªed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. RAMOS, Murilo. Feitiço
do tempo: o tímido legado de Lula e Dilma na comunicação. Brasília: Laboratório de
Políticas de Comunicação, Universidade de Brasília, 2015.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1992.
Sobre expectativas da informação em saúde: a abordagem
do câncer por um programa de televisão pública1

Allan Gouvêa2
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

“...as fantasias punitivas ou sentimentais forjadas em torno dessa situação [de


doença]; não a verdadeira geografia, mas os estereótipos do caráter nacional. (...)
a maneira mais honesta de encará-la – a mais saudável de ficar doente – é aquela
que esteja mais depurada de pensamentos metafóricos, que seja mais resistente a
tais pensamentos. (...) [A] doença [o câncer] é intratável e caprichosa – ou seja, um
mal não compreendido ,– numa era em que a premissa básica da medicina é a de
que todas as doenças podem ser curadas.” (SONTAG, 1984, p. 7-9)

RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de analisar uma experiência informativa sobre o câncer, a partir
de um programa televisivo da principal emissora pública do país (Ser Saudável, TV Brasil).
Destaca-se, nesse sentido, o fato de não ser um produto que se vale de padrões e formatos
jornalísticos convencionais. Como fundamentação, utilizam-se referenciais teóricos (tais
como ARAÚJO; CARDOSO, PESSONI, MORAES) para compreender, discutir e definir as
relações entre os campos comunicação e saúde. As reflexões se desdobram em duas edições
do programa veiculadas durante o período de um ano, que abordam, em alguma medida, a
temática oncológica. O estudo faz uma análise de conteúdo qualitativa, donde se verifica uma
aproximação da narrativa com aquilo que se espera para um produto informativo sobre
saúde/câncer.

Palavras-chave: saúde; informação; TV pública; câncer; novo formato.

1. Introdução
Este estudo visa identificar, a partir da mídia informativa, alguns dos efeitos sociais
vigentes sobre o câncer. Partimos da ideia de que a percepção sobre os tumores malignos
ainda estão cercados de mitos, metáforas, preconceitos e desconhecimentos e, assim, se
constituem por vezes como um verdadeiro tabu em nossa sociedade.
Durante a análise dos produtos televisivos que tratam da temática sobre câncer em
uma emissora comercial e em outra pública, no âmbito de um projeto de pesquisa maior,

1 Trabalho apresentado como requisito parcial para a conclusão do “1º Curso de Verão Pesquisa em
Comunicação na América Latina”, da Associação Latino Americana de Investigadores da Comunicação
(ALAIC), realizado de 19 a 25 de março de 2014, na Universidade de Brasília (UnB).
2 Bacharel em Comunicação Social pela UFJF, mestre em Comunicação pela mesma universidade. Integrante do
Grupo de Pesquisa “Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais”, com bolsa Fapemig. E-mail:
allangouvea@yahoo.com.br.
1
enumeramos uma série de elementos constitutivos dessa cobertura passíveis de crítica, a partir
de categorias de análise elaboradas especificamente para este objeto de estudo. Porém, dentro
do escopo de análise selecionado (dois telejornais e dois programas especializados em saúde),
deparamo-nos com uma experiência informativa muito singular em relação ao padrão vigente
nos demais produtos. Trata-se do semanal “Ser Saudável”, exibido pela TV Brasil – a primeira
emissora de abrangência nacional do sistema de televisão pública do país. A seleção dele se dá
justamente pelo fato de não ser um programa que obedece ao modelo telejornalístico vigente,
mas que apresenta potencialidades informativas por meio de outro formato – que consiste, em
resumo, na visita de médicos aos domicílios dos personagens selecionados. Tais
potencialidades podem se aproximar mais, pressupostamente, de um padrão que se espera
para a relação comunicação, informação e saúde. O atendimento dessa expectativa – em um
formato distinto da narrativa jornalística tradicional (repórteres e VTs) – pode representar
ainda um sintoma de um suposto descrédito do jornalismo hegemônico nos dias atuais3.
O principal objetivo nessa pesquisa é, dessa forma, compreender a lógica de
produção televisiva em saúde, identificar seus sentidos e seus prováveis efeitos sociais. Um
dos primeiros questionamentos, inclusive, se propõe a definir ou conceituar este campo
interdisciplinar, com base em algumas contribuições teóricas já disponíveis. A investigação
enseja, ainda, encontrar parâmetros para respaldar um conhecimento acadêmico que dê conta
de problematizar o discurso do estado de saúde e doença, e apontar diretrizes possíveis para
uma informação em saúde voltada preferencialmente para o interesse público.
Como procedimento metodológico, adotamos uma análise de conteúdo de natureza
qualitativa4, na qual pesam como expectativas ou referências: a presença do suporte
especializado, sobre o que está habilitado a falar, o que ele fala e de que lugar; a participação
popular de pacientes, ex-pacientes e familiares, ou pessoas comuns, e como eles são ouvidos,
como se dá a sua representação, se estão aptos ou não a reivindicar suas demandas; quais os
critérios de noticiabilidade ou por que o câncer aparece nos programas; quais os
enquadramentos e as angulações construídas; a potencialidade comunicativa, percebida por
meio da narrativa, em relação às estratégias de personificação, humanização, dramatização e
sensibilização do relato; as relações e as metáforas empregadas para se referir aos tumores; os
3 Danilo Rothberg (2011), por exemplo, defende que subsiste na atualidade um descrédito do jornalismo, que
vem crescendo na esteira de sua desconexão com seu público, porque a informação jornalística parece ter se
distanciado dos temas que as pessoas pensavam ser necessários para a resolução de seus problemas cotidianos;
que se alastra por outros campos, como o político.
4 As categorias foram estabelecidas a partir dos referenciais teóricos do jornalismo e da comunicação e saúde –
utilizados no projeto de pesquisa como um todo (GOUVÊA, 2015), com base em pesquisas exploratórias com
matérias televisivas sobre o câncer da Rede Globo e da TV Brasil. Esses critérios levam em consideração as
especificidades desse tipo de cobertura.
2
ditos e os não ditos sobre as formas enunciativas do dizer do estado de saúde ou de doença; as
relações de poder que emergem, a política, em sentido lato – o papel do Estado, o
personalismo político e as políticas públicas; a qualidade técnica da sequência audiovisual; a
acessibilidade da linguagem, com vistas a perceber eventuais ruídos pela escolha de termos e
dados dificilmente codificados pelo público leigo.

2. Comunicação e saúde: em busca de uma definição


As pesquisas que objetivam compreender as fronteiras entre o campo da
comunicação e o campo da saúde apresentam diferentes orientações conceituais, que são
denominadas de maneiras distintas, e cujas diferenças se dão por uso de preposições,
conectivos e/ou artigos. Dessa forma, os diferentes modos de grafar a área interdisciplinar
refletem também concepções particulares. A fim de estabelecer uma distinção para uma
definição da área “Comunicação e Saúde”, Inesita Araújo e Janine Cardoso (2009) elucidam:

Comunicação e Saúde é um termo que indica uma forma específica de ver, entender,
atuar e estabelecer vínculos entre estes campos sociais. Distingue-se de outras
designações similares, como comunicação para a saúde, comunicação em saúde
e comunicação na saúde. Embora as diferenças pareçam tão sutis que possam ser
tomadas como equivalentes, tenhamos em mente que todo ato de nomeação é
ideológico, implica posicionamentos, expressa determinadas concepções, privilegia
temas e questões, propõe agendas e estratégias próprias (ARAÚJO; CARDOSO,
2009, grifos das autoras).

Nesse tocante, há uma necessidade de exercício epistemológico, com vistas a


relacionar olhares científicos possíveis para o tema que se pretende abordar. As variadas
possibilidades de nomes para a área, ou seja, as possibilidades de “representação do conceito
que designa” (FERRARA, 2010, p. 53) precisam ser analisadas até mesmo para que se tenha
respaldo e parâmetros teóricos para o trabalho empírico. Lucrécia Ferrara define que todo
fazer científico pressupõe uma redução do mundo e, para se tornar concreto, ele precisa de um
modo de dizer que o nomeie e o torne visível. Cabe, segundo ela, uma diferenciação entre
nome e conceito – o primeiro deve ser amplo e designativo, enquanto o segundo vai colocar
suas categorias à prova dos nomes que, para categorizar, devem distinguir.
A autora acrescenta que “o nome cria o hábito de repetição do conceito com sua
consequente explicação totalizante como se designar o mundo pelo seu nome conceitual fosse
suficiente para a atividade investigativa” (FERRARA, 2010, p. 53). Por esses motivos,
elencaremos nesse tópico uma série de possibilidades interpretativas de correntes que se
debruçam sobre o objetivo de estudar as relações entre a comunicação e a saúde.

3
Na primeira proposta conceitual apresentada, as pesquisadoras utilizam o conceito de
‘campos sociais’, proposto por Bourdieu5 (1989), para, a partir dessa definição, explicar as
relações que podem estabelecer entre si. O momento histórico dos estudos nessa área é aquele
em que sinalizou a primeira tentativa de institucionalização da propaganda como estratégia
educativa e sanitária, em 1923, no contexto da “Reforma Carlos Chagas” 6. À medida que o
tempo passou, novas discussões entre saúde e sociedade entraram na agenda, sobretudo a
partir dos anos de 1960, e hoje ainda mais pela massiva presença da mídia no social. Para
elas,

o termo Comunicação e Saúde, portanto, delimita um território de disputas


específicas, embora atravessado e composto por elementos característicos de um, de
outro e da formação social mais ampla que os abriga. Trata-se de um campo ainda
em formação, mas como os demais constitui um universo multidimensional no qual
agentes e instituições desenvolvem estratégias, tecem alianças, antagonismos,
negociações. Essa concepção implica colocar em relevo a existência de discursos
concorrentes, constituídos por e constituintes de relações de saber e poder, dinâmica
que inclui os diferentes enfoques teóricos acerca da comunicação, saúde e suas
relações. Contrapõe-se, assim, a perspectivas que reduzem a comunicação a um
conjunto de técnicas e meios a serem utilizados de acordo com os objetivos da área
da saúde, notadamente para transmitir informações de saúde para a população
(ARAÚJO; CARDOSO, 2009).

Essa noção parece apresentar um ponto de vista mais abrangente desses estudos,
mais complexo e problematizador, se comparada com a de outras perspectivas acadêmicas; e
contempla, ademais, uma concepção de que comunicação tem um papel fundamental no
controle social, na medida em que confere legitimidade aos sentidos sociais em voga.

Comunicação
Saúde
Educação popular
Movimentos sociais
Políticas públicas

5 Em linhas gerais, a teoria dos campos elaborada por Bourdieu propõe que cada universo da sociedade está
condicionado às relações intrínsecas do habitus dos seus agentes, organizados de acordo com as disputas internas
e externas, pelos interesses aos quais se inclinam, com um sistema de trocas linguísticas que funciona nessa
perspectiva. Essa concepção aplicada ao método científico permitiria um aprofundamento da investigação, como
forma de fuga do reducionismo. “A teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a forma
específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos e os conceitos mais gerais (capital, investimento,
ganho), evitando assim todas as espécies de reducionismo [...] Compreender a gênese social de um campo, e
apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se
joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao
absurdo do arbitrário e do não motivado os atos dos produtores e das obras por eles produzidas e não, como
geralmente se julga, reduzir ou destruir.” (BOURDIEU, 1989, p. 69, grifos do autor).
6 “Nos anos 1920, pela primeira vez a saúde surgia como questão social no Brasil. Com o crescimento da
economia cafeeira, a aceleração do processo de urbanização e o desenvolvimento industrial, a questão da saúde
ganhou novos contornos, pois as condições sanitárias afetavam diretamente a qualidade da mão de obra. As
medidas de saúde pública caracterizaram-se pela tentativa de modernização e extensão de seus serviços por todo
o país. A reforma promovida por Carlos Chagas em 1923, criando o DNSP, visava incorporar o saneamento
rural, a propaganda sanitária e a educação higiênica como preocupações do Estado” (LIMA; PINTO, 2003, p.
1043).
4
Ciência e tecnologia
informação

Comunicação
e
Saúde

Figura 1: Campo da Comunicação e Saúde / Fonte: ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p. 21.

Outra visão, marcadamente ideológica, prevê a comunicação como um canal ou


intermediário para promoção da saúde, isto é, a comunicação como um meio para atingir um
fim, a saúde. Por isso, parece uma proposta mais simplificada, que reduz a comunicação a
uma mera ferramenta, que deveria, no plano das idealizações, apenas oferecer informações
para que as pessoas tenham mais conhecimento sobre a saúde. Ressalta-se a importância dessa
visão, que é evidentemente real, mas a participação da comunicação não é, ou não deve ser,
tão simplista; uma vez que seus produtos mobilizam relações simbólicas, menos objetivas e
menos concretas que o campo da saúde. Nesse sentido, ‘comunicação e saúde’ também se
constitui

no esforço em pensar e propor encaminhamentos e reflexões inovadores, marcados


pela presença da doença, capital e tecnologia. A comunicação exige o enfrentamento
de linguagens verbais e não verbais de produção de sentido [...]. Trata-se de
elemento estratégico para a gestão social da saúde e qualidade de vida (MORAES,
2007, p. 65).

José Marques de Melo, em obra que promete delinear as fronteiras do campo da


comunicação no Brasil, convida o professor Arquimedes Pessoni para apresentar um
panorama dos lugares de pesquisa, dados e informações em torno da concepção de
“Comunicação para a saúde”, o qual seria

uma forma de a mídia usar sua força de divulgação de assuntos de saúde com
abrangência e interesse público, impactando positivamente a saúde da população. A
mídia exerceria uma pedagogia ao repetir narrativas e imagens que instituem juízos
e modos de reagir diante de dilemas morais gerados pela sociedade contemporânea.
Profissionais do jornalismo, queiram ou não, desempenham o papel de educadores.
Além disso, podem influenciar na eventual adoção pública de medidas supostamente
protetoras, sem garantias de eficácia. (PESSONI, 2008, p. 297)

5
A definição caracterizada pela preposição ‘para’ constitui, dessa forma, uma
perspectiva que prevê uma função didático-pedagógica para a imprensa, com um
direcionamento positivista e que defende, com isso, a observância de um paradigma ideal e
idealizado, já que é preciso questionar ou averiguar essa comunicação, e suas ferramentas, e
que saúde se pretende obter como finalidade.
Numa corrente parecida com esta última, um grupo de pesquisadores portugueses
trabalhou com a proposta de “Comunicação na saúde”, cujo projeto intitulado “Doença em
Notícia” levou três anos de estudos e análises, de 2010 a 2013, em Portugal, mas buscando
dialogar com os trabalhos realizados em outros países. O projeto de pesquisa resultou em um
e-book: A saúde em notícia: repensando práticas em comunicação. Os pesquisadores
lusitanos também trabalham conforme a concepção de uma comunicação como agente
fundamental na promoção da saúde e da igualdade, sendo necessária a formulação de uma
comunicação estratégica, que possa dar conta desse objetivo. Mais que uma informação para
fomentar o bem-estar das pessoas, o papel da comunicação, no contexto de uma sociedade
democrática, deve prever, ademais, a propagação do ideal de equidade. Para eles,

(...) a necessidade urgente de eliminar as desigualdades em saúde exige dos seus


profissionais a adoção de modelos de comunicação realmente eficazes e isso passa
pela contratação e/ou consulta de especialistas em comunicação. A Comunicação na
Saúde integra, precisamente, o uso de métodos para informar e influenciar as
decisões individuais e comunitárias no sentido de reforçar a saúde pública e privada
(Freimuth & Quinn, 2004: 2053); por isso, o saber relativo ao funcionamento geral
da comunicação humana é tão importante às organizações de saúde. Na verdade,
seja qual for o contexto, estaremos sempre perante seres humanos que comunicam
entre si e isso é o assunto que está no centro das preocupações das Ciências da
Comunicação (RUÃO, 2013, p. 24).

Esse viés de comunicação em intercâmbio com a saúde não desconsidera todas as


complexidades inerentes ao assunto, tampouco negligencia todos os aspectos envolvidos,
quais sejam os discursos em determinado momento histórico, as relações de poder, o corpo, a
alimentação, a identidade, a natureza, a cultura e o significado de ser humano e viver em
sociedade (COELHO, 2013, p. 8). Além disso, o grupo destaca os atos comunicativos
protagonizados pela interação midiática, sobretudo no âmbito jornalístico, pela importância
que representa frente o público.
Uma outra perspectiva propõe também uma compreensão global da saúde, na medida
em que observa a função da informação no comportamento dos indivíduos e, mais uma vez,
na possibilidade de promoção da saúde. A escolha deliberada da expressão ‘Comunicação em
saúde’ estabelece que se trata de “estudo e utilização de estratégias de comunicação para

6
informar e para influenciar as decisões dos indivíduos e das comunidades no sentido de
promoverem a sua saúde” (TEIXEIRA, 2004, p. 615).
Num sentido de maior generalidade ainda, Schiavo também propõe uma definição
para health communication7, que engloba muitas outras áreas do conhecimento, cujo conceito
é explicado pela pesquisadora Ana Paula Azevedo:

De acordo com essa autora, a comunicação na saúde deve ser entendida como uma
abordagem multifacetada e multidisciplinar que visa atingir diversas audiências e
partilhar informações relacionadas com a saúde com o objectivo de influenciar,
engajar e apoiar [os diversos actores sociais] indivíduos, comunidades, profissionais
de saúde, grupos especiais, legisladores e o público no sentido de introduzir, adoptar
um comportamento, prática ou política que, em última análise, melhorem os
resultados de saúde (AZEVEDO, 2012, p. 188).

Embora seja razoável reconhecer que haja diferenças sutis em relação às concepções
que cada nome articula, nota-se em todas elas um subtexto de que a informação é um dos
principais artifícios que integram as relações desse campo duplo e o de que essa informação é
preponderante para a produção do conhecimento, que, por sua vez, possibilitará a melhoria da
qualidade de vida, e o desenvolvimento humano; em síntese, a tão falada e almejada
promoção da saúde.
Não obstante todas as disputas por uma conceitualização do campo, é importante
assinalar um objetivo central para a troca de informações na seara da saúde e, assim, espera-
se, no mínimo, “estabelecer um debate público sobre temas de interesse e garantir às pessoas
informações suficientes para a ampliação de sua participação cidadã nas políticas de saúde”
(ARAÚJO; CARDOSO, 2007, p. 61).
É também por essa razão, que se destaca, dentre as subáreas da Comunicação, o
papel do Jornalismo – atividade que lida diariamente com a produção e publicação de
notícias, que têm como matéria-prima a informação. Nas linhas que se seguem, procuraremos
confrontar todo esse entendimento teórico com o referido recorte empírico para,
possivelmente, compreender as eventuais lacunas analíticas que precisam ser preenchidas
nessa área do conhecimento.

3. A experiência televisiva não jornalística de cobertura do câncer


Com relação à escolha das edições do programa Ser Saudável (SS), optou-se pelas
unidades informativas compreendidas no período de um ano, entre 1º de julho de 2013 e 30 de

7 Nesse caso especificamente, não é possível traçar uma diferenciação quanto à terminologia, pois uma livre
tradução do inglês permite a utilização de qualquer vocábulo que tente conectar as palavras comunicação e
saúde.
7
junho de 2014. Realizamos uma busca nos acervos digitais (portais institucionais), acessando
todos os vídeos disponibilizados nesse período. Foram selecionadas as duas únicas edições
que se propuseram a falar, de alguma forma, das neoplasias.
O SS vai ao ar aos sábados, às 10h, e alguns episódios são reprisados ao término das
temporadas. É um programa diferente porque é apresentado por dois médicos (“de família e
comunidade”) e fora do estúdio. Em decorrência do reduzido número de edições, o exame
analítico vai observar unicamente as expectativas sob o viés da qualidade (conforme os
parâmetros já enunciados), até mesmo para corresponder aos limites e às possibilidades de um
artigo científico.
O programa parece ter como objetivo se constituir como um outro gênero
televisivo, pois os apresentadores, por exemplo, são profissionais da saúde. Os médico-
apresentadores visitam pessoas que vivem ou que viveram uma situação de doença,
dialogando com as pessoas, dando informações e entrevistando outros especialistas. Sobre o
formato do programa, o sítio eletrônico da TV Brasil8 informa que se trata de uma

escolha de abordagem e de estética que visam apresentar uma perspectiva não


apenas médico-científica, mas também humana. A acuidade e atualidade dos
conteúdos veiculados são garantidos por equipe multidisciplinar, composta por
profissionais de saúde e de comunicação. Além da participação dos especialistas, das
explicações e dicas dos médicos-apresentadores, o programa conta com diferentes
recursos, como arte gráfica em 3D, para mostrar o funcionamento do organismo em
situações de saúde e de doença. Por meio de explicações claras e precisas, o Ser
Saudável esclarece a população sobre mitos e verdades, cuidados de saúde e
prevenção8 (TV BRASIL, 2014).

Essas promessas servirão, assim, também como parâmetros para o trabalho


investigativo que desenvolve abaixo. As duas edições em questão abordam o linfoma e o
mioma (tumor benigno).
A primeira das duas edições analisadas do programa Ser Saudável se dedicou a
abordar o Linfoma de Hodgkin – um tipo pouco retratado na mídia e que não está entre os
mais incidentes, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer. Cada episódio tem cerca de 30
minutos, abordando as circunstâncias vividas pelas personagens e outras informações sobre
elas. Falam ainda sobre hobbies, histórias, casos e memórias. Inicialmente, define-se sistema
linfático e qual a sua função no organismo humano; utilizando, para isso, o suporte de
recursos gráficos.
Os diálogos vão conduzindo o programa para as diversas informações sobre a
doença. Nessa edição, transmitida primeiramente em 31 de maio de 2013 e reprisada em 31 de

8 Informações disponíveis em <http://tvbrasil.ebc.com.br/sersaudavel/sobre> Acesso em 03 jan. 2015.


8
agosto do mesmo ano (por isso, integrou nosso escopo), não se fala, por exemplo, das causas
da doença nem das formas de prevenção. Apesar disso, o médico convidado (onco-
hematologista) esclarece que o principal sintoma do linfoma é o aumento assimétrico de um
gânglio linfático (um inchaço avermelhado, a famosa íngua). Contudo, há também a
informação de que a maioria das ínguas representam um quadro benigno ou simplesmente
infeccioso e que são muito comuns. Uma das pacientes conta que teve dor forte na região
abdominal e indisposição física. Os médicos elucidam que os sintomas são muitos banais e
comuns, dependendo do local, e que a distinção para o correto diagnóstico se faz através do
exame de sangue. A cirurgia é normalmente utilizada apenas para diagnosticar (retirando uma
parte do gânglio) e, hoje em dia, o PET CT, uma espécie de “tomografia turbinada”, tem
permitido a localização exata do tumor, bem como aferir o grau de disseminação.
Em relação ao tratamento, a quimioterapia é a terapia mais eficaz e suas drogas são
prescritas de acordo com o tipo de linfoma. Há dois grandes grupos, o de Hodgkin e o não
Hodgkin; o segundo possui mais de 30 tipos, podendo ser simples ou grave. A radioterapia é
indicada para os linfomas Hodgkin (bem localizado). Os fármacos e a alimentação também
são importantes para o tratamento, principalmente porque a doença mexe com o sistema
imunológico. Quando a doença se mostra mais agressiva, há a necessidade de transplante de
medula óssea, o que é muito raro. Para o tipo não Hodgkin, a imunoterapia também tem sido
utilizada. Essas informações aparecem nas falas dos especialistas e dos pacientes. Ressalte-se
o depoimento do médico convidado, que esclarece tudo detalhadamente, em linguagem
acessível.
Entre as repercussões dos tumores linfáticos, aparece a baixa imunidade do corpo e,
por isso, os pacientes precisam evitar qualquer possibilidade de contrair outras doenças. Os
efeitos colaterais da quimioterapia são amenizados pelas duas personagens, que disseram ter
lidado bem com este tipo de tratamento. Uma delas apenas demonstrou preocupação com uma
possível infertilidade, pois a quimioterapia destruiria células boas também. No entanto, o
oncologista afirmou que a maioria das drogas utilizadas não causa esterilidade.
Em tom otimista e informativo, esse tipo de câncer é considerado como um dos que
mais cresce no mundo, mas, segundo o apresentador, a “expectativa de cura é bastante
positiva”. Um “povo fala” demonstra que as pessoas nas ruas, de um modo geral, têm poucas
informações sobre a doença. O marido de uma das personagens afirmou que receber o
diagnóstico de câncer é um “baque muito grande” e que não adianta chorar nem achar os
culpados. Os dois apresentadores comentam que o tratamento de linfoma apresenta um bom

9
prognóstico, pois, “apesar de ser um câncer”, são altas as chances de cura e a sobrevida é cada
vez maior.
Na voz da apresentadora, há uma crítica sutil ao sistema público de saúde, que
deveria garantir um acesso mais rápido e fácil ao atendimento, além de permitir que um
mesmo profissional acompanhe a evolução dos casos – especialmente para o tratamento do
linfoma. Para ela, isso deve se estender também para o atendimento da rede privada. Uma
informação de serviço é a que incentiva as pessoas a se cadastrarem para a doação de medula
óssea, que não oferece riscos significativos ao doador e que pode salvar vidas.
Acreditamos que o formato e o conteúdo empregados por esse programa se
aproximam muito de um modelo que poderíamos idealizar para a informação em saúde. Em
nenhum momento, o SS faz alarde em torno da doença, não estabelece um regime
comportamental para prevenção ou tratamento, procura desmistificar a doença (com perguntas
no estilo ‘mitos e verdades’) e, principalmente, ao utilizar a personificação como estratégia de
cobertura televisiva, o faz muito mais com a perspectiva de humanização do relato, sem
apelar para as emoções ou para o sensacionalismo. É um modelo que, de alguma maneira,
pode servir de referência para os demais.
Essa avaliação também se faz em relação à outra edição selecionada, que, na
verdade, aborda uma doença que não é considerada câncer, mas que pode causar confusão,
como afirmam os especialistas do programa.
“O mioma não é câncer”, informou o médico-apresentador nos minutos iniciais do
Ser Saudável. Contudo, incluímos essa edição em nossa análise, sobretudo por conta dessa
confusão que se faz e, portanto, configura um material de “abordagem parcial”. Na verdade,
miomas são tumores benignos, nódulos do útero que, em alguns casos, causam sintomas nas
mulheres. Apenas quando a paciente apresenta sangramento menstrual excessivo, dor pélvica,
“pressão” no baixo ventre e/ou aumento do volume abdominal é que o mioma é tratado e, por
vezes, retirado. Os ginecologistas mostram que se trata de uma doença muito comum,
principalmente no período de idade em torno dos 30 e 40 anos. As consequências possíveis
são a retirada do útero, a infertilidade e a compressão de outros órgãos próximos do útero.
O formato desse programa foi bem parecido com o primeiro e, nesse sentido, foi
importante para este trabalho para compreender que o câncer guarda tantos mitos que chega,
inclusive, a ser confundido com outras doenças que apresentam riscos menores. Nesse
sentido, explica-se que a retirada do útero, se necessário (em caso de mioma ou câncer do
colo de útero) não elimina, do ponto de vista fisiológico, a libido da mulher; isso pode

10
acontecer, eventualmente, por conta de fatores psicológicos. Além disso, a ginecologista
também explica que, apenas em menos de 1% dos casos, um mioma pode se “malignizar” e se
transformar em sarcoma (câncer).
Nos dois programas, o alvo foi o público feminino, sendo mulheres de diversos
lugares do Brasil: Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia; e de diversas profissões (jornalista,
professora, dona de casa...). No segundo episódio, uma mulher negra foi entrevistada pela
apresentadora também negra. Isso demonstra que há uma tentativa, por parte do canal público,
de representação da diversidade regional e étnica brasileiras, até mesmo em um programa
sobre saúde.

Considerações finais
A informação tem posição central nas questões de saúde pública. O conhecimento de
seu corpo, das mazelas que pode vir a ter, dos direitos que lhe competem nessa seara, das
escolhas que pode livremente fazer, pode determinar, para os indivíduos, uma série de
relações simbólicas, que estabelecem uma hierarquia do corpo social. Os médicos são os
grandes detentores desse saber e, dessa forma, estão aptos a deliberar em função de normas de
conduta, decisões de políticas públicas e a definirem, com autoridade e propriedade, o que é
verdade ou não no âmbito da saúde. A mídia vem, então, legitimar esse status.
Com isso, tendo em vista a preocupação das ferramentas comunicativas para a
promoção da saúde, além de outras questões mais complexas, percebemos que também no
caso do câncer a informação está no meio do campo de batalhas para que este se torne mais
aceitável, ou menos estigmatizado pela população.
Pensar a comunicação no âmbito da saúde requer, desse modo, um compromisso
ético e um engajamento com o outro, para que ele tenha segurança e autonomia em suas
atitudes para com o próprio corpo. E, quando esse outro já está acometido por uma doença, é
necessário maior tato ainda para enfocar seu sofrimento. Narrativas sensíveis podem ser
construídas sem sensacionalismo e sem coerção, a exemplo da experiência desse programa de
saúde produzido pela TV pública. O Ser Saudável, inclusive, carrega um sintoma ou um
indício muito interessante, porque não é apresentado por jornalistas nem se autodenomina
jornalístico; mas parece ser o que mais se aproxima do que se espera de um programa
informativo sobre câncer.
E é exatamente aqui que está o valor científico dessa experiência comunicacional,
por ser informativo, mas sem, necessariamente, utilizar os operadores jornalísticos canônicos.

11
Se o telejornalismo já carrega, por si mesmo, um tom dramático no seu modo de
fazer notícias e reportagens, isso se potencializa sobremaneira quando a pauta é o câncer, uma
vez que ele é o grande vilão que ameaça a saúde pública, fazendo um número incomensurável
de vítimas, que nem sempre conseguem ser salvas pelos heróis da saúde, que se veem
limitados pelos algozes do sistema público. Essa é a lógica predominante – que não é
encontrada na análise apresentada – como se pode verificar em outros estudos 9. Novas
linguagens e novos formatos são uns dos elementos esperados para uma TV pública e, no
espaço selecionado, parece haver cumprimento dessa expectativa; sobretudo, em função de
um tema tão delicado e presente no cotidiano da população. Mais importante do que isso,
porém, é a visão quase desnuda dos mitos aos quais, durante tanto tempo, a doença esteve
sujeita.

Referências
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Disponível em
<http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/comsau.html> Acesso em 27 jun. 2014.
______. Comunicação e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
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Comunicação e sociedade – Mediatização jornalística do campo da saúde, Número especial,
p. 185-197, 2012.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989.
COELHO, Zara Pinto. Saúde, sociedade, cultura e comunicação. In: LOPES, Felisbela et. al.
A saúde em notícia: repensando práticas de comunicação. CECS/Universidade do Minho:
Braga, 2013. Disponível em <http://www.comunicacao.uminho.pt/cecs> Acesso em 28 jun.
14.
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. A estratégia empírica da comunicação. In: BRAGA, José
Luiz; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; MARTINO, Luiz Cláudio (org.). Pesquisa
empírica em Comunicação. São Paulo: Paulus, 2010.
GOUVÊA, Allan. Entre mitos, silenciamentos e circularidades: a cobertura televisiva do
câncer e suas formas de percepção. 2015. 243 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação) –
Programa de Pós-graduação em Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de
Fora, 2015.

9 Por exemplo: GOUVÊA, A.; COUTINHO, I. Telejornalismo e saúde: abordagens do câncer nos noticiários da
televisão brasileira. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 36., 2013,
Manaus, AM. Anais... Manaus: UFAM, 2013. CD-ROM.
12
LIMA, Ana Luce Girão Soares de; PINTO, Maria Marta Saavedra. Fontes para a história dos
50 anos do Ministério da Saúde In: Histórias, Ciências, Saúde – Manguinhos, n. 03, p.
1037-51, 2003.
MORAES, Nilson A. Comunicação e saúde: entre sentidos, interesses e estratégias. In: ECO-
PÓS – publicação da pós-graduação em comunicação e cultura, v. 10, n. 01, p. 64-78, jan.-
jun. 2007.
PESSONI, Arquimedes. Comunicação para a saúde. In: MARQUES DE MELO, José (org.).
O campo da comunicação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 2008.
ROTHBERG, Danilo. Jornalismo público: informação, cidadania e televisão. São Paulo:
Editora Unesp, 2011.
RUÃO, Teresa. Estratégias de comunicação na saúde – na promoção da igualdade. In:
LOPES, Felisbela et. al. In: A saúde em notícia: repensando práticas de comunicação.
CECS/Universidade do Minho: Braga, 2013. Disponível em
<http://www.comunicacao.uminho.pt/cecs> Acesso em 28 jun. 14.
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TEIXEIRA, José A. Carvalho. Comunicação em saúde: relação técnicos de saúde – utentes.
In: Análise Psicológica, Set 2004, vol. 22, n.3, p. 615-620. Disponível em
<http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v22n3/v22n3a21.pdf> Acesso em 03 jul. 2014.

13
Limites e desafios do Brasil e do México para o exercício do direito de acesso à
informação

Ana Beatriz Lemos da Costa1

Resumo: Este artigo trata dos limites e desafios da Lei de Acesso à Informação
brasileira, Lei 12.527/2011, em função, dentre outros aspectos, da ausência de uma
instância independente de supervisão e de análise recursal da Lei. Na sequência, o artigo
vai tratar do Instituto Federal de Acesso a Informações Públicas do México, IFAI, que
em maio de 2015 passou a se chamar Instituto Nacional de Transparência, Acesso à
Informação e Proteção de Dados Pessoais, INAI, com ênfase em alguns dos limites e
desafios enfrentados desde a criação do órgão autônomo, em 2003. Ao final, o artigo irá
apontar os desafios comuns dos modelos do México e do Brasil na busca pelo direito de
acesso à informação e pela consolidação da cultura da transparência nos países.

Introdução

Com a edição da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como


Lei de Acesso à informação (LAI), o Brasil se tornou o nonagésimo país no mundo a
criar um regulamento específico sobre o tema. A primeira legislação sobre o direito a
informações foi promulgada pela Suécia, em 1766, cuja lei de imprensa trazia um
capítulo sobre o caráter público dos documentos oficiais, prevendo o acesso de qualquer
indivíduo a eles, exceto aos documentos considerados sigilosos (MOURA et al., 2014,
p. 156).

No Brasil, nascida 26 anos após a Constituição Federal de 1988, a LAI, que


entrou em vigor em maio de 2012, veio para regulamentar os artigos 5º, XXXIII, 37, §
3º e 216, § 2º da Carta Brasileira.

Nesse sentido, o objetivo principal da LAI é o de promover a cultura da


transparência na administração pública, tendo como princípios a publicidade como a
regra e o sigilo como a exceção. Para isso, a legislação institui mecanismos,
procedimentos e prazos que asseguram o exercício do direito de acesso.

1 Mestranda em Políticas de Comunicação e de Cultura na Universidade de Brasília, publicitária e


jornalista pela UnB, auditora do Tribunal de Contas da União, com atuação na Secretaria de
Comunicação.
Em função desses mecanismos e procedimentos adotados no Brasil, o direito de acesso à
informação vem enfrentando desafios para sua consolidação, especialmente quando se trata da
análise dos recursos e da fiscalização dos dispositivos legais.

Este artigo indica alguns limites e desafios da Lei de Acesso à Informação brasileira, os
quais se refletem na implementação do pleno direito de acesso à informação. Assim, a estrutura do
artigo se apresentará em três partes. Na primeira, serão levantados limites apontados antes mesmo
do início da vigência da Lei, os quais, quando da efetiva aplicação da legislação, estão se mostrando
verdadeiros desafios para a consolidação do direito de acesso no Brasil. A segunda parte indica
alguns desafios enfrentados pelo México no que se refere à Lei de Acesso do país e ao modelo de
supervisão e instância recursal adotado, considerado um exemplo institucional para os outros países.
As considerações finais consolidam as contribuições do artigo ao esclarecer os limites e desafios
presentes nos modelos brasileiro e mexicano de provimento de acesso a informações públicas, os
quais para serem suplantados dependem de fatores não somente de natureza institucional e legal.

Limites e desafios do modelo brasileiro

Em estudo comparativo, feito por Mendel (2009), no âmbito da Unesco, entre as legislações
de diversos países e documentos internacionais, notam-se as seguintes características que devem
orientar o desenvolvimento e a aplicação de leis de acesso à informação: o acesso à informação
como direito humano; o dever de publicar; os procedimentos e recursos; exceções; sanções;
proteções; e medidas de promoção.

No que diz respeito aos procedimentos e recursos, a Lei de Acesso a Informação brasileira,
Lei 12.527/2011, enfrenta críticas desde a sua implantação. Entre os juízos, destacam-se os relativos
à ausência de um órgão autônomo de análise e aplicação da lei. Isso porque o modelo adotado no
Brasil prevê que a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão vinculado ao Poder Executivo
Federal, é quem realiza a supervisão da norma e avalia os recursos impetrados na administração
pública federal, em situações em que a informação é negada ou quando é considerada insuficiente
pelo solicitante.

Nesse sentido, a LAI prevê a apresentação de recurso quando o solicitante entender que o
órgão ou entidade não concedeu a informação solicitada ou não forneceu o motivo para negar
determinado dado. O recurso deve ser interposto no prazo de dez dias da decisão que indeferiu o
pedido, tendo a autoridade superior cinco dias para se manifestar. O artigo 16 da LAI prevê alguns
casos em que a CGU exerce o papel de supervisor, e, uma vez negado o pedido, na sequência, a
Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) também funciona como instância de
revisão.

Quanto à composição da CMRI, Cunha Filho e Xavier argumentam:

Percebe-se que a composição da CMRI faz dela um órgão de caráter político, pois todos os
seus integrantes podem ser livremente nomeados e exonerados pelo Presidente da República.
Portanto, torna-se difícil que a Comissão contrarie de maneira frontal os interesses do
governo do qual fazem parte, pois os que votarem nesse sentido podem simplesmente ser
destituídos de seus cargos pelo chefe de Estado brasileiro. Devido ao exposto, não é possível
afirmar que o Brasil possui um órgão julgador com alto grau de autonomia, diferentemente
do Chile ou do México (CUNHA FILHO, XAVIER, 2014, p. 205, apud DUTRA, 2015, p.
115).

No que diz respeito aos pedidos feitos aos órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário ou nas
esferas estaduais e municipais, a lei brasileira não prevê a existência de uma terceira instância de
análise, tendo em vista que o Decreto 7.724 de 2012 somente regula o direito de acesso à
informação no poder Executivo Federal. Sendo esses pedidos, nos casos em que os solicitantes
recorrem das decisões, submetidos ao exame dentro dos próprios órgãos. As decisões ficam a
depender, assim, do exame discricionário da autoridade máxima ou dos respectivos colegiados.

De acordo com Mendel, o direito de apelar a um órgão independente é indispensável. Caso


contrário, não se exerce plenamente o direito de acesso à informação de órgãos públicos, mas mero
direito de apreciação dos pedidos. “Na falta de exame independente, muitas informações, como por
exemplo, as que revelam corrupção ou incompetência, podem jamais ser divulgadas” (MENDEL,
2009, p. 39).

A despeito de o estudo comparativo ter sido feito antes da legislação brasileira de acesso a
informações públicas ter sido aprovada no Congresso Nacional, em setembro de 2011, e começado
a viger, em maio de 2012, Mendel, em entrevista ao jornal o Estado de S. Paulo, em março de 2012,
destaca a necessidade de se aguardar a implementação para uma avaliação mais completa
(BRAMATTI; GALLO, 2012). “Temos de ver, com o passar do tempo, como esse órgão de recursos
se comportará”.

Também antes da vigência da Lei no Brasil, a Controladoria-Geral da União encomendou


um estudo à Unesco, feito em 2011, pelo pesquisador Roberto DaMatta, acerca da percepção dos
servidores públicos brasileiros sobre o direito de acesso a informações, levando-se em conta os
valores, o conhecimento e a cultura de acesso à informação pública no Poder Executivo Federal,
que poderiam contribuir ou obstar a aplicação da Lei 12.527. Ao final do trabalho, além dos
desafios operacionais e técnicos, a Lei de Acesso a Informação teria que enfrentar a cultura do
segredo, uma vez que o controle das informações se mostrou uma prática recorrente. Assim,
DaMatta aponta para a necessidade de mudanças principalmente no papel das lideranças, em
primeiro lugar para regulamentação da lei. Em segundo, para a institucionalização, tendo os líderes
papel fundamental para estimular a mudança cultural.

Ainda no que tange aos obstáculos advindos de valores e práticas da cultura político-
institucional brasileira, Rothberg, Napolitano e Resende (2013, p. 116) citam como um dos desafios
a falta de um órgão autônomo.

A ausência de um órgão independente, específico para zelar pela aplicação da lei, também
suscita dúvidas sobre a capacidade de o texto legal transformar a cultura do sigilo e
clientelismo inscrustrada no serviço público brasileiro em seus três níveis de gestão.
(ROTHBERG; NAPOLITANO; RESENDE, 2013, p. 116).

Passando à analise da aplicação da LAI, de acordo com dados constantes do relatório de


recursos e reclamações (BRASIL, 2013), no período compreendido entre maio de 2012 e setembro
de 2014, dos mais de 211 mil pedidos de acesso realizados no Brasil, em 14.543 o solicitante
apresentou recurso ao chefe hierárquico do respondente, que é o responsável pela primeira instância
dos recursos; e, em 4.442, o requerente apresentou novo recurso ao dirigente máximo do órgão ou
entidade. No mesmo período, 2.175 recursos que tiveram origem de denegação de acesso de
diversos órgãos e entidades da Administração Pública Federal foram julgados pela CGU e 493 pela
Comissão Mista de Reavaliação de Informações. Até 31 de dezembro de 2012, dos recursos
destinados à CGU, 44% dos analisados foram desprovidos, em função da informação constar em
lista de dados classificados temporariamente como de acesso restrito; 35% ainda estavam em
análise; 12% foram providos integralmente, tendo o solicitante recebido a informação requerida;
2% com provimento parcial, ou seja, a informação foi disponibilizada em parte; e 5% tiveram perda
do objeto, especialmente nos casos em que o órgão passou a disponibilizar a informação no
respectivo sítio eletrônico. Entre janeiro e dezembro de 2013, entre os recursos de primeira
instância, 42,75% foram deferidos e 46,77% indeferidos. Em relação aos recursos que chegam à
autoridade máxima do órgão ou entidade, 25,63% foram deferidos, enquanto 63,92% foram
indeferidos.

Segundo a CGU, grande parte dos recursos indeferidos se deve à falta de especificação da
informação requerida (BRASIL, 2013, p. 32). Isso acontece porque, de um lado, existe o cidadão
que está se habituando a solicitar informações conforme a LAI e, de outro, existe a cultura da
opacidade na administração pública, como explica Reis (2014, p. 63):

A busca por transparência não ocorre sem percalços ou polêmicas, os quais precisam ser
vistos a partir da perspectiva do distanciamento do Estado em relação à sociedade brasileira.
Não se trata propriamente de um Estado ausente, definição muito apressada e imprecisa do
Estado brasileiro. Trata-se de um Estado distante, cujos mecanismos de funcionamento são
variáveis, dispersos e desconhecidos de boa parte da população. Essa distância, formada por
desconfiança, resistência ou riscos, caracteriza o que se definiu aqui como paradigma da
opacidade.

Com o objetivo de avaliar se as entidades públicas estão cumprindo as regras da Lei 12.527,
um relatório do Programa de Transparência Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dos
pesquisadores Michener, Moncau e Velasco (2014) apresenta o resultado de 453 pedidos com base
em 55 questões diferentes para 133 órgãos públicos dos três Poderes em oito unidades federativas.
O estudo apontou para situações em que os órgãos públicos aplicam a Lei de forma discriminatória,
tanto no recebimento ou não de uma resposta, quanto nos prazos de resposta. Entre as
recomendações com vistas a reduzir os riscos da discriminação, está a adoção de medidas como as
do México e do Chile. Nesses países, segundo os pesquisadores da FGV não se exige o documento
de identificação do cidadão para o exercício do direito fundamental de acesso à informação.

Na avaliação dos pedidos de acesso encaminhados ao Poder Judiciário, entre os obstáculos


interpostos estão os de natureza burocrática ou jurídica. No primeiro, há desculpa de que a
informação solicitada não compete ao órgão ou este não possui a informação. No segundo,
levantam-se aspectos regulatórios ou de interpelação legal para negar o acesso.

Michener, Moncau e Velasco (2014) complementam a lista de percalços à LAI apresentando


exemplos de regulações diferentes nos Estados, alguns deles contrariando princípios da lei federal.

Entre as recomendações do relatório está a observância dos modelos mexicano e colombiano


como exemplos para aperfeiçoar as instituições incumbidas de assegurar o acesso à informação no
Brasil. Destaque-se o caso mexicano em função da agência reguladora (MICHENER, MONCAU,
VELASCO, 2014, p. 103).

Dutra (2015) aborda a utilização da Lei 12.527/2011 por jornalistas como ferramenta de
trabalho. Entre as conclusões do estudo, estão as perspectivas de jornalistas que destacam como
avanços a impossibilidade de sigilo quanto a fatos relativos à violação de direitos humanos, e a
obrigação de acesso a informações essenciais para recuperação de fatos históricos de maior relevância.
Por outro lado, entre os problemas constam a “‘ausência de órgão fiscalizador independente’, exceções
consideradas amplas, nenhuma participação da sociedade civil nos órgãos recursais, e o fato do texto
não mencionar o tratamento de documentos eletrônicos, como e-mails funcionais” (DUTRA, 2015, p.
115).

Isto posto, passa-se a seguir às características do Instituto Federal de Acesso a Informações


Públicas, agora Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e Proteção de Dados
Pessoais do México, aos limites e desafios da instituição.
O modelo mexicano

O modelo de acesso à informação implantado no México apresenta características diferentes


do brasileiro. Lá, a lei de acesso à informação, publicada em 11 de junho de 2002, passou a vigorar
a partir de 2003. A lei mexicana estabeleceu a criação do Instituto Federal de Informação Pública,

um órgão autônomo, especializado, imparcial, colegiado, com personalidade jurídica e


patrimônio próprios, com plena autonomia técnica de gestão, capacidade para decidir sobre a
execução do seu orçamento e determinar sua organização interna, responsavável por garantir
o cumprimento do direito de acesso à informação pública e à proteção de dados pessoais
(MÉXICO, 2014, tradução nossa).

A partir de maio de 2015, com a edição da Lei Geral de Transparência e Acesso à


Informação Pública, o IFAI passou a se chamar Instituto Nacional de Transparência, Acesso à
Informação e Proteção de Dados Pessoais (INAI), mas considerando os dados pesquisados, o
presente artigo fará referência ao IFAI, cujos desafios vistos a seguir podem ter resultado na
alteração da legislação mexicana.

Segundo Mendel (2009), a lei mexicana figura entre as leis de direito à informação mais
progressistas do mundo. Também ressalta que, “depois do sistema da Suécia, talvez seja a garantia
constitucional mais detalhada e abrangente do direito à informação no mundo” (MENDEL, 2009, p.
86).

O então IFAI e agora INAI zela, entre outras funções, pela análise dos recursos na esfera
federal mexicana. O México adotou uma aplicação diferenciada da lei, com o poder Executivo
(agências e entidades) sujeito a uma supervisão mais rigorosa, por órgãos mais independentes. Em
contrapartida, a fim de exigir que outros órgãos públicos processem solicitações de modo similar, a
lei estabelece a obrigatoriedade dos demais órgãos criarem critérios e procedimentos conforme
regulamentos ou acordos de natureza geral que obedeçam aos princípios e prazos estipulados na lei.

Em relação aos recursos dos pedidos feitos a órgãos do poder Executivo, as queixas se dão
em em primeiro lugar no próprio órgão em que a informação foi solicitada. Caso não concorde com
a decisão da primeira instância, pode-se dar entrada ao pedido de recurso ao IFAI e devem ser
registradas em 15 dias a contar do aviso de recusa do acesso, nos seguintes casos: quando as
informações não são fornecidas de outra forma, parcial ou totalmente; quando a correção de
informações pessoais foi negada; ou para revisão de aspectos como tempestividade, custo ou forma
de acesso. Segundo Mendel, “trata-se de um prazo extremamente curto, que pode impedir que
alguns postulantes registrem apelações” (MENDEL 2009, p. 92).
Após um ano de uma decisão do IFAI que confirme uma decisão original de um órgão
público, o solicitante pode solicitar ao IFAI a revisão de sua decisão, que deverá ser proferida em
até 60 dias da solicitação. O IFAI pode aceitar ou rejeitar uma queixa, ou modificá-la, de modo que
sua decisão deverá incluir os prazos para o cumprimento. A decisão do IFAI é definitiva para as
agências, mas os postulantes podem recorrer perante à justiça federal.

Na composição do IFAI, há cinco comissários, com mandatos de sete anos. Esse mandato
pode ser encurtado em função do cometimento de violações graves ou reincidentes da Constituição
ou da Lei de Direito a Informação, quando seus atos ou omissões comprometerem o trabalho do
IFAI, ou se tiverem sido condenados por crime passível de reclusão. Os cinco comissários são
indicados pelo Poder Executivo, mas as indicações poderão ser vetadas por voto majoritário do
Senado ou da Comissão Permanente, contanto que ajam em 30 dias. Somente poderão ser indicados
para o cargo de comissário os cidadãos/cidadãs, pessoas que nunca tenham sido condenadas por
crime de fraude, tenham no mínimo 35 anos de idade, não possuam fortes conexões políticas e
tenham apresentado “desempenho excepcional nas atividades profissionais”.

Apesar dessas delimitações que visam a assegurar a independência do IFAI, o órgão enfrenta
críticas relativas à composição da Comissão. Para Fuente (apud IFAI, 2013),

(...) o fato de que ele tem autonomia constitucional não necessariamente a garante. É
chegado o momento de aproveitar a experiência dos últimos anos na criação ou reforço de
organismos autônomos e reconhecer que alguns de seus membros, para além seu valor
pessoal, têm chegado a ocupar essas delicadas tarefas como resultado de um processo de
cotas divididas entre os partidos políticos (IFAI, 2013, p.15, tradução nossa).

Em função disso, o autor propõe a existência de um conselho de cidadãos para escolher os


comissionados antes da apreciação do Senado, com critérios rigorosos de elegibilidade e parâmetros
de idoneidade. Segundo Fuente, só assim o procedimento de escolha se tornaria “impecável,
transparente, confiável, e não uma eleição politizada que inevitavelmente acaba por desvirtuar a
essência do que se pretende” (IFAI, 2013, p.16, tradução nossa).

Em relação ao uso que os jornalistas têm feito da lei de acesso a informação no México,
segundo dados da Diretoria-Geral de Coordenação e Vigilância, no período entre 12 de junho de
2003 e 17 de outubro de 2012, o Instituto Federal de Acesso à Informação Pública registrou 841.884
pedidos de acesso à informação. Em 47.063 (5,59%) pedidos, o solicitante se declarou pertencente a
algum meio de comunicação. Cerca de 28 mil desses pedidos tiveram resposta favorável. Em 6,7%
desses casos, pouco mais de 3 mil pedidos, os solicitantes consideraram as respostas insatisfatórias
e apresentaram recursos ao IFAI. Em contrapartida, em 1.678 recursos ao IFAI, os solicitantes já
haviam recebido alguma informação. Para Delarbre (apud IFAI, 2013), os solicitantes de pedidos de
acesso à informação ligados a meios de comunicação têm sido um pouco mais ativos que os
requerentes em geral, para propor recursos e reclamações ao IFAI.

Além do fato de serem todas as informações requeridas feitas por jornalistas, mas também
por pessoal administrativo ou proprietários de empresas de mídia que se declararam jornalistas,
acrescente-se o fato de que nem todas as requisições foram voltadas à satisfação de uma
necessidade de produção jornalística. Isso se observa porque, com base nos pedidos deferidos, a
média de matérias correspondentes seria de 250 matérias por mês. Número distante da realidade dos
principais jornais mexicanos.

Os editores ou repórteres podem ter considerado o tema insuficiente para ser publicado ou
simplesmente a informação recebida não atendeu às expectativas para publicação. Em
muitos casos, depois de semanas ou meses de espera pela resposta, a matéria que levou ao
pedido de informação pode ter envelhecido, principalmente levando-se em conta os ritmos
urgentes do jornalismo (IFAI, 2013, p. 53, tradução nossa).

Outra questão importante diz respeito à possibilidade de imposição de sanções aos


funcionários públicos, nos casos de descumprimento da lei. No México, os funcionários públicos
sujeitam-se a penalidades administrativas, conforme a lei de responsabilidade administrativa dos
servidores públicos. Os casos de descumprimento são os seguintes: destruição de informações;
negação de acesso por negligência; fraude ou má-fé; recusa intencional do acesso a informações não
confidenciais; e recusa de divulgação de informações após determinação de um comitê ou do IFAI.
A lei também prescreve a responsabilização se o funcionário revelar informações com algum grau
de confidencialidade. O que, na opinião de Mendel, figura como uma das poucas

disposições da lei que têm probabilidade de impedir o desenvolvimento de uma cultura de


transparência, uma vez que o dispositivo estimula os funcionários a cometerem erros em favor do
sigilo (MENDEL 2009, p. 93).

Quanto à capacidade do IFAI de fazer cumprir suas decisões, Fuente (apud. IFAI, 2013)
afirma: “já vimos que ‘dar ciência’ às instâncias correspondentes sobre as irregularidades detectadas
não tem muito efeito, não leva a nenhuma parte. Isso porque, de 2006 até 2013 nenhuma sanção foi
aplicada em função das violações denunciadas pelo IFAI” (IFAI, 2013, p. 15).

Diante dessas considerações, percebem-se os limites e desafios enfrentados pelo México no


decorrer dos dez primeiros anos de implantação da lei de acesso a informações públicas.

Considerações finais
Este artigo situou os limites e desafios da Lei 12.527, de 2011, quanto à ausência de um
órgão independente de supervisão e análise recursal dos pedidos de acesso a informações públicas
no Brasil. Em primeiro lugar, tratamos das regras relacionadas à apresentação de recursos quando o
solicitante entende que o pedido foi insuficiente ou quando o pedido de acesso foi negado. Em
segundo lugar, foi mostrado o modelo adotado no México, considerado um exemplo de
implementação da lei de acesso. Foi dada ênfase a alguns desafios que têm impedido o pleno
exercício do direito de acesso no México.

Segundo o Ouvidor-Geral da União no período entre 2012 e 2014, José Eduardo Romão, é
indispensável compreender que, mesmo com estudos apontando para a necessidade do Brasil ter um
órgão independente, é preciso questionar: “Será que no Brasil não é possível ter um órgão como o
IFAI/INAI em razão, dentre muitos aspectos, dos impedimentos impostos pelo patrimonialismo e
pelo coronelismo que vigoram no país e prevalecem sobre a distribuição do poder e da
comunicação?” (informação verbal2).

Também no que se refere ao modelo adotado no Brasil, Romão sinaliza para a existência de
garantias e deveres dos servidores públicos que atuam na CGU, de modo a ampliar a adoção de
critérios técnicos no julgamento dos recursos, para além do uso de critérios políticos. Em
contrapartida, como visto acima, apesar de o INAI ser um órgão autônomo, as nomeações e
contratações dos servidores não conferem independência às decisões, especialmente pela
possibilidade de sanções em caso de um servidor revelar informações com algum grau de sigilo.

Isto posto, é preciso considerar o direito de acesso a informações públicas como um


processo de afirmação de direitos, de estabilização institucional, em que a sociedade conquiste cada
vez mais seus espaços. Os padrões internacionais de leis de acesso fazem menção tanto à criação de
um órgão independente, quanto a tribunais, tendo em vista serem estes elementos naturais de
supervisão dos atos de governo. No entanto, Mendel (2009, p. 39) afirma: “O importante é que o
órgão receba a devida proteção contra ingerência política”. O autor enfatiza: “O envolvimento de
mais setores diferentes da sociedade no processo de nomeações desses órgãos é uma forma
importante de aumentar a independência das indicações” (MENDEL, 2009, p. 158).

Diante dos limites apresentados pelos dois países, nota-se que a consolidação da lei de
acesso à informação vai além de desafios institucionais ou de ordem normativa. Aspectos ligados à
cultura da transparência, de gestão documental, de interpretação da norma e relativos à participação
da sociedade civil, de pesquisadores e de jornalistas são fundamentais para bem avaliar os avanços
2 Comentário fornecido por José Eduardo Romão, na 2.ª Escola de Verão Pesquisa em Comunicação na América Latina,
em Brasília, em março de 2015.
trazidos pela norma e os espaços para a melhoria. Somente com a junção desses fatores será
possível o desenvolvimento e o fortalecimento de habilidades que tanto a transparência quanto o
acesso a informações públicas requerem.

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Nuevos marcos regulativos para la comunicación comunitaria en Uruguay
Construcción de autonomía en las organizaciones sociales

Ana Inés Garaza Pagliasso1

Resumen: El presente trabajo se enmarca en las reflexiones de un estudio de posgrado


más amplio, en el cual se piensa la representación de las organizaciones sociales en sus
propios medios de comunicación. En una coyuntura en la cual diferentes políticas
efectivan la apertura de espacios para la expresión de estos sectores, creemos pertinente
pensar en la configuración de nuevos escenarios. Específicamente se busca pensar aquí
la posibilidad de construir sentido que el Plenario Intersindical de Trabajadores −
Convención Nacional de Trabajadores (PIT-CNT) de Uruguay tiene al serle asignado
por parte del Poder Ejecutivo una señal para el desarrollo de un canal comunitario.
Creemos que las consideraciones aquí realizadas puedan aportar elementos para
reflexionar sobre un contexto en el cual las organizaciones sociales adquieren mayor
protagonismo en la participación social; para entender si esto contribuye a empoderar
tales sujetos y resignificar el presente orden social.

Palabras claves: comunicación comunitaria, organizaciones sociales, construcción de


atuonomía

Introducción

En los últimos años diversos países de América Latina, de forma o menos


incipiente, han desarrollado acciones hacia la apertura de espacios de comunicación
para que éstos sean ocupados por sectores de la sociedad que sistemáticamente se vieron
excluidos de la escena pública. Históricamente la región se ha caracterizado por
concentrar en pocas manos la propiedad de sus medios de comunicación, influenciando
negativamente la libertad de expresión y el desarrollo de las democracias. En la última
década se ha concretado el establecimiento de nuevos marcos regulatorios de
radiodifusión dando nuevos parámetros para el funcionamiento de los distintos medios,
no sin generar posiciones que colocan en conflicto intereses políticos y económicos.

En Uruguay, el Poder Legislativo, el Senado y la Cámara de Representantes


aprobaron el 23 de diciembre de 2014 la Ley 19.307 que regula la prestación de
servicios de radio, televisión y otros servicios de comunicación audiovisual. El nuevo

1 Mestranda del Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.


Licenciada en Ciencias de la Comunicación por la Universidad de la República de Uruguay. Docente del
Servicio Central de Extensión y Actividades en el Medio de la Universidad de la República de Uruguay.

1
marco regulativo busca promover el derecho a la libre expresión, al acceso y la
producción cultural, así como el derecho de todos los ciudadanos a la información y la
comunicación. En este contexto, y con el desarrollo de la televisión digital, el gobierno
de este país definió la asignación de señales televisivas para la gestión de tres tipos de
operadores: públicos, privados y comunitarios. Se entiende así, el sector público como
aquél integrado por órganos gestionados por las instituciones estatales (ministerios,
gobiernos nacionales y municipales y demás entidades); por otro lado, el sector privado
integrado por asociaciones que persiguen un fin económico; y finalmente el sector
comunitario gestionado por organizaciones sociales que no buscan percibir lucro de su
actividad.
La tentativa es por una distribución equitativa del espectro radioeléctrico que,
como bien público, albergue y equilibre la diversidad de intereses y necesidades de
todos los sectores de la sociedad. Con la pretensión de establecer una comunicación sin
privilegios se busca dar voz incluso aquellos que históricamente fueron excluidos de la
representación masiva. Dar un orden alternativo al espacio comunicativo con nuevas
reglas y nuevos actores creando otras palabras, otras imágenes y sentidos que atraviesan
otras subjetividades, implica el cuestionamiento de formas arraigadas de pensar y
desarrollar la comunicación. Principalmente implica la posibilidad de ejercer la
comunicación como un derecho de todos los individuos, quebrando dicotomías que atan
lo público y lo estatal con lo gubernamental y con intereses privados; que piensan el
desarrollo de lo cultural ligado al lucro económico; que privilegian discursos como
válidos desacreditando posturas y visiones; y que confunden la regulación con la
limitación de la libertad editorial.
Con la adopción de un sistema de televisión digital, Uruguay ha definido asignar
al Plenario Intersindical de Trabajadores − Convención Nacional de Trabajadores (PIT-
CNT) una señal para el desarrollo de un canal comunitario. Creemos pertinente pensar
si el hecho de que las organizaciones sociales tengan la posibilidad de gestionar su
propio canal televisivo contribuye a resignificar la participación social, dando espacio
para el ejercicio y construcción de autonomía de tales actores. Podríamos así cuestionar
si el hecho de que se construya un espacio para la comunicación comunitaria contribuye
con la creación de nuevas esferas de participación y autonomía.
Así como lo desarrolla Cicilia Peruzzo (2013) podríamos caracterizar las
organizaciones y movimientos sociales desde diferentes concepciones y significados
según las realidades socio-políticas actuales. De este modo y así como lo expresa la

2
autora,
Na formação dos movimentos sociais há a confluência de identidades, na
visão de Manuel Castells (2000, v.2, p23-24), necessárias na articulação dos
movimentos sociais pois organizam significados. Elas podem ser
classificadas legitimadoras (introduzidas pelas instituições dominantes no
intuito de manter a dominação), de resistência (criadas por atores que se
sentem ameaçados pela estrutura de dominação, como por exemplo as
gangues) e identidades de projeto (forjadas por atores para construir uma
nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e transformar a
estrutura social). (Peruzzo, 2013, p. 164)

Considerando esto, queremos pensar en este trabajo sobre los espacio de las
organizaciones sociales que actúan no sólo para resolver sus necesidades materiales
concretas, sino que también generan prácticas que buscan proponer otros modos de
organizar la sociedad. Como lo explica Alfredo Falero (2008) la construcción de
derechos, surgida desde los gobiernos o mismo desde las organizaciones sociales,
aunque pensada con el objetivo de atender a la sociedad en su conjunto, acaban
favoreciendo, muchas veces, intereses meramente privados. Es entonces que queremos
pensar el desarrollo de la comunicación como herramientas de aquellos sectores
organizados de la sociedad que proponen y buscar practicar modos alternativos de
entender la sociedad.

Estado/ espacio público/ espacio privado

Como forma de abordar las consideraciones planteadas en este trabajo, creemos


de utilidad recurrir a lo de desarrollado por Jürgen Habermas (2003) en su texto La
trasformación estructural de la esfera pública, de modo de comprender cómo la
construcción de lo público se relaciona con la configuración del Estado, por un lado, y
con la constitución de la esfera privada, por otro.
Habermas (2003) explica que durante la Alta Edad Media la sociedad europea no
concebía lo público como espacio propiamente separado de lo privado. El poder feudal,
atribuido por linaje y de manera incuestionable, se establecía entendiendo las esferas
privada y pública de forma inseparable. En este período histórico lo público se veía
debilitado por un poder que se hacía legítimo a través de acciones autoritarias que
impedían el surgimiento de cualquier otro orden.
A finales del siglo XVIII con la expansión de las relaciones de mercado surgen
los Estados nacionales y territoriales, creando formas de autoridad administrativa y
burocrática que limitaron la dominación feudal y atribuyeron un nuevo carácter a la

3
esfera de lo público. El desarrollo del Estado moderno constitucional creó a su interior
un conjunto de instituciones autónomas que se constituyeron como órganos de
representación, configurando así nuevas formas políticas. De esta manera, y en la
medida que la forma de los Estados se hacían más compleja, surgían mecanismos de
instalación y reproducción del poder no directamente coercitivos.
La burguesía es, según Habermas (2003), la primera clase gobernante cuya
fuente de poder surge independiente del control del Estado. La esfera pública burguesa
puede ser entendida inicialmente como la esfera de las personas privadas que exigen de
las leyes generales respuestas a su necesidad de desarrollo en el intercambio de
mercancías. El surgimiento de esta esfera estuvo basado en el principio de acceso
universal de todos los individuos a los llamados bienes comunes. Sin embargo, la
misma constitución y noción de esfera pública, significó la restricción de ésta a aquellos
individuos instruidos y de elite. La esfera pública, entonces, desde su gestación, se
yuxtapone a la esfera privada, teniendo una actuación política que media, a su vez, con
el poder estatal, bajo la pretensión de que éste responda sus necesidades.
A partir del siglo XX la apertura de espacios de participación política ha
significado un rol activo por parte de la sociedad civil, la cual, y siguiendo las
conceptualizaciones de Antonio Gramsci (2001), no actúa sólo para legitimar la
formación social del Estado, sino que se configura como un espacio donde se disputa la
supremacía de un proyecto social determinado.
Las diversas experiencias militantes que procuran establecer formas más
democráticas para la definición de los espacios de comunicación, reorganizando la
asignación de medios y estableciendo nuevos marcos regulativos para la instalación de
nuevos sentidos, muestran cómo la sociedad civil , como el tercer sector en general
ausente, gana hoy en las diferentes negociaciones un lugar con mayor protagonismo.
Podemos entender este hecho como algo no menor si pensamos que estas definiciones
pretenden tener incidencia sobre temas complejos que generan posiciones opuestas, al
querer establecer las bases sobre las cuales se asienta una comunicación democrática y
las formas cómo se estructuran los medios de comunicación.
En la última década, en el marco de los últimos gobiernos democráticos, y a
partir de diferentes decisiones políticas, se ha resignificado en la región latinoamericana
la participación social, concediendo espacio para el ejercicio y la construcción de
autonomía en ciertos sectores. Han emergido paralelamente al poder institucionalizado
nuevas alternativas de participación. La imposición de soluciones concretas “desde

4
abajo”, a través de afirmaciones locales, de búsqueda de respuestas propias frente a
necesidades sentidas, pone en duda las soluciones que el sistema ha dado hasta el
momento, agotándose y haciendo necesaria la búsqueda de alternativas a su orden
propuesto. En este sentido, puede considerarse la existencia de diversas expresiones de
las organizaciones sociales como manifestaciones que, en alguna medida, buscan
combatir antiguas condiciones de dominación -colonial, étnica, de clase, de género- aún
presentes en la sociedad actual. Estas expresiones se configuran potencialmente como
formas de contestar un orden establecido (Renna, 2014).
La complejización de los Estados, a partir del siglo XX, determinó que la
relación directa que existía entre las esferas económica y política pasase a estar mediada
por la construcción y afianzamiento de una esfera donde actúa la sociedad civil. La
construcción de una esfera privada separada del Estado, surge de una necesidad de la
burguesía por preservarse y afianzarse como clase dirigente. Su vínculo con el espacio
público estatal se construye bajo la pretensión de que éste se preste para el desarrollo de
sus necesidades, sin ser un obstáculo para su expansión. La creación de un Estado de
derecho, controlado por la sociedad para que éste no exceda su función de guardián de
las libertades individuales, funciona como instrumento legitimo para garantir un orden
que se presenta como natural para el desarrollo de las relaciones económicas
capitalistas. De esta forma, se separa y construye un ámbito de la sociedad civil con
sentido privado (Acanda, 2002). Desde esta concepción de espacio privado, la sociedad
civil se configura también en defensa de los intereses de un grupo restricto y no
construye, por tanto, necesariamente sentido comunal. Es teniendo en cuenta estos
elementos que queremos pensar aquí la constitución de una esfera pública y su
configuración como espacio donde actúa la sociedad civil.
Como lo explicábamos, las iniciativas de la sociedad civil no necesariamente
implican la generación valores de igualdad, pero sí pueden pensarse como espacios
donde éstos, potencialmente, son desarrollados. Es en este sentido, y en referencia a
nuestro objeto de estudio, que debemos pensar cómo se desarrolla un espacio de
comunicación comunitaria en el ámbito de las organizaciones sociales, siendo que éste
es un medio de expresión de los intereses de los trabajadores sindicalizados. Es preciso,
a través de las presentes líneas de análisis, cuestionar de qué forma se crea una esfera
pública que defiende valores de comunidad, buscando comprender además si son los
trabajadores organizados capaces de generarlos. Por otro lado, nos surge pensar en la
importancia de la constitución de una sociedad civil movilizada en la promoción de

5
transformaciones sociales; una sociedad civil que se desmasifica, se corporiza y gana
visibilidad en la medida que reconoce su fuerza en vínculo con la existencia de la
sociedad política.
Antonio Gramsci entiende el Estado conformado por una sociedad política
configurada por los aparatos administrativos, represivos y burocráticos, y una sociedad
civil constituida por aparatos privados de hegemonía, siendo éstos organizaciones e
instituciones políticas, educativas, jurídicas, comunicacionales, culturales y religiosas
(Semeraro, 1999). Estas dos esferas están íntimamente ligadas y una depende de la otra.
Para Gramsci la sociedad civil es el lugar donde se decide la hegemonía, donde se
conforma el proyecto de sociedad y es elaborada y difundida la ideología. Es en el
ámbito de la sociedad civil donde se legitiman los valores que dan forma a un tipo de
sociedad determinada, y es en este campo donde son rebatidas y negociadas las
particularidades políticas, culturares y económicas.

De esta forma, podemos decir que una clase logra su supremacía sobre otra, no
sólo por medio de la coerción y la dominación, sino que a través de conciliar su
dirección intelectual y moral. Debe ser distinguido, entonces, el concepto de
dominación del de hegemonía, “el dominio se expresa en formas directamente políticas
y en tiempos de crisis por medio de una coerción directa o efectiva. Sin embargo, la
situación más habitual es un complejo entrelazamiento de fuerzas políticas, sociales y
culturales” (Williams, 2000, p. 129). Es decir, la hegemonía no se da como forma de
dominación directa, estable y definitiva, sino que se mantiene siendo continuamente
recreada y defendida.

Siguiendo estas ideas podemos entender el término hegemonía como un


vívido sistema de significados y valores activos, que se materializan continuamente a
través de acciones, decisiones y formaciones de las instituciones que le dan cuerpo a la
ideología. Las instituciones como la familia, la educación, el trabajo, así como las
manifestaciones del lenguaje y el arte actúan como un complejo sistema de expresión de
valores de una sociedad, entrelazando fuerzas políticas y culturales. Es por esto
importante pensar en los medios de comunicación también como ámbito donde se
expresa y establece consenso.

Construcción de autonomía

6
Aníbal Quijano (2014) entiende que la sociedad en la actualidad está
configurada fuertemente por dos formas constituidas en lo privado-capitalista y lo
estatal-capitalista. Estos dos tipo de relaciones buscan, a través de diferentes estrategias,
un mismo objetivo: controlar el capital y obtener poder político-económico.

Lo privado capitalista, o más generalmente lo privado mercantil, implica un


interés opuesto a los del conjunto de la sociedad, de modo que no puede ser
compatible con la equidad, la solidaridad, la libertad o una democracia que
esté constituida de esos elementos, sino hasta el límite del interés privado.
Lo estatal o lo público de ese privado son, exactamente, la expresión de esa
limitada compatibilidad: emerge y se impone, precisamente, cuando la lógica
última de la dominación está en peligro. (Quijano, 2014, p. 717)

Según Quijano (2014), las experiencias históricas en América Latina permiten


surgir una otra forma de lo privado, entendida esta como lo privado-social. Para el autor
estas experiencias surgidas en el ámbito social no deben ser entendidas como aisladas,
aleatorias o transitorias, sino como experiencias que se afianzan, siendo prácticas
asumidas para muchos sectores de la sociedades como alternativas que se expanden
señalando el surgimiento de nuevas subjetividades.
En este sentido, lo privado-social tiende a generar su esfera institucional pública.

Lo que es, sin embargo, sorprendente, es que aún bajo esas condiciones, las
prácticas y las instituciones del nuevo privado-social y de sus instituciones
públicas-no-estatales, existen, se reproducen, aumentan de número y de tipo,
y se van convirtiendo en una nueva y vasta red de organización de una nueva
“sociedad civil”. (Quijano, 2014, p. 720)

Siguiendo lo defendido por Aníbal Quijano, podríamos cuestionar en qué


medida la experiencia del canal de los trabajadores puede configurarse como un espacio
de lo privado-social. Podríamos pensar si es posible, en el marco de la aprobación de
una nueva reglamentación para la gestión de los medios de comunicación, la efectiva
concreción de un espacio de la sociedad civil que limite la concepción privada de los
medios de comunicación, en cuanto a su gestión pero también en cuanto a la generación
de contenidos.
Cobra aquí importancia reflexionar acerca del ámbito de la comunicación como
un espacio mediante el cual se genera y reproduce poder simbólico. Es pertinente pensar
la comunicación como un espacio de disputa por el sentido, lugar propicio donde
emergen, se instalan y reproducen formas arraigadas de la cultura y se sedimentan
ideologías, al mismo tiempo que éstas son rebatidas.

7
Los esfuerzos de las organizaciones por configurar modos sociales más
democráticos, considerando la existencia de espacios de comunicación que promuevan
la libertad de expresión, se han dado tras una batalla de ideas y una lucha por establecer
nuevas formas de relaciones culturales. El trabajo intelectual de pensar la creación de
una Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual ha significado una reflexión acerca
de las necesidades sociales más allá de los sentidos que ha impuesto el monopolio o el
oligopolio de los medios de comunicación. La exclusión a ciertos sectores en la
participación de definiciones políticas implica limitar la reflexión y construcción de lo
social. Por mucho tiempo los discursos de las organizaciones sociales han quedado, a
través de prácticas de comunicación en los medios tradicionales, excluidos de la escena
pública. En muchos casos los discursos dominantes los han absorbido como
representaciones para sí, resignificándolos y anulando su poder de rebatir sentido. Es
preciso considerar que,
Un elemento cultural residual se halla normalmente a cierta distancia de la
cultura dominante efectiva, pero una parte de él, alguna versión de él -y
especialmente si el residuo proviene de un área fundamental del pasado- en
la mayoría de los casos habrá de ser incorporada si la cultura dominante
efectiva ha de manifestar algún sentido en estas áreas. Por otra parte, en
ciertos momentos la cultura dominante no puede permitir una experiencia y
una práctica residual excesiva fuera de su esfera de acción, al menos sin que
ello implique algún riesgo. Es en la incorporación de lo activamente residual
-a través de la reinterpretación, le disolución, la proyección, la inclusión y la
exclusión discriminada- como el trabajo de la tradición selectiva se torna
especialmente evidente. (Williams, 1997, p. 144)

Es decir, a través de una práctica activa se ha optado por dar visibilidad y


construir como público ciertos aspectos del discurso de las organizaciones, aunque
adaptándolos a las necesidades y expectativas de una cultura hegemónica. En la medida
que las organizaciones sociales crean sus propios medios de comunicación podrán
construir nuevas visibilidades y formas de dar sentido a la organización de la sociedad.
La gestión de un canal de televisión por parte de los trabajadores organizados, y
entendiendo la potencialidad que este medio tiene para la expresión y construcción de
representaciones, puede verse en su potencialidad por configurar un espacio de defensa
y ampliación de lo que se entiende como público.

Los medios de comunicación en la conformación de la esfera pública

8
La constitución de una esfera pública de carácter burgués aunque proyectada con
la pretensión de ser un espacio de creación de democracia, acaba favoreciendo, sobre un
criterio de formación cultural y por el sentido de propiedad privada, la exclusión de
ciertos intereses en detrimento de otros.
Debe reconocerse que la creación de la esfera pública se ha configurado en base
a una determinación de las lógicas del capital, extendidas éstas, a partir del siglo XX, a
todas las esferas de interacción social. Según lo explica César Bolaño (2013) haciendo
una lectura en base a una perspectiva de la Economía Política de la Comunicación,

Lo que vivimos hoy es una nueva reestructuración de la esfera pública, que


retoma el carácter excluyente y crítico de la esfera pública burguesa clásica,
manteniendo y profundizando, para la mayoría de la población mundial, el
paradigma de la cultura de masas y del Estado nacional (Bolaño, 2013, p.
297).

Dentro de la misma lógica, los medios de comunicación cumplen un rol


destacado en la acumulación del capital, creando productos con valor de mercancía. La
creación de monopolios, favorecidos por el desarrollo de diferentes políticas públicas,
ha estado justificada históricamente por una necesidad de control sobre “la creación y el
mantenimiento de los canales por donde circulan las diferentes formas de capital e
información” (Bolaño, 2013, p.75). Así como lo expresa este autor, al modo de vida
capitalista no le basta producirse materialmente, sino que posee la necesidad de
establecerse en su orden ritual y moral, sirviéndose de los medios de comunicación
como formas de expresión y reproducción de su ideología.
Como forma de mantener este orden se han establecido prácticas que esterilizan
la capacidad crítica que la esfera pública posee potencialmente. Siguiendo lo
desarrollado por Bolaño (2013), el sistema capitalista se construye en base a estrategias
de exclusión y por acciones que promueven la desigualdad, generando formas que
enmascaran las diferencias y contradicciones de clase. A través de acciones que en
apariencia promueven la participación de todos los sectores de la sociedad se suprimen,
en realidad los conflictos y las problemáticas que el sistema acarrea para un sector
amplio de la sociedad.
En este sentido, podríamos cuestionar en qué medida una televisión creada por
los trabajadores organizados puede contribuir a colocar en cuestión la contradicción de
clase, que rompa el consenso y que genere caminos hacia la instalación de una nueva
hegemonía. Lo que parece ser evidente es que no se trata de contar solamente con

9
políticas públicas que reglamenten los medios de comunicación, si éstos no contribuyen
a repensar las lógicas mediante las cuales se configuran históricamente los medios de
comunicación, encubriendo la existencia evidente de desigualdades y desajustes en
cuanto al acceso de derechos sociales fundamentales. Así como lo expresa Bolaño
(2013) “cuando mayor es el número de los capitales individuales o de las instituciones
pública que participan del monopolio de la información, más se refuerza la apariencia
de igualdad” (Bolaño, p.70).
En la actual etapa de desarrollo del capitalismo, en la cual se prima el consumo
sobre la creación autónoma de productos y necesidades, cobra real importancia el hecho
de que las organizaciones sociales creen sus propios contenidos a través de una estética
que responda a sus particularidades. Es decir, que la nueva configuración del espacio
comunicacional, no debe solamente garantizar el acceso a los medios y circuitos de
distribución, y claro que esto es fundamental, pero, especialmente las organizaciones
precisan crear significados propios.

A modo de cierre
La comunicación de masas dirigida a un público tan genérico que no define las
diferencias de clases, sino que por el contrario tiende a homogenizar individuos con
necesidades y expectativas muy diferentes, no contribuye a destacar las contradicciones
que el sistema capitalista genera. Es necesario, entonces, que una comunicación de los
trabajadores actúe también para quebrar una lógica capitalista presente en el
desenvolvimiento de los medios de comunicación.
El nuevo modo de regulación parece despertar la posibilidad para que las
organizaciones sociales asuman la construcción de su autonomía, considerando la
potencialidad de crear lo público como espacio donde se ejerza la democracia y la
igualdad entre los individuos. Para esto es importante generar formas de comunicación
alternativas que rebatan sentido a las configuraciones de Estado que sólo buscan la
reproducción del capital. Así como lo expresa Aníbal Quijano (2014) surge la
importancia de generar formas que salgan de la égida de lo estatal-privado, para
componer formas de lo social-privado que trasunten en la construcción de una cultura
más plural.
Podríamos decir que la estrategia política de establecer un proyecto de televisión
público y comunitario alternativo, dependerá del grado de participación social que se
logre promover. Esta participación no debe verse como utópica o deseable, sino que

10
practicable, actuante en cada puesta en práctica, en cada construcción de sentido. Los
medios de comunicación, productores de poder simbólico podrán funcionar potenciando
la accesibilidad de la población al ámbito de lo político, si consiguen que ésta tenga
protagonismo en la producción y en el intercambio de lo simbólico.
La promoción de espacios de participación comunitarios puede verse como una
tentativa por construir autonomía en aquellos sectores de la sociedad que se apropian de
ellos. Una vez que se crean espacios que priman en su organización el valor de lo
comunitario puede producirse la identificación de unos individuos con otros, que se
reconocen en el intercambio que la misma constitución de estos espacios produce. Es en
esos lugares donde el encuentro promueve el reconocimiento de subjetividades, insertas
éstas en un colectivo que comparte una misma construcción histórica. Los espacios de
comunicación comunitaria pueden verse como decisivos para el desenvolvimiento de las
potencialidades subjetivas y sociales, en la medida que construyen sujetos activos y
conscientes. Éstos siendo lugares de construcción de sentidos y no de recepción o
aceptación pasiva, fomentan individuos activos y no de sujetos indiferentes, que buscan
desde iniciativas creativas superar su condición, al mismo tiempo que proponen formas
alternativas de organizar la sociedad.

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12
Lei de acesso à informação e democracia digital: informação
como pilar para o desenvolvimento da condição feminina no
Brasil

Bruna Silvestre Innocenti Giorgi1

Resumo: A Internet, atualmente, é um sistema muito estudado por possibilitar a publicização de


informações, o accountability e a democracia digital. Um avanço nesse sentido foi a promulgação da Lei de
Acesso à Informação (Lei 12.527/11), em 2011, que regulamenta o acesso às informações públicas, ativa e
passiva. Com o objetivo de refletir sobre os tipos de informações essenciais para a fomentação de uma
comunicação pública eficaz, desenvolvendo a democracia digital, a pesquisa usará a metodologia
bibliográfica, exploratória e de análise de conteúdo para estabelecer categorias que sejam relevantes para a
fomentação de informações nos sites de políticas públicas paras as mulheres que promovam participação e
transparência. O resultado demonstrou que o conteúdo analisado tem caráter de divulgação, entretanto não
prima pela interação com as usuárias. No entanto, é um passo relevante para a consolidação das condições
sociais das mulheres no Brasil.

Palavras-chave: Lei de Acesso à Informação; democracia digital; comunicação pública; direito das
mulheres; análise de conteúdo.

Introdução
No Brasil, dificuldades em acessar informações são reflexos da política corruptiva, do
Estado burocrático, de um período histórico político-militar e da cultura do segredo. Sobre essa
última característica, Rothberg (2015) afirma que foi fundada pela administração pública por
estratégias advindas do patrimonialismo e clientelismo. Entretanto, o direito à informação está
presente na Constituição de 1988 e, mais recentemente, em 2011, foi regulamentado pela Lei de
Acesso à Informação Pública (Lei 12.527/11).
Como um direito fundamental, o direito à informação tem o objetivo de promover outros
direitos e, assim, a Lei de Acesso à Informação (LAI) também tem a incumbência de disponibilizar
dados que ajudem a desenvolver a condição de grupos minoritários, como das mulheres, e também
a divulgar os programas e as políticas.
Frente a esse quadro, as características da Internet poderiam fomentar condições de
interatividade na política, estimulando uma democracia mais atuante, conhecida também por
accountability. O termo não é traduzido, mas tem o significado similar a responder por algo, se
encaixando no contexto de prestação de contas e responsividade. O’Donnell (1998) descreve dois
tipos de accountability: a vertical, que significa a prestação de contas por meio das eleições e

1
Formada em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, pela UNESP, é aluna regular do programa de Pós-Graduação em
Comunicação Midiática, na mesma instituição, na linha de pesquisa: Gestão e Políticas da Informação e da Comunicação Midiática.
1
reivindicações e movimentos de liberdade de expressão – para isso o acesso à informação é
preponderante –; e a horizontal, que é mais complexa e envolve agências e órgãos que têm a
capacidade de empreender ações do controle rotineiro da administração pública até a realização de
sanções. Desse modo, os cidadãos teriam oportunidade de se envolver com as políticas, discutir as
necessidades atuais e influir em medidas jurídicas que melhorem as vidas principalmente dos
grupos marginalizados. E esse papel é majoritariamente da comunicação pública. López (apud
KOÇOUSKI, 2012), pontua que a comunicação pública ocorre na esfera pública, que segundo
Habermas (1997), é a ambiência em que os indivíduos têm possibilidade de se expor e, a partir da
periferia, os problemas pessoais de um grupo se tornam pauta na administração institucionalizada,
se transformando em tema de interesse público. Segundo Matos e Nobre (2013), comunicação
pública, referente ao governo e a sociedade, é direcionada pelo interesse coletivo.
A indagação em busca de resposta e que une todas essas questões é como as tecnologias de
informação e comunicação podem auxiliar as mulheres 2 a buscarem os seus direitos e, assim,
transformarem uma sociedade com traços patriarcais. Essa pergunta é crucial para desenvolver um
panorama sobre comunicação pública digital específica para as mulheres no Brasil, principalmente
ao que se refere à disponibilização de informações em portais governamentais (.gov). Essa ideia
está prevista no artigo 8 da Lei de Acesso à Informação, que rege a disponibilização de conteúdo de
serviços e de prestação de contas pelos portais públicos governamentais. Mas a comunicação
pública digital deve ir além, propondo, por meio de ferramentas de comentários, chats, consultas
públicas e outras ferramentas, a participação social.
Esse tema, norteado pelas Ciências Políticas, tem o centro de discussão no direito de acesso
à informação como um componente da cidadania atual e do desenvolvimento da democracia digital.
Isso porque, parte-se da ideia de que o reconhecimento das políticas públicas é fomentado pela
comunicação pública (produzida pelo governo), em particular veiculada pela Internet. Esta pesquisa
é parte do desenvolvimento da dissertação de mestrado da autora, que pretende analisar e comparar
por regiões e estados brasileiros a integridade das informações das páginas de portais eletrônicos do
governo sobre políticas públicas para mulheres por meio da análise de conteúdo. O objetivo do
presente artigo, então, é refletir sobre os tipos de informações essenciais para a fomentação de uma
comunicação pública eficaz, desenvolvendo a democracia digital. Para isso, será utilizada a
pesquisa bibliográfica para aprofundar o tema Lei de Acesso à Informação e democracia digital, a
metodologia exploratória, com o intuito de observar o site da Secretaria de Políticas Públicas para
as Mulheres (SPM) (www.spm.gov.br); e a metodologia de análise de conteúdo (BARDIN, 1979)
para suscitar categorias importantes.
2
É possível entender a pesquisa como defesa dos direitos minoritários, já que não há aprofundamento sobre o tema de direitos das
mulheres no presente momento.
2
Lei de Acesso a Informação
É por meio da informação que a sociedade se instrui sobre as ações dos representantes e
também de como o dinheiro público é distribuído e manejado. Além disso, tem o potencial de
estimular os cidadãos a participarem de debates sobre políticas públicas e reformas úteis. Outro
aspecto em que a informação atua é na escolha dos representantes do Legislativo e Executivo em
uma democracia. Sem a liberdade de informação, os cidadãos não fomentam condições suficientes
para eleger conscientemente o seu representante, já que desconhecem as ações da administração,
das propostas, entre outros aspectos relevantes de um candidato. Ademais, o acesso amplo à
informação torna os governos mais transparentes, resultando em confiança por parte da sociedade e,
assim, consequentemente, em uma democracia mais consolidada.
O direito de informação possui três faces: o direito de informar, o direito de se informar e o
direito de ser informado (STROPPA, 2010). De forma genérica, a primeira perspectiva está
relacionada à liberdade de expressão e opinião; as outras estão associadas ao direito de acesso a
informações, pois se referem à busca do cidadão por dados de interesse individual ou coletivo e a
disponibilização voluntária de informações relevantes de empresas e órgãos públicos. “Sendo
assim, o direito ou liberdade de informação agrega não apenas a liberdade do emissor, mas também
o direito do destinatário de se informar e ser informado” (STROPPA, 2010, p. 71).
Por essa última perspectiva oriunda o movimento de regulação de acesso à informação, de
acordo com Michener (2011, p. 7): “Quase metade das leis de acesso do mundo foram promulgadas
nos últimos dez anos e apenas uma lei foi formalizada antes de 1950 (Suécia, em 1766)”. E foi no
século XX que o assunto passou para a esfera internacional. Organizações e grupos de países
passaram a discutir o tema, principalmente com o viés de direitos humanos. De acordo com Mendel
(2008), isso se deve às transições políticas para a democracia desde o início de 1990; os avanços
tecnológicos que mudaram as relações sociais e a informação; e a forma como a informação é
usada. “A tecnologia da informação melhorou, em termos gerais, a capacidade do cidadão comum
de controlar a corrupção, de cobrar dos líderes e de contribuir para os processos decisórios”
(MENDEL, 2008, p.4). O autor aponta esse fato ao aumento da demanda pelo acesso à informação3.
Na década de 1940, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o direito à
informação como um direito humano (Carta das Nações Unidas), reforçando a ideia da liberdade de
informação. Em 1948, com a Declaração dos Direitos Humanos, esse reconhecimento foi reforçado,
e está presente no artigo 19: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este

3
Apesar de cada vez mais ampliado o acesso, os aparatos tecnológicos estão economicamente disponíveis para um grupo restrito de
cidadãos, marginalizando muitas classes sociais que não têm acesso.
3
direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
No Brasil, esse direito já estava previsto na Constituição de 1988, nos artigos 5, 37 e 216.
Mas, foi em 2011, que esse direito foi regulamentado com a promulgação da LAI, ou Lei de Acesso
à Informação.
A LAI é dividida em dois tipos de transparência: a ativa e a passiva. Na ativa, os órgãos
devem disponibilizar informações relevantes para os cidadãos de forma voluntária, mantendo os
dados e pesquisas atualizadas em suas homepages. Na passiva, são feitos pedidos de informações
específicas, que podem ser efetuadas através da ferramenta on-line E-Gov e também em locais
governamentais físicos, que são informados nos portais governamentais.
Além disso, a LAI conta com 47 artigos organizados em seis capítulos e é regida pelo
princípio de máxima divulgação, prevê o mínimo de restrições – apenas quando fere o direito
privado e de segurança nacional – e demanda sistemas para a disseminação das informações.
Este presente artigo tem a intenção de estudar a Lei em seu caráter ativo e, principalmente,
veiculado por portais eletrônicos. Por isso, faz-se necessário destacar o artigo 8 que prevê o dever
de órgãos e entidades públicas de promoção de informação ativa de interesse coletivo. No §1 o
dispõem o tipo básico de informação que deve conter nos informativos e sites disponibilizados por
esses órgãos: 1- institucionalmente oferecendo as competências e estrutura organizacional,
endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público; 2- Prestação
de contas tornando visíveis os repasses ou transferências de recursos e o registro de despesas; 3-
Projetos públicos como informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os
respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; 4- Incentivo da
participação da sociedade disponibilizando dados sobre o desenvolvimento de programas, ações,
projetos e obras de órgãos e entidades; e as respostas a perguntas mais frequentes da sociedade.
Os parágrafos seguintes, do mesmo artigo, deixam claro o uso obrigatório para a divulgação
de informações em sítios oficiais de órgãos e entidades públicas, tornando optativa apenas a
municípios com população de menos de 10.000 (dez mil) habitantes. Além disso, o § 3 o preceitua
que esses sites devem atender aos requisitos:

I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à


informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil
compreensão;
II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a
facilitar a análise das informações;
III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos
abertos, estruturados e legíveis por máquina;

4
IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da
informação;
V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para
acesso;
VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso;
VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se,
por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio; e
VIII - adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de
conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei no 10.098, de
19 de dezembro de 2000, e do art. 9o da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo n o 186, de 9 de julho de
2008. (BRASIL, 2011).

Após a apresentação da Lei de Acesso à Informação, torna-se latente a preponderância do


uso da Internet e suas possibilidades para a consolidação da democracia. Esse tema, muito debatido
atualmente, tem sua discussão voltada para a democracia digital e as possibilidades da oferta da
participação efetiva na construção de uma sociedade mais igualitária e abrangente. Por isso, faz-se
necessário a explanação do tema, unindo os conceitos de governo eletrônico e participação.

Democracia digital
A comunicação como um sistema cognitivo humano passou do plano oral para a escrita e,
atualmente, para o meio digital. Esse novo ambiente, que necessita de tecnologias ligadas à rede
mundial de computadores, transforma o modo de agir e interagir com a sociedade. E na política e
democracia não é diferente. Apesar de o Brasil presenciar a democracia representativa, o formato
digital desse sistema político pode contribuir para a participação e fiscalização dos cidadãos,
promovendo o empoderamento dos indivíduos. Do outro lado, a participação exige uma
transparência por parte dos representantes.
Em grego, “democracia” significa “poder do povo”, e pela experiência ateniense é que
surge, nos séculos V e IV A.C., o ideal do ser político. Nessa sociedade grega, o cidadão deveria
pertencer e participar ativamente da vida política e de seu círculo social (CORTINA, 2005). Para
Bezerra e Jorge (2010), no sistema democrático, cada pessoa tem soberania para atuar e deliberar
sobre uma decisão pública. A ação coletiva pela defesa de mesmos interesses era uma maneira de
deliberar de forma legítima ou, em última instância, promover o voto.
Se democracia é um termo que instiga muitas visões que não cabem ser debatidas aqui,
democracia digital também se desenvolve com muitas perspectivas. Silva (2005) determina cinco
graus de democracia digital que variam de um polo de baixa interação, em que o cidadão é um
receptor de informação e beneficiário de projetos facilitadores; a outro (quinto grau) em que se
torna, por assim dizer, um cidadão ateniense, substituindo o representante político. Desse modo
pode-se pensar em democracia digital desde boa governança à aproximação do representante e

5
representado e isso, conforme Bezerra e Jorge (2010), é atribuído a disponibilização de informações
adequadas e suficientes para possibilitar a ação cidadã.
Assim, democracia digital implica no governo eletrônico ou e-government, que disponibiliza
ferramentas para facilitar processos que os cidadãos são aptos a realizar e também promover a
participação. A Organização das Nações Unidas (2003, p.1) sintetiza o conceito como “utilização da
Internet e da Web para ofertar informações e serviços governamentais aos cidadãos”. No Modelo de
Governança para Inclusão Social, da ONU (2005), há a recomendação para os governos de
promover a diversidade no planejamento de projeto e ações, valorizando todos os grupos e
inserindo-os no contexto de participação política.
A ONU divulgou em 2014 um relatório com o ranking de países que são referências na prática
de governo eletrônico. A Coreia é o país que alcançou o maior desenvolvimento, seguido por
Austrália, Singapura e França e Holanda. Dentre os 25 países líderes, a maioria (dezesseis) está
localizada no continente europeu e no leste europeu (cinco). Na América Latina, o melhor
posicionado é o Uruguai (na 26ª posição), seguindo por: Chile (33ª posição), Argentina (46ª
posição), Colômbia (50ª posição), Costa Rica (54ª posição) e o Brasil (57ª posição). A ONU, por
meio da experiência das nações mais bem colocadas, apontou quatro indicadores que formam um
paradigma do governo eletrônico: preocupação com a disponibilização das informações; usar as
ferramentas para promover e divulgar os serviços públicos; possibilidade de interação e
participação; oferta de canais que proporcionem áudio, vídeo e comentários ou diálogo.
Carpentier (2012) destaca que participação não é sinônimo de interação e acesso, eles são
fatores que levam à participação, principalmente quando se trata de uma democracia digital. Para
definir participação, segundo o autor, é necessário pensar em democracia que se forma por três
complexos elementos: manifestações e variantes; a diferença entre a democracia teórica com a da
prática e a cultural; e a distinção entre a política e o político. “Uma das dimensões fundamentais que
estruturam os diferentes modelos democráticos é a dimensão minimizada versos maximalizada, que
subjaz a uma série de posições-chave na articulação da democracia” (CARPENTIER, 2012, p.
165)4. No viés minimalista, participação se ancora na noção de política institucionalizada. Ou seja,
quando se fala em mídia, o profissional que controla o conteúdo e a tecnologia tem um comando
superior ao público, fomentando, muitas vezes, a interação e não a participação de fato. Já no viés
maximalista, a democracia é tomada como um arranjo mais equânime de representação e
participação, em que são projetadas investidas visando à participação. Nessa dimensão, o político é
parte integrante do social, tornando a participação mais compreendida nos vários setores sociais e

4
Tradução livre.
6
culturais, como a mídia, tanto em nível macro quanto micro. Assim, a participação maximalista leva
à igualdade social.
Para que se tenha acesso e interação, as tecnologias da informação são fundamentais e
estabeleceram uma nova ordem comunicativa e de cognição. Braga (2007, p. 6) comenta sobre a
relevância das tecnologias para a transparência das ações da administração pública, cumprindo
“funções básicas para o fortalecimento das instituições democráticas, especialmente no sentido de
tornar mais transparente o processo decisório sobre políticas públicas de interesse comunitário”. É
possível que esse seja o aspecto mais importante para pensar a democracia digital a favor de grupos
minoritários, como as mulheres, no Brasil.
Informação disponível de forma transparente, ativa e objetiva pode promover um terreno fértil
para a construção de uma participação efetiva e maximalizada. Nesse sentido, com a intenção de
desenvolver a dissertação da autora, o item a seguir tomará o debate feito até agora sobre a LAI e
democracia digital e relatará o resultado da pesquisa exploratória e de análise de conteúdo feita no
portal eletrônico da Secretaria de Políticas para Mulheres. Para isso, é necessário discorrer
brevemente sobre a condição social-política das mulheres e descrever a metodologia de análise de
conteúdo e o resultado obtido por meio da análise das categorias.

Pesquisa exploratória
Tomemos a disponibilização de informações como aspecto fundamental para o
desenvolvimento da boa governança e, assim, da democracia digital e participação política de fato.
Desse modo, a Lei de Acesso à Informação, no Brasil, é preponderante para a edificação de um
modelo de governo eletrônico e do fortalecimento das políticas públicas para as mulheres.
Em termos de igualdade de gênero, as mulheres ao longo da história buscaram os seus
direitos. Durante o século XX, a condição política feminina evoluiu. No Brasil, as conquistas mais
significativas ocorrem a partir da década de 1970, quando há a formação de movimentos sociais
urbanos com a presença do sexo feminino, que depois conflui em movimentos feministas.
Por essas ações, na década de 1980, foram desenvolvidas as primeiras políticas públicas com
o recorte de gênero, como é o caso do Conselho Estadual da Condição Feminina (1983). Conforme
Farah (2004), as mulheres se mobilizaram e apresentaram a Carta das Mulheres Brasileiras para
estruturar propostas à nova Constituição de 1988. As sugestões se configuravam em termos de
saúde, família, trabalho, violência, discriminação, cultura e propriedade da terra.
Mais recentemente, em 2003, no governo do presidente Lula, foi criada a Secretaria de
Políticas para as Mulheres, que tem como principal objetivo promover a igualdade entre homens e
mulheres e combater todas as formas de preconceito e discriminação herdadas de uma sociedade

7
patriarcal e excludente. A Secretaria age em três linhas de ação: (a) Políticas do Trabalho e da
Autonomia Econômica das Mulheres; (b) Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; e (c)
Programas e Ações nas áreas de Saúde, Educação, Cultura, Participação Política, Igualdade de
Gênero e Diversidade. Essa secretaria desenvolve um portal eletrônico (www.spm.gov.br) e será a
mídia base para a pesquisa.
O método envolvido contextualmente nesta pesquisa, o da análise de conteúdo, “em
concepção ampla, se refere a um método das ciências humanas e sociais destinado à investigação de
fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa” (FONSECA JÚNIOR, 2006, p.
280). Apesar de ser uma técnica enraizada na ideia positivista, a inferência – conceito construído na
década de 1950 – permite classificações por deduções lógicas, tornando a análise de conteúdo mais
que um método descritivo, mas também qualitativo5 (BARDIN, 1979). Pela promoção de dados e o
panorama crítico do objeto, a análise de conteúdo terá a função de organizar as informações de cada
portal, para posteriormente ser possível realizar uma análise, na dissertação de mestrado da autora.
No presente trabalho, a metodologia se encontra na fase de categorização e, por isso, foram
utilizadas as páginas online de políticas públicas do site da Secretaria de Políticas Públicas em uma
pesquisa exploratória. Para isso, tomará como base teórica a Lei 12.527/11, a teorização sobre
democracia digital e accountability e a pesquisa de Rothberg (2014).
Da pesquisa bibliográfica presente na pesquisa e da pesquisa exploratória realizada no site
www.spm.gov.br surgiram as seguintes classes de informação contidas nas páginas governamentais
de cada estado sobre as políticas públicas e programas das mulheres:
1) Atualização da homepage (a periodicidade de atualização, principalmente, por meio de
notícias);
2) Predominância do conteúdo da página: institucional, de serviço, de notícia ou de pesquisa;
3) Presença de ferramentas de buscas e de interação, como possibilidade de comentar,
compartilhar em outro site de rede social, enviar dúvidas e sugestões e etc;
4) A presença de mecanismos e ferramentas que promovam a acessibilidade do conteúdo por
pessoas com deficiência na visão e audição;
5) Avaliação da informação de políticas públicas e programas governamentais, analisando
categorias adaptadas de Rothberg (2014)6:
- Antecedentes e diagnósticos subdividida em: (a) contexto social em que dada política se
insere; (b) condições econômicas; (c) cenário político; (d) Informações legais: deve ser identificada
a presença de leis, decretos, regulamentos e portarias relacionados a uma política.

5
É importante ressaltar que, como apresenta Lopes (2010), não há uma divisão entre pesquisa quantitativa e qualitativa, ambas se
complementam e se constroem juntas.
6
Foi retirada a categoria de Normas e padrões e na subcategoria Igualdade.
8
- Propósitos composta por: (e) objetivos e metas; (f) recursos e critérios de eficiência; (g) ações
realizadas e planejadas; (h) informações operacionais.
- Públicos e setores beneficiados formadas pelas categorias: (i) públicos-alvo; (j) instrumentos
de relacionamento
- Indicadores de impactos sociais composto por: (k) benefícios da política; (l) satisfação do
usuário; (m) igualdade.
- Indicadores de impactos econômicos: (n) eficácia; (o) efetividade; (p) custo-efetividade.

Resultado da análise de conteúdo


Para melhor avaliar as categorias propostas, no dia 23 de setembro de 2015, foram analisadas
nove páginas da seção fixa, do site da Secretaria de Políticas para as Mulheres, referentes à
Violência contra a mulher, que são: 1. Lei Maria da Penha; 2. Serviço Ligue 180; 3. Programa
Mulher, Viver sem Violência – Casa da Mulher Brasileira; 4. Programa Mulher, Viver sem
Violência – Ampliação da Central de Atendimento à Mulher; 5. Programa Mulher, Viver sem
Violência – Organização e humanização do atendimento às vítimas; 6. Programa Mulher, Viver sem
Violência – Implantação e Manutenção dos Centros de Atendimento às Mulheres nas regiões de
fronteira seca; 7. Programa Mulher, Viver sem Violência – Campanhas continuadas de
conscientização; 8. Programa Mulher, Viver sem Violência – Unidades Móveis para atendimento a
mulheres em situação de violência no campo e na floresta; e 9. Pesquisas e publicações.
Atualização da homepage e predominância do tipo de conteúdo não foram possíveis analisar,
pois são categorias que necessitam da observação do todo. Em relação a ferramentas de busca, o site
apresenta a ferramenta para encontrar palavras-chaves em todas as suas páginas. Ao que tange
ferramentas de interação, toda a página contém botões para compartilhar o conteúdo e o link para as
redes sociais Facebook e Twitter, não apresentando nenhum mecanismo para comentários. Na
página Serviço Ligue 180, há um mapa do Brasil, em que é possível interagir em nível mínimo,
clicando no estado para encontrar informações de serviço.
Em relação à acessibilidade, há no portal uma página que disponibiliza atalhos previstos no
Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (e-MAG), em que apenas altera o contraste da
tela por meio de atalhos no teclado do computador. Apesar de ser estabelecida por lei, essa
disponibilização contribui somente para a acessibilidade de alguns deficientes visuais, que ainda
apresentam algum nível de visão.
Também foram analisadas as informações das páginas e realizada a categorização, segundo a
análise de conteúdo de Bardin (1979). A pontuação máxima da soma das páginas poderia ser 144,
sendo que as informações encontradas eram tabeladas com 1 ponto na categoria referente e as

9
ausentes não eram pontuadas. A análise mostrou que a pontuação total foi de 63, ou seja, 43,75% do
valor ideal. A categoria com menos informação, de forma percentual com o máximo possível, foi a
Impactos Econômicos, que teve uma média de 14,8%; seguida de Impactos sociais (25%);
Propósitos e Públicos e Setores Beneficiados (55,5% cada); e Antecedentes e diagnósticos (61%).
As subcategorias: Satisfação do usuário (Impactos Sociais); Eficácia e Custo-efetividade
(Impactos Econômicos) não tiveram conteúdo disponível. Já Contexto social e Objetivos e metas
foram as subcategorias com o índice máximo, encontrados em todas as páginas.
O que foi percebido é que muitas das informações referentes aos resultados dos programas,
serviços ou lei, que tangem principalmente às categorias Impactos Sociais e Impactos Econômicos,
estão presentes em cartilhas e balanços periódicos publicados em formato impresso e
disponibilizado nas páginas em PDF, o que pode justificar a falta de informação dessas categorias
nas páginas. Já em relação a Contexto social e Objetivos e metas, subcategorias de Antecedentes e
Diagnósticos e Propósitos, há uma contextualização abrangente das políticas, por partirem de fatos
realmente relevantes e de repercussão, como é o caso da farmacêutica Maria da Penha; e também
objetivos visíveis de cada ação, sendo as metas não visíveis e também disponibilizadas em conteúdo
de formato PDF, quando presentes. O quadro a seguir se refere à pontuação de cada página:

Quadro 1 – Programas e pontuação referente à análise


Programas Pontuação
Lei Maria da Penha 9
Ligue 180 9
Casa da Mulher Brasileira 9
Ampliação da Central de Atendimento à Mulher 8
Organização e humanização do atendimento às vítimas 7
Implantação e Manutenção dos Centros de Atendimento às 8
Mulheres nas regiões de fronteira seca
Campanhas continuadas de conscientização 6
Unidades Móveis para atendimento a mulheres em situação de 6
violência no campo e na floresta
Pesquisas e publicações 3

O índice médio depreendido é 7,2, sendo que há três páginas com pontuação inferior à
média. A menor pontuação, de Pesquisas e publicações, é resultado da forma como as informações
são disponibilizadas no site, pois há a divulgação de 21 resumos de pesquisa e publicações em
parceria com outras organizações e empresas com a indicação de links para download para outra
mídia de caráter impresso em formato PDF, tornando reduzidas as informações na página analisada.

10
Outro aspecto observado e importante no contexto de políticas de combate à violência
doméstica é a ausência de informação na subcategoria “Satisfação do usuário”, em que promoveria
interação com a mulher que usufruísse dos programas e serviços. Além disso, informações como
essas promovem outras metas e o aprimoramento das políticas.
O que pode ser observado até o momento da análise, é que as informações disponíveis sobre
programas que combatem a violência doméstica contra a mulher contribuem para ações práticas das
usuárias, mas não são suficientes para promover a transparência. Nas cartilhas disponíveis essas
informações são mais completas, entretanto, nas páginas, por possibilitar uma linguagem interativa
e de fácil compreensão, alguns temas – como os relacionados a Impactos socias e, principalmente,
Econômicos – não são tratados de forma visível e simples.

Considerações finais
A exposição tornou clara a relação entre os conceitos de accountability, democracia digital,
participação e acesso à informação. Nesse sentido, a Lei de Acesso à Informação é um passo
importante para o Brasil na direção do desenvolvimento da accountability digital. Assim, as
categorias pontuadas são uma forma de visualizar como a LAI está sendo aplicada na comunicação
pública para desenvolver políticas e programas para grupos minoritários, como as mulheres.
Disponibilizar conteúdo de forma clara, objetiva, pautado na verdade, com informações
relevantes são os preceitos da transparência e que podem influir em uma democracia digital,
visando chegar à participação maximalizada. A informação, assim, é o primeiro passo para o
desenvolvimento de uma sociedade preocupada com a democracia e que tenham interesse em
participar, cobrar e dialogar com os representantes.
A violência doméstica contra as mulheres é um assunto delicado e que necessita ser
trabalhado com cuidado e de forma específica. Informações sobre “Satisfação do usuário”, por
exemplo, poderia ser disponibilizadas por meio de depoimentos de mulheres atendidas, pelas várias
mídias que a Internet possibilita e de forma anônima. Nesse caso, a informação promove confiança
para a mulher e, assim, tem potencial para que ela aja conforme os seus direitos.
Em relação principalmente às organizações civis que militam pela causa da mulher,
informações sobre custos e impactos são formas de tornar as ações transparentes e, assim, haver
uma aproximação entre sociedade e governo para a melhoria de políticas. Essa aproximação
também poderia ocorrer via Internet por meio de ferramentas de comentários, chats e fóruns,
ausente no site da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
O que se conclui, desse modo, é que as páginas abrangem informações de caráter de
divulgação, o que já é algo relevante em uma sociedade patriarcal e machista de contribuir para a

11
consolidação dos direitos das mulheres. No entanto, por motivos desconhecidos, que podem ser
falta de recursos humanos e investimento ou pela própria cultura; o tema possibilita uma
comunicação mais dirigida, principalmente às mulheres, criando uma identidade mais sólida e
fazendo-as se sentirem representadas. O desafio, assim, é perceber como as categorias propostas
aqui são analisadas nos outros temas de políticas públicas para as mulheres.

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14
Propuestas para el estudio del destinatario de sitios web y redes sociales de teatros

Camila Pérez Lagos1

Resumen: Este artículo presenta los resultados de un estudio exploratorio de 6 sitios web oficiales
de teatros localizados en Chile, Francia y España. Sobre la base del análisis del discurso se indagó
en cómo se incorpora al destinatario. Se concluyó que la presencia discursiva del destinatario se
concreta a través del uso del nosotros inclusivo, la designación del usuario como espectador y
público, y el discurso referido a través de la citación en redes sociales. Asimismo, a través de los
perfiles oficiales de los teatros en redes sociales se generan interacciones entre espectadores, esto
permite una amplificación del destinatario. Desde un punto de vista numérico, es decir, en función
de todos los recursos que la web puede ofrecer (imágenes, videos del espectáculo, etc.) se intenta
llamar la atención del futuro espectador sobre cómo va a ser la puesta en escena, además de acceder
a una profundidad de información sobre el dramaturgo, los comediantes y el director.

Palabras clave: sitios web, redes sociales, destinatario, publico teatral, análisis del discurso.

Introducción

Es bien sabido que internet ocupa una buena parte de nuestro tiempo. CARDON (2010)
señala que esto se debe “al desarrollo de blog y de redes sociales, la generalización de usos de la
web, […], la penetración de útiles numéricos en un numero cada vez más importante de esferas
sociales, la diversificación de usos comerciales, lúdicos o prácticos de la web, entre otros”
(CARDON, 2010, P. 27, traducción personal [desde ahora T.P.]). El mismo autor habla de este
fenómeno como “la masificación de internet”. Esta constatación capta evidentemente la atención de
las Ciencias de la Comunicación y la Información. Sumado a lo anterior, Internet ha evolucionado
muy rápidamente en la última década, provocando una proliferación de sitios web cada vez más
específicos. ROUQUETTE (2009) asegura que “la práctica de la difusión en línea aumenta en
proporción más rápido que el de la lectura en línea, de 40 millones de sitios en marzo del 2003 se ha
pasado a más de 150 millones en 2008 (fuente www.netcraft.com), hay en promedio un sitio por
cada 6 internautas” (ROUQUETTE, 2009, P. 6, T.P.).

1 Camila Pérez Lagos (perez.lagos.camila@gmail.com) doctorante en Comunicación, Información


y Medios de la Universidad Sorbonne Nouvelle-Paris 3 (Becaria CONICYT). Grupo de
investigación ERCOMES de la Escuela Doctoral 267 “Artes y Medios”. Magister en Ciencias del
Lenguaje, ILPGA Sorbonne Nouvelle-Paris 3.
En este contexto, según CARDON (2010) los sitios de mayor audiencia en el mundo
corresponden a los servicios de venta en línea y los grandes portales comerciales como eBay o
Amazon. Estas cifras no han cambiado considerablemente en los últimos años, lo que nos muestra
la amplia presencia de eventuales compradores en la web. Los consumidores están siendo
fuertemente estimulados por las nuevas tecnologías lo que implica una presencia considerable de
internautas que consultan y compran a través de los sitios oficiales.
Desde otro punto de vista, relacionado con la difusión y el acceso a la cultura pero en
particular a los espectáculos de teatro, existe una paradoja, “el teatro parece ser sinónimo de una
gran vitalidad en el escenario y de parte de los artistas, sin embargo hay un publico cada vez más
limitado” (ROQUES, 2008, p. 5, T.P.). En este marco se vuelve interesante observar cuáles son los
aportes que los sitios web oficiales de cada teatro pueden hacer por la frecuentación de
espectáculos. Ahora bien, en lo que respecta el caso específico de los sitios web de teatro, las
razones por las que la gente visita el sitio son desconocidas, sin embargo, ya sea para informarse,
para comprar un ticket, o para decidir qué espectáculo ver, los usuarios son siempre interpelados.
Inspirados en las interrogaciones de los autores citados anteriormente es que nos pareció
pertinente problematizar, en el marco de una investigación doctoral, en cómo el destinatario esta
presente en la rúbrica de programación de espectáculos de teatro en sitios web que poseen
financiamiento público en Paris, Santiago y Madrid. A continuación vamos a profundizar sobre un
aspecto en particular de esta investigación: la metodología para el análisis de sitios web y redes
sociales de teatros.

1.Aspectos tradicionales del análisis del discurso: los pronombres, la designación y el discurso
referido

En el caso de los pronombres partimos de la idea bien sabida que “no se puede interpretar un
enunciado que contenga “yo” y/o “tu” sin tomar en cuenta el acto individual de enunciación que lo
soporte” (MAINGUENEAU, 2007, p. 21, T.P.) Para efectos del corpus de estudio explicaremos
solamente el caso del tu, ustedes/vosotros/as y nosotros. El pronombre de “tu” en algunos casos
tiene la función de personalizar o generalizar. Al respecto MAINGUENEAU (2007) señala que “tu
se muestra con una característica de genérico que tiene por función personalizar enunciados de
valor general remplazando el sujeto universal (on en particular [en el caso del francés]) por un tu”
(MAINGUENEAU 2007, P. 24, T.P.)
En otros casos el “tu” funciona como genérico “todo ocurre como si el allocutorio por medio
del “tu genérico” estuviera constituido como una parte del proceso (beneficiario, victima)
2
(MAINGUENEAU, 2007, p. 25, T.P.). En lo que se refiere al pronombre de segunda persona plural
y segunda persona singular de cortesía “vous” en francés y “usted/es” o “vos/vosotros” en español.
Es bien sabido que este pronombre se utiliza tradicionalmente como cortesía, “en principio el “tu”
se opone al “vous” singular como una forma de familiaridad, de igualdad de distancia y de cortesía”
(MAINGUENEAU, 2007, p. 29, T.P.). Sin embargo, la alternancia entre “tu y usted” es mucho más
compleja y varía en función de la lengua y del país de donde esta lengua se hable. Lo que podemos
asegurar es que “dirigiéndose a alguien del modo “tu”, el enunciador impone un determinado
cuadro de intercambio verbal, cuadro que el receptor puede rechazar al precio de una reacción
agresiva. Decir “tu o vous” implica un solo movimiento: 1) darse a si mismo un cierto estatus, 2)
dar un cierto estatus a otro” (MAINGUENEAU, 2007, p. 29, T.P.). En lo que respecta al
“Nosotros”, éste pronombre es considerado tradicionalmente como un “yo” plural sin embargo
“esto no corresponde nunca, salvo en algunas situaciones muy marginales donde el relato o la
redacción son colectivas” (KEBRAT-ORECCHIONI, 2009, p. 45, T.P.).
Ahora bien, dentro de un determinado discurso se presentan diferentes voces que se agrupan
en la noción de discurso referido definido como “los diversos modos de representación del
discurso, palabras atribuidas a instancias otras que el locutor” (CHARAUDEAU ET
MAINGUENEAU, 2002, p. 190, T.P.). Dicho de otro modo, se trata de “los modos de
representación en un discurso de otro discurso” (AUTHIER-REVUZ, 1992, p. 38, T.P.). La
clasificación más clásica del discurso referido es la tripartición entre discurso directo, indirecto e
indirecto libre. Esta división opera en función de la concordancia de tiempo de los enunciados. Sin
embargo, como plantean CHARAUDEAU ET MAINGUENEAU (2002), la lengua tiene otros
modos de insertar el discurso de otros como la utilización de comillas, cursiva, la modalización por
envío a otro discurso (los dichos de…) y múltiples formas de alusión de discursos ya dichos. En
consecuencia, la tarea para identificarlos no es simple. El discurso directo ha sido tradicionalmente
definido como “un modo de expresión según el cual el narrador refiere a los propósitos de otro en
su forma original” (TRÉSOR DE LA LANGUE FRANÇAISE INFORMATISÉ). Sin embargo,
como plantea AUTHIER-REVUZ (1992) el discurso directo no es ni objetivo ni fiel, incluso si se
reproduce la materialidad exacta de un enunciado no se esta restituyendo el acto de enunciación. El
enunciador puede cambiar la manera de presentar el discurso citado, por ejemplo:

“En el caso de la modalización autonímica se diferencia empleo estándar y empleo


autonímico, recurriendo en particular a la cursiva, o a la utilización de comillas. En
un enunciado como “su pasión por “la heroica lucha de los campesinos” hay algo
de sospechoso” el locutor emplea “la heroica lucha de campesinos” a la vez de
manera autonímica y de manera estándar: en efecto cita y al mismo tiempo utiliza

3
la expresión, en este sentido, se distancia refiriéndose a otra fuente enunciativa”
(CHARAUDEAU Y MAINGUENEAU, 2002, p. 191-192, T.P.)

En resumen, la existencia de la autonímia, “es la posibilidad de utilizar los signos para


referirse a ellos mismos” (AUTHIER-REVUZ, 1992, p. 39, T.P.) Ahora bien, según
MAINGUENEAU (2011) dentro de las posibles razones que explicarían el uso del discurso directo
por un locutor estarían el querer parecer auténtico, ponerse en distancia, ya que no se adhieren a las
palabras del discurso citado, o bien por citación de autoridad es decir por respeto a palabras más
prestigiosas o intangibles que las personales. En el caso del discurso indirecto, como plantean
CHARAUDEAU ET MAINGUENEAU (2002), “quien cita hace uso de sus propias palabras para
citar a otro, reformulando sus propósitos” (CHARAUDEAU ET MAINGUENEAU, 2002, p. 191,
T.P.). En este caso, el enunciado se transforma en un único acto de enunciación, en el ejemplo
siguiente se puede observar el funcionamiento: “Elizabeth me ha dicho que tu habías llegado ayer”,
en este caso, ayer depende de la enunciación de quien cita y tu es el receptor de ayer, del día antes
del momento de la enunciación” (MAINGUENAU, 2007, p.123, T.P.). Dicho de otro modo, en
estos casos hay una reformulación de un enunciado original, además de una toma de posición de la
parte del enunciador frente al enunciado. La última parte de esta tripartición corresponde al
discurso indirecto libre que para AUTHIER-REVUZ (1992) es una forma plenamente original que
no se puede tratar en términos de directo o indirecto, “en un fragmento de discurso indirecto libre
no se puede decir exactamente cuáles son las palabras que pertenecen a la enunciación citada y qué
palabras al enunciador que cita” (MAINGUENEAU, 2011, p. 134, T.P.).
En lo que respecta la categoría de designación, esta se define como “el hecho que un signo
remite a un proceso, una cualidad, etc., de la realidad extralingüística la cual esta estructurada por la
formación ideológica (cultura, experiencia) de un grupo humano determinado” (GDLSL, 2007, p.
139, T.P.). Esta definición se opone al concepto de denominación que consiste a “traducir por un
nombre un objeto real” (GDLSL, 2007, p. 134, T.P.). Según MORTUREUX (1993) estos dos
conceptos son “dos categorías que oponen su estatus discursivo según si la relación de
reformulación es explícita o no” (MORTUREUX, 1993, p. 6, T.P.). KLEIBER (1984), por su parte,
opone denominación y designación en función de una asociación durable en el caso de la
denominación y una asociación ocasional en el caso de la designación. En este mismo sentido, la
designación se establece entre un objeto y las reformulaciones hechas en función de la comunidad
discursiva en la cuál se inserte. Como plantean BEACCO Y MOIRAND (1995) “ la designaciones
cambian en función de la posición del locutor, de las relaciones entre los interlocutores, de las
situaciones de comunicación” (BEACCO Y MOIRAND, 1995, p. 34). MORTUREUX (1993), por
su parte, propone la noción de paradigma designacional, definido como “una lista de sintagmas (en
4
general nominales, a veces verbales) que funcionan en correferencia con un vocablo inicial en un
discurso dado” (MORTUREUX, 1993, p. 2, T.P.). En otras palabras, un paradigma designacional
esta constituido por todas las reformulaciones que provienen de un termino inicial.
2. Aspectos numéricos: la multiplicidad de signos

Desde los estudios en comunicación numérica (llamado también humanidades numéricas),


que es un campo de estudio relativamente reciente, se abordan las nuevas tecnologías en función de
cada uno de los soportes o posibilidades que Internet ofrece. Dentro de las propuestas teórico
metodológica más pertinentes para el contexto de nuestra investigación, encontramos una propuesta
de análisis de sitios web hecha por ROUQUETTE (2009) que permite realizar una descripción
general de los sitios independiente de su contenido. El investigador divide el análisis en 8 aspectos :
contenidos temáticos y jerarquía de las rubricas, (cuáles son las rúbricas que se privilegian o que se
actualizan); relación, actividad, reactividad o interactividad (el internauta participa en el contenido
del sitio o solamente elige su navegación, su participación es en directo o en diferido); absorbencia
(tipos de visitas sugeridas); territorio del sitio (vínculos); enunciación; universo, grafismo y
disposición de la página; estrategia económica (fidelización de visitas); tiempo de lectura. Sobre
este punto podemos también agregar la investigación hecha por CROVI (2002) quien propone una
grilla de análisis para sitios web, delimitando y definiendo conceptos relevantes para un análisis,
como el tema, el objetivo, y el público del sitio web.
PAVEAU (2015), por su parte, propone un punto de vista “ecológico” del análisis de datos
provenientes de redes sociales o de sitios web, es decir, estudiar todos los signos en su conjunto y
en el medio natural en el que se encuentran. Asimismo, la autora sostiene que “los observables del
análisis no son solamente los elementos lingüísticos sino que materialidades compuestas, mezclas
de lo que se llama tecnología discursiva” (PAVEAU, 2015, p. 3, T.P.). La misma autora define
algunos elementos exclusivos de la comunicación numérica como los tecnosignos, definidos como
palabras a la vez significantes y cliqueables. El ejemplo más clásico es lo que ocurre con los
hashtag de Twitter “son imposibles de analizar si se deja de lado su dimensión tecnolinguística: es
una forma cliqueable en el sentido que nos lleva a una lista de todos los tweets que fueron emitidos
junto a el, lo que permite entonces una forma de producción discursiva específica de internet”
(PAVEAU, 2011, p. 13-14, T.P.). Lo mismo ocurre con los tecnogéneros definidos como “las formas
de discurso que son constitutivas de materias tecnológicas y de dispositivos comunicacionales. Por
ejemplo, el género de la “solicitud de amistad, es el resultado del ecosistema de la red social de
Facebook, que es por definición compuesto, es decir al mismo tiempo tecnológico y discursivo”
(PAVEAU, 2015, p. 3, T.P.).
5
Otros investigadores, al momento de realizar un análisis de sitios web, se focalizan en
particular en la escenografía que este presenta. En términos de MAINGUENEAU (2002; 2011;
2013) las escenografías se componen de una escena englobante, que corresponde al tipo de
discurso, se trata de una esfera de actividades sociales, política, periodística, literaria. Y una escena
genérica, en la que se asigna una finalidad a la actividad de habla, como los roles a los actores,
circunstancias (lugar, momento), y con la escenografía según la cual el enunciador organiza, a
través de su enunciación, la situación a partir de la cual el pretende enunciar.
En el caso de los sitios web, según MAINGUENEAU (2013), existen dos niveles de
escenografía, una verbal y otra numérica. La primera, implica la enunciación propiamente
lingüística, la segunda es propia del soporte numérico. En este sentido, “la enunciación se vuelve a
la vez imagen en la pantalla, un soporte de operaciones, (por ejemplo si podemos cliquear en alguna
palabra o grupo de palabras), un módulo en la arquitectura de un sitio. Se trata de todos los
elementos que interactúan con la escenografía propiamente verbal” (MAINGUENEAU, 2013, p.
80).
Finalmente, otra manera de abordar el análisis de sitios web es observando exclusivamente la
participación de los internautas, es decir, analizando los tipos de rastros que éstos mismos dejan.
Esta perspectiva nos parece vital en el caso de nuestro objeto de estudio: los destinatarios.
ERTZSCHEID, GALLEZOT Y SIMONNT (2013) dividen los rastros en : explícitos, implícitos e
híbridos. Los primeros consisten en “escritos y producciones diversas (textos, imágenes, videos,
grabaciones, datos) publicados en línea que revelan una voluntad explicita de ser difundidos”
(ERTZSCHEID, GALLEZOT Y SIMONNT, 2013, p.55, T.P.). Los rastros implícitos “designan una
marca dejada por el utilizador de una aplicación informática, demostrando un contacto con una
aplicación que programa esta inscripción” (ERTZSCHEID, GALLEZOT Y SIMONNT, 2013, p.55,
T.P.). Finalmente, el tipo de rastros híbridos son, por ejemplo, “el botón “me gusta” (Facebook) o
“+1” (Google) que solicitan una acción deliberada pero que el internauta no podrá eliminar”
(ERTZSCHEID, GALLEZOT Y SIMONNT, 2013, p.55, T.P.).

3. Breve contexto: sobre la necesidad y la constitución del corpus exploratorio

El corpus exploratorio es definido como una primera entrada al objeto de estudio. Según
MOIRAND (1992), se trata de una mirada panorámica sobre el objeto que va luego construirse. En
este sentido, la metodología se establece a medida que el corpus de análisis se define. El corpus
exploratorio se construye gracias a la lectura flotante del corpus que, posteriormente, genera

6
reagrupaciones textuales que, a su vez, no están necesariamente fundadas en tipologías discursivas
preestablecidas.
En nuestro caso, construir un corpus exploratorio radica en dos necesidades principales. Por
un lado, efectuar una reflexión metodológica frente a la falta de técnicas discursivas que se adapten
al objeto. Por otro lado, afrontar la complejidad del análisis de datos provenientes de la web, en
particular, en lo que refiere al carácter volátil de los datos y por ende al registro. Con el imperativo
de formar un corpus representativo y estable que permita un análisis profundo, se corre el riesgo de
eliminar las características intrínsecas de la web como la heterogeneidad y volatilidad.
Heterogeneidad por una parte enunciativa ya que, en palabra de MOIRAND (2004), un texto puede
contener diferentes modos discursivos como la descripción y la explicación. Además, en un texto
que aparentemente corresponde a un solo enunciador, se puede incorporar el discurso referido o, en
general, dichos producidos por otros actores que son diferentes del enunciador. Por otra parte, la
web tiene una heterogeneidad de signos que es intrínseca. Por ejemplo, en una misma pagina puede
haber acceso a imágenes, videos, audio, tecnosignos, etc.
Para llevar a cabo esta investigación, recolectamos un primer corpus exhaustivo de un total
de 199 teatros y 1237 espectáculos. Frente al gran número de datos consideramos necesario
aproximarnos sobre la base de un estudio cualitativo para poder abordar con exhaustividad cada uno
de los recursos que un estudio sobre la web impone. Para ello, trabajamos en un primer momento
con 6 teatros 2 provenientes de Francia (Théâtre de la ville; Théâtre de la bastille, 2 de Chile
(Estación Mapocho y Matucana 100) y 2 de España (Centro dramático Nacional y Teatro español).

4. Primeros resultados

Gracias a una primera aproximación al corpus exploratorio, pudimos concluir que los sitios
web de teatro poseen una heterogeneidad de recursos para llamar la atención de los públicos. Por
ejemplo, las entrevistas con el director, las fotografías de los ensayos, los videos que funcionan
como Tráiler o Teaser, y los audios del espectáculo. Esto podría ser interpretado como una manera
de hacer parte previamente al destinatario de un aspecto fundamental en el teatro que es: “la mise en
scène”, difícilmente apreciable de modo exclusivamente textual.
Además, existen diferentes maneras de acceder a los espectáculos, ya sea a través de un
vinculo directo, como una fotografía y/o texto que aparecen en la página inicial, o a través del
despliegue de un menú con las rúbricas que el sitio ofrece. La rúbrica espectáculos de teatro es muy
variada y contiene una gama de estilos como: la danza, la acrobacia, la performance. Es por eso
que, al momento de la descripción, se reitera el tipo de espectáculo del cuál se habla.
7
La mayoría de los teatros contempla resúmenes para la prensa, vínculos con el sitio web
oficial de la compañía, del director, de los actores o, si es el caso, de la banda que compone la
música para la obra. Igualmente, todos tienen vínculos hacia una cuenta oficial de redes sociales
numéricas siendo las mas recurrentes Facebook, Twitter, YouTube (o, Dailymotion). Esto permite al
usuario hacerse “seguidor” o compartir el contenido en su perfil personal. A la vez, gracias a los
Tecnosignos, como hashtag y arrobas, el usuario puede profundizar el terreno de lectura o de
navegación.
En todos los sitios web estudiados, es posible comprar un ticket para asistir a un espectáculo,
además de abonarse a una lista de novedades que, en su mayoría, funcionan quincenalmente. Estos
recursos permiten dejar un rastro del usuario y enviar información más adecuada al perfil. La
identificación y estudio de los rastros del usuario varían en función de los recursos con los que cada
teatro cuenta para elaborar una propuesta de comunicación y de marketing.
Desde el punto de vista de la participación, se observa poca interacción con los usuarios,
ellos no participan agregando contenido nuevo, es decir, no son los propios destinatarios que van a
hacer una descripción del espectáculo. Solo uno de los sitios permite la incorporación de
comentarios al final de la descripción. Esto se debe, posiblemente, a que funcionan, exclusivamente,
como sitios de información que permiten acceder a los espectáculos de teatro que están en cartelera
y comprar entradas. Al contrario, se observan algunas formas de participación menos evidentes,
como por ejemplo al compartir contenidos hacia las redes sociales numéricas, los usuarios acceden
a formas de reacción usando el botón “me gusta” o “Twittear”. Una vez el contenido circula en las
redes sociales, la manera de comentar el contenido modaliza la forma de interpretación del
enunciado. En otros casos, los usuarios preguntan información relativa al espectáculo, como por
ejemplo el precio o la duración. Incluso, los usuarios suelen hacer comentarios del espectáculo bajo
la forma de una invitación a asistir.
Ahora bien, en el caso particular de Twitter, se observa una practica que reúne al público
teatral en un hashtag común “Tuiteatreros”, en el caso de España, o “Théâtrices”, en el caso
francés. Sobre esta forma, los usuarios recomiendan los espectáculos que están en cartelera de cada
ciudad. Cabe mencionar que en Twitter se genera una amplificación del destinatario gracias a la
utilización del arrobas que incorpora a los seguidores de otras cuentas. Frecuentemente, se cita a los
directores y actores, lo que permite convocar a sus propios públicos. Asimismo, algunos teatros
cuentan con al menos una repetición que contemple el encuentro con el público, generalmente, en
forma de diálogos posteriores al espectáculo con el director y los actores. Lo anterior denota un
trabajo de la parte de los teatros por conformar un público fiel, interesado en el tras bambalinas, el
proceso de creación, o la visión de los actores y de la compañía. Los encuentros, en algunos casos,
8
se transmiten a través de Twitter generando un hilo de conversación. Sin embargo, esto es una
práctica aun marginal y no metódica.
En lo que respecta la descripción del espectáculo, algunos textos están firmados por
personalidades de la cultura, otras por seudónimos, y otras no tienen firma. En su mayoría, las
descripciones plantean que el espectáculo “invita” a algo, semánticamente esto implica una acción
de la parte del objeto, en este caso del destinatario. A su vez, el destinatario se designa en su
mayoría como espectador/es y público/s. Sobre este aspecto, se destaca la reiterada utilización del
nosotros inclusivo que corresponde al hecho que el enunciador se configura, al mismo tiempo,
como espectador y enunciador, haciendo reflejo de lo que el lector del sitio debiera volverse. Lo
anterior, permite aproximar enunciador y destinatario. Sobre este mismo punto, incluso se expresan
cuáles serán las acciones que el espectador debiese emprender, una vez frente al espectáculo, como:
encontrar, comprender, reconocer, aprender, percibir, interesarse, todas ellas detonan nuevamente
una acción de su parte, dicho de otro modo, se trata de un destinatario espectador activo frente al
espectáculo artístico.
Para hablar del espectáculo, observamos una referencia a la decoración, la vestimenta, las
luces. Otras descripciones ponen el acento en la compañía, su trayectoria, el trabajo previo a la
puesta en escena. Otras, se focalizan exclusivamente en la obra dramática. Ahora bien, en lo
respecta la manera de designar el acto teatral, lo más utilizado es “obra”, con variantes como “obra
de teatro” u “obra coral”. Esta designación, desde un punto de vista artístico, se define como el
producto intelectual de una serie de acciones realizadas previamente.
Para referir a la calidad de la obra, se refiere a otros discursos generalmente denotados por
marcas gráficas. Sobre este punto, los discurso referidos que se reiteran son la palabra del
dramaturgo y de la prensa. Además, el enunciador se configura como un especialista, conocedor de
la compañía, del director y, de la trayectoria de los mismos. Lo anterior, podría deberse al la
necesidad de acreditar su opinión sobre el espectáculo.
Para terminar, no nos atrevemos aún a concluir sobre las diferencias que puedan existir entre
un país y otro, ni sobre el uso específico que cada teatro hace del sitio web y las redes sociales, en
función de la política cultural que cada país quiera llevar a cabo. Solo por citar un ejemplo, después
del golpe de estado en Chile se genera una fragmentación de la producción teatral y del público. Los
artistas fueron exiliados, y los actores debieron hacer frente a la censura. Lo anterior, afectaría, por
un lado, la manera en como se llevan a cabo las políticas culturales y, por otro lado, a la
convocatoria de un público teatral. Actualmente, realizamos una ardua investigación sobre el
discurso institucional que expresa cada país a través de las políticas culturales publicadas por los
ministerios respectivos.
9
Primeras conclusiones

En el marco particular del Análisis del Discurso los nuevos corpus provenientes de internet
han abierto nuevos campos de investigación. Como lo plantea DARBELLAY (2005) “la emergencia
de las Nuevas tecnologías de la Información y de la Comunicación y de Multimedia, ofrecen nuevos
campos de investigación para el Análisis del Discurso” (DARBELLAY, 2005, p. 28, T.P.).
Por su parte, FLOREA (2012) destaca que “las mutaciones tecnológicas de la última década
han modificado profundamente las prácticas discursivas, lo que trae consigo una serie de
interrogantes inéditas en el momento en que la imagen y el hipertexto son corolarios indisociables
del texto” (FLOREA, 2012, p. 45, T.P.). En este contexto, la incorporación de objetos numéricos ha
cuestionado nociones fundamentales para los analistas del discursos, como los géneros y los tipos
de discursos. (MAINGUENEAU, 2013; PAVEAU, 2015).
Asimismo, “la web ocupa un lugar como dispositivo socio-técnico en las sociedades del
siglo XXI” (BARATS, 2013, p. 5, T.P.), esto ha instalado en las Ciencias de la Comunicación y la
Información la pregunta sobre “cómo mesurar entre lo que constituye una simple adaptación de
practicas anteriores y lo que son aportes, transformaciones y lógicas específicas de la web”
(ROUQUETTE, 2009, p. 5, T.P.). En este sentido, los investigadores están de acuerdo en señalar
que hoy no es posible aplicar ni las mismas categorías de análisis, ni las mismas nociones teóricas a
este objeto complejo que es la web. Para ROUQUETTE (2009) “los métodos y los conceptos
disponibles generados por el análisis de los medios y las herramientas de comunicación clásicas no
son siempre adaptables” (ROUQUETTE, 2009, p. 7, T.P.). Por lo tanto, abordar la web constituye
un desafío, por un lado, frente a la falta de métodos aplicados al objeto y, por otro lado, frente a un
campo de investigación que se actualiza rápidamente en función de las renovaciones propias de
Internet.
En este marco, un análisis de corpus exploratorio nos permitió, por un lado, establecer
categorías ajustadas a los datos, sobretodo cuando estamos frente a corpus mixtos conformado por:
hipervínculos, imágenes, videos y textos. Por otro lado, nos permitió concluir que el público de
teatro es incorporado en el sitio web, tanto discursivamente como a través de los recursos que la
propia web ofrece. En particular, la rúbrica de programación convoca a una multiplicidad de signos
que funcionan en conjunto para llamar la atención del posible espectador. Asimismo, es patente la
incorporación limitada, de la voz del público en el sitio web oficial de cada teatro. Al contrario, la
interacción se efectúa en las redes sociales que sirven como soporte al intercambio, en particular, en

10
el caso de espectadores asiduos. Esto amplifica al destinatario y difunde ampliamente el
espectáculo.
Esperamos sobre la base de este artículo poder contribuir en el desarrollo de investigaciones
que se orienten a la comunicación numérica en América Latina para poner a dialogar puntos de
vistas provenientes de horizontes diferentes.

Referencias

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ROQUES, S. « Présentation ». Revue Communications, vol. 2, n° 83, p. 5-12, 2008

12
13
LIVROS, TEORIA E JOYSTICK: A INSERÇÃO DO NEWSGAME
COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO DA ÉTICA
JORNALÍSTICA

Carlos Marciano1

RESUMO: Jogos são puro entretenimento; jornalismo se pauta na dinâmica do impresso;


disciplinas teóricas costumam ser ensinadas em livros e textos. Essas três realidades
parecem distintas, no entanto pesquisas no campo da comunicação sugerem aliar jogos,
jornalismo e ensino como um avanço significativo para driblar a crise jornalística. A
instantaneidade do meio digital mudou a forma de se fazer notícias, e a academia se
apresenta como o lugar ideal para semear processos criativos de se fazer jornalismo. Os
newsgames podem exercer um papel importante: ensinar de forma lúdica favorecendo a
compreensão da deontologia jornalística. Pretende-se apresentar aqui a discussão da
proposta de criar um modelo de “newsgame de letramento” para dispositivos móveis,
que auxilie na reflexão sobre ética jornalística. Assim, através da simulação, é possível
vivenciar, em sala de aula, os dilemas éticos do jornalista
PALAVRAS-CHAVE:Ética; Ensino; Jornalismo Digital Newsgame de Letramento;

1. Introdução

A ideia de que as escolas de jornalismo têm fim comercial e o propósito de preparar o


acadêmico para a carreira em redações já havia sido cogitada por Walter Lippmann (2007). Quase
um século depois, esse pensamento ainda é totalmente plausível. Considerando que um estudante
ingressa na faculdade com o intuito de conseguir uma profissionalização, faz sentido que o futuro
jornalista aprenda nas salas de aula como redigir um texto, fazer uma entrevista, atuar em diversas
instâncias do meio jornalístico.
Seria incoerente que o estudante não aprendesse como dominar tais habilidades, no entanto,
em uma realidade que se modifica cotidianamente com o avanço tecnológico, vemos cada vez mais
a replicação de processos mecânicos da época de Gutenberg,. A posse da informação não é mais
exclusividade do jornalista, não é preciso esperar o dia seguinte para ver na televisão, ouvir no rádio

1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina
(Posjor/UFSC). Graduado em Jornalismo pelo Bom Jesus/Ielusc (2012). Pesquisador do Observatório da Ética
Jornalística (objETHOS) e do Núcleo de Estudos e Produção Hipermídia Aplicados ao Jornalismo (Nephi-Jor);
carlosnmarciano@gmail.com
e ler nos impressos as novas notícias velhas coletadas no dia anterior. A dinâmica da internet e a
disseminação das redes sociais permitem que qualquer pessoa poste um fato noticioso
instantaneamente, e a máxima de que uma imagem vale mais que mil palavras nunca foi tão
utilizada como em tempos digitais.
Diante desse quadro a academia precisa lidar com dois fatores: formar profissionais que
dominem as ferramentas estando assim aptos a exercer suas funções no ambiente digital e, em meio
à instantaneidade da informação, exercitar no estudante o pensamento crítico para filtrar o que é de
fato relevante de ser noticiado, estimulando antes de qualquer postagem os princípios básicos da
apuração e a busca pela veracidade dos fatos.
A ética jornalística é o princípio que orienta essas ações e na academia essa disciplina
normalmente é teórica. Embora em outras disciplinas o estudante tenha a oportunidade de
praticá-la, a base das aulas de ética é formada por textos e exemplos que não devem ser
seguidos, como reportagens cuja apuração apresentou casos de deslizes éticos.
O jornalista sai da graduação com conhecimentos básicos sobre como escrever um
lead, o que cada coluna representa na lauda do telejornalismo, ou como escrever um roteiro
que será lido no rádio. O trabalho fica facilitado quando o mercado exige do profissional a
técnica aprendida e vivenciada em sala de aula.. Já, a ética jornalística é mais complexa,
exige reflexão, não ações mecânicas. Aliás, é a primeira que deve pautar a segunda.
Normalmente a disciplina “Ética Jornalística” é ministrada nos primeiros semestres da
graduação e as disciplinas práticas, nas quais o aluno poderá exercitar o que aprendeu sobre
deontologia jornalística, ficam para os semestres seguintes. Essa diferença de tempo entre
assimilação e ação pode dificultar o aprendizado dos princípios éticos e uma possível solução
para essa dicotomia seria unir teoria e prática dentro da mesma disciplina. É justamente aqui
que jogos e jornalismo podem se unir em um bem comum, onde os newsgames podem se
apresentar como um recurso pedagógico lúdico para o ensino da ética jornalística.

2- O Ensino da Ética

A complexidade do ensino de ética pode ser observada já na sua definição. Um texto


impresso, por exemplo, pode ser representado fisicamente através da junção de letras e
papel. Já a ética precisa ser pensada, não é algo que possa ser palpável, representada
separadamente de um contexto. A sua compreensão proporcionará ao jornalista refletir sobre
as consequências de suas possíveis ações, daí a importância de se buscar alternativas para
ensiná-la de forma mais objetiva e assimilável.
Moral e ética são conceitos com a mesma finalidade de auxiliar a distinção entre o
bem e o mal, no entanto possuem características peculiares. De acordo com Vásquez
(1999), a primeira está contida na segunda. Para o autor, moral só surge efetivamente
quando o homem já é membro de uma coletividade, ou seja, são valores e princípios que
mantêm a harmonia de um grupo social. Esta pode ser compartilhada e está passível de
alteração.
Etimologicamente, ética significa “costumes” e deriva do termo grego “ethos”. Nesse
sentido Vásquez (1999) a define como uma forma específica do comportamento humano, ou
seja, como o homem utiliza da moral para comportar-se na sociedade em determinados
contextos.
Compartilhando da mesma ideia proposta pelo autor espanhol e trazendo para a área
do jornalismo, Christofoletti (2003) define moral jornalística como “uma série de preceitos,
de procedimentos e de princípios que moldem comportamentos dos profissionais diante da
notícia, das fontes, da concorrência de mercado, do público- alvo” (Christofoletti, 2003,
p.132).
Para ele a ética não deve ser vista como um comportamento moral próprio e alheio,
mas essa só se legitima através da relação entre os seres, quando o trabalho prático do
jornalista atinge outras pessoas:

Uma ética para o jornalismo só nasce mesmo no choque da


informação, quando se cobra do repórter uma postura própria de quem
trabalha com a informação; quando um político manda uma carta ao jornal
exigindo que a cobertura seja mais imparcial nas eleições, que não
privilegie este ou aquele candidato, que busque equilíbrio no relato dos
fatos. Uma ética para o jornalismo vai nascer quando parcelas da sociedade
clamam para que o jornalista investigue a suspeita de corrupção; quando
o leitor reclama da matéria que não espelha os fatos, exigindo um
compromisso de conduta, de busca da verdade.(CHRISTOFOLETTI, 2003,
p.133)

As relações exemplificadas por Christofoletti (2003) são parte do cotidiano do


jornalista. Uma decisão premeditada do profissional durante a apuração poderá acarretar
consequências, positivas ou negativas, tanto para o veículo quanto para as pessoas
diretamente ligadas ao fato. Portanto isso leva a crer que a reflexão sobre a postura ética a se
tomar em determinada situação, se não o é, deveria ser pensada.
Como o ensino da ética jornalística se pauta em reflexões, simular empiricamente em
sala de aula esta relação entre jornalista e destinatário, focando nas consequências que
determinada postura ética adotada poderá acarretar, não é tarefa simples. Para uma melhor
assimilação do conteúdo se faz necessário não apenas que o aluno leia o conteúdo teórico,
mas que ele sinta-se dentro da situação. Assim, a técnica de se usar jogos na educação pode
ser frutífera nesse caso, até pelo fator positivo de que os jovens estão cada vez mais
conectados.

3-O Jogo como Aprendizado

Antes mesmo da internet e dos jogos eletrônicos, Huizinga (2008) já defendia a ideia
que o jogo está contido na natureza de cada ser vivo. Afirmou que "em toda a parte
encontramos presente o jogo, como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da
vida 'comum'" (Huizinga, 2008, p.7).
Por muito tempo os jogos foram vistos apenas como entretenimento. Contrariando
esse estereótipo, cada vez mais eles estão sendo utilizados em outras instâncias. Assim
algumas categorias são aceitas para classificar os games: Jogos de Marketing (Advergames),
Jogos de Simulação (Simulation Games), Jogos de Saúde (Health Games), Jogos Políticos
(Politic Games) e Jogos Educativos (Educational Games).
Dentro da prática pedagógica, esses jogos que trazem à tona assuntos de interesse
amplo, enquadrando-se no conceito de “jogos sérios”, proposto por Eduardo de Martin Silva
(2008) “Ao ver representadas temáticas vinculadas a questões do mundo em que vive, o
jogador encontra mais argumentos que o incentivam a encontrar as soluções mais adequadas
a cada problema apresentado, como que em uma transferência mútua entre os suportes físico
real e o digital” (SILVA, 2008, p.82).
Pode-se trazer ainda para a compreensão dos jogos educativos as filosofias Instrutiva
(Games-to-teach) e Construtiva (Games-to-learn). Tais termos foram cunhados por Yasmin
Kafai (2001). A primeira concepção significa “Jogos para Ensinar”, trata-se da transmissão

direta dos conhecimentos -por exemplo, Quiz2 e jogos de tabuadas. A segunda, “Jogos para
Aprender”, foca-se na aprendizagem aprofundada pelo aspecto lúdico, no qual o jogador
precisará imergir na história e coletar informações ou objetos para resolver a incógnita
-como em jogos estilo ARG3.

2
Jogos em forma de questionário
3
ARG é uma sigla em inglês para Alternative Reality Game (Jogo de Realidade Alternativa), uma espécie de
disputa virtual. Estilo de RPG online, feito apenas com palavras e textos que misturam realidade e ficção
atraindo pessoas por sites e fóruns de discussão na Internet. Um ARG inicia quando uma é pista lançada,
geralmente em um site. Começam a circular boatos na Internet, até que alguém toma a iniciativa de
investigar o que acontece. (Fonte: http://www2.uol.com.br/ohayo/v2.0/eventos/materia s/jul10_arg.shtml )
Cristiano Pinheiro (2007) analisa características técnicas dos jogos, como gráficos,
roteiro e interface. Se bem elaboradas, as informações visuais presentes nos gráficos terão a
função de atrair o jogador para aquele ambiente virtual; o roteiro transportará o usuário para
dentro da história; e por fim, a interface disponibilizará as informações para que a imersão
aconteça. Segundo o autor “esses fatores, gráficos, roteiros, interface são indícios de outros
parâmetros que podem ter suas transformações, a partir da comunicação, demonstradas ao
longo do desenvolvimento do videogame. De fato, o videogame passa a demonstrar a
capacidade de se elevar a um veículo de comunicação” (PINHEIRO, 2007, p.8).
Analisar os jogos por esses aspectos comunicacionais pode ajudar a entender que a
relação entre jogos e jornalismo é viável. Assim entramos em outra categoria de
classificação também aceita entre os pesquisadores da área; os jogos jornalísticos
(newsgames).

4- Newsgames como Recurso Pedagógico

Por essência esse tipo de jogo deve ter seu enredo baseado em algum fato, recente ou
não, divulgado nas mídias jornalísticas. Multimídia e interatividade são a base da narrativa
dos newsgames.
No artigo “O que são Newsgames”, o jornalista Tiago Dória explica que o termo
surgiu em 2003, através de Gonzalo Frasca, desenvolvedor do “September12th#4”, um
dos primeiros newsgames que simulam o combate ao terrorismo.
Disponibilizados gratuitamente e nas plataformas online, os newsgames ganham
espaço em portais jornalísticos renomados, como The New York Times e El País, de forma a
complementar ludicamente o conteúdo das notícias que os originaram.
Um dos motivos para muitas pessoas desconhecerem os jogos jornalísticos é a
carência de bibliografia específica conceituando o termo. O livro “Newsgames: Journalism at
Play”, escrito, em 2010, por Ian Bogost, Simon Ferrari e Bobby Schweizer, é uma
referência, pois aborda o tema em caráter exclusivo.
Esse aspecto de reflexão que os newsgames se propõem a exercer é definido pelos
autores como “retórica processual”, ou seja, a capacidade dos jogos de simularem
interativamente o funcionamento das coisas e permitirem que leitores/jogadores assimilem
mais facilmente conteúdos complicados. Na análise de alguns jogos Bogost, Ferrari e
Schweizer (2010) evidenciam a possibilidade de unir jogos e jornalismo e dividem os
4
Disponível em: < http://www.newsgaming.com/games/index12.htm>. Acessado em 5 de maio de 2015.
newsgames em sete categorias: newsgames de atualidades (current events newsgames),
newsgames Infográficos (infographics newsgames), newsgames documentários (documentary
newsgames), newsgames de raciocínio (puzzle newsgames), newsgames de comunidade
(community newsgames), Newsgames para letramento (literacy newsgames). É justamente
nessa última categoria que o ensino da ética jornalística pode ser melhor sistematizado.

5- Newsgames de Letramento

De acordo com Bogost, Ferrari e Schweizer (2010) esse tipo de jogo não se propõe a
formar jornalistas, mas sim destacar as peculiaridades da profissão como técnicas para
apuração, valores e normas de conduta.
Os newsgames de letramento buscam aproximar o público das particularidades da
profissão de jornalista e se referem aos jogos cujo propósito é ensinar práticas jornalísticas,
podendo ser direcionados tanto para estudantes e profissionais quanto para cidadãos em geral.
Um exemplo desse tipo de jogo é o Warco 5 (abreviatura para “war correspondant”), que
começou a ser desenvolvido em 2011, em Brisbane, na Austrália.
Em Warco o jogador se transforma em Jesse De Marco, uma jornalista correspondente
de guerra com a missão de relatar um conflito armado. Sua arma é uma câmera filmadora e no
decorrer do jogo o usuário precisa entrevistar pessoas, coletar imagens e recolher o material
que no fim irá compor uma reportagem para o jornal ficitício “PWN News”.
O caráter pedagógico se dá pelo fato do jogador receber instruções de como um
jornalista deve se portar no campo de batalha para conseguir captar as imagens e informações,
por exemplo, mantendo-se atrás dos soldados, utilizando o zoom e captando sons à distancia
para evitar ser atingido por explosões ou rajadas de tiros. Um jogo pensado para uso
educacional onde a estrutura e a narrativa vão abordar a prática jornalística em detalhes.

Figura 01
De posse da câmera filmadora o jogador busca as técnicas de apuração para registrar o conflito sem ser morto.
Fonte: gamepressure.com
5
Vídeo de divulgação disponível em <https://youtu.be/sQlkYY88wLM>. Acessado em 5 de maio de 2015.
Disponível em: http://games.gamepressure.com/view_screen.asp?ID=222400
Desenvolvido por meio de parceria entre as empresas ManiatyMedia, Arenamedia e
Defiant, a equipe conta com a experiência do jornalista Tony Maniaty e direção de Robert
Connolly ,responsável pelo filme “Balibo” que retrata as mortes de jornalistas australianos no
Timor-Leste, em 1975).
Devido a falta de incentivos para lançar o jogo comercialmente, o projeto se encontra
estagnado, porém é uma iniciativa de newsgame de letramento com o propósito de ajudar os
jornalistas a orientar-se em apurações dentro de zonas de conflito.

Considerações Finais

Na perspectiva acadêmica, a necessidade de se formar profissionais cada vez mais


técnicos em diversas áreas pode ser um dos motivos que coloca em segundo plano disciplinas
mais teóricas como o ensino da ética jornalística. Porém será justamente no exercício da
técnica de apuração que o jornalista precisará drenar suas ações não pelas ferramentas, mas
pelos princípios, e a carência de um conhecimento de como se portar eticamente em
determinada situação pode gerar dúvidas sobre suas decisões e as consequências delas.
Adaptar novas formas de divulgação e não apenas copiar conteúdos é o que propõe
Pierry Lévy (2000) ao perceber a constante evolução tecnológica. Ampliando o argumento,
Canavilhas (2010) salienta que o público do webjornalismo anseia, além de rigor e
objetividade, uma linguagem mais dinâmica e interativa.
É crescente o número de usuários que optam pela leitura em tablets, da mesma forma
a academia carece de mais dinamismo no ensino da ética jornalística. Em meio às inovações
tecnológicas, torna-se necessário, e até atraente, pensar em novas formas de fazer e ensinar
jornalismo e, na medida em que os “jogos jornalísticos” surgem como uma ferramenta lúdica
e complementadora da notícia no jornalismo online, trazer esse conceito para o âmbito dessa
discussão parece promissor.
Implementar os newsgames de letramento no jornalismo é trazer para o campo
profissional uma técnica já explorada em outras áreas como nos jogos de simulação utilizados
em companhias aéreas, ou nos treinamentos militares que orientam com segurança os
profissionais quanto a situações de risco.
Os newsgames, embora com presença crescente na internet, ainda não chegaram com
relevância às plataformas móbile. Assim, pretendeu-se apresentar aqui a discussão do
projeto de mestrado em desenvolvimento cuja proposta é criar um modelo de newsgame
de letramento para dispositivos móveis que auxilie na reflexão sobre ética jornalística e
dessa forma, através da simulação, permita que o jogador vivencie os dilemas éticos
enfrentados na prática profissional.
Diante da disseminação de informações instantâneas na internet faz-se necessário
buscar novas formas eficientes de se ensinar ética jornalística na academia. Ao quebrarmos
os estereótipos do jogo apenas como entretenimento torna-se plausível e promissora a
aplicação do newsgame fora e dentro das salas de aula.
Esse modelo em desenvolvimento terá o propósito de explorar o que de melhor a
plataforma dos newsgames oferece, de modo a aprimorar a compreensão do ensino da ética
jornalística utilizando o ludicismo; transportando o estudante/jogador para dentro da apuração
sem necessitar que ele feche o livro de teoria.
Não se trata da substituição de ferramentas como os textos didáticos, mas sim um
complemento; contar a mesma história de outra forma, por uma nova perspectiva, para além
dos muros da faculdade.

Referências

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VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Art Line,


1999.
OS EFEITOS DA MIDIATIZAÇÃO PENTECOSTAL
NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Catiane Rocha Passos de Souza 1

Resumo: A midiatização do campo religioso pentecostal tem produzido efeitos para os


religiosos e toda sociedade brasileira. No campo religioso, observamos que os
discursos, as práticas e os símbolos se atualizam para atender as configurações
socioeconômicas e políticas do Brasil contemporâneo. Entre as práticas religiosas que se
ressignificaram com a midiatização, destacamos o evangelismo, cujos objetivos
ultrapassam o valor missionário para atender as demandas da formação social
capitalista. Nesse contexto, outro sintoma da midiatização que vem sendo observado é a
crescente “politização” do evangélico pentecostal no cenário político partidário do
Brasil. Neste capítulo, buscamos discutir sobre esses efeitos, cujos reflexos indicam o
modo como surgem novas religiosidades nos moldes da midiatização.

Palavras-chave: Mídia; Religião; Evangelismo; Pentecostalismo; Política.

1. Introdução

A Teoria da Midiatização da Sociedade de Stig Hjarvard (2012, p.64) apresenta


o conceito de midiatização enquanto processo, “pelo qual a sociedade, em um grau cada
vez maior, está submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica”. Esse
processo se torna perceptível quando o modo de realizar alguma atividade foi
estruturalmente modificado pelo uso da mídia. O campo religioso evangélico brasileiro
pode exemplificar esse conceito por uma série de fenômenos decorrentes da
midiatização, dentre eles a redefinição da prática do evangelismo, a ascensão da música
gospel em detrimento dos cânticos litúrgicos e o empenho na política do país. Martino
(2013, p. 272) aponta a adaptação das práticas cotidianas e das instituições à lógica de
cada mídia como uma das principais características do processo de midiatização. Nesse
caminho, as igrejas se adaptam e reproduzem suas práticas na lógica da internet, da
televisão e dos demais media.
A definição de midiatização é bastante variada e polêmica nos meios
acadêmicos, a que orienta nossa reflexão neste capítulo “argumenta que os processos

1
Mestre em Linguística (UFAL). Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura
e Sociedade (UFBA). Docente do Instituto Federal da Bahia - IFBA/ Salvador. Pesquisadora nos Grupos
de Pesquisa Linguagens e Representações (IFBA) e Polifonias (UFBA).
sociais não podem ser entendidos sem a função ativa dos media, uma vez que as ações
sociais, os produtos culturais e os programas políticos tornaram-se eles todos mediais”
(BASTOS, 2012, p. 69).
No campo evangélico2 brasileiro muitas são as mudanças nas últimas décadas, o
surgimento e/ou fortalecimento de uma religiosidade ativista e o crescimento de uma fé
individualizada quantificam-se em igrejas. Observa-se uma tendência em homogeneizar
os sentidos no predomínio de religiões e igrejas que melhor se converteram ao
fenômeno da midiatização das práticas sociais, desse modo “pensar a midiatização da
religião a partir das mediações não é examinar o uso dos meios de comunicação por
alguma igreja, mas verificar como isso altera tanto as práticas religiosas quanto o
âmbito das igrejas e dos fieis.” (MARTINO 2012, p. 225).
Nos últimos 40 anos, acontecimentos como o fenômeno dos televangelistas 3
norte-americanos e a publicação do “documento ‘Inter Mirífica’, no qual a Igreja
Católica não só revisa seus conceitos sobre a sua compreensão acerca da mídia como
um instrumento indispensável à sua ação pastoral, como encoraja claramente os
católicos a ocupar o espaço dos meios de comunicação” contribuíram no surgimento de
novas religiosidades no Brasil (FAUSTO NETO, 2002, p.152).
A emergência das igrejas eletrônicas concentrou na televisão brasileira uma
grande produção. Segundo o Observatório de Imprensa4, o gênero que mais ocupou as
grades de programação em 2012 foi o religioso, responsável por 13,55% do tempo
médio das grades. A grande presença da religião, principalmente evangélica,
desencadeou outros fatores como o nascimento de ídolos da música gospel, o uso de um
discurso útil diante das urgências cotidianas, o atendimento espiritual a todos que
precisam sem necessariamente exigir que o indivíduo se converta à religião. Nesse
sentido, o protestantismo midiático se mostra menos conservador e prático:
Abandonam-se as formas tradicionais de comunicação estruturadas
nos limites e nos parâmetros dos próprios rituais religiosos, bem como
as “comunicações alternativas”, centradas nas experiências dos
grupos, e se instauram estratégias “mass mediáticas” envolvendo uma
complexidade que ultrapassa largamente as tradicionais formas de
interação com que cristãos estruturam suas práticas e sua fé. A
2
Os protestantes, no Brasil, são chamados de Evangélicos.
3
“No Brasil, os televangelistas norte-americanos fizeram sucesso nos anos 70 e 80. Dentre muitos,
podemos citar: Rex Humbard, com o ‘Programa Rex Humbard’, que permanceu no ar até 1985; o ‘Clube
700’, de Pat Robertson, a partir de 1979; o ‘Programa Jimmy Swaggart’; e o programa de Bernhard
Johnson Jr., que marcou o fim do período de ouro dos televangelistas americanos no Brasil, quando saiu
do ar, em 1987” (ARAUJO, 2014, p. 841).
4
Informe de Acompanhamento de Mercado de TV Aberta publicado pelo Observatório Brasileiro do
Cinema e do Audiovisual (OCA), da Ancine, junho 2013. http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-
questao/_ed754_religioso_e_o_genero_mais_presente_na_tv_aberta/ acesso em 06/05/2015.
midiatização da religião redefine o que os sociólogos e especialistas
chamam hoje de novas estratégias organizadoras e reguladoras da
experiência religiosa atualmente no Brasil. (FAUSTO NETO, 2002,
155)

Seguindo a lógica de que o público evangélico atual, em sua maioria, se


proliferou da e/ou na sociedade midiatizada não há como desvincular a experiência
religiosa da cultura midiática. Acreditar na midiatização religiosa como necessidade ao
evangelismo contemporâneo legitimou a prática de assistir televisão pelos religiosos e
propiciou ao religioso conservador e dogmático, no caso do pentecostal 5, uma
aproximação maior da identidade mais aceitável na formação social dominante.
A naturalização da relação do religioso pentecostal com a cultura midiática pode
ser observada em duas dimensões: a primeira diz respeito ao fato do religioso trazer em
seus discursos e práticas elementos da cultura midiática, tanto na produção da religião
midiatizada quanto fora desse espaço, nas ações cotidianas. A segunda dimensão se
marca pelo exercício de sacralização da cultura midiática: show gospel, carnaval gospel,
cinema gospel, telenovela evangélica, entre outras. Dentre os efeitos provocados por
essas dimensões, refletiremos nesse capítulo sobre o modo como a televisão redefiniu o
espaço sagrado para os pentecostais, consequentemente alterando a prática do
evangelismo e a postura política desses religiosos.

2. Templo midiático: efeitos no tempo e espaço da adoração

Os primeiros templos judaicos eram tendas portáteis que abrigavam os utensílios


reservados aos rituais sagrados. Com a fixação do povo, um santuário foi construído e
as práticas do culto se regulamentavam conforme esse espaço. Jesus Cristo nunca deu
muita importância ao espaço físico, pregava nos montes, nas estradas, às margens dos
rios, bem poucos relatos de sua presença em templos, mas reconheceu e defendeu a
santidade do templo, a “casa de oração” (Mt 21.12-13) no episódio em que se indigna
com o comércio no lugar sagrado, quando disse que tal conduta converte o espaço em
“covil de ladrões” (BÍBLIA SAGRADA, 1995).
O imperador romano Constantino (sec. IV d.C.) foi um dos responsáveis pela
edificação das grandes catedrais do Cristianismo, reforçando o valor do espaço físico

5
Evangélicos carismáticos conservadores que se distinguem dos batistas, adventistas e demais que não
pregam a manifestação do Espírito Santo enquanto dogma. Também não se classificam entre as
neopentecostais, como Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial da Graça e demais de origem
fundamentalmente midiática. Os pentecostais no Brasil tem sua principal representação nas Igrejas
Assembleias de Deus.
para a adoração. O protestantismo, buscando afirmar sua identidade, negou a opulência
desses templos e retomou as formas de culto mais simples, redefinindo a arquitetura
religiosa. No Brasil, os cultos das Igrejas Assembleias de Deus, nas primeiras décadas
de implantação, a partir de 1911, eram realizados nos lares, muito domésticos e simples,
o que facilitou o acesso e a boa acomodação das pessoas das classes sociais mais baixas,
nas periferias das cidades.
A construção dos santuários pentecostais redefiniu o trabalho desenvolvido nessas
igrejas, as funções variam conforme o funcionamento das práticas religiosas, mas todos são
convocados a trabalhar. O trabalho missionário é um dos mais priorizados, pois cumpre a
determinação de difusão da fé e atrai novos fiéis. O proselitismo justifica a utilização da
televisão6 como instrumento de evangelismo.
Desde então, o espaço sagrado rompeu as paredes do templo físico, ganhando
outras dimensões: “A consequência mais imediata disso é o deslocamento do espaço
tradicional dos templos para um campo aberto e multidimensional que, além de chegar
ao fiel, atinge também o público anônimo, heterogêneo e disperso.” (CORREA, 2013,
p. 128). Mesmo em campo aberto, a audiência dos programas religiosos se constitui
principalmente do mesmo público das igrejas.
Nessa configuração, questionamos: a religião na televisão é evangelismo ou
extensão do trabalho desenvolvido nos templos? Levando em consideração que os
primeiros programas pentecostais da televisão brasileira não foram produzidos pelas
Igrejas Assembleias de Deus, que eles são produções independentes de pregadores
evangelistas e ainda, que, somente na década de 90 essa instituição assumiu
oficialmente a produção via televisão, pode-se dizer que o pentecostalismo na mídia
representa uma luta de poder dentro da própria religião.
O uso da televisão contribuiu para ampliar o espaço da própria religião, na
medida em que disputas internas por regiões, bairros, cidades, localizações diversas dos
templos provocaram inúmeras segmentações na estrutura administrativa das Igrejas
Assembleias de Deus, que, embora homogêneas teologicamente, se pluralizam quanto à
administração.
Nesse processo, o objetivo inicial de evangelismo não se revela como o
principal, os programas televisivos voltam-se para o público da própria igreja,
reforçando o discurso da necessidade de manutenção do programa, do canal, ou seja, do

6
Até fim da década de 90 havia a proibição de assistir e/ou possuir aparelho de TV para os pentecostais
das Igrejas Assembleias de Deus no Brasil, embora essa proibição viesse perdendo forças desde os anos
80.
templo, para a efetuação da “obra de Deus”, consequentemente surgem campanhas e
comércios para esse objetivo. A necessidade do templo, do espaço, gerou no
Cristianismo uma prática discursiva de valorização da oferta, do dízimo, ou seja, da
contribuição material. Na religião midiatizada esse discurso se amplia à comercialização
de produtos especializados.
A nova forma de congregar, pelo espaço midiático, inclui um templo altamente
tecnológico, que ultrapassa a barreira física das paredes e alcança o fiel no conforto de
sua casa. As dimensões espacial e temporal do culto são altamente afetadas. As
comparações entre o que é pregado na televisão e o que é pregado no templo tradicional
são inevitáveis, o distanciamento e a representação do pastor da televisão, cria nele uma
imagem idealizada, de super “star”, associada à imagem do sacerdote comum, que
inevitavelmente deixa escapar no convívio diário com “suas ovelhas” as fraquezas
humanas.
Não pensamos a media como centro das transformações sociais, mas
consideramos a televisão como um meio importantíssimo nas mudanças sofridas no país
desde a década de 50, e principalmente a partir da década de 80, quando o poder de
consumo permitiu a presença do aparelho de televisão na maioria dos lares brasileiros e
quando o país passou por mudanças radicais na política e na economia. Com a televisão
presente nos lares dos religiosos, o espaço e o tempo sagrado foram redefinidos. O
espaço do culto ultrapassa hoje as paredes de um templo e invade qualquer espaço em
que a televisão esteja ligada transmitindo o programa.
A partir do momento em que o individuo pode cultuar enquanto cozinha,
costura, trabalha no computador ou faz ginástica, o espaço sagrado perde suas
características e ganha formato de qualquer espaço do cotidiano, ao mesmo tempo em
que o espaço comum se torna sagrado, mesmo sem ter sido constituído para esse fim.
Nessa nova configuração, os espaços do cotidiano são consagrados não pelos símbolos,
mas pelo sujeito religioso.
Quanto ao tempo da adoração, na mídia religiosa, o culto se alterna com o
comércio de produtos sacralizado pela finalidade missionária. Em relação à mídia
secular, o sagrado é absorvido pelo entretenimento. Na tela, o tempo da adoração e o
tempo do entretenimento disputam um único espaço ou se concentram no mesmo
espaço. É o que acontece nos programas religiosos de entretenimento ou nos programas
de auditório e de ficção carregados de símbolos religiosos.
Na luta pela audiência o caráter de divertimento prende a atenção dos
telespectadores que não mais consideram pecado assistir a programação secular. Nesse
processo de naturalização da identidade de telespectador, os religiosos pentecostais
vivem a expectativa pelo final da novela, pelo paredão do Big brother, e, desse modo,
consomem a programação. O público pentecostal, principalmente os mais jovens, não
foge a essa busca pelo divertimento, pela procura da felicidade no espaço e no tempo
terreno.

3. Evangelismo midiatizado e efeitos no mercado

Nos últimos anos, políticas de distribuição de renda provocam redução da


pobreza e crescimento de camadas intermediárias entre ricos e pobres no Brasil. Embora
a renda não seja o único critério na análise dos segmentos sociais, a ascensão econômica
das classes mais pobres resulta em um aumento significativo da classe média brasileira.
A condição socioeconômica dos pentecostais vem se alterando ao longo dos anos e hoje
se enquadra nesse contexto. Esse grupo, formado nas periferias dos centros urbanos, é
composto pelas classes D e E, denominada oficialmente “nova classe C” ou “nova
classe média”. Como sintoma dessa mudança, a teologia da prosperidade fomenta que a
melhoria financeira é a vontade de Deus para os cristãos fieis nos dízimos e ofertas,
enquanto trata a pobreza como maldição e castigo aos infiéis.
O desejo de prosperar e a capacidade de consumo de um grupo cada vez mais
numeroso, como o pentecostal, provocam alterações que não se limitam ao universo
religioso, mas modificam também o mercado econômico, que passa a atender os anseios
desse grupo. Assim, além da produção especializada nesse público há uma tendência de
harmonização na produção em geral para o consumo7.
Em função desses fatores, principalmente do crescente poder econômico dos
pobres, o religioso passou, nas últimas décadas, a ser percebido como um nicho de
mercado importante, visto “no mesmo estrato social dos demais, mas com demandas
menores, pois não gastam com bebidas, baladas, cigarros, diversão em geral”
(ALENCAR, 2013, p. 243-244).

7
Atualmente há um crescimento no número de comércio especializado e um grande interesse do
comércio em geral em atender às demandas do público evangélico. Em 31/08/2014, o site do jornal Folha
de São Paulo publicou que o comércio de roupas em geral na região do Brás - São Paulo cresceu apenas
3,5% em 12 meses, enquanto o comércio de moda destinada aos evangélicos aumentou 20% no mesmo
período. O evangélico é atualmente o principal consumidor da indústria fonográfica, com uma média de
10 novos CDs por mês e baixo índice de pirataria, além de grande incentivo em outros setores.
A ascensão econômica do pentecostal e o avanço midiático alteraram práticas do
trabalho religioso. Por exemplo, o evangelismo se ressignificou nessas novas condições
de produção, “ir por todo mundo pregando evangelho” não quer dizer, nos dias atuais,
deslocar-se geograficamente. O evangelismo pentecostal realizado nas ruas, em cultos
nas feiras e praças, ou de “boca a boca”, com distribuição de folhetos por pequenos
grupos que saíam de porta em porta pregando e convidando as pessoas para visitar a
igreja, foi substituído por outras possibilidades. Menos pessoal, com menos exposição
nas ruas, de modo mais eficaz e dentro dos padrões atuais.
Ao religioso impossibilitado de ir pessoalmente executar o evangelismo, seja por
questões de trabalho, doença ou família, é solicitado que contribua materialmente para a
instituição, e, dessa forma, se sinta também atendendo ao objetivo missionário.
Como forma de recompensa a quem financia o evangelismo, há um discurso
constante de retorno imediato, próspera compensação, derrame de bênçãos, que silencia
o dizer de que quem não contribue está fora da graça de Deus. Esse elemento do
procedimento religioso – a oferta, que faz parte do culto sagrado, passou na
midiatização religiosa a se significar na comercialização de mercadorias geradas por
indústrias de música, literatura, e outros produtos, o que inclui o próprio Jesus, ou a
salvação, nesse paradigma.
No evangelismo midiatizado, o comércio é interpretado como necessário para a
sobrevivência. Na televisão, os programas missionários apelam para a oferta ou para a
venda de produtos como mecanismo de manutenção e expansão. Alencar (2013, p. 271-
272), ao tratar dos três últimos programas 8 televisivos, em cadeia nacional, das Igrejas
Assembleias de Deus destaca o fato de não se unificarem, já que o objetivo seria o
mesmo, o evangelismo:
Os três são modernos. Estéticos e economicamente modernos, mas
conservadores. A verdadeira causa da dissensão entre os mesmos não
é teológica, doutrinaria ou ideológica, mas econômica. Todos os
programas oficialmente objetivam a “evangelização”, mas, na
verdade, são programas de vendas de produtos, são polishops – na
pior e na melhor acepção da palavra; ambos têm projetos político-
financeiros e todos eles estão ricos. (ALENCAR, 2013, p. 273)

Ser consumidor dos produtos divulgados nos programas funciona como forma
de realização do evangelismo, pois os discursos nos programas reforçam a necessidade

8
Programa Movimento Pentecostal, com o Pastor José Wellington, presidente das Assembleias de Deus;
Programa A Voz das Assembleias de Deus, com o Pastor Samuel Câmara, da Igreja-Mãe, em Belém do
Pará; Programa Vitória em Cristo, com o Pastor Silas Malafaia.
de manutenção desse espaço “sagrado”, cujos interesses são bem mais econômicos e
políticos.

4. Pentecostalismo midiatizado e efeitos na política

Quanto maior a capacidade de mídia, mais complexas as relações de poder


econômico e político em qualquer instituição. No caso das Igrejas Assembleias de Deus,
nos últimos anos, há uma maior preocupação na articulação de força política externa, ou
melhor, política partidária. Isso vem se alterando a partir da década de 80,
diferentemente de antes quando a postura conservadora desses religiosos considerava
política como “coisa do mundo”:
Cada vez que as eleições se aproximavam, principalmente,
radicalizavam dizendo que “política é coisa do Diabo” e que os
crentes não podem se envolver com ela. De forma geral, prevalecia a
posição contrária ao envolvimento do crente com a política, um
espécie de apoliticismo religioso (ARAÚJO, 2014, p. 703).

Somente em 1999, a Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil


(CGADB) criou uma Comissão Política com objetivo de indicar os candidatos que as
igrejas seguiriam nas eleições de 2002, orientando seus fieis quanto ao voto, que passou
a ser capital institucional no cenário político partidário interno e externo às igrejas.
Desse período em diante, tornou-se muito mais frequente a presença de políticos,
evangélicos ou não, nos eventos religiosos.
Esse empenho pela política externa não surgiu espontaneamente, nasceu da
preocupação em acompanhar o desempenho da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD), que desde 1982 elegia candidatos para defender seus interesses institucionais.
A IURD se engajou na política elegendo e apoiando candidaturas, como as do
Presidente Lula, nas duas eleições (2002 e 2006). A partir de 2005, os candidatos
apoiados pela denominação se concentram no Partido Republicano Brasileiro – PRB.
A criação da Comissão Política da CGADB culminou no projeto “Cidadania AD
Brasil” em 2001 que atuou com êxito até as eleições municipais de 2004. Entre os anos
2003 e 2004, os parlamentares pentecostais uniram-se à Frente Parlamentar Evangélica
em oposição a projetos contrários aos interesses religiosos. “Em 2005, as Assembleias
de Deus eram a igreja evangélica com a maior representação na Câmara, com 22
deputados. Em seguida, vinha a Universal, com 16 congressistas” (ARAÚJO, 2014, p.
711).
Mesmo com um projeto objetivando conscientização política, nota-se que o
envolvimento dos pentecostais não ultrapassa a obediência em votar nos escolhidos ou
indicados pelas igrejas, além de alguns pastores enfatizarem nos sermões os projetos de
lei que contradizem os valores defendidos pela religião, como união homossexual e
aborto. Fora isso, esses religiosos continuam alheios à vida política do país, conforme
aponta Alencar (2013, p. 251) “a politização externa é articulação da cúpula e não da
Igreja” e exemplifica com a situação da campanha oficial da CGADB, de Silas Malafaia
e outros líderes, contra Dilma Rousseff, no segundo turno em 2011, que gerou dissenso
entre os membros das Assembleias de Deus.
Em 2014, as Assembleias de Deus contaram com a eleição de 28 deputados
federais e com dois candidatos à presidência da República: Pastor Everaldo, que
assumiu a representação institucional, e Marina Silva que, embora não divulgasse, faz
parte da instituição. Em 2015, a CGADB lançou projeto de criação do Partido
Republicano Cristão (PRC) para reunir em um único partido todos seus fieis que atuam
nos poderes Legislativo e Executivo. O projeto está em fase de recolher assinaturas
para que o partido seja registrado no Tribunal Superior Eleitoral.
O breve histórico da participação das Assembleias de Deus na política eleitoral
nos revela uma mudança de postura, “sua participação política foi de um extremo ao
outro: de um absoluto alheamento a um surto teocrático.” (ALENCAR, 2013, p. 251).
Essa nova postura tem relação com o desenvolvimento da IURD e com a midiatização
das relações de poder no Brasil a partir da década de 80, gerando um complexo no qual
um fator desencadeia outros e atingem a fronteira dos campos midiático, religioso e
político:
A visibilidade obtida a partir do uso da mídia pelas instituições
religiosas acarreta um aumento no número de fieis a elas vinculados o
que, por sua vez, pode aumentar a força política dessa igreja,
conferindo-lhe legitimação enquanto instância representativa dos
princípios de um contingente de pessoas (MARTINO, 2012, p.233).

Ao mesmo tempo em que pensamos na mídia enquanto elemento gerador de


mudanças no campo religioso e no campo político, reconhecemos que a visibilidade
midiática é um alvo a ser pleiteado tanto pelo político quanto pelo religioso, como nos
lembra Corrêa (2013, p.129): “As novas lideranças têm o desejo de ampliar o poder
econômico em seus ministérios, conseguir expansão territorial, fazer alianças no âmbito
político e dentro das convenções internas, e obter fama.”
Não pretendemos defender que o uso da mídia determina no aumento da força
política de qualquer instituição, entretanto, no caso das Igrejas Assembleias de Deus, o
interesse na participação da política partidária do país nasceu praticamente em seguida
ao início de sua produção oficial na televisão, no fim dos anos 90. O fato da instituição
se tornar mais visível na mídia proliferou ações políticas articuladas.

5. Considerações finais

A religiosidade enquanto prática social ganha nova forma no contexto da


midiatização. Este capítulo destacou algumas características dessa nova configuração,
dentre eles, o modo como o evangelismo pentecostal na televisão tornou-se um espaço
de luta de poder interno, no caso das Igrejas Assembleias de Deus.
O templo midiatizado não se diferencia do templo físico quando serve como
justificativa da necessidade de contribuição para sua manutenção e ampliação, no
entanto provocou um crescimento do comércio especializado para o público evangélico,
intensificado pelo surgimento da “nova classe média”, fenômeno socioeconômico que
atingiu o Brasil na última década. A transformação do religioso em telespectador
desperta o interesse em agradar esse público, que se torna alvo tanto da programação
geral da televisão quanto do comércio não especializado.
A visibilidade do religioso pentecostal na televisão, o aumento do número de
fieis das Igrejas Assembleias de Deus e a ascensão econômica foram alguns elementos
do envolvimento na política eleitoral partidária por esse grupo, com destaque nas
últimas eleições. Enfim, o processo de midiatização constitui uma nova religiosidade
pentecostal, que busca a cada dia se enquadrar melhor nos parâmetros capitalistas e
políticos, e envolve um conjunto de fenômenos que diz respeito não apenas aos grupos
religiosos, mas a toda sociedade brasileira.

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______________________ .Teoria da comunicação: ideias, conceitos e métodos. 4ª


Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
Comunicação móvel e cidadania na América Latina

Cíntia Caldas Barcelar de Lima1

RESUMO: A expansão do acesso a dispositivos e redes de comunicação móvel proporcionou


um grande aumento na conectividade entre os indivíduos e entre os indivíduos e as
instituições, principalmente pelo uso de telefones celulares com acesso à internet móvel, os
chamados smartphones. Nesse cenário de conectividade e ubiquidade surge o governo móvel,
entendido como as ações de governo eletrônico realizadas pelas plataformas e redes móveis.
Entre essas ações está o desenvolvimento de aplicativos móveis de interesse público que
podem servir como novas ferramentas de promoção cidadania, uma vez que facilitam tanto a
busca e o acesso a informações e serviços, quanto a forma de envio de demandas populares ao
Estado. Para que o uso dos aplicativos de interesse público seja consolidado como uma
ferramenta efetiva de cidadania e participação na América Latina, ainda é preciso superar uma
série de desafios institucionais, políticos, econômicos e sociais, nos quais se encontram não
apenas as limitações tecnológicas e o desafio da inclusão digital, mas também a desigualdade
de renda, o baixo nível de escolaridade na região e no caso brasileiro, a falta de uma política
pública consistente para o governo móvel.
PALAVRAS-CHAVE: Governo móvel, governo eletrônico, aplicativos móveis, cidadania,
participação.

INTRODUÇÃO

A era da informação entra em uma nova fase com a expansão do acesso a


dispositivos e redes de comunicação móvel, que aumentam a velocidade da informação e a
quantidade de dados que chegam às pessoas a todo momento. Segundo Castells et. al. (2007),
a comunicação móvel estende e reforça a plataforma tecnológica da Sociedade em Rede, uma
sociedade em que as estruturas e práticas sociais estão organizadas ao redor de redes de
informação e comunicação baseadas na microeletrônica.

1 Mestranda em Políticas de Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em jornalismo e em publicidade
pela UnB. Auditora Federal de Controle Externo (orientação comunicação social) no Tribunal de Contas da União (TCU).
2

Em outras palavras, a sociedade da comunicação móvel aprofunda e difunde


a sociedade em rede, que veio a existir nas últimas duas décadas, primeiro
com base em redes de troca eletrônica, depois com o desenvolvimento de
redes de computadores, em seguida, com a Internet, alimentada e aumentada
pela rede mundial de computadores. Tecnologias de comunicação sem fio
difundem a lógica de rede da organização social e prática social em todos os
lugares, para todos os contextos - na condição de estar na rede móvel.
2
(CASTELLS et. Al., 2007, p. 258, tradução nossa).

A explosão das tecnologias de comunicação móvel ampliou significativamente a


conectividade entre os indivíduos e entre os indivíduos e as instituições, principalmente pelo
uso de telefones celulares com acesso à internet móvel, os chamados smartphones.
A revolução causada pela mobilidade e ubiquidade da comunicação tem sido possível
graças ao crescimento sem precedentes da telefonia móvel nos últimos 15 anos. De acordo
com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), em 2000 havia 738 milhões de
assinantes de telefonia móvel. Em 2015 esse número já chega aos 7 bilhões de assinaturas. Os
números do crescimento da banda larga móvel também são impressionantes, com penetração
de 47% até o final de 2015, 12 vezes mais que o registrado em 2007. A estimativa da UIT é de
que até o final de 2015, 69% da população mundial esteja coberta por redes 3G. Em 2011, a
penetração era de 45%. (UIT, 2015)

COMUNICAÇÃO MÓVEL NA AMÉRICA LATINA

A região da América Latina desponta com um dos maiores crescimentos no número de


smartphones por habitante, com a expansão sendo liderada por Brasil, México e Colômbia. O
Brasil ocupa a sexta posição mundial no uso de smartphones, com 38,8 milhões de unidades,
ficando atrás de China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia. O México ocupa a décima
primeira posição, com 28,7 milhões de aparelhos, a Colômbia a 22ª, com 14,4 milhões e a
Argentina a 25ª, com 10,8 milhões.3
O Chile foi o país com maior penetração de smartphones no continente em 2014, com
uma participação de 49,7%, seguido de Colômbia (45,3%), México (41,2%) e Argentina

2 In other words, the mobile communication society deepens and diffuses the network society, which came into existence in
the past two decades, first on the basis of networks of electronic exchange, next with the development of networks of
computers, then with the Internet, powered and extended by the World Wide Web. Wireless communication technologies
diffuse the networking logic of social organization and social practice everywhere, to all contexts – on the condition of being
on the mobile net. (CASTELLS et. al., 2007, p. 258).

3 EMARKETER. 2 Billion Consumers Worldwide to Get Smart(phones) by 2016.


2
3

(36%). Estima-se que em 2020 a região já seja a segunda maior em uso de smartphones,
ficando atrás apenas da Ásia-Pacifico.4
Para ARDÈVOL, M. et. al. (2011) os dispositivos móveis estão se convertendo em um
instrumento de uso generalizado para os segmentos da população com menores recursos e
para os países em desenvolvimento.
A tecnologia móvel tem se mostrado uma ferramenta importante para diminuir a
desigualdade digital entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, especialmente
devido ao rápido declínio nos preços dos dispositivos. A tecnologia chega a ser apontada
como possível solução à exclusão digital na região
A banda larga móvel proporciona uma oportunidade única para levar o
acesso à Internet para a maioria da população, a preços acessíveis. Esta
plataforma oferece quatro benefícios principais; a conexão à Internet está
disponível para o usuário para se comunicar em qualquer lugar; além disso, a
cobertura móvel permite que usuários fiquem permanentemente em
comunicação. Custos fixos de acesso à rede são reduzidos ao custo de
aquisição aparelho, enquanto os custos de serviços podem ser cobertos em
um regime de repartição; diminui a necessidade de competências digitais
como a grande maioria da população já possui e sabe como usar o
dispositivo móvel.5 (GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014, p.107-108, tradução
nossa).

A expansão nos usos dos dispositivos e redes de banda larga móveis podem impactar
também o crescimento econômico e a redução da pobreza. Estudo 6 realizado para verificar o
impacto da telefonia móvel sobre o crescimento econômico durante o período que vai de 1996
a 2007, mostrou que a penetração da telefonia móvel incide positivamente no crescimento
econômico de todos os 153 países pesquisados. Entretanto o impacto é significativamente
maior nos 18 países latino-americanos que faziam parte da amostra. (ARDÈVOL, M. et. al.,
2011, p. 94).
Em relação à redução da pobreza o estudo realizado considerou indicadores do período
de 1999 a 2002. Demonstrou-se que a penetração da telefonia móvel influi de forma
significativa na redução da pobreza por meio de seus efeitos sobre fatores ligados ao

4 GSMA. The Mobile Economy. Latin America 2014.

5 Mobile broadband provides a unique opportunity to bring Internet access to the majority of the population at affordable
prices. This platform offers four main benefits; internet connection is available to the user to communicate anywhere;
additionally, mobile coverage allows users to stay communicated permanently. Network access fixed costs are reduced to the
handset acquisition cost while service costs can be covered on a pay as you go basis; diminishes the need for digital skills as
the great majority of the population already own and know how to use the mobile device. (GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014,
p.107-108).

6 ARDÈVOL, M. et. al. Comunicación Móvil y Desarrollo Económico y Social en América Latina. 1ª ed. Madri: Fundación
Telefónica, 2011.
3
4

desenvolvimento social, criando mais oportunidades para melhorar a qualidade de vida entre
os setores pobres quando estes passam a ter acesso à comunicação móvel, e também pelo
impacto dessa tecnologia para melhorar aspectos de processos comerciais e produtivos.
Os resultados obtidos confirmam que nos 18 países da América Latina existe
uma relação negativa entre a taxa de penetração da telefonia móvel e da
pobreza: uma maior penetração da telefonia móvel, menores níveis de
pobreza. Levando em conta a definição de variáveis, podemos assumir que é
uma relação de causalidade e que o desenvolvimento sócio-econômico é o
mecanismo transmissor que vincula o aumento da penetração móvel com os
menores níveis de pobreza.7 (ARDÈVOL, M. et. al., 2011, p. 126, tradução
nossa).
É importante ressaltar que o crescimento econômico, a redução da pobreza e outras
questões como, por exemplo, a exclusão digital variam em ritmos diferentes nas mais diversas
regiões do mundo, a depender de fatores estruturais, econômicos, políticos e sociais. O que o
estudo sugere é que nos países latino-americanos a expansão da telefonia móvel tende a
contribuir de forma mais significativa no período analisado, que em países considerados
desenvolvidos. Um motivo possível para essa diferença seria o fato de que a expansão das
redes de telefonia móvel é mais recente nos países da América Latina.

GOVERNO MÓVEL: LIMITES E OPORTINIDADES PARA A CIDADANIA NA


AMÉRICA LATINA

A expansão da comunicação móvel cria também possibilidades de aproximação entre


os Estados e os cidadãos latino-americanos ao abrir novos canais para promoção da
transparência, acesso à informação, prestação de serviços públicos e busca por maior
engajamento e participação da sociedade no acompanhamento e na formulação de políticas
públicas.
Essa nova forma de interação com o cidadão é caracterizada como governo móvel, m-
government, ou m-gov e é definido por Kushchu (2007) como uma estratégia envolvendo a
utilização de todos os tipos de tecnologias móveis e sem fio, serviços, aplicações e
dispositivos para melhorar os benefícios para as partes envolvidas no governo eletrônico,
incluindo cidadãos, empresas e todas as unidades de governo. O conceito pode ser entendido
7 Los resultados obtenidos confirman que en los 18 países de América Latina existe una relación negativa entre la tasa de
penetración de la telefonia móvil y pobreza: a mayor penetración de la telefonia móvil, menores niveles de pobreza. Teniendo
en cuenta la definición de las variables, podemos assumir que se trata de una relación de causalidade y que el desarrollo
socioeconómico es el mecanismo transmissor que vincula la mayor penetración móvil con los menores niveles de pobreza.
(ARDÈVOL, M. et. al., 2011, p. 126).

4
5

como uma extensão do governo eletrônico que possibilita aos cidadãos acessar informações
públicas, obter serviços governamentais e se envolver na administração pública usando seus
telefones celulares e outros dispositivos móveis (CASTELLS, et. al. (2007),.
Estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) em conjunto com a União Internacional de Telecomunicações (UIT) 8 aponta a
comunicação móvel como uma tecnologia capaz de oferecer aos governos oportunidades
significativas de promover a economicidade, aprimorar a comunicação com a sociedade,
aumentar a troca de informações, expandir a entrega de serviços públicos e ainda combater a
desigualdade digital.
Com tecnologias móveis, informações e ações podem ser coordenadas em
qualquer local e entre agências, melhorando a colaboração e a coordenação
entre as autoridades públicas em todos os níveis de governo. (...) Além disso,
a penetração da telefonia móvel estende a divulgação e o acesso a grupos
que muitas vezes são difíceis de alcançar, como por exemplo, os cidadãos
nas zonas rurais, e expande a responsabilização e a transparência do governo
a um maior número de cidadãos.9 (OECD/ITU, 2011, p.13, tradução nossa)

Nesse contexto, tem crescido o número de aplicativos e serviços móveis voltados para
a interação entre Estado e cidadão. Aplicativos de utilidade pública passaram a ser oferecidos
em um número crescente de países. Em 2012, 29% dos 193 países integrantes da ONU
disponibilizavam aplicativos móveis como ferramentas de governo eletrônico. Em 2014 esse
número aumentou para 49%10.
Em geral, esses apps buscam facilitar o acesso a serviços públicos, disponibilizar
informações e orientações de interesse público e aumentar o engajamento e a participação
social. Também podem ser oferecidas ferramentas para que o cidadão busque seus direitos e
faça denúncias.
É comum que esses aplicativos fiquem concentrados em um endereço eletrônico
específico mantido pelo governo, para facilitar a localização pelos usuários que poderão
adquiri-los gratuitamente.

8 OECD/ITU. M-Government: Mobile Technologies for responsive govenments and connected societies. OECD Publishing,
2011.

9 With mobile technologies, information and actions can be co-ordinated in any location and among agencies, improving
collaboration and co-ordination between public authorities across levels of government. (...) Furthermore, mobile phone
penetration extends outreach and access to groups which are often difficult to reach, e.g. citizens in rural areas, and expands
government’s accountability and transparency to a higher number of citizens. (OECD/ITU, 2011, p.13)

10 United Nations e-government survey 2014


5
6

Nos Estados Unidos, o site oficial do governo 11 reúne mais de uma centena de
aplicativos destinados aos cidadãos, que podem, entre outras formas, utilizá-los para consultar
leis, documentos públicos e o orçamento do governo, procurar empregos, buscar informações
e serviços de saúde e educação.
O mesmo ocorre na União Europeia. Sites oficiais dos governos francês 12 e alemão,
por exemplo, 13 oferecem centenas de aplicativos móveis aos cidadãos europeus para facilitar a
prestação de serviços públicos e disponibilizar informações nas mais diversas áreas.
No Brasil, o Guia de Aplicativos do Governo Federal 14 já disponibiliza dezenas de
aplicativos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário voltados ao acesso a informações e à
prestação de serviços. Lá estão, por exemplo, o aplicativo Câmbio Legal, do Banco Central,
que permite ao usuário identificar o local mais próximo para comprar e vender moeda
estrangeira, o aplicativo Brasil Banda Larga, que permite ao usuário testar a qualidade de sua
banda larga móvel e o Vacinação em Dia, do Ministério da Saúde, que gerencia cadernetas de
vacinação cadastradas pelo usuário.
O governo chileno disponibiliza em sua página oficial15 uma série de aplicativos
voltados à prestação de serviços jurídicos, de saúde, transportes e segurança, além do acesso a
informações de utilidade pública. Aplicações semelhantes também são desenvolvidas em
outros países latino-americanos, como México, Peru, Colômbia, Honduras e El Salvador.
O uso dos aplicativos como ferramentas de governo móvel surge na região como uma
oportunidade para ampliar e facilitar o exercício da cidadania, definida por Garcia e Lukes
como a conjunção de três elementos:
1) a garantia de certos direitos, assim como a obrigação de cumprir certos
deveres para com uma sociedade específica; (2) pertencer a uma comunidade
política determinada (normalmente um Estado); e (3) a oportunidade de
contribuir na vida pública desta comunidade através da participação. 16
(GARCIA Y LUKES, apud GORCZEVSKI, C.; MARTIN, N., 2011, p. 29)

11 http://www.usa.gov/mobileapps
12 www.proximamobile.fr
13 https://www.govdata.de/
14 http://www.aplicativos.gov.br
15 http://apps.gob.cl/
16 “GARCIA, S. y LUKES, S. Ciudadania: justicia social, identidad y participación. Madrid: Signo XXI, 1999. P. 1.”
6
7

Gorczevski e Martin (2011) defendem a participação política como instrumento para a


consolidação de um novo modelo de cidadania, calcado na democracia e exercida por
indivíduos ativos. “Na verdade é ela, a participação política, que transforma o indivíduo em
cidadão, que lhe dá a possibilidade de determinar sua própria sorte, de participar do poder, de
fazer as leis e de obedecer unicamente a estas.” (GORCZEVSKI, C.; MARTIN, N., 2011, p. 126)
As tecnologias de comunicação móvel podem atuar como um catalisador da
participação política, uma vez que facilita tanto a busca de informações quanto a forma de
envio de demandas populares ao Estado. Informações, serviços e solicitações que antes
precisavam ser buscados atrás de um balcão, agora estão disponíveis em poucos toques na
pequena tela que é manuseada pelos indivíduos durante boa parte do dia.
Mas ainda há muitos desafios a serem superados para que os países latino-americanos
possam ter na comunicação móvel uma ferramenta efetiva para a cidadania. Existem entraves
ligados a fatores institucionais, políticos, econômicos e sociais, nos quais se encontram não
apenas as limitações tecnológicas e o desafio da inclusão digital, mas também a desigualdade
de renda, o baixo nível de escolaridade na região e no caso brasileiro, a falta de uma política
pública consistente para o governo móvel.
Ao falar sobre as transformações tecnológicas e sua relação com o desenvolvimento
das nações, Castells (1999a) afirma que o Estado pode ser a principal força de inovação
tecnológica. Porém, quando este afasta totalmente seus interesses do desenvolvimento
tecnológico ou se torna incapaz de promovê-lo sob novas condições, “um modelo estatista de
inovação leva à estagnação por causa da esterilização da energia inovadora autônoma da
sociedade para criar e aplicar tecnologia.” (CASTELLS, 1999a, p. 44,45). O autor
complementa:

O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre a tecnologia e


a sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo,
seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral,
à medida que expressa e organiza as forças sociais dominantes em um
espaço e uma época determinados. Em grande parte, a tecnologia expressa a
habilidade de uma sociedade para impulsionar seu domínio tecnológico por
intermédio das instituições sociais, inclusive o Estado. (CASTELLS, 1999a,
p. 49).

Ao se aplicar essa relação, percebe-se a necessidade de ações efetivas do estado para


que ocorra um desenvolvimento adequado das ações de governo móvel. Não se trata apenas

7
8

de investimentos em estruturas de rede, regulação, fiscalização e promoção de


competitividade do setor.
É preciso também discutir e implementar políticas públicas que considerem a
comunicação móvel como ferramenta de cidadania. É por meio dessas políticas que, segundo
Saravia (2006) se constituem orientações gerais para a obtenção de desejos dos diversos
grupos que participam do processo decisório.

Com uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que ela é um


sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou
corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários
setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de
atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos
estabelecidos. (SARAVIA, 2006, p. 29)

Um fator importante a ser considerado em uma política pública que vise à


disseminação e legitimação do governo móvel como promotor de cidadania é a inclusão
digital. A falta de acesso à tecnologia e as desigualdades econômicas e sociais são alguns dos
grandes riscos que devem ser observados ao se falar sobre as perspectivas de democracia
eletrônica.
Quer dizer, enquanto uma elite relativamente pequena, afluente, e de bom
nível educacional de alguns países e cidades teria acesso a uma
extraordinária ferramenta de informação e participação política, realmente
capaz de reforçar o exercício da cidadania, as massas excluídas e
desprovidas de educação em todo o mundo e nos diferentes países
permaneceriam à margem da nova ordem democrática, a exemplo dos
escravos e bárbaros nos primórdios da democracia da Grécia Antiga.
(CASTELLS, 2009b, p, 409,410).

Castells pondera que se for possível estabelecer uma relação com essas novas fontes
de contribuição de cidadãos interessados na política sem que o processo fique restrito a uma
elite tecnologicamente capacitada, “um novo modelo de sociedade civil pode ser reconstruído,
possibilitando a popularização da democracia, via eletrônica.” (CASTELLS, 2009b, p. 411).
Compreender a tecnologia móvel como instrumento importante para a vida
democrática é um dos grandes desafios para os governos da América Latina pois ela poderia
atuar como catalisadora da participação social e da promoção da cidadania, de forma a
contribuir para construção de uma verdadeira democracia participativa. “Ou se compreende
que a tecnologia móvel pode nos permitir uma melhor organização e comunicação na

8
9

sociedade do conhecimento, para a ação política, ou tudo que for feito serão imitações tardías,
sem autenticidade e sem sentido”.17 (GUTIÉRREZ-RUBI, 2015, p. 99, tradução nossa)
Para Bonavides (2001) não há democracia sem participação.

De sorte que a participação aponta para as forças sociais que vitalizam a


democracia e lhe assinam o grau de eficácia e legitimidade no quadro social
das relações de poder, bem como a extensão e abrangência desse fenômeno
político numa sociedade repartida em classes ou em distintas esferas e
categorias de interesses. (BONAVIDES, 2001, p.51)

Para que se chegue a transformar o governo móvel em um instrumento efetivo para a


democracia participativa seria necessário, além de enfrentar os desafios econômicos e sociais,
superar também limitações tecnológicas para garantir o acesso da população aos serviços
públicos móveis. Na América Latina, um dos grandes desafios é a expansão da banda larga
móvel. “O estado atual da banda larga móvel na América Latina ainda é marginal, apesar da
sua alta taxa de crescimento; são necessárias políticas públicas orientadas para promover o
seu crescimento. Diversos mecanismos estão disponíveis para promover um crescimento da
banda larga móvel ".18 (GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014, p.107, tradução nossa).
Uma possibilidade de solução a esse problema seria a alocação no espectro de
radiofrequência da faixa de 700 MHz, que possui maior penetração, para as redes de banda
larga móvel. Essa faixa atualmente ainda é utilizada para a TV analógica na maior parte dos
países, que ainda não concluíram a migração para a TV digital e, portanto, ainda não
promoveram o blackout analógico, que permitira a liberação dessa faixa.

As alocações posteriores, dadas as características das bandas, contaram


principalmente para melhorar as conexões 3G e 4G em áreas urbanas; em
outras palavras, seu principal objetivo é melhorar a eficiência do mercado e a
qualidade de serviço em áreas urbanas, a maioria delas já cobertas por
serviços de banda larga fixa ou móvel. Mas uma das principais saídas sociais
e econômicas em alocações de espectro pode vir especificamente a partir da
faixa de 700 MHz, o chamado dividendo digital. Esta banda permite que as
operadoras ofereçam banda larga móvel 3G e 4G em uma área mais ampla, o
que é especialmente útil para alcançar as áreas rurais ainda não cobertas ou

17 “O se compreende que la tecnología móvil puede permitirnos una mejor organización y comunicación en la sociedade del
conocimiento, para la acción politica, o todo lo que se haga serán imitaciones tardias, sin autenticidade y sen sentido”
(GUTIÉRREZ-RUBI, 2015, p. 99)
18 “The current state of mobile broadband in Latin America is still marginal despite its hight growth rate; public policies
oriented to promote its growth are required. Diverse mechanisms are available to promote mobile a broadband growth.”
(GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014, p.107).

9
10

19
com poucos concorrentes. (GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014, p.108,
tradução nossa).

Outro ponto a ser considerado na adoção de estratégias de governo móvel é a


efetividade e o grau de interesse público dos aplicativos e conteúdos que são disponibilizados
ao cidadão. Em relação a esse ponto, Castells (2003) indica que governos em todos os níveis
usam a Internet, sobretudo como um “quadro de avisos eletrônico” para divulgar sua
informação sem se empenhar muito em estabelecer uma interação real.
Num mundo de crise generalizada de legitimidade politica, e de indiferença
dos cidadãos por seus representantes, poucos se apropriam do canal de
comunicação interativo, multidirecional, fornecido pela Internet, de ambos
os lados da conexão. Os políticos e suas instituições divulgam suas
declarações e respondem burocraticamente – exceto em época de eleição.
(...) A Internet não pode fornecer um conserto tecnológico para a crise da
democracia. (CASTELLS, 2003, p. 129).

Assim, políticas públicas que busquem garantir o desenvolvimento do governo móvel


precisam estabelecer diretrizes e padrões de qualidade e efetividade para os aplicativos e
demais serviços móveis destinados à população.

CONCLUSÃO

Percebe-se que as tecnologias de comunicação móvel podem ser de grande utilidade


para aprimorar a prestação de serviços públicos, além da transparência, accountability e
participação social na América Latina. E que muitos países da região já destinam recursos
públicos ao desenvolvimento de soluções móveis para os cidadãos. Entretanto, esse
investimento deve ser norteado por políticas públicas que garantam a expansão de redes de
banda larga móvel, além de maior acessibilidade aos dispositivos, para que a estratégia de
maior interação com a sociedade não se transforme em mais uma forma de exclusão social e
digital.

19 The later allocations, given the characteristics of the bands, accont mainly for improving 3G and 4G connections in urban
áreas; in other words, their main goal is to improve the market’s efficiency and service quality in urban areas, most of them
already covered by fixe or mobile broadband services. But one of the major social and economic outputs in spectrum
allocations may come specifically from the 700 MHz band, the so called digital dividend. This band allows operators to offer
3G and 4G mobile broadband in a wider area, which is specially useful in reaching rural areas not currently covered or with
few competitors. (GOGGIN, G.; HJORTH, L., 2014, p.108).

10
11

Além disso, é necessário se preocupar com a efetividade desses aplicativos e


conteúdos disponibilizados, para que o investimento realizado realmente se transforme em
produtos de utilidade pública.
A ênfase dessa estratégia de aproximação e promoção da cidadania não pode estar
focada no “m” (mobilidade), e sim no interesse social. "O foco deve ser de fato sobre as
necessidades do setor público e para os usuários finais, sejam estes cidadãos ou empresas,
para garantir que a tecnologia seja explorada para reorganizar a forma como os servidores
públicos trabalham e para atender às necessidades dos cidadãos através de uma melhor
prestação de serviços”.20(OECD/ITU, 2011, p.12, tradução nossa)

20 “Focus should be indeed on the needs of the public sector and for the end-users, be these citizens or businesses, to ensure
that Technology is exploited to reorganize the way civil servants work and to meet the needs of citizens through improved
service delivery.” (OECD/ITU, 2011, p.12)
11
12

Referências

ARDÈVOL, M. et. al. Comunicación Móvil Y Desarrollo Económico Y Social en


América Latina. 1ª ed. Madri: Fundación Telefónica, 2011.
BONAVIDES, P. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo:
Malheiros, 2001.
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atualização para a 6ª ed: Jussara Simõe. São Paulo: Paz e Terra, 1999a. Título original: The
rise of network society.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt.
São Paulo: Paz e Terra, 1999b. Título original: The power of identity.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e
a sociedade. 1ª ed. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Título original: The Internet Galaxy: reflections on the Internet, business and society.
CASTELLS, M. et. al. Mobile Communication and society: a global perspective. 1ª
ed. Massachussetts: The MIT Press, 2007.
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Press, 2009.
EMARKETER. 2 Billion Consumers Worldwide to Get Smart(phones) by 2016.
Disponível em http://www.emarketer.com/Article/2-Billion-Consumers-Worldwide-
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GOGGIN, G.; HJORTH, L. The Routledge Companion to Mobile Media. 1ª ed. Nova
Iorque: Routledge, 2014.
GORCZEVSKI, C.; MARTIN, N. A necessária revisão do conceito de cidadania:
movimentos sociais e novos protagonistas na esfera pública democrática. 1ª ed. Santa Cruz do
Sul: EDNISC, 2011.
GSMA. The Mobile Economy. Latin America 2014. Disponível em
http://latam.gsmamobileeconomy.com
GUTIÉRREZ-RUBI, A. La transformación digital y móvil de la comunicación
política. Barcelona: Fundación Telefonica, 2015.
KUSHCHU, I. Mobile Government: an emergent direction in e-government. 1ª ed.
Hershey, PA: IGI Global, 2007.
LEMOS, A.; LÉVY, P. O futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia
planetária. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2010.
OECD/ITU. M-Government: Mobile Technologies for responsive govenments and
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SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (organizadores). Políticas públicas: coletânea, vol. 1.
1ª ed. Brasília: Enap, 2006.
UIT. ICT Facts and Figures – The World in 2015. Disponível em
http://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Pages/facts/default.aspx
WOOLGAR, Steve. Virtual Society? Technology, Cyberbole, Reality. 1ª ed. Nova
Iorque: Oxford University Press, 2002.

Links:
www.anatel.gov.br
www.aplicativos.gov.br
http://apps.gob.cl/
www.facebook.com
12
13

www.proximamobile.eu/appsystem
www.usa.gov/mobileapps

13
DEMOCRACIA, PODER E MULHER: algumas questões de visibilidade no Brasil e na
Argentina

Claudia Bardal Sória1

Resumo: Brasil e Argentina vivem momentos políticos parecidos. Com passados recentes marcados
e problemas presentes similares, passaram por transformações políticas e socioeconômicas
recorrentes nos últimos trinta anos. E as primeiras décadas de do século XXI trouxeram mais
coincidências políticas e históricas, como a subida à Presidência da República das primeiras
mulheres eleitas por voto direto dos cidadãos de seus países. Na Argentina, em 2007, Cristina
Kirchner e, em 2010, no Brasil, Dilma Rousseff. Com foco nesses dois acontecimentos, faz-se uma
leitura das coberturas das eleições de 2007, na Argentina, feita pelo jornal Clarín, e, no Brasil, em
2010, pelo jornal brasileiro Folha de São Paulo, tentando responder como a mulher torna-se visível
no processo democrático de seus países, ao se candidatar à Presidência da República. A metodologia
utilizada em um primeiro momento foi a análise de conteúdo dos jornais citados, com um recorte
analítico das primeiras capas dos jornais.

Palavras-chaves: Visibilidade; Mulher; Argentina; Brasil; Presidência da República.

O Brasil e a Argentina são hoje duas democracias em ascensão, reconhecidas pela


2

comunidade política internacional, como países livres, econômica e politicamente frutíferos. Dados
da Freedom House 2013 conferem ao Brasil e à Argentina nota 2, em uma escala democrática de 1
3

a 7, do país mais ao menos democrático. Para fazer o relatório anual, leva-se em conta alguns
fatores, como liberdade de expressão, direito à greve e realização de eleições livres, todos em
crescente ascensão nos vizinhos sul-americanos, desde a década de 1980, com a queda dos regimes
ditatoriais.
Com passados recentes marcados pelas violentas ditaduras militares, crises econômicas,
além de uma série de problemas similares, os dois países passaram por transformações políticas e
socioeconômicas recorrentes nos últimos trinta anos. E o início do século XXI resultou em mais
coincidências políticas e históricas entre essas duas nações, como a subida à Presidência da
República das primeiras mulheres eleitas por voto direto dos cidadãos de seus países. Na Argentina , 4

1 Professora do ensino superior; doutoranda da linha de pesquisa Jornalismo e Sociedade do Programa de Pós-Graduação da FAC-
UnB; mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP-PR; jornalista pela PUC-PR
2 Neste artigo, o termo democracia será tratado de forma genérica, ou seja, sem diferenciar os tipos de democracia que são praticados
pelos muitos países que adotam esse modelo político ao redor do mundo. Chauí (2000) explica o termo democracia como um sistema
sociopolítico baseado em três direitos fundamentais ao cidadão: liberdade, igualdade e participação. Esta forma de Governo permite a
instituição de direitos reais à sociedade, com liberdade e igualdade, sem nenhuma distinção entre todos os sujeitos sociais. Também
permite a participação de todos os cidadãos em discussões e deliberações públicas pelo voto representativo. O processo democrático
permite ainda que indivíduos se organizem em associações, movimentos sociais e populares, partidos políticos, sindicatos, classes,
criando assim um contrapoder social, afim de limitar direta ou indiretamente o poder do Estado. Essas características fazem da
democracia um sistema político que se transforma, se altera conforme o contexto social, espacial e temporal no qual é exercido.
3 Organização norte-americana, de vigilância independente dedicada à expansão da liberdade em todo mundo FREEDOM IN THE
WORLD 2013: Democratic Breakthroughs in The Balance. Disponível em: <https://www.freedomhouse.org/sites/default/files/FIW
%202013%20Booklet.pdf>. Acesso em: 20 maio 2014.
4 No caso da Argentina, há outras mulheres que governaram o país. Eva Perón (Evita) e Maria Estela Martínez, mais conhecida
como Isabelita Perón, ambas esposas de Juan Domingo Perón, presidente da Argentina, entre 1946 a 1955, e depois, entre 1973 a
em 2007, Cristina Kirchner e, em 2010, no Brasil, Dilma Rousseff.
Estes dois acontecimentos chamam a atenção pela proximidade geográfica e temporal, pois
nenhuma mulher, nos dois países citados, havia conseguido se eleger por voto direto para o mais
alto cargo político do Poder Executivo. Assim, o que este artigo propõe é como a mulher, aqui
representada por Cristina Kirchner e Dilma Rousseff, torna-se visível no processo democrático de
seus países, ao se candidatar à Presidência da República da Argentina e do Brasil, respectivamente?
Com foco nesses dois acontecimentos marcantes para a política latina e mundial, faz-se uma
leitura das coberturas das eleições de 2007, na Argentina, feita pelo jornal Clarín, considerado o
maior jornal de circulação daquele país e o mais lido da América Latina ; e, do maior jornal 5

brasileiro em circulação paga, Folha de São Paulo , conforme a Associação Nacional de Jornais
6

(ANJ), no Brasil, utilizando um dos conceitos mais centrais tanto para o jornalismo como para a
política: a visibilidade. Este conceito-chave da noticiabilidade é ontológico e interfere na
democracia e, portanto, no desenvolvimento e estruturação da esfera pública política. Para embasar
a discussão sobre o assunto, foram utilizados os estudos feitos por Foucault, Bourdieu, Dijk, Maia,
Charaudeau, Weber, Mouillaud, Bobbio, entre outros.

A construção dos espaços midiáticos e políticos


Da Grécia antiga até hoje, o termo política alterou-se e expandiu do sentido aristotélico, de
“tudo o que é público”, onde os cidadãos da pólis (cidade grega) tem voz e voto, a uma condição
monárquica, onde só o rei tinha voz e voto. Depois, passa a um conceito de monopólio sobre o
poder estatal, onde poucos decidem sobre os direitos básicos do povo, e o poder político através da
dominação, da força física, da violência, é exercido em prol dos governantes e aliados. Até chegar a
um conceito mais integrado à sociedade cidadã, aos direitos coletivos e sociais, voltado para o
poder do Estado e seus agentes que agem pelo bem público e se fundem no bem comum, no
consenso, construído sobre a universalidade da sociedade civil , na igualdade e na cidadania
7

(BOBBIO et al, 2010, p. 954-962), num sentido de verdadeira democracia.


Vale lembrar que as formas de se fazer política e jornalismo mudaram ao longo dos séculos,
apesar de algumas práticas passadas retornarem revestidas de legitimidade para a

1974, que se destacaram nas lutas pela melhoria da qualidade de vida da população. Mas nenhuma das duas foi eleita pelo voto
popular. Evita, segunda mulher de Perón, se torna primeira-dama e uma das líderes mais emblemáticas que a Argentina conheceu. Ela
é responsável pela implantação do direito ao voto das mulheres, mas sua trajetória é curta, devido à sua morte. Depois, Isabelita,
terceira esposa do presidente argentino, primeira-dama e vice-presidente assume o Governo após a morte de seu marido. Disponível
em: <http://www.jdperon.gov.ar/material/biografiaperon.html>. Acesso em: 02 maio 2014.
5 LONGHI, Raquel R.; SILVEIRA, Mauro C.. A convergência de linguagens nos especiais do Clarín.com. Revista de Estudos da
Comunicação. Curitiba, v. 11, n. 25, p. 157-166, maio/ago. 2010. “Da extensa lista de atividades da empresa, Albornoz (2007, p. 124)
registra que o Clarín é o principal jornal argentino e o de maior circulação no mundo de fala espanhola – com uma tiragem média
superior a 550 mil exemplares e mais de dois milhões de leitores diariamente”.
6 ALAP. Os 50 maiores jornais do Brasil. jan/14http://www.alap.com.br/noticias/os-50-maiores-jornais-do-brasil-jan14. Acesso
em 10 de março de 2014. (ALAP - Associação Latino-americana de Publicidade )
7 CHAUÍ, Marilena. A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito civil , isto é, sob as
leis promulgadas e aplicadas pelo soberano.
contemporaneidade. Charaudeau (2011) coloca que a legitimação destas práticas depende das
situações de troca social em que os sujeitos estão envolvidos, ou seja, se são candidatos, se são
representantes de um grupo social, se estão estabelecidos como Governo, se defendem um território.
O autor acrescenta ainda que sobre este bem comum há um “jogo de dominação” próprio, norteado
pela legitimidade “por meio da construção de opiniões” (uma luta discursiva) e pela autoridade
“mediante uma dominação feita de regulamentação e de sanção”.
Esse jogo de influência, percepção, manipulação se dá em um espaço determinado,
principalmente pelo discurso, pois “a linguagem é o que motiva a ação, a orienta e lhe dá sentido”
(CHARAUDEAU, 2011, p. 39). Desta forma, como frisa o autor francês, “qualquer enunciado, por
mais inocente que seja, pode ter um sentido político a partir do momento em que a situação o
autorizar” (Ibidem, p. 39). Apesar do sentido do enunciado, este pode ser neutro e o que deve ser
observado é a situação de comunicação em que foi criado. “Não é o conteúdo do discurso que assim
o faz, mas a situação que o politiza” (Ibidem, p. 40). Maia (2008) concorda, mas lembra que os
discursos concorrem entre si, disputando os espaços, lutam pelas posições do jogo, estabelecendo
negociações de valores e necessidades. Há um aumento dos riscos ao se argumentar em público e
não se pode esquecer que entre os atores políticos mais influentes estão os meios de comunicação,
criando situações, alterando a lógica das práticas políticas e, portanto, os espaços de diálogo entre
governo, Estado e povo.
Ekecrantz (apud MAIA et al, 2006) embasado na “natureza mutante do espaço”, afirma que
as tecnologias de informação e comunicação alteraram o modo como os atores sociais e políticos
dialogam. Levam para dentro e para fora da cena midiática as decisões, as posições, os contextos
políticos, expondo o jogo, deixando-o circular pela esfera pública política, acessível a todos os
atores sociais. Alsina (2009, p. 14) propõe uma definição para notícia, “a notícia é uma
representação social da realidade quotidiana, gerada institucionalmente e que se manifesta na
construção de um mundo possível”.
Da ágora grega, onde só os homens - phratris - tinham voz, vez e voto, ao espaço público
8

contemporâneo, onde todos e todas dialogam, transformando individualidade em coletividade e


buscando o bem comum, a mídia jornalística vai entender a política dependendo das suas relações
comerciais. Lopes (2008, p. 5) lembra que é impossível “conceber a atividade política sem o espaço
de visibilidade proporcionado pelos meios de comunicação”. Os meios de comunicação foram
incorporados pelos políticos e estes passaram a ser fontes e produtores de notícias.
As formas e os formatos da mídia dominante de hoje e nossos modelos herdados de
democracia e comunicação estão fora de sintonia uns com os outros, principalmente a
grande mídia tornou-se uma força política autônoma. (EKECRANTZ apud MAIA et al,
2006, p. 96)
8 As mulheres eram excluídas do processo democrático. Não eram consideradas cidadãs, não tinham voz, não podiam opinar, não
eram ouvidas, não tinham direito ao voto, à escolha política. Deste círculo excludente faziam parte os estrangeiros, escravos e
artesãos. (Lopes, 2008).
Essas novas funções, alteram o modo de fazer jornalismo e também o modo de fazer política, uma
vez, que é necessário administrar amizades e inimizades. A mídia tem uma posição central na cena
política, não é somente mediadora. É um ator político com poderes modeladores para a sociedade.
Weber (apud MAIA et al, 2006) concorda e acrescenta que os meios de comunicação se tornaram
um “espaço privilegiado e constitutivo da cena política”, isto é, são necessários para que
“instituições e os sujeitos políticos” possam expandir suas naturezas, seus efeitos, sua audiência
sobre os eleitores em seu território a fim de obter visibilidade e credibilidade. A autora afirma que
“é o tempo de produção e consumo da imagem que restringe e amplia a comunicação pública das
novas democracias” (WEBER apud MAIA et al, 2006, p. 119). Desta forma, quanto maior a
visibilidade, maior a credibilidade, questão primordial da política. A autora acrescenta que “é na
visibilidade dessa informação que os argumentos poderão adquirir maior repercussão e
credibilidade. Na associação visibilidade/credibilidade, nem sempre a verdade e a qualidade sairão
vencedoras” (WEBER apud MAIA et al, 2006, p. 120).
Lopes (2008, p. 8) recorre a figura dos “printers, donos dos meios de produção gráfica que
faziam dos seus jornais declaradores porta-vozes de posições políticas”. Esse expediente antigo
usado para a promoção da visibilidade política explica as relações entre jornalistas e políticos
profissionais. Os políticos se acostumaram com a cobertura midiática. Assim, transformaram-se em
promotores de acontecimentos. Isso resultou em negociações na produção noticiosa, interferindo
economicamente nos jornais, vinculando-os às posições políticas. “O jornalismo do período não
tinha a pretensão de ser isento”, acrescenta Lopes (2008, p. 8).
Ekecrantz (apud MAIA et al, 2006, p. 110) acrescenta que “a mídia está em uma posição
central e ela tem de ser compreendida não somente como mediadora, mas com ator político”. Há
uma espécie de “contrato de informação” contraditório entre os veículos midiáticos, jornalistas e
consumidores de notícias, mas que estas são mediadas, ou seja, são relativizadas, interpretadas,
editadas, incompletas e, por vezes, “desvirtuadas” (CHARAUDEAU, 2010; ALSINA, 2009).
Os dicionários trazem o significado restrito de visibilidade como o que é ou está visível,
aquilo que pode ser percebido ao sentido da visão, que tem fácil visualização, capacidade de ver,
aquilo que é evidente. Mas em termos de comunicação, de jornalismo, visibilidade, a partir de
Bourdieu (2011), é tornar a mídia, o jornalismo, uma máquina de fazer ver, de tornar o que veicula
como real, verdadeiro, verossímil, (quase) incontestável, crível. E como credibilidade, ao
dicionarizar o significado, tem-se aquilo que é crível, verdadeiro, confiável, passível de se acreditar,
autêntico, fiável.
Charaudeau (2010) explica a credibilidade como uma posição social, uma espécie de status
quo, onde o consumidor da notícia dispõe de critérios para avaliar se esta é ou não válida, confiável,
verossímil. Esses critérios são apoiados em imaginários sociais, como
desempenho (“saber ser o primeiro a transmitir a informação, ter o espírito do furo), o da
confiabilidade (saber verificar a informação, ter o espírito dos arquivos), o da revelação
(saber descobrir o que está oculto ou em segredo, ter o espírito da investigação).
Evidentemente, isso obriga a instância midiática a não errar no cálculo sobre a expectativa
de informação do sujeito-alvo, pois é nesse aspecto que o sujeito-alvo é mais exigente,
sobretudo se a informação diz respeito a um domínio de sua competência. Se a informação
for decepcionante, ele poderá, com razão, ter dúvidas sobre a validade das outras
informações que concernem a outros campos de competência. (CHARAUDEAU, 2010, p.
81)

Da visibilidade depende a credibilidade, ambas moldadas nas “tensões entre o domínio


público e privado”, uma vez que são os argumentos, as palavras, as edições utilizadas que dão
credibilidade ao que é publicizado, como afirma Weber.
A visibilidade torna-se então equivalente àquilo que é verossímil, à imagem passível de ser
fabricada, ampliada e refreada. O olhar é disputado pelas verdades dos poderes políticos e
midiáticos, na mesma proporção que se pretende educá-lo para que o risco de “duvidar do
que se vê” seja mínimo. (WEBER apud MAIA et al, 2006, p. 120).

A autora lembra que “a visibilidade é natural do poder político” e reforça, assim, a


complexa batalha do campo midiático e político, afirmando que “quanto maior a capacidade de
comunicação da política em seu próprio território partidário e social, menor a influência do discurso
midiático, e vice-versa” (WEBER apud MAIA et al, 2006, p. 120-121). Desta forma, é possível
relativizar sobre o poder da visibilidade política e midiática e perceber que suas antíteses –
opacidade, ocultamento, apagamento - também são utilizadas como manobras e estratégias de
manipulação do público eleitor-leitor, da sociedade como um todo, pois todo o jogo depende dos
interesses das empresas midiáticas e dos políticos.
O jornalismo está à mercê dos interesses do poder e os acontecimentos podem ser
fragmentados em diferentes visões, conforme a edição pela qual passa. (MOUILLAUD; PORTO,
2002 apud MOUILLAUD, 2002) comenta que sobre esse processo social, ao afirmar que “cada
jornal – e cada tipo de jornal – pode ser considerado uma expectativa de acontecimentos”. O autor
francês completa
todo acontecimento pressuporia que fossem desdobrados um saber e um não-saber, um
mundo e um fim-de-mundo. Os grandes acontecimentos da mídia seriam aqueles que
permitem não somente ver, mas não ver. Seria o caso de uma estratégia da mídia que injeta
mais-valia à informação, fazendo recuar o acontecimento em um fundo de trevas; menos
este é susceptível de ser conhecido, mais ele contém valor informativo. O acontecimento
seria um recurso cujo valor residiria menos no que ele é do que no que não é
(MOUILLAUD; PORTO, 2002 apud MOUILLAUD, 2002, p. 81)

Assim, é possível entender que a edição jornalística é uma estratégia da Política, que utiliza
deste expediente para criar o vislumbre ou encobertar o que lhe convém. A visibilidade e a
credibilidade são frutos das imagens que são construídas pelo poder que é inerente à linguagem e à
máquina midiática. Isso posto, é possível reconhecer algumas das estratégias utilizadas pelos dois
jornais supracitados e analisados, no intuito de descobrir como conduziram suas edições.

Espaço Público Político versus Mulher


As mulheres são quase metade da população da Terra, mesmo assim, continuam com pouca
representatividade política e parlamentar. São apenas 19 mulheres chefes de governo, conforme o
Relatório de Desenvolvimento Humano 2014 (RDH)9, feito pela Organização das Nações Unidas
(ONU) para avaliar o ano de 2013. O relatório também aponta que em questões relativas à
autonomia, elas continuam sub-representadas nos parlamentos e ministérios de seus países. São
apenas 17% que ocupam cargos eletivos, apesar de constituírem metade da força eleitora.
Os levantamentos sobre autonomia feminina apontam que as mudanças e conquistas são
lentas, mas constantes. A autonomia10 é “o grau de liberdade que uma mulher tem para poder agir de
acordo com a sua escolha e não com a de outros. Nesse sentido, existe uma estreita relação entre o
ganho de autonomia das mulheres e os espaços de poder que possam instituir, tanto individual como
coletivamente”. Isto é, maior capacidade e condições concretas que lhes permitam tomar livremente
as decisões que afetam as suas vidas. A Europa Ocidental é a região mais bem avaliada, com 29%
de representação feminina. E a América do Sul, tem menos de 20%.
Esses resultados não são capazes de melhorar a autonomia das mulheres, pois tem razões
culturais históricas muito arraigadas na cultura ocidental. A História mostra que a mulher tornou-se
propriedade do homem, provavelmente devido à força física. Na maioria das sociedades, a mulher
não era reconhecida como cidadã. O imaginário cristão criou uma série de discursos e
representações que produziu ideias políticas e sociais que encontraram ecos na sociedade ao longo
da história, devido à impregnação da religião católica. Lima (op.cit, 2010) explica que para Santo
Agostinho (370 a 430 d.C.) “os homens refletem o Espírito de Deus no corpo e na alma. A mulher,
diferentemente, possui reflexos de Deus apenas na alma, pois seu corpo constitui obstáculo ao
exercício da razão”. Essa “visão teológica-machista” persistiu como todos os avanços científicos e
tecnológicos dos séculos seguintes.
Araújo11 (in Priore, 2006) ratifica essa ideia, ao afirmar que o “pensamento misógino é
expresso repetidamente pelos séculos pela Igreja Católica no intuito de controlar a sexualidade
feminina de várias formas e em diversos níveis”. A Igreja exercia uma forte pressão sobre a
sociedade em todos os aspectos e sobre a família, condenando a mulher a pagar eternamente pelo
“erro de Eva”. Desta forma, a sociedade não permitia que as mulheres se envolvessem em questões

9Relatório de Desenvolvimento Humano. ONU. Disponível em: <http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr14_summary_pt.pdf>.


Acesso em: 15 maio 2015.
10ONU. Autonomía de las mujeres e igualdad de género. In: Objetivos de Desarrollo del Milenio: una mirada desde América
Latina y el Caribe. Naciones Unidas – Santiago de Chile, 2005. p. 141. Disponível em: <
http://www.oei.es/genero/documentos/internacionales/ODM_AL.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2015.
11 ARAÚJO, Emanuel. A Arte da Sedução: sexualidade feminina na Colônia. In: PRIORI, Mary Del. História das Mulheres
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006, p. 45 a 77.
públicas, políticas. Lima (2010) reforça essa ideia, ao dizer que para uma sociedade que considera
os homens “os senhores do mundo”, as mulheres são apenas objetos, utensílios para reproduzir e
dar continuidade à linhagem, submissas aos maridos. Às elas, cabe a culpa, o pecado, as dores do
mundo e a morte do ser humano, devido ao pecado original.
Mesmo nas revoluções que precederam as maiores conquistas de direitos do homem livre,
como a Revolução Francesa, quando foi elaborada a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, e onde a mulher teve participação efetiva, não houve ganho real de direitos. Mulheres
como Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft foram condenadas à morte por lutarem e pedirem a
igualdade de direitos entre os sexos (HUNT, 1991).
No século XIX inicia-se a alteração da visão maléfica que se tinha sobre a mulher, quando a
ciência rompe com os saberes teológicos e passa a explicar mais os fenômenos naturais por métodos
racionais. Lima (op.cit, 2010) também lembra que, apesar do discurso científico, há “um misto entre
ciência e religião” que marca os preconceitos geracionais contra as mulheres. O discurso científico
é ainda bastante androcêntrico. Silva, Amazonas e Vieira (2010, p. 152) afirmam que o discurso
científico era utilizado para provar que as mulheres eram intelectualmente inferiores, devendo se
afastar da vida pública e que eram destinadas à maternidade e à vida privada. Bourdieu (2011)
acrescenta que a violência simbólica dos processos arbitrários que transformam o que é cultural em
natural, transformam história em natureza, estigmatizam a mulher e consagram o homem, num
ritual ritualístico de superioridade.
O século XIX também serve de estopim para a educação feminina. As mulheres ganham
timidamente os bancos das escolas e depois, das universidades, mas enfrentaram barreiras. Louro
(2006)12 argumenta que:
as mulheres carecem tanto de mais instrução, porquanto são elas que dão a primeira
educação aos filhos. São elas que fazem os homens bons ou maus; são as origens das
grandes desordens, como dos grandes bens; os homens moldam a sua conduta aos
sentimentos delas (LOURO apud PRIORI, 2006, p. 447).

Deste modo, elas se inserem, aos poucos, com dificuldades e preconceitos, em atividades
profissionais, mas estas representavam um risco para as “funções sociais da mulher”. Louro (2006,
p. 454) ressalta que, ao se feminizar ocupações como a enfermagem e o magistério, estas
adquiriram características femininas: “cuidado, sensibilidade, amor, vigilância etc”. As novas
ocupações vieram carregadas de discursos, reproduzindo a “metáfora materna”, ou seja, “dedicação
- disponibilidade, humildade - submissão, abnegação - sacrifício” (ibidem).
É neste cenário histórico que surgem várias mulheres pedindo mais espaço. Elas queriam
estudar e trabalhar fora de casa, experimentar a rua, ser ativas politicamente. Donas de casa,
esposas, mães, filhas, queriam ser escritoras, jornalistas, advogadas, médicas, entre tantas outras

12 LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na Sala de Aula. In: PRIORI, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2006, p. 443 a 481.
profissões. Queriam ter voz, ter direito ao voto, ter direito a cargos políticos, mas ainda não podiam
expressar-se. Uma mulher que se expressasse de um modo mais agressivo ou afirmativo, era
considerada mal-educada, transloucada ou histérica. Ainda não havia lugar para a mulher. Ela devia
ficar, conforme os críticos da época falavam “na esfera perfumada de sentimentos e singeleza”, ou
bem longe da esfera pública (TELLES apud PRIORI, 2006).
Mesmo com as conquistas, na sociedade hegemonicamente masculina, não tinha poder real,
pois as sociedades, orientadas pelo sistema religioso e político, limitavam e não reconheciam a
autoridade da mulher. “A norma dominante era a reprodução e o direito do marido” (ROSALDO
apud ROSALDO; LAMPHERE, 1979, p. 51). A mulher foi desqualificada desde o início desse
pleito por mais espaços no mercado de trabalho e nas esferas sociais e políticas. Sua sexualidade foi
contestada e taxaram-na de pervertida, depravada. Acusaram-na de ser “metida a homem” e
estabeleceram vínculos com a promiscuidade e a homossexualidade. Seu escasso poder continua
sendo ilegítimo e errôneo. Independente do espaço adquirido nas esferas públicas, como as escolas,
universidades, empresas, indústrias, hospitais, vários estudiosos, a desqualificação da deficiência da
mulher como governante e legitimavam a ordem social dominada pelos homens. Eles ressaltavam a
desigualdade sexual como responsável pela falta de reconhecimento nos processos sociais (Ibidem).
Telles (apud PRIORI, 2006) evidencia que o século XIX viu muitas mulheres envolvidas em
ações políticas, revoltas, guerras. Em 1893, a Nova Zelândia dá o direito ao voto à mulher. As
inglesas (“suffragettes”), em 1897, iniciam um movimento pelo direito ao voto. O qual só
adquiriram em 1918. O movimento sufragista feminino ganha o mundo. A Austrália e a Finlândia
permitem que a mulher vote, respectivamente, em 1902 e 1907. O movimento chegou poucos anos
mais tarde às Américas. E em 1906, as estadunidenses ganham o direito ao voto. O mesmo só vai
acontecer no Brasil em 1933 e na Argentina, em 1947. KARAWEJCZYK (2010, p. 7) acrescenta
que
foi uma luta demorada. Somente na década de vinte é que a luta pelo direito ao voto
feminino toma uma direção mais definitiva e definida. Hobsbawm lembra que uma parcela
muito pequena de mulheres se envolveu no movimento reivindicatório por uma maior
participação no mundo político.

Estes resultados tem razões histórico-culturais muito arraigadas na cultura ocidental. A


História mostra que a mulher tornou-se uma espécie de propriedade do homem, provavelmente
devido à força física do homem em relação à da mulher. Na maioria das sociedades, não era
reconhecida como cidadã. Demorou para que conseguisse romper esta dicotomia de espaços
público-privado. Isto trouxe várias e graves consequências para sua evolução de seu status jurídico.
Para a ONU (2010, p. 36), “esta alocação dicotômica dos espaços tem tido graves consequências
para as mulheres, já que serviu e tem estado na base do status jurídico diferente que lhes designaram
em relação aos homens na sociedade: estes foram reconhecidos como cidadãos com plenos direitos
para participar das decisões do Estado e na vida pública, enquanto as mulheres foram circunscritas à
esfera privada e, principalmente, ao âmbito doméstico”.

Da imposição por meio da força física e das atitudes bélicas, nasceram os sistemas de
valores, de propriedade e de trocas. Criou-se o sistema de dominação e de escravidão. As mulheres
ficam retidas ao ambiente privado do lar, da família, da casa. Esta atitude reflete a propriedade, a
obediência ao marido e o poder hegemônico e patriarcal exerce-se rigorosamente sobre a esposa e
seus bens.

Após séculos de submissão, as mulheres começam a despertar. Lutam por direitos e espaços
em um mundo masculino. Acumulam funções, sobrecargas de trabalho e continuam a ser mães,
esposas e donas-de-casa. Ao ocupar lugares antes do homem, há uma reação violenta dos setores
tradicionais da sociedade, pois as mulheres ameaçam o status quo masculino. Mesmo
sobrecarregadas pela dupla jornada (trabalho renumerado mais trabalho doméstico), ainda
conseguiram abrir brechas na estrutura do poder. Dijk explica que devido à resistência de grupos
dominados,

sob condições econômicas, históricas ou culturais específicas, tais grupos podem envolver-
se com várias formas de resistência, ou seja, com o exercício de um contrapoder, o que, a
seu turno, pode tornar o poderoso menos poderoso, ou até mesmo vulnerável, situação
típica das revoluções. Portanto, o exercício do poder não se limita simplesmente a uma
forma de ação, mas consiste em uma forma de interação social. (DIJK, 2010, p. 43)
Assim, entende-se poder como uma força que penetra, produtiva, indutora, provocadora.
“Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do
que uma instância negativa que tem por função reprimir” (FOUCAULT, 1979, p. 8). Isso justifica o
porque das mulheres ainda não conseguirem seu espaço como ser social e político. As barreiras ao
voto e à candidatura feminina foram removidas nas democracias contemporâneas, os avanços
conseguidos nas últimas décadas, não deram às mulheres o empoderamento que se esperava e “a
composição dos quadros políticos se alterou pouquíssimo, e a presença feminina na política formal
ainda permanece desigual” (COSTA; BELTRÃO, 2008, p. 5).

No entanto, as mulheres brasileiras conseguiram ser a maioria do eleitorado (ALVES, 2009,


p. 7), mas ainda são minoria na Câmara dos Deputados e no Senado, com apenas 9% das cadeiras.
Já a Argentina, é uma exceção, em 2009, estava entre os 12 países com maior porcentagem de
mulheres na Câmara dos Deputados e entre os seis Senados. Estas porcentagens demonstram como
os países, ao se desenvolverem, trabalham suas desigualdades. E, essas desigualdades refletem no
IDH de cada país, que é formado por componentes de mesmo peso: renda, longevidade e educação.
13

13 BRASIL. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é adotado desde 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), com o objetivo de mensurar a qualidade de vida em regiões ou países a partir de critérios mais
abrangentes que o tradicional PIB per capita. O cálculo do IDH é obtido pela média aritmética simples dos três componentes, que,
previamente normalizados, passam a ser compreendidos no intervalo de zero a um. Quanto mais próximo o índice se situar do limite
superior, maior o desenvolvimento humano na região. (BRASIL, 2009, p. 91)
O que surpreende nas últimas décadas, são as transformações ocorridas na América do Sul
quando se fala em eleições para o mais alto cargo executivo, a Presidência da República. Primeiro,
foi o Chile que conseguiu eleger, em 2006, Michelle Bachelet. Em 2007, a Argentina elege Cristina
Kirchner. Com mais tradição nas causas de gênero e luta política feminina, o poder legislativo
argentino criou a Lei 24.01214, de 29/11/1991. Esta lei trouxe benefícios e avanços quanto à
equidade de gêneros para a Argentina, gerando impacto simbólico e proporcionando a percepção da
atividade pública como tarefa de homens e mulheres, além de saltar de 4,3% (1983) para 35,8%, em
2005, de mulheres membros da Câmara Baixa. E, em 2010, Dilma Rousseff é eleita presidente do
Brasil, um dos países da América Latina com menor representação de mulheres parlamentares. O
Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2010 15 alerta que, apesar da Constituição Brasileira de
1988 ter como regra essencial que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, o país
está desequilibrado. A participação feminina é quase 20% a menos que a masculina no mercado de
trabalho e a disparidade salarial é de 30% para que exerçam as mesmas funções, com o mesmo
nível de instrução e idade.

Procedimentos para Análise


Com o intuito de compreender como os jornais Clarín e Folha de São Paulo trabalharam o
conceito de visibilidade durante a primeira campanha de Cristina Kirchner, na Argentina, em 2007;
e de Dilma Rousseff, no Brasil, em 2010, optou-se, num primeiro momento, por uma abordagem
mais instrumental, quantitativa, por meio da análise de conteúdo das primeiras capas . Este tipo de 16

abordagem da cobertura jornalística permite quantificar os dados, definir categorias, quantificar


quantas vezes o candidato aparece no periódico.
O recorte analítico foi as primeiras capas dos jornais brasileiro e argentino, por entender
que este é o primeiro contato com o leitor, onde são estampados os principais assuntos do dia, do
país e do mundo. As capas dos jornais são o chamariz de leitura e, portanto, para a venda dos
exemplares.
Para analisar o Clarín, foram coletadas e analisadas as capas (primeiras páginas) do jornal
argentino, do período de 1° de julho a 29 de outubro de 2007. Este período corresponde ao
lançamento da pré-campanha eleitoral à Presidência da República até o dia seguinte às eleições,
quando saiu o resultado das urnas.

14ARGENTINA. Ley de Cupo. 24.012/1991. Disponível em: <


http://www.cepal.org/oig/doc/LeyesCuotas/ARG/1991_Ley24012_ARG.pdf>. Acesso em: 13 out. 2015.
15BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Disponível em:
<http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros/secretaria-de-politicas-para-as-mulheres>. Acesso em: 20 out. 2011.
16 Primeira capa: capa que leva o título da revista ou livro. Primeira página – matéria publicada na primeira página de um jornal.
Matéria em destaque cuja menção figura na primeira página de uma revista ou jornal. (ROSSI F., Sérgio. Graphos: glossário de
termos técnicos em comunicação gráfica. São Paulo: Cone Sul, 2001.)
Na Folha de São Paulo, foram coletadas e analisadas as capas, do período de 1° de
fevereiro a 1° de novembro de 2010. Este período corresponde ao lançamento da pré-campanha
eleitoral à Presidência da República, campanha e o dia seguinte às eleições, quando saiu o resultado
das urnas.

Resultados e considerações analíticas


Em 121 dias de campanha, o nome de Cristina Kirchner aparece em 66 dias, independente
de como é identificada, seja como pré-candidata, candidata, senadora, primeira-dama ou somente
seu nome aparece em algum momento nas matérias analisadas.
Foram coletados e analisados 274 dias, onde Dilma apareceu como pré-candidata,
candidata, ministra, ex-ministra, petista ou somente seu nome é mencionado.
Em vista destes resultados, ainda superficiais, uma vez que estes dados fazem parte da
pesquisa de doutoramento em andamento da autora, é possível dizer que, em comparação entre os
períodos analisados nos dois jornais, que apesar da Argentina ter mais representação feminina nos
seus espaços públicos políticos do que o Brasil, já ter tido duas outras mulheres à frente da
Presidência, a questão da visibilidade é pouco expressiva no país portenho. Por várias vezes, o
jornal Clarin não noticiava a disputa presidencial, estampando nas suas capas, não a preocupação
com a sucessão política, mas com o futebol.
Cristina Kirchner, neste panorama, se torna uma personagem oculta pelas estratégias do
jornal, que se mostra adversário político muito forte, restringindo o tempo e o espaço da candidata
em seu território, impossibilitando a construção de visibilidade e credibilidade como uma possível
opção ao eleitor-leitor.
O Clarin é um printer contemporâneo, pois tomou partido, escondeu, ocultou e não
publicou, mesmo em um momento de aquecimento potencial de vendas de exemplares, notícias
sobre a candidata.
Já a Folha de São Paulo abre seu principal espaço à disputa presidencial do Brasil,
entendendo que além de aumentar a visibilidade dos candidatos, também favorece que a marca do
jornal circule e se torne um dos principais veículos e, portanto, força midiática, a mostrar ao leitor-
eleitor o que está acontecendo durante um período bastante conturbado do país, que são as eleições.
Assim, a Folha tenta abocanhar a fatia que lhe cabe e fazer o seu papel jornalístico, mas é
claro o descontentamento editorial com a escolha da candidata da situação, Dilma Rousseff. Sempre
que possível, utiliza estratagemas para deixá-la ainda mais à sombra do então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, como posição dos mesmos em fotografias; posicionamento linguístico, mostrando o
outro candidato em primeiro e o nome dela em segundo.
A Folha de São Paulo, não utilizou manobras de ocultamento, mas partiu para outros
expedientes, tomando declaradamente posição a favor de um outro partido e/ou candidato. É a
opacidade que aparece. Deixar opaco, sem luz, sem brilho, sem vida.
Apesar da tentativa de ambos os jornais de sabotarem, tomando nitidamente uma posição
política em seus países, contrárias às candidatas Cristina Kirchner e Dilma Rousseff, ambas
conseguiram, por outros meios, inclusive por suas trajetórias políticas, apoios e sustentações, ter a
credibilidade e a visibilidade para se elegerem como as primeiras mulheres eleitas por voto direto
em seus países, mostrando à América do Sul e ao mundo, sua força e seus discursos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Participação política e deliberação on-line na sociedade na informação1

Daniele Ferreira Seridório2

Resumo: O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e a configuração


em rede da internet promoveram profundas mudanças na sociedade, desde a reorganização do
capital para bens imateriais de informação e conhecimento, até a maneira como os indivíduos
se comunicam e produzem mídia. A sociedade apropriou-se dessas tecnologias e formou-se
uma rede que utiliza esse aparato tecnológico para interagir, se comunicar e participar social
e politicamente. Esses espaços digitais permitem a conversação, a discussão política e dão
visibilidade a temas que dificilmente eram debatidos pelos meios de comunicação em massa.
Na internet, as possibilidades de desenvolvimento de plataformas interativas permitem que
esse processo de comunicação reverbere na esfera política, tanto pela interação com membros
do governo, como pela maior amplitude que os temas vão atingir. A internet midiatiza a
participação pública e a cidadania, mas o faz pela lógica de redes, colocando o cidadão como
polo emissor e receptor.

Palavras-chave: participação política; deliberação on-line; internet; Sociedade da


Informação.

Os meios de comunicação atuam como mediadores entre esfera pública e esfera política,
divulgando informações governamentais, sendo vigilantes do trabalho do governo e dando
visibilidade aos problemas e requerimentos dos cidadãos. Contudo, em um contexto em que
prevalece o jornalismo comercial, e no qual a propriedade dos meios massivos é concentrada
em poucos indivíduos, a situação descrita acima não se concretiza.
Esse é o cenário do setor de comunicação no Brasil – e em outros países da América
Latina -, que carece de leis que regulamentem economicamente os meios de comunicação, e
ainda convive com o coronelismo eletrônico, onde políticos são proprietários ou tem alguma
relação direta com empresas de radiodifusão.

O problema é que a mídia comercial não mais consegue preencher todos os


requisitos desse guardião imaginário da democracia e da sociedade, pois
evoluiu em direção às características de qualquer segmento do mercado
econômico, com interesses e características próprios. Economicamente
vigoroso e altamente competitivo, o mercado da informação permanece

1
O trabalho é parte da discussão teórica da pesquisa de mestrado “Deliberação on-line e participação política na
sociedade da informação: o potencial do website Vota na Web” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo, a Fapesp.
2
Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Unesp. Aluna do programa de Mestrado em Comunicação
na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp. seridorio@gmail.com.
errático em termos de pluralidade de fontes e de espaço para vozes
dissonantes (BEZERRA, 2008, p. 416).

Os então chamados meios tradicionais – meios impressos, rádio e televisão –


estariam, então, a serviço de seus proprietários e patrocinadores. O surgimento da internet,
contudo, trouxe novas esperanças aos pesquisadores, que viam em sua estrutura
descentralizada uma maneira de reconectar atores políticos e sociais, dando voz aos
silenciados pelos meios de massa.
uma arquitetura de rede que, como queriam seus inventores, não pode ser
controlada a partir de nenhum centro e é composta por milhares de redes e
computadores autônomos com inúmeras maneiras de conexão, contornando
barreiras eletrônicas (CASTELLS, 2008, p. 44).

Com as ferramentas interativas da internet os receptores passaram a interagir e a


produzir material midiático, além disso, dispositivos como tablets e celulares possibilitaram a
internet móvel, estendendo a territorialidade da conectividade.
As novas tecnologias parecem caminhar para uma forma de onipresença,
misturando-se de maneira mais radical e quase imperceptível ao nosso
ambiente cultural [...]. Este movimento vai, como veremos, aprimorar a
tecnologia contemporânea do prazer estético e do compartilhamento social
(LEMOS, 2008, p. 17).

No âmbito conceitual da comunicação, a internet foi inicialmente vista pelos teóricos


mais otimistas como um divisor de águas na relação cidadão e governante. “A emergência
das novas TICs levou especialistas a retomarem o debate sobre novas perspectivas para a
democracia” (BEZERRA, 2008, p. 2).
Como colocado por Gentilli (2002, p. 36), a democracia pode se democratizar, ou
seja, tornar-se cada vez mais democrática. Nesse sentido, questionamos se a internet como
meio de comunicação que poderia aproximar cidadãos e governantes e governantes – ou de
organização de indivíduos e movimentos sociais – é necessária e qual são suas
potencialidades nesse processo.
Neste artigo vamos abordar a participação política na internet e procurar entender
como a participação política poderia se configurar no ambiente on-line. Na nossa discussão
colocaremos, primeiramente, questões sobre a internet e a Sociedade da Informação, depois,
vamos problematizar de participação política e de deliberação on-line. O nosso objetivo é
problematizar teoricamente esses conceitos para propor uma análise empírica do website
Vote na Web.
1. A internet e a Sociedade da Informação

A informação sempre foi insumo fundamental para o relacionamento interpessoal,


porém, foi na Revolução Industrial e nos processos de urbanização que a informação adquiriu
caráter de necessidade. Com o desenvolvimento da imprensa e mais tarde, das tecnologias
digitais, ela passou, então, a agregar valor material e a protagonizar a revolução
informacional.
A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de
energia foram para as revoluções sucessivas, do motor a vapor à
eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear, visto
que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da
sociedade industrial (CASTELLS, 2008, p. 68).

Nos início dos anos 60, militares norte-americanos começaram estudos para o
desenvolvimento do que hoje conhecemos como a internet (CASTELLS, 2008), uma rede de
redes sem um centro de controle, o que dificultaria a destruição desse meio de comunicação.
Parar chegarmos ao padrão WWW que utilizamos atualmente, diversos estudos foram
necessários, mas restritos ao eixo Estados Unidos-Europa. Portanto, o contexto da Guerra
Fria influenciou fortemente o desenvolvimento da internet, a revolução da tecnologia da
informação dependeu fortemente de um conjunto de circunstâncias atrelados ao triunfo norte-
americano (CASTELS, 2008).
O que vivemos atualmente, alguns teóricos chamam de Sociedade de Informação.
Para Akutsu e Pinho (2002) dois fatores centrais guiam o desenvolvimento desse estágio: a
comunicação e a computação. Vivemos a superação da era industrial, em que os produtos
industrializados guiavam a ordem econômica global, agora a informação é a força motriz do
desenvolvimento.
A sociedade da informação não é um modismo. Representa uma profunda
mudança na organização da sociedade e da economia, havendo quem a
considere um novo paradigma técnico-econômico. É um fenômeno global,
com elevado potencial transformador das atividades sociais e econômicas,
uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas atividades inevitavelmente
serão, em alguma medida, afetadas pela infraestrutura de informações
disponível. É também acentuada sua dimensão político-econômica,
decorrente da contribuição da infraestrutura de informações para que as
regiões sejam mais ou menos atraentes em relação aos negócios e
empreendimentos. Sua importância assemelha-se à de uma boa estrada de
rodagem para o sucesso econômico das localidades. Tem ainda marcante
dimensão social, em virtude do seu elevado potencial de promover a
integração, ao reduzir as distâncias entre pessoas e aumentar o seu nível de
informação (TAKAHASHI, 2000, p. 5).
O modo de produção é a criação e processamento de informação, porém, isso
significa que a indústria e a agricultura não existam na mesma sociedade (STRAUBHAAR e
LA ROSE, 2004). A informação e a comunicação são agora setores-chaves do
desenvolvimento, estando intrinsecamente ligadas às outras formas de produção.
A economia da informação tem dois aspectos. O primeiro é a própria
importância do crescimento do setor da informação como fonte de empregos
e gerador de crescimento econômico. O segundo é a importância da infra-
estrutura da informação para o resto da economia como foco de empregos
em outras indústrias e contribuidora de produtividade nas áreas bancária,
manufatureira etc (STRAUBHAAR e LAROSE, 2004, p 44).

Os aparatos tecnológicos estão colocados em um contexto político, social e


econômico mais importantes que a tecnologia em si. Assim como Straubhaar e LaRose
(2004, p.25) colocam, imaginamos como tecnologia as ferramentas, mas na verdade, são os
complexos arranjos que elas criam - ou que a sociedade cria para esses aparatos - que são as
tecnologias.
Então, percebemos que apesar das tecnologias, o desenvolvimento econômico e as
relações sociais e políticas são fundamentais para determinar os usos – técnicos e sociais –
das ferramentas.
Os meios de comunicação atravessaram vários estágios de desenvolvimento.
A evolução desses meios vem dependendo em grande parte do
desenvolvimento das economias e sociedades à sua volta. Não poderíamos
ter meios de massa disponíveis, por exemplo, antes que a Revolução
Industrial tivesse tornado possível a produção e disseminação em massa de
livros, jornais, rádio e televisão (STRAUBHAAR e LAROSE, 2004, p 26).

Então, podemos discutir como os meios de comunicação são utilizados nesse


contexto. Para Akutsu e Pinho (2002, p. 724) o crescente uso da internet cria “uma
oportunidade ímpar para que o governo crie novos serviços, com melhor qualidade e menor
custo, e para que a sociedade possa participar de uma forma mais efetiva na gestão
governamental”.
Mas, esses mesmo autores também recordam que a informação não é somente um
conceito, mas também carregada de ideologia. Enquanto que, para Straubhaar e LaRose
(2004, p.50) a informação pode estar sendo tratada somente como commodity de valor
comercial, sem considerar o seu caráter de recurso público.
Cabe discutir se os fluxos de informação estão realmente descentralizados, ou se,
assim como na mídia chamada tradicional, algumas empresas ainda controlam a visibilidade
do espaço midiático.
Google and Yahoo! agree on the top search result 90 percent of the time.
The top10 websites receive 25 percent of all traffic. Traffic to political
websites is relatively sparse, about one-tenth of one percent of all web
traffic, a drop in the bucket compared to the 10 percent of all traffic that
goes to porn sites. Moreover, the demographic for political sites is skewed
toward older people. The internet has hardly proven to be the solution to
political estrangement among young people. Additionally, traffic to political
sites is also highly concentrated, with the top 50 of 773,000 political sites
tracked receiving 41 percent of all political site visits, most of it
concentrated among the top eight (MOSCO, 2009, p. 1397).

Apesar das divergências entre autores entusiastas dos meios tecnológicos e dos
apocalípticos, “há razoável concordância com a possibilidade de participação do cidadão na
vida pública, utilizando-se a Internet para o aperfeiçoamento da democracia” (AKUTSU e
PINHO, 2002, p.729). É importante reconhecer que estamos diante de meios de
comunicação que possibilitam a interação e a produção mútua de conteúdo. No contexto
político, é preciso destacar iniciativas legislativas de consulta pública para construção
participativa, como foi o caso, no Brasil, do Marco Civil da Internet.

O cidadão pode acessar essas informações utilizando a Internet. A Internet,


ao permitir o acesso a informações disponibilizadas pelos órgãos públicos a
partir de qualquer lugar do mundo, 24 horas por dia, pode ser um dos
instrumentos mais eficazes para a construção de uma democracia mais
efetiva (AKUTSU e PINHO, 2002, p. 729).

Então, tanto os governos como cidadãos podem buscar a mídia proporcionada pela
internet para divulgar informações e reivindicar posicionamentos e ações. Além da
problemática já discutida, três principais eixos influenciam na eficiência desse processo: a
inclusão digital; a disposição dos agentes políticos; e disposição dos cidadãos.
O problema da inclusão digital no Brasil não foi superado. Embora dados recentes do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenham mostrado que, em 2013, 49,4%
dos brasileiros3 acessaram a internet, o questionário4 de coleta revela que para responder sim
o cidadão poderia ter acessado a internet uma única vez nos últimos três ou doze meses, e
esse acesso poderia ter ocorrido em casa, local de trabalho, escola ou qualquer outro local.

3
Considerando população com 10 ou mais anos de idade.
4
Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Acesso_a_internet_e_posse_celular/2013/questionario2013.pdf
Portanto, é preciso questionar se um acesso único é inclusão digital, principalmente em um
recorte temporal muito grande para a internet.
A mesma pesquisa – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (Pnad) -
apontou que 48% dos lares brasileiros tem acesso à internet, 88,4% através do
microcomputador, 53,6% também pelo celular e 17,2% por tablets. Porém, não se discute
qual é o uso que as pessoas fazem da internet, se são adeptas à discussão política, se buscam
por informações da sua cidade ou se só usam esses meios como forma de entretenimento.
Tendo problematizado a Sociedade da Informação e a internet, partimos na próxima
seção para a conceituação de participação política e para uma perspectiva de como esse
processo se dá no ambiente digital.

2. Participação Política e Deliberação

Bourdieu (2011, p. 202-3) coloca como particularidade do campo político o fato de


que ele nunca pode se autonomizar completamente, pois os leigos – que não fazem parte
daquele campo – têm de alguma forma a última palavra nas lutas que ocorrem naquele
campo. Numa democracia, essa última palavra pode ser relacionada às eleições, por
exemplos.
Então, o campo político está - de certo modo - aberto a ações externas que podem
refletir nas lutas de poder que ocorrem internamente. Bourdieu reconhece, inclusive, que é
preciso criar novos mecanismos de manifestação evitando, assim, que o campo se feche em si
e não reproduza os interesses daqueles que o perpetuam.

Quando se quer dizer algo no campo político, pode-se fazer greves ou


manifestações. Mas é preciso força política para produzir manifestações
políticas visíveis. Se eu disser “Amanhã, todos à Bastilha!” (suponho que eu
tenha suficiente força política para que isso seja anunciado nos jornais),
aparecerão quinhentas pessoas; se for dito pelo secretário geral da CGT,
aparecerão mil pessoas (BOURDIEU, 2011, p. 209).

Bourbieu (2011, p. 196) coloca como condição para participar do campo político o
tempo livre e a educação – sendo que participar, aqui, adquire o sentido de entrar nesse
microcosmo. Em sua análise da cultura da participação, Shirky (2011) também coloca o
tempo livre como insumo fundamental da participação – aqui analisada principalmente
através das mídias.
A conexão da humanidade nos permite tratar o tempo livre como um
recurso global compartilhado e também definir novos tipos de participação e
compartilhamento que se valem desse recurso. Nosso excedente cognitivo é
apenas potencial; ele nada significa nem faz coisa alguma sozinho. Para
compreender o que podemos fazer com esse novo recurso, precisamos
entender não apenas que tipo de ação ele viabiliza, mas também os comos e
ondes dessas ações (SHIRKY, 2011, p. 30).

Para Shirky (2011), a cultura a participação nasce quando os cidadãos, cientes de seu
tempo livre, também possuem os meios, a motivações e a oportunidade para participar. Os
meios podem ser as mídias, e no caso que queremos discutir aqui, a internet.
Participação tem um sentido amplo, ela pode ser cultural, social ou política. Shirky
(2011, p. 25) afirma que participar é “é agir como se sua presença importasse, como se,
quando você vê ou ouve algo, sua resposta fizesse parte do evento”. Porém, vamos nos
restringir, aqui, a discutir a participação política.
Mantilla (1999) vê a comunicação política como uma ação multidimensional, que
além do caráter ideológico e político também possui fatores econômicos e sociais. A autora
destaca alguns desses aspectos, como a educação, sexo, idades, a comunidade em que o
individuo vive e a cultura sociopolítica.

la participación política se define como el conjunto de actividades,


interacciones, comportamientos, acciones y actitudes que se dan al interior
de una sociedad en forma individual o colectiva por parte de individuos,
grupos, partidos e instituciones, las cuales van dirigidas a explicar,
demandar, influir o tomar parte en el proceso de decisiones políticas
(MANTILLA, 1999, p. 1).

Carpentier (2013) enfatiza que um olhar criterioso é essencial para definir o que é
participação política, já que o pesquisador defende que algumas discussões e ações acabam
sendo menos participativas que outras. “We need to admit that some practices are labeled
‘participatory’, while they simply are not, or where the level of participation is only minimal.
That’s where we need to be critical (CARPENTIER, 2013, p. 267).
Carpentier parte da corrente da ciência política em que uma ação só pode ser
considerada como participação política quando há disputa de poder. Para o autor, a
participação política “completa”5 é quando o jogo de poder ocorre em igualdade. Carpentier
enxerga, contudo, um limite de práxis em sua visão normativa.

5
Tradução da autora para “full political participation”
I don’t think this level of equality can ever be reached on a permanent basis;
if it is reached, it will only be a temporary and unstable moment of radical
equality. But the concept of full participation is important as an intellectual
reference point that allows for a critical evaluation – and comparison – of
different participatory social practices. At the same time, the notion of full
participation, even if it is a never-to-be-reached ideal, functions as an
important democratic utopia (CARPENTIER, 2013, p. 267).

Joaquim Paulo Serra (2012) coloca a participação política como o conjunto das ações
dos cidadãos que tem como objetivo influenciar as decisões políticas. O autor enfatiza
também que, na nossa sociedade midiatizada, é impossível pensar a participação política
dissociada de algum meio de comunicação.

Mais concretamente, podemos considerar essa relação entre participação


política e media quanto à sua forma e quanto ao seu conteúdo. Quanto à
primeira, parecem existir três modalidades fundamentais: i) Participação
política nos media – os media como a arena em que se desenvolve (e em que
se assiste a) a luta política, a luta entre os argumentos e contra-argumentos
dos vários actores políticos (modalidade dialéctica); ii) Participação política
através dos media – os media usados como meios para atingir uma
determinada audiência, que se pretende influenciar num ou noutro sentido
(modalidade retórica); iii) Participação política para os media – os media
como o ecrã que torna visível (isto é, “real”) o espectáculo da política
(modalidade cénica) (SERRA, 2012, p. 129).

Pra utilizar a internet como meio de participação o cidadão deve ter acesso à rede,
tempo livre e a aptidão para se expressar. Além disso, deve ter um objetivo claro, já que,
como Habermas (2012) identifica no agir comunicativo, os indivíduos se comunicam para
chegar ao entendimento. Logo, pensando no que Carpentier (2013) coloca quanto à
igualdade de poderes, e na proposta de agir comunicativo de Habermas, chegamos a um
modelo de deliberação.

Na teoria política contemporânea, o conceito de participação política civil é


frequentemente aliado a concepções e aos ideais da democracia deliberativa.
Apesar de nem toda participação civil ser deliberativa, os conceitos
caminham juntos em diversos trabalhos [...] diversos autores admitem que
participação e deliberação não são idênticas, sendo que uma maior
participação pode levar a um enfraquecimento da deliberação, enquanto uma
melhor deliberação pode exigir uma menor participação. Por outro lado,
tanto participacionistas quanto deliberacionistas defendem, entre outros
elementos, que as democracias liberais representativas não são accuntable
ou responsivas o suficiente e que as eleições, como forma única de controle
dos cidadãos sobre seus representantes, não são suficientes para legitimar as
decisões políticas (SAMPAIO, 2011, p. 197).
Maia (2008) coloca os meios como um “lócus” para a deliberação e para a troca
pública de argumentos. Então, a deliberação poderia ocorrer – dentro de alguns parâmetros
que ainda serão discutidos – nos meios e pelos meios de comunicação. Quando colocamos
“nos meios e pelos meios” fazemos referências ao que Sampaio, Maia e Marques (2011, p.
214-15) chamaram de deliberações ampliadas, que “é composto pela conversação entre
representantes formais e informais em fóruns públicos, pela conversação entre ativistas
políticos, pela conversação cotidiana em espaços privados sobre assuntos públicos e até pela
conversação nos media”.
O que diferencia a deliberação da participação política é que na participação os atores
estão em um processo decisório, no qual pode haver disputa pelo poder, o que nem sempre se
dá de maneira igualitária. Na deliberação, o processo decisório deve seguir alguns critérios,
como a força do melhor argumento e o respeito mútuo.
Não há um consenso entre os atores deliberacionistas a respeito das características
fundamentais da deliberação e o que deve ser considerado dentro de cada uma delas. Mas,
assim como Sampaio, Maia e Marques (2011, p. 217), defendemos que a “comunicação
política mediada não precisa se encaixar no padrão de uma deliberação completa”.
Podemos partir de um ideal normativo para buscarmos categorias de análise, porém, a
práxis é mais complexa e as realidades sociais e culturais diversas. Assim como fez Steiner
(2012) em seu livro “The Foundations of Deliberative Deocracy”, onde analisa teoricamente
aspectos da deliberação e experimentos práticos feitos em diversos países. Inclusive, uma
experiência na Colômbia, liderada por Maria Clara Jaramillo. “If the empirical world does
not correspond to the normative ideals, one way that the empirical world has to be changed.
One may also argue, however, that the normative ideals need to be adjusted to the world as it
is” (STEINER, 2012, p. 2-3).
Os critérios de análise empírica que Steiner (2012) coloca são:

participation in the debate; level of justification of arguments; content of


justification of arguments; respect shown toward other groups; respect
shown toward demands of others participant; respect shown toward counter-
arguments of other participants; changes of positions during debate
(STEINER, 2012, p. 12).

Neste trabalho estamos discutindo as potencialidades participativas da internet, o que


justifica o seu caráter teórico, já que o potencial não é algo medido empiricamente em
Ciências Sociais Aplicadas. Parece-nos, contudo, que se partirmos de categorias normativas e
observarmos uma experiência on-line, podemos encontrar em qual medida o debate na web
chega mais próximo do que conhecemos como deliberação – se é no respeito mútuo ou na
inclusão de atores, por exemplo.

Considerações Finais

O que percebemos é que não basta que as ferramentas existam, para que a
participação política e a deliberação ocorram no ambiente on-line. A cultura política e a
configuração do mercado midiático influenciam como os atores se colocam e agem como
cidadãos.
A Sociedade da Informação reproduz, em parte, a concentração midiática dos meios
tradicionais, e a informação que adquire maior fluxo e credibilidade na rede ainda advém de
portais e sites mantidos por oligopólios. Ademais, por mais que exista a possibilidade maior
de produção de conteúdo de interação por parte do usuário, ele ainda pertence às classes mais
altas da população.
As condições de acesso e a inclusão digital na questão da literacia – ou seja, se os
usuários usam criticamente a internet – limitam, ainda, as potencialidades que existem na
internet. Mesmo que esses processos continuem no âmbito do potencial – não ocorrendo de
fato – é preciso discuti-los pra vislumbrarmos um futuro mais democrático e inclusivo.
Contudo, nesse momento de transição, devemos analisar empiricamente experiências
a partir das teorias existentes, para podemos perceber em que aspectos a internet pode
possibilitar a participação política e deliberação. Assim, a partir dos dados novas teorias
podem emergir e também novas plataformas de interação mais apropriadas a essa
configuração.

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Los dueños de la TV: elites políticas y televisión pública en Colombia 1

Diego García Ramírez2

Resumen: Los canales públicos regionales se han constituido en una destacada oferta
televisiva en el país, pues son el único medio de comunicación que tienen las regiones
para contar y representar sus realidades y culturas sin el filtro centralista de la televisión
nacional; no obstante, en ocasiones la credibilidad de estos canales queda en entredicho,
pues la intervención de los políticos en su administración desorienta su función de
servicio público. Por tal motivo, el propósito en este capítulo es analizar, a través de un
estudio de caso, la vida pública de quienes han ocupado la gerencia del canal público
regional Telepacífico, para identificar las relaciones y dependencias que han tenido con
los políticos del departamento del Valle, y destacar cómo su llegada al cargo se asocia
más a la cercanía con la élite política que a su experiencia en el campo de los medios de
comunicación.

Palabras Clave: Televisión Pública, Colombia, Canales Regionales, Historia de la


Televisión, Prosopografía.

Introducción
Durante años en el manejo de la televisión pública nacional los criterios políticos se
impusieron sobre los técnicos, por eso funcionó más como televisión Estatal que como
TV pública, pues la asignación de programación y cargos en el Instituto de Radio y
Televisión -INRAVISIÓN- responsable del funcionamiento de la TV colombiana por
más de 50 años (1963-2004), se usaron para pagar favores políticos y no de acuerdo a
necesidades técnicas del medio de comunicación.

Por eso era habitual que a la dirección de INRAVISIÓN llegaran personas ajenas a la
televisión pero cercanas a los partidos políticos tradicionales, de ahí que se hizo común
que antes o después de pasar por la dirección, sus directivos aspiraran a cargos de
elección popular o fueran nombrados en cargos políticos sin relación con el medio.
1 Las reflexiones presentadas se desprenden del proyecto “Historia de la televisión en Colombia: procesos de
regionalización y resignificación del paisaje televisivo nacional”, desarrollado por el autor como tesis doctoral en la
Universidad Federal de Rio de Janeiro.

2 Colombiano. Antropólogo (Universidad de Antioquia). Magíster en Comunicación (Pontificia Universidad


Javeriana). Estudiante doctorado en Comunicación y Cultura (Universidad Federal de Rio de Janeiro). Docente e
investigador.
Aunque con la entrada en funcionamiento de los canales privados en 1998 y la
liquidación de INRAVISIÓN en 2004 los canales públicos nacionales perdieron
influencia en el panorama político y mediático, la politización y manejo partidista de la
televisión colombiana no desaparecieron, pues tanto en la Comisión Nacional de
Televisión –CNTV- como en la actual Autoridad Nacional de Televisión –ANTV- que
asumieron las funciones de INRAVISIÓN, los interés políticos en la elección de sus
funcionarios sigue presente. Asimismo, los canales regionales, dignos sobrevivientes de
la TV pública, vienen siendo controlados por políticos y poderes regionales. Así ha
quedado evidenciado durante sus 30 años de existencia, pues en diferentes momentos
los políticos han intervenido de forma desmedida en el manejo de la televisión regional,
acomodando a sus intereses el nombramiento de gerentes, la asignación de
programación y censurando periodistas y programas poco afines a sus planes políticos.

Uno de los escenarios en los que se observa con mayor claridad la politización de la TV
regional es en la asignación de quienes administran estos canales, ya que los gerentes,
que son nombrados por las Juntas Administradoras, con frecuencia responden a
intereses de los gobernadores.

Por lo anterior, el propósito del presente capítulo es realizar un estudio de caso para
analizar la relación que los gerentes del canal público regional Telepacífico han tenido
con la política y poderes de la región, analizando por medio del método prosopográfico,
la vida pública de quienes han ocupado la gerencia del canal durante 26 años (1988-
2014). El análisis no tiene la pretensión de juzgar la gestión de los gerentes, ni evaluar
el tipo de programación que se produjo durante su periodo, pero si busca problematizar
y responder interrogantes como: ¿Quién toman las decisiones sobre el canal público?
¿La elección de los gerentes de Telepacifico está mediada por los méritos y experiencia
de los candidatos o por intereses partidistas y personalistas de quienes intervienen en la
elección? ¿Existe una correlación entre llegada de gobernadores y cambios en la
gerencia del canal?

Para responder estas preguntas primero se describirá la estructura y principales


características del sistema televisivo colombiano, posteriormente se explicará el método
prosopográfico y sus usos dentro de la investigación histórica. A continuación se
presentan algunas particularidades del canal regional Telepacífico para seguidamente
mostrar el análisis prosopográfico realizado a sus gerentes. Finalmente se plantea una
discusión y algunas inquietudes sobre el manejo de la televisión pública regional en
Colombia.

Televisión pública colombiana

A diferencia de otros países latinoamericanos como México y Brasil en los que la


televisión llegó por iniciativa del sector privado, en Colombia la televisión entró en
funcionamiento gracias a los esfuerzos del Estado que vio en este medio de
comunicación un instrumento para llevar educación y cultura a las masas. En ese
sentido, desde el 13 de junio de 1954, fecha en la que se realizó la primera emisión, la
televisión colombiana se concibió como una TV pública en la que el Estado era dueño
de la infraestructura y encargado de la programación.

A pesar de esta idea y a menos de un año de puesta en marcha el Estado fue incapaz de
financiar en su totalidad el funcionamiento de la televisión pública, por eso en 1955
comenzó a entregar los espacios en la única cadena existente hasta ese momento a
empresas privadas para que elaboraran la programación y la explotaran comercialmente.
Estos fueron los primeros pasos de lo que se conoció como el sistema mixto, un modelo
de administración único en Latinoamérica, en el que el Estado conservaba la propiedad
sobre el espectro electromagnético e infraestructura, pero en el que la programación era
producida por empresas programadoras privadas.

Bajo este modelo se desarrolló un hibrido entre televisión pública y privada que marcó
de manera particular la forma de hacer televisión en el país (VIZCAÍNO, 1992; REY,
2002; MARÍN, 2006), pues no era del todo televisión pública como existía en Europa,
ni netamente privada como en Estados Unidos y en otros países de Suramérica, como se
dijo en otro momento era una televisión pública comercial (GARCÍA, 2015).

Otra particularidad histórica de la televisión colombiana fue su centralismo geográfico,


pues al concebirse bajo un Estado centralista, durante muchos años la televisión solo fue
producida en Bogotá, la capital del país; en tanto las demás ciudades y regiones
actuaban como meras receptoras de contenidos. Durante 30 años las cámaras de
televisión nunca salieron de Bogotá, no solo por cuestiones técnicas, sino porque el país
debía ser contado desde el centro hacia las regiones, en un deseo por homogeneizar las
audiencias y la cultura nacional.
Esta centralidad tuvo dos consecuencias: la primera fue la cercanía de la televisión con
las elites y el poder capitalino, pues dada la importancia que se le dio al medio de
comunicación para homogeneizar política y culturalmente al país, a la dirección del
Instituto de Radio y Televisión -INRAVISION- creado en 1963 para administrar la
televisión pública y controlar la asignación de la programación, siempre llegaron
personas vinculadas a los partidos políticos Liberal y Conservador; por eso, rápidamente
los políticos se apropiaron de la televisión pública manejándola en favor de sus
partidarios y allegados. Así entonces gran parte de la programación se otorgaba para
pagar favores políticos, por eso era asignada a empresas programadoras privadas con
importantes vínculos e influencia sobre el poder ejecutivo y legislativo.

La segunda consecuencia del centralismo fue la ausencia de las regiones en las


imágenes y contenidos de la televisión, pues entre 1954 y 1984 el país fue narrado y
contado exclusivamente desde Bogotá, por lo que las realidades y culturas de las demás
zonas del país no aparecieron en las pantallas. Esto ocasionó que en reiteradas ocasiones
las regiones reclamaran ante el Estado el anhelo de producir su propia televisión, deseos
que durante años fueron bloqueados por los gobiernos afincados en Bogotá, que temían
perder el poder sobre las imágenes y representaciones del país (GARCÍA, 2012).

Para hacer posible la televisión en las regiones sería necesario que llegara a la
presidencia de la República un político oriundo de una región; por tanto, cuando en
1982 el antioqueño Belisario Betancur ganó las elecciones presidenciales, se abrió la
posibilidad de los canales regionales.

Bajo el mandato de Betancur en diciembre de 1984 se habilitó la creación de los canales


públicos regionales, para lo cual INRAVISIÓN se podía asociar con entidades públicas
departamentales en la creación de canales educativos y culturales que favorecieran el
desarrollo y autonomía de las regiones. El primer canal de este tipo en salir al aire fue
Teleantioquia en 1985, canal perteneciente a uno de los departamentos con mayor poder
económico y político, y departamento de origen del entonces presidente Belisario
Betancur. Posteriormente entraron en funcionamiento Telecaribe (1986), Telepacífico
(1988), Telecafé (1992), TRO (1996), Canal Capital (1997), TvAndina (1998) y
Teleislas (2004).

En cada uno de estos canales INRAVISIÓN se asoció con los departamentos de las
diferentes regiones, en consecuencia desde sus orígenes los gobernadores
departamentales se han sentido dueños de la televisión pública y han intervenido
durante años en las decisiones que sobre ella se toman, apropiándose de forma
desmedida de unos canales que deberían responder a los intereses y necesidades de los
ciudadanos de esas regiones.

Como sucedió con la televisión pública nacional, los canales regionales no pudieron
financiarse únicamente con dinero de las entidades departamentales, motivo por el cual
después de 1986 estos canales entraron a operar bajo el sistema mixto de la TV
nacional; es decir, la propiedad sobre la infraestructura seguía siendo del Estado, pero la
programación la hacían los privados; por esta razón, el hibrido TV pública-TV privada
se extendió al ámbito regional.

En 2004 el Instituto Nacional de Radio y Televisión fue liquidado por el gobierno


nacional, entre otras razones por su ineficiencia operativa y porque en 1995 había sido
creado un nuevo ente autónomo que entraría a regular y controlar el servicio de
televisión, la Comisión Nacional de Televisión –CNTV-, la cual asumiría funciones que
antes le correspondían a INRAVISIÓN. En ese panorama el Instituto comenzaría a
perder protagonismo político, además porque en 1996 el Congreso de la República
aprobaría la creación de la televisión privada la cual entró en funcionamiento en 1998
cuando la CNTV entregó en concesión la prestación del servicio público de televisión a
CARACOL y RCN, empresas programadoras que trabajaban en los canales públicos
nacionales y pertenecientes a dos importantes grupos económicos con participaciones en
el mercado de la comunicación y otros sectores como las bebidas, el agroindustrial y
financiero.

Paulatinamente la televisión pública nacional desapareció del panorama comunicativo,


su influencia política decayó y se trasladó a la CNTV que era ahora la encargada de
tomar las decisiones sobre la televisión colombiana; por lo tanto, el cargo de director de
INRAVISIÓN dejó de ser influyente y ahora lo importante era participar en la elección
de los representantes de la CNTV, de ahí que la politización en el manejo de la TV no
desapareció, por el contrario, permanece vigente y continua siendo evidente tanto en las
decisiones sobre la televisión nacional como en la regional como se mostrará en los
próximos apartados.

Prosopografía
La prosopografía es un método empleado por historiadores que consiste en analizar la
vida pública de grupos y colectividades con características comunes; así lo definió
Lawrence Stone: “la prosopografía es la investigación de las características comunes de
un grupo de actores en la historia por medio de un estudio colectivo de sus vidas” (2011,
p. 115). La prosopografía se ha utilizado para estudiar grupos dirigentes o con cargos de
poder en diferentes épocas: “Desde el comienzo, el objeto de estudio privilegiado
fueron las élites y sólo más recientemente, gracias al uso generalizado de la informática,
otros actores, más masivos, pudieron ser analizados prosopográficamente” (FERRARI,
2010, p. 531). La prosopografía no es útil para estudiar cualquier tipo de colectividad,
en los estudios adelantados bajo este método sobresalen los dedicados a grupos de
poder:

El objeto más popular para la prosopografía fueron y todavía son las


élites políticas, pero otros grupos que se prestan al método son los
miembros de ciertas categorías de alto status, como funcionarios del
Estado, oficiales del ejército, poderes eclesiásticos, intelectuales,
abogados, médicos y miembros de otros cuerpos profesionales,
empresariales, industriales y comerciales (STONE, 2011, p. 123).

Además del status, es fundamental que sobre el grupo estudiado sea posible hallar
información que permita caracterizarlo y reconstruir su historia, por eso “las
investigaciones biográficas de un número amplio de personas solamente es posible para
grupos razonablemente bien documentados y que la prosopografía está entonces
limitada por la cantidad y cualidad de los datos acumulados sobre el pasado” (STONE,
2011, p. 123).

El punto de partida para un estudio prosopográfico es definir claramente las


características del grupo que permitirán identificarlo y establecer los parámetros para
buscar la información: “la pertenencia a asociaciones, a una institución o el desempeño
de una función suelen ser algunos de los criterios de construcción del colectivo a seguir”
(FERRARI, 2010, p. 541). En este trabajo el grupo se define a partir de la función de
gerente del canal Telepacífico; es decir, aquellas personas que ocuparon esta posición
durante los 26 años de funcionamiento del canal.

El segundo paso para avanzar en una prosopografía consiste en listar las características
visibles del grupo elegido, o sea, la información que tienen en común y que ayudarán a
establecer relaciones. Para los gerentes de Telepacífico, se consideró importante
identificar: periodo en el que ocuparon la gerencia, criterios de selección, motivos de
salida, nombre del(os) gobernador(es) bajo el que desempeñaron la función, profesión y
estudios, trabajos que ocuparon antes y después de pasar por el canal regional. Con esta
información se buscó identificar el perfil de los gerentes para conocer su formación
académica, experiencia en el campo de la televisión y medios de comunicación; los
cargos públicos que desempeñaron, saber si ocuparon cargos de elección popular o
puestos públicos de libre nombramiento; sus vínculos con los alcaldes y gobernadores
de la región.

En la prosopografía el tema de las fuentes es central, ya que existen personajes que por
su nombre, reputación y transcendencia es fácil recopilar datos, en tanto se hallarán
otros para los que la información es casi inexistente, por ello “el éxito de la
prosopografía depende de las preguntas que se formule el investigador pero también de
la existencia, la calidad y la disponibilidad de las fuentes” (FERRARI, 2010, p. 543).
Para el caso de los gerentes del canal regional se recurrió a los archivos del principal
periódico de la región El País de la ciudad de Cali, así como al del periódico de
circulación nacional El Tiempo3. Igualmente, se revisó la página web Telepacífico y los
documentos que ahí hay disponibles, como actas, acuerdos y comunicados.

Como método histórico la prosopografía contiene importantes limitaciones, una de ellas


es la localización de fuentes, pues sobre todos los sujetos sometidos a un estudio
prosopográfico no es posible encontrar las fuentes para elaborar su perfil, tal como
sucedió con dos gerentes de Telepacífico sobre los cuales no se halló suficiente
información pública para caracterizar su perfil público. Otra limitación se asocia
precisamente a la elaboración de los perfiles, pues la definición de las variables para
identificar a los sujetos los reduce a unas características que solo los describe
superficialmente, de ahí la necesidad de utilizar métodos complementarios como la
entrevista o historias de vida para elaborar una caracterización más profunda y compleja
de cada uno de los sujetos que conforman la muestra de la investigación.

Sociedad Canal Regional de Televisión del Pacífico -TELEPACIFICO

3 La revisión de archivo se realizó sobre los periódicos publicados entre julio 3 de 1988, fecha en la que entró en
funcionamiento el canal y el 30 de septiembre de 2014, mes en el que llegó a la gerencia Mauricio Prieto.
En la actualidad funcionan ocho canales regionales en Colombia, Telepacífico se
inauguró el 3 de julio de 1988 y fue el tercer canal de este tipo en entrar en
funcionamiento. Como canal público tiene la responsabilidad de producir y emitir
información y programación cultural y educativa para los cuatro departamentos que
conforman la región pacifica colombiana: Chocó, Valle del Cauca, Cauca y Nariño.

La sede del canal está ubicada en Cali, capital del Valle del Cauca. Esta ciudad es
considerada la capital de la región y principal polo de desarrollo de la misma. La
ubicación de Telepacifico en Cali ha ocasionado, no solo un centralismo en la
producción de los contenidos (GARCÍA, 2011), sino un control casi exclusivo de los
políticos y gobernantes de la ciudad y el departamento del Valle, ya que los demás
departamentos no tienen ninguna participación en la dirección y control del canal.

Al igual que los demás canales regionales del país, Telepacífico está organizada como
Empresa Industrial y Comercial del Estado -EICE-, una figura administrativa que la
orienta a gestionar parte de su presupuesto y organizar su programación según
parámetros de la TV comercial, pues debe recurrir a la comercialización de sus espacios
para sobrevivir financieramente (GARCÍA, 2015).

Actualmente los socios de Telepacífico son: El departamento del Valle del Cauca, el
Instituto Financiero para el desarrollo del Valle -INFIVALLE-, y el Ministerio de las
Tecnologías y las comunicaciones –MINTIC- (Tabla 1). Se debe resaltar que
INFIVALLE es “un establecimiento público departamental, descentralizado, de fomento
y desarrollo regional […]. Su Junta Directiva está presidida por el Gobernador del
Departamento y es representando legalmente por un Gerente” (www.infivalle.gov.co).
Lo anterior quiere decir que el gobernador del Valle tiene participación en Telepacífico
como gobernador, y también a través de INFIVALLE, institución dependiente de su
despacho.

Tabla 1. Socios del Canal Regional Telepacífico


SOCIO PORCENTAJE

Instituto Financiero para el desarrollo del Valle –INFIVALLE- 95,99

Ministerio de las Tecnologías y las Comunicaciones –MINTIC- 0,07

Departamento Valle del Cauca 3,94

Fuente: Sociedad Televisión del pacífico LTDA. (Acuerdo 005, 16 de mayo de 2012).
La dirección del canal está en cabeza de la Junta administrativa que es la encargada de
nombrar el gerente y que está conformada por: el Gobernador o su delegado, el gerente
de INFIVALLE o su delegado, un representante del Ministerio de las Tecnologías de la
Información, un representante de la ANTV y otro miembro elegido libremente por la
gobernación. Como se aprecia, el poder que tiene el gobernador del Valle sobre
Telepacífico es bastante amplio, pues tres de los cinco miembros de la Junta están
asociados a este cargo, por lo que el contrapeso que pueden hacer el MINTIC o la
ANTV es mínimo. Según los estatutos actuales del canal «La junta administradora
podrá deliberar y decidir con la asistencia de tres de sus miembros y sus decisiones se
adoptarán con el voto favorables de la mayoría de los asistentes» (Artículo 16), esto
quiere decir, que aunque no asistan los miembros del MINTIC y ANTV, los tres
miembros vinculados a la gobernación podrán tomar decisiones sobre el canal. La Junta
administrativa debe ser presidida por el gobernador, además en caso de renuncia o
ausencia del gerente, el nombramiento provisorio es potestad del gobernador (Artículo
21).

Con todos estos derechos sobre el canal, la figura del gobernador del Valle se impone
sobre los interés regionales y éste termina siendo manejado con criterios políticos y
propagandísticos; por tanto, como se mostrará en el próximo apartado, la llegada de los
gerentes al canal está más asociada a la cercanía y vínculos que tengan con la clase
política de este departamento, que por su trayectoria y reconocimiento en los medios.

Entre 1988 y 2014 el canal ha tenido 15 gerentes. Esto quiere decir, que en promedio
Telepacífico cambia de gerente cada veintiún meses, lo cual refleja inestabilidad en la
dirección, pero como se mostrará más adelante, tiene que ver con la coincidencia de los
periodos de los gerentes con el de los gobernadores del Valle.

La mayoría de los gerentes del canal regional no han llegado a la gerencia gracias a su
experiencia y trayectoria en el campo del periodismo o la comunicación, sino por los
vínculos y relaciones con la clase dirigente de la ciudad y la región. De ahí que de los
15 gerentes, solo se tenga información de dos que son formados en el campo de los
medios de comunicación; en tanto, ocho de ellos son profesionales del derecho. Salvo
contadas excepciones, pocos de los que han ocupado la gerencia han tenido experiencia
profesional dentro del canal, y los que la han tenido ha sido en el área jurídica y no en la
producción, programación o dirección de programas.
Telepacífico y la elite política del Valle del Cauca

Desde 1988 son muchos los acontecimientos, programas y personajes que han marcado
la historia de Telepacífico, sin duda quienes han ocupado la gerencia se han constituido
en actores centrales en su desarrollo, por eso, en este apartado se describe el perfil de los
15 gerentes que pasaron por el canal. La descripción comienza con Amparo Sinisterra
de Carvajal, impulsora del canal y finaliza con Mauricio Prieto, gerente que inició su
periodo en septiembre de 2014.

Amparo Sinisterra, promotora y fundadora de Telepacífico pertenece a una de las


familias más poderosas e influyentes de Cali, casada con Adolfo Carvajal, reconocido
empresario y expresidente de Carvajal S. A. la empresa vallecaucana más prospera de la
región. Antes de participar en el canal Sinisterra se destacaba como gestora cultural; por
ello, afínales de la década de 1970 creó la Asociación para la Promoción de las Artes –
Proartes. En este esfuerzo contó con el acompañamiento de Bernardo Garcés, padre de
Mariana Garcés, abogada que trabajaría muy de cerca de Amparo Sinisterra y que
también ocuparía la gerencia del Canal.

Sinisterra fue directora del Instituto Colombiano de Cultura –Colcultura- durante el


gobierno de Belisario Betancur (1982-1986); Colcultura fue creado en 1968 en el
mandato del presidente Carlos Lleras Restrepo, gobierno para el que Adolfo Carvajal
(Esposo de Sinisterra) trabajó como director de Coldeportes y en el que Bernardo
Garcés (Socio de Sinisterra) se desempeñó como Ministro.

Desde Colcultura y como miembro del Consejo Nacional de Televisión, Amparo


Sinisterra vivió el nacimiento de Teleantioquia y Telecaribe, por eso al salir de
Colcultura se vinculó al comité de creación de Telepacífico. Sinisterra lideró el proceso
de creación del canal, bajo su administración salió al aire y estuvo en el cargo hasta
diciembre de 1988.

En enero de 1989 se posesionó Fernando Calero, profesional con trayectoria en el sector


audiovisual y quien conformó el primer concejo de programación del canal. Calero
gerenció Telepacífico por más de cuatro años, siendo la persona que más ha durado en el
cargo y el que lo administró bajo el mayor número de gobernadores. Calero es
profesional en ciencias sociales y medios, fue director de INRAVISIÓN y docente de la
Universidad del Valle. Una vez terminado su periodo fue director del servicio de
Televisión de la Asociación de TV Iberoaméricana y trabajó en la CNTV;
posteriormente volvió a la docencia y se vinculó a la Pontificia Universidad Javeriana
de Cali.

Tras la salida de Calero, es nombrado como gerente encargado Juan Armando


Sinisterra, y posteriormente Gloria Mercedes Martínez. Tanto de Juan Armando como
de Gloria Mercedes, no fue posible encontrar mayor información para caracterizar su
perfil; sin embargo, según documentos de la época, Juan Armando Sinisterra ocuparía la
subgerencia de Telepacífico durante el periodo de Gloria Martínez (1992-1995).

Posteriormente llegaría Luis Guillermo Restrepo, abogado que fue gerente entre Julio de
1995 y enero de 1998 durante la gobernación del conservador Germán Villegas. Antes
de ocupar la dirección del canal público, no se le conocía experiencia en medios de
comunicación, en cambió si se destacaba su participación en cargos de nombramiento
por parte de los políticos de la región, como la gerencia del Instituto Financiero para el
Desarrollo del Valle del Cauca -INFIVALLE. Además, fue gerente del Banco Ganadero,
Banco Mercantil y Corporación Financiera Agropecuaria -Cofiagro-. Es decir, su mayor
experiencia estaba vinculada al sector financiero y no a los medios de comunicación.

Restrepo es miembro del partido Conservador, tanto así que cuando ocupó la gerencia
de INFIVALLE lo hizo bajo el mandato de Carlos Holguín Sardi, el político
conservador más influyente del departamento; en tanto, la gerencia del canal la asumió
bajo otro líder de este partido, Germán Villegas. Una vez salió del canal, se conoce poco
de los cargos que ocupó. No obstante, durante la gerencia de Germán Patiño (2000-
2003), se pueden encontrar actas de la Junta Administrativa del canal firmadas por Luís
Guillermo Restrepo como Presidente; sin embargo, no se tiene claridad si su
participación en la Junta se dio como representante de la Gobernación, de INFIVALLE
o como el otro miembro al que tiene derecho el gobernador, que por la época de las
actas era Germán Villegas. Actualmente Restrepo es director de la sección Opinión del
periódico El País de Cali; empresa que pertenece a los Lloreda, otra poderosa familia
conservadora caleña.

Propuesta por el recién posesionado gobernado del Valle, Gustavo Álvarez, en enero de
1998 llega a la gerencia Mariana Garcés, abogada con experiencia en el sector público y
privado que desde muy joven fue apoyada e impulsada por Amparo Sinisterra, pues sus
familias habían participado en diferentes proyectos públicos y privados. Como se
mencionó anteriormente, el esposo de Sinisterra y el padre de Garcés, trabajaron juntos
en el gobierno de Carlos Lleras, y Bernardo Garcés fue socio de Sinisterra en la
creación de Proartes. Mariana Garcés se vinculó a Telepacífico de la mano de Amparo
Sinisterra, ahí ocupó cargos administrativos hasta llegar a la gerencia, cargo que
desempeñó hasta 2000. Su paso por Telepacífico, además de la pertenencia y amistad a
las familias dirigentes de la región, contribuyó para que Garcés continuara su carrera en
el ámbito de la cultura, es así que luego pasó a la Comisión Nacional de Televisión y en
2005 ocupó la Secretaria de Turismo y Cultura de Cali, para luego ocupar la dirección
Proartes.

En 2010 Mariana Garcés se posesionaría como Ministra de Cultura ante el presidente


Juan Manuel Santos. El Ministerio de Cultura reemplazó a Colcultura en 1997. Así,
Mariana Garcés ocupó los mismos cargos que su mentora; ambas manejaron la cultura
del país, ocuparon la dirección de Proartes y fueron gerentes de Telepacífico.

Tras la salida de Garcés fue nombrado Germán Patiño, reconocido escritor, historiador y
periodista que ocupó entre el 2000 y 2003 la gerencia del canal, y aunque por ser un
personaje del sector cultural pareciera tener las cualidades para ocupar el cargo,
aparentemente su llegada a ese puesto estuvo influenciada por su cercanía con los
políticos de la región. Antes de llegar a Telepacífico, se había desempeñado como
Asesor de Germán Villegas cuando éste fue alcalde de Cali entre 1990 y 1992, y
ocuparía la Gerencia Cultural del departamento entre 1996 y 1997, cuando el propio
Villegas fue Gobernador. Posteriormente Germán Patiño se desempeñaría en la
dirección de cultura del municipio de Cali durante la alcaldía de Ricardo Cobo (1998-
2000); tanto Villegas como Cobo son líderes políticos del Partido Conservador. Parte
del periodo de Germán Patiño en Telepacífico lo ejerció durante el segundo periodo de
Villegas como gobernador (2001-2003).

Patiño posee un reconocimiento como escritor e historiador; fue el impulsor del festival
de música del pacífico “Petronio Álvarez” y tiene varias publicaciones sobre la cultura
afrodescendiente; sin embargo, como se puede apreciar su experiencia no estaba en el
campo de la televisión ni los medios de comunicación.

Al finalizar el periodo de Patiño, la junta administrativa bajo la gobernación de


Angelino Garzón (2004-2007), nombró a Jaime Fernández Naranjo. Fernández ocuparía
la gerencia del canal hasta mediados de 2006. Es formado en derecho y fue concejal de
Cali y Secretario de Gobierno bajo la alcaldía de Germán Villegas (1990-1992). Fue
presidente de Federación Colombiana de Empresarios de Apuestas Permanentes -
FECEAP-, y al salir de la gerencia aparece como representante legal de la Red de
Servicio de Occidente S.A. empresa de chance y juegos de azar. Si bien Jaime Naranjo
no desarrolló una amplia carrera en el sector público, tampoco es posible identificar su
experiencia en el manejo de medios de comunicación.

Lo mismo se podría decir de Héctor Alonso Moreno, que hasta su llegada a la gerencia
solo se le conocía un breve paso por la secretaria de educación departamental, además
de un puesto de Asesor de Angelino Garzón. La mayor parte de su carrera la desempeñó
como profesor universitario, de ahí que sea el gerente con más títulos académicos, ya
que además de ser licenciado en Historia, y magíster en Estudios Políticos, posee un
PhD en realidad política de América Latina. Títulos que sin embargo, no parecieran
facultarlo para gerenciar un canal de televisión, por lo que sin duda, su llegada al canal
está asociada al gobernador de turno.

A la salida de Moreno se vincula Víctor Manuel Salcedo que fue gerente del canal entre
enero de 2007 y marzo de 2009; esto quiere decir, que empezó su periodo durante el
último año de gobernación de Angelino Garzón y el primero de Juan Carlos Abadía.
Antes de ocupar la gerencia del canal trabajó en la alcaldía de Buga y en la empresa de
Licores del Valle. Cuando sale del canal, Víctor Manuel es nombrado Secretario de
Gobierno del departamento por Juan Carlos Abadía, gobernador que sería suspendido en
2010 por participación en política y sobre el que recayeron varias investigaciones
disciplinarias.

Víctor Manuel Salcedo es reemplazado por Silvia Patricia López, abogada que tendría
un paso corto por Telepacífico, pues no alcanzó a estar un año al frente del canal, al que
renunciaría antes de la adjudicación de la franja informativa, la cual según algunos
observadores era manipulada por el exgobernador Abadía para castigar a un
telenoticiero que no lo apoyó en su proyecto político. Cabe resaltar que Silvia Patricia
había firmado contratos de asesoría con la gobernación del departamento mientras
Abadía era gobernador.

Ante la renuncia de López la Junta nombra a Lorena Ivette Mendoza que se venía
desempeñando como jefe de la oficina jurídica de Telepacífico. Antes de entrar a
trabajar en el canal regional Lorena Ivette Mendoza trabajó en la Personería y
Contraloría de Cali, y como Secretaría Jurídica de la alcaldía de Jamundí.

Tras su salida del Canal en 2012, Lorena Ivette Mendoza es nombrada Procuradora
Provincial de Cali y luego en Barranquilla, lo cual evidencia una vez más que la vida de
los gerentes de Telepacífico, antes y después de ocupar ese cargo, no está vinculada a
los medios, sino a cargos públicos controlados por los políticos regionales.

Cuando Mendoza sale de Telepacífico, llega Alberto José Cobo, quien es nombrado en
enero de 2012 por el recién posesionado gobernador Héctor Fabio Useche. Cobo es
abogado de formación y antes de ser gerente era jefe de la oficina de control interno del
canal y se había desempeñado como asesor de Departamento Administrativo de Gestión
del Medio Ambiente – DAGMA, entidad del municipio de Cali.

Como el gobernador Useche sería destituido por los entes de control tres meses después
de su posesión, la estadía de Cobo en el canal fue corta, pues se asegura que este era una
ficha política de Useche para pagar favores políticos a quienes lo apoyaron en campaña.
Ante la destitución del gobernador se convocan nuevas elecciones, que son ganadas por
Ubeimar Delgado, político vinculado al partido conservador.

En julio de 2012, dos semanas después de la posesión del nuevo gobernador, es


nombrada en la gerencia Luz Elena Azcarate. Con el nombramiento de Azcarate,
nuevamente llega una persona con poca trayectoria en los medios de comunicación y sí,
con mucha cercanía a las élites políticas. Azcarate es abogada, fue diputada
departamental; secretaria de Desarrollo Social de la gobernación de Juan Carlos Abadía
y asesora de Héctor Fabio Useche, ambos destituidos por la Procuraduría. Pero los
vínculos de Azcarate con los políticos no se limitan a haber trabajado con ellos,
Azcarate además es esposa de Mauricio Guzmán, exgobernador (1990-1991) y
exalcalde de Cali (1995-1996), cargo del que fue destituido por nexos con el
narcotráfico.

A partir de esta relación entre Azcarate y Guzmán, se comentó que Telepacífico había
quedado en manos de Mauricio Guzmán, que a pesar de su destitución y vinculación al
narcotráfico, sigue siendo una figura política influyente. Ubeimar Delgado el
gobernador que como presidente de la Junta Administrado posesionó a Luz Elena
Azcarate, fue concejal de Cali durante el mismo periodo en el que Mauricio Guzmán
fue alcalde.

Azcarate estaría al mando del canal hasta septiembre de 2014, cuando renuncia a la
gerencia para aspirar a la alcaldía de Cali por el partido Conservador. En lugar de Luz
Elena Azcarate, una vez más se nombra como gerente a un profesional cercano de la
gobernación, en este caso, Mauricio Prieto, que durante el mandato de Ubeimar
Delgado fue Gerente de la Imprenta Departamental, gerente de la Beneficencia del Valle
y Secretario Jurídico del despacho del gobernador.

Conclusiones

Telepacífico debe producir y emitir programación informativa, cultural y educativa para


los cuatro departamentos de la región, pero durante años ha sido un canal para el
departamento del Valle y particularmente para la ciudad de Cali y no un canal regional;
lo anterior se ratifica al analizar la forma en la que Telepacífico es manejado por los
poderes políticos del Valle del Cauca, quienes quitan y ponen gerentes de acuerdo a sus
intereses, donde el único criterio de elección es la cercanía con quienes gobiernan y no
la experiencia en el campo de los medios, de ahí que el canal se conozca popularmente
como Televalle, ya que es ahí donde se concentra su control y programación. La misión
de llegar a los otros departamentos está pendiente. Cauca, Chocó y Nariño no sólo
deben recibir la señal sino tener mayor participación en su manejo y control, de lo
contrario éste canal no logrará ser regional si la administración sigue limitada a los
poderes de un solo departamento.

Como se demostró a través del estudio prosopográfico, Telepacífico ha sido un canal


manejado por abogados vinculados a la clase política de la ciudad y la región, por lo que
parece que es más importante su experiencia en el área del derecho que en el campo del
periodismo y medios de comunicación. Según esto pareciera que el canal requiere de
gerentes que se muevan cómodamente en el ámbito jurídico, más que profesionales que
lo proyecten como empresa mediática. Con esto no se quiere argumentar que los
abogados no estén en capacidad de administrar un canal de TV, ni que los profesionales
de la comunicación lo podrían hacer mejor, lo que se desea es llamar la atención que los
abogados que llegan a la gerencia no lo hacen por su experiencia en medios, sino por su
familiaridad con los políticos.
La falta de claridad en los criterios de selección y en los periodos que deben cumplir los
gerentes, hace que el cargo sea ocupado por amigos y copartidarios de la elite política
vallecaucana; la meritocracia y los concursos públicos no existen en el nombramiento
de los gerentes de Telepacífico, por lo tanto, la credibilidad y legitimidad del canal
queda en entre dicho. Esta situación también la viven otros canales regionales del país,
ya que la influencia de los gobernadores en las decisiones sobre ellos genera muchos
cuestionamientos, además porque quienes están a la cabeza de los departamentos
pareciera que pueden hacer con la televisión pública lo que más le convenga, por eso,
además usan las cámaras y micrófonos a discreción, limitando la función pública y la
diversidad de voces.

Telepacífico se ha convertido en un botín político de la clase dirigente del Valle, por tal
motivo no se ha proyectado como medio de comunicación de alcance regional, su
desarrollo se mueve al vaivén de los intereses políticos, de ahí los cortos periodos que
los gerentes, pues su permanencia en el cargo depende de la afinidad con la gobernación
del departamento y no de sus capacidades para la gerencia de la empresa televisiva.
Emulando el periodo en el que la TV pública nacional era manejada con criterios
partidistas, Telepacífico ha renovado la politización de la televisión entregando la
gerencia a figuradas vinculadas a los poderes regionales y afiliadas a los partidos
políticos tradicionales.

Referencias

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3, n. 5, p. 529-550, 2010.

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regionales a través de la televisión en Colombia. Cuestiones Universitarias, Año 1, n. 1,
p. 76-91, 2011.

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Latinoamericana de Ciencia de la Comunicación, Año IX, n. 16, p. 64-72, 2012.

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parámetros del mercado. Signo y Pensamiento, Año 34, n. 66, p. 28-48, 2015.

MARÍN, A. M. Televisión pública en Colombia: del monopolio estatal a la


descentralización. En UNESCO Radiotelevisión de Servicio Público: Un Manual de
Mejores Prácticas. Costa Rica: UNESCO, 2006, p. 95-118.
REY, G. La televisión en Colombia. En OROZCO, G. (coord.). Historias de la
televisión en América Latina. Barcelona: Gedisa, 2002.
STONE, L. Prosopografía. Revista de Sociología e Política, v. 19, n. 39, p.p. 115-137,
(2011) [1971].

VIZCAÍNO, M. Los falsos dilemas de nuestra televisión. CEREC: Bogotá, 1992.


DESAFIOS PARA UMA COMUNICAÇÃO PÚBLICA “PROPAGÁVEL”:
o contexto latino-americano

Elton Bruno Barbosa Pinheiro1

Resumo: Este artigo discute os desafios da Comunicação Pública no cenário da América Latina,
onde se constata que a noção do que é “público” é, muitas vezes, limitadamente atrelada ao
sentido governamental/estatal. Nossa problemática parte de que este fato é prejudicial ao
desenvolvimento/reverberação dessa esfera da Comunicação, sobretudo de seus conteúdos.
Objetivamos refletir sobre conceitos e práticas propostos por Jenkins, Ford e Green (2014), na
obra Cultura da Conexão, como possibilidades de incrementar a atuação da Comunicação
Pública, motivar sua aceitação, ampliar sua abrangência e, sobretudo, a partir da participação
dos diferentes agentes envolvidos nesse processo, principalmente o cidadão, “propagar” seus
conteúdos no cenário mediático hodierno. Com abordagem metodológica dialética, trata-se de
um exercício reflexivo e crítico que deseja despertar a compreensão de que os desafios aqui
apresentados são também caminhos sistemáticos que levam a entender como a ideia e práticas
de “propagabilidade” podem potencializar a Comunicação Pública no contexto latino-
americano.

Palavras-chave: Comunicação Pública. Propagabilidade. Participação. América Latina.

Apresentação

Considerando que um dos principais entraves para o desenvolvimento mais


efetivo da Comunicação Pública na América Latina seja uma possível incredulidade do
cidadão com aquilo que é designado como “público 2” (Cf. BIANCO; ESCH;
MOREIRA, 2013), reconhecendo o valor e a influência que possuem os meios de
Comunicação na América Latina e, sobretudo, levando em consideração o relevante
papel a ser desempenhado pela Comunicação Pública nesse contexto, deparamo-nos
com desafios complexos, os quais merecem, sem dúvidas, nossa atenção e pesquisas.
Entre tais desafios está o de refletir sobre alternativas/práticas que incrementem
a atuação, motivem aceitação e ampliem a abrangência da Comunicação Pública e,
sobretudo, a circulação dos seus conteúdos no cenário mediático hodierno, marcado
pela digitalização da informação, pela lógica da convergência e no qual o
compartilhamento/circulação/propagação de conteúdos se torna extremamente relevante

1 Doutorando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Comunicação e Culturas


Midiáticas e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Pesquisador do Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina (PPG-FAC/UnB/CNPq) e do GP
Rádio e Mídia Sonora da Intercom. E-mail: eltonbrunopinheiro@gmail.com.

2
e notadamente dependente da efetiva participação/engajamento dos cidadãos que
compõem as audiências.
Metodologicamente, nosso estudo está estruturado, de acordo com Lakatos e
Marconi (1992 apud SANTAELLA, 2001, p.138), em certos aspectos que norteiam uma
abordagem dialética, uma vez que tal aporte interpretativo problematiza o conhecimento
“dentro de um contínuo em constantes mudanças” e inacabamento “que contém um todo
que abarca contrários em incessantes conflitos”. Essa definição parece-nos bem
apropriada, uma vez que entendemos que a Comunicação Pública depara-se,
atualmente, com o desafio de se inserir em um espaço de mutação frequente, o ambiente
digital.

Comunicação Pública: entrecruzamentos conceituais

A priori, buscando estabelecer uma compreensão sobre o que é Comunicação


Pública, adotaremos como basilares os pensamentos: de Brandão (2012, p. 9), que a
conceitua como um “processo comunicativo que se instaura entre Estado, o Governo e a
Sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania”; de Duarte
(2012, p. 60), para quem se trata de “um instrumento de interesse coletivo para o
fortalecimento da cidadania; e de Matos (2012, p. 48), a qual enxerga que “a
Comunicação Pública envolve também a resposta do cidadão a iniciativas no fluxo das
relações comunicativas entre o Estado e a sociedade”.
Tais escolhas conceituais dão-se, sobretudo, pelo diálogo consensual que
estabelecem no que se refere à valorização da cidadania por meio desse processo
comunicacional e, por outro lado, por a aclarar nosso entendimento sobre a
imprescindível participação ativa da sociedade nesse espaço. Sobre esta última
ponderação, Matos (2012, p. 52) enfatiza: “[...] a comunicação pública exige a
participação da sociedade e seus segmentos. Não apenas como receptores da
comunicação do governo e seus poderes, mas também como produtores ativos do
processo.”
Esta afirmação de Matos sobre a indissociabilidade entre a Comunicação Pública
e os agentes envolvidos nesse processo é fundamental para a compreensão das nossas
considerações sobre a aplicação das práticas de “propagabilidade” (JENKINS; FORD;
GREEN, 2014) a essa esfera da Comunicação, pois tais práticas têm como base a
participação efetiva dos referidos agentes e também dos atores sociais, sejam eles, por
exemplo, o jornalista, o radialista, o legislador e, principalmente, o cidadão.
Apesar da demarcação dessas escolhas conceituais, temos plena consciência de
que permanecem ativos os debates no que se refere à definição de Comunicação
Pública. Trata-se, para muitos pesquisadores, a exemplo de Monteiro (2012) e Brandão
(2012), de um “conceito em construção”, mas com determinado consenso quanto à
missão de defender o interesse público3 e a esfera pública4 (MATOS, 2012).
Posta a complexidade e amplitude do debate conceitual em foco, o fato é que a
Comunicação Pública possui forte relevância para o campo social e político de forma
geral, para a integração e para o exercício da cidadania. Além disso, seu alicerce é (deve
ser) a pluralidade de vozes, a liberdade de imprensa, expressão e circulação de ideias e
pensamentos, bem como a democratização do acesso à informação.

Comunicação pública, então, deve ser compreendida com


sentido mais amplo do que dar informação. Deve incluir a
possibilidade de o cidadão ter pleno conhecimento da
informação que lhe diz respeito, inclusive aquela que não busca,
por não saber que existe, a possibilidade de expressar suas
posições com a certeza de que será ouvido com interesse e a
perspectiva de participar ativamente, de obter orientação e
diálogo. (DUARTE, 2012, p. 64).

O pensamento de Duarte, em nossa articulação, vai ao encontro daquilo que


Jenkins, Ford e Green (2014) defendem na teoria da propagabilidade. Acreditar e
oportunizar a colaboração do cidadão no processo de Comunicação Pública significa
inserir essa esfera comunicacional na iminente lógica da “Cultura da Conexão”, pensada
por Jenkins, Ford e Green (2014), que é, em linhas gerais, “uma nova forma de
interação entre o público, produtores, canais e conteúdos”. (MOTA, 2014, p. 10).

O debate no cenário Latino-Americano

Tendo como panorama de conjecturas a América Latina é possível afirmar que a


Comunicação Pública em tal cenário ainda é, relativamente, timidamente

3 Para Duarte (2012, p. 53): “O interesse geral e a utilidade pública das informações que circulam na
esfera pública são pressupostos de comunicação pública.”

4 De acordo com Matos (2012, p. 52) “a esfera pública é o conjunto de espaços físicos e imateriais em
que os agentes sociais podem efetivar sua participação no processo de comunicação pública”.
discutida/acessada/estudada. (Cf. ESCUDERO; BERTI, 2012). Por outro lado, é preciso
destacar que, tomando o exemplo específico do Brasil, podemos afirmar que há
iniciativas que indicam uma preocupação no desenvolvimento de pesquisas nessa área,
fomentadas e protagonizadas, por exemplo, pelo Observatório da Radiodifusão Pública
na América Latina5.
Voltando-se especificamente para o fenômeno da Comunicação Pública no
subcontinente, a atuação do referido Observatório enquanto Espaço Público Virtual tem
se destacado por suscitar, através das suas análises e diagnósticos, a imprescindível
compreensão sobre as reais funções e formas de ação dos meios públicos, os quais,
muitas vezes, são “confundidos” e/ou limitadamente “rotulados” como
estatais/governamentais (Cf. ESCH; BIANCO; MOREIRA, 2013), no sentido político-
partidário, bem como, por vezes, enxergados de maneira elitista, o que de certo modo,
acaba repelindo as audiências da programação das Emissoras Públicas de Comunicação.
Como resultado de uma primeira fase do projeto de investigação sobre o sistema
de radiodifusão pública de dez países da América do Sul, os pesquisadores Esch, Bianco
e Moreira (2013) concluíram que em tais países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) há tendências de mudanças
no que se refere a: a) construção de novo marco regulatório; b) criação de empresas
públicas no lugar de estruturas jurídicas estatais centralizadas; c) instituição de
conselhos deliberativos relativamente autônomos encarregados de supervisão da gestão
das emissoras; d) diversificação de fontes de financiamento na tentativa de reverter a
dependência de recursos de governos; e) renovação da programação com abertura para
produção independente.
Esses resultados são pistas que nos demonstram que este é um momento
propício para pensarmos, no contexto da América Latina, estratégias de consolidação da
Comunicação Pública e, para tanto, acreditamos que a teoria e as práticas de
propagação, propostas por Jenkins, Ford e Green (2014), são cabíveis justamente por
colocarem no centro dessa discussão a importância da participação dos cidadãos, da
promoção do diálogo destes com os profissionais de comunicação e estudiosos da
mídia.
Ainda tomando com referência o que apregoam esses autores norte-americanos,

5 Criado em 2011 pelo Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) em


parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Disponível em: <http://www.observatorioradiodifusao.net.br/>.
esse seria o momento ideal, em nosso entendimento, para que a Comunicação Pública
possa “ouvir seus públicos de maneira mais profunda.” (JENKINS; FORD; GREEN,
2014, p. 18).
Comunicação Pública sob o prisma da UNESCO

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –


UNESCO (2001) estabelece princípios básicos para a radiodifusão pública 6, os quais,
ainda que atuais, devem, ser reinterpretados constantemente “em um mundo
caracterizado pela fragmentação da mídia.” (UNESCO, 2001, p. 11).
Tais princípios são:
a) a universalidade, que diz respeito à igualdade e à democracia, na medida em
que enfatiza a necessidade da radiodifusão pública ser acessível e voltada
para todos;
b) a diversidade, que complementa a ideia de universalidade ao indicar a
relevância que há em se oferecer diferentes possibilidades em termos de
gêneros de programas, público-alvo e temas discutidos. Pode ser entendida
também como a missão da Comunicação Pública em informar, formar e
entreter;
c) a independência, cujo objetivo central é fazer circular ideias, opiniões e
críticas em um fórum que seja livre de interesses particulares, pressões
comerciais e/ou influências políticas;
d) a diferenciação, que aponta para a necessidade de se ofertar uma
programação que se caracterize não apenas por produzir conteúdos menos
abordados/transmitidos na mídia comercial, mas sim por criar e produzir
conteúdos plurais, sem negligenciar nenhum gênero.
Como sugere a UNESCO, é preciso destacar que a Comunicação Pública “deve
fazer as coisas de forma diferente” (2001, p. 13) e é justamente nesse sentido que
consideramos que a ideia de “propagabilidade” pode auxiliar a Comunicação Pública.
Nesse sentido, defendemos que é necessária a inserção de um quarto princípio
conceitual nessa atual missão da Comunicação Pública, ou seja, além de informar,
formar e entreter, urge a necessidade de “propagar”, ou seja, criar valor e significado

6 Corroboramos o pensamento de Brandão (2012), segundo o qual podemos considerar que a


radiodifusão pública se constitui como parte de um conceito bem mais amplo, que é o de Comunicação
Pública.
para os conteúdos produzidos nesse âmbito da Comunicação, fomentando a sua
circulação ao tornar o público que compõe a audiência em muito mais do que mero
receptáculo de conteúdos produzidos e distribuídos em massa.
Não se trata, portanto de simplesmente transmitir conteúdo universalizado,
diversificado, independente e plural num movimento trivial. É preciso ir além disso,
oferecendo possibilidades para que o público possa, em rede, “moldar, compartilhar,
reconfigurar e remixar” tais conteúdos. (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p. 24).

A propagabilidade como prática reconfiguradora da Comunicação Pública

Cientes dos níveis de importância que possuem os meios de Comunicação na


América Latina, da missão da Comunicação Pública nesse contexto e com o intuito de
ampliar a presença desta nesse cenário mediático hodierno, em que a digitalização da
informação reinventa os meios, a relação entre eles e deles com as audiências é que
consideramos que determinadas práticas propagáveis, conforme apregoam Jenkins, Ford
e Green (2014), podem criar mais valor e significado para a Comunicação Pública e
seus conteúdos.
Ou seja, a propagabilidade pode tornar tais conteúdos públicos mais
universalizados, diversificados, independentes e plurais por meio da lógica da
circulação, a qual, diferentemente da ideia de “distribuição”, diz respeito a “um modelo
mais participativo de cultura, em que o público não é mais visto como simplesmente um
grupo de consumidores de mensagens pré-construídas”. (JENKINS; FORD; GREEN;
2014, p. 24).
Pensar em propagabilidade no âmbito da Comunicação Pública é preocupar-se,
sobretudo, com a constatação dos autores norte-americanos (2014, p. 23) de que “se
algo não se propaga, está morto”. Essa afirmação nos convida a repensar o
posicionamento e a atuação da Comunicação Pública nesse contexto complexo, uma vez
que a ela cabe cumprir uma missão relevante para toda a Sociedade, missão essa que, de
certo modo, é historicamente relegada pelas iniciativas particulares/privadas.
Dessa forma, a inquietação que aqui se apresenta é a de que se há um
“sentimento de descrença do cidadão em relação a tudo o que é identificado como
público” (ESCH; BIANCO; MOREIRA, 2013, p. 72), como poderia a Comunicação
Pública “sobreviver”, se fortalecer, ganhar impulso e credibilidade nesse cenário para
cumprir com êxito a sua missão na América Latina?
Uma resposta que nos parece adequada para essa pergunta que se instaura em
um momento de intensas mutações no cenário mediático hodierno, causadas, sobretudo,
pela digitalização da informação e pela lógica da convergência dos meios e das
mensagens, é justamente a ideia de “propagação7”.
Os autores de tal conceito analisam a mudança de um modelo de “distribuição”
para outro de “circulação” de conteúdos, no qual a importância do público/audiências é
fundamental e se dá de uma forma efetivamente participativa e engajada e com o
importante detalhe de que essa participação não se dá de forma isolada, mas sim a partir
de “comunidades mais amplas e de redes que lhes permitem propagar conteúdos muito
além de sua vizinhança geográfica.” (JENKINS; FORD; GREEN; 2014, p.24).
Mas, afinal, o que é a propagabilidade? “A propagabilidade se refere ao
potencial – técnico e cultural – de os públicos compartilharem conteúdos por motivos
próprios [...].” (2014, p. 26). Dessa forma, é possível entender o termo “propagável”
como “aquilo que coloca algo num lugar [...] algo em torno do qual se pode criar uma
conversa.” (2014, p. 26). As práticas propagáveis, nesse sentido, são capazes de superar
a limitada concepção do tradicional paradigma da radiodifusão, onde apenas um
emissor/canal/suporte produz e transmite conteúdos.
E, afinal, como a propagabilidade pode ocorrer no contexto da Comunicação
Pública latino-americana? Contextualizando os conceitos de Jenkins, Ford e Green
(2014, p. 28-31) apresentamos, a seguir, algumas práticas que consideramos capazes de
fortalecer a Comunicação Pública no sentido de criar-lhe maior “valor” e significado no
atual cenário mediático do subcontinente.
Em nosso entendimento, essas práticas são, até certo ponto, “desafios” capazes
de serem superados no âmbito da Comunicação Pública a partir de um esforço coletivo
que seja fruto da interação entre o público, produtores, canais e conteúdos.

Sobre os desafios da propagabilidade

Num primeiro momento é preciso justificar que pensar no conceito e em práticas


de propagabilidade no âmbito da Comunicação Pública constitui-se um desafio, pois as
origens deste processo comunicativo na América Latina são extremamente marcadas por
exercícios políticos diversos, como o patrimonialismo e o clientelismo (ESCH;
7 As expressões “propagar”, “propagável”, “propagabilidade” são usadas por Jenkins, Green e Ford
(2014, p.25-26) “para descrever essas formas cada vez mais penetrantes de circulação da mídia. ”
BIANCO; MOREIRA, 2013), e por outras práticas questionáveis como o
assistencialismo, controle da liberdade expressão, falta de transparência pública etc..
Contudo, cientes de que a Comunicação Pública deve centrar “o processo de
comunicação no cidadão, não apenas por meio da garantia do acesso à informação e à
expressão, mas também do diálogo, do respeito a suas características e necessidades,
do estímulo à participação ativa, racional e corresponsável.” [grifo nosso] (DUARTE,
2012, p. 61), consideramos pertinente nosso exercício de apontar os desafios, e,
consequentemente, possíveis caminhos para uma prática propagável dessa esfera da
Comunicação na América Latina.
Entre outros motivos que justificam e motivam tal exercício está a constatação
de que “o conteúdo concebido para ser propagado pode praticamente dobrar o tráfego
referido por meio de novos compartilhamentos” (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p.
32), o que viabilizaria um processo comunicacional público mais amplo, participativo,
democrático, estratégico, transformador, responsável, coletivo e fortaleceria a esfera
pública no subcontinente.
Os desafios apontados a seguir estão contextualizados a partir das ponderações
de Jenkins, Ford e Green (2014). Elas nos proporcionaram um insight: se a
Comunicação Pública, apesar de sua missão incontestavelmente importante para a
Sociedade, o Estado e o Governo tem sido na América Latina, muita vezes, confundida
como instrumento de comunicação de interesses particulares, corporativos, comerciais
ou vinculada apenas a determinados grupos, seriam as “práticas de propagabilidade”
apontadas pelos referidos autores norte-americanos uma forma de reverter esse quadro
ao, a partir delas, criar, com a devida participação ativa dos cidadãos, mais valor e
significado aos conteúdos produzidos no âmbito das emissoras/canais e em outros
espaços de Comunicação Pública?
Mas, enfim, que práticas são essas e em que medidas elas se tornam desafios?
Segundo Jenkins, Ford e Green (2014, p. 28-31), a ideia de propagabilidade diz
respeito: ao fluxo de ideias, à dispersão do material, à diversidade das experiências, à
participação livre, à facilidade de compartilhamento, à existência de uma miríade de
redes temporárias e localizadas, aos intermediários autenticamente populares
defendendo e doutrinando, e à colaboração através de papeis. Nesse sentido, os desafios
para uma Comunicação Pública Propagável, no contexto da América Latina, em nosso
entendimento, seriam:
a) Fomentar o fluxo de ideias. Esse desafio se refere à importância de se
reconhecer a relevância das conexões entre os agentes sociais (os cidadãos e as próprias
instâncias institucionais, por exemplo). É preciso, igualmente, que produtores de
emissoras/canais e de outros espaços de Comunicação Pública superem a ideia de que
os membros de uma audiência são sujeitos isolados.
Na verdade, um primeiro exercício para pensar a propagabilidade nessa esfera
comunicacional, muito mais do que medir índices quantitativos de audiência, deve ser a
pesquisa sobre como os conteúdos produzidos por ela na atualidade estão sendo
acessados pelo público na medida em que são simplesmente distribuídos.
A ideia é superar essa lógica de “distribuição” e fomentar as práticas da
“circulação”, nas quais os cidadãos possam, por exemplo, a partir de suas conexões em
mídias sociais, não só ter o acesso a esses conteúdos de caráter público, mas a chance
de, ao se identificar com eles, reverberá-los a partir do compartilhamento, indicações,
expressão de suas opiniões, ou seja, fazê-los circular.
b) A dispersão do material. Aqui o desafio está em descentralizar a
transmissão de conteúdos dos canais de informação, isso porque essa “limitação” é, em
nosso entendimento, incompatível com a missão da Comunicação Pública, a qual deve
ser realizada de forma ampla, acessível e plural.
Nesse sentido, a ideia de propagabilidade tem a colaborar a partir da proposta de
que a produção de conteúdos deve ser realizada também em formatos com facilidade de
compartilhamento nos diversos suportes, meios e espaços, descomplicando assim o
acesso ao conteúdo.
Entretanto, cumpre-nos deixar claro que essa acessibilidade implica não só a
circulação por meio dos suportes tecnológicos, mas a propagação por meio de outros
instrumentos e em outros espaços que favoreçam a Comunicação Pública, como por
exemplo, eventos acadêmicos/institucionais, fóruns de debate público, serviços de
atendimento ao cidadão etc.
c) Diversidade de experiências. A Comunicação Pública não pode ser um
processo fechado, uma experiência centralizada ou limitada no sentido de conjecturar
que um único formato de apresentação de seus conteúdos é suficiente.
A ideia de diversidade de experiência enquanto caminho para uma Comunicação
Pública propagável nos leva a inferir que os meios dessa esfera comunicacional
precisam produzir conteúdos multifacetados “que vários públicos possam espalhar por
diferentes motivos, convidando as pessoas a moldar o contexto do material conforme o
compartilhamento no âmbito de suas redes sociais.” (JENKINS; FORD; GREEN, 2014,
p. 29).
A superação desse desafio pode fortalecer o “interesse geral e a utilidade pública
das informações que circulam na esfera pública”, os quais “são pressupostos da
Comunicação Pública.” (DUARTE, 2012, p. 53).
d) Participação livre. A questão da interatividade nas práticas de Comunicação
Pública não pode ser um viés imposto, incômodo ou descontextualizado. A lógica da
participação é um grande desafio para os produtores de conteúdos, sobretudo no âmbito
da Comunicação Pública que se pretende propagável, pois, nesse sentido, se trata de
pensar em maneiras de dar liberdade ao público para que este possa usar e/ou
reconfigurar contextualmente o(s) conteúdo(s) conforme as características da(s)
comunidade(s) a(s) qual(is) possa está conectado.
e) Facilidade de compartilhamento. Essa prática proposta por Jenkins, Ford e
Green é, em si, um desafio que pode ser entendido como a necessidade de inserir os
cidadãos dentro do processo de Comunicação Pública como sujeitos ativos, ou seja,
valorizá-los enquanto integrantes de uma audiência capaz de potencializar a importância
dessa esfera comunicacional e de seus conteúdos nos diversos espaços públicos, canais
e suportes mediáticos existentes, fomentando o interesse pelos mesmos em suas redes.
f) Existência de uma miríade de redes temporárias e localizadas. É bem certo
que a Comunicação Pública ainda está muito atrelada à radiodifusão, na qual o processo
comunicacional se dá no modelo um para muitos. O cenário mediático hodierno,
contudo, é marcado pela existência de múltiplas possibilidades de canais, suportes e
outros espaços para transmitir conteúdos.
É nesse sentido que a ideia de propagabilidade nos incita a pensar em uma
Comunicação Pública que precisa fazer uso de todas as possibilidades existentes para
fazer circular seus conteúdos, criar-lhes valor, significado e mobilizar a audiência para
uma participação cada vez mais ativa nesse processo.
g) Intermediários autenticamente populares defendendo e doutrinando. Ao
mencionar a expressão “intermediários autenticamente populares”, Jenkins, Ford e
Green (2014, p. 30) fazem referência aos “canais não oficiais que moldam o fluxo de
mensagens através de sua comunidade” e “que podem muitas vezes servir às
necessidades dos criadores de conteúdos.”
O desafio da Comunicação Pública neste caso é, na medida do possível, dialogar
com esses canais populares (por exemplo, blogs, fanpages, webradios, grupos de
discussão etc.) no sentido de, ao identificá-los, buscar manter uma interação que
favoreça a circulação/propagação de seus conteúdos também nessas esferas, as quais, se
forem mal compreendidas ou negligenciadas, podem denotar contraposições destoantes
do sentido de Comunicação Pública.
h) Colaboração através de papeis. A ideia de propagabilidade nos permite
entender que, por mais que existam especificidades em cada uma das atribuições dos
agentes envolvidos no processo comunicacional, a colaboração entre produtores,
cidadãos e instituições, por exemplo, é fundamental para o fortalecimento das práticas
da Comunicação Pública.
Essa relação colaborativa fortalece a própria missão da comunicação pública, a
qual, conforme já mencionamos, além de informar, formar e entreter é também, na
atualidade propagar/fazer circular seus conteúdos, e reflete a importância do interesse
coletivo nesse processo.

Considerações finais

Pensar a Comunicação Pública no contexto da América Latina é um desafio


amplo, complexo, porém instigante. Isso porque estamos tratando de um subcontinente
intensamente diversificado, sobretudo nos aspectos sociais, políticos e culturais. Ainda
assim, acreditamos que um dos traços que conecta as suas diferentes realidades, além do
(das similaridades de) idioma, é a presença e influência dos meios de comunicação no
cotidiano de uma camada expressiva da população latino-americana.
Sendo assim, a Comunicação Pública exerce nesse espaço um papel fundamental
e diferencial, pois se constitui como um instrumento universal de cidadania,
democracia, acesso à informação, diversidade e pluralidade. E mais, consideramos que
em tal cenário a Comunicação Pública ganha uma quarta missão: além de informar,
formar e entreter, ela deve “propagar” sua atuação e seus conteúdos por meio de novas e
mais intensas interações entre o público, produtores, canais e conteúdos.
Nesse sentido, no decorrer do presente estudo, ao refletirmos sobre os
entrecruzamentos conceituais, chegamos ao entendimento de que, apesar da
Comunicação Pública ser um conceito ainda em construção, praticá-la dentro da lógica
da propagabilidade significa reconhecer a importância da esfera pública, a relevância
daquilo que é de interesse coletivo e da participação ativa dos cidadãos nesse processo
comunicacional.
Os desafios apontados aqui, portanto, podem ser considerados também como
caminhos sistemáticos para uma Comunicação Pública reconfigurada. Nossas
considerações, apesar de ainda introdutórias, nos sinalizam a certeza de que as práticas
de “propagabilidade” – fluxo de ideias, a dispersão do material, a diversidade das
experiências, a participação livre, a facilidade de compartilhamento, a existência de uma
miríade de redes temporárias e localizadas, os intermediários autenticamente populares
defendendo e doutrinando, e a colaboração através de papeis – mencionadas por
Jenkins, Ford e Green (2014), podem seguir sendo estudadas, caso a caso, por todos os
agentes envolvidos em processos de Comunicação Pública, de modo especial, no
subcontinente latino-americano, onde alguns pesquisadores ainda admitem que esses
debates são escassos, mas também onde reconhecemos potenciais iniciativas na área,
como os estudos desenvolvidos e debatidos no âmbito de entidades como a ALAIC
-Asociacion Latinoamericana de Investigadores de la Comunicacion, por meio de
movimentos acadêmico-científicos com a Escola de Verão Pesquisa em Comunicação
na América Latina, criada em parceria com a Universidade de Brasília - UnB, no Brasil.

Referências

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comunicação pública radiofônica local na Andaluzia, Espanha: do ontem ao hoje –
desafios na promoção da cidadania na mais populosa região espanhola. Anais do XXXV
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http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001240/124058Eo.pdf >. Acesso em: 05 mai
2015.
A verdade e o jornalismo: Uma perspectiva filosófica

Fernando Figueiredo Strongren1

RESUMO: Este capítulo tem como objetivo discutir o conceito de verdade e sua relação com
o jornalismo. Para tanto, partimos da oposição entre a concepção positivista de verdade,
desenvolvida pelo filósofo francês Auguste Comte e que serve de base para a prática
jornalística contemporânea, e a concepção sócio-histórica da verdade, presente nas obras de
Friedrich Nietzsche e Michel Foucault, buscando evidenciar a divergência entre a deontologia
do jornalismo e seus efeitos sobre a sociedade na qual está inserido.

Palavras-chave: Jornalismo; verdade; objetividade; Friedrich Nietzsche; Michel Foucault.

“O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos”


(FENAJ, 2007). É assim que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 4°,
mostra a ligação entre jornalismo e verdade. Figura constante no debate científico sobre o
jornalismo, a verdade serve não somente como elemento base para a construção de códigos
deontológicos da área, mas também como pilar das teses que buscam ratificar a importância
do jornalismo para a sociedade.
Na busca pelo fundamento do conceito de verdade presente no jornalismo
contemporâneo encontramos uma forte influência da obra de Auguste Comte. O filósofo
francês é considerado o pai do positivismo filosófico e teve seu pensamento projetado em
todo mundo ocidental na segunda metade do século XIX, influenciando diversas ciências e
campos do saber que se consolidavam naquele período, entre os quais o jornalismo, com uma
crença de que a verdade pode ser apreendida pela observação no mundo empírico, que levou à
separação entre fato e opinião (BARROS FILHO, 1995, p. 22; TRAQUINA, 2005, p. 36).
Entretanto, esse conceito de verdade é alvo de críticas de pensadores como o filósofo
alemão Friedrich Nietzsche e do francês Michel Foucault, que entendem a verdade como uma
construção sócio-histórica, determinada não por uma estrutura que está no mundo, mas por
um constante jogo de poder e dominação, que molda constantemente o que o grupo social
entende por verdadeiro ou falso.
Quando levamos essa compreensão sócio-histórica da verdade para o estudo do
jornalismo contemporâneo encontramos resultados contraditórios entre a deontologia do
jornalismo e seus efeitos sobre a sociedade na qual está inserido, causados principalmente

1 O autor é licenciado em filosofia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e bacharel em jornalismo pela Universidade Sagrado Coração (USC). Atualmente é mestrando em comunicação
na Universidade de Brasília (FAC/UnB). E-mail: f.strongren@yahoo.com.br.
pela premissa da objetividade jornalística. Isto é, o jornalista, ao dedicar-se a retratar os fatos
objetivamente, apresenta uma verdade determinada pelos grupos dominantes, comprometendo
uma das funções básicas do jornalismo: ser instrumento de proteção da sociedade dos abusos
dos governantes e das instituições e de transformação desta mesma sociedade (TRAQUINA,
2005, p. 49-50).
Nossa pesquisa toma os princípios metodológicos da filosofia que, como destacam
Folscheid e Wunenburger (2006), não existe de forma independente e externa ao ato de
filosofar, como um conjunto de técnicas a serem aplicadas, mas surgem de modo inerente à
lógica e exigências da pesquisa. “Por isso a prática da filosofia é, antes de mais nada,
inseparável de uma freqüentação de textos que devemos aprender a ler, a explicar e a
comentar” (FOLSCHEID e WUNENBURGER, 2006, XI). Neste caso, retirei a primeira
oração, esperando deixar o parágrafo mais direto e objetivo, porém não consegui imaginar
uma forma de reescrevê-lo.
Deste modo, nosso percurso metodológico teve início com a leitura das obras de
Comte, Nietzsche e Foucault e de livros e artigos que destacam a questão da verdade e de sua
relação com o jornalismo. Em seguida, passamos para a análise e comparação dos conceitos-
chaves da pesquisa (verdade, jornalismo e objetividade), que serviu de base para a redação
deste capítulo.

SOBRE O JORNALISMO POSITIVO

O século XIX foi testemunha de uma grande mudança no jornalismo. Estimulado pelo
desenvolvimento do capitalismo, pela consolidação da democracia e da imprensa como
indústria passiva de lucro, o que se viu foi uma reformulação dos propósitos e conceitos do
jornalismo.
A principal mudança que surgiu nesse período foi a separação entre informação e
opinião, influenciada pelo pensamento positivista de Auguste Comte. Dentro dessa nova
proposta, o jornalismo assumiu para si o valor de “espelho do mundo”, trazendo a ideia de
que apresenta em suas páginas a realidade tal como ela é, adotando um conceito fundamental
no seu desenvolvimento contemporâneo: a objetividade (BARROS FILHO, 1995;
SCHUDSON, 2010; TRAQUINA, 2005).
Barros Filho (1995, pg. 20) diz que este conceito de objetividade dividiu as opiniões
dos teóricos e pensadores do jornalismo moderno, com grupos defendendo sua prática e
outros criticando-a, alertando sobre a impossibilidade de que a objetividade seja alcançada ou
pelo fato dela ser prejudicial ao jornalismo, seja por não cativarem o leitor, despersonalizarem
o jornalista ou dar uma visão superficial da realidade. Todavia, seja entre os defensores ou os
críticos da objetividade jornalística, o paradigma da verdade não parece ser criticado.
Mas, afinal, o que seria essa informação verdadeira que os jornalistas tanto buscam? O
que é essa verdade na qual se baseia a produção jornalística?
Sem uma clara definição da origem e fundamento da verdade no jornalismo, as
respostas dadas às outras questões proeminentes do jornalismo contemporâneo, como sua
função social, sua deontologia e a profissionalização da categoria, tendem a ser construídas
em um terreno sem fundamentos.
Fundada pelo filósofo francês Auguste Comte na primeira metade do século XIX, o
positivismo filosófico atingiu seu auge nos últimos anos do mesmo século, enveredando-se
pelas mais diversas esferas do mundo ocidental moderno, incluindo o jornalismo, que se
consolidava como veículo de comunicação de massas. No positivismo, Comte propõe uma
sociologia, um estudo da sociedade que tivesse como princípio único o empírico e que
alcançasse resultados tão incontestáveis quanto os das ciências exatas, fugindo, assim, das
explicações metafísicas dos fenômenos sociais. Nessa busca pelo fato social em si, o
positivismo se distancia de tudo o que é criado pelo homem, como os juízos de valor, que no
jornalismo resultou na separação do fato da opinião (BARROS FILHO, 1995, p. 22).
Não foi somente na distinção entre fato e opinião que o positivismo contribuiu para o
jornalismo. Ao tornar a sociedade um objeto científico, o positivismo trouxe os métodos das
ciências exatas para o universo das relações humanas, tendo como princípio básico a
observação neutra e imparcial da realidade, nas palavras de Comte (2002, p. 1): “A pura
imaginação perde então de modo irrevogável a sua antiga supremacia mental e subordina-se
necessariamente à observação, de maneira a constituir um estado lógico plenamente normal”.
Além do pensamento positivista, a consolidação da objetividade jornalística no fim do
século XIX também esteve ligada a fatores econômicos e tecnológicos.
Com a expansão do jornalismo e o crescimento da publicidade gerado pelo
desenvolvimento da sociedade industrial ao longo do século, o jornal estabeleceu-se como
uma empresa capitalista, capaz de gerar lucros com a comercialização do produto informação.
Na busca pelo aumento das tiragens, os jornais depararam-se com a necessidade de atender
um público mais heterogêneo, ou seja, que não pertencia mais a uma elite, nem compartilhava
de um único ideal político.
Ao lado do aparato comercial e filosófico, o ideal de objetividade jornalística também
obtinha suporte e referência do desenvolvimento tecnológico da segunda metade do século
XIX. O primeiro desses suportes, lembra Traquina (2005, p. 38), veio com o advento da
fotografia, da qual o jornalismo tomou o padrão de realidade apresentado por uma foto como
referência de reprodução da realidade. Outro fator determinante foi a ampliação da rede
telegráfica, que uniu o mundo até a década de 1870, fortaleceu as agências de notícia que se
propunham a oferecer só os fatos, “sem descontentar leitores e anunciantes (efetivos e
potenciais) de cores ideológicas e inclinações partidárias distintas” (BARROS FILHO, 1995,
p. 24-25). O novo paradigma da objetividade, combinado com as novas técnicas de redação e
estilo, criou a imagem do jornalismo como reflexo da realidade e levou o jornalista a uma
categoria próxima à do cientista.
Neste mesmo período em que ganha sua estrutura contemporânea, o jornalismo
assume um papel fundamental na sociedade. Exemplificando essa mudança de perspectiva da
imprensa, Traquina (2005, p. 49) cita o filósofo James Mills, que via no jornal “um
instrumento de reforma da sociedade” e o ex-presidente dos Estados Unidos, Thomas
Jefferson, que afirmava ser a liberdade de impressa parte integrante da democracia. O
pesquisador português segue afirmando que:

[…] a teoria democrática apontava para que o jornalismo cumprisse um


duplo papel: 1) com a liberdade 'negativa', vigiar o poder político e proteger
os cidadãos dos eventuais abusos dos governantes; 2) com a liberdade
'positiva', fornecer aos cidadãos as informações necessárias para o
desempenho das suas responsabilidades cívicas, tornando central o conceito
de serviço público como parte da identidade jornalística. (TRAQUINA,
2005, p. 50).

Mesmo sendo amplamente aceita desde o século XIX até os tempos atuais, a visão
positivista da verdade encontrou críticos como Friedrich Nietzsche e Michel Foucault, que
apontam o local da verdade não no mundo empírico, mas como fruto de uma construção
social que envolve interesses morais e jogos de poder. Tal perspectiva, ao ser colocada em
confronto com as práticas jornalísticas e sua função social, evidenciam uma contradição que
deixaremos mais claro nas próximas seções desse capítulo, onde apresentamos as concepções
de Nietzsche e Foucault sobre a verdade e sua ligação com o jornalismo. A discussão está
apressada.

A VERDADE COMO MORAL

Se para Auguste Comte a verdade está no mundo e só poderíamos alcançá-la fazendo


uso de métodos das ciências exatas, para filósofos como Friedrich Nietzsche e Michel
Foucault a verdade é uma construção social, resultado de processos políticos e discursivos
ligados a interesses dos grupos que moldam essa verdade.
Em um capítulo do livro “O Crepúsculo dos Ídolos” intitulado O problema de
Sócrates, Nietzsche (2006) aponta como a verdade é construída desde Sócrates como algo que
permite às pessoas escaparem de seus sofrimentos e encontrarem um sentido para suas vidas.
Sócrates colocou a razão como ferramenta de busca pela verdade, dando os primeiros passos
em direção à justificativa racional do que acontece no universo. A queda de uma maçã ou o
agir do homem seriam comandados por uma verdade que estaria fora desse mundo material e
que só poderia ser alcançada afastando-se dele através da razão.
Caracterizado por esse movimento de encontrar uma vida nova, a vontade de verdade
está pautada pela busca pelo que lhe é útil para organizar a vida, dando ordem ao caos da
existência. Porém, esse movimento de fuga do caos do mundo material, deve vir,
necessariamente, de fora desse mundo, como explica o próprio Nietzsche2:

“Como poderia algo nascer do seu oposto? Por exemplo, a verdade do erro?
Ou a vontade de verdade da vontade de engano? [...] as coisas de valor mais
elevado devem ter uma origem outra, própria – não podem derivar desse
fugaz, enganador, sedutor, mesquinho mundo, desse turbilhão de insânia e
cobiça! Devem vir do seio do ser, do intransitório, do deus oculto, da ‘coisa
em si’ – nisso, e em nada mais, deve estar sua causa” – Este modo de julgar
constitui o típico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os
metafísicos de todos os tempos [...] (2005, p. 9-10).

Em “Sobre verdade e mentira”, Nietzsche afirma que a verdade se consolida pela


necessidade do homem encontrar uma unidade que retire os indivíduos de um estado de
guerra de todos contra todos, para colocá-los em uma vida de paz e em rebanho, em um
deslocamento realizado justamente pelo intelecto, que se sobrepõe ao lado intuitivo – voltado
para as aparências – para encontrar designações universalmente válidas que são transformadas
em leis da verdade.
Nesse processo de pacificação, o grupo social começa a construir suas verdades com
designações uniformemente válidas e impositivas das coisas e uma legislação da linguagem
que fornece as primeiras leis da verdade. Nesse processo, a coisa em si permanece
inalcançável para o formador da linguagem, que designa apenas a relação das coisas com os
homens através do uso de metáforas.
Mas como essas escolhas arbitrárias ganham o valor metafísico de verdade? O próprio
Nietzsche responde:

2
Devemos destacar que os metafísicos aos quais Nietzsche se refere são distintos dos metafísicos de Comte. Para
o filósofo francês, metafísica é um estágio de transição entre as explicações teológicas e o positivismo. Já para
Nietzsche, metafísica é a busca por verdades universais, grupo no qual se incluía Comte.
O que é a verdade, portanto? Um exército móvel de metáforas, metonímias,
antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram
realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma
longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias.
(2008, p. 36).

Ao definir a verdade como um “exército móvel de metáforas”, o filósofo ressalta dois


pontos importantes de seu pensamento. O primeiro está ligado à força, representado pelo
exército, dos valores e do poder que impregna a verdade. Outro aspecto a ser destacado é a
mobilidade dos conceitos, já que sendo eles originados de uma construção do sujeito a partir
de sua relação com o objeto, o conceito pode ser reformulado dentro da história de um povo,
como fizeram os judeus:

Os judeus realizaram esse milagre da inversão dos valores, graças ao qual a


vida na Terra adquiriu um novo e perigoso atrativo por alguns milênios – os
seus profetas fundiram “rico”, “ateu”, “mau”, “violento” e “sensual” numa
só definição, e pela primeira vez deram cunho vergonhoso à palavra
“mundo”. (NIETZSCHE, 2005, p. 83).

Desta forma, Nietzsche conclui que a verdade não vai além de um mentir socialmente,
conforme uma convenção, da qual o homem se mantém fiel pela necessidade que possui de
viver em sociedade. Em oposição aos efeitos benéficos da verdade, a mentira nasce do abuso
nocivo dessas convenções.

O que eles odeiam fundamentalmente não é o engano, mas as consequências


ruins, hostis, de certos gêneros de enganos. Num sentido semelhantemente
limitado, o homem também quer apenas a verdade. Ele quer as
consequências agradáveis da verdade, que conservam a vida; frente ao puro
conhecimento sem consequências ele é indiferente, frente às verdades
possivelmente prejudiciais e destruidoras ele se indispõe com hostilidade,
inclusive. (NIETZSCHE, 2008, p. 29-30).

Falar a verdade passa a ser um elemento fundamental para a preservação da vida e do


indivíduo dentro do grupo social. Falar e agir verdadeiramente transforma-se em falar e agir
com retidão em um caminho que leva ao bem “em si” e ao justo “em si”, em outras palavras, a
verdade converte-se em moral. “A verdade seria a fachada por trás da qual a intenção moral se
traveste de conhecimento, aproveitando-se do maior valor concedido à verdade, para tornar-se
inatacável” (CAMARGO, 2008, p. 102). Portanto, a questão sobre a origem da verdade deve
passar pela pergunta sobre qual moral essa verdade carrega (NIETZSCHE, 2005, p. 12-13).
Migrando da filosofia para o jornalismo, é possível exemplificar essa afirmação dentro
da prática do jornalismo. Em dezembro de 2012, voltou ao noticiário nacional, em especial da
Rede Globo, a querela jurídica entre o grupo de comunicação argentino Clarín e o governo
Cristina Kirchner sobre a Lei de Meios. Tendo como ponto central da lei o controle das
licenças de rádio e televisão, visando a redução dos conglomerados de mídia, o Clarín seria o
maior “prejudicado”, já que detém cinco rádios AM/FM, uma rádio online, uma operadora de
TV a cabo, cinco canais a cabo, nove canais abertos, sem contar os jornais e revistas, editora,
entre outros (ENTENDA, 2012)3. Tal poderio midiático só encontraria paralelo no Brasil com
as Organizações Globo, que controlam 340 veículos de imprensa no país, segundo o site
Donos da Mídia (GLOBO, 2013), o que tornaria possível afirmar que a verdade apresentada
pelos veículos da Rede Globo sobre o suposto abuso do governo argentino sobre o Clarín,
esconde uma justificativa para si própria, enquanto conglomerado de mídia, no caso da
possibilidade de um projeto de lei similar no Brasil.
Assim, entendemos que é possível compreender como válida para o jornalista a
máxima nietzschiana de que nada é impessoal para o filósofo. Sua moral (vinculada ao
instinto de sobrevivência) determina o que se designa como verdade, imparcial, objetivo e
relevante na construção da notícia. O jornalista, como os estoicos, diria Nietzsche, acredita ser
como a natureza enquanto, na realidade, vivem conforme a sua natureza:

Na verdade, a questão é bem outra: enquanto pretendem ler embevecidos o


cânon de sua lei na natureza, (...) Seu orgulho quer prescrever e incorporar à
natureza, até à natureza, a sua moral, o seu ideal, vocês exigem que ela seja
natureza “conforme a Stoa”, e gostariam que toda existência existisse apenas
segundo sua própria imagem. (NIETZSCHE, 2005, p. 14).

Tal qual o estoico, o jornalista também vê o fato noticioso (natureza) segundo sua
própria imagem. Isto é, acreditando no ideal – e no poder – da objetividade, o jornalista acaba
por transpor seus valores (a moral de sua sociedade) sobre os valores dos outros.
Apesar de parecer, de certo modo, um jornalismo mais ligado ao humor, as sessões do
tipo “mundo estranho” revelam um pouco dessa transposição de valores e verdades locais em
outras sociedades. Observando as matérias publicadas nas editorias “Esquisitices”, do portal
R7, e “Planeta Bizarro”, do G1, vemos uma amplitude diversa nos temas abordados, que vão
desde fotos de prisão (snapshot) até receitas inusitadas e fotos curiosas. Talvez, o único
padrão é a origem das matérias: o exterior. No entanto, algumas matérias locadas nessas
editorias chamam a atenção ao enquadrar como “bizarro” ou “esquisito” hábitos culturais ou
comportamentos de outrem. O mesmo pode ser notado em outras editorias e séries
documentais como a “Tabu”, do National Geographic Channel.
Essa prática vai de encontro ao princípio do jornalismo de “[...] fornecer aos cidadãos

3
Esses números do Grupo Clarín apresentados pela matéria do G1 é contestada por diversos sites na internet,
que apresentam uma listagem muito maior de veículos pertencentes ao grupo de mídia argentina (ESTE, 2013;
MIRÁ, 2011).
as informações necessárias para o desempenho das suas responsabilidades cívicas [...]”
(TRAQUINA, 2005, p. 50), uma vez que as verdades que chegam ao leitor são sempre as
mesmas, isto é, construídas sobre a moral que ele integra, não apresentando novidades que
possibilitem a construção comparativa. Nietzsche aponta o mesmo problema ao falar da
prática dos filósofos em “Além do bem e do mal”:

Precisamente porque os filósofos da moral conheciam os fatos morais apenas


grosseiramente, num excerto arbitrário ou compêndio fortuito, como
moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua Igreja, do espírito de sua
época, de seu clima e seu lugar – precisamente porque eram mal informados
e pouco curiosos a respeito de povos, tempos e eras, não chegavam a ter em
vista os verdadeiros problemas da moral – os quais emergem somente da
comparação de muitas morais. (2005, p. 74-75, grifo do autor).

Visto sob a ótica nietzschiana, o jornalista, ao primar pela objetividade, reproduz uma
verdade já aceita, a moral já praticada, sem oferecer aos leitores informações para que possam
confrontar a sua realidade, a estruturação social da qual fazem parte.
Essa reprodução da sua própria moral se liga a afirmação de Nietzsche que não seriam
os sentidos os responsáveis pela apreensão do objeto, antes disso, construímos a realidade
através de nossa fé, de nossa ficção, com hipóteses “prematuras”. Reproduzimos, antes do
contato sensitivo, aquilo com o que já estamos acostumados e não a vivência mesma.

Para nosso olho é mais cômodo, numa dada ocasião, reproduzir uma imagem
com frequência já produzida, do que fixar o que há de novo e diferente numa
impressão: isto exige mais força, mais “moralidade”. [...] Mesmo nas
vivências mais incomuns agimos assim: fantasiamos a maior parte da
vivência e dificilmente somos capazes de não contemplar como “inventores”
algum evento. Tudo isso quer dizer que nós somos, até a medula e desde o
começo – habituados a mentir. (NIETZSCHE, 2005, p. 81. Grifo do autor).

Talvez esse seja um dos pontos mais conflitantes do pensamento nietzschiano com o
ideal de objetividade jornalística. Mesmo levando em conta o reconhecimento, dentro da
teoria do jornalismo, de que a objetividade é um ideal que deve nortear a ação do jornalista,
afirmar que é “mais cômodo, numa dada ocasião, reproduzir uma imagem com frequência já
produzida” e que “fantasiamos a maior parte da vivência” desconstrói a possibilidade da
objetividade.
Como seria possível relatar um fato, por essência singular, se ao observarmos, só
trazemos de volta aos nossos olhos aquilo que eles já viram antes? Provavelmente, os
defensores mais ferrenhos da objetividade poderiam contra-argumentar, dizendo que, no caso
de Nietzsche estar certo, nossas experiências estariam reduzidas a um pequeno número e não
poderíamos sequer imaginar a existência do singular.
Porém, a tese nietzschiana não pretende excluir a ideia do singular, ao contrário, ele
afirma que a experiência singular é, previamente, carregada de moral. Isto é, aplicamos todo o
nosso repertório social no ato singular.
No jornalismo, os “olhos cômodos” do repórter influenciam sua observação em
diversos aspectos. Encontramos um exemplo dessa valoração moral imediata nas coberturas
iniciais de diversos veículos de comunicação sobre o Cartão Recomeço. Apresentado
oficialmente em 9 de maio de 2013, pelo Governo do Estado de São Paulo, como um projeto
para custear o atendimento de dependentes químicos em clínicas e entidades credenciadas, o
projeto foi apelidado pelos jornais de “Bolsa Crack”, passando a ideia que o valor pago pelo
estado iria para o usuário. Em um segundo momento, os jornais trocaram a expressão negativa
por “Bolsa Anticrack”.

O DISCURSO JORNALÍSTICO

Como um dos principais leitores de Nietzsche no século XX, Michel Foucault coloca-
se ao lado do pensador alemão na crença de que a verdade é construída socialmente, detendo-
se especialmente as relações de poder que envolvem essa construção. Nessa perspectiva, ele
afirma que o discurso é uma forma de exercício de poder e de construção da realidade.
Para Foucault, a construção social do discurso utiliza de certos procedimentos para
determinar quais discursos são válidos e quais são relegados ao campo da mentira e da
inexistência. O primeiro deles é a interdição, que estabelece quem, quando e onde um
discurso pode ser pronunciado (FOUCAULT, 2010, p. 9).
No jornalismo encontramos a interdição em seus três modos: o tabu do objeto, ou seja,
quando determinado assunto é excluído ou colocado como periférico na produção jornalística,
como o uso do termo “ex-namorada” para designar Adriana, caso extraconjugal do então
senador Antônio Carlos Magalhães em 2003 (GOMES, 2004, p. 12); o ritual da circunstância,
que afirma que não se pode falar de tudo em qualquer lugar, como o caso de coberturas de
suicídios, onde o jornalismo não noticia os casos de suicídio para não estimular outros
potenciais suicidas; e direito privilegiado de quem fala, como a busca por fontes oficiais em
casos policiais (onde o que vale é o que está no boletim de ocorrência, não, necessariamente, a
versão dos envolvidos).
Esse último tipo de interdição também está diretamente ligado ao outro tipo de
exclusão apontado por Foucault: a separação e rejeição, em um procedimento que identifica o
que é verdadeiro e falso, baseado, sobretudo, na autoridade de quem fala. E, como apontam
Franzioni, Ribeiro e Lisboa (2011), no artigo “A verdade no jornalismo: relações entre prática
e discurso”, o direito de fala é ligado em sua maioria às elites do poder. Tal posição é
ratificada pelas autoras, fazendo referência ao trabalho de Léon Signal, que “mostrou que a
maioria das matérias de primeira página dos dois principais jornais norte-americanos, o New
York Times e o Washington Post, eram fortemente inspiradas por fontes governamentais”
(Ibidem, p. 50). Assim, as autoras concluem que:

Podemos inferir a partir desses estudos e conforme a ótica de Foucault que


as fontes oficiais, que na maioria das vezes detêm o poder econômico e
político, contribuem para a instauração de uma ordem discursiva, que será a
predominante no campo jornalístico. A detenção do poder, neste caso, lhes
assegura um lugar privilegiado na esfera jornalística, que se torna dessa
maneira reprodutora de uma visão hegemônica. Esse retrato da realidade
social feito pelo jornalismo, porém, pode ter pouco a ver com os interesses
do cidadão ou com a complexidade social, como observou Hall et al. Dessa
forma, as opiniões e os argumentos reproduzidos pelo jornalismo, tal como
os sujeitos que os proferem, estão inseridos numa estrutura social que os
modela. A “verdade” inscrita nesses relatos emerge, portanto, como
consequência de regras institucionais e estratégias de poder como assinala
Foucault. Seguindo nessa mesma linha, Benetti referenda essa afirmação ao
dizer que: “Nenhum discurso está livre da verdade como efeito, e o
jornalismo não seria diferente: a verdade como construção, como crença e
como convicção”. (2011, p. 50).

Ambos os procedimentos anteriormente citados (interdição e a separação/rejeição) são


regulados e conduzidos pelo terceiro procedimento apontado por Foucault: a vontade de
verdade. Princípio fundamental para a aceitação de um discurso como verdadeiro, a vontade
de verdade é um conjunto de técnicas e objetos que uma sociedade aceita como válidos para
que um discurso seja tomado como verdadeiro.
Também é na vontade de verdade que encontramos uma ligação bastante próxima com
o jornalismo: “Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e
uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre
falando de nossa sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção”
(FOUCAULT, 2010, p. 18, grifo nosso).
Ao falar do “suporte institucional” da vontade de verdade, Foucault menciona
explicitamente os livros, bibliotecas, sábios e laboratórios, além do “modo como o saber é
aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo
atribuído” (Ibidem, p. 17), ou seja, todo um conjunto de práticas pedagógicas que ditam a
sociedade. E é justamente nesse ponto que o jornalismo entra como uma instituição
fundamental para a disseminação e reforço da vontade de verdade, com sua capacidade de
alcançar quase todo o corpo social, movimentando e agindo sobre a estrutura social onde as
relações recíprocas dos indivíduos e grupos constroem efetivamente os efeitos do poder
(FOUCAULT, 2010, p. 281 e seguintes).
Esse papel exercido pelo jornalismo está ligado com o aspecto positivo do poder. Ele,
ao lado de diversas outras instâncias e instituições, atuam na produção, acumulação,
circulação e funcionamento dos discursos e da verdade. E isso fica mais evidente ao
pensarmos o conceito de objetividade jornalística como a busca pela verdade dos fatos.

O poder não para de nos interrogar, de indagar, registrar e institucionalizar a


busca da verdade, profissionaliza-a e recompensa-a, no fundo, temos que
produzir a verdade como temos que produzir riquezas, ou melhor, temos que
produzir a verdade para poder produzir riquezas. Por outro lado, estamos
submetidos à verdade também no sentido em que ela é lei e produz o
discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte,
efeitos de poder. Afinal, somos julgados, condenados, classificados,
obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou
morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos
específicos de poder. (FOUCAULT, 2010, p. 279).

Baseada no domínio do corpo e de seus atos, em substituição ao antigo regime de


controle de terras e produtos, essa nova forma de domínio demanda um controle através da
vigilância. “Esse novo tipo de poder [...] foi um instrumento fundamental para a constituição
do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correspondente; esse poder não
soberano, alheio a forma da soberania, é o poder disciplinar” (Ibidem, p. 291).
Segundo Foucault, as disciplinas são um sistema de coerção do corpo social, criadoras
de aparelhos de saber e conhecimento com um discurso normativo. Mais uma vez, o
jornalismo é suporte para a propagação desses discursos, como na cobertura das recentes
manifestações no Brasil e a defesa das manifestações pacíficas, nas matérias sobre
relacionamento em revistas para adolescentes, como se comportar em entrevistas de emprego,
como ter saúde e qualidade de vida, todos ligados aos interesses de quem quer dominar o
corpo: “É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e
riquezas” (Ibidem, p. 291).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta reflexão sobre a relação entre o pensamento de Nietzsche e Foucault


com o jornalismo contemporâneo buscamos evidenciar o processo de ratificação do status
quo que o jornalismo contemporâneo realiza. Posicionando-se dessa forma, o jornalismo vê-se
no meio de uma contradição entre dois aspectos que fundaram a deontologia de sua profissão
ao longo dos últimos 150 anos: aderindo ao ideal de objetividade, o jornalismo torna-se um
elemento de reprodução e consolidação do sistema social vigente, impedindo-o de exercer
suas funções sociais, que segundo Traquina (2005, p. 50), envolvem ser instrumento de
reforma social, de controle do poder político em defesa dos indivíduos e de fonte de
informações para que estes possam desempenhar plenamente seu papel de cidadão.
Desta forma, entendemos que no caminho para o jornalismo se reencontrar com suas
funções sociais passa por uma reformulação de sua práxis e suas teorias.
O trabalho deste “jornalista do futuro” adota como premissa o conceito de verdade
apresentado por Nietzsche e Foucault, isto é, ele compreende a verdade como uma construção
socio-histórica - fundamental da existência em sociedade – que serve de justificativa para a
moral vigente, ao mesmo tempo em que atua com construtora e legitimadora do poder. Assim
sendo, é necessário reconhecer que esta mesma verdade, por ser construída socialmente, é
relativa e pode (e deve) ser transformada na busca de uma sociedade melhor. Por fim, o
jornalista do futuro reconhece a soberania do corpo social na autoridade de determinar a
verdade vigente.
Neste último passo de delegar ao coletivo o poder de construtor da verdade, o
jornalismo se desfaz da carga institucional e disciplinadora que ele carrega na sociedade
contemporânea. Concomitante a este movimento, vemos a assunção do jornalista-espelho ao
jornalista-intelectual, ou seja, o jornalista passa a se reconhecer como indivíduo, como parte
de um grupo, fruto de uma história social que o moldou e que se coloca como porta-voz de
um particular que se propõe como geral, se opondo ao homem objetivo contemporâneo.

[...] intelectual não é, portanto, “o portador de valores universais”; ele é


alguém que ocupa uma posição específica, mas cuja especificidade está
ligada às funções gerais do dispositivo de verdade em nossa sociedade. Em
outras palavras, o intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade
de sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo,
intelectual “orgânico” do proletariado); a especificidade de suas condições
de vida e de trabalho, ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de
pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que se submete,
ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital etc.); finalmente, a
especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas.
(FOUCAULT, 2012, p. 52-53).

Ao assumir suas posições, o jornalista-intelectual (como nomeamos este jornalista do


futuro) vai se distanciar da objetividade, recorrendo a construções textuais – discursos – que
rompam com o poder vigente, apresentando o acontecimento sob a ótica do sujeito-jornalista,
com todas as suas especificidades de classe, de lugar e de política de verdade. O jornalista-
intelectual age como o genealogista de Foucault, resgata os saberes excluídos para trazê-los à
tona, apresentando-os para todos os membros da sociedade e permitindo que eles (os saberes)
sejam “capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal
e científico” (Ibidem, p. 270).
Logo, o jornalista do futuro dilui a uniformidade e a massificação da forma como os
fatos são tratados hoje em dia pelos veículos de comunicação para expressar a multiplicidade
de valores existentes e que, normalmente, se encontram subjugados pelos poderes
dominantes. Não se estabelece, necessariamente, uma exclusão total dos valores
contemporâneos em favor de outros valores, mas promove-se a multiplicidade de valores,
permitindo ao público conhecer o fato através de diversos olhares e vozes.
Mostra da centralidade e do tamanho dos efeitos que a objetividade e o positivismo
têm no jornalismo contemporâneo, a retirada da objetividade da deontologia do jornalismo
exige a reformulação da posição do jornalismo na sociedade. Não cabe mais a ele somente
reportar o que acontece no mundo, o jornalismo exercido sob essa nova filosofia vai se
assumir como parte integrante da luta pelo domínio do discurso, se colocando, enquanto
campo, como ponto de convergência dos atores, de suas morais e verdades.
Inimigo da moral, vitrine de outras possibilidades de verdade e iconoclasta das
instituições e das disciplinas. É assim que se desenha o jornalista-intelectual, aquele que com
clareza, precisão e paixão pela sua verdade, traz de volta ao jornalismo aquilo que ele perdeu
quando se encontrou com o mercado e com Comte: seu valor reformador. O jornalista do
futuro resgata a ideologia do jornalismo propagandista e político (no sentido suprapartidário)
que marcou os primeiros séculos de vida da imprensa, para atuar como educador e formador
de opinião de uma sociedade realmente livre e autônoma.

REFERÊNCIAS

BARROS FILHO, Clovis. Ética na comunicação: da informação ao receptor. São Paulo:


Moderna, 1995.
CAMARGO, Gustavo Arantes. Sobre o conceito de verdade em Nietzsche. Revista Trágica:
estudos sobre Nietzsche, V. 1, n. 2. Rio de Janeiro: 2008.
COMTE, Auguste. Discurso preliminar sobre o espírito positivo. Editora Ridendo Castigat
Mores, 2002. Em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/comte.html>. Acesso em: 8 de junho
de 2012.
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<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/12/entenda-lei-de-meios-na-argentina.html>.
Acesso em: 20 maio 2013.
ESTE es el listado de medios que pertenecen al Grupo Clarín y por los que deberá adecuarse.
Sin Tinta, Bahía Blanca, 30 out. 2013. Nacionales. Disponível em:
<http://sintinta.com.ar/2013/10/30/este-es-el-listado-de-medios-que-pertenecen-al-grupo-
clarin-y-por-los-que-debera-adecuarse/>. Acesso em: 29 set. 2015.
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS (FENAJ). Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros. Vitória: 2007. Em:
<http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf
>. Acesso em: 30 de setembro de 2012.
FOLSCHED, Dominique; WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica. São
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 25ª edição. São Paulo: Graal, 2012.
___________. A ordem do discurso. 20ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
FRANZIONI, Sabrina; RIBEIRO, Daiane Bertasso; LISBOA, Sílvia Saraiva de Macedo. A
verdade no jornalismo: relações entre prática e discurso. Verso e Reverso, São Leopoldo, V.
25, n. 58, p. 45-52, jan.-abr. 2011. Disponível em:
<http://www.unisinos.br/revistas/index.php/versoereverso/article/view/789/145>. Acesso em:
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GLOBO. In: Donos da Mídia, 2013. Disponível em:
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GOMES, Mayra Rodrigues. Jornalismo e filosofia da comunicação. São Paulo: Escrituras
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NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
_______. Crepúsculo dos ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo. São Paulo:
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_______. Sobre verdade e a mentira. São Paulo: Hedra, 2008.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a Notícia: uma história social dos jornais nos Estados
Unidos. Petrópolis: Vozes, 2010.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são.
Florianópolis: Insular, 2005.
Economía y Comunicación: contribución al debate a partir de la TV uruguaya

Gianela Turnes1

Resumo: O artigo faz uma revisão bibliográfica das pesquisas sobre a criação do novo
cargo de editor de mídias sociais em redação de jornal. Apresentamos os resultados
desses estudos e identificamos tendências e metodologias utilizadas nas pesquisas. Na
literatura revisada, a atuação desse novo profissional nas mídias sociais estaria alterando
principalmente a relação do jornalista com o público. Porém, concluímos que ainda
faltam estudos aprofundados sobre a identidade do novo cargo, que poderiam apontar se
esse profissional representa, concretamente, um novo perfil profissional do jornalista.

Palavras-chave: editor de mídias sociais, mídias sociais, identidade profissional.

Se propone analizar algunos tópicos relativos a la tv de Uruguay y los procesos


de reestructuración y regulación que ella atraviesa, contrastando las interpretaciones de
la ortodoxia económica pura y de la economía del bienestar y el neo institucionalismo
con la concepción crítica que analiza la acción de los medios masivos de comunicación
desde la economía política. Estas tres formas diferentes de interpretar la comunicación
conducen a reconocer distintos roles a los agentes que intervienen en el proceso. Se
revisa la transformación de la tv uruguaya antes concebida como servicio público, y
hoy caracterizada de forma preponderante como servicio privado de interés público. El
objetivo es contribuir al debate sobre las implicancias que esta transformación tiene
sobre los agentes que participan del proceso de comunicación masiva: los operadores, la
ciudadanía, el regulador.

1. Interpretaciones de la ortodoxia aplicadas al sector televisivo de Uruguay

1
Gianela Turnes es Economista, diplomada en Economía y Gestión Bancaria, y maestranda en
Información y Comunicación por la UdelaR; diplomada en Gestión Cultural y Comunicación por
FLACSO y docente de economía en la UdelaR
Desde una concepción de ortodoxia económica pura, las empresas que ofrecen
servicios de TV abierta son agentes privados que compiten en el mercado, y en este
juego competitivo cualquier intervención del Estado es desaconsejada. Una mirada al
sector de actividad televisiva en Uruguay desde este enfoque podría caracterizarlo como
una industria cuyos agentes operan en competencia, tomando sus decisiones en libertad
y con información perfecta, ofreciendo productos en el mercado a los precios en que
pudieran encontrar su demanda y lograr el equilibrio. Cualquier interferencia
regulatoria que limitara la libre elección de los agentes sería considerada inoportuna y
provocadora de ineficiencias. Cualquier intencionalidad atribuida a los agentes que
fuera diferente de la obtención de beneficios a través de la operación de su explotación
comercial sería desechada por inconsistente en el modelo. Cualquier distinción de
diferencias de poder entre los agentes que condujera a ventajas comerciales de unos
sobre otros sería explicada mediante un desempeño más eficiente, o mejor asignación de
recursos, en suma, como mayor esmero puesto en la meta de rentabilidad (MOCHÓN Y
BEKER, 2008, pp.12 y 14)

Desde una visión todavía liberal aunque ajustada con los aportes de la economía
del bienestar, estas empresas operarían en un mercado privado utilizando un bien
público como recurso que permite poner en el aire sus transmisiones: el espectro
radioeléctrico. Éste es un recurso necesario para el cumplimiento de las funciones
públicas asociadas a las telecomunicaciones, la seguridad aeronáutica, la meteorología,
etc., que presenta condiciones de monopolio natural para su gestión, por lo que se
justifica su tratamiento como servicio público. En el marco de la economía del
bienestar, sería posible explicar la organización del mercado desde alguna forma de
competencia imperfecta. Además, el Estado tendría un rol regulatorio más importante
e incluso se justificaría su participación directa como oferente, a partir del
reconocimiento de la existencia de ineficiencias o fallos del mercado, que requieren una
corrección del Estado, para así alcanzar o propender hacia el bienestar social, definido
como una situación de eficiencia que maximiza el bienestar colectivo (STIGLITZ,
2003, caps.1 y 3).

No obstante, a partir de esta concepción de la economía del bienestar, pero


aplicando un matiz lingüístico que transforma la esencia de las emisiones, la TV abierta
operada por privados es interpretada frecuentemente por los propios operadores
comerciales como un producto de mercado que reconoce marginalmente su necesidad
de disponer de un servicio público para ser comercializada y así generar rentabilidad.
Esta condición híbrida como producto de mercado que utiliza un servicio público fuerza
la interpretación que hacen las emisoras comerciales respecto de la condición de
servicios privados de interés público de sus emisiones de TV.

Un tercer enfoque, desde la crítica de la economía política de la comunicación,


permite considerar la diferencia entre la concepción del estado de bienestar -en que las
emisiones de TV son un servicio público que ofrece información, cultura,
entretenimiento y educación-, y aquella interpretación comercial preponderante en las
últimas décadas que las define como servicios privados de interés público. El enfoque
de la economía política de la comunicación sugiere analizar las causas para que se
desdibuje la naturaleza social de estos servicios evitando que ellos sean discutidos en
términos de servicio público. La utilización por privados con fines de lucro de un
servicio con características de bien público, que por su naturaleza debiera destinarse al
bienestar de los ciudadanos, y la naturalización de este uso comercial que se da a una
porción del bien público espectro radioeléctrico son aspectos de la actividad económica
que exigen una interpretación crítica.

Con el fin de analizar críticamente y desde la economía política de la comunicación


a la concepción que considera a las emisiones de TV abierta como servicios privados de
interés público, se discuten a continuación algunas situaciones de fallos de mercado
según la concepción de la economía del bienestar y del neo institucionalismo,
ejemplificadas con casos observables en la actividad de TV en Uruguay.

1.1 Fallo de competencia en la TV montevideana

El fallo de mercado por competencia imperfecta reconoce que los mercados no


siempre operan en condiciones competitivas, esto es: donde hay múltiples oferentes,
múltiples demandantes, el producto que se ofrece es homogéneo para todo el mercado,
todos los agentes tienen información perfecta para tomar cabalmente sus decisiones
económicas y nadie tiene más poder que otro en el mercado. La teoría reconoce
entonces que en mercados en que alguno o algunos de estos supuestos se levantan,
existe una justificación sólida para que el Estado intervenga ya que el funcionamiento
del mercado produce ineficiencias. Si por ejemplo en lugar de existir múltiples oferentes
en un sector de actividad, solo operara un pequeño grupo de vendedores que reconoce
las ventajas que puede obtener si logra acuerdos internos para mejorar la posición del
grupo en el mercado, entonces surgiría una ineficiencia o fallo del mercado,
consecuencia de que los oferentes dejan de competir entre sí y los demandantes ya no
pueden optar con libertad entre las diferentes alternativas que el mercado debería
ofrecer. Por el contrario, enfrentan una oferta que se presenta en bloque, que no
compite, y que por lo tanto, no ofrece verdaderas opciones al consumidor. Si en
situación de competencia perfecta el demandante puede despreciar la oferta de un
productor y acudir a su competidor para obtener el mismo producto a un precio
razonable, en una situación como la descrita arriba, conocida como oligopolio coludido,
de nada le servirá al demandante intentar cambiar de proveedor, porque encontrará la
misma oferta en las mismas condiciones al rechazar a uno y buscar a otro.

Este fallo de mercado conlleva una ineficiencia inherente desde el punto de vista de
la economía del bienestar, porque los oferentes pueden ejercer su poder aumentado,
basado en el acuerdo logrado entre sí, y limitar las posibilidades del demandante de
elegir según sus preferencias. En consecuencia, no se alcanza el bienestar social. En
particular, pueden subir el precio del bien, o bajar su calidad sin que el demandante
pueda obtener de otro oferente mejores condiciones para comprar en el mercado. Esta
situación puede ejemplificarse con la organización del mercado de TV para abonados de
Montevideo. Tomando la información que publica la Unidad Reguladora de Servicios
de Comunicación (URSEC) para diciembre de 2014, el mercado de TV para abonados
de Montevideo se distribuye según el cuadro 1 a continuación:

Cuadro 1 – Distribución del mercado de TV para abonados de Montevideo en


diciembre de 2014
Fuente: URSEC. Evolución del sector de telecomunicaciones en Uruguay. Datos estadísticos.
Diciembre de 2014, p.51

Se observa que actúan 6 operadores en Montevideo: Bersabel SA (Cablevisión,


del Grupo Clarín), Tractoral SA (TCC, Grupo de Saeta tv canal 10), Riselco SA
(Nuevo Siglo, Grupo Cardozo, propietario de Teledoce), Monte Cablevideo SA
(Montecable, Grupo Montecarlo TV Canal 4), DIRECTV de Uruguay Ltda. (asociado a
Grupo Globo y a Televisa) y Multicanal SA (Multiseñal, Equital SA). La empresa
DIRECTV Ltda. ofrece sus servicios a través de emisión satelital y Multiseñal mediante
señales abiertas codificadas.

No obstante la aparente dispersión de la oferta, los tres operadores tradicionales


de la TV abierta (Montecarlo TV Canal 4, SAETA TV Canal 10 y Teledoce Televisora
Color) son también propietarios de la empresa Equital SA, mediante la cual se
constituyeron en proveedores de TV para abonados para el interior del país, y que es,
como se ha visto, también una de las operadoras de TV por suscripción en Montevideo.
Si se observan las estrategias de conformación de paquetes ofrecidos al público por las
empresas asociadas en Equital SA, es posible identificar aspectos comunes en sus
ofertas, con clara predominancia en todos ellos de señales provenientes de la industria
estadounidense y mostrando criterios comerciales similares en la mezcla de productos,
con el objetivo de atender demandas segmentadas por edad y sexo (CABRAL,
GARCÍA Y GARRIDO, 2002, p.56). Es razonable suponer que negocian la compra de
los paquetes que ofrecen al público en forma conjunta, a través de Equital SA. En
consecuencia, en base a la propiedad compartida y a la similitud y comunidad de
estrategias comerciales observada, es posible presumir la existencia de un acuerdo de
operación entre los tres canales abiertos. Si se considera la porción de mercado conjunta
del grupo así identificado (Tractoral SA, Riselco SA, Monte Cablevideo SA y
Multicanal SA) se observa que concentra el 62% del mercado montevideano de TV por
suscripción y el 71% del mercado que opera mediante la modalidad de cable. Con la
información presentada para la capital del país, esta situación claramente puede
caracterizarse como un mercado oligopólico coludido.

Si el análisis se extendiera al interior del país, donde la situación y la


composición del mercado es a primera vista notoriamente diferente debido a que la TV
abierta no tenía cobertura a nivel nacional al irrumpir la TV por suscripción, y donde
numerosos operadores locales ingresaron al mercado al acceder a la posibilidad de
ofrecer TV por cable en la década de los años 90s 2, igualmente sería razonable
ejemplificar un fallo de mercado por oligopolio, a pesar de la dispersión geográfica de
los operadores. En este caso, la mayoría de los operadores locales de TV para abonados
del interior del país, opera como conglomerado en torno a la Red Uruguaya de TV SA
(RUTSA), que a través de un acuerdo con la misma Equital SA propiedad de los canales
privados montevideanos, logró la exclusividad para la retransmisión de los contenidos
de los tres canales metropolitanos, así como también logró que Equital SA se hiciera
cargo del tendido de toda la infraestructura necesaria para ofrecer el servicio en todo el
país. A cambio de sus aportes, Equital SA recibe un porcentaje importante de las tasas
de conexión que cobran las empresas de RUTSA (80%) y además un canon por los
abonos vendidos (CABRAL, GARCÍA Y GARRIDO, 2002, p.34).

Corresponde destacar que el fallo en la competencia típicamente generador de


concentración del mercado es conocido como monopolio natural, y se asocia a
producciones con economías de escala, que exigen al oferente una alta inversión inicial
(como es el tendido del cableado para llegar a las localidades del interior del país así
como la instalación del equipo necesario para efectivizar las transmisiones). Esta
importante inversión inicial puede considerarse como costo hundido, por la dificultad
de recuperación de la inversión si el oferente abandonara el mercado, y constituye una
barrera de entrada para los eventuales competidores, que no tendrían incentivos para
impulsar otra inversión paralela en infraestructura – en nuestro ejemplo, otro cableado a
2
Según informa URSEC en mayo de 2015 operaban 113 empresas de tv para abonados en todo el país
(https://www.ursec.gub.uy/operadores/servlet/hllamadapg?HURPortalConsultaOperadores, recuperado
el 25 de mayo de 2015)
lo largo del territorio. El acuerdo entre Equital SA y RUTSA para la oferta de servicios
de tv cable en el interior del país opera como un monopolio natural geográfico: en las
localidades donde existe el acuerdo operan barreras a la entrada para eventuales
competidores que quisieran invertir en un cableado adicional para competir por la
demanda local bajo la misma modalidad operativa. No obstante, la irrupción del servicio
satelital quiebra este monopolio al permitir la transmisión por aire mediante suscripción.

Para la crítica de la economía política de la comunicación la concentración de poder de


los operadores de TV a través de oligopolios coludidos es - además de un fallo de
mercado que genera ineficiencias a nivel del bienestar social por problemas de escasez
de oferta y precios altos – una evidencia de la forma en que el capital incide en las
decisiones de consumo del público a través de una oferta de contenidos uniformizada y
carente de diversidad, que se dirige a las mayorías capaces de convocar audiencias que
se venden a auspiciantes deseosos de promover sus productos a través de la publicidad.
De esa forma, los medios masivos contribuyen al sostenimiento y desarrollo del modo
de producción capitalista.

1.2 La TV como bien público

La economía del bienestar reconoce la existencia - también como fallos del mercado
- de los llamados bienes y servicios públicos, definidos como un grupo diferenciado
respecto de los bienes y servicios privados. Estos últimos son bienes materiales o no
materiales que se transan en el mercado a cambio de un precio, con fines de
maximización de utilidad individual. Los bienes públicos en cambio, tienen
particularidades en su esencia y en la forma en que operan en el mercado, que habilitan
su consideración por fuera del ámbito mercantil. En primer lugar, los bienes públicos
responden inherentemente a una necesidad reconocida colectivamente como tal: son
bienes necesarios para el bienestar social (STIGLITZ, 2003, p.78). Ejemplos de bienes y
servicios reconocidos como satisfaciendo necesidades aceptadas por el colectivo son la
educación, el disfrute del tiempo libre, la cultura, la información, el entretenimiento.

Además, si se sometieran al mercado, los bienes públicos serían bienes de consumo


no rival, cualidad que la economía marginalista caracteriza a través de la nulidad de su
costo marginal: una vez que el bien ha sido producido, ponerlo a disposición de usuarios
adicionales no tiene costo. Un programa de entretenimiento emitido por tv cumple con
esta condición de no rivalidad: no importa cuántos usuarios lo miren, el costo de
producción no se altera por la cantidad de público que lo disfruta. Como el costo
marginal es cero, carece de sentido cargar un precio al consumidor. Estos bienes suelen
tener asociada también la condición de no exclusión: no es posible impedir el consumo
del bien aunque el consumidor no pague por ese consumo. En el caso de la TV abierta el
ejemplo aplica a cabalidad: si el usuario dispone de un dispositivo receptor de TV, la
emisora de TV terrestre no puede excluirlo del consumo de sus programas aunque el
consumidor no pague ningún precio por él.

Ahora bien, el concepto de bien público propio de la economía del bienestar, que dio
justificación al desarrollo del modelo europeo de radiodifusión, con emisoras de larga
trayectoria reconocidas por el público a nivel internacional por la calidad diferencial de
sus producciones, como la BBC, no es consensualmente aceptado para la actividad de
las emisoras.

En Uruguay, la agremiación de licenciatarios de permisos de emisión a través del


espectro radioeléctrico (ANDEBU) ha sostenido siempre una posición contraria a la
consideración de sus servicios como públicos: “ANDEBU defiende la propiedad
privada y múltiple de los medios electrónicos como garantía de la libertad de
expresión” (GARCÍA RUBIO, 1994, p.79). Por el contrario, sostienen que producen un
servicio privado de interés público. Este matiz terminológico tiene en realidad fuertes
implicancias conceptuales. Un servicio público responde – como se dijo – a una
necesidad del colectivo, que por no generar rivalidad en el consumo puede ser puesto a
disposición de la mayor cantidad de ciudadanos que sea posible sin costos adicionales, y
en consecuencia, una vez que se asumió su costo de producción, no se justifica la
exclusión del consumo a través de un precio. Un servicio privado de interés público en
cambio, sí habilita el cobro de un precio, y por lo tanto la exclusión del consumo a
quien no lo paga, a la vez que habilita a los operadores que hacen de esta actividad una
empresa comercial, a defender su derecho de libre elección de los productos a ofrecer
sin ser constreñidos por limitación alguna por parte del Estado. Esta concepción liberal
enemiga de la intervención estatal en los contenidos emitidos por las emisoras sostiene
que son las empresas con su criterio maximizador de beneficio quienes deben decidir
con libertad absoluta la composición de la parrilla en cuanto a géneros, países de
procedencia, diversidad, proporción entre contenidos y publicidad, entre otros. En
suma, el concepto de servicio público estaría asociado a la disposición de las emisoras a
brindar al público información catalogada como de interés público, aunque esa
categorización no está en manos del público sino de la empresa emisora regida por
criterios comerciales. Los casos de judicialización de la regulación de servicios de
comunicación audiovisual en curso actualmente en Uruguay dan cuenta cabal de esa
postura de los operadores privados.

Para la crítica de la economía política de la comunicación, la publicidad que se


emite a partir de las audiencias ensanchadas de la programación dirigida a las masas se
interpreta por su condición de defensora del establishment y promotora de consumos
alienantes, contribuyendo a disimular las contradicciones propias del sistema capitalista
donde las mayorías no tienen capacidad económica para consumir los productos
publicitados.

1.3 Tv, externalidades, fallos de información, bienes preferentes y deméritos y


mercados incompletos

La economía del bienestar identifica la existencia de actividades que generan


beneficios a personas no involucradas directamente en la actividad en cuestión. Por
ejemplo, la educación beneficia a las personas que la reciben, pero además derrama sus
beneficios hacia otros que no participan directamente en la actividad formativa, pero
que por el hecho de vivir en la misma sociedad que quienes reciben esa educación,
acceden a mejores condiciones de vida: viven en una sociedad que genera mejores
puestos de trabajo, que promueve más la innovación, con mejores hábitos de
convivencia, etc. La educación genera beneficios externos que van más allá de las
personas que se educan. Similarmente, la cultura general, la información que mejora los
hábitos alimenticios, de cuidado de la salud, de selección de lugares de esparcimiento, o
de la mejor vía para trasladarse de un lugar a otro según las condiciones de la ruta, etc.,
son servicios que generan externalidades positivas: los ciudadanos acceden a mejores
condiciones de vida si ellas son puestas a disposición del público, que a su vez
reproduce y divulga ese conocimiento en otros ámbitos. Desde esta perspectiva, la TV
es generadora de externalidades positivas y como tal amerita que el Estado promueva
estos beneficios. Esto significa, que promueva que haya más y mejor información, más
y mejor cultura, más y mejor entretenimiento.

El reconocimiento de las posibilidades de la TV como generadora de beneficios


externos a la población aporta una justificación al Estado para intervenir en la
promoción de aquellos contenidos que son considerados colectivamente como
beneficiosos para la población. En línea con esa interpretación, el artículo 6 de la Ley
19307 del 29 de diciembre de 2014, conocida como Ley de Servicios de Comunicación
Audiovisual, establece que los servicios de comunicación audiovisual constituyen “uno
de los principales medios de información social, permiten el ejercicio del derecho a
comunicar y a recibir información para el ejercicio pleno de la libertad de expresión de
la ciudadanía”

La información, la cultura, el apoyo a la educación, el disfrute del tiempo libre, son


considerados bienes de consumo preferente, en el entendido que si los ciudadanos no
son capaces de percibir por sí mismos la importancia y el provecho que les genera su
consumo, el Estado dispone de instrumentos para promoverlo en pos del bienestar
común. Aplican también en este caso los contenidos del artículo 6 de la mencionada
ley.

Asimismo, desde la crítica de la economía política de la comunicación, por ejemplo


desde la interpretación del Prof. Roque Faraone, la promoción del consumo exacerbado
que se ejerce en los canales de TV a través de la publicidad constituye un problema para
la sociedad (FARAONE, 2014, p.20). Como tal, la publicidad que conduce al consumo
innecesario puede también considerarse una externalidad negativa o un bien demérito,
cuyo consumo debe combatirse y al Estado compete un rol clave en este combate. Los
controles a la publicidad en la TV que la legislación intenta promover tienen en esta
argumentación una de sus justificaciones.

Si se atiende a los grupos sociales que no se sienten representados por las propuestas
de las emisoras privadas con fines de lucro, es posible interpretar la existencia de
emisoras públicas y comunitarias como oferentes que completan un mercado que a nivel
privado no satisface las necesidades sociales de diversidad, defensa de derechos de las
minorías, promoción de la cultura, cuidad del medio ambiente, etc.

El concepto de mercados incompletos es también reconocido por la economía del


bienestar como un fallo del mercado que amerita la intervención estatal para
completarlo en pos del bienestar común. En Uruguay la operación del canal oficial tnu,
así como del canal del gobierno departamental de Montevideo -TV Ciudad – y las
próximas puestas en marcha del canal universitario y del canal comunitario licitados
para operar bajo formato digital pueden interpretarse como ejemplos de mercados que
operan ineficientemente por no satisfacer a porciones de mercado minoritarias, no
rentables, o sencillamente desatendidas, y que ameritan la participación estatal.
Asimismo, el artículo 8 de la Ley SCA incluye en su texto el “derecho de la sociedad a
conocer todo tipo de informaciones e ideas”, garantizando así como derecho el acceso a
la diversidad.

2. La tv a través de la Economía Política de la Comunicación

La Economía Política de la Comunicación es un campo de estudio


interdisciplinario que se ha conformado en la confluencia de dos líneas de estudio
académicas: por una parte la recuperación de la crítica de la Economía Política
formulada por Karl Marx, que fuera dejada atrás por los desarrollos liberales y apoyados
en la matemática de la ortodoxia económica; y por otra, el campo de estudio de las
comunicaciones mediáticas.

Su objetivo es analizar la acción de los medios masivos de comunicación desde


una perspectiva marxista, alternativa al enfoque ortodoxo tradicional. Esto implica
observar críticamente el accionar de los medios masivos de comunicación, insertos en el
capitalismo monopolista del S XX, caracterizado por la absorción de las actividades
culturales dentro de la lógica del gran capital perseguidor de rentabilidad.

En este texto nos ceñimos al análisis de César Bolaño (BOLAÑO 1995, 2002,
2013), quien ha estudiado desde esta perspectiva el funcionamiento del sistema de TV y
de la radio brasileños y de Internet, entre otros, según una perspectiva marxista donde
los medios de comunicación en particular (y la industria cultural en general) cumplen
un doble rol clave en el sistema capitalista. Por una parte, son empresas capitalistas
dedicadas a generar ganancias a través de su operación, como cualquier otra empresa
inmersa en el sistema. Por otra, cumplen un rol fundamental en el mantenimiento y
reproducción del sistema, a través de la publicidad y la propaganda, que operan
permitiendo a la industria cultural (y dentro de ella los medios masivos de
comunicación) mediar entre el gran capital y el público, y también entre el Estado y el
público, para asegurar la reproducción del sistema capitalista y garantizar la cohesión
social.

El concepto de mediación de Bolaño (2013) es diferente al concepto culturalista


imperante en los estudios de comunicación. La mediación se produce en el proceso de
producción, distribución y consumo de información de clase, proceso caracterizado por
relaciones de poder asimétricas, donde la alta concentración de la propiedad de los
medios masivos y el tratamiento de la información como mercancía aseguran el control
por parte del capital y del Estado sobre los bienes de contenido simbólico.

Para Bolaño una consideración adecuada de la idea de información está en un


extremo opuesto a la interpretación neoclásica donde la información perfecta fluye
libremente en los mercados sin impedimento para que todos los agentes accedan a ella
para tomar sus decisiones. Difiere también de la concepción de la economía del
bienestar y de la interpretación neo institucionalista, que intenta mejorar la explicación
de los procesos económicos partiendo desde el mismo marco liberal, reconociendo que
la información no es perfecta y no está disponible para todos de forma libre, sino que
por el contrario tiene un costo en el mercado y es imperfecta e incompleta. Para Bolaño
estas interpretaciones otorgan una apariencia impersonal a las transacciones, como si se
realizaran entre autómatas, y encubren una relación compleja entre seres humanos que
subyace en las transacciones. En este enfoque crítico, existen formas de comunicación
que son propias de las economías de mercado y que responden a las determinaciones
generales del capital explicadas por Karl Marx. Ellas “condensan las determinaciones
y las contradicciones inmanentes de la forma capitalista de la comunicación”
(BOLAÑO, 2013, pp.47 y 48). Esto es, la información no es un concepto abstracto que
opera de la misma forma en cualquier situación y en cualquier sociedad. En el modo de
producción capitalista adopta formas específicas y asume un rol clave en la
reproducción del sistema. Esta interpretación deja en evidencia las limitaciones de la
explicación neoclásica que elude el reconocimiento de la importancia de la información
en el proceso de acumulación del capital. Es que en el modo de producción capitalista la
información es condición necesaria para la existencia de una economía mercantil donde
las transacciones constituyen una forma particular de comunicación en que opera
información objetiva – el precio – así como otras informaciones que son las que el
Estado de Bienestar se propone regular para abatir los problemas de información
asimétrica. Ellas refieren

al valor de uso de la mercancía en cuestión, su calidad, el tipo


de materia prima utilizado, las habilidades del productor, las
condiciones de producción, la distancia de la unidad
productiva en relación con el lugar del cambio[…], las
características particulares del producto, así como la
posibilidad de recursos financieros suficientes del comprador,
además de, en el caso de una venta a crédito, por ejemplo, las
condiciones de financiamiento, plazos de pago, intereses, etc.
(BOLAÑO, 2013, p.49)

El hecho de que una parte de esa información sea objetiva no implica que ella
sea verdadera. De hecho Bolaño señala que en las economías mercantiles existen
mecanismos de verificación de la veracidad de la información disponible en las
transacciones. Cabe señalar que la ortodoxia ha desarrollado conceptos como el riesgo
moral referido a la posibilidad de no cumplimiento de acuerdos contractuales por alguna
de las partes intervinientes, o la selección adversa mediante la que algunos agentes
tienden a encontrarse en sus transacciones con contrapartes con tendencia al
incumplimiento. Estas categorías evidencian el reconocimiento liberal de la posibilidad
de que la información que circula en las transacciones no solo no sea completa, libre o
perfecta, sino que además admite la posibilidad de que la información en las
transacciones no sea veraz. Del mismo modo que la ortodoxia admite este riesgo, la
economía política de la comunicación explica cómo la publicidad tiene la capacidad de
manipular la información alterando las condiciones de las transacciones y favoreciendo
a algunos agentes -empresarios - en detrimento de otros - consumidores - que acceden
a esa información manipulada, proceso que expone las desigualdades en torno a la
información incluida en el proceso de comunicación y a la disponibilidad de
información en el modo de producción capitalista.

Se propone a continuación aplicar un análisis de la economía política de la


comunicación a la TV de Uruguay. En este análisis, el gran capital está representado por
los tres grupos de TV abierta local, que participan a la vez de la mayoría del mercado de
TV para abonados, y por el capital transnacional que participa directamente como
operador a través de DIRECTV y Bersabel SA, así como indirectamente, mediante los
grupos de producción para la industria televisiva de predominio norteamericano.

El Estado uruguayo opera tanto en el rol de cohesión, como también en el rol


del gran capital que llega al público a través de la industria cultural. Este mecanismo
opera de dos formas diferentes: a través de la propaganda que se emite a través del canal
tnu (y ahora también TV Ciudad a través de señal de aire), y como avisador capitalista
que contrata espacios en la industria cultural privada (los canales comerciales). En la
primera actividad, como capital que pone en actividad a los canales públicos, y a través
de ellos utiliza la propaganda como mecanismo de sostenimiento del sistema. En la
segunda, los organismos públicos contratan espacios publicitarios a los canales
privados, esto es, operan como financistas de las empresas privadas y se aseguran la
emisión de mensajes propagandísticos que buscan una mejor imagen institucional.

Por otra parte, el discurso de ANDEBU respecto de la necesidad de que la


regulación respete su libertad de expresión es contradictorio: las emisoras privadas
defienden su derecho a la libre expresión pero resistieron fuertemente el proceso de
asignación de nuevas licencias de emisión con el advenimiento de la tv digital, hasta
lograr que el gobierno asignara directamente los permisos a los operadores tradicionales
y solo licitara los espacios adicionales del espectro. Esa batalla en contra de la extensión
del derecho a la explotación hacia otros permisarios evidencia la ambigüedad de la
concepción de libertad e igualdad de la gremial, como se verifica consultando la prensa
del período.

3. Conclusión

Los ejemplos presentados referidos a la televisión uruguaya muestran las


diferencias en las formas de comprender esa realidad que se derivan de las tres
corrientes económicas consideradas. La visión ortodoxa en economía interpreta la
actividad de los operadores de tv abierta como un sector o rama de actividad con su
cadena de valor propia, sus especificidades productivas y de distribución, su modalidad
de financiamiento predominante y particularmente, su concepción empresarial con fines
de lucro de la actividad de producción y distribución de contenidos televisivos abiertos.
Los operadores de TV son empresas con derechos de propiedad sobre su inversión en
infraestructura, su valor llave empresarial, y en consecuencia, con derechos a preservar
esas propiedades.

En la visión de la economía del bienestar y en la del neo institucionalismo, la


producción y distribución televisiva son actividades que se ven afectadas desde diversas
dimensiones por fallos de mercado (fallos de competencia, bienes públicos,
externalidades positivas y negativas, fallos de información, mercados incompletos,
bienes preferentes y bienes deméritos), conduciendo a la necesidad de la intervención
del Estado para resolver o al menos mitigar esos fallos. Implícitamente esta concepción
heredera de la ortodoxia liberal reconoce en el mercado un asignador eficiente de
recursos, que sólo en esas situaciones específicas denominadas fallos de mercado
incurre en ineficiencias y permite justificar la intervención del Estado. En esta
concepción, los canales de TV uruguayos son empresas privadas con fines de lucro que
utilizan una porción del espectro radioeléctrico considerado un bien público, y en
consecuencia su actividad es pasible de regulación y control para asegurar su utilización
en beneficio del bienestar colectivo.

En la visión de la crítica de la economía política de la comunicación los canales


de TV abierta de Uruguay cumplen una doble función. En primer lugar, como empresas
que operan en el mercado obteniendo financiamiento a través de la venta de espacios
publicitarios, contratan personal, invierten en infraestructura y compiten por captar
audiencias, guiadas por un objetivo de obtención de lucro que conduce naturalmente a la
concentración en pocas empresas con alto poder de mercado, a la conformación de
conglomerados integrados vertical, horizontal y transversalmente. Asimismo, el
objetivo comercial asociado a la obtención de auspiciantes que buscan audiencias
numerosas atenta en contra la priorización de la calidad de contenidos como objetivo de
programación. En segundo lugar, los operadores de TV actúan como mediadores que
inciden en las conductas y decisiones del público a través de su capacidad de manipular
la información que se entrega a las masas. En esta interpretación, las consecuencias de
la concentración del poder de mercado en la oferta mediática conducen a la marginación
de sectores del público que no encuentran espacios de representación en tanto no
reproducen las tendencias de las mayorías, únicas que se aseguran de obtener los
espacios que surgen a partir de la lucha por las audiencias.

A partir de la constatación de las limitaciones sobre el bienestar social que


provoca el predominio de una concepción de empresa privada operando sobre los
servicios públicos de comunicación, se deduce la pertinencia y la necesidad de la
promoción de regulación dirigida a la protección y promoción de los derechos de las
minorías, al control de contenidos para que contribuyan al bienestar y al acceso a
servicios públicos y a la promoción de externalidades positivas en la programación de
los canales de TV.

Referências

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1994

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2003

STOLOVICH, L.; LESCANO G.; PESSANO R.; DELGADO P. La industria


Audiovisual uruguaya ¿realidad o ficción? Montevideo. Ideas. 2003
Manifestações da estética da fotografia em revistas culturais no Brasil1

Giovanna Beltrão Mendes2.

RESUMO: O presente artigo propõe uma reflexão acerca dos atributos estéticos da
imagem fotográfica em três revistas culturais publicadas no Brasil. A pesquisa tem
como ponto de partida as propriedades inerentes ao processo produtivo do jornalismo
cultural, caracterizado por recursos criativos, críticos e de divulgação. Tais recursos são
problematizados em relação ao conceito de “estética da fotografia”, trabalhado pelo
francês François Soulages tanto como aparato teórico quanto como método de
investigação. O artigo se desenvolve em três momentos: (1) a compreensão do conceito
de “estética da fotografia” como proposto por Soulages; (2) uma observação dos
diálogos existentes entre a fotografia e o jornalismo cultural; e (3) a identificação dos
atributos estéticos que integram o conteúdo pesquisado. Compõe o objeto empírico do
estudo proposto o conteúdo jornalístico das revistas Bravo!, Cult e Rolling Stone Brasil,
centralizado nas edições publicadas em 2012.

Palavras-chave: jornalismo cultural; revista; fotografia; estética da fotografia; imagem.

O jornalismo cultural é um gênero híbrido e sujeito a diferentes variáveis que


interferem na definição de seu conceito. Acreditando que essas características surtem
efeito também nas fotos que integram esse tipo de conteúdo, este artigo se volta a
refletir sobre a estética da fotografia em três revistas culturais que circulam, ou
circularam, no território brasileiro – tomando como base o ano de 2012 – a fim de
compreender como a estética da fotografia contribui para formação da mensagem que
chega ao leitor por meio de tais veículos informativos.
O conceito de “estética da fotografia” é estudado a partir da discussão
desenvolvida por François Soulages (2010) no ensaio Estética da fotografia: perda e
permanência. O raciocínio do autor parte da noção cartesiana “das coisas que se podem
colocar em dúvida” (idem, p. 15)3, e se desenvolve em dois tempos: “primeiramente, a

1 Este artigo representa um fragmento da pesquisa que resultou na dissertação intitulada Os atributos
da fotografia em revistas culturais no Brasil: um estudo de Bravo!, Cult e Rolling Stone Brasil, defendida
em julho de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa
Catarina (Posjor/UFSC).

2 Jornalista fomada pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Jornalismo pelo Programa de Pós-
Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (Posjor/UFSC). Atua no mercado
como jornalista de cultura e redatora publicitária.

3 Referência direta ao título da primeira Meditação metafísica de Descartes.

1
desconstrução das falsas opiniões e dos falsos princípios; depois, a reconstrução
racional de novos fundamentos” (idem, p. 16). Toma-se, portanto, a forma como
Soulages compreende a estética da fotografia e suas implicações no campo da arte para,
em seguida, confrontar tais ideias com as fotos publicadas em revistas de cultura. O
autor parte da ideia de que existe um preconceito relativo à fotografia quando vista
como prova da existência de um acontecimento: ela é aproximada da objetividade e
privada de suas funções estéticas (SOULAGES, 2010, p. 22).
Didaticamente, este artigo foi dividido em três momentos: a compreensão do
conceito de estética da fotografia; os diálogos existentes entre a fotografia e o
jornalismo cultural; e a reflexão sobre as imagens apreciadas durante a análise do
corpus da pesquisa4.

A estética da fotografia segundo Soulages

Soulages (2010) apresenta uma visão global dos questionamentos provocados


por uma estética propriamente fotográfica. Para ele, trata-se de uma estética própria que
considera tanto o processo de produção como o contato dos espectadores com a foto 5,
abrangendo a fotografia em várias instâncias, independente da função a ela atribuída.
O autor “se refere às fotos como objetos enigmáticos, pois habitam nossa
imaginação e nosso imaginário. Se a fotografia foi assumida como ‘vestígio’ para a
percepção, então cabe ao receptor elaborar as conexões entre o passado e o presente, o
antes e o depois, o efêmero e o permanente. Dessa maneira, a estética da fotografia é a
estética do que permanece após a perda” (MENDES, 2014). Nos termos de Soulage,

4 A leitura de imagens, compreendida entre os meses de abril e maio de 2014, se deu sobre um corpus
de nove imagens publicadas nas revistas analisadas nos meses de março, julho e dezembro de 2012. O
corpus é composto pelas seguintes peças jornalísticas: na Bravo!, as matérias (1) Mistério no museu,
(março de 2012), (2) A Tropicália segundo Tom Zé (julho de 2012) e (3) “Eu não existiria sem Gonzagão”
(dezembro de 2012); na Cult, as matérias (4) “Não sou um grande ator” (março de 2012), (5) Congresso
CULT reuniu Gay Talese, Art Spiegelman e Gonçalo Tavares em SP (julho de 2012) e (6) Tudo a dizer
(dezembro de 2012); e, na Rolling Stone Brasil, as matérias (7) Rainha da Sucata (março de 2012), (8) O
Xingu sem celuloide (julho de 2012) e (9) Paz no caos (dezembro de 2012).

5 François Soulages estabelece uma diferenciação entre os conceitos de ‘fotografia’ e ‘foto’. A primeira
é o procedimento, a técnica, a arte fotográfica; a segunda é a fotografia em sua materialidade, é “a
imagem material obtida por meio de um procedimento fotográfico” (2010, p.11). No decorrer da
pesquisa, esta mesma diferenciação foi adotada. No entanto, utilizamos o conceito “imagem” – a partir
da definição apresentada por André Roillé (2009) – quando nos referimos ao efeito estético da
fotografia.

2
Uma foto é um vestígio, é por isso que é poética. O fotógrafo é aquele
que deve deixar, ou melhor, que deve criar vestígios de sua passagem
e da passagem dos fenômenos, vestígios de seu encontro – fotográfico
– com os fenômenos. É por isso que é um artista (2010. p. 14).

Esta noção de vestígio foi trabalhada anteriormente por Benjamin (2012) em


Sobre o conceito de história, onde expressa que

o passado só se deixa capturar como imagem que relampeja


irreversivelmente no momento de sua conhecibilidade. [...] Pois é uma
imagem irrecuperável do passado que ameaça desaparecer com cada
presente que não se sinta visado por ela (p. 243).

Ambos os autores referem-se à efemeridade de cada momento, ressaltando a


impossibilidade de serem revividos ou revisitados e, ao mesmo tempo, reconhecendo a
marca deixada por eles, o “vestígio”. Observando-se a afirmação de Benjamin (2012)
sob o prisma da fotografia – aprensentado por Soulages (2010), o “relampejo da
imagem” se porta como o vestígio do passado, ou seja, algo que é irrecuperável, mas
que infere uma luz – por mais breve que seja – no presente e no futuro. Casa momento
é, assim, irreversível e, quando registrado pela lente do fotógrafo, não desaparece
completamente a cada novo presente.
Soulages defende a arte fotográfica, o fotógrafo como artista, reafirmando
constantemente em sua obra como esta configuração artística da fotografia se
materializa e fazendo críticas às teorias que a segmentam. O “vestígio” é o que a
fotografia – o processo mecânico do ato fotográfico – é capaz de registrar de um
momento que é único, de maneira singular, num espaço que imediatamente não será
mais o mesmo.
Depois do clique, o momento e sua configuração são perdidos. O que
fica é a foto, a ponta de um iceberg, sua parte emersa. A parte
submersa, a maior parte, abriga as lacunas que serão preenchidas por
cada indivíduo que vier a observar aquela foto. Tal qual a refração da
água, que modifica os pontos de visão do observador a cada direção
de seu olhar, cada espectador interpreta a foto a partir do seu próprio
ponto de vista, preenchendo as lacunas com sua própria experiência
(MENDES, 2014, p. 62).

Para Soulages, “uma estética (da fotografia) deve ser fundamentada numa
filosofia geral (da fotografia, isto é, numa reflexão acerca de sua essência e acerca de
suas condições de recepção)” (idem, p. 15). O tripé sobre o qual o autor fundamenta sua
análise demonstra, além da conclusão de que a fotografia é sempre artística, a noção de

3
que a fotografia não trabalha por si só. A estética da fotografia é, para ele, o resultado do
ato fotográfico, da circunstância em que uma foto é tirada e da recepção daquela foto
pelo observador.
O autor acredita ser a imagem fotográfica um “espaço imaginário e efeito de um
processo que liga o imaginário e o real. Talvez o receptor não possa rever tudo nem
reviver tudo: é o específico da arte. Ele vê o caminho e as direções” (p. 121). Dessa
maneira, a consciência da impossibilidade da apreensão do real é o que possibilita a
concepção da ideia de obras fotográficas e, consequentemente, de arte fotográfica. Uma
última abordagem do objeto introduz o conceito de “fotograficidade”, um híbrido de
fotografia e especificidade que procura pelo que torna específica a fotografia. Segundo
Soulages, “para poder garantir os fundamentos de uma estética da fotografia, é preciso
conhecer ao mesmo tempo o que é específico da fotografia e as realidades das obras
fotográficas” (p. 125). A partir disso, confirma-se a noção da tríade que sustenta a linha
de raciocínio da estética da fotografia.
Consideramos, então, as três etapas em que é feita a foto: o ato fotográfico, a
obtenção do negativo – que no contexto digital é o arquivo original, criado no momento
do clique e transferido para o computador – e o trabalho com o negativo – ou seja, a
cópia a partir do arquivo de origem. O clique que cria o negativo é irreversível, não
pode ser refeito e jamais ocorrerá novamente naquela exata configuração. A cópia, por
sua vez, é inacabável; enquanto existir o negativo, ou o arquivo original, existe a
possibilidade de copiá-lo. Nesses termos,
A fotograficidade é, portanto, essa articulação surpreendente do
irreversível e do inacabável. É a articulação, por um lado, da
irreversível obtenção generalizada do negativo – constituída em
primeiro lugar pelo ato fotográfico, ou seja, por esse confronto de um
sujeito que fotografa com algo a ser fotografo, graças à mediação do
material fotográfico ou, em outras palavras e de maneira mais geral,
pelas condições de possibilidade da produção do filme exposto e a
realização dessa exposição, e em seguida pela obtenção restrita do
negativo, isto é, essas cinco outras operações que o produzem
(revelação, banho interruptor, fixação, lavagem e secagem) – e, por
outro lado, do inacabável trabalho com o negativo – a partir do
mesmo negativo inicial, pode-se obter um número infinito de fotos
totalmente diferentes, ao intervir de maneira particular durante as seis
operações que produzem a foto (exposição, revelação, banho
interruptor, fixação, lavagem e secagem). Para compreender a
fotograficidade, é preciso, portanto, passar de uma concepção
humanista a uma concepção materialista da fotografia (SOULAGES,
2010, p. 131, grifos do autor).

Nesta perspectiva, a fotografia é a articulação entre o que se perde e o que

4
permanece. Perda das circunstâncias e configurações únicas do ato fotográfico e
permanência do que é propagado pela cópia do negativo – que são os vestígios do ato
fotográfico. Nas palavras de Soulages, as duas práticas – perda e permanência –
implicam engajamentos opostos:
uma luta contra o passar do tempo, a outra contra o eterno retorno;
uma nunca pode realizar a mesma coisa, apesar de todos os seus
desejos e toda a sua vontade, a outra sempre pode fazer a mesma
coisa, mas é instada, pela especificidade do trabalho com o negativo, a
fazer outra coisa (idem, p. 131).

No contexto da discussão realizada aqui, isso mostra que, na fotografia, há


sempre um embate entre o que é perdido e o que permanece. O momento do clique
fotográfico representa o desejo de “parar o tempo”, de lutar contra a sua passagem;
enquanto o registro que fica fotografado representa o “eterno retorno” apontado pelo
autor. Nessa perspectiva, o que permanece no negativo é uma tentativa de retorno ao
momento do clique. Uma tentativa porque aquele momento já se perdeu e o que sobra é
um vestígio, uma interpretação.
Em sua reflexão sobre a obra fotográfica – segundo momento de sua análise –
Soulages se volta ao deslocamento do sem arte à arte. Ele recorre a Jean-Claude
Lemagny para afirmar que a transferência do sem-arte – aquilo que não é feito com uma
pretensão artística (caso da maior parte das fotos) – em arte é específico da fotografia.
Ao afirmar que “toda fotografia pode ser considerada sob o ângulo do documento ou
sob o ângulo da obra de arte. Não se trata de duas espécies de foto. É o olhar de quem a
considera que decide” (LEMAGNY apud SOULAGES, 2010, p. 159). A passagem de
Lemagny não diz que se pode considerar uma foto como um documento ou como uma
obra de arte, mas sob o ângulo do documento ou sob o ângulo de uma obra de arte; esta
distinção é fundamental. Há uma postura do sujeito que, diante de uma foto, a recebe
num horizonte de expectativa que é da esfera da documentação ou da arte.
Ao entrar de vez na questão da fotografia como obra, Soulages reconhece o
artista-fotógrafo como criador de um mundo com sua obra e recorre a André Malraux e
Marcel Proust para refletir sobre a dualidade mundo da obra X mundo real. Malraux
defendia que os grandes artistas não eram os transcritores do mundo, mas seus rivais. A
partir disso, ele se questiona se o mundo da obra estaria totalmente separado do mundo
real, concluindo que esta separação não é total, mas que o mundo que os artistas criam
com a fotografia não é o mesmo mundo em que vivem.
Só pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que vê outrem de

5
seu universo que não é o nosso, cujas paisagens nos seriam tão
estranhas como as porventura existentes na Lua. Graças à arte, em vez
de contemplar um só mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e
dispomos de tantos mundos quantos artistas originais existem, mais
diversos entre si do que os que rolam no infinito e que, muitos séculos
após a extinção no núcleo de onde emanam, chame-se este
Rembrandt, ou Vermeer, ainda nos enviam seus raios (PROUST, s.d.,
p. 172).

Chegando à discussão da arte fotográfica, a última parada que a antecede é a


questão da obra crítica, fundamentada na estética do “ao mesmo tempo”, e que permite
uma melhor compreensão das relações complexas entre a fotografia e o político, a
sociedade, a memória e os seres humanos. Destacamos, a partir disso, que o
embasamento da arte fotográfica se sustenta em quatro possíveis modos de relação da
fotografia com outras artes: a cocriação, a transferência, a referência e o registro. Com
base na estética do “ao mesmo tempo”, que argumenta a presença constante da arte na
fotografia, esta pesquisa apropria-se desses modos como guias – ou categorias – na
tentativa de compreensão de como a imagem fotográfica é assimilada pelas revistas
estudadas.

Diálogos entre a fotografia e o jornalismo cultural

A fim de entender como se dão as relações estéticas nas revistas, é preciso


entender como os campos cultural e midiático se conectam. A ideia de campo cultural
associa-se aos processos de industrialização de setores que projetam as percepções de
mundo de indivíduos ou grupos em um tempo e espaço social. Tais setores são a
literatura, arte, cinema, teatro etc. Estas expressões adquirem formas variadas no espaço
compartilhado – educativa, de entretenimento, informativa, de serviço ou inerentes aos
valores e tradições de vida dos indivíduos. Ao serem instituídas nos espaços e suportes
tecnológicos, elas constituem o campo midiático (GADINI, 2009, p. 103).
Relacionando tais noções à pesquisa executada, observamos o delineamento de
uma intersecção entre a estética da fotografia e o jornalismo cultural na ideia de que o
fotógrafo, neste ambiente, atua como construtor de uma cena. Como afirma Soulages
(2010), “o objeto a ser fotografado não é mais do que uma oportunidade de encenação.
A estética do retrato articula-se então como a da encenação no interior de uma estética
do ‘isto foi encenado’” (p. 74). No âmbito do jornalismo cultural, o fotógrafo tem como
missão construir cenas nas quais a essência do artista – objeto da fotografia – seja

6
transmitida ao público leitor.
O texto do jornalismo cultural, enfatizando sua configuração nas revistas,
também se volta a construir cenas. Quando trata de assuntos pautados pela agenda
cultural da cidade, o jornalista é descritivo, juntando peças para que o leitor monte uma
imagem. O leitor é, dessa forma, conduzido pela perspectiva construída pelo jornalista:
uma perspectiva que parte da experiência de quem escreve; das percepções do momento
da entrevista, das sensações que configuram aquele tempo e espaço. Dessa maneira, as
funções da escrita e da fotografia no jornalismo cultural se complementam no sentido de
provocar sensações. Tal configuração também pode ser observada em outras editorias
jornalísticas – dado que a estética não se limita ao estado da arte –, no entanto, no
jornalismo cultural, o aspecto artístico é extenuante por ser a arte o objeto a ser
destrinchado pelo jornalista e pelo fotógrafo.
Reconhecemos que a compreensão da estética da fotografia no conteúdo
jornalístico das revistas de cultura estudadas passa também por uma observação acerca
da configuração artística do objeto fotografado. Nesta circunstância, é importante
assinalar as diferenças entre as doutrinas do “isso existiu” e do “isso foi encenado”.
Roland Barthes (2012) é responsável por difundir a doutrina do “isso existiu”, que
afirma ser a fotografia a prova da existência de um acontecimento. No entanto, Soulages
desmistifica tal linha de raciocínio ao afirmar que
a doutrina do “isto existiu” de Barthes parece mitológica. Talvez fosse
necessário substituí-la por um “isto foi encenado” que nos permitisse
esclarecer melhor a natureza da fotografia. Diante de uma foto, só
podemos dizer: “isto foi encenado”, afirmando, dessa maneira, que a
cena foi encenada e representada diante da máquina e do fotógrafo;
que não é o reflexo nem a prova do real; o isto se deixou enganar: nós
fomos enganados. Ao termos uma necessidade tão grande de acreditar,
caímos na ilusão: a ilusão de que havia uma prova graças à
fotografia... (2010, p. 26).

Percebe-se em tais apontamentos a dificuldade em atribuir um conceito


definitivo à estética da fotografia. A partir disso, seguimos o raciocínio de que a imagem
fotográfica no jornalismo cultural carrega em si aspectos técnicos, documentais,
jornalísticos e artísticos que, juntos, constroem uma estética única, inerente ao ambiente
estudado.
Outra intersecção que identificamos entre a estética da fotografia e o jornalismo
cultural é a noção de colecionar, construir museus. Soulages abraça o conceito de
“museu imaginário”, cunhado por Malraux, buscando também em Benjamin um
caminho racional para o registro da obra de arte pela fotografia. Malraux afirma que a

7
fotografia gera artes fictícias, o que possibilita a criação de um museu imaginário,
particular de cada indivíduo. Sob este ponto de vista, Soulages identifica a fotografia
como a “arte elevada ao quadrado; o objeto da fotografia pode ser, então, não só as
obras de arte e a própria arte, mas também a própria fotografia” (2010, p. 315). O museu
imaginário é, então, diferenciado do museu tradicional, tanto em seu modo de ser como
na apresentação das obras. Neste sentido, o museu imaginário caminha lado a lado à
ideia de experiência em Benjamin (2012, 1994), constituindo um acervo imagético
guardado na memória e que se manifesta involuntariamente perante as interações
cotidianas.
Em uma abordagem direcionada especificamente ao jornalismo cultural e à
ilustração como leitura cultural, por outro lado, Rivera (2006) se refere à criação de um
“museu” cotidiano, suportado por uma “estética do suplemento”. Nas palavras do autor,
o duplo circuito visual do plástico e do fotográfico converteu os
suplementos em uma espécie de autêntico ‘museu’ cotidiano, no qual
se podem rastrear simultaneamente a produção de talentosos artistas e
ilustradores (e nesse sentido constituem uma impensada summa artis
que é à vez uma história da ilustração e das próprias artes plásticas),
junto com um gigantesco arquivo iconográfico – quase impossível de
pensar como projeto editorial unitário – que registra as pegadas de
décadas e décadas de atividade cultural (p. 167, tradução livre).

O “museu” cotidiano referido por Rivera é concreto, existe no campo material.


No entanto, ao deslocar tal perspectiva para o nosso objeto, percebemos que o conteúdo
imagético das revistas configura um registro da atividade cultural de uma época – neste
caso, a contemporaneidade – e, ao mesmo tempo em que insere estas particularidades
artísticas no dia-a-dia do leitor – um leitor idealizado que também é um colecionador –,
cria um acervo das expressões da arte naquele momento, um museu que cresce à medida
que a pilha de revistas aumenta na coleção.
Considerando as funções da fotografia no campo midiático, vale assinalar que a
própria apropriação da fotografia pela imprensa foi fator contribuinte para a expansão
do jornalismo cultural, sendo que as fotos foram, cada vez mais, substituindo os
desenhos e as gravuras, limitando-os ao campo artístico ou meramente ilustrativo
(PASTORIZA, 2006, p. 53). Além disso, a emotividade é uma característica
sobressalente da fotografia nos meios impressos culturais, onde as fotos são utilizadas
para “[...] reforçar os efeitos estéticos ou dramatizar os conteúdos informativos,
provocando emoção nas audiências” (idem, p. 83).

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De maneira geral, o jornalismo cultural retrata a arte, reporta grupos que se
reúnem para produzir arte, interações sociais que formam comunidades com interesses
comuns e, muitas das vezes, esses interesses têm conotação artística. Por outro lado, ao
mesmo tempo é possível perceber neste jornalismo um empenho em estreitar laços entre
o público e os bens simbólicos que movimentam a indústria cultural – caracterizando
uma função de consumo inserida no gênero. Tudo isso – a abordagem estética e
mercadológica – remete ao conjunto de sensações transmitidas através da imagem.

A mensagem por trás da imagem

François Soulages guia, também, a abordagem metodológica da pesquisa. Isso


porque todo o estudo do autor baseia-se na estética como método, na noção de que a
metodologia é uma consequência da estética. O método sugerido concebe as criações ou
produções das fotos, as fotos elas-mesmas e suas recepções como elementos de análise
(idem, p. 31). O autor reitera, ao longo de todo o livro Estética da fotografia (2010), sua
relação sensível com o objeto fotográfico. No texto Estética e Método (2004), ele
aponta para a importância em balancear-se tal relação:
“[...] aquele que realiza sua pesquisa em estética deve, primeiramente,
ter uma relação sensível com o objeto. Esse tipo de relação nutre a
dimensão existencial da estética e pode se dilatar na aproximação
criadora. O pesquisador é, então, criador. [...] O pesquisador deve
saber, por outro lado e por um tempo, fazer como se estivesse
separado existencialmente de seu objeto. Deve operar sobre ele uma
reflexão crítica e conceitual e colocar em ação uma aproximação
teorética. [...] Essa é a necessidade da dialética da pesquisa” (p. 25).

Metodologicamente, nove imagens – três de cada revista – foram submetidas a


uma apropriação do método proposto por Soulages (2004, 2010), considerando-se a
seguinte série de etapas: a confrontação, a partir de questões suscitadas pela relação
sensível com cada imagem; a avaliação crítica, com base nas informações adquiridas
do contato com o texto e as outras imagens correspondentes a cada matéria; e a
formulação de hipóteses sobre a manifestação da arte nessas imagens, a partir dos
elementos detectados e dos modos propostos pelo autor.
Levamos em consideração, durante a leitura do corpus (Figura 1), os quatro
modos de manifestação da arte, também propostos por Soulages (2010): cocriação,
quando há uma interação entre a fotografia e outra(s) formas artísticas; transferência,
quando a foto é deslocada de seu sentido original em favor da mensagem a ser

9
transmitida; referência, quando a fotografia é referência para outras artes ou quando
busca nelas uma referência para si; e, finalmente, registro, que aponta o essencial da
fotografia na arte contemporânea.
A partir de tal percurso, conseguimos identificar alguns atributos que
comprovam a presença imanente da arte no conteúdo jornalístico das revistas culturais.
Vale ressaltar que denominamos “atributos” as manifestações expressivas da fotografia
no ambiente do jornalismo cultural – um ambiente que, por se dedicar massivamente à
arte, estaria atravessado por ela.

Figura 1: Abertura da reportagem de Gisele Kato (Bravo!, março de 2012, p. 20-21)

Figura 2: Abertura da reportagem de Armando Antenore (Bravo!, julho de 2012, p. 14-


15)

10
Figura 3: Abertura da reportagem de Armando Antenore (Bravo!, dezembro de 2012,
p. 24-25)

Figura 4: Abertura da reportagem de Marília Kodic (CULT, março de 2012, p. 58-59)

11
Figura 5: Foto de Renato dos Anjos (CULT, julho de 2012, p. 65)

Figura 6: Abertura da entrevista de Douglas Diegues (CULT, dezembro de 2012, p. 12-


13)

Figura 7: Abertura da reportagem de Bruna Veloso (Rolling Stone Brasil, março de


2012, p. 76-77)

12
Figura 8: Abertura da reportagem de Edgardo Martolio (Rolling Stone Brasil, julho de
2012, p. 98-99)

Figura 9: Abertura da reportagem de Tiago Agostini (Rolling Stone Brasil, dezembro


de 2012, p. 84-85)

Entre os pontos de individualização da cocriação em cada revista, percebemos


em Bravo! o recurso da composição tipográfica como elemento de reforço do sentido da
imagem, a fotografia como forma de expressão de movimento e a colagem. Na Cult,
percebemos como recursos a teatralização do cotidiano, o diálogo entre a expressão
transmitida pelo objeto e o conteúdo do texto e o sentido criado a partir da incorporação
da tela projetada na foto de Art Spiegelman. Na Rolling Stone Brasil, sobressaiu a
utilização de simbolismos na criação de uma imagem fotográfica que transmita a
atmosfera proposta pelo texto, a composição a partir dos elementos básicos da
comunicação visual – linha – em uma perspectiva geométrica que remete às noções do
desenho e, ainda, a composição focada em um objeto central cuja interação com os
elementos secundários é compreendida a partir do texto.

13
Sobre a transferência, notamos que se trata do modo de manifestação mais
diverso a configurar no corpus. Em cada uma das matérias observadas o deslocamento
se dá de maneira única, constituindo-se na originalidade de cada obra “jornalístico-
artística”. Elencamos, portanto, como os atributos da transferência os seguintes
recursos: na Bravo!, o deslocamento do tridimensional para o plano, o enquadramento
fechado que desloca o sentido original da obra, a apropriação do fundo fotográfico
como suporte para o texto, e a fotomontagem que desloca as fotos antigas de seu sentido
original e as insere no sentido artístico; na Cult, o deslocamento do efêmero para o
irreversível, a articulação entre o pictórico e o fotográfico, a estética do insignificante, e
a fotografia amadora como expressão artística; e, na Rolling Stone Brasil, a composição
fotográfica representando um momento de transição do objeto, a documentação do
cotidiano, a utilização de elementos básicos da comunicação visual e das técnicas do
desenho e a elevação de elementos secundários à condição de elemento compositor do
sentido da obra.
A questão da referência, por sua vez, é abordada de maneira similar pela Bravo!
e pela Rolling Stone Brasil; enquanto a Cult foca em uma “estética do ponto de vista”,
observada nas três ocasiões configuradas no corpus. Na Bravo! observamos o uso de
referências à pintura – nas texturas e pinceladas que compõem o rosto do palhaço (1) –,
ao Tropicalismo – na relação dialética com o passado que caracteriza a obra de Tom Zé
na contemporaneidade (2) –, às narrativas das histórias em quadrinhos e da fotonovela –
na fotomontagem de Luiz Gonzaga e Gilberto Gil e à influência da obra do primeiro no
estilo musical do segundo (3). Na Rolling Stone Brasil, observamos referências à
cultura pop – em (7), é iminente a referência à novela brasileira Rainha da Sucata, na
qual a protagonista também passa por uma transformação, tal qual a cantora de
tecnobraga Gaby Amarantos; e (9) apresenta um universo cultural multifacetado exposto
na parede numa representação do caos que caracteriza o cantor Otto – e ao cinema – (8)
remete à factualidade do lançamento do filme Xingu para discorrer sobre questões
territoriais, políticas e históricas da região do Parque Indígena.
Por fim, a questão do registro se manifesta de maneira similar nas três revistas,
com algumas particularidades sobressalentes: a questão da estética da arte ao quadrado é
observada na Bravo! – (1) – e na Cult – (5) –; e o registro do efêmero é ocorrente na
Bravo! – (2) –, na Cult – (4) – e na Rolling Stone Brasil – (8). Entre as manifestações
particularizadas, observamos o jogo entre passado e presente que centraliza a obra de
Luiz Gonzaga na arte contemporânea, fazendo do registro fotográfico uma maneira de

14
estabelecer o status da obra do músico – (3) –; e a fotografia como forma de registrar
momentos de transição nas carreiras dos artistas Gaby Amarantos e Otto – (7) e (9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos durante a realização da pesquisa que as categorias usadas aparecem


nas três publicações. No entanto, a manifestação de cada uma aparece em camadas: de
um ponto de vista mais amplo, a cocriação se manifesta pela união de fotografias e
textos em um mesmo ambiente – considerando que, juntas, essas duas manifestações
produzem um sentido único e diferente do que produziriam individualmente; a
transferência remete às fotos feitas com pretensão informativa que, na revista,
associadas ao texto jornalístico, são deslocadas de sua condição de origem para
configurar como elemento da cocriação; a referência se manifesta em um movimento de
ida e volta, de modo que a fotografia traça referências com o texto e o texto,
inevitavelmente, traça referências com a fotografia; e o registro, enfim, é percebido
como uma maneira de localizar, no tempo e no espaço, representações dos momentos
eternizados nos cliques e nas palavras, configurando-se como um fim para a relação
entre os meios gráficos e fotográficos.
Em uma segunda camada, focada nos detalhes e particularidades de cada revista,
percebemos relações mais sutis, embora a noção de arte fotográfica continue manifesta.
As manifestações da cocriação nas três revistas configuram-se na criação de um
ambiente harmônico entre o conteúdo imagético – fotos e desenhos – e tipográfico –
títulos, olhos e o texto jornalístico. Na Bravo!, essa harmonização preza a diagramação
final de cada matéria, confirmando a preocupação da publicação em constituir um
produto de apreciação visual e intelectual. Na Cult, essa manifestação é assumida a
partir de uma postura minimalista, de preenchimento do espaço branco que envolve o
texto. Nas matérias que integram o corpus desta investigação, Cult foi a única
publicação a apresentar uma composição feita com fotografias e desenhos. Já na Rolling
Stone Brasil, os padrões de cocriação parecem se repetir de uma edição à outra: as
aberturas das reportagens apresentam uma foto grande – que ocupa o espaço de uma
página inteira ou de boa parte de duas páginas justapostas – equilibrada por uma faixa
branca sobreposta com elementos tipográficos; nas páginas internas das reportagens,
focadas no conteúdo escrito, é comum a ocorrência de fotomontagens que remontam o
passado ou outras facetas dos personagens retratados.

15
Dessa maneira, constatamos que a reflexão acerca de uma estética da fotografia
própria das revistas de cultura perpassa a necessidade de conceber este ambiente como
artístico, sendo a “obra de arte” uma articulação do conteúdo do texto e da composição
das fotos e demais imagens que a integram. O problema decorrente dessa linha de
raciocínio é uma possível descaracterização do jornalismo perante a concepção de arte a
ser adotada. É percebido, no corpus contemplado, que a função jornalística do conteúdo
se mantém na formação das imagens, embora haja diferenças na dosagem da
intervenção provocada pela incorporação dos modos de manifestação da arte
fotográfica.

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução: Estela dos Santos Abreu e Cláudio C.


Santoro – Campinas, SP: Papirus, 1993. – (Coleção Ofício de Arte e Forma).

BARTHES, Roland. A câmara clara. [Ed. especial] Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2012.

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um crítico no auge do capitalismo. 1 ed. –


São Paulo: Brasiliense, 1994. – (Obras escolhidas: v. III).
______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e a história da
cultura. 8ª ed. revista – São Paulo: Brasiliense, 2012. – (Obras escolhidas: v. I).

GADINI, Sérgio Luiz. Interesses cruzados: a produção da cultura no jornalismo


brasileiro. São Paulo: Paulus, 2009. – (Coleção comunicação).

MENDES, Giovanna Beltrão. Os atributos da fotografia em revistas culturais no


Brasil: um estudo de Bravo!, Cult e Rolling Stone Brasil. 2014. (Dissertação de
Mestrado). Disponível em
<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/128908/328881.pdf?
sequence=1>

PASTORIZA, Francisco Rodríguez. Periodismo cultural. Madrid: Editorial Síntesis,


2006.

PROUST, Marcel. O tempo redescoberto. In: Em busca do tempo perdido, vol. VII.
Rio de Janeiro: Globo, s.d..

RIVERA, Jorge B. El periodismo cultural. – 1ª ed. 4ª reimp. – Buenos Aires: Paidós,


2006.

ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Editora Senac


São Paulo, 2009.

16
SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo:
Editora Senac, 2010.

______. Estética e método. Tradução Laurita Salles. In: Revista ARS (São Paulo) v. 2,
n. 4 (2004) – ECA/USP. São Paulo / Paris, 2004. Disponível em: <
http://www.revistas.usp.br/ars/article/view/2931> p. 18-41.

17
O problema da convergência na perspectiva da teoria das barreiras à entrada

Helena Martins1

RESUMO: O artigo discute a dimensão mercadológica da convergência audiovisual-


telecomunicações-informática, tendo em vista a origem deste fenômeno e suas
características principais. A definição do processo é acompanhada de apontamentos
sobre o mercado brasileiro de comunicações na contemporaneidade, a partir da análise
da estrutura dos mercados e das estratégias adotadas por agentes desse grande setor, em
diálogo com a teoria das barreiras à entrada. Aponta que a convergência segue, no
Brasil, a lógica da acomodação de interesses dos grupos tradicionais e dos novos
entrantes, em especial as empresas de telecomunicações transnacionais.

Palavras-chave: Economia Política da Comunicação; Mercado de comunicações;


Convergência; Barreiras à entrada.

1. O problema da convergência entre informática, telecomunicações e


audiovisual

O artigo discute a dimensão mercadológica da convergência audiovisual-


telecomunicações-informática, tendo em vista a origem deste fenômeno e suas
características principais. A definição do processo é acompanhada de apontamentos
sobre o mercado brasileiro de comunicações na contemporaneidade, a partir da análise
da estrutura dos mercados e das estratégias adotadas por agentes desse grande setor, em
diálogo com a teoria das barreiras à entrada.
Expressão recorrente em estudos sobre o tema das comunicações
contemporâneas, a convergência refere-se às mudanças tecnológicas, econômicas e
culturais ligadas ao desenvolvimento de novas tecnologias, à digitalização, ao
esmaecimento das diferenças e, em alguns casos, à fusão dos setores da microeletrônica,
de telecomunicações e o setor audiovisual, que antes estavam situados em etapas
distintas da cadeia produtiva da mídia.

1 Doutoranda em Comunicação Social na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: mb.helena@gmail.com.


As mudanças tecnológicas experimentadas, sobretudo, a partir da década de
1970 configuram-se como essenciais para o processo de convergência. Os
desenvolvimentos da microeletrônica e da telemática possibilitaram a integração de
circuitos eletrônicos que passaram a armazenar um volume de informação cada vez
maior. A digitalização, aspecto central desse movimento, transformou a informação em
código digital, tornando possível, assim, transportar esse volume com grande velocidade
e entre distintas plataformas e localidades (DANTAS, 1999).
Some-se a esses movimentos a ampliação da rede de comunicação que hoje
conhecemos como a Internet, especialmente quando passou a ser baseada em um
protocolo comum de interconexão e a ter capacidade para suportar novos serviços e
aplicações. Do ponto de vista tecnológico, “o caminho para a convergência foi
inicialmente liderado pela crescente digitalização dos conteúdos, a utilização de redes
IP, difusão do acesso em banda larga de alta velocidade e a disponibilidade de
comunicação multimídia em dispositivos de computação.” (SOUSA; OLIVEIRA;
KUBOTA, 2010, p. 63).
A convergência, contudo, não se explica apenas pela dinâmica setorial. Como
traz à tona a perspectiva da Economia Política da Comunicação, a convergência está
relacionada às lógicas de articulação da etapa atual de acumulação do capital, marcada
pela dominância financeira e pela centralidade da informação e do conhecimento. É o
que destaca Bolaño, para quem a convergência entre informática, telecomunicações e
audiovisual é parte integrante da convergência entre informação, comunicação e cultura,
que é mais ampla e anterior. Esta foi abordada pelo autor em Indústria Cultural,
Informação e Capitalismo (2000). Ali, ele buscou compreender a Indústria Cultural e as
funções que desempenha no processo de acumulação do capital e na reprodução
ideológica do sistema, mostrando que isso ocorre tanto diretamente, por meio da
propaganda, quanto indiretamente, por meio da constituição de modos de vida pela
publicidade (BOLAÑO, 2000, p. 51).
Mesmo as telecomunicações possuem esse duplo papel. Conforme o autor: “de
um lado, a expansão da telemática é elemento-chave na constituição dos mega-sistemas
de comunicação e controle, necessários à ação do capital financeiro, comercial e
industrial num contexto de mundialização da concorrência” (BOLAÑO, 2003, p. 10); de
outro, articula as mudanças econômicas às da esfera pública, ao viabilizar a televisão
segmentada e a Internet, fundamentais para dar respostas às exigências de maior
diferenciação de públicos e à ação mais especializada do Estado 2. Nesse sentido, a
recente informatização é vista como demanda promovida pela expansão do sistema, no
momento em que ele vivenciava uma intensa crise no padrão de acumulação:

A otimização das performances é exigência de um sistema


caracterizado pela concorrência, no qual o conhecimento técnico e
científico servem às necessidades de acumulação do capital. A
informação adquire aí papel crucial, do ponto de vista seja do controle
do processo de trabalho, seja do acesso a um conhecimento técnico e
científico que garantem vantagens à empresa perante a concorrência,
seja enfim do ponto de vista do Estado que, como capitalista coletivo
ideal, precisa da informação e do conhecimento como meios de
legitimação da dominação. (BOLAÑO, 2000, p. 39).

A convergência entre informação, comunicação e cultura, em sua etapa mais


recente, tem levado à constituição de um “capitalismo total”, onde nada foge à lógica da
mercantilização. “Integrada, como as demais áreas produtivas, ao consumismo, a esfera
cultural torna-se componente essencial na lubrificação do sistema econômico a ponto de
o setor do entretenimento, juntamente com o de software, liderar a pauta de exportações
dos Estados Unidos” (MORAES, 2006, p. 37).
Mas o processo é contraditório. A Internet pode ser apontada como expressão
dessa tensão. Por meio dela, tem-se acesso a uma gama de informações provenientes de
diversos usuários, que replicam conteúdos e também produzem os seus próprios.
Grupos de interesse são constituídos reunindo habitantes de diversas partes do globo, os
quais podem atuar em causas também globais. Protestos são convocados e leituras sobre
eles são compartilhadas, muitas vezes ao vivo, possibilitando a contestação das
narrativas produzidas pelos meios tradicionais. A conversação social entre diferentes
sujeitos ganha, enfim, proporções e lógicas distintas da presencial ou daquela mediada
pela televisão, pela rádio ou por outros meios.
No entanto, embora pareça um espaço livre para diálogos e até organização
política, a Internet também tem sido ocupada por empresas privadas. Do mesmo modo,
a rede que possibilita ampla interação tem se consolidado como produtora de um
modelo de negócio baseado na oferta de produtos segmentados para usuários bem

2 No estudo original de Bolaño, o foco reside sobre a televisão e sua capacidade de constituição de uma nova esfera
pública. Hoje, é imperativo considerar centralmente a Internet, já que tem viabilizado maior penetração da lógica da
mercantilização no âmbito da cultura, das relações sociais, mas também questionamentos à Indústria Cultural e a
produção de sentidos que buscam romper essa lógica. Reflexões sobre a rede foram adicionadas pelo autor em
edições mais recentes do livro, como a publicada pela editora espanhola GEDISA, em 2013.
definidos por ela, por meio de um sistema que define os consumidores a partir do
comportamento e das informações pessoais disponibilizadas por ele e por seus amigos.
Essa contradição ocorre porque a reestruturação do sistema capitalista, em geral,
bem como as tecnologias, são alvos de distintas pressões, que abrem margem para
questionamentos e variações. Em meio a eles, podem emergir elementos de mudanças
estruturais, impactando a forma de organização social, a depender do resultado das
tensões que sofre. No cenário atual, as tecnologias desestabilizam mercados, abrindo
espaço para novos entrantes, alterando as relações de poder então estabelecidas e,
inclusive, criando novos arranjos econômicos e político-institucionais.

2. Barreiras à entrada e alterações no setor das comunicações

Da década de 1970 para cá, as transformações no amplo setor das comunicações


no Brasil envolveram produção de novos mercados, como o da TV paga e o da Internet,
ampliação da segmentação dos públicos, privatização das telecomunicações, mudanças
na relação entre os agentes, em especial com a entrada de grupos transnacionais,
alterações na estrutura de setores específicos e nas formas de fruição cultural etc.
Centrais para a análise dos rumos dessas mudanças são as barreiras à entrada, que
ajudam a moldar as características estruturais do sistema, bem como a condicionar a
presença dos agentes nos mercados e o desenvolvimento de suas estratégias.
Segundo Brittos (2006, p. 76), as barreiras à entrada são fundamentais para a
conformação da estrutura de oligopólio que marca o capitalismo, pois “servem como
impedimentos para o ingresso de novas corporações num mercado ou para que as já
participantes não galguem as posições de liderança”. Em um momento turbulento como
o que vivemos hoje devido à convergência, elas podem ser fortalecidas ou fragilizadas,
abrindo espaço para uma reordenação do sistema, rompimentos ou reacomodações.
Daí a importância de uma análise que busque perceber a dinâmica entre
estratégia e estrutura, afinal “a estrutura vigente num determinado momento é a
consequência de decisões tomadas antes, de estratégias escolhidas entre um leque de
possibilidades determinado pela situação da empresa inovadora ou imitadora dentro da
estrutura anterior” (BOLAÑO, 2004, p. 74). Além disso, a estrutura do cenário
convergente é ainda instável e desafiante inclusive para as empresas líderes, pois há
mudanças nas trajetórias tecnológicas que podem alterar profundamente o cenário.
Para analisá-lo, nos próximos tópicos discutiremos a situação das barreiras
apontadas por Brittos (2006) como fundamentais para a análise das indústrias culturais,
quais sejam: barreiras estético-produtiva, financeira, de desenvolvimento e político-
institucional. Com isso, pretendemos perceber tendências relacionadas à estruturação
dos mercados e às estratégias adotadas por agentes importantes do setor.

2.1. Estruturas: fragilização de distinções, com reforço do oligopólio

O sistema de comunicação brasileiro é marcado pelo oligopólio, domínio de


grupos privados e pela separação estrutural entre os setores da radiodifusão e das
telecomunicações, sendo que este foi explorado exclusivamente pelo Estado até a
privatização, em 1997. No caso da radiodifusão, a liderança é exercida desde os anos
1970 pela Globo, que conseguiu se firmar no mercado, construir suas próprias barreiras,
tanto relacionadas ao padrão tecno-estético quanto financeiras e político-institucionais, e
a alterar, com isso, o cenário competitivo. Assim, consolidou uma hegemonia que a
transformou em praticamente imbatível no país no setor de radiodifusão e em um grupo
relevante no panorama mundial.
Esse lugar de destaque também foi possibilitado pela capacidade do grupo e da
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) de incidir sobre a
barreira político-institucional, que está relacionada ao posicionamento dos agentes
nesses campos, sua capacidade de intervenção política, pressão junto aos poderes,
produção normativa etc. O setor da radiodifusão historicamente manteve relação
intrínseca com os governos, seja pela importância da televisão na indústria cultural
brasileira e do poder decorrente disso, pelo fato de muitos agentes da política
institucional, como deputados, senadores e ministros, serem também concessionários
desse serviço ou por usarem as outorgas como moeda de troca (SANTOS, 2004).
No caso das telecomunicações, essa relação com o poder político é mais recente
e menos direta. Por outro lado, as empresas desse segmento possuem um capital
expressivo e estão posicionadas no centro do sistema hoje, tendo em vista a importância
das redes telemáticas. Assim, embora a barreira político-institucional se mantenha e
sirva para proteger os interesses dos radiodifusores, ela tem sido disputada por outros
grupos, em um processo que ganha contornos mais complexos pelo fato de
radiodifusores e teles disputarem um espaço cada vez mais comum, deixando distante o
tempo em que as telecomunicações “preocupavam-se com o transporte de sinais, sem se
preocupar com os conteúdos, as segundas [empresas de radiodifusão] eram
especializadas em conteúdos, sem interesse nas atividades ligadas ao conteúdo.”
(SANTOS, 2004, p. 208).
Seguindo a lógica de acomodação de interesses que historicamente norteou a
organização do setor das comunicações no Brasil, essa diferença servia para manter os
privilégios de cada grupo de agentes, por mais que a distinção entre radiodifusão e
telecomunicações não se baseasse em determinações técnicas. Essas eram
essencialmente políticas, como apontou Ramos em artigo de 1997, que integra coletânea
publicada em 2000. No texto, ele explica que o Decreto 20.047/1931, que regulamentou
a radiodifusão, considerava rádio e televisão como serviços de telecomunicações, o que
seguiria a definição que vinha sendo praticada em outros países.
Essa situação perdurou até 1995, quando passou a ser discutida a reforma
constitucional que objetivava quebrar o monopólio estatal sobre as telecomunicações
(RAMOS, 2000, p. 169). Com a aprovação de emenda constitucional, os serviços
acabaram sendo diferenciados, bem como os órgãos reguladores deles – o Ministério
das Comunicações (Minicom) ficou voltado para o primeiro e o que depois viria a ser a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para o segundo. Embora reconheça a
dificuldade de comprovar a afirmação devido à ausência de documentação, Ramos
apresenta como hipótese a possibilidade dessa operação ter sido feita pela Abert, a fim
de que a distinção mantivesse sua autonomia, deixando-a fora do escopo das
competências do novo órgão regulador.
Já então o autor concluía que a radiodifusão se veria diante de paradoxos com a
mudança tecnológica, a digitalização e o uso de plataformas reguladas de forma distinta
como telefones e televisores para acessar o mesmo serviço. Na opinião do autor, essa
indústria “pode ter-se colocado à margem desse cenário convergente, ao defininir-se,
constitucionalmente, como um serviço singular - o Serviço de Radiodifusão - no quase
exato momento em que todos os demais serviços, e empresas, de telecomunicações,
fundem-se e recriam-se multimidiaticamente.” (RAMOS, 2000, p. 179). O que poderia
parecer distante no momento de escrita do texto, é o que o Brasil vivencia desde meados
dos anos 2000. E agora, como na época do texto, ainda não está claro se a estratégia
garantiu ou não vantagens econômicas e políticas para o setor.
Certo é que a separação jurídica entre radiodifusão e telecomunicações
funcionou como uma barreira importante para demarcar os espaços de cada grupo de
agentes. Se, por um lado, ele se protegeu, por outro, passou a enfrentar forte
concorrência no mercado de comunicações e a ter dificuldades para ofertar os serviços
centrais para o panorama atual: telefonia móvel e Internet. Mais uma vez, o exemplo do
Grupo Globo é ilustrativo. Na virada dos anos 2000, ele tentou investir em
telecomunicações, mas a exigência do montante financeiro para atuar nesse mercado
acabou frustrando a iniciativa (POSSEBON, 2002). Ademais, nesse segmento o grupo
não concorria em terreno conhecido nem apenas com os empresários brasileiros, pois
com a privatização das telecomunicações houve abertura para a participação ilimitada
do capital externo em empresas de telefonia (BOLAÑO, 2007).
Essa presença foi ampliada nos últimos anos, que também presenciaram o debate
sobre a organização de um mercado convergente. Até 2011, mesmo na TV paga,
considerada serviço de telecomunicações, a participação estrangeira só era permitida em
até 49%. Com a aprovação da Lei 12.485/2011 – que permitiu às teles ofertarem
serviços de acesso condicionado, unificou a regulação por serviços e não por tecnologia
e anulou os limites para o capital externo na TV paga – houve alterações na composição
do setor. Telefónica, Embratel, GTV e outras empresas passaram a ofertar aquele
serviço, em geral de forma associada a outros, como telefonia e banda larga. Por outro
lado, a lei manteve a distinção entre telecomunicações e radiodifusão e a proibição da
propriedade cruzada entre eles, o que, por exemplo, levou a Globo a diminuir a
participação na distribuidora e empacotadora de conteúdos NET.
A situação das barreiras financeira e de desenvolvimento deve ser
problematizada para se perceber as tendências de organização do mercado. Quanto à
primeira, ela foi fortalecida com a ampliação da participação de bancos, fundos de
pensão e de transnacionais no setor, nas últimas décadas. Para se ter ideia do porte
desses conglomerados, os quais ofertam serviços multimídia, vale destacar que as
empresas do grupo América Móvil, a Telefônica Brasil, a Oi, a TIM e a GVT integraram
as listas das cem primeiras empresas no ranking das 1.000 maiores não financeiras
atuantes no mercado brasileiro, em 2012 e em 2013 3. Já a Telefônica Brasil possui
Receita Líquida de R$ 34.721,9 mi e Lucro Líquido de R$ 3.715,9 mi, o Grupo Globo 4
possui Receita Líquida de R$ 15.990,2 mi e Lucro Líquido de R$ 2.555,8 mi.

3 Das citadas, a GVT não constava no ranking elaborado pelo Valor Econômico em 2012. A SKY não aparece na
lista, que está disponível em: http://www.valor.com.br/valor1000/2014/ranking1000maiores/TI_Telecom

4 Os dados do grupo foram obtidos após somatória dos valores da Editora Globo, O Globo / Extra e Globo, os quais
são apresentados separadamente no Ranking do Valor Econômico.
Os números da Abril, tradicional grupo de mídia com forte atuação no mercado
de jornais e revistas, são R$ 2.570,3 mi e – R$ 168,4 mi, respectivamente, o que mostra
a distância dos grupos nacionais, à exceção do Globo, em relação aos concorrentes
transnacionais. A barreira financeira também já havia levado a Abril a sair do mercado
de TV paga, onde atuou como empresa pioneira nos anos 1990.
Questões relacionadas à crise do impresso e da publicidade, à concorrência com
a Internet e à presença de conglomerados tradicionais tendem a reforçar essa
desigualdade e o oligopólio, que conta hoje com forte presença de transnacionais. No
caso da TV paga, espaço de confluência de ações entre teles e radiodifusão, duas
operadoras dominam atualmente 80,71% do mercado, que fica assim dividido:
Net/Claro/Embratel (51,95%), Sky/DirecTV (28,76%), Oi (6,23%), Vivendi (GVT)
(4,75%) e Telefônica (4%), segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel)5 de março de 2015. Do ponto de vista do conteúdo, apesar da política de cotas
que garantiu espaços para produções nacionais e independentes a partir do que
estabelece a Lei 12.485, a presença predominante é das majors norte-americanas.
“A última barreira lançada é a de desenvolvimento, decorrente de privilégio de
acesso a mercados, insumos e equipamentos ou de métodos específicos de
gerenciamento, produção, distribuição e qualificação do trabalho que garantam uma
redução de custos do produto” (Brittos, 1999, p. 5-6). Aqui, as telecomunicações,
especialmente as empresas transnacionais do setor, destacam-se diante dos grupos
tradicionais, já que possuem um volume de recursos maior, bem como grande
capacidade de desenvolvimento tecnológico e inovação. Além disso, elas têm a
possibilidade de amortizar custos decorrentes desse investimento em diversas praças.
O exposto até aqui mostra que a separação estrutural possibilitou a manutenção
dos lugares tradicionalmente ocupados pelos grupos. Mas a convergência também
estimula a emergência de serviços bastante híbridos, o que pressiona os limites dessa
divisão. É o caso do vídeo por demanda, baseado na oferta direcionada de produtos por
meio das redes de telecomunicações, e o chamado triple play, que faz do serviço
multimídia um diferencial entre os grupos e também um fator para alavancar vendas de
TV paga e de telefonia, que são comercializadas junto com a banda larga.

5 Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalNoticias.do?acao=carregaNoticia&codigo=37192>.


Acesso: 18 jul. 2015.
A oferta multimídia e a necessidade de enfrentar a barreira financeira e a de
desenvolvimento levam à reorganização dos agentes. A fusão de empresas antes
controladas pelo mesmo grupo econômico – como a feita pela América Móvil, que
reuniu NET, Embratel e Claro neste ano – vai ao encontro da busca pela redução de
custos e pela ampliação da coordenação das atividades de provisão de infraestrutura e
de serviços. Afinal, “se a infraestrutura e os serviços são prestados por diferentes
entidades, cada uma tem uma forte e mútua dependência com a decisão da outra. Por
conseguinte, os investimentos nessa situação podem ser paralisados ou retardados.”
(SOUSA; OLIVEIRA; KUBOTA, 2010, p. 67). Nesse sentido, a verticalização da
cadeia e a concentração do setor são possíveis resultados da convergência.

2.2. Estratégias dos agentes: proteção de mercados

Como vimos, o desenvolvimento de novas tecnologias provoca tensões em


posições previamente conquistadas, algo que não é inédito. Elas existiram na relação
dos filmes com a fotografia ou da imprensa escrita com a televisão, para citar dois
exemplos bastante conhecidos. Tais casos mostram que não houve necessariamente o
fim dos meios de comunicação tradicionais, mas sim o reposicionamento dos agentes,
com a integração deles ou o desaparecimento dos mais frágeis. A questão que se coloca,
portanto, é perceber como essa movimentação tem ocorrido e o que ela desenvolve.
Sabe-se que a TV aberta e as empresas que atuam nesse segmento possuem
centralidade no setor, na cultura e na política do país, como concluiu Suzy dos Santos
em obra já citada. Contudo, ainda que permaneçam as disparidades em relação ao
acesso à Internet e a outros serviços – consideração fundamental em qualquer estudo
sobre a possibilidade de convergência no Brasil – a presença de outras mídias e, com
elas, de outros agentes e lógicas de fruição tem crescido.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2013 6, 43% dos domicílios brasileiros
tinham acesso à Internet naquele ano, sendo que a proporção é de 98% na classe A; 80%
na B; 39% na C e 8% nas classes D e E. Uma desigualdade que também se nota em
relação ao local de moradia: enquanto nas cidades o percentual de domicílios com
acesso à Internet é de 48%, nas áreas rurais é de 15%. Não obstante, o número de
6 Pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação sob os
auspícios da Unesco (CETIC.br), órgão ligado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e ao
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Disponível em:
<http://www.cetic.br/pesquisa/domicilios/indicadores”>. Acesso: 20 abr. 2015.
indivíduos que usaram a rede mundial de computadores foi de 51% em 2013, tendo sido
a primeira vez que mais da metade da população brasileira disse ter acesso à rede desde
que a pesquisa começou a ser realizada, em 2005.
Para compreender as lógicas de fruição das comunicações hoje, devemos
considerar que o crescimento do acesso à rede se dá, sobretudo, via celular, o que
compromete a possibilidade de uso, interação e vivência plena de um ambiente
convergente. Os dados daquela pesquisa apontam que, em 2013, 31% dos brasileiros
com 10 anos ou mais acessaram a rede pelo aparelho. Esse percentual mais que dobrou
nos últimos dois anos: em 2011 era de 15% dos usuários. Já em 2012, 20%.
Paralelamente, também cresceu o acesso à televisão de acesso condicionado.
Considerando as diversas plataformas possíveis para tanto, em 2013, segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), essa tecnologia estava presente em 29,5% (18,7
milhões) dos domicílios com televisão, enquanto 70,5% (44,6 milhões) não possuíam
esse tipo de televisão. A situação também é mais dramática tendo em vista as classes
sociais e a área geográfica, permanecendo pior nas zonas rurais em relação às urbanas.

Na atualidade, a TV aberta perde audiência e receitas obtidas com publicidade,


especialmente devido à concorrência com a Internet e ao uso social relacionado à
obtenção de conteúdos praticamente individualizados. Esses elementos têm alterado a
lógica tradicional da televisão, da comercialização da audiência e do tempo para
propaganda à oferta de canais, mesmo os segmentados. Por isso, ganha centralidade na
estratégia da empresa a produção, a programação e o licenciamento de conteúdos.
Essa dinamização do amplo setor das comunicações que coloca em questão o
que estava estabelecido em termos estéticos, de modelo de financiamento, de relação
com o público e também com os agentes institucionais envolvidos no setor,
destacadamente o Congresso Nacional, a Anatel e o Ministério das Comunicações. Para
atuar nesse quadro, mesmo a líder das empresas tradicionais está adotando novas
configurações. No ano passado, a Rede Globo passou a se chamar Grupo Globo, uma
alteração que vai além do nome, pois está relacionada à busca por respostas ao ambiente
multiplataforma. Para o Observatório da Imprensa, o vice-presidente do grupo João
Roberto Marinho reconheceu que o mercado está mais complexo e competitivo devido à
concorrência com empresas internacionais. Ele também afirmou que a estratégia atual
passa por “concentrar esforços na excelência do conteúdo” 7.
Essa posição já foi verificada em outros embates, nos quais o campo da
radiodifusão, tendo a Globo à frente, buscou proteger aquilo que é apontado como o seu
principal ativo. Como relembra Possebon (2002, p. 135), em 2001, diante da
emergência da Internet, da tentativa de criação de uma única agência reguladora, que
seria chamada de Ancinave (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), e depois
com a criação do Serviço de Comunicação Multimídia pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), houve um movimento de defesa de uma “identidade
nacional” dos meios de comunicação. “Talvez como reflexo da crise, da competição que
se anunciava por meio das empresas de comunicação e das dificuldades financeiras de
um modo geral, as empresas de mídia brasileiras se retraíram em uma espécie de
cruzada em torno da preservação do 'conteúdo nacional'.” (POSSEBON, 2002, p. 135).
Essa estratégia se baseia na barreira estético-produtiva, nos termos de Brittos
(1999). De acordo com o autor, para a formação dessa barreira, tem importância
destacada a produção de um padrão tecno-estético capaz de fidelizar o público. Além
disso, ela está relacionada aos fatores de distinção do produto, modelos de produção,
inovação plástica, emprego de pesquisa, recursos humanos e financeiros. No caso da
Globo, o “padrão Globo de qualidade”, erigido ainda nos anos 1970, foi fundamental
para a constituição do poder simbólico do grupo. Esse padrão serviu para criar
diferenciação, impor dificuldades para as empresas concorrentes e construir um gosto
influenciado pelo que a “Vênus Platinada” produz.
Tal barreira segue central para o seu posicionamento, dada a necessidade de
fidelização da audiência em um ambiente comunicacional marcado pela presença da
Internet, da televisão segmentada e das empresas que ofertam conteúdos sob demanda.
Nesse quadro, o padrão tecno-estético tradicional tem sido desestabilizado, como
exemplificam as mudanças nas telenovelas, na linguagem jornalística e na grade de
programação. A dinâmica entre inovação e manutenção do padrão, comum à lógica da
indústria cultural, é ativada para garantir a ocupação dos espaços.
É, portanto, no conteúdo que se materializa a convergência do grupo. Alguns
indícios desse movimento são perceptíveis. Desde 2014, os canais Globosat passaram a

7 Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed816_integracao_marca_do_novo_grupo_globo>. Acesso em:
20 set. 2014
ser disponibilizados em uma plataforma por demanda chamada Globosat Play, voltada
para assinantes de TV paga que possuam ao menos um canal Globosat no seu pacote.
Para usar a plataforma Globosat Play e ter acesso aos canais e seus conteúdos, é preciso
fazer um cadastro, mas não há custo adicional. O serviço é apontado como uma resposta
ao cenário de crescimento de plataformas de vídeo sob demanda, como o Netflix8.
O Globosat Play substituiu o serviço Muu, lançado em 2011 como a primeira
experiência da Globo com serviços que seguem o conceito TV Everywhere. Interessante
perceber que, no mesmo ano, o Netflix começou a operar no país. Apesar da
concorrência com o serviço da maior empresa de comunicação do Brasil, o norte-
americano é hoje a plataforma VOD mais utilizada. Isso mostra que mesmo as barreiras
à entrada construídas historicamente estão sendo modificadas no momento atual.
Ademais, a holding da família Marinho possui, desde 2012, seu próprio serviço
sob demanda, o Globo.tv+. Acessível pelo computador e também por dispositivos como
smartphones e tablets, ele disponibiliza os conteúdos do grupo na íntegra, inclusive
novelas e outras produções de sucesso que já foram ao ar. É diferente, portanto, do
Globo.TV, que oferece gratuitamente trechos dos programas da emissora. O Globo.TV+
custa R$ 12,90 mensais para quem quiser ter acesso a todo o acervo e R$ 9,90 para ver
apenas novelas. A existência dessa opção e a pequena diferença de preço em relação ao
primeiro pacote revelam a importância da telenovela como produto do grupo.
Mudam os canais de distribuição e, com isso, os modelos de negócios e mesmo a
produção dos conteúdos. Sobre isso, vale destacar também que a Globo tem apostado
em referências cruzadas entre seus veículos, bem como na produção de webseries
específicas para a Internet, a exemplo de “Laboratório do Som”, além de outros
conteúdos de entretenimento, os quais estão reunidos no portal Gshow, que pode ser
acessado como aplicativo para celular. Embora ainda não seja possível precisar o
impacto financeiro dessas iniciativas, elas sinalizam as estratégias adotadas pelo grupo
para se posicionar no cenário da convergência.

3. Considerações finais

8 VARELLA, João. Como Globo, ESPN e HBO enfrentam o Netflix. IstoÉ Dinheiro. 11/03/2015. Disponível em:
http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/mercado-digital/20150311/como-globo-espn-hbo-enfrentam-
netflix/240681.shtml. Acesso: 15 jul. 2015.
A convergência audiovisual-telecomunicações-informática se processa no Brasil
seguindo a lógica da acomodação de interesses dos grupos tradicionais e dos novos
entrantes, em especial as empresas de telecomunicações transnacionais. A manutenção
de mercados específicos para eles é uma barreira que garante essa organização.
Por outro lado, a emergência da Internet e de serviços convergentes acaba
levando à produção de novos mercados e à alteração dos modos de fruição dos produtos
culturais. Isso impacta todos os agentes envolvidos no amplo setor das comunicações.
Mudanças nas lógicas produtivas tornaram-se inescapáveis, mas as empresas
tradicionais buscam se adaptar a elas e incidir na reorganização do mercado a partir da
valorização e da busca por proteger o seu principal ativo: o conteúdo, no caso do Grupo
Globo, ponta de lança do setor de radiodifusão. Já para as telecomunicações, a
possibilidade de oferta de serviços multimídia e o potencial financeiro constituem-se
como barreiras que garantem espaços privilegiados neste momento de mudanças.
Vemos, portanto, que as barreiras analisadas aqui passam por modificações. Há o
reforço da barreira financeira e de desenvolvimento, dada a necessidade de
investimentos vultosos para garantir a oferta de diversos serviços, conhecer mais o
público e desenvolver estratégias de fidelização. A barreira político-institucional
mantém-se forte, como vimos no caso da elaboração da Lei 12.485, que acabou
impedindo uma alteração mais drástica no setor. Tal barreira, contudo, tem sido
pressionada por mais agentes, além das tradicionais empresas de radiodifusão. Estas,
por fim, como exemplifica o caso da Globo, apoiam-se na barreira estético-produtiva
para se manter firmes no mercado e garantir a fidelização do público. De modo geral,
apesar da convergência, há uma reacomodação que, embora ainda não finalizada,
mostra que se dá com o reforço da lógica do oligopólio no setor.

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Comunicação e experiência sensível: uma contribuição aos estudos de recepção

Jocélio de Oliveira1

“(…) se você quer compreender o que é a ciência (…) você deve


ver o que os praticantes da ciência fazem.” (GEERTZ, 1989).

Resumo: A proposta deste artigo é articular a reflexão filosófica sobre a “experiência” e os


estudos de recepção no campo da comunicação. Tendo esses dois eixos amparados pelo coti-
diano, aqui pensado como um estilo estético, que possibilita o reconhecimento das formas so-
ciais que mais se destacam numa época, associada à capacidade de um sentir comum, de parti-
lha de emoções e afetos. Acreditamos que esses efeitos são potencializados pela televisão, to-
mada como um lugar de identificação e reconhecimento, por meio do qual se enxerga as dinâ-
micas de uma sociedade.

Palavras-chave: Experiência sensível. Recepção. Cotidiano. Telejornalismo policial.

Introdução

O trabalho de Fechine (2004) nos ensina que “televisão é fluxo”. A programação está
organizada em grade, numa sucessão de arranjos que respeitam horários e dias da semana, de
forma contínua, gravados ou ao vivo. Essa formatação cumpre um papel na experiência televi-
siva: o ritmo do cotidiano aparece sincronizado com o da TV. Dessa maneira, assistir a pro-
gramação assume uma dimensão ritualizada, que se modela como hábito. Uma relação de “es-
tar por estar”, acompanhar a grade para “não fazer nada”, não pensar, descansar. A discussão
da autora segue no sentido de pensar de que forma esse ato gera significação a partir de uma
abordagem semiótica. No âmbito da discussão proposta neste capítulo, iremos nos deter na
noção de fluxo televisual e suas conexões com a manifestação de pensamento coletivo, além
das possibilidades de experimentar e partilhar um mundo (valores) comum por meio da intera-
ção com programação.
Colocamos esses aspectos em perspectiva por acreditar que esse fluxo não comunica
apenas conteúdos informacionais inseridos nos elementos de áudio e vídeo. O que é transmiti-
do pela programação de TV é composto, sobretudo por “afetos”, que tal como sugerido pelo
filósofo John Dewey (2010) configuram-se como emoções, que cumprem papel como ele-
mento, em certa medida, explicativo da experiência. Falamos assim em elementos estéticos e
sensíveis capazes de gerar pulsões, sensações. Ou, nas palavras do autor, “uma força motriz e
1 Jornalista e mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas
(PPGC/UFPB) na linha de pesquisa Mídia e Cotidiano. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisas em Etnografi-
as Urbanas (GUETU/UFPB). Atua profissionalmente como editor assistente do telejornal Bom Dia Paraíba, na
TV Cabo Branco em João Pessoa. E-mail: oliveira.jocelio@gmail.com.

1
consolidante” (Idem, p. 120), que confere unidade e continuidade a experiência. De modo que
a dimensão afetiva do que é experimentado pelo sensível gera “resíduos” que alimentam a
própria compreensão do vivido. É nessa perspectiva que falamos em unidade.
A dimensão informacional dos conteúdos do fluxo é intencional e mensurável pelas di-
versas técnicas quantitativas da pesquisa em comunicação. Contudo, preocupa-nos neste capí-
tulo pensar uma abordagem teórica para compreender e perceber os aspectos de ordem subje-
tiva que emergem na experiência afetiva com a televisão e seus produtos. Particularmente, es-
tudamos aqui o telejornal policial Correio Verdade, produzido e exibido pela TV Correio,
emissora filiada a Rede Record na Paraíba, e que vai ao ar de segunda a sábado, ao meio dia.
Tal estudo foi desenvolvido ao longo de uma pesquisa de mestrado, na qual acompanhamos
três famílias do bairro Mandacaru, na João Pessoa, enquanto consumiam o programa mencio-
nado, cada uma delas durante o período de um mês. Os aspectos teórico-metodológicos dessa
pesquisa são aqui discutidos, articulados à apresentação das conclusões desenvolvidas sobre
um aspecto particular: o modo como a população enxerga e se distingue de pessoas que come-
tem crimes.
Acreditamos que o campo de estudos da experiência, aliada aos pressupostos da pes-
quisa de recepção, ilumina a compreensão dos afetos ligados ao ato de assistir televisão. Esse
comportamento é inserido e contextualizado como uma prática do “cotidiano”, entendido aqui
como “estilo”, numa perspectiva de retroalimentação. Da mesma forma que os sujeitos enxer-
gam as dinâmicas sociais por meio da TV, ela própria compõe essa forma de ser e estar no
mundo. É dessa forma que ela opera o estabelecimento de um repertório comum, seja de lin-
guagem, conteúdos informacionais ou imagens. Assumindo que se trata de uma prática huma-
na e social que vincula relações simbólicas e estabelece sentidos, compartilhados por meio do
discurso (FRANÇA, 2006).
A proposição inicial de que televisão é fluxo nos é bastante pertinente para pensar a re-
lação com a noção de “experiência”. Dewey (2010) a caracteriza como um processo entre um
ser vivo e algo que lhe é externo no ambiente em que vive. No nosso caso, a TV enquanto ob-
jeto e seus produtos enquanto conteúdos e elementos simbólicos. Para ele, as pulsões resultan-
tes desse contato podem ser alteradas por emoções ou ideias, cuja participação na experiência
perpassa as várias etapas do processo:

Em uma experiência, o fluxo vai de algo para algo. À medida que uma parte
leva a outra e que uma parte dá continuidade ao que veio antes, cada uma ga-
nha distinção em si. O todo duradouro se diversifica em fases sucessivas,
que são ênfases de suas cores variadas. (DEWEY, 2010, p. 111)

2
Contudo, ao tratar da relação entre o campo da experiência e os meios de comunica-
ção, Duarte (2010) chama atenção para o fato de que a experiência não tem a ver necessaria-
mente com o conteúdo, mas sim com o movimento, com a vertigem que ele provoca. Nesse
sentido, ela integra a porção do “fluxo audiovisual” que é carregada de afetos, cujos efeitos
não são imediatos. “Essas experiências não podem estar ditas na informação, pois não fazem
parte do conteúdo, mas da construção de novas temporalidades nascidas do encontro do públi-
co com esse outro-mídia-mensagem” (DUARTE, 20010, p. 102). De forma que a leitura e
percepção desse movimento não podem ser realizadas apenas por meio da interação com o
conteúdo latente, ou mais visivelmente expresso no texto dos meios. Do mesmo modo, essa
relação não imprime marcas exclusivas no instante e no espaço da fruição do fluxo. As im-
pressões postas pela experiência escorrem no tempo, caminham com os indivíduos.
De forma complementar, Dewey diz que uma experiência pode ser vivida de maneira
incipiente. Para o filósofo, a experiência se consuma na medida em que se compreende o vivi-
do. No contexto estudado aqui, essas noções são fundamentais para perceber o modo como
essa partilha afetiva resulta na tomada de decisões e posições, na incorporação de valores e
pontos de vista sobre determinados temas e questões sociais.
Por fim, estabelecemos um vínculo com os estudos de recepção e do consumo cultural
de produtos midiáticos, assumindo aqui todo aspecto de fetichismo, afeto e subjetividade exis-
tente na relação de consumo. Para Canclini (1995) “(…) o consumo é o conjunto de processos
socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (p. 53), o que, trans-
posto à mídia, implica em dizer que é processo, é coletivo, é sociocultural. Classificar como
processo significa que há continuidade, e que essa atividade não é concluída de forma imedia-
ta quando se desliga o equipamento de televisão.

Estilo cotidiano e a comunicação

O cotidiano já foi denominado como aquilo que se passa enquanto nada se passa, roti-
na, hábito, costume (PAIS, 2003). Em todas essas passagens, o termo aponta para uma forma
de sentir estruturada (constante) e que (co)move por conta própria as ações diárias dos indiví-
duos em sociedade. Nesse sentido, ele é revelador. São nos gestos sutis de uma prática “im-
pensada” que podem ser percebidos os sedimentos de algo que perpassa e sustenta o social:
são condutas, valores, juízos estéticos. É na necessidade dessas ações “automáticas” que se
imprime um núcleo ativo que move o ser individual e coletivo.

3
Essas marcas se espalham e orientam, de forma sensível, condutas nos mais diversos
grupos com os quais o indivíduo interage: família, trabalho, círculo de amigos, religião. Mas
também o seu trato com as dimensões da técnica, da objetividade, do trato com os objetos.
Maffesoli (1985) aborda o cotidiano como um “estilo”, o que significa caracterizá-lo como
uma forma de sentir e de agir comum de uma época, partilhada socialmente, e que afeta os in-
divíduos. É a existência de uma dimensão imaginária alocada no meio termo entre as pulsões
puramente emotivas, e ainda não nominadas, e o que já é estruturado e estabelecido como há-
bito, norma e regra, não necessariamente escritos.
De acordo com o sociólogo, da mesma forma em que falamos de um ‘homem medie-
val’, ou um ‘homem moderno’, um sujeito pode ser capaz de cristalizar o espírito de uma épo-
ca, internalizar seu estilo, com efeitos no, e pelo campo midiático:

(…) as figuras típicas, com a ajuda da mídia, são sentidos como tais em tem-
po real. Assim, aquela estrela esportiva ou cantor de rock, aquele homem de
negócios ou apresentador de televisão, aquele guru intelectual ou religioso, e
até mesmo aquele animal em evidência no turfe semanal vai, por algum tem-
po, cristalizar o gênio coletivo. (MAFFESOLI, 1985, p. 39)

Nesse contexto, colocamos a comunicação midiática como um importante elemento do


cotidiano. A relação dos indivíduos e de seus grupos com as mídias é uma marca da forma de
viver contemporânea. Isso porque os meios de comunicação tanto dão a ver as dinâmicas soci-
ais, como as compõe, atribuindo significados simbólicos ao estabelecimento desse estilo, de
forma que a cristalização do estilo num indivíduo pode dar passagem também a juízos própri-
os, ou do grupo privado, assim como reforçar pontos de vista estereotipantes.
O dado mais banal da incorporação do ato de assistir TV à rotina é de que o consumo
do fluxo audiovisual acontece em meio a outras atividades, muitas vezes, inclusive, utili-
zando-se apenas do seu áudio. Nesse sentido, “fazer televisão, assistir à televisão não é algo
externo, mas interno à vida social; o espaço televisivo não existe paralelamente às nossas ex-
periências, mas é uma delas – com um fortíssimo poder de penetração nos demais âmbitos de
nossa vivência” (FRANÇA, 2006, p. 33).
Além dessa inserção da comunicação na cultura e no cotidiano, de forma complemen-
tar, também é possível apontar a necessidade da mídia de se alimentar pelo cotidiano, a partir
do qual retira os fatos e acontecimentos que organiza, seja como notícia ou no entretenimento.
“Do cotidiano ao acontecimento, o trabalho da mídia é uma proposição que busca dar signifi-
cado ao acontecimento através da linguagem e devolvê-lo ao espaço público já integrado à or-
dem das coisas” (LANA & FRANÇA, 2008, p. 10). Ainda para os autores, nesse percurso a

4
mídia é responsável pelo fornecimento de sentidos que alimentam o espaço público no cotidi-
ano. Ora, são esses pequenos sedimentos, desprendidos por meio da linguagem e reapropria-
dos no pelas audiências nos ambientes em que circulam no dia a dia, que compõem uma nar-
rativa social, coletiva sobre temas variados. Nesse lugar, questionamo-nos sobre que valores
são esses que se dão a ver no cotidiano, por meio da televisão.
Partindo dos telejornais policiais, vale a pena destacar algumas de suas características
para compreender que tipo de estratégias são utilizadas pelos chamados programas populares
para se aproximar ao máximo dos indivíduos. Araújo (2006) coordenou uma série de pesqui-
sas sobre alguns desses programas no país, para fazer o levantamento de suas principais carac-
terísticas. Entre elas são apontadas 1) a ênfase nas pessoas comuns e seus problemas, 2) a
atenção com a exibição de fatos e a comprovação de sua realidade, e 3) a exploração da vida
privada.
Em cada um desses aspectos se desdobram outras abordagens e comportamentos mais
específicos, de forma que cada um dos produtos audiovisuais pode privilegiar uma ou outra
característica, e dessa maneira ser mais, ou menos, popular. Mesmo assim, é a partir desse tri-
pé, e sobre um espírito da época, que será montada a proposta discursiva dos programas para
seu público. Tendo em vista, ainda, que determinados acontecimentos podem se desdobrar ao
longo do fluxo, que é contínuo em programas de TV de distintos gêneros e formatos.

A experiência do sensível

De que forma é possível experimentar o mundo e seus fenômenos? Tradições filosófi-


cas diversas se debruçaram sobre essa questão desenhando duas correntes principais: uma ide-
alista/racionalista e outra pragmática/empiricista. Para a primeira, só é possível ter uma expe-
riência a partir de algo que já está estruturado na razão. Nesse sentido, a experimentação é
algo interno, subjetivo, que ocorre na mente do sujeito. Tal ponto de vista exige muito da me-
mória (que acaba funcionando como um repositório), aspecto essencial para a compreensão
do vivido; e do hábito, que pode se estruturar como lei, a partir da sequência de experiências
que repetem determinado resultado. Tanto a memória quanto o hábito podem ser atualizados
constantemente pela experiência.
Por outro lado, a abordagem de cunho pragmático aponta para condição de que só pos-
so ‘falar algo’ a partir da inferência que a experiência me dá. O que não faz esse percurso (de
fora para dentro) é subjetivado. Ao pesquisador cabe analisar o que é manifesto por essa rela-
ção, e nesse trato encontra-se a possibilidade de partilha da experiência. Ou seja, a experiência

5
se dá numa relação entre o sujeito e algo que está fora dele; e embora seja um processo cogni-
tivo, algo do que se passa é externo ao sujeito, configura-se como uma disputa travada em ter-
reno público, e que, portanto pode ser observada por outros. Acreditamos que o ato de assistir
ao fluxo televisual proporciona momentos dessa ordem. A elaboração do pensamento aconte-
ce no sujeito, mas a partir de uma provocação externa. Esse momento de interação é que pode
ser assistido.
Destacamos ainda a importância do cotidiano na composição de um imaginário e a sua
relação com os meios de comunicação. Temos em vista que “ao contrário da fragmentação das
experiências ordinárias, uma experiência se distingue das demais porque não é mecânica e in-
tegra a dispersão vivida em outros momentos, formando um todo. Uma experiência, portanto,
não é intrusa, ela se baseia na experiência ordinária” (LANA & FRANÇA, 2008, p. 3) (grifos
dos autores). No contexto deste estudo, queremos chamar atenção para o papel da comunica-
ção midiática, e o telejornalismo policial como uma de suas expressões, na composição de um
retrato comum da vida diária. Tendo em vista, inclusive, que o consumo dos conteúdos televi-
sivos é uma atividade interna à vida social e integrada ao ritmo da sociedade, como sugerimos
no início deste capítulo.
Em mais uma analogia entre o que seria o fluxo da TV e uma experiência, a partir de
Dewey (2010), podemos dizer que a experiência é um processo contínuo. É possível que ela
seja vivida inicialmente de modo incipiente, mas que se desdobre ao longo do tempo. Tempo
esse que não é o cronológico, porque, depois de ser tocado pela experiência de algo, o indiví-
duo é deslocado do tempo. “A experiência estética reconstrói o tempo fora do cronológico, é o
debulhamento de um segundo em infinitos instantes, nos quais os territórios diluem suas fron-
teiras em amplas e profundas possibilidades de trocas simbólicas” (DUARTE, 2010, p. 99).
Trata-se de um movimento sensível e discreto, em termos de mobilização imediata dos sujei-
tos, na provocação de reações e atitudes. Mas que colabora para sedimentar emoções, senti-
mentos, que se desprendem do individuo nas interações que desenvolve no dia a dia.
Condição essa que pode ser identificada no telejornal investigado em nossa pesquisa.
O apresentador Samuka Duarte busca provocar esse deslocamento do tempo com o suspense e
a tensão ao narrar, explicar e reexplicar os fatos em seu programa. A técnica resulta no que já
vem sendo chamado de telejornalismo dramático 2. Associado aos programas populares, isso
implica no apontado por Araújo (2006): a necessidade de personagens, enredos, sequência de
fatos, cenário e narrador. Nas palavras do autor, “os programas populares constroem uma nar-
rativa dos fatos para ordenar a realidade e apresentá-la ao público, a fim de também deixá-la

2 Conferir Coutinho (2012) ‘Dramaturgia do Telejornalismo’.

6
mais parecida com a realidade da vida cotidiana. O real dos programas populares é mais ve-
rossímil se for ordenado e encadeado” (p. 61). Ou seja, embora articulados com a vida que se
desenrola fora dos meios, não podemos perder de vista que a os conteúdos experimentados de
forma mediada são sempre uma representação do que se passa no terreno dos fatos e aconteci-
mentos cotidianos. Tal postura se aproxima do que França (2006) aponta quando diz que a te-
levisão hoje fabrica as próprias imagens e um mundo próprio.
Nesse sentido, julgamos importante refletir sobre o programa como um todo, não se
prendendo a análises particulares de notícias isoladas, associando ainda a intensidade da repe-
tição diária da temática desse tipo de telejornal, como fatores importantes para configuração
de uma experiência sensível. O seu sentido emerge da relação dos efeitos visíveis, ou não,
com as emoções, carências simbólicas e disposições culturais de um grupo (DUARTE, 2010).
A simbolização dos conteúdos televisivos é mediada através da cultura e, por meio da TV, são
representados alguns aspectos da vida cotidiana, no contexto de cada grupo social ou comuni-
dade.
Ainda nessa referência a uma dimensão de partilha, é pertinente o pensamento de
Dewey, segundo o qual é possível fazer mais uma aproximação com a atividade do jornalista.
Para ele, “o artista, ao trabalhar, incorpora em si a atitude do espectador” (DEWEY, 2010, p.
128). Parece-nos a mesma conduta do profissional que, seguindo “critérios de
noticiabilidade”, seleciona o que vai ou não ao ar, o que vira ou não notícia. Assume-se como
representante dos interesses coletivos, como aquele que sabe o que é ou não de interesse pú-
blico e do público, como se o refletisse (ou dele fosse espelho, para algumas teorias).
A experiência não é, contudo, uma atividade passiva. Ela implica necessariamente em
uma resposta ao sofrido. O ambiente funciona como um fator da experiência, mas é na relação
com o outro, ou com o objeto, que ela se estrutura, ou seja, implica numa atitude resposta. Ela
se dá entre o “estar sujeito” e o “fazer”, e dessa forma se configura como um processo, um
afeto, uma emoção que promove o desenvolvimento de uma percepção. Para Dewey, o obser-
vador é capaz de criar a sua própria experiência na percepção, que aparece então como face
ativa desse sistema. O receptor faria atos comparáveis ao do criador, ou seja, aquele mesmo
relacionado à (re)estruturação dos elementos sensíveis.

Uma aproximação com as pesquisas de recepção

Compreender a experiência como um processo é o caminho para ligar essa discussão


ao consumo cultural e às pesquisas de recepção. É a partir dos anos 80 que os estudos dessa

7
área na América Latina começam a formar uma nova tradição. Dois autores, habitualmente
utilizados de forma complementar, se destacam nesse cenário: o filósofo Jésus Martín-Barbe-
ro e o antropólogo Nestor García Canclini. Embora o termo recepção seja comumente visto
como um grande guarda-chuva para agregar as diversas correntes teóricas que estudam as re-
lações entre o público e os meios, esses dois autores oferecem propostas e abordagens com-
plementares para análise do fenômeno apontado.
Em Barbero observamos uma preocupação com os usos sociais dos meios. O autor
compreende a comunicação a partir de contextos de cultura, e revela uma preocupação em re-
lação a sua força e dimensão política. Barbero desenvolve o conceito de mediações para tratar
do “pano de fundo” que sustenta a relação entre o indivíduo, ou grupo, com os meios e propõe
justamente que se faça essa migração do que seria uma predominância dos meios de comuni-
cação para esses outros operadores (mediações), que são coletivos.
A recepção aparece como um processo, algo que não finda no contato com o conteúdo
dos meios, mas se desdobra na relação com o ambiente e os elementos que integram as media-
ções. Nesse processo, o sujeito tem um papel ativo, assim como na experiência, já que é por
meio, ou em favor dele, que os sentidos emitidos pelos produtos dos meios são reelaborados.
Escosteguy e Jacks explicam esse processo:

(…) as mediações, conforme Martín-Barbero, produzem e reproduzem os


significados sociais, sendo o locus que possibilita compreender as interações
entre a produção e a recepção. As mediações estruturam e organizam e reor-
ganizam a percepção da realidade em que está inserido o receptor, tendo po-
der também para valorizar implícita ou explicitamente esta realidade (ES-
COSTEGUY & JACKS, 2005, p. 67).

Num trabalho que representa um grande esforço multidisciplinar no sentido de opera-


cionalizar metodologicamente as premissas de Barbero, as autoras de “Vivendo com a teleno-
vela” problematizam esse produto a partir de um olhar semelhante ao que temos desenvolvido
ao longo deste trabalho, reforçando também a dimensão contínua e processual da recepção:

(…) a telenovela é entendida como um construto que ativa na audiência uma


competência cultural e técnica em função da construção de um repertório co-
mum, que passa a ser um repertório compartilhado de representações identi-
tárias, seja sobre a realidade social, seja sobre o próprio indivíduo. É impor-
tante sublinhar, de saída, que esse repertório entre a produção e a audiência
foi construído ao longo de 35 anos de telenovela no Brasil (…) (LOPES,
BORELLI & RESENDE, 2002, p. 23).

Destacamos aqui o papel da televisão na ativação desse conhecimento comum do coti-

8
diano, o “repertório compartilhado” ao qual as autoras se referência e cujas mobilizações po-
dem ser sentidas no nível da “identidade”, tanto pessoal quanto coletiva. Foi esse tipo de mo-
vimento reconhecemos em nosso estudo: as formas pelas quais a interação entre os nossos su-
jeitos, interlocutores, interagiam com o telejornal policial e a partir das relações estabelecidas
nesse terreno, elaboravam representações sobre temas variados da sociedade (as visões sobre
política, família, justiça, bandido e trabalhador, por exemplo). Mas o componente ‘tempo’ é
essencial nessa dinâmica, porque é o desdobramento dessas interações sucessivas e repetidas
que ajudam a validar, ou não, essas percepções que surgem da experiência de consumo midiá-
tico.
Outra tendência latino-americana nesse grupo de estudos é o denominado “consumo
cultural”. Essa abordagem recebeu mais destaque ao longo desse texto em função de maior
proximidade com seus conteúdos, muito embora uma não exclua a outra. O que Canclini pro-
põem é uma aproximação entre público e meios a partir das teorias do consumo e aponta a
prevalência do valor simbólico sobre o econômico na relação de consumo, ou pelo menos a
sua subordinação àquela primeira dimensão. Por esse viés, o ato de assistir este ou aquele pro-
grama de TV configura-se como um ritual, ato distintivo, em que se objetiva os desejos ao
mesmo tempo em que cria identidade.
Ao estabelecer uma relação entre comunicação e ritual, nos apoiamos na interseção
proposta por Reis (2010) entre televisão, temporalidade e segurança ontológica. O autor faz
um mapeamento do uso desse termo, e identifica um grupo para o qual os media não são o ri-
tual em si, mas desempenham funções rituais na sociedade. Com isso, ele sinaliza para o cum-
primento de uma função de garantir certa segurança e ordenamento aos indivíduos, de forma
que “(...) poderíamos entender simultaneamente o visionamento do telejornal como um ritual
cuja função é estruturar a vida do lar e providenciar um modo simbólico de participação na
comunidade (Idem, p. 254)”. O autor conclui reconhecendo a conexão dessa dimensão simbó-
lica com o conceito antropológico communitas, que indica a formação entre os telespectadores
de uma experiência partilhada no âmbito da coletividade. Embora frágil, momentânea, para
ele.
Contudo, tal ordenamento é também um efeito sensível das relações de consumo. E
sobre esse aspecto, ao refletirem sobre qual é o lugar do “consumo cultural”, numa espécie de
hierarquia dos estudos de recepção, Toaldo e Jacks desdobram os postulados de Canclini e
apontam possibilidade de articulação entre esse estudo e sua conexão com a análise dos mei-
os:

9
(…) porque o consumo não se limita à troca de mercadorias, tornando-se
parte de interações socioculturais mais complexas, produzidas em torno de
bens e objetos simbólicos que produzem significados, representam diferenci-
ação, compartilhamento, comunicam escolhas, posicionamentos da situação
dos indivíduos no mundo, satisfazem desejos. (TOALDO & JACKS, 2013,
p. 5)

Os argumentos das autoras se aproximam da máxima do antropólogo argentino, para


quem o “consumo serve para pensar”, e o faz na medida em que carrega em si essas capacida-
des integrativas, comunicativas e distintivas com efeitos no campo social. Também para o an-
tropólogo, o consumo aparece como um processo, de caráter sociocultural, no qual a apropria-
ção do produto é feita. Para além disso, Canclini (1995) se aproxima de Barbero ao afirmar
que “(…) entre uns e outros [produtores e receptores] se reconhecem mediadores como a fa-
mília, o bairro e o grupo de trabalho” (p. 52). Isto, de certa forma, amplia e fragmenta a noção
de “mediações”, na medida em que esta pode ser atribuída a diversas facetas do cotidiano.
Por meio dessa problemática se colocam em convergência os campos que tentamos ar-
ticular nesse capítulo. Mais especificamente, trata-se da experiência (tomada em sua dimensão
pública ou individual) e da partilha de afetos em relação com o estilo cotidiano (tornado hábi-
to, forma comum de agir no dia a dia do contexto social, alterado e influindo em sua dinâmi-
ca).

Uma proposta metodológica

A forma, vislumbrada por nós, de se compreender esses significados e a transmutação


desses afetos no campo da recepção é através de uma abordagem etnográfica, num viés antro-
pológico. Além das técnicas que deságuam no que foi chamado por Geertz (1989) de uma
“descrição densa”, entendemos que esse olhar sobre pequenos grupos não podem implicar em
considerações totalizantes, globais. Os recortes para pesquisa de campo são por vezes não re-
presentativos, do ponto de vista sociológico ou estatístico, mas servem para apontar tendênci-
as.
Quando propusemos o acompanhamento de um recorte numericamente pequeno, de
três famílias, totalizando nove pessoas, tínhamos em mente que a identificação dos afetos en-
volvidos no consumo ou recepção de determinado produto midiático por uma ou outra família
não podem ser considerados totalizantes. Não indicam as preferências de todo um bairro, fai-
xa etária, classe social. Mas esse exercício apontar traços comuns, partilhados no espírito do
tempo que se vive, vividos e repassados a outros sujeitos por meio da experiência sensível. Ou

10
ainda modelados e construídos com o auxílio das mediações.
Ao defender o texto resultante do trabalho do antropólogo como o esforço para uma
“descrição densa”, Clifford Geertz afirma que “se você quer compreender o que é a ciência
(…) você deve ver o que os praticantes da ciência fazem” (1989, p. 15). Ponto de vista que
ilumina a nossa escolha pela etnografia, ao pensar que para descobrir o que as audiências fa-
zem, quais são as suas relações com os produtos jornalísticos, com programas de violência,
como reelaboram mensagens, é preciso ver o que os receptores fazem. De forma que o objeto
do trabalho de campo é produzir uma interpretação, fazer uma leitura, das estruturas de signi-
ficação do grupo pesquisado, tentando entender a sua lógica.
Essa lógica é partilhada e pode ser apreendida. Para Geertz “a cultura é pública, por-
que o seu significado o é” (1989, p. 22). No nosso campo de análise, acreditamos que essa
partilha é definidora da forma como experimentamos o mundo por meio de telejornais polici-
ais, retroalimentando a cultura no seu cotidiano. A análise desses índices podem apontar ten-
dências, mas de forma alguma procuram ser totalizantes ou expressar uma visão fechada e de-
finitiva do fenômeno dos telejornais policiais.
Apresentamos uma proposta metodológica para apreensão da experiência midiática
que se estrutura a partir dos telejornais policiais. Para tentar identificar essas manifestações
optamos pela etnografia como metodologia de pesquisa, estruturando-a com série de técnicas
de investigação. Sendo que a observação participante, com anotações no caderno de campo, e
a realização de entrevistas semiestruturadas gravadas foram essenciais para o desenvolvimen-
to da pesquisa, pois nos permitiram compreender mais efetivamente a lógica desse “outro”
que compõe as audiências. Um recorte das impressões colhidas por meio dessas duas aborda-
gens será apresentado logo mais.
A observação participante se caracteriza pela inserção do pesquisador no ambiente do
seu interlocutor, provocando a interação com ele. É claro que essa mudança na rotina do sujei-
to observado interfere, em alguma medida, nas reações habituais dos pesquisados. Ela permite
a identificação, a partir de um olhar treinado, de uma ocorrência espontânea (dos) e participa-
tiva (com) os interlocutores sobre o fato estudado, como sugere Ribeiro de Oliveira (2012).
Para a autora, essa técnica permite unir o objeto ao seu contexto, o que por vezes se manifesta
nas anotações do caderno de campo. Essa, aliás, é uma característica ressaltada por La Pastina
(2014, p. 131) ao comentar o trabalho de Nigel Barley. “(...) todo o tempo em que você faz et-
nografia, em que está no campo, 1% do que coleta são informações sobre o que você está inte-
ressado, e que vão realmente ser úteis para a sua análise; 99% são contexto, que ajuda a enten-
der esse 1%”. Essa perspectiva mostra como a compreensão de uma cultura é extremamente

11
dependente de uma imersão no contexto em que as suas práticas se dão e acontecem.
Escolhemos a entrevista semiestruturada (que pressupõe a existência de questões pre-
viamente formuladas, mas com a possibilidade de um diálogo mais livre com os interlocutores
de acordo com os assuntos que surgirem na conversação) porque ela nos ajuda a dar conta de
temas comuns nos diversos grupos, como o questionamento sobre violência, o tema da reli-
gião no telejornal, e juventude. Contudo, durante a observação outros assuntos podem surgir.
Esse corpo metodológico montado por nós é caracterizado pelo antropólogo Magnani como
uma abordagem “de dentro e de perto”. Para ele este plano é “capaz de apreender os padrões
de comportamento, não de indivíduos atomizados, mas dos múltiplos, variados e heterogêneos
conjuntos de atores sociais cuja vida cotidiana transcorre na paisagem da cidade e depende de
seus equipamentos” (MAGNANI, 2002, p. 17). Tal consideração encerra os apontamentos que
fizemos aqui sobre o tripé teórico que assumimos para pesquisa: o estilo cotidiano, o consumo
cultural e a experiência sensível.
A incursão que fizemos na antropologia nos fez compreender que fazer etnografia é um
esforço pela produção de um texto que é uma leitura, uma interpretação, da experiência de
campo vivida, a partir das diversas técnicas e teorias utilizadas. A etnografia já não representa
mais o ponto de vista do “nativo”, o interlocutor com quem o pesquisador se relacionou, ou
mesmo o ponto de vista do próprio investigador, pois resulta desse diálogo e se situa entre ele.
Nesse sentido, o trabalho clássico de Geertz traz uma definição bastante interessante:

Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”)
um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas
suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais
convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento
modelado. (GEERTZ, 1989, p. 20)

Tal atitude exige do pesquisador o sincero interesse em ouvir, a dedicada atenção para
os detalhes e o paciente interesse em perceber os laços afetivos construídos na interação entre
os sujeitos e os meios. Já num cruzamento mais efetivo entre a antropologia e a comunicação,
Travancas chama atenção para o fato de que essa perspectiva metodológica exige um
mergulho do pesquisador e que não pode ser feita sem preparo ou por curtos períodos.
Reforçando a reflexão que acabamos de desenvolver:

É claro que o pesquisador não é apenas um transmissor de falas ouvidas.


Para isso bastaria um gravador e alguém que transcrevesse as fitas. Seu
papel fundamental é interpretar. Interpretar o que está sendo dito, observado
e sentido. O trabalho final do antropólogo – seu texto – é fruto de muitas

12
vozes. Das vozes narrativas, das vozes dos autores com quem dialoga e da
sua voz. (TRAVANCAS, 2006, p. 8)

O levantamento coordenado por Jacks (2014) sobre a consolidação dos estudos de


recepção no Brasil mostra como a etnografia se insere como técnica comum a diversos
trabalhos. Além de apontar a sua articulação com outras abordagens em pesquisas
caracterizadas pelo multimétodo. Ao todo, são elencados nove estudos nos quais foram
reconhecidos o uso dessa técnica. Excluimos, contudo, dessa soma, as investigações que
utilizaram ferramentas bastante comuns no trabalho do etnógrafo, mas que não se denominam
como etnografias, tais como a observação participante, direta, a realização de entrevistas e
histórias de vida, além das netnografias e fotoetnografias.
Do nosso ponto de vista, essa leitura (etnografia) consiste na amarração, ordenação,
valoração e atribuição de significados aos relatos colhidos, comportamentos observados e
conflitos vividos durante o trabalho de campo. É “uma” interpretação possível, porque
entrelaçada com a abordagem teórica, guia e ilumina o olhar para uma determinada
perspectiva, seja para afirmá-la ou negá-la. E ainda por ter em mira objetivos próprios,
particulares da condição de cada pesquisador. Essa base permite que os elementos com os
quais o etnógrafo trabalha se arranjem de uma maneira ou de outra.

Na mira do ‘cidadão de bem’

A experiência etnográfica nos permitiu identificar que no consumo do fluxo


audiovisual, os sujeitos interagem com muito mais elementos do que os expressamente
exibidos nas reportagens. Para além das notícias de crime, a performance do apresentador e o
discurso geral elaborado pelo programa possibilitam a elaboração de representações sobre
temas como a política e os papéis da família e da religião na sociedade; colocando e lado a
própria discussão sobre as noções de justiça e violência. Contudo, um aspecto anterior a isso
está colocado na fala dos interlocutores quando constroem uma oposição entre criminosos e o
restante da sociedade.
Nesse sentido, consideramos o termo “os mente vazias” uma chave de leitura
importante para entender como o público que acompanhamos enxerga o problema da
violência urbana. Ela pode ser chamada de categoria nativa, surgiu do campo, durante o
acompanhamento e observação da família Gonçalves3, e auxilia numa certa contextualização
3 Os nomes das famílias e dos interlocutores mencionados aqui são fictícios para preservar a identidade deles.
No percurso do estudo, alguns não se sentiram à vontade com a divulgação dos nomes, e como regra geral os
pseudônimos foram aplicados a todos.

13
das entrevistas que interpretamos aqui. Muito embora não seja uma expressão dita
textualmente dessa forma pelos outros interlocutores, sua significação é partilhada e perpassa
todos os grupos observados.
“Os mente vazias” são as pessoas sem qualquer tipo de ocupação: emprego formal,
trabalho informal, que não estudam e geralmente também não têm vínculo com alguma
religião (para os interlocutores). Por causa dessa falta de ocupação de atividades, ou seja, por
terem as mentes vazias, elas se envolvem com práticas ilícitas. É uma tradução do ditado
popular que diz: “cabeça vazia, oficina do diabo”. Assim como reflete, de maneira bastante
discreta, sutil ou sensível, a oposição “bandido x trabalhador”.
Esse raciocínio também leva a considerar ineficiente a existência de penitenciárias, por
exemplo, já que estando lá, os detentos também não desenvolvem atividades para “ocupar a
mente”. Sobre esse tema, fizemos algumas anotações no caderno de campo, reproduzida
abaixo:

No Roger (presídio de João Pessoa) só tem gente ruim, carrego, mente vazia,
disse Camila, que também ficou se questionando como entram tantas facas,
celulares e drogas no presídio. Concluiu que só pode ser com a ajuda dos
próprios agentes e policiais. Falou que é muito bom e fácil ser diretor de
presídio, que eles ganham dinheiro sem fazer nada, porque os presos não
fazem nada na cadeia, então que trabalho é esse? (Diário de Campo do dia
23 de setembro de 2014)

Camila integra a família Gonçalves e dentro desse contexto ainda podemos extrair
outras referências ao significado do termo “mentes vazias”. Para dona Lena, do mesmo grupo
familiar, o sucesso na criação dos seus filhos reside justamente em ter evitado que eles
ficassem ociosos:

Eu criei cinco filhos homens, graças a Deus, hoje são tudo homem de bem,
casado, cada um tem sua família. Estudaram, trabalhavam, eles eram
menores mas trabalhavam, eu ocupava eles. Estudava, ia pro colégio e eu
fazia qualquer coisa pra eles venderem, pra eles se ocuparem. Hoje são tudo
de bem. (Entrevista de Lena – família Gonçalves)

Já Damiana e Gorete (família Santos) reforçam a importância do Estado atuar no


sentido de estimular a geração de empregos, como forma de diminuir a violência:

Eu achava assim, que o melhor era... Era ter emprego para esse povo errado.
Ter emprego, ter escola, para... Errado é, então colocava num canto ali e...
Preso, mas preso não para ser espancado e isso e aquilo. Porque se, se pau
desse jeito a ladrão, a criminoso não existia, né? Colocasse ali num canto
preso, mas obrigado a estudar, aprender ser gente, né não? Aprender ser
gente, ter um emprego digno. Eu acho que era assim. Era para ser assim. Ter

14
emprego, ter escola para esse povo. (Entrevista de Damiana – Família
Santos)

Muito melhor aquele centro de convenções que ela tá fazendo, fosse um


ponto de colocar o ensino para as crianças estudarem, procurar profissão,
essas crianças pequeninhas, que estão sem vício, que estão começando
agora. Que não tem tanto essas creches, que essas creches se formassem, se
tornassem um centro de formação, uma aula de profissionalizante, que fosse
levando essas crianças, quando saísse do convívio, já saísse com uma
profissão, alguma coisa. (Entrevista de Gorete – Família Santos)

É importante ter em vista que por trás dessa visão, também é apresentado uma solução
para o problema, que reside justamente no antônimo da mente vazia, que é uma mente
ocupada. Nesse sentido, emprego e educação (ensino) aparecem como ferramentas óbvias,
para os interlocutores, de reabilitação social. Para alguns deles, atividades desse tipo podem
ser eficazes na recuperação de autores de práticas ilícitas, inclusive se colocadas no âmbito do
sistema prisional.
Feltran (2007) faz uma análise dessa relação que põe em lados opostos trabalhadores e
bandidos, ou “Os mente vazias” das mentes ocupadas. Seu texto parte da convivência com
uma família moradora da favela de Sapopemba, na zona Leste de São Paulo. Ele identifica
uma mudança de perspectiva entre uma primeira geração que ocupa esse espaço, envolvida na
luta por direitos sociais, com uma moral católica (num contexto de crescimento dos
evangélicos) e extremamente envolvida numa narrativa do trabalho (ou de sua procura); e a
geração de seus filhos que cresceram na periferia. Para este segundo grupo, as regras da favela
são constitutivas de seu modo de ser, não enfrentaram migrações, não enxergam na dimensão
no trabalho (vivida pelos seus pais) uma possibilidade de ascensão social, de acordo com o
autor.
A família a partir da qual Feltran desenvolveu a pesquisa é formada pela mãe e seus oito
filhos. A migração de Salvador para São Paulo começou no final dos anos 80 e terminou em
95. Ao longo desse percurso a criminalidade foi incorporada à rotina familiar, na medida em
que 5, dos 8 filhos de Ivonete, praticavam crimes e eram detidos ou se envolviam com o
consumo de drogas, de forma que a criminalidade, antes abominada pela mãe, passa a ser
parte constitutiva e definidora da família. A reflexão também segue mostrando como o crime
organizado se tornou responsável por prestar assistência e organizar a vida na comunidade, a
partir de experiências desse núcleo familiar, além de apontar como a vida no crime também é
encarada como um ofício.
No entanto, essa convivência não é pacífica e reproduz dentro de casa a tensão externa
da polarização entre os filhos bandidos e os filhos trabalhadores. Segundo o pesquisador, a

15
narrativa elaborada pelos segundos sobre a própria vida segue numa perspectiva de tentar se
distinguir dos primeiros. De um lado o discurso de que o crime não lucra de maneira a
compensar os riscos, de outro a afirmação de que envolvidos em atividades ilícitas, os filhos
conseguem trazer dinheiro e sustentar a casa.

No plano simbólico, são os filhos “trabalhadores” que sustentam a estrutura do


grupo. São o orgulho da mãe. No plano material, entretanto, o sustento da casa
é garantido pelos filhos “do crime”. A família ganha provedores simbólicos e
materiais, o que permite que se restabeleça. (...) A crise moral é controlada
racionalmente, a condenação dos atos criminosos deixa de ser o centro da
atenção. Trata-se de uma “opção” pela vida do crime, como outra qualquer. O
crime ou o trabalho passam a ser uma escolha individual – e cada escolha leva
a um conjunto de consequências, um estilo de vida etc. Todos conhecem os
códigos de uma ou outra “opção”, e ambas passam a caber dentro da família.
(FELTRAN, 2007, p. 21)

O autor apresenta essa experiência para tentar demonstrar de que modo a convivência
entre esses dois modelos existe no interior de um ambiente privado. Mas logo em seguida
contrasta essa leitura particular com a pública, que é a qual tivemos acesso com a observação
participante nesta pesquisa. Nestas condições, tanto pelo que pudemos identificar, quanto para
Feltran (2007), a repressão aos bandidos representa a proteção dos trabalhadores. E nesse
campo, é a “plasticidade” da noção de quem merece e de quem não merece amparo que é
problematizada.
Segundo o pesquisador, há três tipos distintos de abordagens policiais contra
criminosos. A primeira é rotineira e pontual, a segunda se caracteriza por operações amplas e
focadas e por último as ações que acontecem em crises de segurança. Para cada um desses
aspectos o “inimigo” é diferente, num regime crescente de ampliação desse espetro. Nas
primeiras o bandido é aquele já reconhecido e identificado pelos agentes a partir de sua rotina.
No segundo caso, parentes, amigos, pessoas próximas aos bandidos, mesmo que não tenham
envolvimento em crimes, podem ser alvo de abordagens. A terceira situação coloca em
confronto direto essas duas faces da situação de violência, contexto no qual se incluem
populações inteiras, de bairros periféricos e outras condições desse tipo.

Se a divisão entre “trabalhadores” e “bandidos” não tem se demonstrado um


problema de ordem legal, mas de repartição da legitimidade, esta forma de
nomear a divisão do conjunto social se torna, então, inteiramente política: a
categorização bipolar entre “trabalhadores” e “bandidos” define nada menos
que o acesso ao “direito a ter direitos”, elemento central na conformação do
mundo público. Esta nomeação define, então, quem pode e quem não pode
estabelecer-se como sujeito nos espaços públicos, e quem são os adversários
a serem reprimidos. (FELTRAN, 2007, p. 26)

16
Essa fala também pode ser percebida como encaminhada pelo próprio programa, que di-
ante dos crimes, situa em lados opostos o bandido e o trabalhador, o homem de bem, que tem
a sua memória recuperada a partir de sua rotina de dedicação ao emprego e à família. “Ia do
trabalho para casa”, ou “de casa para igreja”, são expressões comuns que sinalizam nesse sen-
tido. Outra intervenção prática dessa distinção pode ser percebida na necessidade dos interlo-
cutores de reconhecerem que todo bairro tem o lado bom e “áreas podres” (Camila e Gorete),
de forma que em Mandacaru, apesar de periférico e zona comum de crimes, não poderia se di-
ferenciar dos outros por essa característica. Afinal, é um bairro como outro qualquer.
O que se coloca aqui é mais uma problemática ligada ao consumo como elemento de ci-
dadania e distinção, mas cujos efeitos são percebidos e resultam em atitudes sobre o mundo
no qual se vive. A emoção resultante da experiência de consumo midiático ajuda a elaborar
juízos de valores que justificam a compreensão de que é normal a morte de bandidos, assassi-
nados por outros bandidos, por causa de dividas com drogas. Essa foi outra fala comum apre-
endida das entrevistas e observação, cujo plano de fundo é o demérito do “mente vazia” em
sua humanidade, implica numa morte autorizada.

Considerações finais

A experiência consegue criar um laço de continuidade, de transmissão da emoção, de


afetos, que passam do produtor ao receptor, do artista ao seu público e acontece quando o in-
divíduo é tocado pelo objeto estético (seja um filme, poema, ou o produto do jornalismo).
Mas para que isso aconteça é importante que o espectador tenha um repertório comum, forma
que funciona como condição para que o objeto possa tocá-lo.
Da recepção e consumo à experiência, esses pontos se aproximam, assim como vários
outros aspectos das teorias. O reconhecimento da dimensão ativa do sujeito que vive a experi-
ência ou que consome os produtos midiáticos, a sua caracterização como um processo, a exis-
tência de uma relação de partilha entre eu particular e o individual são outros aspectos congru-
entes nessa reflexão. Para nós, esse caminho é possível de ser trilhado e encontra abrigo sóli-
do na abordagem etnográfica, como já foi exposto.
Essa relação dos sujeitos com o fluxo televisual abrigada no cotidiano, e também lhe
compondo como característica demonstra a pertinência de uma reflexão nesse sentido. Em ou-
tras frentes, há fortes estudos sobre a existência de uma sociedade midiatizada, nas quais as
relações sociais são profundamente mediadas pelos meios de comunicação. Tendência bem
estabelecida e que aponta para uma leitura semelhante a que propomos.

17
Acreditamos, contudo, que um estudo de recepção carece do desenvolvimento de uma
abordagem multidisciplinar, tal qual a do projeto Vivendo com a telenovela (LOPES, SI-
MÕES & RESENDE, 2002), apresentado anteriormente. Por isso, a conjugação de propostas
da filosofia (experiência), antropologia (método), comunicação (objeto) e sociologia (cotidia-
no). Dessa forma, é possível chegar com mais sustentação ao propósito da epígrafe desse arti-
go: “(…) se você quer compreender o que é a ciência (…) você deve ver o que os praticantes
da ciência fazem.” (GEERTZ, 1989). Uma compreensão do telespectador de telejornais poli-
ciais deve ser realizada seguindo esse mesmo caminho, dirigindo-se até o seu lugar (princípio
de sentido), para tentar interpretá-lo de forma inteligível.

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18
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19
Título: Pensar el pensar. Los análisis metateóricos como necesidad del campo de la
Comunicación.

José Raúl Gallego Ramos1

Resumen: El objetivo del presente trabajo es recalcar la necesidad de los análisis


metateóricos para el campo de la Comunicación y sugerir puntos de partida para llevarlos a
cabo. Para ello se inicia ilustrando la carencia de práctica metateórica en el campo y se
discuten condiciones estructurales del mismo que contribuyen a esta situación. Luego se
hace un recorrido por los diferentes usos y acepciones del término metateoría con el
objetivo de sortear la ambigüedad y polisemia que lo acompaña y definirlo en función de
sus características fundamentales y algunos elementos claves de acuerdo con la orientación
que requiere para el campo de la Comunicación. Por último se clasifican los tipos de
metateorización y se sugiere una idea inicial para su operacionalización a partir de cuatro
niveles jerárquicos e interdependientes en los cuales se agrupan tipos de ideas presentes en
cualquier formulación teórica.
Palabras Claves: Metateoría, campo de la Comunicación, investigación en comunicación,
Reflexividad.

1. Adentramientos en el campo de la Comunicación

Cuando se intenta describir la situación actual del campo de la Comunicación es


inevitable sentirse presa de una sensación de caos, semejante a encontrarse en el interior de
un laberinto con cientos de rutas, pero sin saber por dónde empezar a buscar la salida.
Dicha sensación no es más que el reflejo de la verdadera situación epistemológica que reina
desde hace varias décadas –o tal vez desde siempre- en el campo de la Comunicación.
Según Carlos Vidales (2013, p. 13) “la comunicación es fundamentalmente un
fenómeno natural” y de allí parte su capacidad para abarcar los más diversos dominios, lo

1 Licenciado en Periodismo y Máster en Ciencias de la Comunicación por la Universidad de La Habana. Profesor de la


disciplina Teoría y Metodología de la Investigación en Comunicación en la Universidad de Camagüey Ignacio Agramonte
Loynaz.

1
cual ha desembocado no solo en la polisemia, ambigüedad y ubicuidad que acompaña al
término sino también en la confluencia de múltiples disciplinas para el abordaje de un(os)
objeto(s) de estudio(s) que aún continúa siendo motivo de debates (MARTINO, 2001).
Por otra parte, en la medida en que ha ido creciendo la conciencia –y la evidencia-
de que la comunicación constituye un escenario de lucha y conquista del poder simbólico y
real (CASTELLS, 2009), se han hecho aún más abigarrados sus nexos con los poderes
políticos, económicos e institucionales (DONSBACH, 2006; VASALLO, 1999) lo cual ha
contribuido aún más a las polarizaciones ideológicas, el crecimiento fragmentado del
campo y la primacía de la lealtad institucional por encima del interés social o académico
(OTERO, 2010; PETERS, 1986).
Sumado a lo anterior está el contexto de primacía del campo profesional sobre el
investigativo, a lo cual Follari (2005) denomina “las especificidades epistemológicas del
campo de la Comunicación”. De la combinación de ambos se generan muchas de las
insuficiencias en los niveles ontológico, axiológico, epistemológico y metodológico que
desde hace tres décadas fueron señalados a la investigación en comunicación y que aún
persisten.
Basta volver a términos como “pobreza intelectual” (PETERS, 1986), erosión
epistemológica (DONSBACH, 2006) o relativismo teórico (VIDALES, 2013) todos ellos
utilizados para caracterizar la situación del campo de la Comunicación y la ausencia de una
reflexión fructífera –y traducible en acciones- al interior del mismo sobre las maneras de
abordar sus objetos de estudio.
Al respecto el autor del último de los términos citados ha dicho de manera clara:
Los estudios de la comunicación y la investigación de la comunicación
voltean constantemente a ver la realidad social en busca de objetos de
estudio, pero rara vez voltean a ver sus propios procesos de producción de
conocimiento, sus marcos epistemológicos, los supuestos ontológicos
sobre la comunicación que se encuentran en la base de su práctica de
investigación, los efectos que la elección de sus métodos de recolección
de datos tienen en sus objetos de estudio, los efectos que los propios
investigadores, como observadores tienen sobre la realidad social que
estudian (VIDALES, 2013, pp. 30-31).

A pesar de la internacionalización de los estudios sobre comunicación, su


proliferación cuantitativa y cualitativa en diversas regiones del mundo y el aumento de la
identidad propia en algunas áreas de la producción académica, aún continúa la

2
“dependencia excesiva de los conceptos y prácticas de Estados Unidos y Europa” (CRAIG,
2008, p. 678) y el predominio numérico y de visibilidad de la investigación gestada en
estos polos (Carrasco e Saperas, 2014)(CARRASCO; SAPERAS, 2014, p. 1716), con todo
lo que implica en términos axiológicos y teleológicos esta exportación, habitualmente
acrítica, de categorías e instrumentos creados en contextos políticos, culturales, ideológicos
e institucionales, por lo general bastante diferentes a aquellos a los que se quieren
transportar.
Todo lo anterior refleja la ausencia de una reflexión metateórica, de un análisis de
segundo orden cuyo objeto de estudio no sea comunicación en sí misma, sino la manera en
que esta se estudia y que permita sacar a flote, iluminar, explicitar, aquellas condiciones,
posicionamientos, asunciones que dan forma, limitan, influyen o estimulan una manera
específica de entenderla. Lamentablemente, como señala el profesor español Miguel de
Moragas (2010), en el campo de la Comunicación la multiplicación de los problemas ha
seguido un ritmo superior a la capacidad académica para afrontar ordenadamente su
interpretación y contextualización.
Por tanto, el desarrollo de análisis metateóricos que permitan realizar un análisis de
segundo orden a los cuerpos teóricos con los que se intenta analizar los fenómenos
comunicativos es una necesidad impostergable que no solo es pertinente para el marco del
campo comunicológico, sino que puede extenderse incluso a otras áreas de las Ciencias
Sociales en las cuales imperan situaciones bastante similares.

2. La metateoría como análisis de segundo orden

Como todo producto social, los constructos intelectuales responden a las


condiciones concretas (económicas, históricas, culturales, sociales, institucionales) en que
son gestados y de quienes los formulan, de allí su carácter provisional y que en el caso
específico de las Ciencias Sociales se hace aún más evidente debido a que el sujeto
investigador es parte del objeto de estudio y que el objeto investigado se convierte en
destinatario y consumidor de los resultados de investigación, lo cual como señala Emilio
Lamo de Espinosa (2003), puede introducir un bucle reflexivo, convirtiendo dichas teorías

3
en mapas cognitivos utilizados por las personas para generar estrategias, incidiendo
directamente sobre la realidad que describe y predice.
Así, cuando el saber teórico empezó a mostrar que también tenía ataduras y fuentes
de distorsión (de carácter lógico y sociales), cuando la sobreproducción teórica junto a la
existencia de explicaciones contrapuestas respecto a un mismo fenómeno demostró la
necesidad de estudiar a fondo su conformación, y cuando el dominio prometido por la
ciencia empezó a volverse contra el propio hombre; se hizo necesario que la teoría dejara
de ser resultado de estudio para convertirse en objeto de estudio, es decir, producir un saber
posterior, capaz de sacar a la luz las relaciones ocultas entre realidad, conocimiento,
condiciones de producción e ideología, lo cual dio lugar a la llamada teoría de segundo
orden o metateoría.
Para justipreciar la importancia de los análisis metateóricos para el campo
comunicológico, debería comenzarse por definir qué es metateoría y cuál es su objeto de
estudio. En un minucioso análisis Wallis (2010), rastreó más de veinte conceptualizaciones
de metateoría; caracterizadas todas por la sumatoria de elementos considerados importantes
más que por la asociación relacional de los mismos; y también por la existencia de
múltiples discrepancias en torno a aspectos fundamentales.
Según este académico norteamericano existen dos enfoques predominantes sobre la
metateoría, uno integrativo (combinación de múltiples teorías) y otro deconstructivo
(descomposición de las teorías para su análisis o recomposición), ambos con puntos en
común, semejantes niveles de utilidad pero diferentes orientaciones. No obstante, más de la
mitad de los autores analizados, indistintamente del enfoque al que se afiliaban, coincidían
en que la metateoría se centra en el análisis de teorías, y en menor medida también existía
concordancia en el hecho de que perseguía la explicitación de los elementos implícitos, es
decir, de las estructuras subyacentes a la teoría.
En cuanto a aquellos elementos sobre los que existen mayores discrepancias a la
hora de definir qué es metateoría, es conveniente realizar algunas puntualizaciones que
considero importante tener en cuenta para arribar a una conceptualización operacional del
término. En primer lugar metateoría da pie a dos significaciones: “Una de las acepciones es
como disciplina que se encarga de estudiar las propiedades de la teoría científica; la otra es
como teoría cuyo objeto de estudio es teoría” (MARTÍN-LAHERA, 2004, p. 56). Aunque

4
distintas, no son excluyentes entre sí sino que dan cuenta de dos fenómenos diferentes pero
íntimamente interrelacionados: uno puntual [la teorización sobre una(s) teoría(s)
específica(s)] y otro general (la estructuración de un área disciplinar especializada en el
estudio de las teorías).
Por otro lado creo necesario reflexionar acerca de un aspecto que por sencillo tiende
a pasarse por alto y es precisamente el carácter puramente teórico de la metateoría, lo cual
es asumido por gran parte de los autores que han incursionado en el campo (BUNGE, 1999;
RITZER, 1997). Aunque es cierto que la metateoría es básicamente una reflexión, una
teorización sobre otra u otras teorías y que los datos que emplea son extraídos
fundamentalmente de los cuerpos teóricos estudiados (WALLIS, 2010), cabría preguntarse
si al igual que la elaboración teórica necesita entrar en contacto con la realidad para
fundamentar y corroborar los hechos que analiza, no sería lícito que la reflexión
metateórica conlleve también implicaciones prácticas para comprobar las teorías que genera
sobre las teorías que estudia. Por ejemplo, cuánto ayudaría al estudio de los factores
sociohistóricos que condicionan una teoría, la aplicación de instrumentos de investigación
que permitan levantar información al respecto: dígase investigación etnográfica de los
contextos en que se produce la teoría, entrevistas a los autores en los casos que sea posible,
investigación historiográfica y otros. Por otra parte, el análisis crítico de aspectos
relacionados con el proceder metodológico y el posicionamiento ante el objeto de estudio,
por ejemplo, sería mucho más completo y fiable, si está precedido por una práctica
investigativa que permita identificar las debilidades existentes y aun así, este proceder
práctico tiene como objetivo principal el estudio de la propia teoría, y no del hecho en sí,
que se convierte en un medio para alcanzar un fin.
Por ello, entiendo la metateoría como un análisis teórico-práctico de segundo orden.
Restringirla solamente a una dimensión teórica sería por una parte, ignorar lo que ocurre
realmente en la mayor parte de la producción metateórica hoy y por otra, un suicidio en el
plano teórico y sobre todo en el práctico.
Otra arista álgida del debate lo constituye el alcance del objeto de estudio de la
metateoría, mientras algunos autores asumen una posición inclusiva que reconoce análisis
tanto generales como específicos, otros excluyen la posibilidad de análisis metateóricos
sobre una teoría puntual, la producción teórica de un autor determinado, o las teorías sobre

5
cierto aspecto de la realidad. Aquí me adscribo a criterios inclusivos como los de Ritzer
(1997) y Wallis (2010) quienes reconocen que el terreno de estudio de la metateoría puede
ser desde una teoría, autor u objeto específico hasta un campo o dominio científico.
Por último, y no menos importante está la finalidad de la metateoría. Ante una
actitud contemplativa o meramente descriptiva con que se ha tendido a encasillar a la
metateoría, considero pertinente asumir una posición activa en pleno acuerdo con el
señalamiento de Turner (1990) en cuanto a que “la metateoría es más una manera de
producir mejor teoría que un fin en sí mismo” Aunque para nada es despreciable el valor
descriptivo de una investigación, circunscribirse a las caracterizaciones o a la identificación
de limitaciones, es un ejercicio incompleto o trunco de acuerdo al nivel de profundidad y
esfuerzo que exige una investigación metateórica. Tampoco puede pasarse por alto que este
tipo de estudios debe constituir una especie de examen de conciencia, en el cual se analizan
las finalidades que persiguen los cuerpos analizados y en función de qué y de quiénes se
ponen los resultados, con una intención profiláctica que controle los posibles efectos
indeseables y dirija los resultados hacia propósitos emancipatorios y de mejoramiento
social.
En este punto resulta totalmente válido asumir la posición del profesor mexicano
Carlos Vidales (2013, p. 74) , quien desde la conformación de una propuesta con objetivos
similares refiere que la intención que persigue no es decir cómo es (descriptivo), y mucho
menos cómo debería ser (normativo), sino cómo podría ser (propositivo) en el futuro, a
partir del planteo de escenarios posibles y alternativos.
Teniendo en cuenta todo lo anterior y en aras de lograr una conceptualización
operacional que relacione causalmente los elementos implicados en la misma, se entiende
por metateoría un análisis teórico-práctico de segundo orden sobre un dominio, campo
u objeto de estudio determinado, que parte del análisis interno del cuerpo teórico y
sus condiciones de producción con el objetivo de develar la consistencia y coherencia
del mismo, las correspondencias y contradicciones entre sus diferentes niveles y sus
componentes, las relaciones o posibles complementaciones con otros cuerpos teóricos y
las características, condicionamientos y límites que le definen el contexto
sociohistórico, cultural y académico en que fue generado; todo ello con una finalidad
de fructificación heurística y de reflexividad ética y teleológica.

6
Siguiendo a Turner (1990) pueden señalarse un grupo de ventajas y aportes que
saltan a la vista como: evaluar la claridad y adecuación de conceptos, proposiciones y
modelos; sugerir puntos de similitud, convergencia o divergencia con otras teorías; reunir
estudios empíricos existentes para confirmar la plausibilidad de la teoría; sintetizar una
teoría, o porciones de esta, con otras teorías; rescribir una teoría teniendo en cuenta
consideraciones empíricas o conceptuales; formalizar una teoría de manera más precisa;
formularla en un lenguaje más adecuado y; hacer deducciones de una teoría como una
manera de facilitar su validación empírica
Pero existen un grupo de razones, aún más convincentes y que se tornan vitales por
tres motivos fundamentales. El primero de índole científica, ya que este tipo de ejercicios
son indispensables para el desarrollo, expansión y legitimación de un campo, sobre todo si
este carece de una identidad inobjetablemente reconocida –como es el caso de la
comunicación-; y el segundo de índole práctica “para compensar con mayores síntesis la
abundancia de análisis” (Gómez, 2008) existente en la actualidad y orientar la selección en
la búsqueda de soluciones.
Como plantea Steven Wallis (2010, p. 75) :

El desarrollo de metodologías rigurosas para desarrollar y testar la teoría y


la metateoría, traerá un balance a las ciencias sociales, lo cual acelerará el
avance de esta ciencia (…) Desarrollando una nueva metateoría, ganamos
la habilidad de hacernos más efectivos en la aplicación de la teoría para la
resolución de problemas sociales y el mejoramiento de la condición
humana. Segundo, y muy relacionado, trabajando desde una perspectiva
metateórica, obtenemos la oportunidad de comprender e integrar teorías
más allá de los límites disciplinares,

algo vital para un dominio científico de naturaleza multidisciplinar como el de la


Comunicación.
Y existe un tercer motivo, de índole axiológica y que se vuelve sumamente
importante en una ciencia con un pasado y un presente tan dado a la instrumentalización
como es el de la Comunicación, donde existen estrechos vínculos con la política y los
intereses económicos, al punto de que las necesidades institucionales se han impuesto a las
potencialidades intelectuales (PETERS, 1986).
Con ese panorama la metateoría

7
bien puede ser la revisión crítica, teórica no sólo de ideas, sino también de
acciones, de compromisos sociales, de opciones epistemológicas, sociales,
políticas. La metateoría puede recuperar una historia vivida, encontrar su
sentido, sus líneas de fuerzas y orientarla hacia la acción futura”
(ZÚÑIGA, 2002).

3. Operacionalización del análisis metateórico

Si la ambigüedad es un rasgo distintivo en las definiciones conceptuales de teoría y


metateoría, no podía esperarse otra cosa en cuanto a su operacionalización. Varios autores
se han arriesgado a dar prescripciones sobre cómo generar teoría y por ende, a partir de la
reversión del proceso, evaluar una teoría. ¿Pero, cómo realizar un análisis metateórico?
En el epígrafe anterior se dijo que la metateoría se entendía como un análisis
teórico-práctico de segundo orden sobre un dominio, campo u objeto de estudio
determinado, que parte del análisis interno del cuerpo teórico y sus condiciones de
producción; lo cual ubica el terreno de estudio tanto a lo interno de la propia teoría, como
en los espacios y condiciones en que se construye. Pero ello no define la cuestión
metodológica de cómo generar metateoría, siguiendo qué pasos, con qué indicadores; un
problema no resuelto del todo, al menos en el campo de las Ciencias Sociales, y que sin
dudas contribuye al poco desarrollo de la práctica metateórica en el mismo.
Si bien algunos autores ofrecen sus propuestas, muchas de ellas redactadas en
términos demasiado generales, otros investigadores se quedan en el plano de la retórica,
describiendo el fenómeno pero sin dar las claves para abordarlo, lo cual lleva a pensar que
en el terreno de la metateoría aún no existen –y quién sabe si deban existir- las soluciones
prefabricadas con que se esperan resolver de un plumazo los problemas que se enfrentan, lo
cual incita a tomar el consejo de que “cuando aplicamos un análisis metateórico, se sugiere
que es pertinente desarrollar nuevos métodos de validación, aunque sin desconocer los
enfoques existentes” (WALLIS, 2010).
Lo anterior lleva a apostar por la construcción de un diseño conceptual y
metodológico que sea capaz de combinar propuestas anteriores con elementos novedosos,
adaptados a las particularidades del objeto y las intenciones del estudio con la finalidad de
arribar a una comprensión más profunda de la teoría en cuestión y contribuir, por ende, a su
fructificación y mejoramiento.

8
Existen ejemplos de investigaciones metateóricas que se concentran en el análisis de
las categorías y conceptos constitutivos de una teoría en específico o aquellas que hacen
referencia a determinado objeto de estudio (GÓMEZ, 2008), mientras que otros autores
optan por apoyarse en ideas generales presentes en cualquier tipo de reflexión, agrupadas
en niveles epistémicos (SÁNCHEZ RUIZ, 1992) , niveles de la teoría (ANDERSON,
2009), dimensiones (LOR, 2010), áreas constitutivas (GÁNDARA, 2011), pero siempre
reconociendo la jerarquía y relaciones de interdependencia existentes entre ellos, así como
los distintos elementos que los integran. Estos niveles –como se les denominará en lo
adelante, para remarcar su carácter jerárquico e interdependiente- constituyen agrupaciones
de tipos de ideas que se hallan presentes, implícita o explícitamente, en toda reflexión.
Aunque no existe un criterio consensuado, la mayoría de estos autores hacen
referencia indistintamente – y en ocasiones con entendimientos diferentes- a niveles
ontológico, sociológico, epistemológico, teleológico, axiológico, metodológico, ético,
valorativo, ideológico, praxeológico, distinguiéndose cada propuesta por los niveles que
utilizan para el análisis, así como por la amplitud y definición que hacen de cada uno de
ellos y los indicadores que incluyen en los mismos. Como se ha dicho anteriormente, en
este aspecto se arrastran las dificultades respecto a la claridad conceptual.
Para el presente trabajo se sugiere operacionalizar el análisis metateórico en cuatro
niveles jerárquicos e interdependientes: ontológico, axiológico, epistemológico y
metodológico. En cada uno de estos niveles se agrupan conjuntos de ideas relacionadas con
la naturaleza de la realidad y el sujeto investigador, la proyección ética y valorativa de la
investigación, así como cuestiones relacionadas con el planteamiento teórico y estratégico
de la investigación que subyacen y estructuran las maneras de ver y posicionarse ante la
realidad de determinada teoría.
Esta decisión responde a un grupo de criterios básicos y necesidades de la
investigación. En primer lugar porque estos cuatro niveles permiten una reflexión
totalizante, abarcadora y sistémica del objeto de estudio tanto en su interior, como en su
relación con el contexto en que se generó y desarrolla. Segundo; en estos cuatro niveles se
incluyen todos los abarcados en las anteriores propuestas 2. Tercero; constituye una

2 No se ha decidido incluir de manera independiente un nivel sociológico que estudie las relaciones entre la
ciencia, las instituciones científicas y la sociedad en general, porque estos son elementos que están presentes en y que
configuran la totalidad de los niveles propuestos. De allí que -y en concordancia con el concepto de metateoría y el
método histórico-dialéctico que asume esta investigación- no pueda entenderse las posiciones ontológicas, axiológicas,

9
operacionalización más concreta y parsimoniosa. Cuarto; considera las interdependencias,
jerarquías y contradicciones, superando con ello las dicotomías excluyentes típicas del
pensamiento científico moderno y permitiendo una visión dialéctica que opere sobre una
realidad entendida como totalidad concreta.
Profundizando más en esta operacionalización; cuando se habla de explicitar los
posicionamientos que asume una teoría a nivel ontológico se refiere a aquellos
relacionados con la realidad en la que se inscribe su objeto de estudio, es decir su
naturaleza, sus elementos constituyentes, sus propiedades (causalidad, temporalidad,
jerarquía de las relaciones), y también respecto al propio investigador como sujeto
cognoscente. Mientras, que a nivel axiológico se tendrían en cuenta la influencia de los
factores valorativos sobre la ciencia, el conocimiento y la actividad científica; así como la
significación social de estos (FABELO, 2011) y las posiciones asumidas por el
investigador hacia la realidad y los resultados de su trabajo.
Al nivel epistemológico corresponden las cuestiones asociadas a los procesos
lógicos de producción del conocimiento y las perspectivas y métodos teóricos que los rigen,
la relación entre el sujeto y el objeto de estudio, la construcción de este último y su sistema
categorial, las finalidades cognoscitivas que se persiguen, la articulación de las unidades
aseverativas y otros elementos que tienen que ver con el proceso teórico de planeación y
generación del conocimiento.
Por último el nivel, muy condicionado por los anteriores, se encargaría
reflexivamente del estudio del conjunto de procedimientos para la producción de la
evidencia empírica, es decir, la estructuración técnica, práctica y operacional de “un sistema
coherente de acciones, pasos, vías e instrumentos para analizar el objeto de estudio”
(Álvarez y Barreto, 2010, p. 188-189).
De cualquier manera esta operacionalización responde fundamentalmente a
necesidades metodológicas y no pretende exhibir una rigidez absoluta pues como señala
Corbetta (2007) estas cuestiones se encuentran “relacionadas entre sí, no sólo porque las
respuestas para cada una de ellas se influyen entre sí, sino también porque a veces es difícil
distinguir los límites entre ellas”, por lo cual determinados aspectos ubicados en un nivel
específico, vuelven a aparecer y a reproducirse recursivamente en otros.

epistemológicas y metodologías, si no es en estrecha correlación con los contextos sociohistóricos que las condicionan.

10
Por otra parte, vale la pena aclarar que muchos de los cuerpos conceptuales que se
utilizan en el campo comunicológico, no alcanzan propiamente el rango de teorías ni tienen
formulados explícitamente ni problematizados estas cuestiones de tipo ontológico,
axiológico o epistemológico, pues su finalidad es puramente operativa, y no se proponen
entender el mundo en estas dimensiones (VIDALES, 2013). Por tanto, no se trata de
someterlos a una crítica pidiéndoles que den algo para lo que no fueron creados, pues el
resultado de tal empeño ya se conocería de antemano.
No obstante, el hecho de que no tengan formulaciones explícitas al respecto ni
constituyan foco de su atención, no quiere decir que no asuman posicionamientos
relacionados con estos niveles, pues como plantea Anderson (2009) estas son tipos de ideas
presentes en cualquier formulación teórica, e incluso yo diría que presentes también en toda
acción práctica, algunas veces de manera consciente y las más, inconscientemente. De ahí
que la intención de estos análisis sea explicitar dichos posicionamientos que se reflejan y
tienen consecuencias en la práctica investigativa, determinar –si es posible- las fuentes de
esos condicionamientos, sus repercusiones e identificar alternativas posicionales que
permitan otros abordajes del objeto de estudio y contribuyan tanto a una mejor
comprensión del mismo como a un aprovechamiento con finalidades emancipadoras de los
resultados obtenidos.

4. Conclusiones

El campo de la Comunicación ha estado atravesado desde sus inicios por una serie
de problemáticas relacionadas con las debilidades epistemológicas del mismo, la
subordinación de los intereses académicos a los institucionales, el predominio hegemónico
de la investigación gestada en los Estados Unidos y Europa, el carácter instrumental de las
investigaciones por encima de su significación social, las consecuencias negativas de la
reproducción acrítica del paradigma dominante de investigación, el alto grado de
fragmentación del campo y otras que apuntaban a la ausencia de una práctica sistemática de
la reflexividad al interior del mismo.
En este sentido los análisis metateóricos como estudios de segundo orden, se
convierten más que en una promisoria herramienta de trabajo, en un necesidad no solo por

11
lo que pueden contribuir a la legitimación y maduración del campo comunicológico; sino
porque las propias características y evolución de los campos académico e investigativo de
la Comunicación exigen de una práctica reflexiva constante que permita depurar y
perfeccionar los cuerpos teóricos-metodológicos que se emplean para el estudio de los
fenómenos de la realidad.
La propuesta de operacionalizar el análisis metateórico en cuatro niveles jerárquicos
e interdependientes (ontológico, axiológico, epistemológico y metodológico) constituye
solo un postulado de base, una especie de provocación intelectual para seguir trabajando
sobre todo en una mayor especificación y explicitación de los componentes al interior de
cada nivel y las relaciones de ellos.
Avanzar en la construcción de una propuesta de esta tipo siempre implica un riesgo
enorme por la complejidad de la tarea, las inevitables exclusiones y elecciones que conlleva
y la pluralidad y diversidad de los objetos de estudio a los que será aplicada; pero
magnitud de ese riesgo solo es comparable con la necesidad que de ella se tiene. Cualquier
diseño al que se arribe debe ser consciente de sus opacidades y de su carácter transitorio y
de progresiva superación, pero como señaló acertadamente Charles Wright Mills (1969), la
investigación es un ejercicio de artesanía intelectual en el que se prefiere hacer con lo que
se tiene, crear vías, rutas, instrumentos que estimulen el pensamiento y no dejar el terreno
baldío a expensas de las intuiciones o las iniciativas festinadas.

6. Referencias

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14
A qualidade no telejornalismo: conceito e matrizes

José Tarcísio da Silva Oliveira Filho1

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de discutir a qualidade no telejornalismo sob a


ótica do jornalismo como construção social. Além de discutir questões consideradas
como pré-requisitos, como a desregulamentação e desconcentração dos veículos de
comunicação, ainda abordamos a necessidade dos media como incentivadores da
conversão pública e da promoção da pluralidade. A estes aspectos, aliam-se formas de
verificação da qualidade em emissoras televisivas. A pesquisa “Indicadores da
Qualidade da Informação Jornalística” produzida pela Rede Nacional de Observatórios
de Imprensa (Renoi), em parceria com a Unesco, desenvolve a utilização de normas
internacionais voltadas para a gestão da qualidade para serem aplicadas no jornalismo.
Além de levantamentos bibliográficos, utiliza-se como referências entrevistas realizadas
com profissionais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela gestão
da TV Brasil, emissora pública brasileira.
Palavras-chave: telejornalismo; público; matrizes; TV Brasil; qualidade.

Introdução
A busca por métodos de verificação da qualidade voltados para emissoras de
televisão ainda é incipiente – assim como a própria significação do conceito, cuja
abrangência de discussão impõe pesquisas de múltiplas abordagens, desde aspectos
ligados à gestão, passando por questões técnicas e de conteúdo. Entretanto, no Brasil
nota-se uma preocupação em tratar o assunto não somente quanto a sua definição, mas
também na elaboração de parâmetros que possam auxiliar pesquisadores e profissionais
da área jornalística e de gestão a identificar se determinada programação ou veículo
atende aos requisitos básicos de qualidade.
Portanto, este trabalho se propõe, através de levantamento bibliográfico e
entrevistas realizadas com profissionais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC),
responsável pela gestão da TV Brasil, emissora pública brasileira, abordar como o
conceito de qualidade é construído da perspectiva do jornalismo como construção social
(BECKER, 2005; GOMES, 2006; COUTINHO, 2013). Também busca-se levantar
como este conceito pode ser avaliado por profissionais e cidadãos. As entrevistas foram

1 Jornalista (UFV), mestrando em Comunicação (UFJF), especialista em Jornalismo Político (AVM) com
MBA em Administração de Empresas (FGV). É pesquisador do Laboratório de Jornalismo e Narrativas
Audiovisuais (UFJF). E-mail: jtarcisiofilho@gmail.com.
realizadas em março de 2014 durante pesquisa de campo na EBC e foram direcionadas a
forma como a qualidade é constituída e praticada no conteúdo informativo da TV Brasil.
Para discutir os métodos que vêm sendo desenvolvidos nos últimos anos,
principalmente relacionados ao estudo “Indicadores de qualidade da informação
jornalística” – realizado por pesquisadores da Rede Nacional de Observatórios de
Imprensa (Renoi) em conjunto com a UNESCO, consideramos importante abordar
também pesquisas sobre qualidade que são objetos de estudos de acadêmicos da área de
telejornalismo, como as desenvolvidas pelo Laboratório de Jornalismo e Narrativas
Audiovisuais da Universidade Federal de Juiz de Fora e publicadas no livro “A
informação na TV Pública” (COUTINHO, 2013). A compreensão dos indicadores
formulados contribui para a discussão conceitual e formação crítica de leitores e
(tele)espectadores.

Conceitos de qualidade e estudos em telejornalismo


A qualidade pode ser estudada por diversas angulações, inclusive por questões
políticas. Ramos (2010) ao traçar um histórico das transformações midiáticas em países
da América Latina, elenca alguns tópicos que fazem parte da agenda política de
comunicação. Entre as questões abordadas estão novas legislações para a imprensa;
controle sobre monopólios ou oligopólios privados nos mercados de comunicação e
informação; necessidade de novos órgãos reguladores autônomos para comunicação e a
informação com significativa participação da sociedade (RAMOS, 2010, p.24-25).
Apesar de no Brasil a regulação ainda não existir para o meio audiovisual,
alguns setores já se mobilizam para garantir aspectos que possam gerar uma
comunicação mais democrática. Um exemplo foi a presença de quase 700 participantes
no segundo Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC), que aconteceu em
Belo Horizonte no mês de abril de 2015. A maioria dos presentes era filiada a
movimentos sociais e reivindicava ações que pudessem garantir a participação nos
meios de comunicação de forma efetiva. Inclusive um projeto de lei, conhecido como
Lei da Mídia Eletrônica, com 20 pontos2 reivindicatórios está em fase de coleta de
assinaturas para posterior envio ao Congresso Nacional.
Entre as referências utilizadas para a discussão e a elaboração do projeto de lei
estão os países latino-americanos que já contam com a regulação midiática 3, como a
Argentina, o Equador e mais recentemente o Uruguai. Em uma análise nestes três
países, Bianco, Esch e Moreira (2014) concluíram que as leis já permitiram “o início do
processo de reorganização do sistema público de rádio e TV ao criar condições para, ao
longo dos próximos anos, diversificar a oferta de conteúdos e renovar a programação”
(BIANCO; ESCH; MOREIRA, 2014, p. 25).
Durante o 2º ENDC, o pesquisador e professor da Universidade de Buenos Aires
e da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina, Martín Becerra, defendeu que o
Estado deve intervir com ações compensatórias em relação às desigualdades
ocasionadas por diferenças sociais e midiáticas. Portanto, considera correto haver
reserva de porcentagem da programação para determinados tipos de conteúdos. Na
Argentina e no Uruguai, por exemplo, 60% da produção em TVs Públicas devem ser
próprias. Quanto à produção independente, 20% e 30%, respectivamente, para cada
país. No Equador, 40% da produção devem ser nacionais e pelo menos 10%
independentes (BIANCO; ESCH; MOREIRA, 2014).
Gomes (2006) também possui um discurso semelhante ao afirmar que a
desregulamentação e concentração das propriedades dos canais de TV por fortes grupos
políticos/econômicos e/ou familiares são pontos que devem ser verificados para a
avaliação da qualidade no telejornalismo (GOMES, 2006). Nesta perspectiva, a
pesquisadora da Universidade Federal da Bahia ainda elenca elementos ligados ao
conteúdo, como a função social do jornalismo.

2 Entre os vintes pontos que compõe o projeto de lei de iniciativa popular estão: participação social;
regulamentação da complementariedade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de
comunicação; fortalecimento das rádios e TVs comunitárias; democracia, transparência e pluralidade nas
outorgas; limite à concentração nas comunicações, proibição de outorgas para políticos; garantia da
produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente;
promoção da diversidade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de crença;
criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos. A lista
completa pode ser acessada no site: http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/
3 Entre os países latino-americanos que contam com lei de meios voltados para o audiovisual, estão:
Venezuela (2004/Lei de Responsabilidade Social do Rádio e da Televisão); Uruguai (Lei da Radiodifusão
Comunitária/2007); Argentina (2009/Lei de Serviços da Comunicação Audiovisual), Brasil (2012/Lei de
Televisão por Assinatura), Equador (2013/Lei Orgânica de Comunicação), México (2013/2014, com a
reforma constitucional que incorpora novas leis de comunicações), Uruguai (2014/Lei de Serviços de
Comunicação Audiovisual).
Oriundo do modelo ocidental, o telejornalismo brasileiro, portanto, estaria ligado
à perspectiva liberal sobre o papel democrático da mídia. Assim, pontos frequentemente
abordados a esta temática, são relacionados “a noção de quarto poder, em que está
implícita a autonomia da imprensa em relação ao governo, o direito à liberdade de
expressão e o compromisso com o interesse público; o caráter público ou privado da
empresa jornalística” (GOMES, 2006, p.5). Esse referencial dos princípios jornalísticos,
que embasa muitos dos estudos sobre a qualidade, demonstra também a visão do
jornalismo como construção social – que também é uma referência adotada por outros
autores, como Becker (2005) e Coutinho (2013). Assim, ao se discutir a qualidade e o
fazer jornalístico, deve-se considerar questões sociais e o “contexto profissional e
cultural em que a prática jornalística acontece” (GOMES, 2006, p.5).
Perante a necessidade de considerar os ambientes social e cultural, Gomes
(2006) afirma ser preciso criar uma forma de identificação entre os programas e seus
telespectadores. Nestas condições, cita o conceito de “modo de endereçamento”, como
sendo a forma como “determinado programa se relaciona com sua audiência a partir da
construção de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais” (GOMES,
2006, p.16). A pesquisadora, assim, consolida sua proposta de que a produção da notícia
não deve se atentar apenas ao acontecimento, mas também ao público que terá acesso à
notícia. Para avaliar a qualidade no telejornalismo, o modo de endereçamento deve ser
explorado através de “como o endereçamento de um determinado programa é
construído, a partir de quais elementos, de quais estratégias” (GOMES, 2006, p.18).
Esses procedimentos fariam parte do processo para tornar real a concepção de
que “a televisão de qualidade é aquela que se torna parte da conversação pública
cotidiana”, defendida por Becker (2005, p. 56), através de percepções elaboradas por
Omar Rincón4. Muitos pesquisadores também defendem a questão da diversidade numa
abordagem abrangente, perpassando por questões técnicas, de conteúdo e
representações, “transformando e misturando gêneros, inserindo novos pontos de vista
nos fatos noticiados e ampliando a quantidade e os diferentes tipos de personagens”
(BECKER, 2005, p.57).
A diversidade também faz parte de trabalhos que tratam da qualidade em
emissoras públicas. Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012) incluem esta característica como

4 RINCÓN, Omar (2004). In: Lutando por uma televisão melhor, Entrevista a João Freire Filho, ECO-
PÓS - Publicação da pós-graduação em comunicação e cultura, Vol. 7, n.1.Rio de Janeiro: E-papers
Serviços Editoriais Ltda., pp.113-25.
um dos dez eixos5 que compõe os 188 indicadores de qualidade6 formulados com a
função de verificação. Numa perspectiva semelhante, Coutinho (2013), também com
enfoque no jornalismo público, reafirma tal preceito através de quatro fatores que
devem nortear a qualidade: a polifonia7; multiplicidade de abordagens; aprofundamento
da cobertura de forma que incentive o debate público; e abordagem de assuntos que não
são veiculados com ênfase pela mídia comercial. Este último tópico também pode ser
interpretado como uma forma de instigar o público, “incluído o consumidor enquanto
cidadão” (BARBERO, 2002, p.57). Nota-se, portanto, que na maioria dos preceitos, a
diversidade ocupa um lugar chave na elaboração dos indicadores.
Na discussão qualitativa sobre a comunicação pública no Brasil, apesar dos
estudos serem recentes, geralmente publicadas nos últimos cinco anos, é perceptível
também a influência de linhas teóricas oriundas de pesquisadores latino-americanos. A
pesquisadora argentina, Norma Mazziotti (2002), relaciona a qualidade “com a
criatividade, com a possibilidade de expressar de outras maneiras, e de maneiras novas,
o que se quer contar” (BARBERO, 2002, p. 215). Uma percepção que além de se
aproximar com a diversidade do formato, também se justifica na concepção de Fuentes
(2002) ao afirmar que “a televisão pública pode e deve se esforçar para buscar novos
formatos e atender à demanda de públicos minoritários” (FUENTES, 2002, p. 132).
Além de ir ao encontro do pensamento de Becker (2005), que diz que a qualidade está
ligada à produção de programas inovadores, universais e ousados, também se encontra
com a pesquisa de Coutinho (2013), que defende que a TV Pública tem a missão de
representar as minorias, principalmente na luta contra estereótipos.
Fuentes (2002) ainda reforça conceitos que são abrangentes no estudo da
qualidade no Brasil, como a pluralidade, a inovação e a necessidade da descentralização
midiática. O autor enfatiza a criação de uma identidade própria – que seria alcançada

5 Os dez eixos que norteiam os indicadores formulados por Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012) são:
transparência de gestão; diversidade cultural; cobertura geográfica e oferta de plataformas; padrão
público; independência; interação com o público; caráter público do financiamento; grau de satisfação da
audiência; experimentação e inovação de linguagem; e padrões técnicos.
6 Os indicadores de qualidade produzidos por Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012) foram elaborados em
formato de perguntas. As questões se agrupam em dois tipos, os que podem ser respondidos de formas
objetivas e os que só podem ser mensurados com precisão através de uma análise de especialistas e
críticos independentes. As perguntas envolvem temas ligados à diversidade cultural, cobertura geográfica,
independência, padrões técnicos, entre outros.
7 A autora caracteriza a polifonia de vozes como diversidade de opiniões e pontos de vistas. Não se deve
confundir tal conceito com questões apenas quantitativas, como número expressivo de fontes utilizadas –
mas sim, olhares diferenciados sobre determinado assunto.
“desde a grade de programação, passando pela construção de marcas, até os elementos
que completam uma identidade corporativa, são as ‘ofertas’ que as emissoras fazem aos
seus receptores” (FUENTES, 2002, p.139). Essa concepção pode ser interpretada
também como uma síntese do que nos propomos a discutir até o momento. Ao executar
o modo de endereçamento proposto por Gomes (2006), perpassando por fatores ligados
ao debate público, diversidade, valores democráticos, pluralidade e outros quesitos que,
juntos, compõe uma TV de qualidade, seria possível criar uma identidade para uma TV,
seja ela pública ou de exploração comercial – comprometida com valores além dos
mercadológicos e de índices de audiência.
Nesta busca pelo sentimento de pertencimento, tão carente em muitas TVs
públicas latino-americanas, como é o caso da TV Brasil que, mesmo após sete anos no
ar, ainda não chega a pontuar nos institutos que medem a audiência 8, é preciso ir além
da perspectiva técnica e de conteúdo para a qualidade. Também se deve considerar que
para a construção de uma TV de qualidade e com identidade forte é preciso garantir
transparência na gestão – já que, além de influenciar no conteúdo, também pode
aproximar a empresa da sociedade, que é a principal financiadora das TVs públicas.
De acordo com Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012), quanto mais alto o grau de
transparência na gestão, “mais preparada está a instituição para prestar um serviço
público de qualidade” (BUCCI; CHIARETTI; FIORINI, 2012, p.26). Em pesquisas
acadêmicas da comunicação que trabalham uma interlocução com métodos
administrativos de manutenção da qualidade9, a discussão geralmente é embasada por
uma abordagem onde se prioriza elementos que podem ser úteis aos investigadores e
profissionais para otimizar a atividade jornalística de acordo com princípios pré-
estabelecidos.
Apesar de Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012) se atentarem às questões ligadas à
transparência de gestão, missão, administração de recursos e nível de diálogo com a
sociedade, algumas ferramentas administrativas também fazem parte do dia a dia de
setores de (tele)jornalismo. Um dos métodos, por exemplo, é o Balanced Scorecard
8 A audiência, analisada de forma isolada, não é considerada um indicador de qualidade. Entretanto, em
entrevistas realizadas com profissionais da TV Brasil em março de 2015, ficou evidente que sua medição
faz parte da meta institucional. Em encontro com pesquisas acadêmicas, como a realizada por Coutinho
(2012), conclui que a TV Pública deve se preocupar com a audiência para que não se torne uma TV vista
por poucos e não dê o retorno efetivo para a sociedade. O traço de audiência também não permite que seu
conteúdo se torne parte das discussões cotidianas, como defende Becker (2005).
9 Para essa abordagem, que será discutida com maior profundidade posteriormente, utilizamos como
referência a pesquisa “Indicadores da Qualidade da Informação Jornalística” produzida pela Rede
Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) em parceria com a UNESCO.
(BSC). Utilizado por emissoras de TV e redações multimídias, como a Rede Gazeta no
Espírito Santo, é considerado um sistema capaz de registrar as falhas, pontos positivos e
comparação de índices de audiência nas mais diversas plataformas comunicativas.
Portanto, se torna um mecanismo para embasar críticas internas e analisar resultados de
setores distintos de uma empresa de comunicação, inclusive do jornalismo.
Entretanto, para se verificar a qualidade de uma forma mais padronizada,
existem estudos que recorrem a normas já estabelecidas e consolidadas para serem
aplicadas em produtos midiáticos. Essa opção, além de garantir maior legitimação dos
métodos de análise, também promove a aplicação de conceitos universais no campo da
comunicação. A partir deste momento, buscaremos aprofundar a discussão dos trabalhos
que usam como referência as propostas e matrizes baseadas nas normas ISO 9000 e ISO
9001, formuladas pela organização Internacional para Padronização (ISO) e utilizada
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Comunicação e matrizes: as contribuições do Sistema de Gestão da Qualidade


A certificação ISO 9000 é uma garantia, fornecida por órgão credenciado, de que
a empresa possui um sistema de qualidade que assegura atingir nos produtos ou serviços
os requisitos especificados pela norma (ROESCH, 1994). Existem algumas variações da
certificação, entretanto, todas se complementam. Carvalho (1996) ressalta que a ISO
9000 fornece as diretrizes para implementar as normas ISO 9001 – que contém detalhes
e procedimentos sobre o que a empresa deve fazer para garantir a qualidade nos mais
variados setores de produção e gestão. No Brasil, a responsável por representar a ISO
no processo de certificação é a ABNT. Por isso, os estudos que se propõem a realizar
um canal entre a norma e a área da comunicação utilizam os conceitos divulgados por
esta associação para embasar as propostas.
Neste tema, podem-se considerar quatro trabalhos que fazem parte da série
“Indicadores de qualidade da informação jornalística” promovida pela UNESCO.
Utilizando como base o relatório "Indicadores de Desenvolvimento da Mídia" 10 os
pesquisadores e professores Christofoletti (2010), Guerra (2010), Cerqueira (2010) e
Rothberg (2010) direcionaram os estudos para a gestão da qualidade11.

10 O relatório “Indicadores de Desenvolvimento da Mídia” foi produzido pela UNESCO e publicado em


2010. Ele apontou características necessárias para o desenvolvimento de uma comunicação que atenda
aos moldes democráticos – incluindo aspectos sociais, políticos e econômicos.
Para Christofoletti (2010) a qualidade pode ser avaliada em duas instâncias: a
interna e a externa. A primeira compreende a criação de cargos como ombudsman,
ouvidor e gerente de controle de qualidade, manuais de redação, profissionalização da
gestão, adoção de processos de normatização e gerenciamento, entre outras ações. Já as
instâncias externas, são representadas por organizações que contribuem com as
empresas através de análises críticas e sugestões. São os casos dos observatórios de
imprensa, regulações estatais do mercado, ensinos de graduação e de pós-graduação e
eventos de discussões sobre as rotinas produtivas
Esta proposta demonstra que as empresas de comunicação precisam se alinhar às
decisões internas ao ambiente e ao público para quem se destina o produto midiático. A
concepção se entrelaça com a visão do jornalismo como construção social defendida por
Becker (2005) e Gomes (2006). Por isso, seguir normas que possam alinhar o processo
produtivo da notícia aos preceitos de qualidade é uma maneira eficaz de monitorar se
determinada emissora está empenhada em satisfazer as necessidades do seu público.
Através de entrevistas realizadas com os editores e diretores de redações do
Brasil e utilizando como referência as normas da ABNT ISO 9000 e ISO 9001, além de
outros documentos referenciais de aferição da qualidade, Cerqueira (2010) elabora uma
matriz de indicadores. O modelo é semelhante ao publicado por Bucci, Chiaretti e
Fiorini (2012) dois anos depois. Consistem em perguntas que envolvem desde aspectos
administrativos, como a divulgação da missão, visão e valores empresariais,
perpassando por preceitos ligados à responsabilidade social, transparência, estratégias
de promoção da qualidade, estrutura jornalística, práticas editoriais, presença de manual
da qualidade, capacitação, recursos humanos, ações de incentivo à participação social
dos cidadãos, inovação, entre outros.
Apesar dos pressupostos, um dos grandes desafios é identificar como (e se) a
imprensa brasileira põe em prática tais princípios. Em uma pesquisa envolvendo 22
empresas, Christofoletti (2010) analisou a presença e a execução de mecanismos de
controle e verificação da qualidade12. A conclusão é de que “há uma dispersão

11 Apenas a publicação de Rothberg (2010) não abordou diretamente a gestão da qualidade através do
sistema ISO. O professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) no trabalho “Jornalistas e suas
visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos ‘Indicadores de Desenvolvimento da Mídia’ da
UNESCO” se dedicou a analisar a qualidade na perspectiva dos profissionais do jornalismo.
12 Entre os pontos analisados por Christofoletti (2010), estão a avaliação de processos produtivos,
reuniões internas de avaliação, presença de manual de redação, código de ética, pesquisas de satisfação,
serviço de atendimento ao leitor, presença de ombudsman ou ouvidor etc.
conceitual que se traduz concretamente na ausência ou pouca nitidez das ações e
estratégias para a busca de excelência técnica” (CHRISTOFOLETTI, 2010, p. 41).
É importante considerar que apesar do estudo ter sido realizado com foco
principal em jornais impressos, muitas das constatações também podem ser estendidas
para o campo do telejornalismo público. Em entrevistas realizadas com quatro
profissionais da TV Brasil em março de 2015, pertencentes aos setores estratégicos -
Direção de Jornalismo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ouvidoria e
Conselho Curador - notou-se que dentro da própria EBC não há um consenso sobre o
que é qualidade. Essa ausência de sintonia pode dificultar a criação de parâmetros
qualitativos e sistemas de gestão da qualidade.
A ouvidora Josetti Marques (2015), por exemplo, defende que não se devem
criar parâmetros de qualidade pelo risco de engessar o fazer jornalístico – que, para ela,
está em constante transformação, devido às mudanças sociais. Já Nereide Beirão (2015),
diretora de Jornalismo, e o assessor de Jornalismo Eurico Tavares (2015), consideram
que a qualidade está ligada à informação fornecida ao telespectador de forma completa,
contextualizada, comprometida com a veracidade dos fatos e com boa técnica. A
presidente do Conselho Curador Ana Fleck (2015) diz que os aspectos qualitativos são
formulados de forma constante, através de audiências, análises de programas e retornos
da sociedade.
Mesmo os entrevistados considerando o “Manual de Jornalismo da EBC:
Somente a Verdade” como um norteador da atividade jornalística nos veículos que
compõe a EBC, nota-se que não há uma integração conceitual entre setores estratégicos
que fazem parte da TV Pública brasileira sobre o ideal da qualidade a ser alcançada. A
segmentação de opiniões pode se tornar, inclusive, um entrave para implantação das
normas estabelecidas pela certificação ISO 9000/9001.
Na proposta de diretrizes para gestão da qualidade aplicada ao jornalismo,
Guerra (2010) afirma que as matrizes elaboradas pelos pesquisadores da Renoi devem
ser discutidas e aprimoradas por empresários, funcionários e membros das organizações
jornalísticas – daí a importância de um trabalho em sintonia. Em sua pesquisa, recupera
a necessidade de se adequar a dualidade: expectativas dos consumidores 13 e percepção

13 Em relação à expectativa dos consumidores, Guerra (2010) ainda descreve uma dupla dimensão. “A
privada, relativa a gostos, preferências, potencialidades próprias de cada indivíduo ou grupo de
indivíduos. E a pública, relativa à condição cidadã que estes mesmos indivíduos e grupos desfrutam no
âmbito das sociedades democráticas” (GUERRA, 2010, p. 45).
dos mesmos sobre o produto ou serviço14. Portanto, na composição da matriz, a relação
entre as organizações jornalísticas e a audiência é analisada como um serviço público –
sendo o interesse público um valor notícia universal. Utilizando a norma da ABNT ISO
9001:2008 e o documento da Fundação Nacional da Qualidade, conclui que:

Qualidade é o grau de conformidade entre notícias publicadas e as


expectativas da audiência, consideradas as expectativas da audiência
em duas dimensões: a) dimensão privada, relativas a seus gostos,
preferências e interesses pessoais; e b) dimensão pública, relativas ao
interesse público como Valor Notícia de Referência Universal.
(GUERRA, 2010, p. 46).

Na matriz proposta, oito pontos são considerados: requisitos gerais;


responsabilidades da direção e liderança organizacional; estratégia e planos; audiência e
sociedade; informações e conhecimento; gestão de recursos; realização do produto e dos
processos; e medição, análise e melhoria/resultados. Guerra (2010) considera ainda que
os documentos voltados para a qualidade, como os “Indicadores de desenvolvimento de
mídia: analise ambiental” devem ser utilizados como referenciais pelos profissionais e
pesquisadores que se preocupam com o estudo e a prática do tema.

Qualidade: considerações finais e desafios


É notável que nos últimos anos a questão da qualidade vem sendo abordada com
maior ênfase pela academia. Trabalhos voltados para temas específicos – como o
telejornalismo público – provam essa tendência que é positiva para o jornalismo no
Brasil. Entretanto, pesquisas realizadas no âmbito do Laboratório de Jornalismo e
Narrativas Audiovisuais da UFJF mostram que ocasionalmente há um distanciamento
entre as propostas elaboradas e a prática jornalística15. Esses fatores podem ser
analisados em dupla perspectiva: de aspectos macro, relacionados às questões políticas,
que envolvem regulação midiática e políticas públicas voltadas para a comunicação, e a

14 A afirmação de Guerra (2010) é embasada no livro “Administração Pública” de Nigel Slack, Stuart
Chambers e Robert Johnson, publicado em 2007, com tradução de Maria Teresa Corrêa de Oliveira e
Fábio Alher pela editora Atlhas (SP).
15 Entre as pesquisas citadas estão “A abordagem econômica nos noticiários público e comercial: o
rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil”, apresentada Tarcísio Oliveira Filho e Iluksa
Coutinho no XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste (2014), e “Entre denúncias
e silêncios: a cobertura do caso Pasadena em emissoras de TV comercial e pública”, apresentada pelos
mesmos autores no XII Congresso da Associação Latinoamericana dos investigadores em Comunicação
(2014).
visão micro, que fazem parte da rotina empresarial e que afetam diretamente o fazer
jornalístico
Enquanto frentes sociais se mobilizam para preencher a lacuna referente à
legislação para uma comunicação pautada por valores democráticos – como é o caso do
Fórum Nacional pela Democratização da Mídia -, através de pressão política e
mobilização dos movimentos sociais, as empresas jornalísticas deveriam assumir o
compromisso de trabalhar a qualidade de forma sistematizada, por métodos
considerados referências universais. Os trabalhos aplicados às normas ISO 9000 e ISO
9001 constituem uma ferramenta importante para alcançar este objetivo. Se na pesquisa
a comunicação é cada vez mais vista como uma área com frequente
interdisciplinaridade com outras áreas, na prática não deve ser abordada de forma
diferente. Esses métodos, além de organizar a atividade jornalística, também se aliam
aos valores e missões de muitas organizações.
A aplicação das matrizes não só é respaldada por questões ligadas às normas
técnicas, mas também pela incorporação dos conceitos teóricos defendidos por autores
que estudam o jornalismo de qualidade, como a diversidade, pluralidade, polifonia de
vozes e construção de um estilo que possa se identificar com os espectadores. Portanto,
as matrizes são uma ferramenta que viabiliza a concretização do interesse público
perante uma atividade consolidada como serviço público.
Como evidenciado pelos autores, os modelos ainda carecem de testes e são um
ponto de partida para serem aprimorados. A própria prática pode contribuir para a
criação de matrizes mais eficientes e comprometidas com o conceito de qualidade.
Porém, para que isso seja possível é necessário criar uma cultura organizacional16 capaz
de unir jornalistas, direção e cargos estratégicos ao compromisso de uma TV de
qualidade.
No caso da TV Pública, que tem o ideal constitucional de se diferenciar do que é
produzido pela grande mídia e de buscar uma identidade nacional, é importante aderir a
mecanismos que possam verificar se tais objetivos estão sendo alcançados. As
discussões no Conselho Curador e os retornos obtidos através da Ouvidora podem atuar
como termômetros para avaliar se os métodos de gestão da qualidade empregados são
efetivos. E na perspectiva do fazer jornalístico como uma construção social (BECKER,

16 Por cultura organizacional entende-se a criação de práticas que sejam difundidas no ambiente
empresarial e que possam ser utilizadas por diferentes profissionais em atendimento aos valores e a
missão da empresa/veículo de comunicação.
2005; GOMES, 2006; COUTINHO, 2013), as ferramentas de análise da qualidade
também podem ser úteis neste contexto, através da inclusão da participação social e da
atenção às demandas reais do público.

Referências bibliográficas
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ROECH, Sylvia. ISO 9000: caminho para a qualidade total? Revista de
Administração, v. 29, n. 4. 1994
ROTHBERG, Danilo. Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no
contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da Unesco. Série Debates CI
(Unesco), v. 4, 2010.
TAVARES, Eurico. Entrevista concedida a Tarcísio Oliveira Filho. Brasília: EBC, em 19
de março de 2015.
Perspectivas iniciais para o estudo da saúde do jornalista

Juliana Bulhões Alberto Dantas1

Resumo: Desenvolvemos uma reflexão acerca da contribuição da perspectiva teórica


das mudanças estruturais no jornalismo para uma pesquisa sobre a saúde do jornalista.
Apresentamos primeiramente um panorama geral da pesquisa, que versa sobre a saúde
do jornalista no contexto da precarização da profissão. Em seguida, fazemos uma
explanação teórica sobre precarização da profissão de jornalista e mudanças estruturais
no jornalismo. Ao final, nos indagamos sobre as prováveis implicações do que foi
abordado.
Palavras-chave: Jornalismo; mudanças estruturais no jornalismo; precarização do
jornalismo; saúde do jornalista.

Ideias iniciais

É comum nos depararmos com um discurso de que o jornalismo está passando


por uma crise. Mas até que ponto a profissão de jornalista passa por crise, mutação ou
mesmo transformação?
Diante do questionamento inicial, desenvolvemos uma reflexão acerca da
contribuição da perspectiva teórica das mudanças estruturais no jornalismo para uma
pesquisa sobre a saúde do jornalista. Para tal, apresentamos primeiramente um
panorama geral da pesquisa, seguido de uma explanação teórica sobre precarização da
profissão de jornalista e mudanças estruturais no jornalismo, finalizando com as
prováveis implicações na pesquisa.

Saúde do jornalista como objeto de estudo

1 Doutoranda em Comunicação (UnB), mestre em Estudos da Mídia (UFRN), especialista em Assessoria de


Comunicação (UnP), graduada em Comunicação Social - Jornalismo e Radialismo (UFRN). É professora voluntária
na Universidade de Brasília e integrante do Grupo de Pesquisa Pragma/UFRN.

1
As últimas pesquisas indicam que no Brasil existam hoje 145 mil jornalistas
profissionais (MICK; LIMA, 2013). Integrantes de um mercado muito competitivo e
com baixa remuneração, os jornalistas sofrem as consequências do atual modelo de
trabalho adotado pelo mercado brasileiro.
Neste panorama, nos propomos a desenvolver um trabalho na interface entre
comunicação e saúde (LERNER; SACRAMENTO, 2014; GOMEZ; MACHADO;
PENA, 2011; PAULINO, 2009; PITTA, 1995). Sendo assim, os pilares da nossa
fundamentação teórica emergem desta área, que na pesquisa está relacionada às
mudanças estruturais no jornalismo (MOURA; PEREIRA; ADGHIRNI, 2015;
BARSOTTI, 2014; ADGHIRNI, 2012; PEREIRA; ADGHIRNI, 2011), à precarização
da profissão de jornalista (LIMA, 2015; SILVA, 2014; SILVEIRA, 2010; ACCARDO,
2007), aos estudos sobre o trabalho (ANTUNES, 2009; DEJOURS, 1992, 1997, 2011),
à visão do jornalista enquanto trabalhador (FIGARO; NONATO; GROHMANN, 2013;
FIGARO, 2008, 2001) e às consequências do trabalho na saúde e na qualidade de vida
no trabalho dos jornalistas (TAVEIRA; LIMONGI-FRANÇA; FERREIRA, 2015;
FERREIRA et al, 2013; FERREIRA, 2012; HELOANI, 2003, 2005, 2006; LIPP, 1996).
Nossa hipótese atual da pesquisa de doutorado é que a precarização da profissão
afeta a saúde destes profissionais. Esta foi uma das conclusões-hipóteses da nossa
pesquisa anterior (BULHÕES, 2014), na qual investigamos a prática profissional, o
ethos e a identidade dos jornalistas que atuam concomitantemente em redações
jornalísticas e assessorias de imprensa em Natal-RN.
Na atual pesquisa buscamos desenvolver esta hipótese investigando sobre a
saúde de jornalistas brasileiros, tomando como recorte os que atuam nas cidades de
Brasília-DF e Natal-RN, escolhidas tanto pela proximidade acadêmica da pesquisadora,
quanto por questões peculiares locais e discrepâncias entre si.
Brasília-DF pode ser considerada a capital do jornalismo brasileiro, devido ao
Distrito Federal ter a maior concentração de jornalistas per capita do país, que é
aproximadamente um jornalista para cada quase 385 moradores; são cerca de 6.500
jornalistas em uma população média de 2,5 milhões de habitantes (SILVA, 2014). Pelo
fato de ser capital federal do país, ela tem uma concentração incomum de órgãos
públicos, veículos de comunicação, correspondentes etc.
Natal-RN foi considerada a cidade com o mais baixo piso salarial do país pelos
últimos cinco anos. Com cerca de 1.700 jornalistas atuando no mercado (MAIA;
FEMINA, 2012), não é excepcional encontrar dentre eles profissionais com mais de

2
três empregos formais (BULHÕES, 2014) e também jornalistas que ganham abaixo do
piso, que é R$1.370,00 (FENAJ, 2015).
A primeira fase do trabalho pauta-se em pesquisa exploratória que, de acordo
com Bonin (2011), é um movimento de aproximação ao fenômeno pesquisado, com
vistas a conhecer suas especificidades. Pode incluir um levantamento de dados referente
ao problema, além de trazer pistas que irão contribuir para a construção investigativa.
Nossa principal estratégia metodológica é a etnometodologia, que considera a
linguagem comum como locutora da realidade social (COULON, 1995). Sendo assim o
jornalista, ao falar de sua vivência profissional, pode revelar melhor a realidade social
na qual está inserido. “A importância teórica e epistemológica da etnometodologia se
deve ao fato de efetuar uma ruptura radical com modos de pensamento da sociologia
tradicional. Mais que teoria constituída, ela é uma perspectiva de pesquisa, uma nova
postura intelectual” (COULON, 1995, p. 07).
Por proximidade com a metodologia escolhida, optamos complementá-la com a
técnica da entrevista em profundidade, que consoante com Duarte (2008) serve para que
se recolham respostas a partir da experiência de uma fonte. Pereira (2012) destaca que a
realização de pesquisas qualitativas exige um preparo extra do pesquisador
entrevistador, que precisa considerar diferentes aspectos da interação com o entrevistado
e considerar durante o processo de interpretação dos dados, analisando “a própria
atuação do pesquisador no processo de construção da narrativa” (PEREIRA, 2012, p.
43).
Com relação aos sujeitos de pesquisa, trabalharemos com perfis que nos façam
refletir sobre as diferentes formas de trabalho como jornalista em Natal e Brasília.
Buscaremos contemplar concomitantemente os perfis abaixo:
a) Permanência na profissão: pretendemos ter entrevistados que atuam como
jornalistas; que têm a formação, mas nunca atuaram; que atuavam e mudaram de
profissão; e que atuavam e se aposentaram.
b) Local de atuação: em meios de comunicação hegemônicos e contra-
hegemônicos da mídia tradicional (emissoras de TV e rádio, jornais impressos, revistas,
portais etc.), da comunicação organizacional ou docência; sejam organizações públicas,
privadas ou do terceiro setor.
c) Funções: Repórter, editor, pauteiro, locutor, apresentador, blogueiro, assessor
de comunicação ou imprensa, marketing, comunicação interna, relações públicas,
analista de mídias sociais etc.

3
d) Formação: com diploma de graduação de universidades públicas e privadas e
sem diploma.
e) Tipos de vínculos: estagiário, freelancer, pessoa jurídica (PJ), contrato sem
carteira assinada, contrato com carteira assinada em outra função (embora atuando
como jornalista), contrato com carteira assinada como jornalista, concursado com outra
função, mas exercendo a função de jornalista e concursado como jornalista.
Também nos interessam questões relacionadas a gênero, idade, tempo de
profissão, trajetória, ideologia profissional, sindicalização, não deixando de considerar
aqueles que possuem múltiplos empregos e também demais questões que possam surgir
no desenvolvimento da pesquisa.
Com relação aos instrumentos de coleta de dados, registraremos as entrevistas
por meio de gravações em áudio e anotações, com transcrição literal em seguida. Todo
esse material constitui a base para nossa análise dos dados empíricos, bem como as
impressões e interpretações dos gestos e falas dos entrevistados. Consideramos, ainda,
que no decorrer da pesquisa os sujeitos podem sofrer mudanças de postos de trabalho,
pois isso é comum na área do Jornalismo.

Precarização da profissão de jornalista


A pesquisa Radiografia do Jornalismo Potiguar (BULHÕES, 2014) identificou
que no estado do Rio Grande do Norte mais de dois terços dos jornalistas possuem dois
ou mais empregos, enquanto que o índice brasileiro é cerca de um terço (MICK; LIMA,
2013). Além disso, cerca de 65% dos jornalistas potiguares trabalham entre 30h e 60h
por semana, uma carga horária superior ao esperado para um jornalista com apenas um
emprego, já que o Decreto-Lei N.º 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), indica uma carga horária semanal de 25h
semanais ou cinco horas diárias - o que pode ser explicado tanto pela multiplicidade de
empregos, quanto por horas excedentes de trabalho. Estes dados nos levaram a crer que
o jornalismo potiguar passa por uma precarização, principalmente no que diz respeito às
condições de trabalho do jornalista.
Entendemos por precarização um conjunto de fatores relativos a condições de
trabalho que faz com que a prática profissional apresente dificuldades no seu pleno
exercício. Druck (2001) mapeou seis tipos de precarização do trabalho oriundos do
contexto brasileiro: vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais;
intensificação do trabalho e terceirização; insegurança e saúde no trabalho; perda das

4
identidades individual e coletiva; fragilização da organização dos trabalhadores; a
condenação e o descarte do Direito do Trabalho.
Desses, acreditamos que prevalece na profissão de jornalista o segundo tipo, que
segundo a autora “é encontrado nos padrões de gestão e organização do trabalho – o que
tem levado a condições extremamente precárias, através da intensificação do trabalho
(imposição de metas inalcançáveis, extensão da jornada de trabalho, polivalência etc.)”
(DRUCK, 2001, p. 48). Sendo assim, os principais fatores determinantes para a atual
precarização da profissão de jornalista são: as longas e intensas jornadas de trabalho, o
acúmulo de funções e os baixos salários.
Lima (2015) foi mais específico ao mapear os cinco indicadores mais fortes de
precarização do trabalho de jornalista: jornada de trabalho excessiva; intensidade do
trabalho; vínculos empregatícios precários; baixos salários; e indícios de multifunção.
Destacamos que a ideia de precarização da profissão de jornalista não surgiu
agora. No contexto europeu, Accardo (1998) aponta que os efeitos da precariedade e da
proletarização dos chamados "trabalhadores-jornalistas" resultam em um
empobrecimento material (diminuição do poder de compra, endividamento crescente,
deterioração das condições de vida) e em problemas de ordem psicológica, como o
estresse.
Tratando de uma realidade brasileira, Sant’Anna (2005, p. 16) relata que os
veículos de comunicação brasileiros "reduziram suas equipes, eliminaram coberturas
jornalísticas setorizadas, dispensaram os profissionais", enquanto que Marcondes Filho
(2009, 2009a) ressalta que o jornalista teve seu trabalho aumentado com as tecnologias,
passou a ter mais atribuições, o contingente nas redações foi reduzido, o prestígio
diminuiu, a responsabilidade aumentou e, hoje, qualquer um pode exercer a profissão.
Segundo o autor, este conjunto contribui para a precarização profissional, posição cuja
endossamos.
Nos atendo ainda à questão da tecnologia, Heloani (2006) corrobora com esta
visão quando aponta que as supostas vantagens das tecnologias vieram acompanhadas
de cargas excessivas de trabalho, invasão da vida pessoal e desconfortos físicos como
olhos irritados, dores no pescoço e nas costas, lesões por esforços repetitivos. "As
organizações, pressionadas pelo processo de globalização, substituem cada vez mais o
homem pela máquina, implementam novas tecnologias e obrigam o jornalista a adaptar-
se freneticamente a elas" (HELOANI, 2006, p. 192).

5
Para Duarte (2004), a precarização laboral expressa a dinâmica de um fenômeno
de transições e exposição aos diferentes riscos associados às dinâmicas atuais do
mercado de trabalho. A autora relaciona esta questão aos vínculos contratuais instáveis e
também às mudanças organizacionais constantes e irregularidade crescente dos horários
e das remunerações, mesmo tendo por base vínculos contratuais estáveis.
Silveira (2010, p. 89) traz um recorte histórico-temporal voltado à atualidade
quando diz que "considerando que os jornalistas brasileiros enfrentam um processo de
precariedade nas condições de trabalho e de remuneração, talvez poucas vezes visto no
mercado convencional, eles têm sido hábeis em encontrar saídas que lhes permitam
viver com menos privações". Uma dessas saídas citadas pelo autor é justamente a
múltipla jornada de trabalho, que implica em uma carga horária excessiva, com longas e
intensas jornadas de trabalho, que podem influenciar negativamente na saúde dos
jornalistas.
Adotamos na pesquisa a premissa de que a profissão de jornalista está passando
por uma precarização. Ainda não podemos afirmar desde quando há esse fenômeno, mas
estimamos que a sua existência ficou mais evidente com a popularização de um perfil
profissional multifuncional.
Não queremos enfatizar um discurso de que a profissão de jornalista é a mais
precária, ou passa por uma precarização mais forte do que profissão x e y. Mas por que
acreditamos que de fato há uma precarização da profissão? Defendemos que as
condições de trabalho, no geral, estão longe das ideais e propomos a discussão das
consequências disso, apontando especificamente para a questão da saúde e qualidade de
vida no trabalho do jornalista, uma investigação complexa que poderemos discutir mais
profundamente no futuro.

Mudanças estruturais no jornalismo


Acreditamos em uma forte relação do conceito de precarização da profissão de
jornalista com o de mudanças estruturais no jornalismo. De antemão, destacamos que o
conceito de crise tem aderência ao nosso pensamento, porém não corroboramos com
uma visão reducionista de um discurso aleatório sobre crise no jornalismo.
Para autores como Barsotti (2014), o jornalismo é atravessado pela crise da
modernidade. A autora acredita que "vivemos sem utopias em um espaço público
esvaziado, em que predominam os valores individuais, o encerramento em comunidades
e a intensificação do presente" (BARSOTTI, 2014, p. 30). Ela demonstra que a crise do

6
jornalismo é anterior à internet, porém esta acelerou o processo. Com ênfase nos jornais,
ela destaca a circulação em queda (em detrimento ao aumento no número de jornais), o
encolhimento da receita publicitária, os cortes nas redações e a expansão rumo aos
meios digitais.
Barsotti (2014) acredita que a atual fase do jornalismo, que corresponde ao da
era eletrônica, põe em xeque a profissão de jornalista, mas que no fim das contas torna-
o mais necessário. A autora não tem pretensão de atribuir as mudanças no campo do
jornalismo exclusivamente ao avanço das novas tecnologias digitais, mas destaca a
importância de observarmos esta dinâmica.
Le Cam, Pereira e Ruellan (2015) destacam as mudanças e permanências do
jornalismo. Eles defendem que o jornalismo não sofre alterações mudando todas as
dinâmicas anteriores; muito pelo contrário, o jornalismo se ancora na história e conserva
permanências em suas práticas.
Os autores apontam que "a retórica sobre a crise do jornalismo é por si só um
dos discursos mais permanentes e mais recorrentes" (LE CAM; PEREIRA; RUELLAN,
2015, p. 13), afirmação cuja corroboramos.
Podemos sintetizar o conceito de mudanças estruturais no jornalismo como um
"conjunto de transformações no jornalismo, que incluem novas formas de produção da
notícia, processos de convergência digital e a crise da empresa jornalística enquanto
modelo de negócios" (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39). Neste contexto, os autores
estabelecem três eixos principais de análise sobre as mudanças estruturais no
jornalismo: mudanças estruturais na produção da notícia, mudanças estruturais no perfil
do jornalista e as novas relações com os públicos.
Neste ponto, nos questionamos: até que ponto as mudanças estruturais são "no"
ou "do" jornalismo? Pensando em mudanças "no" jornalismo, podemos crer que as
mudanças são externas e afetam o jornalismo; já em mudanças "do" jornalismo, as
mudanças são internas, ou seja, de entro para fora, oriundas das bases estruturais,
ocasionando novas concepções de técnica, prática e linguagem jornalística.
Como Pereira (2015) aponta, há diferenças entre mudanças de fato e discursos
sobre mudanças no jornalismo. Ele aponta que, em um primeiro momento, há uma
estabilidade no jornalismo como prática social; em outra perspectiva, há rearranjos nas
práticas - sem modificações nas estruturas -, inovações pontuais e segmentações; e, por
fim, há mudanças estruturais, porém raras e oriundas de um processo lento.

7
Em suma, temos que refletir sobre até que ponto a prática jornalística vem se
modificando, pois não temos uma resposta pronta para isso. Como Pereira (2015)
afirma, devemos considerar os indicadores atuais dessa mudança.

Encaminhamentos para a pesquisa


Apresentamos características da pesquisa em desenvolvimento, tendo em vista
buscar contribuições para avançarmos. Inúmeras pesquisas indicam que o trabalho, em
circunstâncias de precarização, adoece (ANTUNES, 2009; DEJOURS, 1992, 1997,
2011; HELOANI, 2003, 2005, 2006). Nossa inquietação é saber em que medida isso
ocorre no jornalismo, pois estudos sobre a saúde do trabalhador são desenvolvidas com
maior frequência em outros campos, a exemplo de profissionais da educação.
A saúde dos jornalistas é um tema bastante debatido no senso comum, porém
não tão frequente em pesquisas acadêmicas. Destacamos a realização da pesquisa
"Mudanças no mundo do trabalho e impacto na qualidade de vida do jornalista", de
autoria de Heloani (2003, 2005, 2006).
No âmbito fora da academia, há alguma iniciativas pontuais. O Sindicato dos
Jornalistas do Ceará realizou em 2010 uma pesquisa sobre a saúde e qualidade de vida e
de trabalho dos jornalistas nas redações dos jornais impressos O Estado, O Povo e
Diário do Nordeste e constatou que 61,39% dos trabalhadores que responderam o
questionário apresentam problemas de saúde oriundos do trabalho de jornalista
(SINDJORCE, 2010). Já o Sindicato de Jornalistas da Bahia (2015) defende que os
jornalistas podem ser os profissionais com a saúde mais afetada, afirmação à qual não
podemos endossar no estágio atual da pesquisa.
Voltando-nos à questão do trabalho em si, Antunes (2009) nos ponta uma direção
o dizer que o trabalho é uma atividade vital, podendo trazer felicidade social ou não, ter
um sentido ou não. "Mais do que nunca, bilhões de homens e mulheres dependem
exclusivamente de seu trabalho para sobreviver e encontram cada vez mais situações
instáveis, precárias, quando não existentes de trabalho" (ANTUNES, 2009).
Em uma mesma perspectiva, Dejours (1992, 1997, 2011) apresenta os
sofrimentos e prazeres que o trabalho pode causar, a busca pelo significado, pela
motivação e pela satisfação. Ele divide as doenças oriundas do trabalho em duas
categorias, doença mental e doença somática. Mapeamos como possíveis doenças
ocupacionais relacionadas ao exercício do jornalismo: estresse, distúrbios
osteomusculares relacionados ao trabalho, como as lesões por esforços repetitivos

8
(L.E.R.) (HELOANI, 2006), dores nas costas, na cabeça, insônia, gastrite, depressão,
fadiga visual (SINJORBA, 2015), dores no pescoço e articulações, ansiedade,
problemas de visão, dores nos braços, pernas e articulações, palpitações (SINDJORCE,
2010) e Síndrome de Burnout (NOGUEIRA, 2012).
De acordo com Gomes (2006), dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) estimam que no Brasil cerca de 57 mil pessoas morrem anualmente, vítimas de
acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Nos voltando especificamente ao caso
dos jornalistas, Heloani (2005) também cita resultados de pesquisas da OIT, em parceria
com sindicatos de jornalistas, que demonstraram tendências para a profissão: "devido às
doenças insidiosas e, portanto, de difícil diagnóstico precoce, parte significativa desses
profissionais não alcança sequer a aposentadoria" (HELOANI, 2003, p. 20).
Em pesquisas com ênfase nos aspectos psicológicos, psicopatológicos e
psicossomáticos relacionados ao exercício do trabalho jornalístico, Heloani (2003, 2005,
2006) cita uma série de implicações do trabalho jornalístico na qualidade de vida destes
profissionais. Ele aponta que os profissionais mais afetados por problemas de qualidade
de vida no trabalho (QVT) geralmente são "fracassados" no que diz respeito à vida
afetiva e familiar e no cuidado com a saúde.
Para o autor, as novas tecnologias implantadas nas redações têm influenciado no
desenvolvimento de estresse, entendido como "o esforço despendido por determinado
organismo, diante de determinada demanda externa, seja essa solicitação excessiva ou
moderada, boa ou ruim (HELOANI, 2006, p. 173)", além de distúrbios osteomusculares
relacionados ao trabalho (DORT), como as lesões por esforços repetitivos (LER). Ele
aponta oito categorias de qualidade de vida no trabalho (QVT): remuneração justa e
adequada, condições de trabalho, desenvolvimento de capacidades, oportunidade de
crescimento, integração social, constitucionalismo, equilíbrio entre vida e trabalho e
relevância social do trabalho na vida. Tais indicativos serão considerados como base
investigativa na nossa pesquisa.
Debruçando-nos à questão da precarização da profissão e também das mudanças
estruturais (por ora, chamadas assim, mas também vistas como transformações),
inicialmente podemos inferir que estes conceitos poderão ser muito caros no estudo
sobre saúde e qualidade de vida no trabalho do jornalista. Investigar sobre a
precarização da profissão nos traçará uma linha direta com a dicotomia entre trabalho e
adoecimento - seja esse mental ou físico.

9
As perspectivas sobre mudanças estruturais no jornalismo nos fornecerão uma
visão mais ampla das transformações pelas quais o campo passa e nos trará uma
contribuição contextual de como se insere a precarização da profissão. Ou seja,
sugerimos na pesquisa que a precarização da profissão é parte das mudanças estruturais
no jornalismo.
Por fim, o que se pretende não é fazer um discurso de vitimização da profissão,
muito menos alimentar uma mitologia de que jornalista é super herói, mas acreditamos
que o trabalho deste profissional é atingido por questões diversas, que podem reverberar
em sua saúde.

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1
Programa Comunicação Comunitária da Universidade de Brasília:
as transformações das práticas de comunicação a partir da emergência da cultura digital

Juliana Soares Mendes1

Resumo: O conceito comunicação comunitária adquire diferentes sentidos e se relaciona com


outros termos, como comunicação popular e alternativa. Esta análise aborda o referido conceito a
partir do Programa de Extensão Comunicação Comunitária da Universidade de Brasília. As
universidades — bem como organizações não governamentais e movimentos sociais — são atores
que exercitam e refletem a comunicação comunitária. Onze grupos de pesquisa sobre o tema estão
cadastrados no diretório nacional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. Internacionalmente, há o espaço para este debate nos encontros da Associação Latino-
americana de Pesquisadores da Comunicação e da Associação Internacional de Pesquisa em Mídia e
Comunicação. O programa participa destas arenas e aborda a influência da tecnologia nas ações de
mobilização. O desenvolvimento tecnológico — desde as fitas cassete até as mídias sociais —
permite ao programa criar novos espaços com diversidade de vozes e também explorar a cultura
digital de colaboração coletiva.

Palavras-chave: comunicação comunitária, universidade, tecnologia, cultura digital

Comunicação alternativa, popular ou comunitária?

Diversidade de compreensões acompanham a definição de comunicação comunitária, em


especial porque esta concepção ultrapassa o debate acadêmico. O conceito se modifica e se adapta
no cotidiano da mobilização social. O termo é frequentemente associado a outros na atuação no
interior de comunidades.
O presente artigo procura se aproximar dos sentidos aferidos ao conceito a partir da prática
do Programa de Extensão de Ação Contínua Comunicação Comunitária da Faculdade de
Comunicação da Universidade de Brasília – FAC/UnB. Considerando o uso recorrente de
plataformas midiáticas para a criação de espaços de expressão a serem ocupados pelos moradores
das comunidades parceiras do programa, as opções por essas tecnologias de comunicação

1 Mestra em Ciências Sociais pelo Centro de Pesquisa e Pós Graduação Sobre as Américas (CEPPAC) da UnB. É
pesquisadora do Programa de Extensão de Ação Contínua Comunicação Comunitária – FAC/UnB.

1
influenciam a formatação das atividades. Portanto, o uso e transformações tecnológicas colaboram
na caracterização e qualificação da comunicação.
Em países latino-americanos, por exemplo, adjetivos qualificadores da comunicação se
tornaram comuns depois da década de 1970 — como, alternativa, popular, cidadã, comunitária,
educativa e para o desenvolvimento (KAPLÚN, 2007). Principalmente a partir da utilização de
ferramentas de comunicação, diferentes atores se envolvem nesta esfera e originam essas diferentes
terminologias. Como explica Gabriel Kaplún (2007), alguns desses atores são as organizações não
governamentais, os movimentos sociais, educativos, políticos e religiosos. As universidades se
incorporam também neste espaço de articulação e a inserção do Programa Comunicação
Comunitária no referido cenário é abordada na seção seguinte deste artigo.
Os processos históricos podem revelar o surgimento das diversas denominações. No caso do
Brasil especificamente, Regina Festa (1986) identifica o surgimento da imprensa alternativa ou
nanica também na década de 1970 sob o regime militar (1964 - 1985). Esses veículos, vendidos nas
bancas de jornais e também informalmente, expressavam opiniões de resistência ao regime
estabelecido. Festa lembra, no entanto, que a censura e repressão à comunicação ocorria em
paralelo a grandes investimentos na comunicação de massa.
A comunicação popular foi ressurgindo no período inicial do regime — após movimentos
de cultura popular na década de 1960 — devido à percepção de que a estratégia de educação de
massa não era efetiva para a transformação social. Optou-se pelo trabalho de base com apoio do
pensamento de Paulo Freire, com forte representação de grupos e organizações ligados à Igreja
(FESTA, 1986). Cicilia Peruzzo (2006, p.2) recorda que movimentos populares da década de 1980
também se utilizaram desta modalidade de comunicação, cuja definição pode ser sistematizada
como: “uma forma de expressão de segmentos excluídos da população, mas em processo de
mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de sobrevivência e de participação
política”.
As décadas de 1980 e 1990 oferecem novas oportunidades para a participação política com a
redemocratização após a ditadura militar no Brasil – e de outros regimes autoritários em países da
América Latina. Evelina Dagnino (2002) aponta que a relação entre sociedade civil e Estado sofre
transformações. O antagonismo é substituído pela possibilidade de negociação e atuação conjunta
sob a perspectiva da participação. Esta negociação ocorre dentro da própria sociedade civil, cuja
diversidade de grupos direciona para a disputa pela construção democrática do país.
O resgate de práticas de comunicação popular, anteriores à década de 1980, e a variedade de
termos qualificadores conduzem à confusão sobre a definição de comunicação comunitária. O
termo se torna mais complicado se analisado a partir da perspectiva da comunidade, especialmente

2
considerando as transformações impulsionadas pelas tecnologias digitais e da internet. Estas
fomentam comunidades virtuais, baseadas em laços fracos pautados por interesses específicos e a
subjetividade dos indivíduos envolvidos (ALONGE, 2006). Marcos Palácios abordava este debate
ainda na década de 1990:

A comunidade deve ser vista como toda forma de relação caracterizada por
situações de vida, objetivos, problemas e interesses em comum de um grupo de
pessoas, seja qual for a dimensão desse grupo e independentemente de sua
dispersão ou proximidade geográfica (PALÁCIOS, 1997, p.36).

A comunicação comunitária deve considerar elementos que não se limitam às marcas


territoriais e proximidades — da família, vizinhança, escola ou trabalho. As identidades e os
objetivos comuns que mobilizam indivíduos e coletivos em prol de um projeto democrático
necessitam participar desta definição. Evidentemente o local — interseccionado pelo regional e o
global — permanece também responsável pela constituição de identidades. Segundo Kaplún:

... lo comunitario aparece ahora como un modo de pensar los procesos de cambio
social profundo y, a la vez, democrático, de abajo hacia arriba. En esta
perspectiva, lo comunitario sería una búsqueda por fortalecer el –con frecuencia
debilitado– espacio social, reconociendo la importancia de la dimensión subjetiva
[…]. El apellido comunitario ha ido cobrando fuerza también como un modo de
subrayar que entre estado y mercado hay otros modos de construir sociedad; que
entre la representación política y el consumo hay otros modos de construir
ciudadanía (KAPLÚN, 2007, p.313).

Nesta direção, Nancy Fraser (1991) repensa a esfera pública proposta por Jürgen Habermas.
Inicialmente, a autora critica a visão de que o acesso à esfera pública seria igual para todos,
defendendo a existência de esferas públicas competidoras — que fortaleceriam o princípio
democrático. Para a autora, o pressuposto de que, nessa arena, deveriam ser discutidos o bem
comum — em face a assuntos privados — é equivocado. Não deveriam haver fronteiras pré-
estabelecidas sobre o que é passível de discussão, permitindo às minorias convencerem que
assuntos privados podem se referir a interesses compartilhados.
Se a identidade perpassa a prática política da comunicação, temas privados — referente a
direitos das mulheres, de grupos étnicos ou de religiões estigmatizadas — possuem importância
destacada e devem ser evidenciados. No caso de meios de comunicação — principalmente os
comunitários —, o estímulo ao debate pode garantir voz aos grupos minoritários.
O interesse pelo comunitário e popular influencia também os meios massivos. De acordo
com Peruzzo (2006, p.9), o popular massivo se manifesta nas dimensões “culturalistas, popularesca
e de utilidade pública”.
A realidade, então, problematiza a perspectiva da comunicação comunitária — que não

3
poderia ser encontrar em “estado puro” nas ações realizadas, pelo Programa Comunicação
Comunitária, prioritariamente em Planaltina-DF. Por um lado, é visível um trabalho de base da
comunicação popular na parceria com o Centro de Integração Esporte e Cultura – CIEC e com o
Assentamento Pequeno William. Por outro lado, a comunicação comunitária se revela na emissão
de programação na rádio comunitária Utopia FM, que possui alcance limitado ao bairro onde se
localiza. Na mesma emissora, há o horizonte da comunicação alternativa na escolha de músicas, que
geralmente não tocam nas rádios comerciais.
O Programa Comunicação Comunitária, desse modo, navega entre os diferentes conceitos de
comunicação, visando criar espaços para coletivos e indivíduos assumirem o protagonismo da ação
política pelo diálogo. Com a cultura digital e a convergência tecnológica, os canais de comunicação
e os espaços de participação se amplificam. Nas seções seguintes, o surgimento e desenvolvimento
do programa será analisado considerando a inserção e uso gradual de tecnologias digitais para a
ação mobilizadora.

O Programa Comunicação Comunitária

A potencialidade do programa da FAC/UnB é delineada com a compreensão da inserção da


temática comunicação comunitária no cenário acadêmico a partir da reflexão gerada pela conexão
entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Na esfera internacional, existe a articulação entre
pesquisadores que compartilham suas experiências e debatem sobre suas práticas comunitárias.
Um exemplo é a Seção de Comunicação Comunitária da Associação Internacional de
Pesquisa em Mídia e Comunicação – IAMCR. O grupo, coordenado por Arne Hintz da Escola de
Jornalismo da Universidade de Cardiff no Reino Unido, recebe anualmente propostas de artigos a
serem apresentados nas conferências da associação. Membro da seção, o professor coordenador do
Programa Comunicação Comunitária, Fernando O. Paulino, foi responsável pela exposição da
análise “Comunicação comunitária, jornalismo de fonte aberta e práticas de convergência
midiática” (DAMASCENO et al, 2015) no referido encontro internacional de pesquisadores.
Outra arena importante é o Grupo de Trabalho Comunicação Popular, Comunitária e
Cidadania da Associação Latino-americana de Pesquisadores da Comunicação – ALAIC. A equipe
de professores, pesquisadores e estudantes do programa da FAC/UnB também envia trabalhos para
este GT, coordenado por Esmeralda Villegas Uribe da Universidade Autônoma de Bucaramanga na
Colômbia. Em 2011, a contribuição do Programa Comunicação Comunitária integrou o livro
“Trazos de una otra comunicación en América Latina” (PERUZZO et al, 2011).
A publicação foi organizada por três editores. Dentre eles, Cicilia Peruzzo da Universidade

4
Metodista de São Paulo – UMESP. Peruzzo está entre os líderes de grupos de pesquisa nacionais
que abordam a temática da comunicação comunitária. As equipes de pesquisadores, provenientes
das diversas regiões do Brasil, revelam o interesse na temática e sua interface com outros temas
como desenvolvimento, políticas públicas, cidadania e cultura2.

Tabela 1: Grupos de pesquisa sobre Comunicação Comunitária segundo banco de dados do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Instituição Grupo de Pesquisa Linhas de Pesquisa Líder
Universidade de Brasília - Comunicação Comunitária e Comunicação Comunitária e Fernando Oliveira Paulino
UnB Cidadania Cidadania; Comunicação
Comunitária, Cidadania e
Educação Ambiental; e
Comunicação Comunitária,
Cidadania e Tecnologias de
Comunicação
Universidade Estadual da Comunicação Cultura e Comunicação Comunitária; Luiz Custódio da Silva e
Paraíba - UEPB Desenvolvimento Comunicação e Cidoval Morais de Sousa
Desenvolvimento;
Comunicação e Educação;
Comunicação, Ciência e
Desenvolvimento Regional;
e Folkcomunicação e
Cultura Popular e Mídia e
Informação Local
Universidade do Estado da Comunicação e Cultura para Comunicação, Direitos e Gislene Moreira Gomes
Bahia - UNEB o Desenvolvimento Poder; Edu-comunicação
Sustentável - COM 10! comunitária; e Políticas
Públicas da Comunicação e
Cultura
Universidade Estadual de Comunicação e História Comunicação Comunitária e Paulo César Boni e
Londrina - UEL construção da Cidadania; Florentina das Neves Souza
Cultura Visual e Memória;
Imagem e mídia; Mídia e
Memória; e Mídias
impressas, audiovisuais e
interativas
Universidade Federal de Comunicação e Mídia na Amazônia, Edileuson Santos Almeida
Roraima - UFRR Amazônia Brasileira Desenvolvimento
Sustentável e Mídia;
Ambiente, Imagem e
Jornalismo; Comunicação
comunitária e cidadania;
Ecologia, Mídia e
Sociedade na Amazônia; e
Historiografia da
Comunicação e da Mídia na
Amazônia: Do Oral ao
Digital

2 A tabela foi organizada com o levantamento no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. A sistematização
selecionou apenas os grupos que possuíam o termo comunicação comunitária em seu título ou nos nomes das linhas
de pesquisa.

5
Universidade Federal do Comunicação, Capital comunicativo e Fabio Fonseca de Castro e
Pará - UFPA desenvolvimento e experiência social na Otacílio Amaral Filho
sociedade na Amazônia Amazônia; Comunicação
popular, alternativa e
comunitária na Amazônia;
Comunicação, cultura e
desenvolvimento social na
Amazônia; e Narrativas
midiáticas e percepções do
desenvolvimento na
Amazônia
Universidade Estadual do Grupo de Pesquisa em Comunicação Alternativa; e Orlando Maurício de
Piauí - UESPI Comunicação Alternativa, Comunicação Comunitária Carvalho Berti
Comunitária e Popular da
UESPI
Universidade Federal do LACOSA - Laboratório de Comunicação Ambiental; Mohammed ElHajji
Rio de Janeiro - UFRJ Comunicação Social Comunicação Cidadã,
Aplicada Comunicação Comunitária;
Comunicação e Espaço
Urbano; Comunicação
Intercultural; e Tecnologias
Sociais de Comunicação
Universidade Federal do ECC - Laboratório de Comunicação Comunitária; Raquel Paiva de Araujo
Rio de Janeiro - UFRJ Estudos em Comunicação Comunicação, Cultura e Soares e Muniz Sodre de
Comunitária Conflito; e Mídia e Araujo Cabral
Identidade Cultural
Universidade Metodista de Núcleo de Estudos de Comunicação Comunitária e Cicilia Maria Krohling
São Paulo - UMESP Comunicação Comunitária e Local Peruzzo e Luzia Mitsue
Local (CEI Comuni) Yamashita Deliberador
Universidade Estadual de Núcleo de Pesquisa em Comunicação Popular e Rozinaldo Antonio Miani
Londrina - UEL Comunicação Popular Comunitária e a disputa da
hegemonia; e Concepções e
práticas da Comunicação
Popular e Comunitária

Dentro do cenário universitário, a origem do Programa Comunicação Comunitária remonta à


criação da Rádio Laboratório de Comunicação Comunitária – RALACOCO em 2001. A emissora
foi resultado do desejo de estudantes, técnicos administrativos e professores de construir um espaço
de experimentação e prática de comunicação – a busca por alternativas gerou algumas tentativas
anteriores, como o pedido, negado, de concessão de rádio comunitária por parte do Diretório
Central dos Estudantes – DCE. A greve dos docentes da UnB em 2001 se configurou com uma
oportunidade para o coletivo, que se mobilizou para manter a estrutura criada após o final do
movimento dos professores.
A existência da RALACOCO e o conhecimento de projetos similares, liderados pelo
professor Nilton José dos Reis com o suporte da rádio laboratório Magnífica FM, na Faculdade de
Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás – FACOMB/UFG motivaram os
envolvidos na emissora a pleitear a criação da disciplina Comunicação Comunitária no primeiro

6
semestre de 2002. O objetivo era justificar a presença da emissora comunitária na UnB e fomentar
práticas de extensão, para além das salas de aula da FAC.
A disciplina iniciou suas atividades no Varjão-DF, Região Administrativa próxima ao centro
de Brasília. O facilitador da inserção da Comunicação Comunitária na região foi a articulação que
ocorria para a formação do Fórum de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável – DLIS, cujo
objetivo era criar articulações descentralizadas entre grupos da sociedade civil e o Estado. As ações
desenvolvidas pela disciplina compreendiam principalmente oficinas com adolescentes e jovens.
Aproximadamente 5 anos depois, a mobilização por meio de organizações locais se enfraqueceu e a
disciplina não contava mais com estrutura para realizar as atividades de extensão.
Em 2007, o foco da Comunicação Comunitária se volta para Planaltina-DF, Região
Administrativa 40 km distante de Brasília, devido à construção de um campus avançado da UnB na
localidade. No mesmo ano, a disciplina é institucionalizada como um Projeto de Extensão de Ação
Contínua e, em 2011, se torna um Programa, reunindo os projetos Ralacoco e Dissonante.
O Projeto Dissonante é um servidor de rádio web livre criado em 2007 como Trabalho de
Conclusão do Curso de Jornalismo na UnB e que, atualmente, conta com aproximadamente 500
contas de rádio web registradas – e de 5 a 10 emissoras online se revezando diariamente. Segundo
os idealizadores do projeto, Leyberson Pedrosa e Pedro Matos (2007, p.7), o Dissonante se
fundamenta em três eixos de ação: “a) tecnologia social de democratização, b) desmistificando a
produção em Comunicação e c) divulgação e debate ”.

Mobilização social, cultura colaborativa e tecnologia

A relação entre comunicação comunitária, mobilização e tecnologia é indicada no


transcorrer do artigo e, na presente seção, há o esforço de explicitar estes vínculos. A história do
programa de extensão da FAC/UnB indica que o conceito comunicação comunitária se encontra na
fronteira com o popular (devido à proximidade com movimentos sociais e grupos comunitários) e
com o alternativo (baseado na lógica do faça-você-mesmo do Dissonante e a produção de conteúdos
contra-hegemônicos). Porém, é a possibilidade do diálogo constante e a criação de espaços de
expressão que mais se destacam na definição do termo. O diálogo ocorre com a multiplicação de
vozes na comunicação, mas também na combinação da cultura local e regional com a cultura de
massa tradicional. Assim, para além de simplesmente pensar a tecnologia como os suportes
utilizados, cabe considerar as novas lógicas instituídas, de convergência e colaboração.
A construção do servidor do Dissonante marcou a passagem de uma lógica analógica para
outra digital no Programa Comunicação Comunitária. Ainda que houvesse ocorrido incursões e

7
outros esforços anteriores para o uso, especialmente, da internet nas ações de mobilização, o
Dissonante estabeleceu uma prática mais sistematizada e contínua de novas tecnologias.
No princípio, os locutores da RALACOCO transmitiam em FM por meio de um transmissor
e antena instalados na FAC/UnB. A grande maioria dos programas eram veiculados ao vivo, com
poucas gravações produzidas antes da emissão. As ferramentas utilizadas, então, eram gravadores
de fita cassete e os equipamentos, geralmente doados, incluíam um reprodutor de disco de vinil. As
oficinas da disciplina Comunicação Comunitária usavam equipamentos similares e, quando
necessário, o áudio das fitas era capturado e digitalizado no computador para edição por meio do
software livre Audacity.
Desde o início das atividades da RALACOCO, a utilização de mensagens eletrônicas foi
uma estratégia para manter o coletivo informado do cotidiano do projeto com a utilização de listas
de e-mails. Houve também a criação de um blog para divulgar a emissora, suas atividades e
programação. Por volta de 2005, a rádio obteve uma conta para transmissão de seu conteúdo com o
serviço de streaming de áudio do Radiolivre.org. Visando fomentar uma rede de comunicação livre
e comunitária, o servidor Radiolivre.org foi criado de modo autogestionado a partir de ideia
surgidas no Fórum Social Mundial de 2003 em Porto Alegre-RS3.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, os aparelhos para produção de
conteúdo foram se tornando mais acessíveis. A institucionalização do Projeto Comunicação
Comunitária em 2007 permitiu a participação em editais de fomento e a aquisição de laptops e
câmeras filmadoras. A elaboração de conteúdo audiovisual, estimulou a criação de novos canais de
comunicação do Programa: sites institucionais, contas de rádio web, perfil no Youtube e Vimeo
(para vídeos), espaço no Picasa (para fotografias), disciplina no Moodle (ambiente virtual para
educação) e perfis nas mídias sociais (Twitter e Facebook).
Para fins deste artigo, será analisada – de forma ilustrativa do debate sobre mobilização
social e o uso de tecnologias – a fanpage (ou página para os fãs) do Programa Comunicação
Comunitária no Facebook. De acordo com a pesquisa de 2013 sistematizada pela Unicef com dados
de entrevistas com 2.002 pessoas com idade entre 12 e 17 anos no Brasil, 92% desses adolescentes
utilizam mais o Facebook (92%) dentre as outras mídias sociais: Orkut e Twitter (PALAZZO,
2013). A plataforma também é interessante para a análise pois reúne conteúdo multimídia e fornece
dados estatísticos sobre as publicações, curtidas, comentários e alcance dos posts.
A fanpage foi criada em 2011 e atualmente possui pouco mais de 2 mil curtidas. Em 2014, o
estudante de Comunicação Organizacional, Pedro Henrique Santos, incluiu a plataforma em um

3 Informações disponíveis na seção de perguntas sobre o Radiolivre.org e as rádios livres do portal do projeto:
http://radiolivre.org/?q=sobre.

8
planejamento das mídias sociais do Programa Comunicação Comunitária. Neste momento, as
prática anteriores, mais espontâneas e intuitivas, foram alvo de um plano e olhar estratégico.
No calendário de publicações da fanpage, é interessante citar a estratégia da utilização de
referências à cultura de massa, como por exemplo, imagem de divulgação do Programa com a
presença de personagens da série de livros bestseller e filmes do Harry Potter. Por outro lado, o
conteúdo das publicações também valoriza o aspecto cultural das expressões da comunicação
comunitária, divulgando a festa religiosa em referência ao Espírito Santo: Folia do Divino. Ambos
os exemplos revelam como atividades comuns aos integrantes e parceiros dos projetos no cotidiano
também se repetem no espaço virtual, de modo que a internet é apropriada e readequada por
relações e práticas sociais pré-existentes à rede.
Uma outra estratégia visível na fanpage é a divulgação das transmissões de streaming da
RALACOCO. Em outros momentos da história do Programa, com a utilização de plataformas de
chat (como MSN Messenger e GoogleTalk), os ouvintes participavam ao vivo da programação e
podiam escutar ou intervir ao mesmo tempo em que se ocupavam de outras atividades em locais
distantes. Ou seja, se instaura uma lógica da comunidade virtual descentralizada em que a relação
com o tempo e o espaço se modifica para o ouvinte – que realiza várias atividades ao mesmo tempo.
Há que se destacar também que os posts relativos à RALACOCO possuem alcance
expressivo. Os dois últimos posts sobre a emissora, de outubro e novembro de 2014 chegaram a
1.000 e 2.600 usuários do Facebook respectivamente. O alcance se constitui como provável indício
de que há uma comunidade que acompanha essas publicações – infere-se que sejam os antigos
participantes da emissora que não mais se inserem na comunidade física da universidade.
Novamente se percebe uma comunidade reunida por laços fracos que revelam elementos da
afetividade (pela participação na rádio em tempos passados e as amizades criadas) e da
subjetividade (acionada pelas memórias das rotinas de produção da programação, seleção de
temáticas pessoalmente interessantes e convívio com demais locutores).
Verifica-se que a tecnologia permite a organização dos diferentes coletivos, grupos e
indivíduos conectados ao Programa Comunicação Comunitária. Convocam-se, então, as pessoas à
ação, mobilizando as rumo a um propósito comum (TORO, 1997). Há a mobilização: 1) dos
estudantes universitários para integrar o programa, utilizar as ferramentas disponíveis e elaborar
produtos de comunicação, 2) das lideranças comunitárias e dos estudantes de ensino médio de
Planaltina-DF para as produção de conteúdo, 3) das rádios web do Dissonante para utilizarem a
internet de forma a expandir seu alcance e 4) dos diferentes públicos que acessam os conteúdos
disponíveis.
Esta mobilização ocorre no momento em que se tende para a cultura da convergência

9
(JENKINS, 2009). Isto é, o público gradualmente se desloca de uma posição de consumidor passivo
e é convidado a ser ativo e se envolver com os produtos midiáticos. A interação gera a possibilidade
de colaboração coletiva. A partir das transformações da relação do público com a tecnologia e o
consumo das mídias é possível vislumbrar o estímulo à cultura livre, aquelas “que deixam uma
grande parcela de si aberta para outros poderem trabalhar em cima” (LESSIG, 2004). Ou seja, a
cultura livre na perspectiva do Programa Comunicação Comunitária permite a combinação de
elementos de diferentes produtos culturais e referência de vários segmentos culturais da sociedade.

Considerações finais

A influência das novas ferramentas tecnológicas e canais de comunicação do Programa


Comunicação Comunitária foi analisada considerando que o acesso à tecnologia se estabelece no
equilíbrio entre uma nova lógica — que modifica as formas de organização social e a maneira de se
estar no mundo — e a apropriação das ferramentas para realizar atividades que anteriormente
ocorriam no espaço desconectado.
A referência a uma lógica que rege as atividades humanas significa que o aparecimento de
uma nova tecnologia estabelece um sistema com gramática própria que ordena as significações —
ou sentidos — gerados a partir dos meios de comunicação e, eventualmente, das mensagens
conformadas por esses sistemas (PEREIRA, 2004). A penetração e o poder político dessa tecnologia
que altera a escala, o ritmo e também o padrão das relações sociais (MCLUHAN, 1980), contudo,
possui suas limitações.
Lembrando que frequentemente o público das ações do Programa Comunicação
Comunitária eram adolescentes e jovens, há que se avaliar as dificuldades de acesso ao computador,
aos dispositivos móveis e à internet. De acordo com dados do relatório da Unicef, 30% dos
entrevistados (ou 6 milhões) de adolescentes no Brasil são excluídos do mundo virtual. O perfil dos
adolescentes excluídos compreende 17% de moradores de áreas rurais e 18% cuja renda equivale a
um salário mínimo (PALAZZO, 2013).
Em face às desigualdades de acesso de acordo com características regionais e monetárias –
que equivalem a outras exclusões, próprias do mundo desconectado –, se torna imprescindível a
reflexão de Manuel Castells (2005). De acordo com o autor, a tecnologia é apropriada e adaptada
para os usos que a sociedade faz – como pela organização do trabalho e tarefas. Não é a rede que
estaria modificando os comportamentos, mas os comportamentos que estariam modificando a rede.
Em relação à divisória digital, aqueles que têm a entrada no mundo digital atrasada estão em
desvantagem, pois suas possibilidades de influenciar na estrutura de construção da rede

10
gradativamente diminuem. Castells recorda que os usuários e os produtores da internet são os
mesmos indivíduos. Isso significa que há um feedback instantâneo e também um dinamismo nas
modificações das estruturas. Porém, com o passar do tempo, mais elementos são estabelecidos e
menos permanecem abertos para definições e alterações.
Portanto, o Programa Comunicação Comunitária – que pretende realizar a mobilização
social a partir da perspectiva de práticas de comunicação alternativa, popular e comunitária –
necessita propor continuamente diferentes formas de se criar espaços de participação que
considerem os grupos excluídos e a nova lógica da convergência da cultura. Afinal, a expressão de
minorias na busca de visibilizar suas demandas e interesses é fundamental para a participação
política em esferas públicas (e nas esferas tecnológicas) e no fortalecimento da democracia.

Bibliografia:
ALONGE, Wagner. Ágoras digitais: a emergência dos blogs no ciberespaço e suas implicações na
sociabilidade e cultura midiática. I Congresso Anual da Associação Brasileira de Pesquisadores
de Comunicação e Política, Salvador, 2006.
CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Dênis (org.) Por uma outra
comunicação – mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2005.
DAGNINO, Evelina. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. In: Sociedade civil e espaços
públicos no Brasil. São Paulo: Unicamp; Paz e Terra, 2002.
DAMASCENO, Débora; RODRIGUES, Thais; MENDES, Juliana ; PAULINO, Fernando.
Community communication, open source journalism and media convergence practices. IAMCR
2015 Conference, Montreal, Canadá, 2015.
FESTA, Regina. Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa. In:
Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1986.
FRASER, Nancy. Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing
Democracy. In: Craig Calhoun (ed.) Habermas and the Public Sphere. Cambridge, MA: MIT
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JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
KAPLÚN, Gabriel. La comunicación comunitaria anuario de medios. In: NOSTY, Bernardo Díaz.
Tendencias’07 Medios de Comunicación el Escenario Iberoamericano. España: Ariel y
Fundación Telefónica, 2007.
LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: Como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a
criação cultural e controlar a criatividade. Estados Unidos, 2004.
MCLUHAN, Marshall. O meio é a mensagem. In: MORTENSEN, C David. Teoria da

11
comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico, 1980.
PALÁCIOS, Marcos. Sete teses equivocadas sobre comunidade e comunicação comunitária. In:
MONTORO, Tânia. Comunicação, cultura, cidadania e mobilização social. Brasília/Salvador:
UnB, 1997.
PALAZZO, Ludimila; VOLPI, Mário (Coord.). O uso da internet por adolescentes. Brasília:
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PEDROSA, Leyberson; MATOS, Pedro. Projeto Dissonante: faça-rádio-web-você-mesmo.
[Monografia] Bacharelado em Comunicação Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
PEREIRA, Vinicius Andrade. As tecnologias de Comunicação como gramáticas: meio, conteúdo e
mensagem na obra de M. McLuhan. Contracampo (UFF), Niteroi - RJ, v. 10/11, 2004.
PERUZZO, Cicilia; TUFTE, Thomas; CASANOVA, Jair. (Org.). Trazos de una Otra
Comunicación en América Latina: prácticas comunitarias, teorías y demandas sociales.
1ed.Barranquilla, Colômbia: Editorial Universidad del Norte e ALAIC, 2011.
PERUZZO, Cicilia. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária.
In: XXIX Congresso Brasileiro de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Brasília:
Intercom, 2006.
TORO, Bernardo. Mobilização social: uma teoria para a universalização da cidadania. In:
MONTORO, Tânia (org). Comunicação e mobilização social. Brasília: UnB, vol 1, 1997.

12
TRANSPARÊNCIA, LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E CNJ – A
COMUNICAÇÃO PÚBLICA DO PODER JUDICIÁRIO SOB A PERSPECTIVA
DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

Kátia Viviane da Silva Vanzini1

RESUMO: O presente artigo objetiva avaliar como o portal do Conselho Nacional de


Justiça, instituição pública que visa aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro,
disponibiliza informações com o objetivo de tornar transparentes suas ações, atendo aos
princípios da publicidade e à Lei de Acesso à Informação. Trata-se de um recorte de um
trabalho mais amplo que avalia os portais dos cinco tribunais superiores e seus órgãos
fiscalizadores em outras três categorias: informações institucionais, serviços e
interatividade com o cidadão, elaborado para obtenção do título de mestre. Os
resultados do recorte sugerem que o portal do CNJ apresenta desempenho satisfatório na
disponibilização de informações nas subcategorias investigadas. No entanto, a escassez
de arquivos em diversos formatos, como áudio, vídeo, animações e infográficos revela
como indicação de aprimoramento que as ações implementadas no portal considerem as
potencialidades das Tecnologias de Informação e Comunicação em oferecer
informações com caráter educativo, lúdico e mais acessível.

PALAVRAS-CHAVE: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, LEI DE ACESSO À


INFORMAÇÃO, TRANSPARÊNCIA, PUBLICIDADE

1
Kátia Viviane da Silva Vanzini é jornalista, doutoranda em Comunicação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre em Comunicação pela mesma instituição, jornalista na TV
Universitária Unesp e professora das Faculdades Integradas de Bauru. Foi aluna participante na
Escola de Verão ano 2014. Orientador: Danilo Rothberg. E-mail: katiavanzini@gmail.com

1
INTRODUÇÃO

O princípio da publicidade da administração pública, consolidado pela


Constituição Federal de 1988 trouxe para o Poder Judiciário uma realidade até então
não vivenciada por seus membros: a visibilidade das ações, decisões e sentenças. Com a
aprovação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011), a
obrigatoriedade na transparência de todas as ações públicas passou a ser exigência ainda
maior, o que afeta diretamente as assessorias de comunicação das instituições, que
passaram a investir em canais de comunicação diversos resultantes das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), como sites, redes sociais, entre outros. As ações
também precisaram atender à demanda de um novo tipo de público, apto em falar e seu
ouvido, oferecendo canais como chats, 0800 e espaço para comentários em redes
sociais.

Numa realidade marcada pelo protagonismo do Judiciário na mídia e pela


exigência de maior transparência das ações das instituições e seus membros, o presente
artigo apresenta os resultados obtidos em pesquisa empreendida avaliando o portal do
Conselho Nacional de Justiça com relação a informações relativas à categoria
transparência. A pesquisa é um recorte de um trabalho mais amplo que analisa o uso
das TIC em portais dos tribunais superiores e seus órgãos fiscalizadoras em outras três
categorias: serviços, interatividade com o cidadão e informações institucionais.

A metodologia de pesquisa reúne pesquisa bibliográfica, com o objetivo de


revisar conceitos relacionados à temática proposta e a análise de conteúdo, que utilizou
como instrumento planilhas eletrônicas que registraram a existência e funcionalidade de
mecanismos que promovem a transparência das ações dos órgãos estudados como:
divulgação do orçamento e execução orçamentária; despesas dos tribunais e conselhos;
listas de veículos; remuneração de magistrados e servidores; recursos humanos;
processos de gestão, pessoal terceirizado; processos de contas ano a ano, com link para
cada processo; link para os orçamentos dos tribunais; relatórios de gestão fiscal e
prestação de contas; lista de empresas fornecedoras, sistema de acompanhamento de
licitações, entre outros.

A coleta de dados foi realizada em maio de 2014, revistos em maio de 2015. Os


resultados indicam que o portal apresentou resultados satisfatórios na transparência de

2
sua gestão, com a presença de informações em todas as subcategorias investigadas.
Como indicação de aprimoramento, sugerimos o investimento em mecanismos que
considerem o papel mais ativo do usuário graças às possibilidades pelas potencialidades
das TIC com a oferta de arquivos em formatos como áudios, vídeos, infográficos,
animações, por exemplo.

1. COMUNICAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988 trouxe diversas possibilidades de efetivação dos


direitos fundamentais do cidadão brasileiro, entre os quais o direito à informação, à
transparência e à publicidade da coisa pública, sendo reforçada pela aprovação da Lei de
Acesso à Informação (Lei Federal 12.527, de 18 de novembro de 2011), que veio
regulamentar o que já estava previsto na Carta Magna.

Tal configuração colocou em evidência a comunicação pública, a qual é possível


definir como “um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a
sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania” (BRANDÃO,
2009, p. 9). Para Zémor (2009, p.14), a comunicação pública deve ser capaz de
promover “a relação e o diálogo capazes de tornar um serviço desejável e preciso, de
apresentar os serviços oferecidos pela administração, pelas coletividades territoriais e
pelos estabelecimentos públicos, de tornar as próprias instituições conhecidas”.

Conforme Kunsch (2012, p.15), o interesse público é o verdadeiro sentido da


comunicação pública, pois a razão de ser do serviço público é o cidadão e a sociedade,
com ações que promovam o diálogo “como meio de interlocução com (...) atores sociais
e em defesa da própria cidadania”. Duarte (2009, p. 61) acentua que a comunicação
pública tem na transparência um dos seus principais objetivos e que a centralidade do
processo de comunicação está no cidadão, “não apenas por meio da garantia do direito à
informação e à expressão, mas também do diálogo, do respeito a suas características e
necessidades de estímulo à participação ativa”.

Zémor (2009) estabelece os modos ou competências da comunicação pública,


elencando sete principais: dever de tornar públicos atos para conhecimento do cidadão
sob pena de nulidade do ato administrativo; comunicação de informações necessárias,
embora não obrigatórias, mas que afetam amplamente a população; prestação de contas
e atos públicos, que diz respeito à transparência da administração pública; promoção da
troca de informações entre usuário e funcionários, repartição etc; divulgação de serviços
3
públicos oferecidos; valorização das instituições públicas; promoção da discussão e
debates públicos, que podem ser por meio de diálogo, negociação, consulta ou
conciliação.

Brandão (2009) destaca cinco áreas de conhecimento e atividade profissionais


relacionadas à comunicação pública: comunicação organizacional; comunicação
científica; comunicação do Estado e governamental; comunicação da sociedade civil
organizada e comunicação política. Para o interesse do presente artigo, apresenta-se a
definição da comunicação pública de caráter estatal, aquela na qual é função do Estado
estabelecer um fluxo informativo com os cidadãos, com destaque para informações
voltadas à cidadania, através de propostas que viabilizem a “construção da agenda
pública e direcionem seu trabalho para a prestação de contas, o estímulo para o
engajamento da população nas políticas adotadas” (BRANDÃO, 2009, p. 5). Para a
autora, a comunicação pública estatal dá legitimidade à administração pública, que deve
prestar contas de suas ações, projetos, políticas e propostas, todas voltadas ao interesse
público.

Monteiro (2009, p.38) conceitua a comunicação estatal como “aquela praticada


pelo governo, visando à prestação de contas, ao estímulo para o engajamento da
população nas políticas adotadas e ao reconhecimento das ações promovidas no campo
político, econômico e social”.

Entre as diversas ações potencializadas pelas TIC, o governo eletrônico merece


lugar de destaque na discussão da comunicação pública. As ações promovidas através
de portais devem proporcionar não apenas espaço para a prestação de serviços públicos
online, mas principalmente a ampla divulgação das ações da administração pública em
todas as esferas e níveis e a abertura de canais de diálogo com o cidadão.

Duarte e Veras (2006) apontam que os serviços do governo eletrônico devem ser
prestados “de forma contínua; de forma integrada; de qualquer ponto; com rapidez e
resolutividade; com transparência e controle social” (DUARTE; VERAS, 2006, p. 56).

1.2 Aspectos históricos do direito à informação

Em novembro de 2011, a presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a


Lei nº 12.527, a Lei de Acesso à Informação (LAI), que regulamenta o acesso dos
cidadãos às informações públicas de quaisquer esferas e níveis de Estado, atendendo ao

4
pressuposto constitucional do direito à informação. A lei entrou em vigor no dia 16 de
maio de 2012, como norma que busca garantir um dos direitos fundamentais do
cidadão: o direito de acesso a todas as informações que estão sob o controle da
administração pública, como documentos, arquivos, dados, processos, súmulas, entre
outros, que possam ser solicitados e enviados a quem interessar. Seus dispositivos são
aplicáveis aos três Poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, para
órgãos da administração pública direta e indireta.

Para Batista (2012), a aprovação da LAI representa um momento histórico na


luta pelos direitos humanos, pois resulta de “um processo marcado pela negação de
acesso a arquivos públicos, como foi o caso da Guerrilha do Araguaia, valorização da
cultura do segredo, abuso de poder e relações entre público e privado no Brasil”
(BATISTA, 2012, p. 204-205).

Segundo Batista (2010, p. 40), o significado de informação pública no contexto


da lei pode ser definido como “um bem público, tangível ou intangível, como forma de
expressão gráfica, sonora e/ou iconográfica, que consiste num patrimônio cultural de
uso comum da sociedade e de propriedade das entidades/instituições públicas”. Essa
informação pode ser de origem da própria administração ou estar apenas sob sua
responsabilidade e não pode ser classificada como sigilosa para que possa ser acessada
por qualquer cidadão a qualquer momento.

O direito à informação foi contemplado na Declaração dos Direitos Humanos e


do Cidadão, de 1789, nos artigos 1º, 2º e 4º, assim também os artigos 11º, 14º a 16º, que
“resultaram no ideal sempre venerado pelo homem, seu valor intrínseco grandioso, que
é o poder de exercitar plenamente a liberdade e não apenas ser detentor de uma previsão
teórica passiva enquanto instituto apartado da prática” (STUDART, 2009, p. 118).

A Suécia foi o primeiro país a regulamentar o acesso à informação, o que


ocorreu em 1766, de acordo com estudo da Unesco (MENDEL, 2009). Nos Estados
Unidos, a legislação da área é realidade desde 1966, embora já tenha recebido diversas
emendas. Entre os países latino-americanos, a Colômbia foi o primeiro país a
estabelecer um regulamento sobre o acesso aos documentos governamentais. Chile e
Uruguai também já colocaram em prática leis similares. Segundo a Controladoria Geral
da União, CGU (2012), atualmente 90 países no mundo apresentam leis que
regulamentam o direito à informação, o que é amplamente defendido por organismos
como OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OEA –

5
Organização dos Estados Americanos e ONU – Organização das Nações Unidas.

No Brasil, o acesso à informação já era previsto em diversos dispositivos da


Constituição Federal (CF) de 1988. Segundo Rothberg, Napolitano e Resende (2013), o
direito constitucional brasileiro divide o direito à informação em dois segmentos
distintos: o coletivo, assegurado pela CF de 1988 e pela Lei 12.527, e o individual,
garantido por vários artigos da Carta Magna. No artigo 5º, que trata dos direitos e
deveres individuais e coletivos, os incisos XIV, XXXIII, XXXIV, LXXII e LXXVII e o
artigo 216 são relacionados ao direito à informação.

Os autores citam ainda o artigo 37 da CF, parágrafo 3º, II, o qual estabelece que
“há a previsão do acesso aos usuários aos registros administrativos e informações sobre
os atos de governo” (ROTHBERG; NAPOLITANO; RESENDE, 2013, p. 11), salvo, é
claro, quando afetam os direitos invioláveis: “a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação” (BRASIL, 2011); assim também se coloca o artigo 139, III,
que prevê que o direito à informação só poderá sofrer algum tipo de restrição em casos
de decretação de estado de sítio.

Ainda no artigo 37 (CF), caput, o princípio da publicidade confirma a


prerrogativa das pessoas de receberem informações ou serem informadas sobre atos da
administração pública, direta ou indireta.

No artigo 5º da CF, as alíneas a e b do inciso XXXIV garantem direito à petição


aos Poderes Públicos, sem a cobrança de taxas, contra abuso de poder, ou ainda em
defesa de direitos e esclarecimentos para assuntos de interesse pessoal.

Especificamente voltada ao Poder Judiciário, a Emenda Constitucional nº 45


modificou a redação do artigo 93, inciso IX, de forma que “todos os julgamentos dos
órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena
de nulidade, podendo se limitar à presença, em determinados atos, às próprias partes e a
seus advogados” (BRASIL, 2011). O sigilo só pode ser justificado quando
imprescindível à segurança nacional, o que faz com que as informações sejam
classificadas como ultrassecretas, secretas e reservadas, ou ainda, em caso de dados
pessoais.

Além da existência dos dispositivos constitucionais citados, Batista (2012)


salienta a importância da aprovação de atos normativos que disciplinem e legitimem o

6
direito de acesso à informação pública, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei do
Processo Administrativo, a Lei do Habeas Data e a Lei de Arquivos. Outra iniciativa
nesse sentido foi o Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br), implantado em
2004 pelo governo federal, através do qual é possível “acompanhar informações
atualizadas diariamente sobre a execução do orçamento; obter informações sobre
recursos públicos transferidos e sua aplicação direta (origens, valores, favorecidos)”
(CGU, 2012, p. 11).

A Lei de Acesso à Informação é fruto de mobilização de organizações da


sociedade civil reunidas no Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas
(www.informacaopublica.org.br) e de debates no Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção, órgão vinculado à CGU. A Lei foi discutida e votada pelo
Congresso Nacional entre 2009 e 2011, através do Projeto de Lei 5.228/2009, que foi
convertido na Lei 12.527. A partir do marco regulatório, órgãos e entidades do poder
público devem disponibilizar o Serviço de Informações ao Cidadão, através do qual será
possível “protocolizar documentos e requerimentos de acesso à informação; orientar
sobre procedimentos de acesso, indicando data, local e modo em que será feita a
consulta; informar sobre a tramitação de documentos” (CGU, 2012, p. 14).

A LAI prevê também prazos, gratuidade no fornecimento, exceções (dados


pessoais e informações classificadas como sigilosas) e disponibilidade de informações
em variados formatos e tecnologias, inclusive em endereços eletrônicos, com dados
como: “endereços e telefones das unidades e horários de atendimento ao público; dados
gerais para acompanhamento de programas, ações, projetos e obras; respostas a
perguntas mais frequentes da sociedade” (CGU, 2012, p. 15).

Para garantir o cumprimento da LAI, o Poder Judiciário criou mecanismos para


tornar mais transparentes o funcionamento dos tribunais, facilitar e agilizar o acesso aos
dados como remuneração dos servidores e magistrados, movimentação financeira,
despesas e processos licitatórios. Nesse sentido, em 5 de junho de 2012, foi publicada a
Resolução 151 pelo Conselho Nacional de Justiça que determina, em seu artigo 1º,
parágrafo VI, a divulgação nominal da remuneração, diárias, indenizações e “outras
verbas pagas aos membros da magistratura e aos servidores a qualquer título,
colaboradores e colaboradores eventuais ou deles descontadas, com identificação
nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta os seus serviços”
(CNJ, 2009). A resolução 102, de dezembro de 2009, “estabelece que tribunais e
conselhos publiquem em seus sites da internet informações relevantes sobre a respectiva
7
gestão financeira e orçamentária” (CNJ, 2009 c). Com o objetivo de tornar públicos
todos os documentos relacionados ao caráter informativo, educativo e de orientação foi
criado o campo “Transparência” nos sites do Poder Judiciário para permitir o acesso às
informações sobre a gestão administrativa, financeira e orçamentária dos tribunais e
conselhos (Resolução 79/2009). Outra resolução, a de número 83, “organiza e disciplina
a aquisição, o uso, a locação e a identificação de veículos oficiais dos órgãos do Poder
Judiciário” (CNJ, 2009 b).

Em estudo da Unesco, que analisa comparativamente os marcos regulatórios de


diversos países sobre a temática e as orientações de organizações internacionais, Mendel
(2009) aponta que o direito à informação deve seguir nove princípios:

a) Princípio da divulgação máxima, o qual implica que “a abrangência do direito à


informação deve ser ampla no tocante ao espectro de informações e órgãos envolvidos,
bem como quanto aos indivíduos que poderão reivindicar este direito” (MENDEL,
2009, p. 32).

b) Princípio da obrigação de publicar – o que deve ocorrer não apenas quando as


informações são solicitadas, pois o acesso efetivo depende de que as instituições
públicas “publiquem e divulguem, efetivamente, voluntariamente, de forma pró-ativa,
sem necessidade de requisição, categorias-chave de informação, mesmo na ausência de
um pedido” (MENDEL, 2010, p. 34);

c) Princípio da promoção do Governo Aberto, no qual se postula o fim da política de


sigilo na administração pública, o que requer mudança de cultura entre os próprios
servidores, para que compreendam que a abertura faz parte de um “direito humano
fundamental e essencial para a governança efetiva e apropriada. Um leque de medidas
promocionais pode ser necessário para tratar da cultura do sigilo e assegurar que a
população esteja ciente do direito a informação” (MENDEL, 2009, p. 34);

d) Princípio da limitação da abrangência das exceções, as quais devem “ser claras e


restritamente definidas e sujeitas a rigorosos testes de “dano” e “interesse público”
(MENDEL, 2009, p. 36).

e) Princípio da oferta de procedimentos que facilitem o acesso às informações que


devem ser oferecidas de maneira rápida e justa.

8
f) O sexto princípio determina que os custos de acesso à informação não devam
representar qualquer tipo de empecilho à sua concretização.

g) Reuniões abertas dos órgãos púbicos são determinadas pelo sétimo princípio, pois a
“lógica subjacente ao direito a informação aplica-se, por princípio, não apenas às
informações registradas, mas também às reuniões de órgãos públicos” (MENDEL,
2009, p. 40).

h) Princípio da divulgação tem precedência, o qual estabelece que “as leis que não
estejam de acordo com o princípio da máxima divulgação devem ser revisadas ou
revogadas” (MENDEL, 2009, p.41).

i) O nono princípio prevê a proteção aos denunciantes que tornarem públicos os atos
ilícitos.

Segundo Rothberg, Napolitano e Resende (2013), a Lei 12.527/2011 atende o


quarto princípio apontado por Mendel (2009) no seu capítulo IV e, o primeiro e oitavo
princípios, em seu capítulo V. Quanto ao princípio da máxima divulgação, o Brasil “se
equipara às melhores práticas internacionais, que não fazem distinção entre informação
e sua presença em documentos específicos, e não permitem questionamento do motivo
do solicitante, que, no entanto, deve ser identificado” (ROTHBERG; NAPOLITANO;
RESENDE, 2013, p. 114).

Mesmo que a regulamentação do direito à informação já represente


aprimoramento normativo, o acesso às informações públicas, conforme previsto pela
LAI, somente será concretizado quando os órgãos da administração pública
“organizarem seus arquivos, tanto em meio físico como no virtual; divulgarem esses
espaços e seus serviços; e possibilitarem, à sociedade, por meio de organização,
comunicação e mediação dialógica, a apropriação de todos esses recursos” (BATISTA,
2012, p. 217).

A Lei de Acesso à Informação apresenta efeitos diretos e amplos na atuação da


comunicação pública, pois “cada órgão público produz cotidianamente informações
que, por emanarem de um serviço público, são do interesse do público, e, por isso, o seu
destinatário é o público” (SILVA, L. M., 2009, p. 180). A lei implica a necessidade de
que novas políticas de comunicação sejam implementadas, incorporando os avanços das
tecnologias de informação e comunicação, que propiciaram ao Estado uma ampla gama
de possibilidades de tornar públicas suas ações, como governo eletrônico ou e-gov, que

9
“abarca muito mais do que simplesmente disponibilizar as informações em páginas de
órgãos públicos, abrange uma série de processos interativos, com a relação contribuinte-
fisco, bem com a acessibilidade do cidadão a todo e qualquer dado que o Estado tenha
arquivado sobre ele” (SILVA, L. M., 2009, p.181):

A democracia contemplaria, consequentemente, uma dupla


situação permanente de publicidade: de um lado, o Estado, com
sua legalidade e o inerente princípio da publicidade legal. De
outro, a Sociedade, com sua legitimidade para o questionamento
permanente de validade das proposições e para a
institucionalização de mecanismos discursivos, ou seja, os
espaços públicos que propiciam o dinamismo de uma esfera
pública política (SILVA, L. M., 2009, p. 183, negritos no
original).

2. COLETA DE DADOS

A metodologia de pesquisa consistiu em: a) pesquisa bibliográfica, com o


objetivo de revisar os principais conceitos relacionados à temática proposta; b)
avaliação de conteúdo, que utilizou planilhas eletrônicas do CNJ como instrumento de
análise.

A coleta de dados partiu do Mapa do Portal, o qual permite a visualização do


conteúdo disponibilizado pelo endereço eletrônico, através da delimitação de áreas
principais e subseções. Para identificar as subcategorias o motor de busca também foi
utilizado na pesquisa exploratória.

O presente artigo apresenta os resultados de um recorte de um trabalho mais


amplo que analisa o desempenho de cinco tribunais superiores e três órgãos
fiscalizadores do Poder Judiciário em seus portais de governo, avaliados em quatro
categorias: informações institucionais, transparência, serviços e interatividade com o
cidadão. Para o artigo ora apresentado, recortamos os resultados obtidos pelo portal do
Conselho Nacional de Justiça na categoria transparência, a qual reúne informações
como divulgação do orçamento e execução orçamentária, despesas dos tribunais e

10
conselhos, listas de veículos, remuneração de magistrados e servidores, recursos
humanos, processos de gestão, pessoal terceirizado, processos de contas ano a ano, com
link para cada processo; link para os orçamentos dos tribunais; relatórios de gestão
fiscal e prestação de contas; lista de empresas fornecedoras, sistema de
acompanhamento de licitações, entre outros.

Transparência

A categoria Transparência reúne informações que promovem a transparência da


gestão das instituições selecionadas, com ênfase na execução orçamentária e financeira.
É composta pelas seguintes subcategorias:

Ouvidoria - reúne informações sobre a missão, atribuições, limites, integrantes e


formas de acesso, com o intuito de facilitar o relacionamento entre usuário e instituição
oferecendo canais de contato;

Gestão orçamentária, financeira e fiscal - dados da gestão mensal e anual; execução


orçamentária e relatórios, apresentando dados do próprio Conselho e oferecendo links
para acesso às informações de outras instâncias do Poder Judiciário;

Estatísticas Processuais - estatísticas sobre a tramitação dos processos na instituição,


relacionadas por mês e ano de atuação, apresentando o levantamento de número de
processos recebidos, em trâmite e arquivados;

Portal Transparência - área específica do portal que reúne informações sobre a


execução financeira e orçamentária de todos os tribunais e conselhos, esclarecendo a
importância da prestação das informações e orientando sobre as principais formas de
acesso aos dados públicos, como prazos, maneiras de solicitação e formas de retorno;

Acesso à informação - informações sobre a lei de acesso à informação, ações e


programas, orientações sobre solicitações, trâmite e protocolo, aspectos gerais da
legislação, prazos e classificação de informações;

Acordos, termos e convênios – para a divulgação de contratos, termos, aditivos,


resoluções e convênios estabelecidos pela instituição, com detalhamento de valores,
aditivos e complementos dos dados apresentados;
11
Ajuda de custos, auxílio-moradia e benefícios - pagos a magistrados, servidores,
colaboradores ou colaboradores eventuais como forma de auxílio-moradia, viagens
áreas para eventos, congressos e atividades técnicas, entre outros;

Atos de dispensa e inexigibilidade - informações sobre situações nas quais são


dispensáveis ou não é exigida a licitação, como tomada de preços, pregões e cartas-
convite;

Diárias e passagens – valores pagos a servidores e magistrados em viagens a serviço da


instituição para eventos, atividades técnicas, congressos com especificações de valores
pagos por servidor/magistrado e comprovação de despesas efetuadas;

Informação sobre pessoal – dados sobre a estrutura remuneratória, relação de


empregados terceirizados, folha de pagamento, quantitativo de beneficiários,
quantitativo de cargos efetivos, servidores cedidos de outros órgãos;

Licitação e contratos – documentos como atos de registro de preço, compras,


contratos, editais e intenção, apresentando informações como avisos de processos
abertos, em andamento e encerrados, segmentação por área, modalidades e abrangência;

Processos de conta anual - relatório da auditoria da gestão, certificado, parecer do


órgão de controle interno, pronunciamento e providenciais encaminhadas;

Frota - aquisição, uso, locação e identificação dos veículos oficiais a serviço das
instituições;

Ingresso e desligamento – datas e informações sobre a nomeação ou o desligamento de


Ministros, Conselheiros e servidores, com datas de ingresso/desligamento.

3. RESULTADOS

O direito à informação é contemplado satisfatoriamente pelo portal do Conselho


Nacional de Justiça em 14 subcategorias, as quais abarcam informações que estão sob o
controle da administração pública, como documentos, arquivos, dados, processos e
súmulas. No entanto, ausência de arquivos em formatos diversos confrontaria o
princípio da oferta de procedimentos que facilitem o acesso às informações ( MENDEL,
2009), o que pode significar o subaproveitamento das potencialidades representadas por
conteúdos multimídia, que facilitam a visualização dos dados oferecidos como
12
infográficos, gráficos, vídeos e cartilhas. Formatos diferenciados de conteúdo têm
também vantagens de conferir às informações um caráter mais lúdico e educativo,
potencialidades que poderiam ser mais bem aproveitadas de forma a garantir facilidade
de acesso às informações divulgadas.

13
CONCLUSÃO

A Lei de Acesso à Informação foi implementada para permitir que qualquer


pessoa tenha acesso a informações e documentos produzidos por órgãos públicos em
todos os poderes e níveis de governo. A legislação estabelece formas de
disponibilização, prazos e classificação das informações. Para garantir o cumprimento
da LAI, o Conselho Nacional de Justiça criou mecanismos para garantir a transparência
do funcionamento dos tribunais e facilitar o acesso aos dados.

O presente artigo teve por objetivo avaliar como o Conselho Nacional de Justiça
disponibiliza informações com o intuito de garantir a transparência de suas ações, a
publicidade e o atendimento à Lei de Acesso à Informação.

O Conselho Nacional de Justiça contemplou de maneira expressiva as


informações nas 14 subcategorias investigadas, atendendo aos preceitos da Lei de
Acesso à Informação, cristalizando o compromisso da instituição com a transparência
das suas ações.

No entanto, a forma de divulgação das informações no portal analisado ainda


não contempla satisfatoriamente a potencialidade das TIC, com a utilização de recursos
como vídeos, áudios, infográficos, animações, que facilitam a compreensão das
informações e são indicativos de boas práticas de acessibilidade.

14
REFERÊNCIAS

BATISTA, C. L. Informação pública: controle, segredo e direito de acesso. Intexto,


Porto Alegre: UFRGS, n.26, p. 204-222, jul. 2012.

___________Informação pública: entre o acesso e a apropriação social. 2010. 202f.


Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27151/tde-05112010-110124/pt-br.php.
Acesso em set. 2013

BRANDÃO, E. P. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, J. (Org.).


Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo:
Atlas, 2009. Páginas 1 a 33.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – promulgada em 05 de


outubro de 1998/ 20ª edição revista e atualizada até a Emenda Constitucional nº 67, de
22.12.2010. Bauru, SP, 2011.

BRASIL. 2011. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Lei de Acesso a


Informações. Brasília, Casa Civil.

CGU. Acesso à Informação Pública: uma introdução à Lei 12.527, de 18 de


novembro de 2011. Brasília: 2012. Disponível
em:http://www.cgu.gov.br/acessoainformacao/materiais-
teresse/cartilhaacessoainformacao.pdf. Acesso em set. 2013

CNJ. Resolução 79, de nove de junho de 2009. Dispõe sobre a transparência na


divulgação das atividades do Poder Judiciário brasileiro e dá outras providências.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-
resolucoes/12197-resolucao-no-79-de-9-de-junho-de-2009. Acesso jun.2014 (a)

CNJ. Resolução nº 102, de 15 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a regulamentação


da publicação de informações alusivas à gestão orçamentária e financeira, aos quadros
de pessoal e respectivas estruturas remuneratórias dos tribunais e conselhos. Disponível
em:http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_102_15122009.p
df. Acesso em jun. 2014. (c)

DUARTE, J. ; VERAS, L. (Orgs). Glossário de Comunicação Pública. Brasília: Casa


das Musas, 2006.

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__________. Instrumentos da Comunicação Pública. In: DUARTE, J. (Org)


Comunicação Pública – estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo:
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15
KUNSCH, M. M. K. Comunicação Pública: direitos de cidadania, fundamentos e
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MENDEL, T. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. 2ª edição.


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de aplicação da Lei de Acesso a Informações no Brasil. Revista Fronteira Estudos
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ZÉMOR, P. As formas da comunicação pública. In: DUARTE, J. (Org.). Comunicação


Pública – estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas,
2009.Páginas: 201 a 213.

16
Internet, Povos originários e Colonialidade

Leilane Leal Marinho1

RESUMO: O Brasil abriga uma enorme diversidade de povos originários que, com o
surgimento e popularização da internet, estão se apropriando de um espaço de
enunciação capaz de fazer circular sentidos interditados e/ou silenciados ao longo da
história. Estamos diante da ‘liberação do polo da emissão’, característico das mídias de
função pós-massiva e também diante de um poderoso instrumento de construção
identitária indígena. O uso das novas tecnologias de comunicação é capaz de contribuir
para a “desestigmatização” da identidade étnica indígena por meio da visibilidade de
saberes e culturas, que é potencializada no ciberespaço a partir de um diálogo que na
teoria, se torna mais direto e horizontal. Essa abertura comunicativa permite a estes
grupos tornar público um discurso capaz de subverter a matriz colonial, uma
experiência que está situada entre os focos de descolonização na América Latina.

PALAVRAS –CHAVE: Descolonização; Internet; povos originários

INTRODUÇÃO

A abordagem desse texto partirá da presença dos povos originários do Brasil na


Internet e as possibilidades que surgem dessa interação, como a oportunidade de
contraponto a racionalidade convencional hegemônica e a construção de um
protagonismo indígena como mecanismo de pluralidade cultural, que nos permite vigiar
contra o colonialismo em tempos globalizados.
A comunicação vem ganhando um papel central em todos os setores da vida
social e individual, graças a multiplicação dos meios de produção, transmissão e
armazenamento de linguagens e informações. Como conseqüência, a comunicação
como área de conhecimento está tomando o lugar de uma ciência piloto na convergência
de muitas outras ciências (SANTAELLA, 2001). Portando, para minha reflexão
proponho um diálogo interdisciplinar entre Comunicação e Antropologia.

1 Graduada em Comunicação Social, cursa mestrado no Programa de Pós Graduação e


Ciências do Ambiente (CIAMB) da Universidade Federal do Tocantins, na linha de
pesquisa Natureza, Cultura e Sociedade, atuando nos temas: Cibercultura, Sociedade
em Rede, Mídia e Povos Originários.
O Brasil abriga uma enorme diversidade de povos originários. O último Censo
de 2010 revelou que existem 305 etnias no país, uma população de cerca de 900 mil
índios que falam 274 línguas diferentes (BRASIL, 2010). Com o surgimento e
popularização da internet, estes povos contam com um espaço de enunciação
privilegiado para fazer circular sentidos interditados e/ou silenciados ao longo da
história. Movida pelas indagações que surgem desta presença no ciberespaço, construo
esse texto descrevendo algumas experiências de povos originários na Internet. Também
exponho como esse novo momento configura especificidades únicas para esses povos,
problematizando mídia, cultura e colonialismo.

Povos originários na internet

O movimento zapatista, em 1994 no México, foi um dos primeiros movimentos


indígenas a mostrar a potencialidade da utilização das novas mídias como um
instrumento político de luta social pelas comunidades menos favorecidas e minorias
étnicas. No livro Votám-Zapata: A Marcha Indígena e a Sublevação Temporária
(BRIDGE & FELICE, 2002) os autores discutem o pensamento indígena e as novas
formas de conflitos da contemporaneidade. Eles afirmam que, com o movimento
precursor de Chiapas, “surge o conflito eletrônico e transacional, onde o fluxo de
comunicação exerce um papel fundamental no diálogo entre as forças locais e globais,
revolucionárias e institucionais” ( BRIDGE & FELICE apud TAVARES, 2012, p.86 ).
Além de mudar o modo clássico de atuação das guerrilhas latino-americana, o uso das
novas tecnologias de comunicação também é capaz de contribuir para a
“desestigmatização” da identidade étnica indígena por meio da visibilidade de saberes e
culturas, que é potencializada no ciberespaço a partir de um diálogo que na teoria, se
torna mais direto e horizontal (PEREIRA, 2008).

A inclusão da maioria das expressões culturais no sistema de


comunicação integrado baseado na produção, distribuição e
intercâmbio de sinais eletrônicos digitalizados tem conseqüências
importantes para as formas e processos sociais. Por um lado,
enfraquece de maneira considerável o poder simbólico dos emissores
tradicionais fora do sistema, transmitindo por meio de hábitos sociais
historicamente codificados: religião, moralidade, autoridade, valores
tradicionais, ideologia política. Não que desapareçam, mas são
enfraquecidos a menos que se recodifiquem no novo sistema, onde seu
poder fica multiplicado pela materialização eletrônica dos hábitos
transmitidos espiritualmente (CASTELLS, p. 461, 2007)
Estamos diante da ‘liberação do pólo da emissão’, característico das mídias de
função pós-massiva, conforme sugerido por Lemos (2009), e também diante de um
poderoso instrumento de construção identitária indígena, onde outros “mundos” já não
podem ser negados. Este novo momento tem motivado diversas pesquisas que
investigam, entre outras perspectivas, as mudanças culturais causadas pela inclusão
digital, o uso de vídeos por povos indígenas, rádio comunitária indígena, e também,
especificamente, a presença indígena no ciberespaço (TAVARES, 2013).
No Brasil, os primeiros registros de participação de indígenas em sites, blogs,
comunidades virtuais e portais são de 2001 (PEREIRA, 2008). O Instituto
Socioambiental (ISA) mapeou até maio de 2015 cerca de 70 sites¹ produzidos e geridos
por organizações indígenas que representam boa parte destas sociedades situados em
território nacional, bem como sites de indivíduos indígenas ligados a diversos temas,
entre eles Floresta Protegida²; Associação dos Jovens Indígenas de Dourados³;
Indígenas da Região Sul4 e Associação Xavante Warã5. Há também o portal Índios On-
Line6, uma rede composta por índios voluntários que buscam autonomia por meio da
valorização da diversidade, da informação e da comunicação, propondo um diálogo
intercultural entre índios e não índios. Os dados demonstram que a Internet já faz parte
da organização de alguns povos, no entanto, é importante frisar que essa mídia ainda
está muito longe da grande maioria das aldeias brasileiras.
Diante disso, podemos então pensar na Internet como local de expressão de
grupos sociais, onde os povos originários podem manifestar suas próprias “falas”. No
Facebook os perfis pessoais mais ativos são repletos de postagens sobre reuniões,
mobilizações e manifestações culturais. Também é comum perfis criados para
representar comunidades. Numa breve busca, mais de 50 perfis de aldeias foram
identificados.
Um caso emblemático é a mobilização dos Guarani Kaiowá nas redes sociais e
sites, por meio da organização Aty Guassu, que trouxe aos olhos do mundo uma briga
histórica de índios e fazendeiros no estado do Mato Grasso. Desconfiados da
imparcialidade dos veículos de comunicação local, eles criaram suas próprias estratégias
para expor a um maior número de pessoas a situação, entre elas a criação em 2011 do
perfil Aty Guassu7 na rede social Facebook, onde são publicados comunicados oficiais,
cartas, relatórios (MALDONADO, 2014) e até mesmo imagens chocantes dos corpos
dos índios assassinados no conflito. Até a data de 2 de outubro de 2015, o perfil recebeu
8.660 “curtidas”, um número significativo de pessoas que buscam informações integrais
e apresentadas pelos próprios indígenas, como a nota publicada pelos líderes de Aty
Guasu no dia 28 de setembro de 2015, que ilustra a problematização aqui proposta: “
Através desta nota pública reafirmamos que nós indígenas Guarani e Kaiowa reocupantes das
terras tradicionais tekoha não somos conjuntos de bonecos, fantoches e não somos robôs para
ser manipulados e guiados pelos não-indígenas[...]. (ATY GUASSU, 2015)
Uma experiência que tenho acompanhado in loco é a dos Krahô da Aldeia Pedra
Branca, no Tocantins. A comunidade é representada pela Associação Centro Cultural
Kàjre, que possui um site8, canal no youtube9 e uma fanpage10 e foi criado em 2003 para
desenvolver trabalhos de fomento aos modos de vida do povo Krahô. Desde 2010 a
Kàjre realiza a formação de jovens indígenas, como o projeto Mentuwajê Guardião da
Cultura, que tem o objetivo de registrar suas tradições, utilizando instrumentos como
filmadoras, máquinas fotográficas e computadores. Os vídeos produzidos retratam na
sua maioria o cotidiano na aldeia e são narrados em primeira pessoa na língua Macro Jê,
evidenciando um caminho descolonial. A fanpage foi criada em 2013, com o objetivo
inicial de divulgar o trabalho das artesãs, sendo também utilizada, de acordo com a
descrição da página, como um instrumento para difusão de ações, valores, práticas
culturais e símbolos, conforme observamos em uma postagem sobre a Proposta de
Emenda Constitucional 215/2000, que discorre sobre a demarcação das terras indígenas:
“Deixar o poder de decisão sobre nossas terras nas mãos do Poder Executivo, é o
mesmo que deixar nossas terras nas mãos dos latifundiários, ruralistas,
monocultores. Devolvam as terras dos nossos parentes! Resistência Indígena!”. Uma
vez presente no ciberespaço, essas manifestações revelam uma mídia contra
hegemônica, um espaço do discurso contrário ao tradicional e institucional veiculado
pelos grandes veículos de massa. Além disso, uma forma concreta de afirmação da
identidade étnica que coloca em crise o modelo de uma epistemologia e racionalidade
únicas (PIZA; PANSARELLI, 2012).
No documentário “Indígenas Digitais” (2010), Nhenety Nhenety Kariri-Xocó,
índio membro e coordenador da rede Índios On-line, descreve o que os estimulam a usar
as novas tecnologias de comunicação e informação: “O computador serve como um
arco. Porque o arco tradicional servia para caçar, pescar, defender o povo e trazer a caça,
a pesca, para a subsistência dos povos. E o computador também faz isso, ele faz a
caçada, uma caçada virtual”. (INDÍGENAS DIGITAIS, 2010, apud TAVARES, 2012).
Foi o que constatou Gallois e Carelli (2010) em Índios eletrônicos: uma rede indígena
de comunicação: “Os índios não estão alheios, por incapacidade cultural, às técnicas e
conhecimentos que lhes permitam melhorar suas condições de vida, em acordo com
padrões culturais e formas de organização social que eles não pretendem abandonar”
(2010, p.2). Os autores concluíram que, participar da rede global de comunicação é uma
expectativa dos índios (GALLOIS e CARELLI, 2010). Com efeito, não há como
ignorar que a capacidade de comunicar, é para o homem índio e não-índio, assim como
para toda espécie viva, “a condição indispensável de seu estar no mundo, ou seja, de sua
sobrevivência” (VIRILIO, 1996, p.15).

Ciberespaço e cultura

O termo ciberespaço foi cunhando pelo norte-americano William Gibson (1985)


no livro de ficção científica Neuromancer. Na obra, o autor cita um espaço não físico,
“uma alucinação consensual experimentada legalmente, onde as personagens podem se
conectar por meio de chips implantados no cérebro” (GIBSON, 1985 apud PAZ, 2013,
p. 167). Em 1997, 12 anos depois, o filósofo francês Pierre Lévy (1999) denominou o
ciberespaço de “rede”, um meio de comunicação que surge da interconexão mundial de
computadores.
O virtual, como concebe Lévy (1999), é a releitura, a atualização de algo que
existe concretamente. O ciberespaço é, portanto, a atualização em um lugar, de dados
registrados em outro lugar, interconectados por redes, e que, por suas características
técnicas de programação, permite a mediação da comunicação entre seres humanos e
com a própria cultura por eles produzida. Lévy (1999) caracteriza o ciberespaço como
um espaço antropológico, próprio para coletivos humanos.
Por ser um veículo que favorece a comunicação desinibida, os computadores
estimulam a participação de grupos sociais oprimidos que parecem tender a se expressar
de forma mais aberta, devido à proteção do ambiente virtual. Esta é uma característica
desse novo sistema de comunicação, capaz de incluir todas as expressões culturais
(CASTELLS, 2010). Mas não é apenas isso, a comunicação também é capaz de moldar
a cultura. Como afirma Postman “nós não vemos...a realidade...como ‘ela’ é, mas como
são nossas linguagens. E nossas linguagens são nossos meios de comunicação. Nossos
meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de
nossa cultura” (POSTMAN apud CASTELLS, 2010, p.414). De fato, a mídia possuiu
um papel ativo nos processos de transformação social, pois “as sociedades sempre
foram influenciadas mais pela natureza dos media, através dos quais os homens
comunicam, do que pelo conteúdo da comunicação” (MCLUHAN, 1994, p. 74). Esse é
um dos pontos que faz com que cada vez menos a comunicação seja julgada apenas
como uma atividade de repasse das informações entre atores sociais e, atribuindo à
mídia a simples função de veículo.
As interações sociais no ciberespaço fizeram surgir, no final dos anos 80 e início
dos anos 90, “um significativo esforço para pensar questões críticas tais como a relação
sujeito- objeto, natureza-cultura e sociedade-técnica” (RIFIOTIS, 2012), traçando novos
horizontes para a pesquisa na contemporaneidade e nas comunidades tradicionais. Se as
experiências tecno-comunicativas tornam oportuno o surgimento de um novo léxico
capaz de relatar as experiências sociais (DI FELICE, 2007), não podemos mais pensar
as mídias apenas como “ferramentas” ou instrumentos a serem utilizados (DI FELICE,
2012). Se utilizarmos novos meios, desenvolvemos também novos tipos de interação, e
com as sociedades indígenas não é diferente.
Quando bem organizadas, minorias étnicas dão importantes passos em direção às
suas autonomias de auto-representação. Estudos empreendidos em vários continentes
evidenciaram que a apropriação da tecnologia, quando garante comunicação entre
culturas, fortalece a persistência das diferenças culturais (GALLOIS; CARELLI,
[s.d.]); São novas configurações que nascem da categoria, não cabendo aqui o termo
aculturação ou “morte cultural” (SAHLINS, 1997) bastante difundido pelos
colonizadores.
O pensamento pós-colonial latino-americano

Com a abertura comunicativa proporcionada pela Internet, grupos minoritários já


não necessitam somente dos intelectuais para levantarem suas bandeiras e defenderem
suas posições. Detentores do controle sobre suas falas, eles expressam nos seus
discursos o que querem para si e como desejam ser representados (RODRIGUES,
2011). Um discurso capaz de subverter a matriz colonial, ao utilizar uma mídia
supostamente “do poder hegenômico” para afirmar o fortalecimento cultural indígena.
Colonialidade é o termo usado para designar o processo posterior ao período
colonial que perdura no século XXI. Importante esclarecer que colonialidade não é o
mesmo que a colonização, mas sim uma lógica que institui um “novo padrão de
dominação e exploração que interliga a conquista de territórios, a formação racial, o
controle do trabalho e a produção de conhecimento” (GÓMEZ, 2006, p. 28 apud
ALMEIDA 2011). Um poder construído a partir de uma suposta superioridade étnica e
cognitiva do colonizador com relação ao colonizado (ALMEIDA, 2011). Mais
especificamente, podemos afirmar que estamos vivendo hoje em “espaços/tempos de
colonialidade do ser, do saber, do poder e da cosmovisão” (BACKES, 2014, p.15).
Mignolo, que faz parte da geração atual de pesquisadores pós coloniais da
América Latina, junto com Santiago Castro-Gomez, Arturo Escobar, Anibal Quijano e
Catherine Walsh, argumenta que muito antes dos teóricos pós-coloniais de hoje, uma
geração que inclui intelectuais como José Carlos Mariátegui, Rodolfo Kusch, Paulo
Freire, Leopoldo Zea e Enrique Dussel já podiam ser entendidos como pensadores pós-
coloniais segundo os mesmos critérios que entedemos Gayatri Spivak, Homi Bhabha,
Edward Said, Aijaz Ahmad, Ngugi Wa Thiong’o (CARVALHO, 2001). Mignolo explica
que a descolonização era o projeto fundamental dos teóricos pós-coloniais latino-
americanos de antes, que por um tempo foi deixada de lado (CARVALHO, 2001).
Segundo o pensamento pós-colonial é evidente que na América Latina o fim do
colonialismo não significou o fim da colonialidade. Quijano (2005) utiliza-se
fundamentalmente da dominação cultural e da exclusão de indígenas e outras
denominações raciais para nos mostrar que o conceito de “colonialidade no poder”
exprime uma nova forma de legitimação das relações de dominação, legitimando
antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade numa perspectiva
moderna. Isso é visível quando criamos ambientes hostis de dominação ao taxar, por
exemplo, o índio “internauta” como “não índio”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expansão da Internet trouxe consigo uma gama de possibilidades de interação


que rompem diversas barreiras, entre elas, a cultural. O que antes remetia à cultura
urbana e suas interconexões, hoje ganha visibilidade em diversos grupos, como os
povos originários aqui citados. Os índios hoje buscam sua sobrevivência criando
conteúdos midiáticos e se apropriando cada vez mais da virtualidade, especialmente
compartilhando protestos. Saber transitar no ciberespaço, recriando-se e resignificando-
se, é uma forma de resistir às estratégias baseadas em práticas coloniais que refletem em
situações como de negação de seus direitos, discriminação e violência
institucionalizada.
Os próprios indígenas não vislumbram sua cultura e sua identidade étnica como
fixa, situando esses debates mais no campo da construção e reformulação, do que algo
estático. Reportando-nos as experiências dos povos originários na Internet,
vislumbramos um foco do processo de descolonização na América Latina, um conflito
virtual contra os neocolonizadores onde é possível transpor alguns abismos e conceber
uma outra forma de olhar para o outro, e consequentemente, um novo olhar para o
mundo e suas pluralidades.

NOTAS
¹http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/autoria-indigena/sites-indigenas
² http://florestaprotegida.org.br/
³ http://www.jovensindigenas.org.br/
4
http://www.arpinsul.org.br/
5
http://wara.nativeweb.org/
6 http://www.indiosonline.net/
7
https://www.facebook.com/aty.guasu?fref=ts
8
http://kajre.yolasite.com/sobre-n%C3%B3s.php
9
https://www.youtube.com/channel/UCN5-Ubh5NI_1O8kc9Evh48w
10
https://www.facebook.com/kajrepedrabranca?fref=ts

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Webjornalismo em mutação: o caso da série de reportagens multimídia
TAB, do portal Uol

Liliane de Lucena Ito1

Resumo: O jornalismo, como parte intrínseca da sociedade, tem respondido ao avanço das
tecnologias de informação e comunicação em suas diversas searas. Novos modelos de negócio,
além de narrativas inovadoras parecem ser imperativos para a resistência dos veículos
midiáticos frente a crises financeiras, de audiência e até mesmo de credibilidade, em alguns
casos. Fundamental num momento histórico em que a informação é o maior dos capitais, o
jornalismo passa por mutações que vão do processo de produção à publicação. Neste trabalho,
intenciona-se um debate crítico acerca das mutabilidades do jornalismo, em especial do
webjornalismo, e seus reflexos positivos, como a emergência de novos formatos jornalísticos,
como a grande reportagem multimídia, gênero que herda características da grande reportagem
impressa, mas apresenta diferenciais, como a interatividade, a hipertextualidade e a
multimidialidade. O trabalho enfoca a análise de uma expoente do formato no Brasil, a série de
reportagens multimídia TAB, do portal Uol.

Palavras-chave: grande reportagem multimídia; webjornalismo; novas narrativas; Uol; TAB

A convergência midiática transformou não apenas a produção das notícias, mas


também a maneira como são disponibilizadas e consumidas pelo público. No
jornalismo, especificamente, vive-se um momento denominado genericamente como
sendo de “crise”: de valores, de formatos, de credibilidade, de quebra de paradigmas
profissionais. Pereira e Adghirni (2011), na tentativa de evitar generalizações simplistas,
defendem um cenário atual complexo, em que o jornalismo passa por mudanças
estruturais. Tais transformações são de ordem profunda, capazes de alterar de maneira
radical a prática, a definição e o reconhecimento simbólico de uma determinada
atividade. No caso do jornalismo, o advento da internet e a crise no modelo de negócio
das empresas de comunicação têm acarretado mudanças relacionadas à produção
noticiosa (no jornalismo de web não há fechamento, e sim atualizações on demand, por
exemplo); ao perfil do jornalista (precarização das condições do trabalho, maior carga
horária e equipes mais enxutas, entre outros); e às novas relações com os públicos, cada
vez mais dedicados à autopublicação e ligados a novos hábitos de consumo de
informação que vão além dos oferecidos nos formatos tradicionais (PEREIRA;
ADGHIRNI, 2011, p. 45-51).
A interação entre público e veículo realmente pode estar presente em muitos
momentos, do envio de material que integrará uma notícia aos comentários de leitores

1 Pesquisadora bolsista CAPES e doutoranda em Comunicação vinculada ao Programa de Pós-Graduação da Unesp


(Bauru-SP). Jornalista e mestra em Comunicação também pela Unesp. E-mail: lilianedelucena@gmail.com
sobre uma notícia. Entretanto, deve-se lembrar que, nesses casos, tais interações não
podem ser vistas exatamente como participação, uma vez que o termo implica
necessariamente que os atores envolvidos tenham poder para a tomada de decisões
(CARPENTIER, 2012), e cabe apenas ao veículo decidir se (e como) publicará a
informação oriunda do leitor ou se realizará uma ação editorial diante de um
comentário, por exemplo.
Em alguns casos, há a autonomização dos atores, que publicam narrativas de
maneira independente (muitas vezes alternativas e contrárias à mídia tradicional) em
blogs e perfis em redes sociais. Para Primo (2008), este tipo de canal (blogs e redes de
microblogging) faz parte do chamado composto informacional midiático. Aos
integrantes e consumidores desse composto informacional midiático, a relevância e a
credibilidade não estão, necessariamente, relacionadas ao fato de o texto ter sido ou não
produzido pela imprensa, uma vez que o interesse está nas fontes que especificamente
tratam de assuntos de seus interesses.
Entretanto, segundo a edição 2015 da Pesquisa Brasileira de Mídia, a
confiabilidade ainda é maior quando a notícia é oriunda de mídias tradicionais: 52% dos
entrevistados confiam sempre ou muitas vezes nas notícias da televisão, rádio, jornais e
revistas, enquanto que, na média, apenas 27% confiam sempre ou muitas vezes em
notícias de sites, blogs e redes sociais. Apesar do aparente descrédito do meio, a internet
já ganha o espaço dos veículos impressos como meio de comunicação mais utilizado
pelos brasileiros (42%), ficando atrás somente da televisão (93%) e do rádio (46%). Dos
entrevistados, 76% afirmaram não ler jornais no papel; entretanto, apesar de os números
sugerirem uma migração do impresso para o digital, isso não ocorre com grande força:
só 10% da amostra pesquisada passaram a se informar apenas em jornais disponíveis em
ambientes on-line.

WEBJORNALISMO EM MUTAÇÃO

Canavilhas (2001) ao propor o termo webjornalismo como um jornalismo feito


para a web, com novas narrativas, que integrem elementos multimidiáticos e
hipertextuais (em contraponto ao jornalismo on-line, em que há somente uma
transposição do impresso para o digital), aponta que este não deve seguir a técnica
redacional de pirâmide invertida, canônica no jornalismo impresso. Assim, quem
constrói o caminho da leitura é o próprio leitor. Esta é uma das mudanças que
evidenciam que, da mesma maneira que se transforma o processo de produção, altera-se
também a forma de consumo.
Jorge (2008) nos coloca diante da ideia da notícia em mutação: além de deixar
de ter uma forma física, no papel, a notícia liga-se por meio de lexias hipertextuais, e
tem a velocidade incorporada na produção. A relação do jornalista com o público passa
a ser diferente da anterior, em que o jornalista produzia e o público, passivo, consumia.
A evolução do jornalismo, desde muito antes de algum tipo de convergência midiática,
sempre esteve ligada à evolução dos meios de difusão (CANAVILHAS, 2006).
Mielniczuk (2003) define como webjornalismo de terceira geração o momento em que a
interatividade, a customização de conteúdo, a hipertextualidade, a multimidialidade, a
memória e a atualização contínua estão presentes. Tal fase só foi possível graças ao
avanço da estrutura técnica, à transmissão mais rápida de sons e imagens, e à expansão
no número de usuários, o que fez com que as empresas investissem mais no setor.
Barbosa (2008) em uma evolução temporal acerca das gerações no webjornalismo,
afirma que, atualmente, presencia-se a quarta geração, em que algumas das
características são:

[...] consolidação das bases de dados como estruturantes da atividade


jornalística e como agentes singulares no processo de convergência
jornalística; equipes mais especializadas; desenvolvimento de sistemas
de gestão de conteúdos (SGC) mais complexos e baseados
preponderantemente em softwares e linguagens de programação com
padrão open source, formato XML (eXtensible Markup Language),
algoritmos; acesso expandido por meio de conexões banda larga;
proliferação de plataformas móveis; consolidação do uso de blogs;
ampla adoção de recursos da Web 2.0; incorporação de sistemas que
habilitam a participação efetiva do usuário na produção de peças
informativas; produtos diferenciados criados e mantidos de modo
automatizado; sites dinâmicos; narrativas multimídia [...].
(BARBOSA, 2008, p. 9).

A pesquisadora lembra que nem todos os produtos jornalísticos digitais possuem


as características reunidas em sua completude – algo que depende obviamente da
estrutura e do investimento de cada empresa. Entretanto, os mais inovadores apresentam
projetos ou mesmo grande parte de seu conteúdo que podem ser encaixados nesta quarta
geração do webjornalismo.
Alguns estudiosos defendem que até mesmo uma das práticas mais comuns nas
redações, o gatekeepig, estaria evoluindo para uma segunda prática (pois podem ser
concomitantes), o chamado gatewatching (BRUNS, 2005), que não mais seria uma
função que seleciona o mais relevante num universo de informações que devem ser
encaixadas em um limitado espaço físico (o que ocorre no gatekeeping).
Na virtualidade, espaço não é exatamente um problema e, assim, o gatewatching
seria uma nova postura de jornalistas/editores que, na web, possuem muito mais espaço
disponível para publicar e, por isso, atuam como observadores da rede, não deixando
passar informações relevantes que emergem a todo o momento de diversos ambientes
on-line. Neste processo, os gatewatchers observam publicações na concorrência ou em
outras fontes (como blogs e redes sociais, por exemplo) com o objetivo de identificar o
que merece ser publicado, no momento em que estiver disponível na internet.
Barsotti (2014), ao realizar um estudo empírico baseado em observação
participante nas redações dos sites dos jornais O Globo e Extra, defende que, além de
gatekeeper, o jornalista/editor de veículos on-line também exerce a função de
gatewatcher, um “vigia” da concorrência e de fontes (às vezes primárias) de informação
cujo objetivo é não deixar de publicar também algo que todos estão vendo, como por
exemplo, um viral. Essa preocupação ocorre muito por conta do fato de o espaço no site,
inclusive nas homepages, ser muito mais flexível em relação ao jornal impresso.
“Embora também haja limitação de espaço nas capas dos sites, ela é mínima [...].
Enquanto na primeira página de O Globo é possível encaixar, em média, 15 chamadas,
na capa do site há espaço para cerca de 55.” (BARSOTTI, 2014, p. 5).
Se espaço não é exatamente uma questão, a ponto de originar uma nova função
do editor, a do gatewatcher, por que não investir em formatos jornalísticos como o da
grande reportagem, rara muito por conta da questão do espaço físico nos jornais e nas
revistas? Uma vez que não há limitação no tamanho do texto, ao mesmo tempo em que
é possível adicionar todos os recursos multimidiáticos (imagens, sons, vídeos,
animações, elementos interativos) que enriquecem ainda mais a narrativa, o ciberespaço
pode abrigar novos formatos jornalísticos, mais instigantes e, por que não, completos.
O fato é que muitas das características e práticas do webjornalismo de quarta
geração estão ainda mais relacionadas à velocidade da informação e à disponibilização
da notícia em diversos suportes, num formato fragmentado, de texto curto e sintético,
recheado de hiperlinks que direcionam a outras webnotícias fragmentadas, todas elas
amarradas à técnica da pirâmide invertida, algo defendido e ensinado por muitos
autores, como Pinho (2003), Edo (2007) e Ferrari (2010).
Entretanto, apesar de recentes, começam a surgir exemplos de textos
jornalísticos que, na contramão da webnotícia, aprofundam e requerem uma leitura mais
concentrada, mas nem por isso contemplativa, uma vez que recursos interativos também
estão presentes. Desde 2012, segundo Longhi (2014), há um ponto de virada na
produção de textos jornalísticos aprofundados, de grande número de caracteres,
ilustrados e/ou complementados por vídeos, áudio e animações, denominados pela
autora como grande reportagem multimídia, “gênero específico do webjornalismo,
herdeiro da grande reportagem do impresso” (LONGHI, 2014, p. 899). Ainda pouco
difundida, a grande reportagem multimídia é explorada por poucos veículos, como é o
caso dos norte-americanos The New York Times e Washington Post, do britânico The
Guardian e, no Brasil, do portal Uol e da Folha de S. Paulo2.
Do ponto de vista da produção, a grande reportagem multimídia só é possível se
realizada de maneira integrada entre vários profissionais, uma vez que se utilizam
elementos de texto e imagem, além de áudio, vídeo, infográficos animados e recursos
interativos, como enquetes, jogos e testes, por exemplo, que exigem uma programação
específica. Apesar dos desafios, alguns veículos enxergam a necessidade de oferecer
conteúdo multimidiático para seus leitores, a fim de não se limitar a apenas uma matriz
midiática.
Como se pode imaginar, são muitas as dificuldades enfrentadas por jornalistas
do impresso que trabalham também com material multimídia. Uma delas é a corrida
contra o tempo, principalmente para aqueles que precisam fazer malabarismos para
entregar o material no prazo da edição em papel além de ter que produzir conteúdo
extra, como vídeos, para o site do jornal. Lenzi (2012), ao entrevistar jornalistas do
Diário Catarinense que, à época, viviam essa realidade, observou outros desafios
relatados pelos próprios profissionais, como a falta de conhecimentos técnicos para
operar equipamentos a fim de se chegar a um material de qualidade, além da dificuldade
de ter de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo.
Entretanto, quando se trata de grande reportagem multimídia, totalmente
pensada para ser publicada on-line, o que se pode notar, geralmente, é um processo
2 Exemplos de grandes reportagens de cada veículo, na mesma ordem disposta no texto:
1. The Snow Fall: <http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/>
2. Cycling’s Road forward: < http://www.washingtonpost.com/sf/wp-sports/2013/02/27/cyclings-road-forward/?
hpid=z1 >
3. NSA Files Decoded: < http://www.theguardian.com/world/interactive/2013/nov/01/snowden-nsa-files-surveillance-
revelations-decoded#section/1 >
4. Série de reportagens TAB: <tab.uol.com.br>
5. Especial sobre Belo Monte: <http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/>
diferenciado, com prazos maiores e equipes especiais, com jornalistas destacados para
tais coberturas. Foi o caso da grande reportagem multimídia publicada em 2013 pela
Folha de S. Paulo sobre Belo Monte, que levou 10 meses para ser finalizada e envolveu
15 profissionais para relatar a construção da hidrelétrica, de maneira interativa e
aprofundada3. A reportagem deu origem à série Tudo Sobre, que trouxe outros temas em
formato de grande reportagem multimídia, como a crise hídrica e a ditadura militar
brasileira.
Longhi (2014) propõe uma linha cronológica dos formatos noticiosos
hipermidiáticos e defende que a grande reportagem multimídia só é possível graças aos
avanços técnicos e ao estabelecimento da linguagem HTML5, pois esta possibilita um
design inovador, uma melhor navegação e uma imersão do usuário diante do conteúdo
oferecido. Segundo a pesquisadora, é neste mesmo ponto em que começam a surgir as
primeiras narrativas mais longas, com grande número de caracteres (o texto long form).
A grande reportagem multimídia é, então, “definida por técnicas como o parallax
scrolling4, ambientes e ferramentas como HTML5, CSS, narrativas imersivas e texto
long form, dentre outras características inovadoras de design e informação”. (LONGHI,
2014, p. 908).

GRANDE REPORTAGEM EM SÉRIE: O TAB, DO UOL

Quinto site de maior audiência5 no Brasil, o portal Uol (uol.com.br), que


pertence ao grupo Folha, segue, no geral, o modelo tradicional de webnotícia.
Entretanto, desde outubro de 2014 o Uol publica a série de reportagens TAB. De 12 a 15
pessoas, entre jornalistas, ilustradores, designers, produtores audiovisuais e
desenvolvedores, estão envolvidas na produção de cada edição. Sua publicação acontece
às segundas-feiras, com grande destaque, em tamanho e área, na homepage do Uol. A
partir de terça-feira, a reportagem do TAB daquela semana passa a ter um destaque
menor, figurando entre as últimas da home page.

3 Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2013/12/1385200-reportagem-consumiu-dez-


meses.shtml >. Acesso em março de 2015.

4 A fim de dar uma sensação ilusória de profundidade de campo, esta é uma técnica de design que usa elementos
gráficos (fundos de tela, imagens e textos, por exemplo) sobrepostos em camadas que se movimentam em
velocidades distintas conforme acontece a rolagem do mouse na tela.

5 Segundo dados do Alexa. Disponível em: <http://www.alexa.com/siteinfo/uol.com.br>. Acesso em 13/5/2015.


O TAB é um exemplo de grande reportagem multimidiática. A começar pela
característica mais elementar da reportagem herdada do meio impresso: textos muito
mais longos do que os da notícia, com mais apuração e profundidade temática. Nas
palavras de Lima (2009), a reportagem “é a ampliação do relato simples, raso, para uma
dimensão contextual” (LIMA, 2009, p. 18). Sobre a grande reportagem, o autor lembra
que nela, há um mergulho ainda maior nos fatos e no contexto, o que oferece ao
jornalista uma grande liberdade em relação às amarras do lead e da pirâmide invertida.
Os textos do TAB possuem, em geral, de 10 a 25 mil caracteres. Entre os temas
abordados, percebe-se uma inclinação a assuntos discutidos amplamente na imprensa ou
nas redes sociais, como os exemplos das reportagens sobre as recentes manifestações de
rua da população insatisfeita com a política no país, os drones, as selfies e a febre dos
livros de colorir para adultos. Entretanto, há também abordagens de temáticas como
tecnologia (impressoras 3D, emojis, senhas), saúde (corrida, tipos de parto), ciência
(genética, inconsciente), economia e consumo (lixo, água, economia compartilhada,
moda), sexualidade/comportamento (transgêneros, feminismo) e religião (exorcismo).
Alguns dos assuntos abordados claramente se encaixam na categoria dos temas de longa
duração (BENETTI, 2013), aqueles que, no jornalismo de revista, sobrevivem a
demandas circunstanciais. Esta aproximação ao jornalismo de revista talvez ocorra por
conta da segmentação temática do TAB, uma vez que, segundo o próprio Uol, o objetivo
do mesmo é oferecer conteúdo dinâmico, com abordagens criativas sobre temas
provocativos. A proposta do TAB seria, então, a de prender a atenção do leitor e não
apenas acumular cliques6.
Entretanto, não é somente em relação aos temas abordados, segmentados por tais
“polêmicas”, que o TAB se assemelha ao jornalismo de revista. A linguagem, informal,
leve e prazerosa, e sua característica visual marcante são outras aproximações notáveis.
Em relação à linguagem, os textos do TAB são recheados por figuras de linguagem,
construções que buscam uma aproximação junto ao leitor, além de títulos e subtítulos
criativos. O excerto a seguir, extraído da edição 21, é um exemplo:

Você aí que anda meio depressivo no mundo corporativo, olhando


discretamente para seu chefe por cima da baia, achando que ele anda
pegando demais no seu pé... talvez você consiga amenizar esse
6 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2014/10/13/uol-lanca-o-tab-novo-projeto-
editorial-interativo.htm>. Acesso em 19 de março de 2015.
sentimento incômodo ao conhecer o método de comando de um gestor
que fez barulho recentemente, o senhor Uday Hussein. Com ele não
tem papinho no café para tentar entender as necessidades de seu
subordinado, nem qualquer brecha de diálogo. Não tinha, aliás. Com
uma das cartilhas de administração mais sádicas que se tem notícia
desde a Roma de Nero, o gerentão em questão afundou o seu negócio
- e a si próprio. (FREITAS; ALMASRI, 2015, on-line)

SCALZO (2011) lembra que o texto de revista precisa de um “tempero a mais”,


pois “diferente do leitor de jornal, o [leitor] de revistas espera, além de receber a
informação, recebê-la de forma prazerosa” (p. 76). Essa demanda pode ser semelhante
no caso do leitor de uma grande reportagem multimídia: a leitura de um conteúdo
aprofundado, com credibilidade jornalística, em linguagem fluida e layout especial.
Com relação aos layouts do TAB, estes são sempre diagramados semelhantemente à
estética de revista (e não a de jornal ou de webnotícia comum). Cada matéria é pensada
para integrar texto e imagem, além de vídeo, animações, cores, tipografia, luz, texturas,
criando, além de identidade para cada edição, uma experiência ao mesmo tempo
interativa e sinestésica para o leitor.
Numa tentativa de delimitar características do jornalismo de revista, Benetti
(2013) destaca dois elementos constitutivos do discurso que são essenciais também no
caso das reportagens veiculadas pelo TAB: o dispositivo de autoridade (que seriam os
elementos que atestam a seriedade da informação relatada) e o vínculo emocional.

Se o texto é mais fluido, se os títulos permitem os trocadilhos e os


jogos de linguagem, se as ilustrações trazem o humor, se a sequência
de leitura fornece a diversão, se as imagens carregam ambiguidades e
se o processo de leitura é sensorial e prazeroso, então, de algum modo,
o discurso precisa criar ancoragens de que está a tratar seriamente e de
forma competente – de forma jornalística - daqueles assuntos tão
interessantes [...] Contudo, não basta ao leitor confiar na autoridade de
quem enuncia; é preciso ter algum tipo de prazer na companhia
daquele enunciador, estabelecendo um vínculo emocional. (BENETTI,
2013, p. 54)

As reportagens do TAB, apesar da maior liberdade de linguagem e visual,


sempre se apoiam em fontes habitualmente buscadas pela imprensa em seu dia a dia:
especialistas no assunto, dados oficiais, pesquisas científicas de renome. Isso, de certa
maneira, contribui para reforçar o dispositivo de autoridade, evidenciando que, apesar
da leitura leve, trata-se de um material que fora estudado, pesquisado e interpretado por
jornalistas. É possível notar, nos textos do TAB, uma preocupação em oferecer ao leitor
um aprofundamento temático tanto extensivo quanto intensivo, segundo a definição de
Lima (2009), ou seja, há uma quantidade de informações que aumentam
quantitativamente (extensivamente) a taxa de conhecimento do leitor sobre o tema
(presente em dados numéricos, por exemplo) e também análises multiangulares sobre
causas, consequências e desdobramentos acerca do assunto abordado que, por sua vez,
garantirão o aumento informacional qualitativo (intensivo) sobre a questão.
Já em relação ao vínculo emocional, um dos elementos é a estética, que de certa
forma incita o leitor a ir descobrindo o conteúdo, mesmo que extenso, uma vez que este
é trabalhado em conjunto com estímulos visuais constantes (movimento, animações,
cores, imagens de fundo). O layout do TAB é do tipo responsivo, ou seja, é planejado
para se adaptar ao dispositivo que o leitor estiver utilizando (seja no computador, no
celular, no tablet ou em outro aparelho). Ainda sobre o layout, há também o vínculo
formado pelo estímulo à interação do leitor. Na edição de número 15, cujo tema é o
inconsciente humano, há três testes (O Jogo das Cores, O Jogo do Inconsciente e Você é
Intuitivo?) que exigem do leitor um esforço de pensamento, seja um exercício de
cálculo numérico ou a reflexão sobre algum aspecto de sua própria personalidade. A
edição de número 26, sobre transgêneros, inicia o assunto apresentando, no formato de
storytelling, a trajetória de dois transgêneros brasileiros. Depois, a fim de explicar sobre
todos os termos utilizados atualmente para a identificação do gênero (conforme a
reportagem, são 12 no total), uma experiência interativa é oferecida ao leitor, que deve
fazer uma combinação hipotética de três passos – escolher o sexo de um indivíduo
atribuído no nascimento, depois o sexo com o qual ele se identifica e, por fim, o sexo
pelo qual sente atração sexual. O leitor pode refazer a experiência diversas vezes e
também pode, se quiser, ir direto para o link que mostra todas as possibilidades de termo
utilizados. Além desses, vários outros exemplos evidenciam que a produção do TAB
busca alternativas multimidiáticas e interativas para construir narrativas jornalísticas
diferenciadas, com o aprofundamento da grande reportagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se o jornalismo encontra-se em um momento de mudanças estruturais, em que a
produção e o consumo de notícias são transformados, bem como o perfil do jornalista,
características da profissão e relacionamento com os públicos, é porque a sociedade
também passa por mutações significativas. A imprensa faz parte de um dos diversos
campos sociais que se relacionam entre si e todos, em maior ou menor grau, acabam por
sofrer influências das novas tecnologias de informação e comunicação. Assim, ao
mesmo tempo em que a figura do jornalista parece estar desacreditada (formas
alternativas de veiculação da notícia, por vezes, se contrapõem ao que é publicado nos
veículos tradicionais), o público não busca informações unicamente na imprensa, já que
outros atores em rede (de cientistas a especialistas ou até celebridades) publicam as
informações de maneira segmentada, da forma como o leitor deseja, talvez com direito a
feedback.
Se a confiabilidade da notícia é maior quando dada por meios tradicionais,
conforme Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, e se há um percentual muito pequeno de
brasileiros que leem jornais impressos hoje, segundo a mesma pesquisa, existe uma
possibilidade de que o formato impresso seja impopular perante meios massivos, como
a televisão. Ao mesmo tempo, é possível que, por trás de tais indicadores, exista uma
crença por parte dos brasileiros de que muitas informações disponíveis no ciberespaço
estejam suscetíveis a erros e inverdades, apesar do consumo considerável de internet no
País.
Tais suspeitas, certamente simplistas, necessitariam de pesquisas mais amplas
para oferecer resultados. Entretanto, neste artigo intencionou-se demonstrar que, apesar
(e talvez por conta) do momento de mudança no jornalismo, novos formatos noticiosos
vêm à tona, uma vez que a notícia se encontra em mutação. A grande reportagem
multimídia é um exemplo de formato jornalístico híbrido, com heranças notáveis da
grande reportagem do impresso, mas com avanços significativos em relação à leitura do
texto. A narrativa, aprofundada, intensa, liberta das técnicas redacionais canônicas da
notícia, é enriquecida pela experiência interativa existente nos vídeos, nas animações,
nos testes e outros recursos que estão em concordância com o leitor da era de
convergência midiática. Este leitor, imersivo (SANTAELLA, 2004), tem todas as
ferramentas para se aprofundar e construir sua própria ordem de leitura numa grande
reportagem multimídia.
Cada vez mais interativas e presentes no webjornalismo, essas novas narrativas
apostam em layout e interatividade, elementos que comprovadamente envolvem os
usuários a permanecerem na página e a realizarem a leitura de caráter imersivo, segundo
estudos empíricos de Sundar (2000 apud DEUZE 2003).
McLuhan (2009) já dizia que, no momento em que os meios se encontram,
ocorre uma libertação e liberação do entorpecimento e do transe que tais meios impõem
aos nossos sentidos. Assim, apesar de estar presente apenas na quarta geração do
webjornalismo, a grande reportagem multimídia é a prova de que a internet, como meio
híbrido, pode e deve ser um espaço onde se pode ir além do convencional no jornalismo
e no webjornalismo. Sua consolidação como gênero certamente depende de
investimentos pesados em equipes multimídia, mas sua presença pode resultar, à
empresa jornalística, em credibilidade, característica desejada na imprensa, e inovação,
valor muito buscado no ambiente corporativo.
Paradoxalmente ao momento em que vivemos, a grande reportagem multimídia é um
formato onde a figura do jornalista como intermediário se mostra ainda mais
importante, uma vez que exige dedicação, investigação e amplitude informacional. A
qualidade desses produtos corrobora o que Wolton (2010) defende: quanto mais
informação acessível e gratuita, e mais liberdade para cada um fazer o que quiser, mais
será imprescindível o jornalista para “selecionar, hierarquizar, verificar, comentar,
legitimar, eliminar e criticar” (WOLTON, 2010, p. 72).

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Comunidades virtuais como arquétipos de transparência pública:
vozes da cidadania no século XXI

Liliane Monteiro1

RESUMO: O objetivo do presente artigo é fazer algumas proposições sobre estudos


nas áreas da comunicação social e da ciência política, mais especificamente sobre o uso
de grupos temáticos de Facebook, relacionados às classes de trabalhadoras e
trabalhadores, com vistas a refletir sobre a democracia deliberativa e os mecanismos de
participação cívica, em cenários de popularização de redes sociais digitais. O texto
descreve brevemente a relação entre elementos que compõem processos deliberativos e
processos censórios, ou seja, quando da utilização ou quando da coerção da utilização
dos Grupos, que podem servir de ferramenta empírica para configuração normativa de
ágoras digitais. Três casos empíricos são mencionados: Grupos relacionados às
mobilizações sobre a legislação relativa ao Ato Médico, cujo cenário deliberativo
mostrou-se intenso em 2013; um Grupo de profissionais da área de relações públicas; e
Grupos relacionados a docentes de educação pública básica.

Palavras-chave: Grupos de Facebook, comunicação social, processos deliberativos,


processos censórios, epistemologia.

Introdução

Em 2014, segundo dados2 do Facebook, havia cerca de 700 milhões de perfis


ativos usando Grupos da rede social digital, e cerca de 1 bilhão e 400 milhões de perfis
ativos. Portanto, a partir dos anos 2000, estudos acerca da comunicação intersubjetiva
não podem desprezar o uso de ferramentas digitais.

1
Relações Públicas, licenciada e especialista em língua portuguesa, mestre em comunicação na contemporaneidade.
Analista de redes sociais digitais e docente na educação básica e no ensino superior. Doutoranda ECA-USP.
2
Disponível em: http://www.techtudo.com.br/listas/noticia/2015/04/facebook-revela-total-de-usuarios-de-whatsapp-
instagram-videos-e-mais.html . Acesso em Outubro de 2015.
Para Fals Borda (2008, p. 253) são poucos os momentos em que o curso da vida
acontece de maneira a se configurar como um processo fundamental de transformação
social. Com a disseminação da internet, seu acesso e uso, a partir da década de 1990, e a
consequente ampliação3 do acesso populacional às tecnologias comunicação e
informação (computador e celular4), delineia-se um cenário onde podemos destacar
dois fatores: a transição das bases do capitalismo industrial para o capitalismo
informacional - o lucro da produção industrial em massa migra para a produção da
informação- às consequentes transformações subjetivas de ampliação do direito à
comunicação, informação, e a transparência pública como ferramentas democráticas.
Um exemplo dessas transformações já constituídas em ferramentas normativas seria a
Lei de Acesso a Informação:

socialmente validada, pelo Estado e pela sociedade (...) caracteriza por uma
figura de linguagem entre os anseios democráticos presentes nas
conversações cotidianas e a necessidade de congregar expectativas entre tais
anseios e as normas sociais regulamentadas, sejam elas leis, decretos,
resoluções normativas, dentre outros. (CAETANO, 2012, p. 97)

A partir de um cenário econômico nacional o qual, dentre outros aspectos,


apresenta como base a prestação de serviços, a diminuição da atuação do Estado na vida
do cidadão e a importância crescente da internet como meio de comunicação entre
cidadão-Estado, cidadão-cidadão, Estado-Estado, as redes sociais digitais parecem
despontar como espaços arquetípicos de “movimentos sociais” em sociedades
complexas contemporâneas. Toma-se para o conceito de movimento social o que
Melucci (1989, p. 55) entende como “um fenômeno de opinião de massa lesada,
mobilizada em contato com as autoridades”, e ainda “como uma forma de ação coletiva
(a) baseada em solidariedade, (b) desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites
do sistema em que ocorre a ação”. (MELUCCI, 1989, p. 57).
O presente texto é também parte das reflexões sobre uma pesquisa doutoral em
curso, de caráter bibliográfico e conceitual, conjuntamente a um trabalho empírico, que
procura desvelar processos censórios colaborando na constituição normativa do uso de
redes sociais digitais. A pesquisa aponta para uma construção da participação cidadã,

3
Disponível em: http://www.fnazca.com.br/wp-content/uploads/2014/12/fradar-14_publica-site.pdf . Acesso em
Outubro de 2015.
4
“(...) novo milagre econômico brasileiro (...) criou uma massa de consumidores que até então só via tudo pela vitrine
(...) justamente um símbolo de status econômico que permitiu a esses novos consumidores colocarem em prática sua
cidadania: o telefone celular.” Disponível em: http://tab.uol.com.br/ativismo-digital/ . Acesso em Outubro de 2015.
com vistas a promover conversações deliberativas e garantir que tais conversações
sejam validadas pelas instituições democráticas, como arquetípicas de processos
comunicacionais estruturados num jogo de práticas de ação política e discursiva,
articulando processos deliberativos e processos censórios, internos e externos aos
Grupos-movimento.
A natureza dinâmica entre processos deliberativos e processos censórios parece
ser a base constitutiva de uso e apropriação de diversos Grupos de Facebook, sejam eles
abertos, fechados ou secretos. O elemento significativo gerador da intensa apropriação e
uso da ferramenta parece ser a ampliação de espaços de fala íntegra, autêntica,
necessária à instituição do que se entende como norma reguladora para o bem comum.
A ocorrência de censura, geralmente a censura entre pares, dada a natureza de
identidade de classe que compõem os perfis participantes dos Grupos observados -
trabalhadoras e trabalhadores - e a autocensura, têm indicado que as falas ou discursos,
de forças de matizes à esquerda e à direita do espectro político, por vezes se
contrapõem, sendo proferidas mais livremente do que as falas publicizadas pelas forças
do Estado, organizações da sociedade civil ou mesmo na grande mídia.
Grupos de Facebook, como comunidades virtuais5, têm se caracterizado como
movimentos sociais, já que se incluem em um cenário de sociedades complexas quando
da ocorrência de questionamentos epistemológicos do que as ciências sociais e ciências
sociais aplicadas entenderiam por comunidade e movimento social:

(...) talvez esteja configurando um novo espaço político esteja designado


alem da distinção tradicional entre Estado e ‘sociedade civil’: um espaço
público intermediário, cuja função não é institucionalizar os movimentos,
nem transformá-los em partidos, mas fazer a sociedade ouvir as mensagens e
traduzir suas reivindicações na tomada de decisão política, enquanto os
movimentos mantém sua autonomia. (MELUCCI, 1989, pp. 63-64)

As conversações, em determinados Grupos de Facebook, como os de


trabalhadoras e trabalhadores, contextualizariam espaço público cuja ação deliberativa
foi seria metodologia fundante de realização coletiva das práticas sociais.
Os Grupos observados, aqui representados em três segmentos: sobre o Ato
Médico, profissionais de relações públicas e os de categorias profissionais da educação
5
Rheingold (1993, apud ANTOUN, 2004, p.69) “A comunidade virtual é formada por grupos de discussão e
produção de conhecimento temático que desenvolvem a interação e a conversa no ciberespaço por uma larga duração
de tempo, gerando familiaridade, camaradagem e amizade entre os membros do grupo, podendo ultrapassar os limites
da Internet e se estenderem para atividades e encontros no espaço social geográfico.” Disponível em
http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/6592 Acesso em Março de 2015.
pública básica brasileira, apresentaram processos deliberativos que despontam como
um modus operandi de relações sociais num cenário em que a participação popular
deva dar-se, segundo Peruzzo (2004, p. 274) como: “um direito humano (...) um dever
político e um instrumento de construção nacional”. Ainda que, para a autora, no “Brasil,
e em outros países latino-americanos, a participação tem sido obstacularizada pelo
Estado e por setores dominantes”.

Liberdade de fala e internet: censura versus comunicação pública

Nesse ínterim, algumas reflexões necessárias seriam: se o acesso ao crédito para


consumo de bens materiais (inclusive bens de consumo que permitem a dinamização da
comunicação entre os indivíduos – computadores e celulares) aumenta, quais atores
ocupam espaços de fala e atuam discursivamente na esfera pública ? Quais recursos
técnicos e quais temas estariam recorrentes nas conversações 6 cotidianas? À liberdade
de expressão estaria inerente às condições de participação no debate público?
Para Costa (2014), as diversas “noções de liberdade de expressão” estiveram
sempre acompanhadas de “diferentes formas de censura”. Para cada época:

os atos de interdição dependem, entre outros fatores, do regime político


vigente, da ideologia que ele representa, dos meios de comunicação
instituídos, das formas de oposição e resistência organizados, da tecnologia
disponível para o Estado e para o cidadão. (COSTA, 2014, p. 34)

A concepção de sociedade estaria alicerçada na “participação pública, liberdade


e constante aprimoramento da vida social.” Costa (2014) esclarece que:

A liberdade que se atrela ao anseio pelo aperfeiçoamento da sociedade e da


cidadania envolve o acesso à informação por parte do público, o respeito à
legislação que rege a comunicação pública garantindo resposta e defesa; o
direito aos usos dos meios de produção e veiculação de mensagens e até o
direito à desinformação e ao silêncio. (COSTA, 2014, p. 34)

6
“No coração da democracia forte está a conversação (...) A conversação não é erro do discurso (...) a conversação
permanece central à política, que poderia ossificar-se completamente sem sua criatividade, sua variedade, sua
abertura e sua flexibilidade, sua inventividade, sua capacidade para a descoberta, sua efemeridade e complexidade,
sua eloquência, seu potencial para a empatia e expressão afetiva. Barber (2003, apud MAIA, 2008, pp.203-205.
” “é possível afirmar que a conversação é parte significante da socialização (…) contribuindo para a formação de
redes de interação, de confiança e de laços de solidariedade”. Matos (2009, 82-100)
A liberdade de fala estaria cerceada sempre que apenas alguns atores sociais
tivessem instrumentos para mobilizar discursos na esfera pública, a comunicação
pública um elemento central para a concepção de processos deliberativos contrários à
interdição de vozes e assuntos, na esfera pública.
Ao prosseguir seus estudos baseados no conceito de esfera pública, Habermas
aborda brevemente o conceito de comunicação pública. Para isso, o autor indica o papel
da “periferia” no jogo discursivo para a construção de políticas públicas. Segundo ele:
“a periferia consegue preencher essas expectativas fortes, na medida em que as redes de
comunicação pública não institucionalizada possibilitam processos de formação de
opinião mais ou menos espontâneos”. (HABERMAS, 1992, p. 90).
Também Matos (2009) articula reflexões habermasianas, no que concerne aos
fluxos comunicativos - dentre eles, a comunicação pública. Para a autora, a
comunicação pública “envolveria o cidadão de maneira diversa, participativa,
estabelecendo um fluxo de relações comunicativas entre o Estado e a Sociedade.”
(MATOS, 2009, p. 102).
Algumas outras reflexões acerca de comunidades virtuais ocupando papeis
semelhantes a movimentos sociais seriam: a) o papel do Estado na elaboração do
discurso – preparatório e presente atuante na divulgação das políticas públicas; b) a
normatização da fala de atores sociais na comunicação pública. Em um cenário de
utilização massiva de redes sociais digitais, a despeito das ferramentas de disseminação
de pautas e discursos mobilizados pelo Estado, o discurso seria um instrumento social
cujo funcionamento independeria, necessariamente, do poder político do Estado, de
instituições representativas opressoras, do poder econômico ou da grande mídia.
Portanto, num espaço público onde a permeabilidade do discurso proveniente do
Estado, de instituições de representação e da mídia estaria hipoteticamente mais
articulado do que os temas que circulam nas conversações cotidianas, surgem com as
redes sociais digitais outros espaços para os quais se voltam os temas que parecem ter
ultrapassado o espaço físico das telas da televisão e de reuniões de representantes eleitos
para as mais diversas instituições das democracias contemporâneas, criando uma outra
esfera discursiva, de ampliação da posse dos tempos e temas de fala. É também nesse
espaço virtual de comunicação, nas redes sociais digitais, que faremos a observação de
novas formas de articulação das conversações cotidianas e suas interações discursivas
na esfera pública.

Grupos de Facebook e a sociedade civil sob novas perspectivas para a deliberação

Habermas aponta características de uma comunicação condizente com o espaço


democrático que pode ser construído, quando se articulam às conversações cotidianas
ímpetos deliberativos, na medida em que “a deliberação é uma forma de comunicação
exigente, a partir de rotinas diárias invisíveis nas quais as pessoas trocam razões umas
com as outras” (HABERMAS, 2008, p. 11).
Nas redes sociais digitais, como o Facebook, há o que podemos entender
também como comunidades virtuais, onde a organização da comunicação parece se
apresentar mais plural e configurada potencialmente de maneira a promover a
deliberação, em sociedades contemporâneas complexas.
A partir da eleição americana de 2008, com a vitória de Barack Obama, muitas
pesquisas científicas têm focado o papel da internet nas eleições, e após pesquisa
bibliográfica pode-se notar que os estudos tratam as ferramentas online como se fossem
meios de comunicação broadcasting, no sentido de um para muitos.
Isso acontece, sobremaneira, com ferramentas como Sites, Blogs e Twitter, pois,
no caso do último, a comunicação também não indica permitir processos deliberativos,
já que, dentre outros aspectos técnicos, o Twitter permite a escritura de textos muito
curtos, num fluxo de um para um.
Porém, redes sociais digitais como Facebook permitem conversações amplas,
com ferramentas textuais, imagéticas e audiovisuais, que incluem possibilidade de
réplicas, tréplicas, edição de textos publicados nos posts, conversas inbox simulando os
antigos chats. Fica, então, a questão: o Facebook poderia fazer-se uma ferramenta
técnica promissora para o delinear de arenas conformadas a um espaço ideal para
processos comunicacionais deliberativos ?
Ainda em Habermas (2008) encontramos pistas sobre como as redes sociais
digitais poderiam colaborar para a constituição normativa de ágoras virtuais, num
“modelo comunicativo de política deliberativa”:

O modelo comunicativo de política deliberativa que desejo apresentar


enfatiza duas condições críticas: a comunicação política mediada na esfera
pública pode facilitar processos de legitimação deliberativa em sociedades
complexas somente se um sistema mediático auto-regulador adquire
independência com relação a seu ambiente social, e se audiências anônimas
garantem um feedback entre o discurso informado da elite e uma sociedade
civil responsiva. (HABERMAS, 2008, p. 10)

Ainda sobre o uso do Facebook, uma notícia de 2011 7 já indicava a ampliação


de seu uso no Brasil, mesmo que no cenário americano fosse diferente. Para
exemplificar as conversações em Grupos no Facebook podemos mencionar as
manifestações da sociedade civil acerca do Ato Médico, a Wikipedia 8e o site da Casa
Civil9 apresentam informações sobre o tema.
Em suma, o Ato Médico é uma Lei que rege o “exercício da medicina” e vem
sendo debatido desde 2002 quando se tornou Projeto de Lei. Por conta da ampliação dos
tratamentos e quantidades de profissionais de novas áreas, o projeto de lei precisou ser
revisto.
Em 2013, a militância em torno da aprovação de algumas especificidades da Lei
foi muito intensa. Em 7 de Junho de 2013 a Lei do Ato Médico passou pelo Senado e
em Julho a lei foi sancionada, com vetos, pela presidenta Dilma Roussef.
As conversas, compostas por processos deliberativos que articulavam
planejamento de ações e manifestações de rua, idas à Brasília, bem como outras
atividades, foram intensas em 2013, em grupos do Facebook. Atualmente, ainda
existem, na rede social digital, monitorados pela pesquisadora do presente artigo, pelo
menos 3 grandes Grupos sobre o Ato Médico. Um Grupo aberto com 3.210 perfis
chamado: “PROFISSIONAIS DA SAUDE: DIGA NÃO AO ATO MÉDICO”, um
Grupo fechado chamado “Ato Médico não ! Agora é manifestação” com 2.774 perfis, e
um Grupo secreto com cerca de 32 mil perfis.
Outro exemplo é um grupo aberto de profissionais de relações públicas, que
contava, em Outubro de 2015, com cerca de 14 mil perfis, e cujas regras de moderação
constam no mural do próprio grupo, conforme pode ser observado abaixo:

Figura 1

7
Disponível em: http://tecnoblog.net/67893/trafego-facebook-eua-brasil/ Acesso em Outubro de 2015.
8
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ato_m%C3%A9dico . Acesso em Outubro de 2015.
9
Disponível em: http://www.casacivil.gov.br/noticias/2013/07/sancionada-lei-que-regulamenta-atividade-medica-no-
pais-ato-medico. Acesso em Outubro de 2015.
Outra categoria profissional que se apropriou de Grupos de Facebook foram
docentes de educação básica pública. Em artigo recente, Caetano (2015) apresenta
dados sobre apropriação e uso da ferramenta Grupo, por parte de trabalhadoras e
trabalhadores da educação pública básica, bem como o silenciamento generalizado dos
perfis acerca de pautas rejeitadas pela comunidade virtual.
Ferreira traz aporte significativo sobre a abordagem comunicacional para
estudos de processos deliberativos, e propõe:

compreender o conceito de participação (...) na perspectiva da deliberação


online, implica que se ultrapasse a lógica dos procedimentos e se tome em
conta uma abordagem comunicacional no âmbito da teoria deliberativa que
não se reduza a simples apreciação quantitativa de trocas argumentativas.
Para além disso, importa observar as situações em que essas trocas se
produzem, na medida em que uma análise dos procedimentos deliberativos
não pode ser dissociada das condições (culturais, econômicas, politicas)
preexistentes nos indivíduos e nos grupos. Como é sabido, deliberação é
sobretudo uma prática de intercompreensão em que indivíduos e grupos
definem problemas, negociam interesses, procuram soluções que se adequem
a determinada comunidade, reivindicam direitos e conquistam um estatuto,
politicamente valorizado e reconhecido. (FERREIRA, 2011, p. 55)
De outra maneira, as pesquisas científicas precisam ir além das análises
linguísticas per se dos comentários dentro de posts, e observar quais decisões finais
convertem-se em ação política e impactam na elaboração e aplicação de políticas
públicas.
Entretanto, para além dos aspectos positivos da deliberação pública em redes
sociais digitais, é importante notar que, como espaço de extensão para as conversações,
elas também apresentam aspectos negativos no que se refere ao uso e conteúdo. Em
matéria jornalística sobre grupos que promovem, por exemplo, intolerância, as redes
sociais digitais são mencionadas como ferramenta10 de propagação de ódio.
Há também estudos que indicam a utilização de estratégias agressivas, em
processos eleitorais, estruturadas por associações humanas fraudadas, como em
Zanqueta11 (2011). A autora relata vários casos de ações fraudulentas, por meio do
astroturfing12 dentro e fora do Brasil.
O argumento para a utilização do astroturfing para a tomada de poder seria
implantação de políticas públicas ou do bem comum a partir da ideia de que o ápice da
democracia seria a eleição. De alguma maneira, os fins justificariam os meios para os
grupos organizados que se disporiam a promover astroturfing.
Outra problemática para o uso das redes sociais digitais seria a intervenção do
Estado tentando inviabilizar os Grupos como ágoras digitais. Machado e Moretto
apontam que “entre 2013 e 2014, o Facebook recebeu mais de 4 mil requisições legais
de informações pessoais”. (MACHADO e MORETTO, 2015, p. 127).
Em relatório produzido por Blotta e Conrado 13 dados demonstram que entre
2010 e 2013 “o crescimento do número de processos contra o Facebook” foi
impressionante. (BLOTTA e CONRADO, 2015, p. 8)
Entretanto, para além de uma disposição da ação voltada à violência discursiva,
em processos eleitorais, grupos fascistas, ou fraudes de quaisquer naturezas, partiremos

10
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150804_grupos_intolerancia_lk . Acesso em
Outubro de 2015.
11
http://docslide.com.br/documents/astroturfing-e-o-uso-das-midias-sociais-conectadas-nas-eleicoes-presidenciais-
de-2010.html
12
Sobre o termo astroturfing de maneira genérica: https://pt.wikipedia.org/wiki/Astroturfing . Acesso em Outubro
de 2015.
13
Disponível em : https://www.academia.edu/16711497/Mapeando_a_Vigil
%C3%A2ncia_Corporativa_na_Internet_Brasileira_privacidade_e_transpar%C3%AAncia_no_Google_e_Facebook .
Acesso em Outubro de2015.
do pressuposto de que a natureza primordial de usos e discursos da internet e de suas
ferramentas é, sobremaneira, o bem comum.
Nesse sentido, quando a academia se debruça apenas sobre práticas de controle e
perspectivas de violência, referenda processos censórios que cerceiam as vozes das
periferias discursivas, como a de classes de trabalhadoras e trabalhadores.
A produção de conhecimento científico deve ser plural, portanto, seria
significativa a busca e reafirmação da necessidade de mudanças paradigmáticas nos
estudos acadêmicos e nos métodos e técnicas de coletas de dados, bem como na
orientação de análises e reflexões, no sentido de observar as vozes que não ecoam na
grande mídia, e fizeram das redes sociais digitais espaços públicos que, por vezes,
delineiam ágoras digitais.

Epistemologias na contemporaneidade: perspectivas

A preponderância da observação da violência simbólica na escolha das


perspectivas de pesquisas acadêmicas poderia ser explicada por um “androcentrismo”.
Silveirinha esclarece que o feminismo poderia contribuir para a produção acadêmica de
excelência, em propostas epistemológicas diferenciadas:

sobretudo na década de 1980 que encontramos as bases mais duradouras


para diversas frentes de questionamento feminista da ciência e da tecnologia,
que se desenvolveria nas décadas seguintes: na sociologia da ciência,
prestando atenção particular a factores que contribuem para a sub-
representação das mulheres nos postos da ciência; a crítica do
androcentrismo na investigação, problemas, métodos, e teorias científicas; e
o desenvolvimento de alternativas teóricas e metodológicas informadas pelo
conhecimento feminista (...) para além da excepcionalidade de algumas
mulheres arredadas da história (...) As questões sobre a participação
equitativa das mulheres neste campo abriram também análises de questões
de objetividade, racionalidade, pureza e autenticidade na ciência. A questão
dos binarismos prevalecentes no discurso científico – racional/irracional,
objetivo/subjectivo, ciência/natureza, pura/construída – que refletiam o
pensamento contemporâneo, foram outra base essencial dos primeiros
trabalhos feministas no campo. (SILVEIRINHA, 2011, p. 69)

O que se propõe não é enviesamento de qualquer natureza, na produção de


conhecimento cientifico estruturado, seja ideológico, seja a partir de outro estatuto
binário qualquer, mas ao contrário, a superação do estabelecimento do viés binário, no
desenho metodológico, nas análises dos dados coletados, reflexões e explicações sobre
os fenômenos observados, que transitem além do positivo e do negativo, superação
pautada nas conversas entre pares - e não na censura entre eles - sobre assuntos que lhes
toquem em primeira instância, para que suas vozes sejam ouvidas e políticas públicas
atendam demandas e anseios de curto, médio e longo prazo.
Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos 14, na configuração de
epistemologias necessárias à produção de conhecimento na contemporaneidade, a
oralidade e o feminismo podem ser elementos que caracterizem trabalhos científicos
que façam sentido as demandas políticas, econômicas, sociais e culturais do século XXI.
Uma abordagem que articule processos deliberativos e processos censórios
poderia trazer perspectivas superação da divisão sujeito-objeto, apontada por Santos
como um dos elementos-chave para o embate a caminho da justiça social. Para o
sociólogo:

as epistemologias do sul são uma proposta (...) as primeiras formulações


dessas propostas são de 1995 (...) como se conhece à partir das perspectivas
do sul, as epistemologias do sul são um conjunto de práticas cognitivas e de
critérios de validação do conhecimento a partir das experiências dos grupos
sociais que têm sofrido de uma maneira sistemática as injustiças do
capitalismo, colonialismo e do patriarcado. Portanto, é a partir desse
sofrimento, desses sofrimentos sistemático, que não têm uma cara, tem
várias caras, que fazemos uma proposta alternativa do ponto de vista
epistemológico, porque cremos que o problema contemporâneo, quer do
norte quer do sul, não é apenas um problema social, é político, é também um
problema cultural, obviamente, mas é também epistemológico, é um
problema de conhecimento, nós não temos hoje conhecimentos suficientes
ou adequados para lutarmos de uma maneira vigorosa e eficaz por uma
justiça social global, e portanto, não há justiça social global, sem justiça
cognitiva global. A maneira como nós, os nossos modos dominantes de saber
e de conhecer hoje, que existem, cegam-nos para questões que são
importantes (...) e impedem-nos de ver (...) impedem-nos mesmo de pensar .
(SANTOS, 2012, transcrição da autora)

Outro autor que indica o feminismo como marca epistemológica da


contemporaneidade é Miguel:

o conhecimento feminista seria marcado pela valorização da experiência


vivida dos sujeitos sociais, em vez de esquemas abstratos (...) julga-se que a
experiência feminina, assim como de outros grupos marginalizados,
possuiria um privilégio epistêmico, sendo mais capaz de apreender as
estruturas de opressão e dominação. As críticas à objetividade, à
imparcialidade e ao conhecimento desinteressado estão na raiz de

14
Seminários Avançados: “Globalização Alternativas e a Reinvenção da Emancipação Social” – Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra – Março de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=ErVGiIUQHjM Acesso em Setembro de 2015.
importantes contribuições da teoria feminista, inclusive da teoria política
feminista. (MIGUEL, 2014, p. 26)

Tanto Santos (2012) quanto Miguel (2014), levantam a questão da necessidade


de superação de sujeito-objeto, tão cara à ciência moderna.

Outro apontamento metodológico sobre pesquisas em redes sociais digitais com


foco na comunicação intersubjetiva e na relação entre processos deliberativos e
processos censórios com vistas ao empoderamento cidadão e à participação na vida
cívica seria a Análise da Conversação, tomada como um instrumento adequado para
coleta e análise de dados. Conforme nos lembra Recuero:

A Análise da Conversação (AC) tem suas origens nas décadas de 60 e 70,


quando preocupava-se essencialmente com a estrutura das conversações
(Marcuschi, 2006, p.6). Nasce originária dos estudos da Etnometodologia e
da Antropologia. Kerbrat-Orecchioni (2006) salienta que a perspectiva da
AC, atualmente, é voltada para a descrição das interações verbais, e que se
constrói enquanto perspectiva transdisciplinar, uma vez que se constrói a
partir dos enfoques psicológico e psiquiátrico, etno-sociológico, lingüístico e
filosófico (que também é apontada por Koch, 2007). (RECUERO, 2008, p.
1)

Para a autora, por conta da possibilidade de participação assíncrona, e por terem


a escrita como ferramenta de mediação, as redes sociais digitais simulam a conversa
face-a-face de maneira muito próxima. Em artigo de 2009, Silva descreve itens de
organização de uma “fala-em-interação”, cuja figuração é semelhante a estrutura
organizativa das postagens e comentários em Grupos de Facebook:

(1) A troca de falante se repete, ou pelo menos ocorre.


(2) Na grande maioria dos casos, fala um de cada vez.
(3) Ocorrências de mais de um falante por sua vez, são comuns, mas breves.
(4) Transcrições (de um turno para o próximo) sem intervalos e sem
sobreposições são comuns. Junto com as transcrições caracterizadas por
breves intervalos ou ligeiras sobreposições, elas perfazem a grande maioria
das transições.
(5) A ordem dos turnos não é fixa.
(6) O tamanho dos turnos não é fixo, mas variável.
(7) A extensão da conversa não é previamente especificada.
(8) O que cada um diz não é previamente especificado.
(9) A distribuição relativa dos turnos não é previamente especificada.
(10) O número de participantes pode variar.
(SACKS;SCHEGLOFF;JEFFERSON, 2003/1974). (SILVA, 2009, p. 3)
As pesquisas sobre o uso de redes sociais digitais são um campo vasto na
medida em que a humanidade está cada vez mais digitalmente conectada e internaliza a
ação e conexão como prática cotidiana. Para quem estuda deliberação online, tanto na
ciência da comunicação como na ciência política, conhecer parte da vasta literatura em
Análise da Conversação, ou Análise da Conversa, como estudos recentes a nomeiam,
pode proporcionar um instrumental teórico e metodológico orientado a ampliar uma
sistematização mais estruturada.

Considerações Finais

A intensificação do uso de redes sociais digitais remonta a um espaço temporal


mais amplo: a disseminação das novas tecnologias pelo fomento estatal ao mercado da
informação, embasado numa política econômica que objetivou o acesso ao crédito e ao
barateamento de bens de consumo, tais como computadores e celulares.

As redes sociais digitais estão sendo usadas por grande parte da população
mundial há pelo menos 10 anos. As pessoas têm conversado, mantido relacionamentos
de todas as naturezas, feito negócios, trabalhado colaborativamente e de maneira
intensa, por meio das redes sociais digitais. A vida online parece não ser mais um
pedaço da vida cotidiana, mas estar integrada a ela.
A epistemologia estruturante da pesquisa acadêmica nas ciências humanas e
ciências sociais aplicadas não pode continuar tão distante da vida online - sob o discurso
da neutralidade ou da obrigatoriedade de carregar a marca do distanciamento - como
premissa inicial na produção do conhecimento científico. A sociedade estará cada vez
mais próxima da observação dos destinos e resultados da aplicação do orçamento
público, inclusive daquele destinado à produção de conhecimento científico.
O método científico será mais e mais questionado conforme as comunidades se
apropriem das reflexões sobre quão são importantes e significativas as pesquisas
científicas. As fronteiras entre produção e apropriação de conhecimento dentro da
universidade e fora dela serão um dos grandes desafios do século XXI, e as redes sociais
digitais estarão no centro dessas discussões, como ferramenta técnica para as
conversações ou como objeto de pesquisa, para o empoderamento social ou para o seu
controle, já que a história humana é testemunha da natureza dúbia do resultado da
aplicação de conhecimento científico acumulado.

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O jornalista-intelectual em Antônio Callado: a concepção de uma narrativa de
ideologia e de enfrentamento nas reportagens de Vietnã do Norte1

Lilian Juliana Martins2

Resumo: Antônio Callado é reconhecidamente um dos maiores escritores brasileiros do


século XX. O autor tem figurado nos manuais de literatura brasileira com o autor de
Quarup e Reflexos de Baile. Mas tal destaque fica muito longe do que o autor produziu
no campo jornalístico. Enquanto os estudos literários colocam-no em uma estante de
obras indispensáveis, os estudos de jornalismo não contemplam o que ele produziu
como repórter. Ao analisar a série de reportagens "Vietnã do Norte: o outro lado da
guerra", este artigo apresenta uma amostra do que Callado produziu como repórter. O
escritor-jornalista já era referenciado como intelectual de esquerda quando foi enviado
para o Vietnã para cobrir a guerra por uma perspectiva diferente da versão dominante
que chegava pelas agências internacionais. A resistência dos vietcongues, organizados
por ideais comunistas, feministas e educacionais, ganharam a atenção de Callado e as
páginas de um dos principais jornais brasileiros da época. As reportagens foram
publicada no Jornal do Brasil, em outubro de 1968 e, posteriormente, no livro, com o
sugestivo nome, "Vietnã do Norte: advertência aos agressores". Ao contar o que viu no
Vietnã, Callado apresenta um guia de resistência à Ditadura no Brasil. Para a análise
dessa perspectiva ideológica na obra de Callado, este artigo está fundamentado nos
estudos de Mark Deuze (2005) e Fábio Pereira (2009). Suas produções dialogam aqui
com Fausto Neto (2007) quanto às marcas da autorreferencialidade na narrativa
jornalística que não esconde a subjetividade e, como no caso de Callado, a ideologia de
quem a conduz.

Palavras-chave: Antônio Callado; Reportagem; Ideologia; Autorreferencialidade,


Guerra do Vietnã.

O endurecimento da Ditadura Militar no Brasil batia à porta quando o jornalista


Antônio Callado apresentou seu passaporte no bombardeado Vietnã do Norte.
Correspondente do Jornal do Brasil à época, Callado chegava à região vietnamita em
1968 para contar como uma população quase miserável, contrariando qualquer
expectativa, expulsou a França de seu território em 1954 e estava resistindo à incisão
ostensiva dos Estados Unidos.

1 Este trabalho é um desdobramento do projeto de pesquisa de Doutorado do programa de pós-graduação


em Comunicação da Universidade Estadual Paulista de Bauru, na linha de pesquisa "Produção de Sentido
na Comunicação Midiática", com orientação do Prof. Dr. Marcelo Magalhães Bulhões. Em
desenvolvimento, a tese tem como foco o estudo da produção jornalística de Antônio Callado.

2 Doutoranda do programa de Comunicação Midiática da Unesp de Bauru, Lilian é jornalista e professora


dos cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Rádio e TV da mesma universidade.
O conflito armado que o jornalista brasileiro queria presenciar ocorria no Sudeste
Asiático. Desde 1955, a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte) e a Frente
Nacional para Libertação do Vietname (FLV) combatiam as investidas armamentistas da
República do Vietnã (Vietnã do Sul). Em 1965, ao perceberem que o Vietnã do Sul não
conseguiria debelar o movimento de nacionalistas e comunistas no norte, os EUA
enviaram suas tropas. O que os norte-americanos não imaginavam é que, apesar de todo
seu poderio militar, seus ataques sucumbiam à estratégia de resistência dos vietnamitas
do norte.
Callado queria entender essa luta entre Davi e Golias de seu tempo. Suas
indagações estão lá na abertura de sua reportagem: "Como conseguiram os vietnamitas
derrotar completamente uma grande potência da Europa Ocidental, a França, em 1954, e
como conseguiram levar os americanos à mesa de conferência, em Paris, em 1968?"
(CALLADO, 1977, p.15). Para chegar ao Vietnã do Norte e tentar responder essas
perguntas, o jornalista empreendeu uma negociação diplomática que durou meses. Só
com muita insistência, Callado conseguiu ser o primeiro jornalista da América Latina a
alcançar esse feito.
Por que tanta vontade de atravessar o mundo para trazer informações de um
conflito que já estava sendo coberto maciçamente por agências internacionais? Tamanha
obstinação parece estar fincada na busca da realização de uma reportagem balizada
pelos ideais de Callado sobre jornalismo.
Este trabalho pretende analisar essa motivação de Callado para a realização de sua
reportagem sobre o Vietnã do Norte. A discussão sobre a noção de ideologia
ocupacional dos jornalistas, apresentada por Mark Deuze (2005), e a concepção do
jornalista-intelectual, demarcado nos estudos de Fábio Pereira (2009) contribuirão para
compreensão do entendimento de Callado sobre a produção jornalística.
As páginas que seguem tentam localizar também características da produção
jornalística de um escritor-jornalista referenciado, quase que exclusivamente, por sua
obra literária. Aqui, colocamos luz a sua experiência jornalística na tentativa que ela
seja um objeto fecundo para a investigação e para a prática da reportagem.

Passaporte ideologia
As definições sobre jornalismo estão fundadas em diferentes bases: jornalismo é
uma profissão, uma indústria, um gênero literário, uma cultura, um complexo sistema
social. Para Mark Deuze (2005), no entanto, jornalismo é, antes de tudo, ideologia. Para
tangenciarmos a motivação de caráter ideológico em Callado, Deuze (2005) coloca luz à
análise na medida em que entende o jornalismo como uma ideologia ocupacional.
A ideologia é entendida pelo teórico com um processo intelectual em que a soma
das ideias de um grupo, sobretudo quanto às questões sociais e políticas, ganha forma.
"A definição é escolhida aqui não em termos de luta, mas como um conjunto de valores,
estratégias e códigos formais que caracterizam o jornalismo profissional e são
compartilhados amplamente por seus membros" (DEUZE, 2005, p. 445)3. Ética,
autonomia, credibilidade, imediatismo e interesse público se apresentam como valores,
elencados por Deuze, como constituintes da concepção ideológica do jornalismo que
são compartilhados por seus profissionais.
Essa ideologia do jornalismo, que funda o ideal identitário do jornalista, está
também na motivação que leva o repórter ao Vietnã do Norte. Ao ver no jornalismo o
espaço para a discussão sobre temas políticos e sociais de sua época, Callado emprega
de sentido sua viagem para a cobertura da Guerra do Vietnã. Sua ideologia de jornalista
dá validade e sentido ao seu trabalho.
O posicionamento sobre a necessidade de envolver-se nas questões de seu tempo,
que leva Callado ao Vietnã do Norte, dialoga com a concepção do que seria um
jornalista-intelectual, discutida por Fábio Pereira (2011).

Entendemos como jornalistas-intelectuais os indivíduos que dividem a


vida entre a prática nas redações e outras atividades intelectuais, como
a produção de obras artísticas e literárias, o pensar crítico sobre o
mundo e o engajamento em questões políticas e sociais". (PEREIRA,
2011, p.17).

O engajamento de Callado está presente na sua produção literária mas também na


reportagem sobre o Vietnã do Norte. Seu envolvimento com os temas em que se
debruça denota a busca por uma nova percepção para a realidade social e política do
Brasil da década de 1960. Sobre essa postura de entrelaçamento aos problemas do país,
Callado diz à Lígia Chiappini, em entrevista, como se dá a produção de sua escrita,
principalmente literária, mas também jornalística:

3 Tradução livre do trecho: "(...) the term is chosen here not in terms of a struggle, but as a collection of
values, strategies and formal codes characterizing professional journalism and shared most widely by its
members". (DEUZE, 2005, p. 445).
Acho que o escritor deve fazer exatamente aquilo que ele deseja fazer.
Se a ideia é fazer poesias herméticas, teatro do gênero Ionesco, acho
perfeito. Muito pior é ele querer se fazer de outro tipo de escritor, que
ele não é. Agora eu acho que um intelectual, sobretudo num país como
o Brasil, não tem o direito de se eximir como pessoa, e como
intelectual, de opinar sobre a situação do país. (CHIAPPINI, 1984,
p.152)

O jornalista-intelectual que faz uso de seu repertório na tomada de decisões de


suas produções também é referenciado por Deuze na definição sobre a ideologia
ocupacional da profissão. Deuze cita Schudson (2001) para dizer que a ideologia do
jornalista está atrelada ao conhecimento cultural profundamente enraizado na
consciência do comunicador. É a partir desses valores que definem a identidade do
jornalista que se realizam a categorização das informações e a produção dos materiais
noticiosos. Quanto ao repertório cultural de Callado, faz-se necessário dizer que sua
produção jornalística dialoga, evidentemente, com sua criação literária.
A década de 1960 dá sequência aos anos anteriores em que, segundo Marcos
Martinelli (2006), pesquisador dedicado à produção de Callado, aparece com todo vigor
os projetos de uma cultura-nacional-popular capaz de construir unidade social,
identidade cultural e, simultaneamente, a ideia de legitimidade dessa cultura. Callado
fez desse contexto matéria-prima de suas narrativas.
Sua produção ficcional tem como tema transversal a busca de uma identidade
nacional que tivesse os dois pés fincados na cultura e nas organizações populares. É
dessa constatação que é possível observar também sua motivação ideológica no
jornalismo. Quarup - sua obra ficcional mais conhecida e referenciada por trazer como
tema a ideia de uma revolução brasileira 4 identificada com a história de colonização e
exploração do país - foi lançada em 1967, um ano antes de sua partida ao Vietnã.
Daniel Pécault explica que os intelectuais brasileiros, como Callado,
"manifestaram a convicção de que lhes competia uma responsabilidade essencial na
construção da nação" (PÉCAULT, 1990, p. 14). Segundo o autor, os intelectuais, de
forma geral, manifestavam a urgência de um "projeto" nacional. Eles seriam os únicos,
ao além de alguns poucos políticos, capazes de formar uma camada social com vocação
necessária para encaminhar a nação ao encontro de si mesma. (PÉCAULT, 1990).

4 A definição de que a história em Quarup apresentaria a ideia do que seria uma revolução brasileira foi
feita por Ferreira Gullar ao comentar a 23ª edição do livro, publicada em 2014, pela editora José
Olympio.
Especificamente, a geração de intelectuais de Callado indica a combinação
indissociável entre povo e nação como a verdadeira garantia da unidade nacional. "Não
se trata mais de assegurar a coesão interna da nação mas de defender interesses das
ameaças externas do imperialismo" (Daniel Pécault, 1990, p. 15). Como intérpretes da
massas populares, os intelectuais asseguravam sua legitimidade. O papel político se
tornava insubstituível:

(...) de um lado, têm a missão de ajudar o povo a tomar consciência de


sua vocação revolucionária; de outro, cabe-lhes demonstrar, enquanto
ideólogos, que o desenvolvimento econômico, a emancipação das
classes populares e a independência nacional são três aspectos de um
mesmo processo de libertação, ou seja, de um mesmo "projeto".
(PÉCAULT, 1990, p. 14).

A mudança não viria mais "de cima". A revolução idealizada passa, para esses
intelectuais, pela mobilização e ação das classes populares. Esse eixo ideológico, que
conduz a narrativa de Quarup, também pode ser percebida na produção jornalística de
Callado. Ao dialogar sobre essa relação que Callado estabeleceu entre o jornalismo, seu
ganha pão, e a literatura, a qual se dedicou exclusivamente a partir de 1975, Davi
Arrigucci Jr cita Jacques Lacan5 e explica como os campos se fundem na construção de
uma ou outra narrativa.

Eu estava procurando entender as projeções da forma de trabalho no


interior da própria escrita. Antes, Callado era obrigado a se dedicar a
ambas as coisas - jornal e literatura. Passavam elementos do trabalho
jornalístico para o universo literário, porque a experiência do escritor
é muito complexa. Nunca se está barrando exatamente o que entra, o
que não entra... O sujeito faz uma coisa brincando e aquilo é que entra
na experiência do escritor. De antemão, não se sabe o que vai entrar
ou não. Talvez aqui coubesse citar Lacan: a gente pensa onde não está
e, portanto, está onde não pensa. Nunca se sabe bem até onde vai, até
onde não vai... tem muito do inconsciente. Quando Callado era
jornalista mesmo, tenho a impressão de que muita coisa passou de um
campo a outro; olhando de fora e tentando entender, vê que passou".
(ARRIGUCCI JR, 1987, p.118).

Produção jornalística e ficcional, portanto, se fundem no desenvolvimento da


produção intelectual e ideológica de Callado. Como um guia, a reportagem sobre Vietnã

5 O fundamento da psicanálise de Lacan, que retoma os estudos freudianos, reside na demarcação do


inconsciente por meio da linguagem. É pela linguagem que, segundo Lacan, o inconsciente se estrutura e
se manifesta. Ao mencionar Lacan, Arrigucci Jr, tenta, ao nosso ver, esboçar um entendimento de como a
escrita de Callado - seja no jornalismo, seja na literatura - manifesta seu inconsciente.
do Norte parece indicar orientações, já presentes em Quarup, para uma postura de
enfrentamento às ditaduras militares que se instauraram nos países latino-americanos.
Não à toa, o livro que reúne a grande reportagem em questão, publicado em 1969 pela
editora Civilização Brasileira, tem como título "Vietnã do Norte. Advertência aos
Agressores".
Os estudos de Boaventura de Sousa Santos (1995) sobre a construção
multicultural da igualdade e da diferença, apesar de serem bastante posteriores à
reportagem sobre Vietnã do Norte de Callado, podem colocar luz à compreensão da
intenção ideológica perceptível na produção. Ao introduzir a importância do
desenvolvimento de epistemologias do sul6, Boaventura apresenta a necessidade de
entendimento do mundo para além da compreensão ocidental e a partir da percepção
dos movimentos de resistência.
Para superação de uma "injustiça cognitiva", para Boaventura, é fundamental a
descoberta e o registro de diferentes tipos de conhecimentos desenvolvidos pelas
práticas de grupos sociais que sofreram de maneira sistemática opressão, destruição e
discriminação causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e por todas as formas de
naturalização de desigualdade. Nessa perspectiva, Brasil e Vietnã do Norte, apesar de
todas suas peculiaridades, se igualam. Não à toa, Callado em sua reportagem familiariza
o território vietnamita às terras brasileiras.

Foi na localidade de Hoang Hoá, província de Thanh Hoá. A natureza,


aqui, era inquietantemente brasileira. E as crianças da roça, que
cumprimentam a gente e chamam de Tio, usam no início da frase o
saudar vietnamita, que se escreve e se pronuncia Chao: como se fosse
o ciao italiano e tão brasileiro. Em torno, as plantações de mandioca e
batata doce, com bananeiras e carro de boi ao longe. Íamos andando
por uma picada sinuosa, interminável, ao sol. (CALLADO, 1977,
p.24)

6 Boaventura de Sousa Santos, um dos fundadores do Fórum Social Mundial, sublinha que o "sul" da sua
proposta epistemológica não está associado apenas aos países localizados ao sul geográfico mas a todos
os grupos presentes em territórios que sofreram com os processos destrutivos da colonização. Os ideais
que envolve o Fórum são essenciais nos seus estudos da globalização contra-hegemônica e também na
promoção da luta pela justiça cognitiva global que fundamenta o conceito de Epistemologias do Sul.
Explica Boaventura: "As Epistemologias do Sul são a reivindicação de novos processos de produção, de
valorização de conhecimentos válidos, científicos e não científicos, e de novas relações entre diferentes
tipos de conhecimentos, a partir das práticas das classes e grupos sociais que sofrem, de maneira
sistemática, destruição, opressão e descriminação causados pelo capitalismo, o colonialismo e todas as
naturalizações de desigualdade em que se desdobraram". (BOAVENTURA, p. 16).
Além da comparação com o Brasil, Callado escolhe fundamentar seu registro da
resistência a partir do empoderamento da mulher vietnamita. A primeira personagem do
livro é Nguyen Thi Hang, um jovem de 24 anos, "uma veterana em derrubar avião e
prender piloto", segundo Callado. As mulheres, personagens heroicos, além de
percorrerem toda a reportagem, são o eixo para a condução da narrativa.
A capa da primeira edição do livro da reportagem, publicado pela Civilização
Brasileira, mostra essa intenção representativa de Callado. O contraste das alturas entre
a jovem vietcongue e seu piloto norte-americano aprisionado é metafórico sobre o que
Callado e a Civilização Brasileira quer mostrar com a reportagem sobre a Guerra do
Vietnã: o olhar cuidadoso sobre o outro, sobre o desconhecido, a partir de uma
perspectiva distinta capaz de apresentar um "projeto" de revolução possível.

Figura 1. Capa da primeira edição de "Vietnã do Norte. Advertência aos Agressores", publicado pela
Civilização Brasileira, em 1969. A jovem vietcongue segura o fuzil ao lado de um piloto norte-americano
capturado.7

As reportagens do jornalista dialogam, portanto, com Boaventura quanto à


concepção do que seria um intelectual engajado na busca de novos conhecimentos e
experiências concebidos por grupos de resistência e minorias, como as mulheres.

7 CALLADO, Antônio. Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1969.
Para Boaventura, o desenvolvimento de qualquer teoria, de qualquer
desenvolvimento de novo conhecimento, exige um mergulho na prática. O intelectual
precisar estar no terreno em que estão os movimentos e às manifestações. Callado vai
até o lugar dos vietnamitas, imerge nesse cotidiano de resistência e, a partir de sua
ideologia para a busca de alternativas de enfrentamento, apresenta pra seus leitores uma
nova forma de compreensão da realidade.
Ao aparecer na capa de seu livro ao lado de uma mulher vietnamita, Callado dá a
primeira pista ao leitor sobre o que virá nas páginas que seguem: a história da
resistência do Vietnã do Norte contada a partir do seu ponto de vista assumido durante
todo o percurso da reportagem.

Enfrentamento via narrativa marcada pela subjetividade


Contestar as informações oficiais das agências internacionais demarca a segunda
motivação que parece ter conduzido Callado ao Vietnã do Norte: o enfrentamento à
percepção única de uma realidade. O jornalista sabia que havia muito mais a conhecer
do que as fontes internacionais repassavam às mídias que compravam suas versões. Sua
narrativa, respaldada pela autorreferencialidade8, dá uma chave de percepção importante
ao leitor: o relato sobre o Vietnã do Norte de Callado é um testemunho pessoal, assim
como é qualquer forma de relato jornalístico, mesmo aqueles se camuflam sob o
conceitos de imparcialidade e objetividade.
Além da descrição detalhada sobre os cenários e os personagens que encontrou,
Callado coloca-se na narrativa. As marcas de autorreferencialidade se apresentam em
cada página da reportagem e colaboram para o entendimento daquilo que o jornalista
pretende apresentar. O trecho a seguir exemplifica as marcas autorreferenciais de
Callado no texto:

Diante de mim sentou-se um administrador local, da nacionalidade


Muong. Perguntei-lhe por que estavam tão viçosas as lavouras numa
província tão castigada pelos franceses até 1954, e pelos americanos, a
partir de 1964. Ele bate a cabeça, fita pensativo, no terreiro da aldeia,
o sino que convoca os habitantes para reuniões ou repica o alarme
antiaéreo. O sino é a parte superior de uma bomba que não explodiu.

Indago se é uma bomba americana e meu intérprete de todos os


momentos traduz:

8 A autorreferencialidade caracteriza-se pelo recurso de se referenciar na construção da narrativa. No


estudo em questão, Callado apresenta-se na reportagem ao fazer seu relato na primeira pessoa.
- Sim, mas jogada pelos franceses no tempo de Dien Bien Phu. Bomba
de auxílio americano.

Estou diante dele, sentado no chão, meu livro de apontamentos


aberto.Ele tira do bolso com orgulho um livro de apontamentos.

- Nós éramos, aqui, analfabetos 99 por cento. Eu também era. Quem


sabia ler lia vietnamita porque nossa língua não tinha nem escrita.
Agora você pode parar na estrada e perguntar que todo mundo sabe
ler. E temos nossa escrita também. (CALLADO, 1977, p.17).

As escolhas discursivas de Callado revelam seu conhecimento sobre os caminhos


para a produção de sentidos de uma narrativa jornalística. No trecho assinalado, Callado
não só se coloca no texto - "Diante de mim sentou-se", "Perguntei-lhe por que", "Indago
se é uma bomba", "Estou diante dele" - como também utiliza outras marcas de
autorreferencialidade para ampliar a percepção do leitor sobre o que está sendo narrado.
Contar que está com seu livro de apontamentos aberto é revelador como símbolo do que
narra a seguir: "Ele tira do bolso com orgulho um livro de apontamentos". O objeto
comum aos dois iguala entrevistador e entrevistado e responde como ícone potencial a
pergunta de Callado sobre o motivo pelo qual as lavouras, apesar da guerra, estão
viçosas: elas são resultado do grande esforço nacional em levar a educação a todas as
camadas da população e, em consequência disso, a conquista do aprimoramento das
práticas de plantio.
Antônio Fausto Neto (2007), em seu artigo ‘Enunciação, autorreferencialidade e
incompletude’9, sugere que leituras como essa só são possíveis de acordo com a forma
com que o jornalista decide operar sua narrativa. Duas perspectivas são assinaladas
como possíveis escolhas para o jornalista:

De um lado, a linguagem enquanto dimensão 'instrumental', e que


segundo nosso ponto de vista, continua guiando a postura jornalística
sobre a concepção de prática discursiva. De outro, a perspectiva
'construcionista', que ao definir linguagem de um ponto de vista
analítico, enfatiza a importância de seu papel constituinte como
elemento vital para construir as operações enunciativas que vão
engendrar as manifestações discursivas. (FAUSTO NETO, 2007,
p.78).
9 Os estudos de Antônio Fausto Neto, assim como os de Eloísa Joseana da Cunha Klein, que será
referenciada em seguida, tratam especialmente da autorreferencialidade nas reportagens televisivas. Em
tais estudos, o programa "Profissão Repórter" da Rede Globo é o principal exemplo. Apesar dessa
especificidade, tais análises, que consideram o as estruturas formais e tradicionais do fazer jornalístico,
abrem espaço para uma dimensão analítica que também se aplica em reportagens impressas.
Para melhor compreensão sobre a perspectiva da dimensão "instrumental", explica
o autor, a linguagem estaria apenas a serviço do "ato de fala", independente das
injunções que determinaram sua constituição10. Por tal perspectiva, o processo produtivo
de uma reportagem é naturalizado e objetivado. Não considera os caminhos subjetivos
pelo qual passa a captação, a edição e a feitura do material jornalístico. Coloca-se, na
contramão, a dimensão "construcionista" como aquela que entende o sujeito falante da
enunciação jornalística imerso em complexas relações para operação da linguagem.
Por essa segunda noção sobre a utilização da linguagem, a produção jornalística
de Antônio Callado poderia ser localizada. Suas marcas autorreferenciais contrariam a
noção de objetividade apresentada pela escolha instrumental. Fausto Neto (2007)
lembra que operações do repórter não se fazem no vazio. Elas se acoplam e
subordinam-se a complexas situações do aparelho da enunciação que, enquanto
dispositivo, podem ser entendidas como a marcação da subjetividade na estrutura da
língua. Além disso, estabelecendo possibilidades para que os leitores percebam o
processo produtivo pelo qual passou a reportagem, seria possível, segundo o autor,
transformá-los em "cosujeitos" do ato discursivo.
Eloísa Joseana da Cunha Klein (2013) assinala de que forma a
autorreferencialidade contribui para ampliar as leituras possíveis a partir de uma única
pauta.
Entendemos que, ao tratar do que "se fez para fazer", os textos
midiáticos terminam por fazer outras coisas e exploram a redação
contínua com as características contextuais de tempo, sociedade,
instituição, com as implicações técnicas e materiais e com as pessoas
com as quais interage. (KLEIN, 2013, p.2)

Esses desdobramentos de leituras nas reportagens de Vietnã do Norte se tornam


perceptíveis ao se atentar para as escolhas discursivas de Antônio Callado. Joel Silveira,
que assina a orelha do livro "Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores", destaca a

10 Fausto Neto exemplifica a dimensão "instrumental" com a matéria jornalística do correspondente do


New York Times no Brasil que acusou o então presidente Lula de hábitos alcoólicos. Quando chamado à
Justiça para defender sua versão, o jornalista declarou: "O artigo limita-se apenas a veicular comentários,
não contendo nenhum juízo de valor do próprio requerente" (in Fausto Neto, 2007, p. 79). Sobre sua
declaração, o autor comenta: "Ou seja, confessa a noção de linguagem apenas como um meio, ao
'desconhecer' que a construção do texto passa por complexas operações, pois é dele enquanto enunciador
ao escutar pessoas (fontes), ao selecionar materiais, extrair seus fragmentos e agrupá-los no seu próprio
texto. Naturaliza seu trabalho, ao 'camuflar' seu processo produtivo". (FAUSTO NETO, 2007, p.79).
honestidade de Callado em deixar claro em seu texto de que se trata de um registro
baseado em sua perspectiva pessoal.

O repórter Antônio Callado se conduz, nos seus contactos com a terra


e a gente vietnamita, bem como na sua maneira de observar as
motivações e a estratégia da fabulosa luta popular, como um pintor
impressionista diante da paisagem ou da figura que tem diante dos
olhos e que tocou sua sensibilidade. Nada do que vem contado neste
livro, que não receio em incluir entre os mais importantes que já
foram escritos, em todo o mundo, sobre o drama do sudeste asiático,
traz a marca da inautenticidade, da montagem engenhosa, da
falsificação bem composta. Pelo contrário, não só pela crueza do que
retrata, mas, principalmente, pela exata apreensão dos tons daquilo
que foi retratado, as reportagens de Callado que formam o presente
livro lembram mais as foto-reportagens de um Cartier-Bresson.
(SILVEIRA, Joel, 1969).

A "montagem engenhosa" e a "falsificação bem composta" mencionadas por Joel


Silveira se atrelariam a perspectiva "instrumental" do uso da linguagem, indicada por
Fausto Neto, àquela dos textos que se constroem a partir da objetividade. Ao usar as
marcas da autorreferencialidade, entendidas a partir da dimensão "construcionista",
Callado deixa claro ao leitor que, tal qual uma fotografia, sua narrativa é seu
enquadramento sobre o Vietnã11.
A questão da perspectiva assumida, de fato, abre espaço para referenciar Henri
Cartier-Bresson. O fotógrafo gostava de dizer que sua principal função era "observar,
observar e observar"12 e, a partir dessa observação metodológica, encontrar o "instante
decisivo" capaz de sintetizar a experiência social contida na imagem.

11 Por esse aspecto, a comparação que Joel Silveira faz entre Antônio Callado e o fotógrafo Henri
Cartier-Bresson é possível. Para Bresson, que produziu boa parte das fotos mais conhecidas do século
XX, as imagens fotografadas devem contar uma história, proporcionar informação suficiente para que o
espectador entenda o contexto a partir do qual ela existe e possa imaginar o que vem em seguida.

12 Disponível em: <http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/58685>. Acesso em: 16 de mar.


2015.
Figura 2. Foto de Henri Cartier-Bresson mostra a fila de clientes de banco em Xangai na China pré-
revolução comunista em 194813.

Como o fotógrafo, Callado utiliza como método a observação incansável em


busca do "instante decisivo". No jornalista, essa definição está associada ao momento
em que uma conversa ou o comportamento de um personagem revela o contexto em
qual ele está inserido. Ao presenciar a "situação decisiva" reveladora de um contexto
Callado decide sublinhá-la em seu texto. Sob o subtítulo ‘A Mulher do Vietnã’, o
jornalista demarca um desses momentos ao escolher quais detalhes seriam registrados a
partir do encontro que teve com a presidente do Comitê Administrativo na pequena
cidade marítima de Sam-son, devastada pelas bombas da aviação americana.

A uns 200 metros do mar, à sombra dos coqueiros, a mesa tosca, com
um bule e xícaras de chá de porcelana lisa, sem os graciosos desenhos
de costume.
- Não repare a louça grosseira - disse Thi Chot. - Foi tudo quebrado
num bombardeio.
E emendou: - Minhas saudações fraternais às mulheres do Brasil!
(...) Nguyen Thi Chot era gorduchinha, atarracada e enérgica. Prometi
transmitir suas saudações e observei que o serviço de chá podia não
ser tão bonito quanto o de costume, mas que, em compensação, era
linda a tenda de seda branca que nos dava sombra.
- É nylon daqueles pára-quedas americanos que trazem flares para
iluminar os bombardeios noturnos.

13
A nova mulher do Vietnã explica, em parte, o êxito do país contra os
inimigos e contra a ignorância em que vivia. Como sua pátria, a
mulher vietnamita passou sem transição do feudalismo e colonialismo
para uma esplêndida posso de si mesma. (Callado, 1977, p.18).

O registro sobre a louça grosseira, consequência dos bombardeios, contrastando


com a beleza da tenda branca feita com os restos do nylon de um paraquedas americano
revela a adaptação dos vietnamitas à circunstância de guerra. É importante notar que a
observação de Callado fica demarcada por sua autorreferencialidade: "observei que o
serviço de chá".
Esse enfrentamento da objetividade, a partir da demarcação de uma perspectiva
assumida, parece instigar o leitor a ampliar a percepção sobre o que está sendo narrado.
Na contramão, como indicado por Fausto Neto (2007), a enunciação jornalística,
quando atrelada a linearidades e determinações pretensamente objetivas, não dá conta
de apresentar as múltiplas indeterminações utilizadas pelo jornalista para construir sua
narrativa.
Em Vietnã do Norte ao assumir a primeira pessoa, Callado possibilita ao leitor a
ampliação de seu horizonte interpretativo. O leitor pode, a partir desse registro pessoal,
perceber que, condicionados ao enquadramento de quem observa, os fatos são
entendidos e organizados a partir de uma complexa lógica cognitiva do jornalista que os
confronta. É nessa possibilidade aberta por Callado que reside seu enfrentamento.

O jornalista-intelectual em Vietnã do Norte


Ao apresentar a forma com que Callado escolhe contar o que viu no Vietnã do
Norte, demonstramos, portanto, que a autorreferencialidade ultrapassa a simples decisão
estética. A forma com que o jornalista escolhe narrar sua reportagem, na qual a
utilização da primeira pessoa é a marca fundamental, pode ser identificada, também,
como um recurso que dialoga com a ideologia e com o engajamento de Callado.
A descrição dos cenários e situações que encontra no Vietnã do Norte demarca a
presença do jornalista como um personagem da narrativa. O entendimento dos contextos
e relações da resistência vietcongue se dá a partir do enquadramento declarado desse
personagem que nos conta o que fez para fazer a reportagem que nos apresenta.
Retomando Klein (2013), ao dizer o que "se fez para fazer", além das informações
sobre a Guerra do Vietnã, Callado nos apresenta informações sobre os bastidores de sua
reportagem capazes de nos indicar características contextuais sobre diplomacia,
mecanismos editoriais do jornalismo e, principalmente, organização social da
resistência das classes populares.
Os ideais do intelectual Callado sobre resistência ao imperialismo e sobre um
"projeto" de nação estruturado a partir das camadas populares, evidenciados em seus
romances, encontram em "Vietnã do Norte. Advertência aos Agressores" a realização
possível registrada pelo jornalista-intelectual. Podemos indicar, finalmente, que a
ideologia do jornalista-intelectual Antônio Callado (utilizando as definições de Mark
Deuze e Fábio Pereira) apresenta-se nas entrelinhas da autorreferencialidade presente
na reportagem sobre Vietnã do Norte.
Em vias de conclusão, sobre a importância do estudo de reportagens como a
apresentada neste trabalho, é válido mencionar o que Cremilda Medina, que assina o
prefácio do livro "Jornalistas-intelectuais do Brasil" de Fábio Pereira (2009), diz sobre
a intelectualidade no jornalismo.

E o que faz o jornalista quando levanta informações, administra uma


pauta, sai a campo para articular significados e cria uma narrativa de
indiscutível autoria? Em que se diferencia de outras intelectuais? Em
densidade e complexidade? Não. Em mapeamento e descoberta? Não.
No brilho de histórias de vida? Não. Em valorização das raízes
históricas? Não. Em afloramento de marcas de identidade? Não. A
narrativa autoral do jornalista só se distingue de outras narrativas
inteligentes pela urgência da contemporaneidade e pela linguagem do
diálogo social que pesquisa a vida inteira. (MEDINA in PEREIRA,
2011, p. 16)

Por esse caminho, o jornalista-intelectual na reportagem sobre Vietnã do Norte se


apresenta não apenas por responder à "urgência da contemporaneidade" de seu tempo.
Estudos recentes, como os de Boaventura de Sousa Santos, que apontam a necessidade
de conhecer histórias de resistência e de pensar o conhecimento e as formas de produzi-
lo de maneira alternativa à hegemônica, colocam Callado no patamar do jornalista-
intelectual que dialoga também com a urgência de nossos tempos.

Referências Bibliográficas

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Janeiro: UFRJ, 1995. Disponível em: < http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/135/135.pdf>.
Acesso em: 22 mai. 2014.
A Profissão de Relações Públicas no Cinema: Representação Social e Construção de
Identidades

Lucas Sant’Ana Nunes1

RESUMO: A pesquisa pretende descortinar a representação social do profissional de Relações


Públicas no cinema, adotando como objeto de estudo uma narrativa recente, The Ides of March
(2011) através de Análise de Conteúdo e de Análise fílmica. A partir desta perspectiva, discute-se a
imagem e a identidade profissional do RP na sociedade e seus estereótipos, valendo-se do conceito
e dos processos de Representação Social cunhados por Serge Moscovici. Compreendendo a
profissão em sua dimensão simbólica, é possível reconhecer a forma como a sociedade situa o
relações-públicas na conjuntura social, auxiliando o profissional a ter um horizonte mais amplo em
relação à imagem da sua atividade e seu reconhecimento social, fazendo com que possa
desempenhar uma atividade reflexiva sobre sua profissão.

Palavras-chave: Relações Públicas, Cinema, Narrativa, The Ides of March, Representação Social.

Cinema e a Construção da Realidade Social

O Cinema traz expressivos desdobramentos culturais para a vida cotidiana, fomentando o


universo simbólico no qual se baseiam as opiniões de indivíduos, comportamentos, estereótipos e
até mesmo relações sociais. Visto como um conjunto de representações pelas quais o público extrai
seus quadros de referência para conduzir suas próprias vidas, o Cinema ocupa uma posição
privilegiada na sociedade e se configura como um agente do sistema cultural (ORTNER, 2007).
Em outras palavras, o espectador pode basear suas opiniões e até mesmo sonhos através das
imagens dos filmes que o interessam e o fascinam.
O cinema não representa somente o espetáculo que fascina mundialmente cada vez mais
apreciadores, mas uma realização de ordem ético-moral que permite trazer às telas elementos
culturais, de modo a construir o imaginário social que permeia as relações entre os indivíduos.
(MORIN. 1977)
O papel do cinema no processo de conceber horizontes de referência sobre o mundo, bem
como na constante construção social da própria realidade se mostra como uma das características
marcantes da sétima arte, uma vez que as obras se preocupam em idealizar narrativas que adotam
procedimentos visando gerar uma impressão de realidade que deve ser assumida pelo público
(METZ, 1972).

1 Mestrando em Comunicação Midiática e graduado em Relações Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (Unesp – Bauru).
Os interesses em impressionar a platéia, podem ser entendidos através de uma lógica onde
se estabelecem operações de caráter ideológico, em que certos discursos e representações sociais
são utilizados para legitimar identidades e visões sociais. Neste sentido, nos quadros da
Antropologia Compreensiva, avalia-se a própria ideologia como um sistema cultural que permeia os
comportamentos individuais e coletivos (GEERTZ, 1978).
As peças fílmicas, vistas através desta perspectiva, se tornam elementos dinamizadores do
cenário cultural e reflexos da própria cultura, da onde extrai suas construções simbólicas para
elaborar seus processos de significação e transmitir representações ao público espectador.
Destarte, o cinema pode construir, desconstruir, afirmar, legitimar ou até mesmo negar
identidades através de seus processos de produção de sentido. A experiência cinematográfica se
estabelece como uma vivência real, proporcionando desdobramentos para toda a sociedade e para
diversas esferas sociais, fornecendo quadros de referência para a vida cotidiana.
Neste sentido, devem ser discutidas a representação social e a construção de identidades no
cinema, além de seus impactos socioculturais, traçando um panorama sobre como a profissão de
relações públicas é representada por uma filmografia recente. Portanto, é essencial a utilização do
conceito de representações sociais de Moscovici para entender como se constroem e são
reproduzidas tais elaborações simbólicas.
A presente pesquisa apresenta como objetivo descortinar a representação social do
profissional de relações públicas no Cinema, adotando um recorte que privilegia uma película
recente e que enfoca o cotidiano da atividade profissional. O estudo apresenta relevância para a área
de relações públicas e no estudo dos desdobramentos culturais através dos processos midiáticos,
uma vez que se compromete a identificar questões que podem nortear a atuação e as percepções da
sociedade e dos próprios profissionais com relação à essa atividade. Em vista disso, poderá
contribuir tanto em âmbito científico, descortinando a visão sobre a identidade das relações públicas
por meio do cinema, como os próprios mecanismos de construção e de circulação de representações
sobre a profissão na sociedade.
Ao entender como a sua profissão é representada por meio de uma narrativa externa àquele
que é emitida pelo próprio grupo, este trabalho pode ajudar o relações-públicas ter um horizonte
mais amplo em relação à imagem da sua atividade e seu reconhecimento social, fazendo com que
possa desempenhar uma atividade reflexiva sobre sua profissão e elaborar estratégias identitárias.

O Conceito de Representação Social, Origem e Processos de Representação


É necessário compreender a conceituação e a origem do termo ‘Representação Social’,
contextualizando-a. O conceito de Representação Social, cunhado pelo psicólogo social romeno
naturalizado francês Serge Moscovici, se trata de uma atualização do conceito de Émile Durkheim
de Representação Coletiva. Moscovici estudou como a psicanálise era representada socialmente e
percebida pela população parisiense, trazendo importantes contribuições para algo que se tornou
mais tarde uma teoria das Representações Sociais, possibilitando estender o estudo a outras áreas
por diversos autores.
A origem etimológica da palavra representação remonta ao termo latino ‘representare’, que
significa ‘fazer presente’ ou ‘apresentar de novo’. Portanto, para fazer presente algo ou alguém é
necessário o intermédio de uma representação. Em face disso, as representações sociais podem ser
definidas como: “uma série de proposições que possibilita que coisas ou pessoas sejam
classificadas, que seus caracteres sejam descritos, seus sentimentos e ações sejam explicados e
assim por diante.” (MOSCOVICI, 2007, p. 207).
Em outros termos, as representações sociais carregam em si a possibilidade de explicar a
realidade aos indivíduos, além de fazer com que as pessoas e grupos possam se situar na sociedade,
participando, assim, dos processos de construção identitária. As representações sociais possuem um
papel crucial na elaboração de mecanismos de autoimagem e visão social dos grupos ou sujeitos
(MOSCOVICI, 2007).
Os indivíduos, portanto, passam a obter quadros de referência para basear suas próprias
vidas e comportamentos, sabendo quais práticas são aceitas socialmente. A representação social é
um dos mecanismos responsáveis por legitimar aquilo que é aceitável e lícito em um determinado
contexto social. No entanto, como face da mesma moeda, as representações sociais podem alargar
as diferenciações entre os grupos sociais, podendo contribuir para causar esteriotipias e
discriminações, já que são construções simbólicas negociadas culturalmente entre o indivíduo, os
grupos sociais e a própria sociedade como um todo, que participam em seus interstícios de relações
complexas de poder e de sociabilidade (MOSCOVICI, 2007).
A realidade social, através desta perspectiva, é vista como um construto no qual se situam
pessoas e grupos. Ela se constitui a partir das relações existentes entre estes conjuntos através de
sua bagagem cultural, pelos códigos, símbolos e valores ligados à estas vinculações sociais e os
processos comunicativos inseridos nesse contexto. Em outros termos, a representação social é
aquilo que dá sentido aos eventos cotidianos e práticas sociais (MOSCOVICI, 2007).
Os comportamentos na sociedade são ditados pelas elaborações cognitivas e simbólicas.
Destarte, existe uma negociação constante entre o indivíduo e a sociedade, onde as representações
sociais e os processos comunicativos assumem uma importância crucial, já que “é através dos
intercâmbios comunicativos que as representações sociais sãos estruturadas e transformadas”.
(MOSCOVICI, 2007).
As representações sociais se configuram como um importante conceito a ser utilizado pois
todas as coisas que nos tocam no mundo social são reflexos ou produtos das representações sociais.
Por conseguinte, todas as representações sociais são originadas a partir da realidade social, já que
“as representações sociais estão presentes tanto “no mundo”, como “na mente”, e elas devem ser
pesquisadas em ambos os contextos.” (FARR. 1995). Além do fato de que, as representações sociais
só podem ser pensadas através de uma perspectiva que leve em conta os aspectos sócio-históricos
em que são construídas e reproduzidas:

É precisamente a pluralidade objetiva da vida social que constrói a rede


intersubjetiva que constitui a realidade de um tempo e lugar histórico. É na relação
triádica entre sujeito-objeto-sujeito que encontraremos tanto a possibilidade da
construção simbólica como os limites dessa construção. Porque a cada sujeito que
investe o objeto com sentidos a partir do seu lugar particular no tempo e no espaço,
compete reconhecer as construções de outros sujeitos que também ocupam
posições particulares no tempo e no espaço. A significação, portanto, é um ato que
tem lugar (e só pode ocorrer) numa rede intersubjetiva, entendida como uma
estrutura de relações sociais e institucionais dentro de um processo histórico
(JOVCHELOVICTH, 2002, p. 78).

Nota-se que as representações sociais não são meras reproduções das ideologias dominantes
e tampouco são assimiladas de forma acrítica pelos atores sociais. Ao contrário, as representações
sociais são resultado de um processo em que o indivíduo participa de maneira ativa e consciente:

Nas ruas, bares, escritórios, hospitais, laboratórios, etc. as pessoas analisam,


comentam, formulam “filosofias” espontâneas, não oficiais, que têm um impacto
decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas, na maneira como eles educam
seus filhos, como planejam seu futuro, etc. Os acontecimentos, as ciências e as
ideologias apenas lhes fornecem o “alimento para o pensamento” (MOSCOVICI,
2007, p. 45).

Por meio desta perspectiva, os meios de comunicação de massa passam a ter um papel
central na sociedade, pois se tornam veículos de disseminação de certas representações sociais que
refletem a ideologia de seus produtores e os interesses que habitam seus interstícios. O cinema
assume a função de retratar a realidade privilegiando certas construções simbólicas, construindo
processos comunicativos que reiteram determinadas visões sociais e pautam cognitivamente as
opiniões e comportamentos sobre dados assuntos. O fazer cinematográfico, portanto, carrega uma
visão de mundo que é afirmada a todo momento com o intuito de fazer com que seus espectadores
reconheçam a verossimilhança nas imagens transmitidas pelas telas do Cinema. (METZ, 1972).

Metodologias utilizadas

Ao elaborar o recorte do objeto teórico, foram utilizados os critérios de seleção relacionados


à atualidade do filme, haja visto que a película The Ides of March é bastante recente (2011), bem
como uma produção que tenha ampla distribuição no mercado, o que faz com que seja largamente
consumida pelo público brasileiro. Além disso, a ausência de filmes nacionais que trazem sua
temática ligada à profissão de relações públicas foi um dos motivos para que se primasse pela obra
hollywoodiana.
A metodologia utilizada é a de Análise de Conteúdo, que permitiu a construção de categorias
através da frequência de incidência de representações sociais e termos ligados ao personagem do
relações-públicas no filme. Através desta perspectiva, as construções simbólicas que mais se
repetiam nos diálogos dos filmes e tinham como representação o personagem relações-públicas
desempenhado pelo ator Ryan Gosling, foram agrupadas em termos semelhantes ou que
exprimissem a mesma ideia, para que pudesem ser analisados posteriormente. Dessa forma, foi
possível verificar quais representações aparecem como construções simbólicas utilizadas para
classificar o profissional de relações públicas na película.
Além da Análise de Conteúdo, foi utilizada a Análise Fílmica, realizada a partir do recorte
de cenas que explicitam a maneira como o profissional é representado. A seleção de cenas
emblemáticas que reiteram os pontos analisados foi importante para que o filme fosse pesquisado
não apenas no aspecto da fala dos personagens, mas também através dos aspectos audiovisuais, de
construção de personagens, cenas e etc.

Análise do filme The Ides of March e a representação social do profissional de relações


públicas no Cinema

Na narrativa do filme The Ides of March, o diretor de comunicação Stephen Myers,


interpretado por Ryan Gosling, é um idealista. Apaixonado por política, trabalha como assessor de
imprensa para Mike Morris, representado na película por George Clooney, governador democrata,
candidato à corrida presidencial nos Estados Unidos. O filme centra sua encenação no jogo político
permeado por trapaças ao qual o personagem Stephen Myers vai lentamente se integrando, cedendo
à perspectiva de carreira bem-sucedida na política, em detrimento de seus princípios e valores. O
profissional de comunicação que desempenha funções de relações públicas se vê obrigado a
participar de artimanhas e estratagemas antiéticos para continuar no jogo político. O destaque fica
para os bastidores deste ambiente, as estratégias de comunicação e as formas de persuasão
utilizadas para construir a imagem dos candidatos na corrida eleitoral.
O filme tem como centro um personagem que no início era idealista, respeitado e talentoso,
mas que se corrompe ao perceber que a única forma de sobreviver no jogo político é ser mais cínico
que seus colegas de profissão, invertendo a trama e ditando as regras de maneira implacável, para
que no final alcançasse seus objetivos - estratégia que acaba bem sucedida.

Quadro 01: Representações sociais ligadas ao profissional de relações públicas no filme The Ides of March
Inteligente, Articulado 7
Charmoso, Sedutor, Atraente 4
Desleal, Manipulador 3
"Figurão" 2
Corajoso 1
"homem de confiança" 1
Respeitado 1
Idealista 1
Implacável 1
Cínico 1
Estressado 1
Talentoso 1
Fonte: elaboração própria

Gráfico 1 - Frequência de ocorrência de representações sociais ligadas ao profissional de relações públicas


no filme The Ides of March
Fonte: elaboração própria

Por meio do Quadro e do Gráfico 01 é possível observar a predominância de certas


construções simbólicas que representam socialmente o profissional de relações públicas como os
termos “Inteligente” e “Articulado”, que tiveram maior destaque do que os demais durante o
decorrer da película. Tais construções associam o profissional à uma inteligência superior quando o
quesito envolve a habilidade de se relacionar com pessoas e se valer de suas habilidades
comunicativas para articular cenários favoráveis à organização ou pessoa que o relações-públicas
presta serviços, fornecendo ferramentas para que a atuação seja pautada no mútuo entendimento
entre o cliente e seus públicos. De fato, esta é uma competência bastante estimulada não somente
em âmbito acadêmico, mas também em âmbito profissional, se destacando como uma das principais
aptidões desenvolvidas pela atividade (KUNSCH, 1997).
A partir do curso da narrativa, pode-se entender a prática de relações públicas como uma
atividade que pretende construir um relacionamento com os públicos à medida que é criado um
processo de mútuo entendimento, o que permite verificar o diálogo entre o filme e a definição das
relações públicas a nível conceitual: “Às Relações Públicas, portanto, em seu mais relevante
alcance, compete transformarem-se nos canais de comunicação que permitam o estabelecimento do
diálogo mais aberto possível entre os diversos centros de interesse e de opinião.” (POYARES, 1970.
P.35)
Adentrando para a atuação política das relações públicas, pode-se observar uma estreita
relação entre a profissão e este cenário. O enredo do filme mostra um profissional preocupado não
somente em projetar uma imagem positiva do partido e do candidato à presidência, mas um cuidado
especial em relação aos temas políticos que regem às propostas de governo. O profissional de
relações públicas, dessa forma, se vê em um processo não somente comunicacional, mas político:

Ora, se a ação de comunicar é ato político e, por outro lado, se a função e a


atividade de Relações Públicas referem-se ao controle do processo de comunicação
organizacional, conclui-se que as Relações Públicas vinculam-se aos objetivos
políticos das organizações. [...] A função organizacional das Relações Públicas,
porque intervém dos mais diferentes modos providenciados nas relações de poder
entre organização e público é uma função política e contribui, como as demais,
para colocar os dois termos da expressão em condições de convivência produtiva.”
(SIMÕES, 1995. p.109)

Ademais, os termos “Charmoso”, “Sedutor” e “Atraente”, expressões que fazem referência


aos atributos corporais do profissional, aparecem com expressiva frequência. De certa forma, tal
informação pode ser um indício de que o corpo é um fator importante para a profissão, já que o
profissional de relações públicas deve transmitir em sua aparência a credibilidade que pretende
construir através de suas estratégias de comunicação. Neste momento, o fator estético aparece com
grande destaque pois o personagem vivido por Ryan Gosling, tido como um galã contemporâneo
em Hollywood, se revela na narrativa como um tipo sempre alinhado, bem vestido e com uma
postura impecável, assim como o candidato à presidência, Mike Morris, vivido por George Clooney
na película. Em outras palavras, a narrativa dá a entender que o profissional de relações públicas
deve não somente projetar uma imagem positiva e confiável de seu candidato, mas o próprio
relações-públicas deve portar os sinais corporais que o diferenciam e o mostram como um indivíduo
que transmite consistência e credibilidade através de atributos estéticos.
Tal ênfase na aparência denota uma preocupação em transmitir uma imagem profissional
ligada ao capital e à ideologia dominante, uma vez que manifestam valores de uma ideologia
burguesa, em que o convencimento do público se vê como um meio para se obter um determinado
fim: “As relações públicas manifestam a ideologia burguesa ao se proporem promover a
“compreensão mútua” entre desiguais como se os interesses em jogo fossem idênticos, como se
estivessem a serviço do interesse comum.” (PERUZZO, 1986, p. 73),
Não menos importante, as construções simbólicas “Desleal” e “Manipulador”, que
caracterizam o profissional de RP no filme, também aparecem com destaque e mostram a
associação da profissão a uma faceta desonesta, em que o personagem não mede esforços para
alcançar seus objetivos, lançando mão de atos que contrariam a ética da profissão, visando alcançar
o sucesso de seus planos, o que mostra o caráter maquiavélico da trama e de seu personagem
principal.
Neste ponto, há que se destacar o próprio título da narrativa, Os Idos de Março – em traduçã
literal – que fazem menção à data em que Júlio César foi assassinado no senado romano, no ano de
44 a. C. por Brutus e seus outros conspiradores, além da intertextualidade existente entre o filme e a
peça Júlio César de William Shakespeare, que também retrata o episódio histórico. Tais
aproximações intertextuais conferem um toque elegante que concede à narrativa um tom mordaz.
Como cena em destaque, o último plano é bastante emblemático, em que Stephen Myers se
dirige ao local onde realizará uma entrevista, tendo sido nomeado o chefe da campanha de Mike
Morris – após lançar mão de uma chantagem com o candidato à presidência, um personagem que se
revela tão vil quanto o próprio Stephen. Nesta cena, filmada em plano-sequência, trazendo o rosto
de Stephen Myers, o relações-públicas, em primeiro plano e realizada através de um travelling que
acompanha e enfoca a feição do personagem no trajeto até as câmeras, a voz de Mike Morris se
sobressai realizando uma sincronia com a imagem de Stephen. Enquanto Mike está dando um
discurso em um comício realizado em prol de sua campanha, Stephen se dirige às câmeras, onde em
instantes também realizará sua fala. O plano se revela como o ponto alto do filme, onde o candidato
à presidência diz em seu discurso inflamado:
O senador Thompson e eu estamos orgulhosos de trazer integridade de volta às
eleições. Pois tudo isso tem a ver com integridade. Quem somos. Porque a imagem
que projetamos para o mundo importa. Dignidade importa. Integridade importa!
Nosso futuro depende disso! (The Ides of March, 2011)

Neste momento, o clamor e o entusiasmo do discurso do candidato contrasta com o cinismo


e frieza da imagem de Stephen Myers, projetados em justa-posição. Tal sequência mostra o intuito
de retratar o cenário político como um ambiente onde só aqueles que não possuem escrúpulos
podem triunfar - e a integridade é o que menos importa.

Considerações Finais

O que se pode observar nesta recente filmografia é a existência de uma estereotipia da


atividade de RP, privilegiando certas construções simbólicas como os aspectos ligados à
manipulação e à falta de transparência, em que é transmitida a ideia de que para promover a
imagem e reputação de organizações e pessoas é necessário se valer de joguetes políticos e
estratégias antiéticas. Pode-se analisar que a temática da narrativa associa a atuação profissional à
gestão de campanhas políticas, fato recorrente em outras épocas do cinema, o que mostra certo
fascínio da indústria cinematográfica sobre tais temas, em detrimento de outras questões.
Como principais construções simbólicas relacionadas ao profissional de relações públicas,
pode-se mencionar a associação do profissional ao cinismo, à defesa de interesses escusos, bem
como a falta de escrúpulos ao realizar suas atividades.
Em contrapartida, a imagem profissional do relações-públicas foi vinculada à inteligência, à
mediação e à articulação de interesses entre pessoas e organizações, o que de fato devem ser
competências desenvolvidas pelo profissional tanto em sua formação como em sua atuação. O
profissional, visto sob esta perspectiva, teve suas competências comunicacionais e políticas
destacadas pela narrativa, uma vez que o enredo transmite a ideia de um RP dinâmico e capaz de
construir cenários positivos para a organização ou pessoa à quem presta seus serviços a partir do
entendimento mútuo junto aos seus públicos, estabelecendo um relacionamento produtivo.
Também fica o destaque para as características corporais do profissional, já que alguns
filmes o retratam como portador de atributos estéticos que dialogam com a credibilidade pela qual o
RP deve construir através de suas estratégias de comunicação, além de refletir aspectos de uma
ideologia dominante, onde o profissional deve transmitir sinais que o diferenciam e ao mesmo
tempo elevem seu potencial de persuasão e convencimento frente aos públicos estratégicos da
organização.
Conclui-se que tais produções trazem em seu interior estereótipos que podem influenciar a
forma como a sociedade e os próprios relações públicas veem a profissão. Destarte, o cinema visto
como construção simbólica pode privilegiar certas imagens, que neste caso contribuem para
priorizar somente uma das facetas da profissão, em detrimento de outros pontos de vista. Contudo,
existe a necessidade de descortinar e analisar a fundo tais representações no cinema, o que merece
um estudo pormenorizado sobre como estas construções simbólicas impactam a realidade da
profissão, traçando um recorte maior de obras cinematográficas.
Dessa forma, surge a necessidade do empreendimento de diversas pesquisas na área com o
intuito de avaliar como essas representações sociais sobre o relações-públicas circulam e são
apropriadas pelas sociedade e entre os próprios profissionais. Elas podem explicar processos de
escolha pela profissão ou os valores que orientam a atuação dos relações-públicas nas organizações.
Ademais, é preciso enfatizar que um caso isolado, como o do filme analisado neste estudo,
não é suficiente para produzir generalizações sobre o processo de construção da identidade da
profissão na sociedade, reforçando a ideia de que o campo ainda precisa de estudos mais amplos
sobre o tema.

Referências

GEERTZ, C. A ideologia como sistema cultural. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978. Cap. 6. P. 107-134.

JOVCHELOVITCH. Re(des)cobrindo o outro: para um entendimento da alteridade na teoria das


representações sociais. In: ARRUDA, A. (Org.). Representando a alteridade. Petrópolis: Vozes,
2002. Cap. 3. P. 69-82.

FARR, R. Representações Sociais: a teoria e sua história. In: GUARESCHI, P. Textos em


Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1995. Cap. 1. P. 31-59.

KUNSCH, M. M. K. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na comunicação


organizacional. São Paulo: Summus, 1997.

METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1972.

MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa, Relógio d’Água. 1977.

MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes.


2007.
ORTNER, S. A máquina de cultura: de Geertz a Hollywood. Mana, Rio de Janeiro , v. 13, n. 2, p.
565-578, out. 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0104-93132007000200013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 set.
2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93132007000200013.

PERUZZO, C. K. Relações Públicas no Modo de Produção Capitalista. São Paulo: Summus,


1986.

POYARES, W. R. Comunicação social e relações públicas. Rio de Janeiro: Agir. 1970.

SIMÕES, R. P. Relações Públicas: função política. São Paulo: Summus, 1995.

Filmografia

The Ides of March. Produção de George Clooney. Estados Unidos da América: Columbia Pictures,
Smokehouse Pictures, Appian Way Productions, 2011. DVD.
O esvaziamento da programação infantil na TV aberta:
avaliação de cenário de grades da TV aberta e o caráter complementar das
emissoras públicas

Luísa Guimarães Lima1

RESUMO: A diminuição do número de horas destinadas às crianças em emissoras abertas tem


sido registrada por meio de artigos de jornais e da percepção de telespectadores adultos
contemporâneos. Este trabalho tem como objetivo fornecer dados que transformem essa impressão
em avaliações concretas que possam embasar políticas públicas de comunicação. Num cenário de
desigualdade, o conteúdo audiovisual destinado ao público infantil migrou para a internet e para a
TV paga. No entanto, apenas 30% da população tem acesso à TV paga e 48%, à internet. Com
isso, as crianças ficam com poucas opções de programação específica. A partir da análise das
grades de programação das emissoras abertas entre 1991 e 2014, conclui-se que houve uma queda
de 47% do número de horas destinadas a crianças. Se analisadas apenas as grades das emissoras
“comerciais”, a queda é mais acentuada: 63%.

PALAVRAS-CHAVE: políticas de comunicação, infância, televisão, grade de programação

1. INTRODUÇÃO

Depois de quase três décadas superpovoando a programação matutina brasileira com


apresentadoras loiras, crianças e personagens animados2, a Rede Globo de Televisão anunciou, em
abril de 2012, que restringiria aos sábados a exibição de programas destinados às crianças.

1 Luísa Guimarães Lima é doutoranda em comunicação na Universidade de Brasília (UnB), na linha de pesquisa
Políticas de Comunicação e Cultura. É professora de Jornalismo no Centro Universitário Iesb.
2 Balão Mágico (1983-1986), Xou da Xuxa (1986-1992), Tv Colosso (1993-1997), Angel Mix (1996-2000) e TV
Globinho (2000-2012) são alguns dos programas infantis diários que foram ao ar nos últimos 30 anos na Globo
(DICIONÁRIO, 2003).
Um jornal paulista tentou imprimir tom de galhofa ao obituário das manhãs infantis
diárias da emissora carioca: “Querida, encolheram as crianças. Na TV aberta, ao menos, a
programação para essa faixa etária ficará em breve mais ‘baixinha’”, dizia o primeiro parágrafo da
notícia Audiência e falta de anunciantes reduzem os infantis globais (FOLHA, 2012).

O leitor que acompanhasse as discussões travadas sobre a péssima qualidade educativa do


conteúdo televisivo nacional infantil na Globo (RUBERTI; IBARRA, 2006) poderia achar que era
o caso de respirar aliviado. Ao menos até se deparar, no próprio texto, com a estratégia enunciada
por ninguém menos que o diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger: "O segmento
infantil está na TV paga [no exterior] porque lá não tem censura nem restrição à propaganda"
(FOLHA, 2012).

A desfaçatez da justificativa é amparadora do discurso de “modernização” da grade da


Globo. Pegando o bonde do que seria uma tendência internacional, a emissora estaria levando sua
programação infantil para um terreno menos cercado pelo “controle externo”, personificado no
instituto da classificação indicativa e nas proibições à publicidade infantil. Além disso, estaria
reagindo ao fato de que o horário não rendia mais o que já rendera: com menos audiência, o
faturamento estaria em franco declínio.

O abandono, por parte da Globo, da programação diária destinada às crianças possui


caráter simbólico por ela ser a emissora de maior audiência no Brasil. No entanto, análise das
grades de programação de emissoras abertas – comerciais e públicas – mostra que, no intervalo de
tempo entre 1991 e 2014, podemos notar diminuição gradual do número de horas semanais
dedicadas às crianças na televisão aberta, como veremos adiante.

Mesmo com o ocaso da programação diária televisiva infantil, as crianças não


diminuíram suas horas diárias em frente aos televisores. 3 Àquelas que não possuem acesso à TV
paga, resta a grade da TV aberta, com poucas opções destinadas aos pequenos. Ainda que as
emissoras públicas apresentem papel complementar na programação, a legislação brasileira não
prevê a obrigatoriedade de as emissoras comerciais investirem no segmento e manterem
programação destinada a ele. Não existem políticas públicas que garantam o espaço e fomentem a
produção para crianças.

3 “Na PeNSE 2009 [Pesquisa Nacional de Saúde Escolar], no conjunto dos Municípios das Capitais e Distrito
Federal, 79,4% dos adolescentes informaram assistir a duas horas ou mais diárias de televisão. Este indicador
permaneceu praticamente inalterado na PeNSE 2012, 78,6%” (IBGE, 2013, p. 58).
Segundo Potyara Pereira (2008, p. 273), políticas públicas são aquelas “que requerem a
participação ativa do Estado, sob o controle da sociedade, no planejamento e execução de
procedimentos e metas voltados para a satisfação de necessidades sociais. De acordo com a autora,
o conceito de política pública expressa “a conversão de demandas e decisões privadas e estatais
em decisões públicas que afetam e comprometem a todos” (PEREIRA, 2008, p. 174). Dessa
forma, o termo “pública” remete-se à universalidade e à totalidade. É num cenário em que a
realidade concreta precisa ser mudada que o conceito de política pública se faz oportuno.

Os artigos da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)


pontuam o papel da televisão brasileira no que tange à educação. As emissoras comerciais são
concessões públicas com responsabilidades educativas. Segundo o artigo 76 do ECA, “As
emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-
juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” O artigo 221
da Constituição determina que emissoras de TV deem “preferência a finalidades educativas,
culturais e informativas”.

O público da TV aberta é certamente mais amplo do que aqueles de cada um dos


múltiplos segmentos alcançados pelos canais disponíveis na TV paga. Se essa é uma questão
importante para todos os que desejam se comunicar por meio da televisão, é um problema ainda
maior quando falamos do segmento infantil: o que interessa a uma criança de 3 anos, por exemplo,
não atrai uma outra com apenas dois anos a mais, e os programas destinados a alguém com 5 anos
talvez sejam considerados “muito infantis” para um sujeito de apenas 8 anos. Em resumo, na TV
aberta, seria impossível a segmentação de público conseguida na TV paga. Além disso, na TV
aberta o modelo é baseado na venda de anúncios, com pouco "branding". Na TV paga, é possível
criar “universo” em volta da mercadoria (com desenhos temáticos, virais na internet, etc.), em vez
de se limitar aos anúncios tradicionais de 30 segundos.

Em contrapartida, cresce o número de canais privados na TV paga que oferecem


exclusivamente atrações infantis. De olho no mercado composto por crianças oriundas de famílias
que podem pagar a TV por assinatura, a Globosat colocou o canal Gloob no ar em julho de 2012.
Direcionado a um público formado por crianças entre 5 e 8 anos, a proposta da emissora seria
apresentar desenhos “menos certinhos” (FOLHA, 2012) que aqueles do canal Discovery Kids, mas
sem as cenas violentas comuns no Cartoon Network ou as de namoro dos seriados apresentados
pelo Disney Chanel. Em síntese, a criação do canal está relacionada à estratégia de atender a
segmentação de público.
O modelo massivo de comunicação está sendo dissolvido pelas novas tecnologias
(BRITTOS, 1999b). A emergência da TV paga e da internet vão eliminando hábitos que faziam
parte da rotina do brasileiro, como assistir à TV com a família reunida. No entanto, a segmentação
se dá de maneira desigual, pois não é dada apenas por preferência de consumo, mas pela questão
econômica. Uma vez que a maioria não pode consumir por meio das novas tecnologias de
comunicação, continua acessando os chamados “conteúdos massivos”.

Embora as grades de programação infantil da televisão aberta tenham diminuído, não são
todas as crianças que têm acesso aos espaços para onde ele talvez tenha migrado, passando por
reconfiguração: internet e TV paga. Apenas 29% da população brasileira tem acesso à TV paga
(ANATEL, 2014). O acesso à internet, embora tenha crescido nos últimos anos, continua restrito a
apenas 48% (SECOM-PR, 2014) da população brasileira – crianças representam 14 % dos
usuários domiciliares ativos da rede.

Interessa-nos pensar o público dos programas infantis à luz da Economia Política da


Comunicação (EPC)4. Dessa forma, entendemos que os produtos ofertados pelas emissoras de
televisão não são seus programas e, sim, a atenção de sua audiência. Seus clientes finais não
seriam, portanto, a audiência, e, sim, o mercado publicitário. Noutras palavras, as emissoras
produziriam programas para oferecer, aos seus clientes anunciantes, a sua mercadoria: a atenção
das crianças.

Ana Paula Bomfim e Andrea Cardoso, no artigo “Criança e adolescente na relação de


consumo” (2012): uma análise ético-jurídica à luz da Economia Política da Comunicação”,
apresentam interpretação que dá destaque ao contraponto legal:

Apesar de representarem atualmente uma parcela significativa do mercado, que movimenta bilhões de reais
em mercado publicitário, juridicamente, por serem tachados incapazes e relativamente incapazes, ou seja,
̂ ainda o discernimento para julgar as próprias atitudes, os menores não podem ser
indivíduos que não tem
considerados consumidores para efeitos da legislacã̧ o em vigor (BOMFIM; CARDOSO, 2012, p. 13).

De acordo com Brittos, Bolaño e Rosa (2010), a comunicação é um bem público, ainda
que apropriado privadamente. “Percebe-se que são explícitas as divergências entre a formação do
mercado da cultura – onde o interesse vigente é o econômico – e o interesse público” (BRITTOS;
BOLAÑO; ROSA, 2010, p. 8). Deseja-se pensar como são produzidos, imersos em ambientes de
interesses contraditórios, e como atuam as empresas que agem nesse âmbito.

4 Suzy dos Santos define a EPC como uma corrente do campo da Comunicação Social que estuda as “relações
sociais, em especial as relações de poder que mutuamente constituem a produção, a distribuição e consumo de
recursos, inclusive os meios de comunicação” (SANTOS, 2008, p. 14)
Neste artigo, analisamos o cenário de esvaziamento da programação infantil destinada às
crianças entre 1991 e 2014. Para além da impressão que um espectador formado nos anos 1990
possa ter a respeito da diminuição do número de horas dedicadas às crianças na televisão aberta,
interessa-nos delinear um cenário mais claro.

No que tange às políticas, programas e projetos sociais, Ivanete Boschetti (2009) afirma
que a avaliação e a análise devem ser pensadas de modo complementares e não estanques.

A avaliação de uma política social pressupõe inseri-la na totalidade e dinamicidade da realidade. Mais que
conhecer e dominar tipos e métodos de avaliação ou diferenciar análise e avaliação, é fundamental
reconhecer que as políticas sociais têm um papel imprescindível na consolidação do Estado democrático de
direito e que, para exercer essa função, como seu objetivo primeiro, devem ser entendidas e avaliadas como
um conjunto de programas, projetos e ações que devem universalizar direitos. (BOSCHETTI, 2009, p. 3).

A ausência de números sobre a presença da programação infantil fez, primeiramente,


estabelecer metodologia que nos permitisse discutir a questão em bases sólidas, para além da
impressão do telespectador médio e das matérias jornalísticas.

Buscamos, primeiramente, responder às seguintes questões: qual era o tamanho da


programação infantil em emissoras abertas nos anos 1990 e qual é o seu tempo hoje? As emissoras
privadas ocupavam e ocupam qual fatia nesse montante? Quais políticas públicas foram criadas
diante de tal cenário? A perspectiva de Muller e Surel (2002) contempla ainda a chamada “não
decisão”, a saber, a avaliação do impacto de políticas não implementadas. Tal ponto de vista
poderá ajudar a pensar o caso brasileiro acerca das políticas públicas brasileiras de comunicação
voltadas à infância.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Diversos autores apontam a importância de avaliar o cenário em que se mostra necessária


a política pública a ser discutida. No que diz respeito ao modo pelo qual evoluíram as grades de
programação infantil na TV aberta, não havia dados ou pesquisas consolidadas disponíveis.

Para contribuir para o preenchimento de tal lacuna, procedemos com a Análise de


Conteúdo (BARDIN, 2002). O objetivo da utilização de tal método para se chegar aos objetivos
deste artigo, insere-se na necessidade de ultrapassar uma incerteza inicial – delineada pela
impressão de que o tempo destinado às crianças diminuiu – e o desejo de enriquecer a leitura.
“Desejo de rigor e necessidade de descobrir, de advinhar, de ir além das aparências, expressam as
linhas de força” da Análise de Conteúdo, segundo Bardin (2002, p. 29).
Para tanto, selecionamos grades televisivas publicadas no jornal Folha de São Paulo entre
os anos de 1991 e 20145. Foram analisadas uma grade de terça-feira e uma grade de sábado em
seis dos doze meses dos anos no intervalo mencionado: janeiro, março, maio, julho, setembro,
novembro. Para se chegar ao número de horas semanais dedicadas às crianças, multiplicamos por
cinco o número de horas destinadas às crianças em um dia da semana e somamos o número de
horas transmitidas no sábado, na seguinte fórmula:

(número de horas destinadas à programação infantil em um dia da semana X 5)

+ (número horas destinadas à programação infantil no sábado)

= (número horas destinadas à programação infantil semanalmente)

Quadro 1
Fonte: elaboração da autora
Em seguida, calculamos a média do ano, na seguinte fórmula:

(número horas destinadas à programação infantil semanalmente em janeiro + número horas destinadas à
programação infantil em março + número horas destinadas à programação infantil em maio + número horas
destinadas à programação infantil semanalmente em julho + número horas destinadas à programação infantil
semanalmente em setembro + número horas destinadas à programação infantil semanalmente em novembro)

÷6

= média do número horas destinadas à programação infantil no ano em questão

Quadro 2
Fonte: elaboração da autora

Além disso, procedemos a seleção e leitura de textos de referência sobre o tema.


Tomamos o manancial analítico e historiográfico recolhido não como uma verdade já dada, mas
como algo que necessita de aproveitamento crítico. Recolhemos bibliografia sobre as políticas de
comunicação para as crianças no marco do governo brasileiro. Dessa forma, o material consultado

5 A partir de 2010, o jornal Folha de São Paulo deixa de publicar a programação televisiva em suas páginas. Tal
ação tem a dizer sobre a diminuição da importância da TV aberta em nosso país – além de dificultar o trabalho
dos pesquisadores que se debruçam sobre a televisão.
não foi incorporado como pressuposto absoluto, mas como parte do objeto a ser analisado. Assim,
o nosso procedimento metodológico fundamenta-se no que Gil chama de “método bibliográfico”,
que segundo ele é uma pesquisa “desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 1995, p.71).

3. AVALIAÇÃO DO CENÁRIO: O ESVAZIAMENTO DA PROGRAMAÇÃO


INFANTIL NA TV ABERTA

A primeira dificuldade encontrada por aqueles que se debruçam sobre a questão da


programação infantil é a ausência de dados específicos sobre o assunto. Para este artigo,
empreendemos pesquisa em fontes de referência para consolidar o “estado da arte”. Os dois
maiores encontros acadêmicos da área de Comunicação são promovidos pela Sociedade Brasileira
de Pesquisa em Comunicação (Intercom) e pela Associação Nacional dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação (Compós). Todos os trabalhos apresentados são publicados em anais
eletrônicos e bibliotecas virtuais.

Realizamos pesquisa utilizando as ferramentas disponíveis nos sites. Priorizamos os


anais em detrimento de revistas ou livros por entendermos que seria interessante contemplar a
dinâmica e a rotatividade dos eventos, que por vezes acolhem trabalhos em desenvolvimento.
Vários livros tiveram berço e desenvolvimento nas discussões da Intercom e da Compós.
Além disso, são conhecidos por acolherem pesquisadores de todo o Brasil – o que permite,
em perspectiva, uma rica mostra da dimensão produtiva nacional.

Escolhemos algumas palavras-chave – como televisão, infância e criança – e


empreendemos a seleção das centenas de artigos com base nos seguintes critérios: foram
apresentados nos congressos nacionais, e não apenas naqueles regionais; tratam
especificamente da relação entre a televisão e as crianças; foram produzidos por especialistas,
mestres ou doutores. Os artigos que não se enquadravam em uma dessas três premissas foram
descartados.

No total, analisamos 33 artigos apresentados e publicados entre 2001 e 2013. É


importante observar que apenas um desses artigos versava sobre políticas de comunicação. E
nenhum deles tratava do cenário atual do esvaziamento da programação infantil. Dessa forma,
como não encontramos dados sobre o nosso objeto de pesquisa no material analisado,
empreendemos avaliação do cenário com base na metodologia abordada na seção anterior.

A análise da programação televisiva de emissoras abertas destinadas ao público infantil


nos apontou para alguns caminhos. Conforme o gráfico a seguir, podemos notar uma queda de
cerca de 47% entre os anos de 1991 e 2014.

Gráfico 1: Horas semanais de programação infantil nas grades de emissoras pública e comerciais:
1991 a 2014
Fonte: Elaboração da autora

Se analisarmos apenas as grades de emissoras comerciais abertas, podemos notar uma


queda ainda mais acentuada. Entre os anos de 1991 e 2014, o número de horas destinadas às
crianças teve redução da ordem de 63%, conforme podemos observar por meio da tabela 2:

Gráfico 2: Horas semanais dedicadas à programação infantil em emissoras comerciais abertas: 1991 a
2014
Fonte: Elaboração da autora

Ao analisarmos apenas os números referentes às emissoras públicas6, podemos notar uma


curva menos acentuada. De fato, entre os anos de 1991 e 2014, percebe-se um crescimento no
número de horas, embora esse seja entrecortado por momentos de queda e ascensão, conforme
observa-se por meio do gráfico 3.

Gráfico 3: Horas semanais de programação infantis em emissora pública aberta: 1991 a 2014
Fonte: Elaboração da autora

O gráfico 4 ilustra o papel complementar adotado pelas emissoras públicas. Num


primeiro momento, ascendente para garantir conteúdos educativos não ofertados pelas emissoras
comerciais. Num segundo, complementando o número de horas que antes eram oferecidas pelas
emissoras comerciais.
6 Até 2007, foi analisada a grade da TV Cultura. A partir de 2007, analisou-se a grade da TV Brasil.
Gráfico 4: Horas semanais de programação infantil nas grades de emissoras pública e comerciais
Fonte: Elaboração da autora

Entre 2003 e 2014, chama a atenção o fato de que a Cultura ou a TV Brasil ofereceram
quase o mesmo número de horas destinadas às crianças que aquelas ofertadas por todas as
emissoras comerciais abertas somadas. Observa-se, ainda, que nos anos de 2005 e 2009 apenas
uma emissora pública aberta apresente número maior de horas semanais que todas as emissoras
comerciais abertas juntas. A seguir, podemos ver a divisão do conteúdo infantil entre as emissoras
abertas nos anos de 1991, 1995, 2001, 2005, 2014:

Gráfico 5: Divisão do número de horas semanais da programação infantil por emissoras:


1991

Fonte: Elaboração da autora

Gráfico 6: Divisão do número de horas semanais da programação infantil por emissoras:


1995

Fonte: Elaboração da autora

Gráfico 7: Divisão do número de horas semanais da programação infantil por emissoras:


1995

Fonte: Elaboração da autora


Gráfico 8: Divisão do número de horas semanais da programação infantil por emissoras:
2005

Fonte: Elaboração da autora

Gráfico 9: Divisão do número de horas semanais da programação infantil por emissoras:


2014

Fonte: Elaboração da autora

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da avaliação das grades televisivas destinadas às crianças temos um problema


delineado: as emissoras abertas tem deixado de transmitir conteúdos audiovisuais para esse
público. Boa parte desse segmento ainda assiste à TV aberta. A segmentação, no Brasil, não se dá
por escolha, e, sim, por um corte de classe – uma vez que apenas 30% da população brasileira tem
acesso a TV paga e 48%, à internet.

Nosso marco legal é claro: a televisão deve ter conteúdo educativo e produções
voltadas à infância, conforme o ECA e a Constituição de 1988. No entanto, o Estado ainda não
tomou medidas específicas suficientes para corrigir as distorções provocadas pela prioridade dos
interesses comerciais das empresas de comunicação.

Tal conclusão dialoga diretamente como o que afirma Boschetti (2009). A


construção dos direitos e da democracia passa por repensar o papel do Estado em um cenário de
concentração econômica. E a ausência de políticas públicas que defendam aqueles que estão em
situação precária diz muito da relação entre Estado e classes sociais no Brasil contemporâneo.

6. REFERÊNCIAS

Bardin, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: edições 70, 2002.


BOMFIM, Ana Paula Rocha; CARDOSO, Andréa. Criança e Adolescente na relacã̧ o de
consumo: uma análise ético-jurídica à luz da Economia Política da Comunicacã̧ o . Fortaleza:
Intercom, 2012. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers
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_______. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão e expansão
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_______. TV a cabo: a dispersão da audiencia . Biblioteca Online de Ciências da Comunicação:
1999b. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/_esp/autor.php?codautor=84>. Acesso em : 17 set.
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_______; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; ROSA Ana Maria Oliveira. Rio de Janeiro: O GT
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SECOM-PR. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população
brasileira. Brasília: Secom, 2014.
Lei de Acesso à Informação: resgate histórico da trajetória política

Luma Poletti Dutra1

Resumo: A Lei 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação, foi aprovada em
novembro de 2011 depois de um longo processo político. Sua trajetória tem início em
2003, com o projeto de lei visando regulamentar o direito de acesso à informação
pública no país, previsto na Constituição Federal de 1988. Ao longo dos oito anos em
que o tema tramitou no Congresso, observou-se o posicionamento de setores favoráveis
e reticentes à norma. Neste meio tempo, entidades da sociedade civil também se
envolveram na discussão e somaram forças para consolidar o direito de acesso a
informações públicas. O objetivo deste artigo é recuperar a trajetória da Lei
12.527/2011, identificando os principais atores políticos envolvidos em seu processo de
aprovação, bem como os argumentos defendidos por aqueles que apresentavam
resistência à sua sanção. A elucidação deste processo de desenvolvimento da LAI
contribui para compreensão do modo pelo qual ela vem sendo aplicada desde então.

Palavras-chave: Lei de Acesso à Informação, transparência, política, poder.

Introdução
Aprovada em novembro de 2011, a Lei 12.527 ficou popularmente conhecida
como Lei de Acesso à Informação, ou LAI. Ela regulamenta o direito de acesso às
informações públicas, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal de
1988, estabelece mecanismos de solicitação, prazos de resposta, procedimentos de
divulgação proativa de informações por parte dos órgãos da administração pública,
delimita um regime de exceções e determina sanções em caso de descumprimento.
Comparada às normas vigentes em outros países, a abrangência da LAI é uma de
suas características singulares: se aplica aos três Poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário) e em todos os níveis administrativos (federal, estadual, distrital e municipal),
além de autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia
mista e “demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios” (BRASIL, 2011).
De acordo com Mendel (2009), o aprimoramento da tecnologia e os processos
políticos de redemocratização são fatores fundamentais para a crescente demanda e
reconhecimento do direito à informação como um direito humano. Além do viés político

1 Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo e Mestre em Comunicação Social pela
Universidade de Brasília. Pesquisadora do Observatório da Mídia (UFES). E-mail:
lumadutra@gmail.com
e tecnológico, também houve a dimensão econômica neste processo: nas décadas de
1980 e 1990 a crescente globalização da economia fez com que bancos e empresários
buscassem cada vez mais informações sobre aspectos econômicos em diferentes países
de modo a avaliar os riscos de seus investimentos (RIVERA, 2008).
O direito à informação, portanto, previsto no artigo 192 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, começa a se materializar com a aprovação de leis de
acesso à informação. O movimento ganha força em nível mundial a partir do final dos
anos 1990 e início dos anos 2000. O Brasil foi um dos últimos países da América Latina
a aprovar uma Lei de Acesso, porém, as políticas de acesso à informação pública já
vinham sendo gradualmente amadurecidas, como se verá a seguir.

Cenário pré-LAI: as políticas de acesso à informação pública no Brasil

A Lei 12.527/2011 regulamenta o direito de acesso à informação pública no


Brasil, porém, ela não foi a primeira norma a tratar deste tema. Ao longo dos anos o
Estado já havia implementado medidas relacionadas à gestão de arquivos e à
disponibilização de documentos (algumas normativas, de fato, restringiam mais do que
facilitavam o acesso). Portanto, será apresentado a seguir um panorama das políticas de
acesso às informações públicas do país. Posteriormente, recuperaremos o processo de
tramitação da Lei de Acesso à Informação e algumas das discussões que permearam a
sua passagem pelo Congresso Nacional.
No Brasil, o direito de acesso às informações públicas já era previsto no inciso
XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 1988).

O art. 37 da Constituição também trata do tema, ao estabelecer a legalidade,


impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como princípios da administração
pública. E além destes ainda temos o artigo 216, que trata da gestão da documentação
governamental.

2 Artigo 19: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (ONU, 1948).
Apesar dos dispositivos constitucionais, muitas das políticas de acesso à
informação pública que se seguiram prezavam mais pela proteção das informações do
Estado do que pela sua divulgação, ou até previam o direito de acesso, mas não
estabeleciam mecanismos para a sua concretização. Este é o caso da Lei Ordinária 8.159
de janeiro de 1991, por exemplo, que trata da política nacional de arquivos públicos e
privados, e prevê que todos os cidadãos tenham direito de receber informações dos
órgãos públicos, porém, não determina como se dará o acesso a estas informações.
Em maio de 1995 foi aprovada a Lei Ordinária 9.051, que trata da expedição de
certidões para a defesa de direitos ou esclarecimentos de situações, estabelecendo um
prazo máximo de 15 dias para a expedição dos documentos a partir do registro do
pedido no órgão expedidor.
Em 1997 foram duas normativas: o Decreto Presidencial 2.1343, que tratava da
categorização e do acesso aos documentos públicos e sigilosos, e criava as “Comissões
Permanentes de Acesso”; e a Lei 9.507, conhecida como Lei do Habeas Data, que trata
dos procedimentos de Habeas Data e considera públicos os bancos de dados que não
sejam privativos dos órgãos detentores da informação, estabelecendo o prazo de 48
horas para o deferimento (ou indeferimento) do pedido.
No ano seguinte, o Decreto 2.9104 estabelecia as regras para a proteção de
documentos e demais materiais de natureza sigilosa. Em 1999 o Decreto 2.942 5
normatizava a política nacional de arquivos públicos.
Em 2000 foi aprovada a Lei Complementar nº 101, conhecida como Lei de
Responsabilidade Fiscal, que prevê a transparência na gestão fiscal, disponibilizando o
acesso às informações referentes a despesas e receitas públicas. Em 2002 foram dois
decretos presidenciais: o 4.073, que dispõe sobre o Conselho Nacional de Arquivos
(CONARQ) e sobre o Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), e determina a criação de
Comissões Permanentes de Avaliação de Documentos em cada órgão da administração
pública federal. E, em dezembro do mesmo ano, no apagar das luzes de seu mandato, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou o decreto 4.5536, que, entre outras

3 Revogado pelo Decreto 4.553/2002

4 Revogado pelo decreto 4.553/2002

5 Revogado pelo Decreto 4.073/2002

6 Revogado pelo Decreto 7.845/2012


medidas, aumentava os prazos de restrição de acesso a documentos e dava abertura para
que se instalasse o sigilo eterno daqueles classificados como ultrassecretos.
O tema foi retomado em 2009, com a aprovação da Lei Complementar nº 131,
que acrescenta alguns dispositivos à Lei de Responsabilidade Fiscal, determinando a
disponibilização em tempo real de informações sobre a execução orçamentária em todas
as esferas de governo.
Além dos aspectos normativos, na trajetória das políticas públicas para a
promoção da transparência também destaca-se a criação da Corregedoria-Geral da
União em 2001 (em 2003 a Lei 10.683 alterou o nome para “Controladoria-Geral da
União”), ministério encarregado, entre outras coisas, das ações de transparência,
controle interno e prevenção da corrupção no Poder Executivo Federal. Em 2003, foi
instituído na CGU o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, órgão
colegiado e consultivo que tem o objetivo de debater e sugerir medidas de
aperfeiçoamento dos sistemas de controle e fortalecer a transparência na gestão pública,
e conta com a participação de representantes de organizações civis7.
Outro marco nas políticas de acesso à informação foi a criação do Portal da
Transparência8, lançado em novembro de 2004 e mantido pela Controladoria-Geral da
União, que oferece informações detalhadas sobre a execução do orçamento federal.
Além disso, diversas ações vêm sendo desenvolvidas por meio da Open Government
Partnership9: em setembro de 2011 foi criado o Plano de Ação Nacional sobre Governo
Aberto10, e em abril 2012 foi instituída a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos 11.
Ainda com base na Lei de Acesso, a ministra Cármem Lúcia, no Tribunal Superior
Eleitoral, determinou em 2012 que as prestações de contas de doações para campanhas

7 Composição do Conselho de Transparência Pública disponível em: <


http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/conselho-da-transparencia/composicao> Acesso em
27 maio 2015.

8 Portal da Transparência, disponível em: http://www.transparencia.gov.br/ Acesso em 27 maio 2015.

9 Iniciativa global multilateral que trabalha para que países adotem políticas de governo aberto e
participativo. Foi lançada em setembro de 2011 e o Brasil foi um dos oito países fundadores a assinar a
Declaração de Governo Aberto. Disponível em: http://www.opengovpartnership.org/about/open-
government-declaration Acesso em 13 set. 2015.

10 Plano Nacional sobre Governo Aberto, disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/dsn/dsn13117.htm> Acesso em 27 maio 2015.

11 Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, disponível em: < http://dados.gov.br/instrucao-normativa-


da-inda/> Acesso em 27 maio 2015.
políticas fossem divulgadas antes do dia do pleito 12, e não apenas na prestação de contas
final, como prevê a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
A partir deste panorama, conclui-se que antes da aprovação da LAI algumas
medidas já vinham sendo tomadas com o objetivo de dar transparência aos atos da
administração pública. A Lei de Acesso à Informação, portanto, é resultado de uma série
de estímulos em nível nacional e internacional que buscavam consolidar o direito de
acesso à informação pública.

A trajetória no Congresso

Em setembro de 2003 a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo


(Abraji) realizou em Brasília o I Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a
Informação Pública. Ao final do evento foi criado o Fórum de Direito de Acesso a
Informações Públicas, uma coalizão que reúne 25 organizações da sociedade civil,
coordenada pela Abraji. A criação do Fórum se assemelha a movimentos de outros
países, como o grupo Oaxaca, no México, que agregou pesquisadores, jornalistas e
diversas organizações da sociedade civil para reivindicar a aprovação de uma lei de
acesso mexicana. A proposta do Fórum foi similar: reunir organizações para promover e
incentivar o debate sobre o direito de acesso a informações públicas no Brasil e
defender a criação de uma lei garantindo o acesso a documentos produzidos e tutelados
pela administração pública:

O livre acesso das pessoas aos atos do governo – nos níveis municipal,
estadual e federal – é um dos princípios republicanos básicos na construção
de uma nação. O documento e a informação produzida pelo agente público,
pelo governante ou pelo político não pertence a ele nem ao Estado, mas sim
ao cidadão13.

Em sua declaração de princípios e objetivos, o Fórum de Direito de Acesso a


Informações Públicas se compromete a atuar sem conotação político-partidária nem fins
lucrativos, incentivar o debate sobre o direito de acesso às informações públicas no
Brasil e desenvolver campanhas destacando a importância do tema. Após a aprovação

12 CRISTALDO, H. A um mês das eleições TSE publica lista com doadores de campanha. Agência
Brasil, Brasília, 07 set. 2012. Política. Disponível em: http://www.ebc.com.br/2012/09/a-um-mes-das-
eleicoes-municipais-tse-publica-lista-com-doadores-de-campanha. Acesso em 27 maio 2015.

13 Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Sobre o Fórum: o que é / objetivos. Disponível
em: <http://www.informacaopublica.org.br/node/2>, acesso em: 27 maio 2015.
da LAI, o Fórum continua ativo, com um site 14 que acompanha a implementação da lei e
reproduz matérias publicadas em portais de notícias de todo o país envolvendo
transparência e acesso à informação pública.
Alguns meses antes da criação do Fórum, em fevereiro de 2003, o deputado
Reginaldo Lopes (PT-MG) apresentou um Projeto de Lei que regulamentava o inciso
XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal. O PL 219/2003 15 estabelecia o prazo
máximo de 15 dias para prestação de informações ao cidadão por parte da administração
pública, determinava que a regra valesse para os Três Poderes e para todos os níveis de
governo, porém não apontava a internet como principal plataforma de acesso aos
documentos.
Em maio de 2003 o PL 219 foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público da Câmara, cujo relator designado foi o deputado
Ricardo Rique (PL-PB), que emitiu parecer favorável. De lá o texto seguiu para a
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O relator escolhido foi o
deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS), que também emitiu parecer favorável ao projeto
em outubro de 2003 (apesar disso, a aprovação pela CCJC só saiu em dezembro de
2004). Daí em diante o projeto ficou parado e só foi retomado três anos depois, em
2007, quando a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados apensou o PL 219/2003 a
outros projetos16 relacionados ao tema.
Em maio de 2009 o PL 219/2003 foi apensado ao PL 5.228/2009, enviado pelo
Poder Executivo. A elaboração do texto do Executivo envolveu diversos ministérios e
secretarias (Casa Civil, Justiça, Relações Exteriores, Defesa, AGU, Secretaria de
Direitos Humanos, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Comunicação
Social e CGU) e foi estruturada a partir de um modelo básico apresentado pela
organização Transparência Brasil em 2005 no Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção da CGU.
A Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para analisar o projeto
do Executivo, presidida pelo deputado José Genoíno (PT-SP), cuja relatoria ficou a
cargo do deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS). Depois de um amplo debate e de

14 Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, disponível em: <http://informacaopublica.org.br>

15 PL 219/2003. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?


idProposicao=105237 Acesso em 27 maio 2015.

16 Projetos apensados: o PL 1.019/2007, de autoria do deputado Celso Russomano, e o PL 1.924/2007, de


autoria do deputado Chico Alencar.
passar novamente pela CCJC o texto foi enfim aprovado pelo plenário da Câmara em
abril de 2010. Da lá a matéria seguiu para o Senado sob a identificação de Projeto de
Lei da Câmara 41/201017.
Em maio de 2010 o PLC chegou à Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJC), e o relator escolhido foi o senador Demóstenes Torres (sem partido,
ex-DEM-GO). Em junho o projeto foi aprovado pela CCJC e seguiu para apreciação das
comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), cujo
relator foi o senador Walter Pinheiro (PT-BA), e de Direitos Humanos e Legislação
Participativa, onde o relator foi o senador Humberto Costa (PT-PE). Ambos emitiram
pareces favoráveis ao projeto, que foi aprovado. Por fim, o texto chegou à Comissão de
Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), então presidida pelo senador Fernando
Collor (PTB-AL).
Collor assumiu a relatoria da matéria quatro meses depois, em agosto de 2011, e
propôs uma série de alterações, apresentando um projeto substitutivo ao PLC 41/2010.
O texto do substitutivo de Collor impunha mudanças consideráveis como a continuidade
do sigilo eterno para alguns documentos (“Ainda que décadas, séculos passem, há atos
dos Estados que devem permanecer sob a égide do sigilo, pois o tempo dos Estados não
é o tempo dos homens”18), a ampliação do rol das autoridades que poderiam classificar
documentos no grau ultrassecreto, o fim da obrigatoriedade e a determinação da
possibilidade de divulgação de informações na internet e a exigência de justificativa
para solicitar informações.
Além disso, o projeto substitutivo de Collor previa a reinserção do grau de sigilo
confidencial (10 anos de acesso restrito), a atribuição de caráter consultivo à Comissão
Mista de Reavaliação de Informações (e não decisório), e o fim da desclassificação
automática de documentos classificados como sigilosos após vencido o prazo:
Preocupou-nos, no projeto como nos foi apresentado, o excesso em se tornar
públicas informações cuja natureza seja eminentemente sigilosa em qualquer
nação do globo. Destacamos aqui aquelas oriundas de comunicação entre a
chancelaria e as missões diplomáticas, as produzidas no âmbito da Defesa e
das Forças Armadas (como os planos militares e a doutrina de emprego das
Forças), os dados sensíveis na área de pesquisa tecnológica de ponta e o
conhecimento produzido pelos serviços secretos. A divulgação de
informações com esse teor constituiria verdadeira oficialização do Wikileaks,

17 PLC 41/2010. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=76801&tp=1.


Acesso em 27 maio 2015.

18 Parecer do senador Fernando Collor. Disponível em: <


http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/94838.pdf>. Acesso em 27 maio 2015.
que tantos desconfortos gerou entre as maiores democracias do planeta
(PARECER CRE, 2011).

Em outubro de 2011 o projeto substitutivo apresentado por Collor foi rejeitado


pelo plenário (43 votos contrários e nove votos a favor), e manteve-se o texto do PLC
41/2010 com algumas modificações na redação que não alteraram sua essência.
Após tramitar no Senado, a lei foi aprovada em 25 de outubro 2011, sancionada
pela presidente Dilma Rousseff em 11 de novembro de 2011, dando um prazo de seis
meses para que a administração pública se adequasse às exigências da norma, até que,
finalmente, em maio de 2012 a Lei de Acesso à Informação começou a vigorar.
Ao observar o processo de tramitação da Lei de Acesso percebe-se que o tema
levantou uma discussão de caráter multipartidário, no qual parlamentares da base do
governo e de oposição assumiram posturas semelhantes, a favor da transparência. Havia
inicialmente dois conflitos relacionados ao tema: de um lado, a busca pelo
esclarecimento de fatos históricos relativos ao período da ditadura militar (não por acaso
a lei foi sancionada no mesmo dia da criação e nomeação dos membros da Comissão
Nacional da Verdade, encarregada de investigar possíveis violações aos direitos
humanos ocorridas entre 1946 e 1988), e, por outro lado, um temor relacionado ao
tratamento que seria dado aos assuntos considerados estratégicos para o Estado.
Foi por causa dos arquivos e das informações estratégicas do Ministério das
Relações Exteriores que os debates em torno da lei ganharam dimensões
políticas sensíveis, as quais quase impediram o projeto de seguir em frente.
Nesse momento, as discussões em torno da dívida histórica de mais de vinte
anos de ditadura, do direito à verdade e do resgate da memória brasileira
ofuscavam as verdadeiras possíveis consequências da LAI. A abertura dos
arquivos da ditadura seria corolário, mas não o principal objetivo do projeto
(REIS, p. 56, 2014).

Apesar de ser considerada, em geral, positiva em alguns aspectos (em relação à


sua abrangência, por exemplo), algumas críticas são feitas à LAI (ANGÉLICO, 2012),
como o fato de não determinar a criação de um órgão específico responsável pelo
gerenciamento da nova lei e por demais questões relativas ao acesso às informações
públicas, como é o caso do Instituto Federal de Acceso a la Información 19 (IFAI), no
México, ou do Consejo para la Transparencia20, no Chile. Em entrevista concedida ao

19 Instituto Federal de Acceso a la Información y Protección de Datos


<http://inicio.ifai.org.mx/_catalogs/masterpage/ifai.aspx>

20 Consejo para la Transparência


<http://www.consejotransparencia.cl/consejo/site/edic/base/port/inicio.html>
jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 25 de março de 201221, o pesquisador Toby
Mendel avalia a lei brasileira como “boa”, classificada pela organização Centre for Law
and Democracy como uma das 30 melhores do mundo. Porém, Mendel destaca que esta
avaliação leva em conta apenas o texto da lei, e não sua implementação.
Apesar das críticas, estudiosos afirmam que a existência de respaldo legal que
assegure o direito de acesso à informação deve ser considerado um avanço para o
sistema democrático em questão:
Ao sujeitar a burocracia à obrigação de divulgar informações sobre eventuais
privilégios conquistados através de relações espúrias com mandatários e
possíveis escolhas equivocadas de ambas as esferas de poder na formulação e
execução de políticas públicas, a nova legislação tem o potencial de
contribuir para reverter o efeito do patrimonialismo e do clientelismo na
cultura política brasileira, ainda que estes fatores possam significar
resistências à aplicação da lei (ROTHBERG, NAPOLITANO, RESENDE,
2013, p.111).

A despeito de não ser um projeto de lei de iniciativa popular (como a Lei da


Ficha Limpa, por exemplo), organizações da sociedade civil estavam atentas e
reconheciam a importância da aprovação de uma Lei de Acesso à Informação. O debate
político envolveu posicionamentos divergentes sobre o que deveria ser mantido ou não
fora do conhecimento público. Vencida a etapa de criação da Lei, tem início outro
processo: a implantação, que, para ser bem-sucedida deve envolver gestores públicos,
servidores e sociedade, em um trabalho conjunto.

Conclusões

Este artigo buscou situar a Lei de Acesso à Informação no cenário das políticas
brasileiras de acesso à informação pública, demonstrando que o tema foi ganhando cada
vez mais notoriedade, em especial no início dos anos 2000. Foram necessários oito anos
de tramitação até que a lei fosse aprovada, processo que envolveu disputas ideológicas
entre setores mais resistentes à abertura do Estado e aqueles que viam esse processo
como consequência natural do amadurecimento democrático.
Três anos depois, a Lei de Acesso à Informação é uma realidade, contudo, o
empenho pela garantia do direito à informação não deve ser dado como encerrado.
Levantamentos têm indicado que qualidade da aplicação da lei varia nos Três Poderes e

21 A entrevista foi republicada no Blog Públicos no dia 29 de março de 2012. Disponível em: <
http://blogs.estadao.com.br/publicos/toby-mendel-especialista-em-governo-aberto-avalia-lei-brasileira-de-
acesso-a-dados/>, acesso em: 27 maio 2015.
nos níveis administrativos, alguns mais opacos, outros mais transparentes (ARTIGO 19,
2014; MICHENER, MONCAU, VELASCO, 2014). Em um país marcado pela cultura
patrimonialista, com uma tradição de opacidade do poder, não seria razoável imaginar
que alterando a perspectiva jurídica os reflexos na sociedade viriam automaticamente.
Portanto, os aspectos culturais precisam ser levados em consideração na
elaboração de normas, que, por sua vez, precisam ser acompanhadas de ações para
fortalecer a formulação, implantação e avaliação de políticas públicas associadas ao
direito de acesso à informação. Para que a estrutura do Estado opere de maneira
adequada, superando as tradições de opacidade do poder e construindo uma cultura da
transparência, é necessário um comprometimento das autoridades e da sociedade, na
qual também se inserem os meios de comunicação e o jornalismo. A Lei em si
representa apenas uma etapa deste processo conjunto.

Referências

ANGÉLICO, F. Lei de Acesso à Informação Pública e seus possíveis desdobramento


à accountability democrática no Brasil. Dissertação de mestrado defendida na Escola
de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo: FGV, 2012.

ARTIGO 19 BRASIL. Monitoramento da lei de acesso à informação pública em


2013. São Paulo: Artigo 19, 2014.

BRASIL. Constituição Federativa. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>

_______. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>

COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL. Parecer sobre


o Projeto de Lei da Câmara nº 41 de 2010. Brasília: 2011. Disponível em:
http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/94838.pdf . Acesso em 25 nov.
2014.

MENDEL, T. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. Brasília:


UNESCO, 2009.

MICHENER, G.; MONCAU, L. F. M; VELASCO, R. Estado Brasileiro e


Transparência: avaliando a aplicação da Lei de Acesso à Informação. Fundação
Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 2014.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos


Humanos. Disponível em <
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm> Acesso em 20
abr. 2014.

REIS, L. M. S. L. A Lei brasileira de Acesso à Informação e a construção da cultura


de transparência no Brasil: os desafios para a implementação da norma e o agir
comunicativo no enfrentamento da opacidade estatal. Dissertação de mestrado
defendida na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Brasília: UnB,
2014.

RIVERA, José Antonio Aguilar. Transparencia y democracia: claves para un


concierto. In: Cuadernos de transparência, n.10. México: IFAI, 2008.

ROTHBERG, D.; NAPOLITANO, C. J.; RESENDE, L. P. Estado e burocracia: limites


de aplicação da Lei de Acesso a Informações no Brasil. In: Revista Fronteiras –
Estudos Midiáticos, volume 15, n. 2, maio/agosto de 2013.
Media Accountability como potencial instrumento
democrático na América Latina: contrapondo o
poder de influência de atores políticos e econômicos1

Mariella Bastian2

Resumo: A necessidade de que a mídia atue na promoção do fortalecimento da democracia é


amplamente admitida entre acadêmicos. Um pilar central nesse sentido são os instrumentos de
media accountability (MAI), que permitem aos jornalistas e ao público atuar, juntos, de
maneira responsável na comunicação. A academia pode e deve contribuir em uma avaliação
dos MAI no que toca ao seu potencial para fortalecer a democracia. No entanto, o contexto
específico do sistema midiático tem de ser levado em conta. No contexto latino-americano,
dois aspectos precisam de atenção especial: a relação entre a mídia e a política e a estrutura
econômica dos meios de comunicação. Por isso, este texto analisa os MAI na América Latina,
colocando-os em perspectiva com o poder de influência de atores políticos e econômicos.
Palavras-chaves: media accountability, democratização, concentração da mídia

Introdução

A política e a economia são determinantes na questão da democratização de um país.


Além disso, em geral os meios de comunicação são considerados instrumentos muito
importantes para o fortalecimento e o funcionamento da democracia (BAKER, 2007;
MATOS, 2012). Mas como a mídia pode cumprir essa função adequadamente atuando num
determinado quadro político e econômico? Para responder essa pergunta, é preciso investigar
a situação de media accountability, ou seja, os instrumentos de auto-regulação dos meios de
comunicação e demais mecanismos que podem fortalecer a qualidade dos veículos e assegurar
o pluralismo no setor.
Há ligações em diferentes níveis entre instrumentos de media accountability (em
inglês: media accountability instruments, MAI) e os sistemas políticos e econômicos que

1
O projeto de doutorado ao que este texto se refere é financiado pela fundação Hanns Seidel.
2
Mariella Bastian, mestre em jornalismo pela Universidade Técnica de Dortmund/Alemanha, é doutoranda e
trabalha no Instituto Erich Brost para jornalismo internacional da TU Dortmund. As linhas de pesquisa da autora
incluem media accountability, mídia na América Latina, mídia e democracia e jornalismo e mídias sociais. E-
Mail: mariella.bastian@tu-dortmund.de

1
estão no foco dessa análise. Neste texto, algumas conexões são apresentadas para esclarecer
as condições para o fortalecimento de media accountability a serviço da democratização,
tendo como base o contexto latino-americano.
MAI como, por exemplo, ombudsmen, observatórios da mídia ou a publicação de
códigos de ética devem defender a independência dos meios de comunicação do controle e da
censura estatal (BERTRAND, 2000; EBERWEIN et al, 2011; STAPF, 2005, p. 17–36). O
funcionamento de muitos desses instrumentos depende, entre outros aspectos, do papel do
governo e de atores políticos, mas também do quadro econômico no qual os veículos de
comunicação atuam. Portanto, este artigo tem o objetivo de apresentar um primeiro passo para
um desenvolvimento de um enquadramento de pesquisa sobre media accountability na
América Latina. No foco dessa aproximação às esferas que podem influir a criação de
instrumentos de media accountability estão os sistemas políticos e econômicos.
Um fator importante que deve ser considerado na pesquisa sobre media accountability
é o desenvolvimento digital. Pesquisadores tem assumido que a internet tem o potencial para
promover o discurso público e que a deliberação pode acontecer pela participação do público,
em situações nas quais limitações espaciais e restrições do poder se reduzem (COLEMAN;
BLUMLER, 2009; DAHLBERG, 2001; DAHLGREN, 2005; FREELON, 2010;
RASMUSSEN, 2008). Além disso, tem havido transformações no papel tradicional dos meios
de comunicação de massa como gatekeepers porque cidadãos tem encontrado mais maneiras
de difundir suas ideais e atitudes, além de notícias próprias, publicadas na internet. Esse
aspecto continua a ser especialmente relevante em democracias incompletas (BASTIAN;
TRILLING, 2013; sobre o conceito de democracias incompletas: MERKEL, 2010).
Por isso, tanto instrumentos tradicionais de media accountability quanto instrumentos
inovadores têm que ser ainda mais investigados. Até agora, existem pesquisas sobre alguns
instrumentos próprios na América Latina, como, por exemplo, o observatório brasileiro SOS
Imprensa (PAULINO; SILVA, 2007) ou ombudsmen (LEAL FILHO; PAULINO; SILVA,
2012; PAUWELS, 2012) e pesquisas comparativas de diferentes países sobre um instrumento
(por exemplo HERRERA; CHRISTOFOLETTI, 2006), que indicam como uma parte de
instrumentos de media accountability são colocadas em prática na América Latina. A
pesquisa provavelmente mais recente e ampla sobre media accountability ocorreu por meio do
projeto MediaAcT3 (FENGLER et al, 2014; EBERWEIN et al, 2011) que investigou o
fenômeno na União Europeia e em dois países do mundo árabe. Acadêmicos criticam também
a investigação insuficiente sobre o papel da mídia em processos de democratização em países

3
Mais informações disponível no site do projeto www.mediaact.eu

2
em transição de regimes autoritários para práticas democráticas, por exemplo na região da
América Latina (por exemplo PORTO; HALLIN, 2009; PORTO, 2012, p. 35), e
especialmente sobre “the relationship between the media and the dynamics of democratic
deepening in transitional societies”4 (Ibid., p. 35).

Media accountability

O termo media accountability foi elaborado por Claude-Jean Bertrand (2000).


Baseado neste conceito, Denis McQuail (2010, p. 206) entende media accountability como
“voluntary or involuntary processes by which the media answer directly or indirectly to their
society for the quality and/or consequences of publication”5. Accountability é uma palavra que
muitas vezes é usada como sinônimo de coisas parecidas, como responsability,
responsiveness ou governance ou não está delimitada claramente (DE HAAN, 2011, p. 62).
Esse problema também é resultado da tradução do fenômeno em diferentes línguas. No caso
de português e espanhol, accountability se refere muitas vezes aos termos prestação de contas,
e responsabilidade social da mídia, respectivamente. Uma definição recente que inclui
diferenças foi elaborada no contexto do projeto MediaAcT: Fengler et al. (2011, p. 20)
definem instrumentos de media accountability como:

any informal institution, both offline and online, performed by both media professionals and
media users, which intends to monitor, comment on and criticize journalism and seeks to expose
and debate problems of journalism:
- at the individual level (e.g. plagiarism of a single journalist, misquotiation in an article),
- at the level of media routines (e.g. the acceptance of corruption among journalists),
- at the organizational level (e.g. PR influence on editorial decision in a newsroom), and
- at the extra-media level (e.g. state repressions against journalism). 6

Essa definição tem a vantagem de facilitar a análise do status quo de práticas de media
accountability num determinado sistema midiático, porque define os diferentes níveis em que
esse fenômeno pode ocorrer e, portanto, já inclui diferentes atores possíveis.
4
“a relação entre a mídia e as dinâmicas de um aprofundamento democrático em sociedades transitórias”
(tradução própria)
5
“processos voluntários o involuntários pelos quais a mídia responde diretamente o indiretamente a sociedade
para a qualidade e/ou as consequências de publicação.” (tradução própria)
6
“qualquer instituição informal, ambos offline e online, realizado por ambos professionais e usuários de mídia,
que pretende monitorar, comentar e criticar o jornalismo e que busca expor e discutir problemas do jornalismo:
- no nível individual (por exemplo plágio de um jornalista, citação errada em um artigo),
- no nível de rotinas da mídia (por exemplo a aceitação de corrupção entre jornalistas),
- no nível organizacional (por exemplo influência em decisões jornalísticos em uma redação), e
- no nível externo da mídia (por exemplo repressões estatais contra o jornalismo).”
(tradução própria).

3
Alguns anos antes, os pesquisadores Bardoel e d’Haenens (2004, p. 8f.) apresentaram
também uma aproximação com subdimensões. Eles descrevem media accountability no
contexto do debate sobre uma midiatização (inglês: mediatization) crescente da sociedade e
apoiam a recomendação por mais transparência e accountability como contraponto à crescente
influência da mídia. Bardoel e d’Haenens (2004) subdividem o termo media accountability
em quatro setores: market accountability, professional accountability, public accountability e
political accountability. O setor de ações políticas de accountability contém por exemplo leis
de mídia, enquanto professional accountability afeta em primeiro lugar o setor da auto-
regulação da mídia, por exemplo via códigos de ética de empresas jornalísticas (HEIKKILÄ
et al, 2012, p. 6f.). Market accountability se refere à atuação da mídia no sistema econômico e
ao relacionamento com os proprietários com interesses econômicos. Por outro lado, public
accountability abrange ações para a interação com o público e para um comportamento
adequado quanto às reações do público (Ibid).
Referindo-se a essas categorias de media accountability, Bardoel e d’Haenens (2004,
p. 20) avaliam o mercado como “rarely being an adequate mechanism of social
responsability”7. Com certeza os diferentes setores se sobrepõem ou influenciam muitas vezes
em um ou outro quadro, como, por exemplo, no caso de desenvolvimento de uma lei de
mídia, no qual tanto o sistema político é envolvido como isso pode ter uma influência direta
sobre o mercado. Como cada região – e, portanto, também cada sistema midiático – tem as
suas próprias tradições históricas, culturais e políticas, existem exigências e expectativas
específicas em relação à implementação e ao potencial de media accountability. Na América
Latina, a importância de aspectos econômicos e políticos para o desenvolvimento de
instrumentos de media accountability deve ser levada em conta.

O quadro econômico em foco: que papel têm os donos da mídia?

Panoramas midiáticos altamente concentrados caracterizam os países latino-


americanos. Historicamente, grupos familiares possuem grandes partes do mercado da
mídia, como por exemplo a família Marinho e a gestão do Grupo Globo no Brasil, os
Noble e o Clarín na Argentina, os Scheck no Uruguai ou a família Cisneros na
Venezuela. Portanto, existe uma estrutura dupla: por um lado, sistemas midiáticos são
caracterizados por algumas organizações de mídia que dominam o mercado, e por

7
“raramente sendo um mecanismo adequado de responsabilidade social” (tradução própria)

4
outro lado as estruturas de propriedade dessas organizações ou conglomerados são
altamente concentrados com grupos familiares controlando todas as ações ou a grande
maioria delas.
O fato de muitas empresas serem ativas em vários setores da mídia, como por
exemplo TV, rádio e mídia impressa ao mesmo tempo, contribui para o alto índice de
concentração, algo que intensifica a influência desses veículos de comunicação sobre a
opinião pública. Esse fenômeno chamado cross-media ownership muitas vezes
começa com um conglomerado que está ativo em um setor só e depois investe em
outros setores da mídia (BOAS, 2013, p. 53; LIMA, 2011, p. 29; DOYLE, 2002, p. 66-
82). Tais práticas acontecem, por exemplo, no caso da Globo (Brasil) ou do Clarín
(Argentina), que já tinham uma posição bem forte no mercado impresso antes de
começar a investir no setor da radiodifusão.
Organizações midiáticas públicas ou estatais com uma influência relevante são
relativamente incomuns na América Latina – conforme Boas (2013, p. 54), Argentina
e Venezuela são os únicos países na região onde emissoras financiadas por recursos
públicos têm uma quota de mercado de mais de cinco por cento. Por outro lado, os
governos têm a possibilidade de influenciar na distribuição de notícias, por exemplo
via mídia pública (em alguns casos os limites entre mídia pública e veículos a serviço
do Estado não estão claramente definidos nas práticas e/ou nas normas), ou por uma
relação de proximidade entre mídia e a política, aspecto vai ser desenvolvido mais
detalhadamente adiante.
De um ponto de vista normativo e democrático, Baker (2007, p. 5–53)
argumenta que evitar a concentração de propriedade da mídia é essencial para que (1)
a distribuição de poder comunicativo contribua para um sistema político mais
democrático, (2) o abuso de poder comunicativo seja evitado, e (3) falhas sistemáticas
no mercado da mídia sejam reduzidas e a qualidade garantida. Baker considera esses
três aspectos cruciais. Porém, o autor adiciona mais três fatores que também são
relevantes no processo de reduzir a influência de estruturas de propriedade no
desenvolvimento da democracia: (4) grandes conglomerados de mídia que estão ativos
em diferentes setores costumam ser mais vulneráveis à pressão externa, por exemplo
por políticos ou entidades privadas, (5) pressão interna ou até auto-censura por causa
de outros interesses (econômicos) do conglomerado pode ser diminuída em situações
de menor grau de concentração, e (6) apesar de sinergias presumidas, os

5
conglomerados também podem ter atuação ineficiente.
Além disso, outros acadêmicos como Doyle (2002, p. 172) chamam a atenção
para a diversidade cultural e a coesão da sociedade, que correm o risco de ser
ameaçadas. Em conclusão, “[...] policies that affect media concentrations have very
significant political and cultural as well as economic implications.” 8 (DOYLE 2002, p.
7). Neste último caso, Doyle (2002, p. 172) por exemplo argumenta que mesmo para
as empresas um risco da concentração pode ser colocar a identidade da própria marca
em risco, além da questão da distribuição dos custos e das verbas disponíveis para a
mídia em total. Mas os efeitos no setor político e cultural são ainda mais relevantes na
elaboração presente: as possibilidades da implementação de instrumentos de media
accountability são localizados nessas áreas em termos de assegurar o pluralismo e
garantir mais diversidade nos conteúdos e – em consonância com isso – nos grupos de
atores na mídia.
Segundo Klinger (2011), stakeholders do setor político, da sociedade civil e da
mídia têm possibilidades para atuar contra a concentração do mercado mediático
apesar de todos os desafios existentes. Tais ações podem ser encontradas tanto na
grande variedade de instrumentos de media accountability como em medidas políticas.
A relevância de aproveitar a oportunidade de atuar contra a concentração da mídia fica
especificamente clara no caso de América Latina, como Boas (2013, p. 54) explica:
“Most of Latin America’s media moguls can act with an impunity that Rupert
Murdoch would envy.”9
Em termos de relação entre mídia e política, Baker (2007, p. 163–189) faz
algumas sugestões – que obviamente podem ser discutidas criticamente 10 – de como
evitar uma concentração alta no mercado da mídia. Segundo o autor, uma dessas ações
seria introduzir uma lei que promova a competição, regulando a percentagem máxima
de uma empresa no mercado. No entanto, uma lei que define um nível máximo de
circulação e, portanto, limita o crescimento interno de uma organização (contrastando
com medidas legislativas que têm um foco na fusão de empresas) seria controversa de
um ponto de vista democrático, porque cidadãos poderiam ser excluídos de certos
8
“[…] políticas que afetam a concentração da mídia têm significantes implicações políticos e culturais tão como
econômicos”.
9
“A maioria de magnatas latino-americanos dos meios de comunicação podem atuar com uma impunidade que
Rupert Murdoch invejaria” (tradução própria).
10
Especialmente os diferentes contextos culturais, sociais e históricos de sistemas midiáticos devem ser
considerados na avaliação de benefícios de mecanismos possíveis para contrapor e combater uma concentração
alta do mercado.

6
produtos de notícias.
Além de tais leis competitivas e antitrustes, uma abordagem estrutural poderia
se dar por meio da proibição de criar novas empresas de mídia para organizações já
existentes, ou a apreciação obrigatória do governo em solicitações de fusão de
organizações. Outra medida por parte do Estado poderia ser a aplicação de taxas e
políticas de subsídios para proporcionar uma dispersão maior no setor midiático.
No entanto, essas sugestões representam só alguns exemplos de medidas
possíveis e elas têm como objetivo um ideal que dificilmente pode ser alcançado
(Ibid., p. 164). As estruturas de propriedade na América Latina criam vários desafios e
uma situação especial para o desenvolvimento de um sistema de media accountability
em funcionamento, situação agravada pela relação entre mídia e política nos países da
região.

O quadro político em foco: Que papel têm os atores políticos?

Um fator que mostra a importância da investigação científica de possibilidades de


media accountability na América Latina é a forte relação entre atores políticos e a indústria da
mídia. Essa ligação é caracterizada por diferentes aspectos que a determinam: (1) um
desequilíbrio em relação ao acesso a informações de qualidade entre regiões e diferentes
grupos da sociedade, (2) uma concentração intensa no mercado da mídia, (3) raras emissoras
de radiodifusão pública e radiodifusores estatais com alcance restrito na maior parte dos
países latino-americanos, (4) organizações religiosas, como igrejas pentecostais, atores
relativamente recentes, mas já influentes no mercado, e (5) o coronelismo eletrônico
(MATOS, 2012, p. 11 ff.; LIMA, 2011; TRILLING, 2012; LIMA; LOPES, 2007; PORTO,
2010, p. 107–124; MATOS, 2009).
Cada um desses cinco fatores tem um impacto diferente em países latino-americanos.
Brasil, Argentina e Uruguai, por exemplo, têm em comum o fato de as possibilidades de
acesso à informação dependerem fortemente das grandes diferenças entre áreas urbanas e
rurais. Fatores como penetração de internet ou distribuição de jornais são mais diversos entre
as grandes cidades e áreas rurais, se comparadas com o acesso a TV e rádio, que está mais
bem disseminado nesses países.
A alta concentração no mercado é uma importante característica da mídia na América
Latina. Klinger (2011, p.32) argumenta que esse tipo de sistema midiático não é criado por
acaso, mas é resultado de ações políticas. Portanto, proporcionar um ambiente para um

7
público aberto e democrático no qual exista a intermediação entre stakeholders e no qual as
pessoas possam participar no processo político é papel de atores políticos em sociedades
políticas. A falta de pluralismo externo devido à concentração no mercado de mídia afeta os
setores social, judiciário, político e econômico (Ibid., p. 32). Restrições às estruturas de
propriedade no mercado da mídia é um tema relevante porque afeta as condições de
exercício da liberdade de expressão nos países latino-americanos.
Como já descrito anteriormente, organizações públicas ou estatais de mídia com
uma quota de mercado perceptível são raras na região. (BOAS, 2013, p. 54) A situação
para radiodifusores públicos é semelhante: em geral eles não têm uma audiência muito
ampla em comparação com a concorrência privada, como por exemplo no caso dos
veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Enquanto isso, por exemplo, a igreja pentecostal Igreja Universal do Reino de
Deus com seu radiodifusor Rede Record é um ator importante no Brasil – TV Record tinha
uma quota de mercado de 14,6% em 2007 e foi e a segunda maior emissora de TV aberta
junto com SBT e depois de TV Globo (GRÜNEWALD; KIRSCH, 2009, p. 835) –, no
Uruguai emissoras religiosas não tem um papel tão importante, situação atípica na
América Latina. Uma preocupação é que atores com um contexto específico, nesse caso
religioso, possam influenciar essencialmente o conteúdo e a distribuição de notícias.
A mesma preocupação afeta o fenômeno do coronelismo eletrônico11, que
representa o abuso de poder econômico por razões políticas. O conceito original de
coronelismo foi desenvolvido por Victor Nunes Leal (1948), que descreveu práticas
políticas nas áreas rurais do Brasil durante a República Velha (1889-1930). Desde o
século XIX os chefes locais no Brasil foram chamados de coronéis (LIMA; LOPES, 2007,
p. 2). Portanto, coronelismo eletrônico significa a prática na qual políticos (locais)
recebem licenças para emissoras e, em troca, apoiam grupos políticos (MIGUEL, 2007, p.
413; LIMA, 2011, p. 81). Segundo Costa (2008, p. 130), por exemplo, no Brasil a
atribuição de licenças segue só teoricamente critérios técnicos – a lealdade a grupos
políticos acaba por ser muito mais importante.
“No coronelismo eletrônico, portanto, a moeda de troca continua sendo o voto, como
no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da
informação – vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública”
(LIMA; LOPES, 2007, p. 3)

11
Em países de língua espanhola se usam, de maneira semelhante ao coronelismo, os termos caudillismo ou
caciquismo.

8
Lima (2011, p. 81) argumenta que esse fenômeno seria “ uma das principais
características da radiodifusão brasileira desde a metade do século passado”. A relação de
proximidade entre política e mídia fica clara no fato de que um grande número de
políticos controla direta ou indiretamente organizações de mídia de países latino-
americanos (BOAS, 2013). No caso do Brasil, o projeto Donos da Mídia publicou uma
lista com 271 políticos que são diretores ou sócios de 324 veículos de comunicação
(DONOS DA MÍDIA, n.d.). A gama das posições deles é ampla com políticos atuantes no
Poder Executivo ou no Poder Legislativo, mas a maioria deles são governadores,
deputados federais e senadores (LIMA; LOPES, 2007, p.3). Exemplos destacados de
famílias brasileiras que são ativas na política e possuem veículos de comunicação são os
Sarney ou os Collor de Mello (Ibid. f.), cujos personagens mais conhecidos foram ex-
presidentes brasileiros.

Conclusão

A apresentação de dois fatores básicos que influenciam um desenvolvimento potencial


de instrumentos de media accountability na América Latina demonstra que existe uma
situação específica na região que exige ainda mais pesquisas sobre essa temática. É necessário
aprofundar o status quo das práticas de media accountability nos países da América Latina
para saber quais instrumentos são mais utilizados. Além disso, pesquisas nessa área precisam
ser adaptadas às particularidades que existem especialmente nos quadros políticos e
econômicos latino-americanos. Por isso, é necessário identificar os fatores externos e internos
que influem a estabilização e a criação de instrumentos de media accountability em
organizações de comunicação para avaliar o potencial de MAI para o desenvolvimento da
democratização da comunicação. Certamente a relação entre os sistemas políticos e midiáticos
e a concentração na propriedade das empresas latino-americanas de mídia são aspectos que
fortemente influenciam as oportunidades para que os veículos possam cumprir todas as
funções que a sociedade pode exigir deles. Mas não são as únicas características – sejam
obstáculos ou fatores encorajadores: outros aspectos, como por exemplo o quadro cultural ou
social, sempre devem ser incluídos nas pesquisas relacionadas à mídia e accountability.

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12
Participação popular nos meios de comunicação no Brasil

Marina Domingos dos Santos Barbosa1

Resumo
O artigo propõe uma retrospectiva sobre a relação dos meios de comunicação de massa com
sua audiência na criação de fóruns e arenas de participação popular, numa espécie de esfera
pública criada pela mídia. Propomos realizar um resgate sobre a participação popular no
Brasil e o advento de programas com formatos voltados à participação popular. Usaremos a
revisão bibliográfica para tratar do tema, revisitando autores fundamentais na definição de
conceitos como “esfera pública” (HABERMAS, CARPENTIER) e “participação popular”
(AVELAR, RAMOS), além de autores ligados ao campo da Comunicação (ESCH, LIMA,
RUBIM), entre os outros.
Palavras-chave: Mídia, participação popular, mediação da mídia, cidadania,
audiência.

1. Introdução

O cidadão comum tem tido grande destaque nos meios de comunicação nos
dias atuais. Programas inteiros são dedicados a sua participação, que geralmente está
ligada a reclamações e reivindicações sobre algum tipo de direito. Até mesmo os
programas de entretenimento usam e abusam da participação de populares que vão até
o estúdio para ganhar um teste de DNA ou um favor, conquistado após a exposição de
suas lamúrias em rede nacional.
A participação confere aos programas legitimidade e credibilidade junto ao
público, chama atenção, aproxima o telespectador, o ouvinte que está em casa, da
realidade do outro que está do outro lado. Também é uma válvula de escape para
quem participa, que pode se fazer ouvido, ter um espaço para colocar sua voz, sua
versão.
Mas não é de hoje que a participação popular em programas de rádio e
televisão acontece. Um fenômeno bem conhecido é o rádio social, sobre o qual

1 Mestranda em Comunicação Social – Universidade de Brasília. Linha Jornalismo e Sociedade. Email para:
mdomingos_df@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7749484943510047

1
trataremos a seguir, em que um comunicador cobra das autoridades locais sobre
problemas da comunidade, como falta de água, buracos nas ruas e deficiência no
atendimento básico de saúde.
Outro tipo de participação popular nos meios de comunicação acontece nas
rádios comunitárias. Por meio desse meio de comunicação, nos últimos 20 anos, a
participação de comunidades diretamente no feitio de programas de rádio se
intensificou e, hoje, o país conta com milhares de emissoras comunitárias espalhadas
pelo país.
Para entender melhor as diferentes abordagens dos meios de comunicação à
participação do cidadão, vamos começar por um resgate histórico sobre a participação
popular no Brasil. Muito antes de se transformar num filão do jornalismo e do
entretenimento, a participação dos cidadãos tem sua gênese ligada à busca pelo
reconhecimento de direitos civis, ainda nas décadas de 1960 e 1970, durante a
ditadura no Brasil (1964-1985).
A pesquisadora Denise Cogo lembra em seu livro No ar...uma rádio
comunitária (1998), que na América Latina e, em última instância no Brasil, esse tipo
de participação emerge no interior da Igreja Católica e dos movimentos e
organizações sociais, impulsionando o surgimento das rádios comunitárias, quando a
informação das rádios comerciais ainda passava pelo constrangimento da censura e de
forte orientação político-ideológica, causada pelo Golpe de 64:

Na América Latina, já faz mais de meio século os povos indígenas,


sindicatos, universidades, igrejas e movimentos sociais despertaram
para o uso popular e comunitário do rádio. Sob diferentes
denominações (rádio popular, comunitária, educativa, rural, local,
pública), as primeiras emissoras comunitárias participativas surgem
quase ao mesmo tempo na Colômbia e nos Estados Unidos há mais
de 40 anos. A combinação de esforços, por parte, inclusive, dos
setores privados, acaba fazendo do rádio comunitário latino-
americano um dos mais dinâmicos e criativos do mundo (COGO
apud GIRARD, 1998, pg. 57).

A professora colombiana Esmeralda Villegas2 também destacou iniciativas


como o mimeógrafo, o pequeno jornal rodado às escondidas, os micro meios de

2 Esmeralda Villegas Uribe concluiu sua graduação em comunicação social na Pontifica Universidade Javeriana,
em Bogotá (Colômbia), em 1981, onde também realizou uma especialização. Se tornou especialista em rádio no
CIESPAL. Em 1997 defendeu na UMESP sua dissertação de mestrado “A Rádio popular na vila de Nossa Senhora
Aparecida; uma proposta de comunicação popular”, orientada pelo Prof. Dr. José Marques de Mello.

2
comunicação como ferramentas que fortaleceram a formação sóciopolitica das
comunidades, que tiveram início nos próprios movimentos sociais e não nas
faculdades de comunicação. “Grupos populares, sindicatos, campesinos começaram a
produzir comunicação. Atores novos que aparecem na arena pública”, destacou
Villegas em palestra na Escola de Verão: “Pesquisa em Comunicação na América
Latina”, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).
Pensando no grande impacto dos meios de comunicação nos dias atuais, de
sua existência para o fortalecimento da democracia, o presente artigo se propõe a
remontar, de forma sucinta, a trajetória da participação popular na mídia. O que é
participação? Ela se dá apenas no campo da política? Pode acontecer nos meios de
comunicação? Para tentar entender essas questões, propomos uma revisão
bibliográfica dos principais conceitos que permeiam a participação popular na mídia,
na tentativa de identificar a origem desse fenômeno no Brasil e uma análise sobre
como se consolidou nos meios de comunicação nos últimos anos.

2. Participação popular

O conceito de participação possui várias interpretações dentro da Teoria


Democrática clássica que preza pela relação representante/representado e tem no
sistema eleitoral seu principal mecanismo de legitimação na política e nos processos
de decisão do Estado. De acordo com o professor Nico Carpentier (2011), o grau de
participação pode oscilar de acordo com os diversos modelos democráticos vigentes,
em minimalista ou maximalista, sendo que os modelos da nova esquerda e da
democracia deliberacionista são os que mais equilibram a participação com a ideia de
representante e representado.
O professor relembra Elster (CARPENTIER apud ELSTER, 1998) ao
enfatizar que é no “processo de discussão entre cidadãos livres e em iguais condições,
que a democracia deliberativa está situada” e também evoca Habermas (1996) para
reforçar a ideia de que para atuar na esfera pública, em condições de igualdade e
racionalidade, é preciso fortalecer o papel das instituições na transformação da
opinião pública em poder comunicativo (CARPENTIER, apud HABERMAS, 1996).

No modelo habermasiano de democracia deliberativa, a


participação é multidirecional por causa da forte ênfase no

3
procedimento deliberativo (rito procedimental), e no papel que as
instituições desempenham na transformação da opinião pública em
poder comunicativo. Nesse modelo de duas vias da política
deliberativa, a esfera pública se torna “um sistema de alarme com
sensores que, embora não específicos, são sensíveis ao todo da
sociedade” (CARPENTIER apud HABERMAS, 1996: 359)3.

A Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, parte do princípio de que os


homens são capazes de ação, e para isso utilizam-se da linguagem para se comunicar,
buscando chegar a um entendimento. O filósofo deduz que a representação política de
uma república democrática não pode estabelecer a separação entre representantes e
representados, sendo fundamental o trabalho dos meios de comunicação para alcançar
esse propósito.

A linguagem, do ponto de vista habermasiano, é concebida como


elo de interação entre indivíduos como forma de garantir um
processo democrático nas decisões coletivas, onde através de
argumentos e contra-argumentos, livres de coerções, os sujeitos
possam chegar a um consenso (IAROZINSKI, 2000, p. 14-15).

A teoria tem sido muito estudada por tratar o cidadão como ser ativo no
processo de comunicação e decisão, não apenas como receptor passivo das decisões
tomadas por representantes instituídos pelo poder do voto - presumidamente mais
capacitados a decidir por seus representados. O cidadão passa a atuar no novo
contexto de participação, onde o poder do voto é expandido à própria sociedade, que
tem a possibilidade de responder aos estímulos, se transformando em uma sociedade
interativa.
Em tempos de internet e redes sociais, onde a interatividade é uma variável
constante e que, sem ela, o sucesso do processo comunicativo não aconteceria,
analisar a participação dos cidadãos nos diferentes espaços públicos gerados pela
mídia é uma forma de entender os novos mecanismos de atuação desses entes nessa
nova arena. “A internet é uma grande praça que pode romper com os meios
tradicionais de comunicação na mobilização de pessoas”, disse o professor uruguaio,
Gabriel Kaplún4, durante palestra na Escola de Verão: “Pesquisa em Comunicação

3 In the Habermasian model of deliberative democracy, participation is multidirectional because of the strong
emphasis on the procedural-deliberative, and on the role that institutions play in the transformation of public
opinion into communicative power. In his two-track model of deliberative politics, the public sphere becomes a
“warning system with sensors that, though unspecified, are sensitive throughout society” (Tradução livre)
4 Gabriel Kaplún é comunicador, Prof. Dr. em Estudos Culturais. Docente e investigador da Universidade da
República, Diretor de Licenciatura em Ciências da Comunicação, no Uruguai.

4
na América Latina”, na UnB. Para ele, os meios de comunicação tradicionais
(televisão, rádio e jornal) já desempenhavam um papel importante no agendamento de
assuntos de interesse da população e o advento da internet permitiu que a população
emitisse sua opinião sobre esses temas, se tornando uma “possibilidade democrática
interessante”.

3. Participação no Brasil

Se recuperarmos a história do Brasil, a participação da sociedade nas grandes


decisões políticas não foi contundente até meados do século XX. O historiador José
Murilo de Carvalho (2002) chama a atenção para dois fatores principais que
determinaram a falta de participação do cidadão brasileiro na busca por sua cidadania:
o formato de colonização português implantado no Brasil, que priorizou o
desenvolvimento econômico, baseado na exploração dos bens naturais aqui
encontrados e na escravocracia, e na introdução tardia de um sistema educacional que
incluísse sua população nativa. Não houve participação popular na Independência do
Brasil (1822) e tampouco na proclamação da República (1889), apenas para citar dois
episódios históricos importantes.

Não havia república no Brasil, isto é, não havia sociedade política;


não havia “repúblicos”, isto é, não havia cidadãos. Os direitos civis
beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos
direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social estava a
cargo da Igreja e de particulares (CARVALHO, 2002, pg. 24).

Para o historiador, a cidadania no Brasil ainda não é plena, no sentido da


garantia de todos os direitos, sejam ele sociais, civis e políticos. Para ele “o fenômeno
da cidadania é complexo e historicamente definido” (CARVALHO, 2002. Pg. 8). Por
isso, o exercício de certos direitos não garante automaticamente o gozo de outros.
“Isto porque a cidadania inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes
sem as outras”. Desta forma, “uma cidadania plena, que combine liberdade,
participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no ocidente e talvez
inatingível” (CARVALHO, 2002. Pg. 9).
A pesquisadora e professora da Universidade de Brasília (UnB), Lúcia Avelar
em seu artigo Participação Política, no livro: Sistema Político Brasileiro: uma

5
introdução, traça uma análise sobre a participação da população brasileira na busca
por um sistema democrático mais justo e igualitário.
Ela também destaca que a participação da população brasileira nos processos
decisivos da política se deu apenas em meados do século XX com a urbanização do
país.

A consolidação da ideia de um Estado de soberania popular oferecia


a possibilidade para que cada cidadão, indiferentemente de sua
posição na sociedade civil, pudesse reivindicar os seus direitos, de
modo a superar sua desigualdade diante de outros que usufruíam de
privilégios sociais e políticos (AVELAR, 2004, pg. 224).

Ainda de acordo com a pesquisadora, nos Estados Unidos, por exemplo, a


ideia de cidadania universal já estava presente desde a criação de sua república, em
1776. De outra maneira, aqui o interesse da população pela política sempre foi
tradicionalmente limitado às esferas institucionalizadas dos partidos políticos,
sindicatos e associações de classe, entre outras.
Porém, ela também destaca a influência da Igreja Católica, que na década de
1970 começou um trabalho de conscientização e educação da população por meios
das Comunidades Eclesiais de Base, chamadas de CEB’s. Esse movimento ligado à
igreja seria um dos primeiros canais de participação da população de cunho
organizacional, ou seja, forma não institucionalizada de organização coletiva, a atuar
no cenário político brasileiro.
O professor Murilo Ramos (2007) relembra que a participação popular por
meio da sociedade civil também é um tipo de alternativa democrática, fora do
liberalismo político e do capitalismo econômico.

Negação acentuada pela exacerbação prática de um outro conceito


essencial, o de sociedade civil, cuja, polissemia, como aqui se tem
tentado demonstrar, nos levou a misturá-lo indiscriminadamente
com esfera pública, terceiro setor, sem nos darmos conta de que ele
constitui com o Estado os conceitos essenciais sem os quais nossas
análises político-econômicas e socioculturais podem perder
totalmente o sentido (RAMOS, 2007. Pg. 39)

O papel da sociedade civil organizada durante a ditadura foi fundamental para


o desencadeamento do processo responsável pelas mudanças na vida política dentro
do Brasil, como a que levou milhares de brasileiros às ruas em 1984, no movimento

6
das Diretas Já, como forma de pressionar para o fim do regime, o que ocorreu em
1985.
Outro exemplo, na década de 1990, o movimento dos “cara-pintada”, que
mobilizou os jovens contra as denúncias de corrupção por parte do então presidente
Fernando Collor de Melo. Porém, a atuação política, foi realizada pelo Congresso
Nacional, que votou pela cassação do mandato presidencial no processo de
impeachment. Mais recentemente, o movimento dos protestos de junho de 2013, que
pediram mais participação social nas instâncias de decisão do governo sem depender
da representatividade política e, até mesmo, questionando essa representatividade.

4. Participação na Mídia

Em seu livro Comunicação & Política (2000), o professor e pesquisador


Antônio Albino C. Rubim, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), chama a atenção
sobre quão grande e importante é o papel da mídia na vida política dos brasileiros, que
hoje interagem numa sociedade onde os meios de comunicação tradicionais se fazem
presentes em praticamente todas as casas.
O autor traça um panorama da atual sociedade brasileira como tendo o perfil
de uma sociedade estruturada e ambientada pelos meios de comunicação, numa
verdadeira idade mídia: um tipo de sociedade centralizada na mídia, que substitui as
formas clássicas de intervenção dos cidadãos nos eventos políticos, pelo
acompanhamento das ações da política através da televisão, rádio e outros veículos de
comunicação (RUBIM, 2000, pg. 29).
Segundo ele, esse fenômeno ocorre a partir do momento em que a mídia
começa a exercer papel fundamental na vida das pessoas, que substituem sua
participação em praças e locais de encontro para discussões pelo que ele chama de
“telerrealidade” e “telepolítica”, prática baseada nos reflexos das discussões
organizadas e agendadas pela mídia, longe da participação real e efetiva dos cidadãos.
Ao assistirem as notícias de um telejornal, por exemplo, as pessoas se dão por
satisfeitas do envolvimento político que lhes cabe:

O envolvimento pelo ambiente sociocomunicacional, a quase


onipresença da mídia, a telepolítica, os novos componentes
políticos, enfim, toda esta complexa constelação afeta em
profundidade a política que se realiza em seus “tradicionais

7
lugares”: nas ruas, nas praças, parlamentos, etc. A existência dessa
engenhosa plêiade redefine os nichos ocupados por cada um dos
elementos na “ecologia da política atual” ( RUBIM, op. cit. Pág. 55-
56).

Ainda segundo ele, a emergência da comunicação no campo político não deve


ser encarada como o fim das formatações políticas já existentes, pelo contrário, devem
surgir novas definições sobre o papel da política e da comunicação:

Os novos ingredientes, em vez de serem desqualificados como


intrusos e portadores de lógicas estrangeiras à política, devem ser
compreendidos em sua novidade e pensados em sua espacialização,
ainda não bem delineada, no campo da política, bem como em sua
articulação e tensão com os antigos elementos que davam
substância a esse campo (RUBIM, 2000, pg. 55).

Surge então uma nova esfera pública, mediada pela mídia e com
características de ampla participação popular, que influencia a opinião pública e é por
ela influenciada.

4.1 Rádio Social

Nas cidades de pequeno e médio porte é fácil encontrar um tipo específico de


programação nas rádios AM, com grande apelo popular que baseia sua prática
jornalística nos serviços de utilidade pública. O professor e pesquisador da
Universidade de Brasília (UnB), Carlos Eduardo Esch, denomina essa programação
como “rádio social”. Segundo ele, esse tipo de jornalismo é realizado sempre por um
comunicador que assume o comando do programa e, muitas vezes, tem seu nome
atrelado a ele.
Geralmente bem conhecido na localidade, esse comunicador recebe ligações
de moradores sobre reclamações e dificuldades da comunidade, que podem ser, desde
falta de vagas em hospitais e escolas, até bueiros e buracos nas ruas dos bairros. Na
maioria das vezes, esses programas se tornam campeões de audiência, porque
mobilizam a vizinhança e cobram das autoridades soluções para os problemas da
comunidade. Funcionam como uma espécie de “tribuna livre”, onde todos podem
participar ligando ou enviando suas reclamações e, por meio do rádio, encontram a
resposta para os problemas do cotidiano. Em alguns casos a rádio coloca à disposição

8
dos ouvintes um carro, chamado de unidade móvel de jornalismo, no qual um repórter
percorre a cidade ouvindo e tentando solucionar os pedidos da população.

Dessa forma, a programação radiofônica das emissoras AM


ultrapassou o campo do entretenimento, da oferta de música e do
recado amoroso e alcançou verdadeiramente o cotidiano de seus
ouvintes, registrando seus problemas e angústias diante de uma
realidade que se apresenta, quase sempre, marcada pela ausência de
condições mínimas de bem-estar (ESCH, 1997, pg. 72).

Esse tipo de trabalho, muito comum no Brasil, é fortalecido pela participação


de representantes do poder público que se prontificam em dar as respostas, algumas
vezes já sabendo da reclamação feita pelo ouvinte. Prefeitos, secretários de saúde e de
educação, representantes das forças policiais e até membros do judiciário local são
convocados a dar explicações sobre este ou aquele problema.

4.2 Cidadão na telinha da Globo

O professor e pesquisador Venício de A. Lima, em seu livro Mídia: Teoria e


Politica (2001) detectou um processo de relacionamento entre o jornalismo e a
sociedade bastante parecido dentro do telejornalismo praticado pela TV Globo do
Distrito Federal, na época da pesquisa para o livro (1996-1997). Segundo Lima, as
notícias veiculadas mostravam como a cobertura jornalística atribuía às autoridades a
responsabilidade pelos problemas descritos e enfrentados pelos moradores, isto é,
numa cobertura adversa, que colocava o governo na posição de incapaz, sem
autoridade, impotente e incompetente (LIMA, 2001, pg. 261). O pesquisador também
destaca que há uma tendência generalizada de fazer o chamado “jornalismo
comunitário”, na medida que as notícias ressaltavam a cobertura de problemas ligados
aos direitos sociais da comunidade do Distrito Federal, envolvendo saúde pública,
educação, moradia e transporte público para a população.

(...) Fica também clara a auto-atribuição ao telejornal e seus


jornalistas de um papel permanente de fiscalizadores das ações do
governo e das autoridades. O apresentador do DF-TV se transforma,
assim, numa espécie de “ouvidor-geral” e pede explicações em
nome da “população”. Manifesta-se aqui, com clareza, uma
contradição do jornalista que se considera ao mesmo tempo
“profissional” e “representante do público” (LIMA, 2001, pg. 265).

9
Ao identificar uma espécie de “jornalismo comunitário” sendo praticado pela
mídia comercial, Lima chama atenção para um dos fatores que podem contribuir para
o que ele chama de redução da notícia a apenas uma “mercadoria” (LIMA, 2001).
Segundo ele, isso faz com que a esfera pública seja reduzida ao mercado e o cidadão-
telespectador apenas ao consumidor.

Ao se colocar como canal prioritário para as demandas que estes


setores da população fazem ao governo/Estado, na verdade o DF-
TV contribui para que esses segmentos não se organizem para
encontrar a solução de seus problemas mediantes o exercício pleno
da cidadania. Vale dizer, o DF-TV não contribui para a solução dos
problemas apontados, mas para sua perpetuação. É mais fácil
reclamar ao repórter da Globo e ter a recompensa simbólica de
“aparecer na TV”, do que participar de reuniões na comunidade,
filiar-se a um sindicato ou exercer a militância num partido político
(LIMA, 2001, pg. 266).

Esse tipo de programação ganhou força no Brasil a partir da globalização e do


surgimento da internet, que forçaram as emissoras de televisão a se adaptarem aos
novos tempos, com uma crise, não apenas financeira – que acompanharam as
sucessivas crises econômicas brasileiras na década de 1980 –, mas também de
credibilidade, com denúncias de manipulação de notícias, como o caso da cobertura
das eleições para o governo do Rio de Janeiro, em 1982, episódio que a própria Rede
Globo explica em sua página da internet Memória Globo, como sendo uma acusação
falsa5.
Nesse cenário, a utilização dessa prática jornalística foi direcionada a garantir
mais audiência e perpetuar seus discursos e práticas. Um processo no qual o mais
importante é dar ao telespectador o que ele quer, conforme detectado nas oscilações
dos índices de audiência que instrumentalizam as decisões diárias de pauta dos
editores e apresentadores dos telejornais locais (LIMA, 2001, pg. 267).

5. Análise e considerações finais

“A participação é um fenômeno de interrelação entre indivíduos e estruturas


de autoridades no interior das quais eles interagem” já postulava a cientista política

5 ORGANIZAÇÕES GLOBO. Memória Globo. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/acusacoes-


falsas/proconsult.htm. Acesso em 26 de maio de 2015.

10
Carole Pateman (1992, pg. 137). Precursora dos estudos da Teoria Democrática
Participativa, Pateman defende que sem a participação popular, o sistema democrático
clássico, baseado na noção de representado/cidadão que elege o
representante/autoridade, não seria tão eficaz quanto um sistema no qual a
participação efetiva dos mesmos representados, que cobram por resultados e
transparência nas ações desses representantes. Esse novo conceito modificou a visão
dos estudos da Ciência Política sobre o peso que a variável participação teria na teoria
das decisões políticas dali para frente.
Não só no campo da Ciência Política, mas na Comunicação, o conceito de
participação também se tornou relevante e vem sendo amplamente utilizado nos dias
atuais, como vimos a partir da bibliografia apresentada. Percebemos o poder que a
participação desempenha na vida pública, a ponto de ser incorporada dentro das ações
da mídia. A participação popular no Brasil demorou a ser utilizada como uma
ferramenta democrática pelo povo, no campo da Política, mas uma vez conquistada,
foi rapidamente adaptada pelos meios de comunicação para atrair audiência e conferir
a seus programas e transmissões caráter cidadão, de atendimento ao interesse público.
Mesmo que os primórdios da participação na mídia estivessem ligados aos
interesses educativos e de ativismo com as transmissões radiofônicas das CEB’s, sua
trajetória a partir de sua apropriação pelos locutores e comunicadores no rádio social,
até a abertura para a participação do público em programas de televisão para reclamar
seus direitos, mostra o grande envolvimento que esse tipo de programação alcança.
Como vimos, Habermas, Elster e Carpentier trabalharam com as implicações
da participação em novas arenas, participação essa, fundamental para a deliberação de
decisões da sociedade como um todo. Embora, a crítica feita à Teoria Deliberativa
aponta para o acesso desigual dos cidadãos a essas arenas de participação, por
possuírem visões, arcabouços e experiências diferentes, o que poderia gerar uma
conseqüente desigualdade no âmbito das decisões, nenhum autor desprezou a
influência da participação na definição de uma sociedade mais justa e igualitária. Ao
passo que, para o campo da Ciência Política a participação popular modificou a forma
como enxergar a compreensão sobre os fenômenos sociais e políticos, a participação
no campo da Comunicação também rendeu e ainda gera pesquisas sob quais os efeitos
dessa participação.
Vimos que o conceito de participação popular foi assimilado pelos meios de
comunicação no Brasil, a partir das organizações da sociedade civil, com suas
11
experiências de comunicação na busca pela cidadania, e que a partir da década de
1990 a mídia privada se apropriou da participação de seu público como meio para se
sustentar num ambiente desfavorável de crise financeira e de credibilidade nos
últimos 30 anos.
Com a consolidação dessas práticas pelos meios de comunicação vimos que o
objetivo principal não foi melhorar as condições de vida da população ou permitir
que os cidadãos tivessem voz ativa em arenas criadas pela mídia. Acreditamos que,
pelo contrário, essas práticas têm minado a possibilidade de geração de resultados
duradouros de caráter educativo, social e cultural em benefício para a sociedade.
O que se vê é o uso dos cidadãos nos diversos veículos de comunicação para
perpetuar discursos adversários contra o poder público, esvaziando o contexto real no
qual se dão os problemas nas comunidades, fazendo da participação do público
apenas um formato para atrair mais audiência e garantir mais recursos financeiros,
além de manter a opinião pública domesticada dentro de uma visão editorial de
caráter duvidoso.

Referências
AVELAR, Lúcia. Participação Política. In: Sistema Político Brasileiro: uma
introdução. Orgs. Lúcia Avelar & Antônio Octávio Cintra. Rio de Janeiro: Fundação
Konrad-Adenauer-Stiftung; São Paulo: Fundação Unesp Ed., 2004.

CARPENTIER, Nico. The concept of participation: If they have access and


interact, do they really participate? In: Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos
14(2): 164-177 maio/agosto 2012. São Leopoldo: Unisinos.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

COGO, Denise Maria. No Ar...uma rádio comunitária. São Paulo. Paulinas, 1998.
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ESCH, Carlos Eduardo. Do Microfone ao Plenário: O Comunicador Radiofônico e


seu Sucesso Eleitoral. In: Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Org. Nélia R.

12
Del Bianco, Sônia Virgínia Moreira. Rio de Janeiro: EdUERJ; Brasília, DF: UnB,
1999 .

GIRARD, Bruce. Introduccíon. In: Radioapasionados – 21 experiencias de radio


comunitária em el mundo. Quito, CIESPAL/AMARC, 1992, Manuales didacticos
CIESPAL, v.18.

HABERMAS, Jürgen. In: Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse


Theory of Law and Democrac. Trad. William Rehg. Cambridge, MA: MIT
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___________, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações


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Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

LIMA, Venício A. de. Mídia: Teoria e Politica. São Paulo: Editora Fundação Perseu
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_______, Venício A. de. Comunicação e televisão: desafio da pós-globalização.


Venicio A. De Lima e Sergio Caparelli. São Paulo: Hacker, 2004.

IAROZINSKI, Maristela H. Contribuições da Teoria da Ação Comunicativa de


Jürgen Habermas para Educação Tecnológica. Tese de mestrado. Cefet-PR, 2000.

ORGANIZAÇÕES GLOBO. Memória Globo. Disponível em:


http://memoriaglobo.globo.com/acusacoes-falsas/proconsult.htm. Acesso em 26 de
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PATEMAN, Carole. Participação e Teoria Democrática. Trad. Luiz Paulo Rouanet.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

RUBIM, Antônio Albino C. Comunicação e Política. São Paulo: Hacker Editores,


2000.

13
Quem é o editor de mídias sociais? Uma revisão de literatura

Marina Simon1

Resumo: O artigo faz uma revisão bibliográfica das pesquisas sobre a criação do
novo cargo de editor de mídias sociais em redação de jornal. Apresentamos os
resultados desses estudos e identificamos tendências e metodologias utilizadas nas
pesquisas. Na literatura revisada, a atuação desse novo profissional nas mídias sociais
estaria alterando principalmente a relação do jornalista com o público. Porém,
concluímos que ainda faltam estudos aprofundados sobre a identidade do novo cargo,
que poderiam apontar se esse profissional representa, concretamente, um novo perfil
profissional do jornalista.

Palavras-chave: editor de mídias sociais, mídias sociais, identidade profissional.

Em maio de 2009, de forma pioneira, o jornal The New York Times (NYT)
criava um novo cargo batizado de editor de mídias sociais. Na época, o veículo norte-
americano contratou para o posto a jornalista Jennifer Preston 2, que acumulava 20
anos de casa como repórter.

Em seu tuite inicial no perfil @NYT_JenPreston, a editora,


perguntou aos seguidores do microblog como o @nytimes poderia
fazer uso do Twitter. A atitude da norte-americana simbolizou um dos
preceitos que o novo cargo prometia: dialogar com o público e ouvir
o que a audiência tinha a dizer. (PALAZI; SCHMIDT; ZANOTTI,
2011, p.2).

No mesmo ano, a Sky News e a BBC também criavam a nova função nas
respectivas redações (ALEJANDRO, 2010). Na sequência, diversos outros veículos,
no Brasil e no mundo, incorporaram o novo cargo, entre eles Daily News, The

1 Doutoranda em Comunicação (Fac/UnB), mestre em Comunicação pela Universidade Stendhal-Grenoble 3


(França) e Universidade de Florença (Itália) e jornalista pela Universidade de Brasília (UnB). É professora de
Jornalismo no Centro Universitário Iesb desde 2012.
2A editora permaneceu no cargo por alguns anos. Em maio de 2015, quem ocupava esse posto no New York
Times era Michael Roston (ROSTON, 2015).
Guardian e UOL (PRADO, 2011); Zero Hora, Portal Terra, Revista Veja e a agência
Reuteurs (PALAZI; SCHMIDT; ZANOTTI, 2011); USA Today (DEVITO, 2014), e
Los Angeles Times (WASIKE, 2013). De acordo com uma pesquisa da Columbia
University, em 2010, já existiam 51 editores de mídias sociais nos Estados Unidos,
espalhados por veículos e agências, incluindo Associated Press e CNN (GLEASON,
2010).
Seis anos após a experiência inovadora do NYT, hoje é possível constatar que
os principais jornais do mundo investiram de fato na criação do cargo de editor de
mídias sociais. Por meio de um levantamento em um site de busca na internet,
identificamos alguns jornais que também adotam atualmente a figura do editor de
mídias sociais, além desses já citados: O Globo 3; Folha de São Paulo e Estadão (os
jornalistas Ygor Salles e Gabriel Pinheiro ocupam esse cargo, respectivamente) 4;
Huffington Post (Ethan Klapper é o editor de mídias sociais)5, Le Monde (Michaël
Szadkowski ocupa atualmente o cargo)6, além da Editora Globo (o jornalista Cristiano
Santos é o editor de mídias sociais)7.
Esse profissional possui como atividades principais:

1) alimentar as mídias sociais do veículo (basicamente Facebook, Twitter e


Instagram) com conteúdos que já foram publicados no site do jornal. Para tanto, o
editor faz uma seleção minuto a minuto de todo o conteúdo publicado no site do
jornal. Para se ter uma ideia, um site como a Folha de São Paulo veicula, em média,
350 matérias diariamente. Desse conteúdo, somente 80 são postadas no Facebook;

2) responder comentários, perguntas e sugestões de pautas dos leitores nas


mídias sociais e no WhatsApp, cultivando assim um relacionamento com o público,

3 Reportagem de 2010 (VASCONCELOS, 2010) trazia detalhes da nova função e do currículo da jornalista Nívea
Carvalho, que assumiu a nova editoria na época. Hoje o editor é Sergio Maggi. Disponível em
http://oglobo.globo.com/expediente. Acesso em: 28 maio 2015.
4 CARVALHO, L.; LOPES, C. Editores de redes sociais falam sobre estratégias para fisgar o leitor na
web. Portal Imprensa. 25 jul. 2014. Disponível em: http://bit.ly/1uDFqGg. Acesso em: 20 mar. 2015.
5 Disponível em http://www.huffingtonpost.com/ethan-klapper/ Acesso em: 28 maio 2015.
6 Disponível em http://www.lemonde.fr/journaliste/michael-Szadkowski. Acesso em: 28 maio 2015.
7 Disponível em https://www.linkedin.com/in/santoscristiano. Acesso em: 28 maio 2015.
3) filtrar temas populares e pertinentes que estão sendo discutidos pelo público
em sites como Facebook e Twitter e, assim, sugerir possíveis pautas para as editorias
do jornal;

4) acompanhar a repercussão das reportagens nesses ambientes (as mais lidas,


comentadas, compartilhadas e curtidas), analisando gráficos e relatórios fornecidos
por sites especializados ou pelas próprias métricas das mídias sociais;

5) pensar e desenvolver novas estratégias que poderão ser usadas nas mídias
sociais.

A função de selecionar quais matérias serão postadas nas mídias sociais


assemelha-se àquela do núcleo responsável pela escolha das manchetes que entram na
home page do site do veículo. Minuto a minuto, ambas editorias selecionam as
reportagens que irão alimentar as mídias sociais (editoria de mídias sociais) e aquelas
que merecem o destaque na home page do jornal (editoria da home).
A popularização e a consolidação do novo cargo nas principais redações do
mundo podem ser explicadas pelo cenário de crise em que se encontram atualmente
os veículos de comunicação tradicionais, “a maior crise de sua história” (ESPADA,
HERNANDEZ BUSTO, 2009; MCCHESNEY, NICHOLS, 2010; PAVLIK, 2005;
LOPEZ, 2004 apud MULLER, 2012). Atrair audiência tornou-se estratégia primordial
e estar presente nas mídias sociais significa estar onde o público passa a maior parte
de seu tempo. O Facebook, por exemplo, é o segundo site mais acessado do mundo,
ficando atrás somente do Google8, e tem hoje 1,3 bilhões de usuários ativos9 (um
quinto da população mundial). Sozinho, controla impressionantes 20% do tráfego para
sites de notícias (SOMAIYA, 2014).

[…] The New York Times registra um sucesso significativo com as


postagens em sua página no Facebook [...]. O próprio jornal declara
que a relação estabelecida com sua audiência por meio dos
comentários às postagens é algo precioso para o seu conteúdo e sua
consolidação (BERTOCCHI; SAAD, 2012, p.136).

8 Disponível em: http://www.alexa.com/siteinfo/facebook.com. Acesso em: 20 mar. 2015.


9 Relatório divulgado pelo próprio Facebook em janeiro de 2014 mostra que a empresa, criada em 2004,
teve receita anual em 2013 de 7,87 bilhões de dólares, um aumento de 55% em relação ao ano anterior. Disponível
em: http://prn.to/1e5Iy0l. Acesso em: 20 mar. 2015.
No Brasil, as estatísticas da empresa de Mark Zuckerberg também são
robustas: em 2014, o país era o terceiro que mais acessava a página, depois de Estados
Unidos (1º lugar) e Índia (2º lugar) 10. Relatório divulgado em maio de 2014 pela
empresa ComScore11, umas das maiores do mundo em medição de audiência digital,
apontou que o Facebook lidera a categoria de redes sociais no Brasil, atraindo 65,95%
dos internautas do país, seguido por Linkedin (11,8%) e Twitter (11,3%).
Apesar de os dados acima indicarem que o cargo de editor de mídias sociais
vem se consolidando nas principais redações do mundo, como objeto de estudo, a
nova função ainda carece de investigações e definições.
Se, por um lado, existe número considerável de pesquisas no Brasil e no
mundo sobre os impactos das mídias sociais no jornalismo, por outro, a compreensão
do trabalho e da identidade do editor responsável por essas mídias sociais permanece
ainda nebulosa. Afinal, quem é o editor de mídias sociais? Ele pode ser considerado
de fato um jornalista? Ele já forma uma nova categoria profissional, com uma nova
identidade? Que valores norteiam o seu trabalho? Quais são as habilidades e
qualificações para exercer o cargo de editor de mídias sociais? Em que ele se difere do
jornalista tradicional? De que forma a sua atuação nas mídias sociais altera a sua
relação com o público? Em suma, a criação do cargo é indicativo de uma
microinovação dentro do jornalismo, de um processo de segmentação ou aponta de
fato para uma mudança estrutural?
Com essas questões norteadoras, o objetivo desse artigo é fazer um
levantamento das principais pesquisas sobre o tema, buscando identificar as
tendências e metodologias que perpassam tais estudos.
Foi realizado, num primeiro momento, um levantamento de artigos científicos
e livros publicados cujo foco principal é o “editor de mídias sociais”. A pesquisa foi
feita usando a expressão “editor de mídias sociais” em português, francês, espanhol e
inglês no acervo do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) 12 e no Google Acadêmico. A pesquisa foi realizada
entre os dias 25 e 30 de maio de 2015.

10 Disponível em: http://www.alexa.com/siteinfo/facebook.com. Acesso em: 20 mar. 2015.


11 Brazil Digital Future in Focus. Disponível em: http://bit.ly/1tdLCPP. Acesso em: 20 mar. 2015.
12 O acervo do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) contém artigos oriundos de mais de 21.500 revistas internacionais e nacionais. Fonte:
http://www.periodicos.capes.gov.br/
Como resultado dessa pesquisa, encontramos apenas cinco trabalhos que
atenderam aos nossos parâmetros de busca, conforme tabela abaixo (por ondem
crescente de data de publicação):
Título Autor(es) Data de Tipo de Local de
publicação texto publicação
De leão de chácara a Ana Paula Palazi, Sarah, Costa
anfitrião: a criação do cargo Schmidt e Carlos Alberto 2011 Artigo Brasil
de editor de mídias sociais Zanotti.
nas empresas de
comunicação

Social Media Editors in The Tim Currie 2012 Artigo Canadá


Newsroom: A Survey of
Roles and Functions
Framing news in 140 Ben S. Wasike 2013 Artigo Canadá
Characters: How social
media editors frame the news
and interact with audiences
via Twitter
Working in a developing Florian Tixier 2014 Artigo Brasil
communication space.
Facebook and Twitter as
journalistic tools for
European information pure-
player websites
The Role of Social Media Allyson Beutke Devito 2014 Tese de EUA
Editors in Television doutorado
Newsrooms: An Exploratory
Study

Num segundo momento, fez-se um levantamento para identificar artigos e


livros que, pelo menos, tangenciassem o tema, mencionando a existência e/ou a
criação da figura do editor de mídias sociais e elencando as suas atribuições. Nesse
sentido, encontramos um volume maior de trabalhos: dois livros (PRADO, 2011;
CRUCIANELLI, 2010); uma tese de doutorado defendida em Portugal
(RODRIGUES, 2013); uma dissertação de mestrado defendida na USP (ALONSO,
2011); e oito artigos científicos: quatro em português (BEZERRA; NICOLAU;
VIRGINIO; 2011; ALCÂNTARA; COSTA; BEZERRA, 2011; MORETZSOHN,
2014; DEAK; FOLETTO, 2013), dois em espanhol (GONZALES; MUROS, 2014,
2013); um em inglês (ALEJANDRO, 2010) e um em francês (CHARRON, 2011).
Nova relação com o público
De forma geral, todos os autores listam em seus trabalhos quais são as
principais funções desempenhadas pelo editor de mídias sociais. Dentre as principais
funções descritas, algumas se destacam pela recorrência: alimentar as mídias sociais
dos veículos, interagir com a audiência, buscar pautas nesses ambientes e estabelecer
estratégias de atuação nas mídias sociais. Outro consenso entre os trabalhos
pesquisados é que o cargo ainda está em desenvolvimento e em fase de consolidação e
que estudos sobre o tema ainda são incipientes. Nas palavras de Currie (2012, p. 3):

No geral, há uma falta de dados – incluindo ausência de estudos


acadêmicos – sobre a natureza desses cargos em veículos de
comunicação. O cargo em sim foi criado recentemente, mas está
rapidamente se consolidando (tradução nossa) 13.

Em “Working in a developing communication space. Facebook and Twitter as


journalistic tools for european information pure-player websites” (TIXIER, 2014) e
“Framing news in 140 characters: how social media editors frame the news and
interact with audiences via Twitter” (WASIKE, 2013), o editor de mídias sociais é
figura central dos trabalhos, porém ambos os estudos não discutem o seu papel no
exercício da prática profissional de jornalismo.
Ambos reconhecem que por trás das postagens em sites como Facebook e
Twitter existe um profissional chamado editor de mídias sociais ou community
manager (TIXIER, 2014), porém o foco está na análise de conteúdo dessas postagens.
Não é feita uma abordagem sobre o papel desses profissionais.
Na bibliografia consultada, os estudos que, de fato, aprofundam o tema e que
encontram algumas respostas sobre o impacto da atividade do editor de mídias sociais
para o jornalismo foram aqueles realizados por Currie (2012), Devito (2014) e Palazi,
Shmidt e Zanotti (2011). Os três artigos apresentam o resultado de entrevistas
realizadas com editores de mídias sociais no Canadá, nos Estados Unidos e no Brasil,
respectivamente, todos à luz da teoria do gatekeeping. Os três trabalhos chegam à
mesma conclusão: o novo cargo sinalizaria efetivamente para uma mudança de
postura do jornalista (quando este exerce o papel de editor de mídias sociais), pois
este estaria abandonando gradativamente a tradicional função de gatekeeper.

13 No original: “Overall, there is a lack of data – including an absence of academic studies – regarding
the nature of these positions in news organizations. The jobs themselves are new creations but are rapidly
becoming mainstream (CURRIE, 2012, p. 3)”.
Em ”Social media editors in the newsroom: A survey of roles and functions”
(2012), Currie entrevistou 13 editores de mídias sociais que trabalham nas redações
dos principais jornais do Canadá anglófono. Além de concluir que o papel de
gatekeeper não se sustenta mais na nova função, o autor afirma que o editor de mídias
sociais também não exerce outra atividade básica do jornalismo que é a produção de
notícia.
Esses profissionais declararam que seu principal objetivo é o de “servir à
audiência” (escutar, interagir, responder), empoderando o público para participar da
produção de notícias e até mesmo a pautar os veículos. Segundo Currie (2012, p. 2):

Mas os editores de mídia social estão geralmente mais focados na


construção de uma interação com o público por meio da seção de
comentários on-line do veículo e sobre sua presença em redes sociais
como Twitter e Facebook (tradução nossa)14.

Na perspectiva apontada por Currie (2012, p.2), esses novos profissionais


deixariam de lado a tradicional função de redigir notícias, bem como a de gatekeeper.
Apesar de ainda não ser possível concluir como essa parceria com o público pode de
fato funcionar no longo prazo, um possível desfecho seria o que o autor chama de um
“enfraquecimento do controle editorial” por parte das empresas de comunicação:

Em entrevistas, estes editores se autodescrevem como sendo um


pouco ouvinte, um pouco professor, um pouco líder de torcida, um
pouco colaborador, ajudando a trazer “olhares” e tráfego para os sites
de notícias [...]. O resultado é um enfraquecimento do sistema de
controle editorial por parte dos órgãos de imprensa e,
consequentemente, de sua função de gatekeeper (tradução nossa) 15.

Além disso, o autor constatou que todos os entrevistados eram jornalistas de


formação, perfeitamente integrados à rotina do jornal, possuindo até mesmo mesas em
locais estratégicos nas redações. E, apesar de possuírem consolidada experiência na
área do jornalismo, ao assumir o posto de editor de mídias sociais, realizavam o seu
trabalho de forma muito mais intuitiva do que guiados por diretrizes estabelecidas.

14 No original: “But social media editors are usually more focused on building audience interaction
through a news organization’s online comments section, and its presence in social networks such as Twitter
and Facebook (CURRIE, 2012, p.4)”.
15 No orginal: “These editors describe themselves in media interviews as part listener, teacher, cheerleader
and collaborator, helping bring « eyeballs and traffic » to news sites […]. The result is a weakening of news
organizations’ system of editorial control and, consequently, their traditional gatekeeping function (CURRIE,
2012, p.2)”.
Outra observação resultante das entrevistas é que a maior parte do tempo
desses profissionais é absorvida por atividades tais como criar novas estratégias de
atuação nas mídias sociais (do que propriamente executá-las) e ajudar os pares a
operarem nesses ambientes, realizando uma espécie de “treinamento” dos colegas.
Para Currie, divididos entre o dever de servir à audiência e de servir ao jornalismo
tradicional, o desafio de uma futura pesquisa será verificar como esses profissionais
resolvem concretamente esse dilema em seu dia a dia profissional.
Também à luz da teoria do gatekeeping, em sua tese de doutorado “The role of
social media editors in television newsrooms: an exploratory study”, Devito (2014)
analisa como o editor de mídias sociais define o seu papel numa redação de televisão.
Por meio de entrevistas em profundidade, a autora entrevistou 23 editores de
mídias sociais de redações de televisão nos Estados Unidos, espalhados em 20 cidades
daquele país. Da mesma forma que Currie (2012), Devito (2014) também conclui que
a tradicional função de gatekeeper é abandonada nessa nova função. Esses
profissionais estariam mais possivelmente numa posição de dividir com a audiência o
papel de gatekeeper. Nesse sentido, a exemplo das conclusões de Currie (2012),
Devito (2014) constata que o editor estaria dividido entre servir a audiência e servir os
pressupostos do jornalismo tradicional, representado por seus pares de redação. Além
disso, como apontado no artigo anterior, todos os editores de mídias sociais tinham
formação em jornalismo.
Devito (2014) levanta, ainda, uma discussão sobre como é feita a seleção do
conteúdo que alimenta as mídias sociais. E aqui a conclusão é que este conteúdo não é
necessariamente as notícias mais quentes do dia e muito menos as factuais, mas sim
as que têm maior repercussão16 entre os internautas, muitas vezes conteúdos
desprovidos dos tradicionais valores-notícia.
A autora conclui que vídeos de amenidades (filhotes de gatos e cachorros, por
exemplo) atraem mais audiência e costumam criar uma boa imagem daquele canal de
televisão, seguindo uma lógica mais mercadológica do que propriamente jornalística.
Nessa linha de raciocínio, a autora defende ainda que os currículos das faculdades de
jornalismo deveriam se preocupar em ensinar aos alunos conteúdos programáticos
sobre quais posts fariam mais sucesso nas mídias sociais.

16 Nas mídias sociais, a repercussão de uma matéria é medida pela quantidade de curtidas, comentários e
compartilhamentos que ela recebe.
No artigo “De leão de chácara a anfitrião: a criação do cargo de editor de
mídias sociais nas empresas de comunicação” (PALAZI; SCHMIDT; ZANOTTI,
2011), os autores realizaram entrevistas com os cinco primeiros jornalistas a
assumirem a função de editor de mídias sociais em jornais no Brasil. Aqui, a
preocupação também é analisar se o novo cargo representaria uma mudança de
paradigma no jornalismo.
Sem conclusão definitiva sobre o assunto, até pelo seu caráter novo e
experimental à época, Palazi, Schmidt e Zanotti concluíram que a atividade do editor
conseguiu aumentar o contato entre o jornalista e o público, mas que ainda não era
possível concluir se o jornalista tornou-se efetivamente um “anfitrião” do público. A
mudança na relação jornalista/público sinalizaria para a transformação do atual
cenário:

O que a implementação do cargo pode sinalizar é um reconhecimento


– mesmo que gradativo – por parte das instituições jornalísticas e dos
jornalistas, de que, como apontado em entrevista pelo jornalista e
pesquisador veterano Manuel Carlos Chaparro (CHAPARRO, 2010),
na Sociedade em Rede (CASTELLS, 1999) nos deparamos com um
“mundo falante” que não pode mais ser ignorado (PALAZI;
SCHMIDT; ZANOTTI, 2011, p. 7)

Eles afirmam que a criação do novo cargo sinalizaria para uma mudança de
postura do tradicional jornalista gatekeeper, que se tornaria então o que eles
denominam de “gatewatcher”, ou seja:

[...] o sujeito que olha para o conteúdo produzido pelo usuário,


organiza esse material e traz para dentro dos veículos de
comunicação e que também proporciona o fluxo contrário, de levar
conteúdos interessantes que a instituição jornalística produz para o
público (PALAZI; SCHMIDT; ZANOTTI, 2011, p.8).

Para os autores citados acima, a criação e a existência desse novo profissional


sugerem uma mudança importante na relação jornalista e audiência:

[…] a figura deste novo editor simboliza uma necessidade dos


profissionais de imprensa em geral (repórteres, editores, redatores) de
reconhecer que as fontes, antes passivas, se tornaram sujeitos
instrumentalizados tecnologicamente a produzir e divulgar conteúdos
relevantes e que podem interferir diretamente e complementar a
produção noticiosa. (PALAZI; SCHMIDT; ZANOTTI, 2011, p.9)
Considerações finais

A maioria dos trabalhos aqui analisados não responde aos principais


questionamentos sobre quem é o editor de mídias sociais, ou seja, se ele pode ser
considerado de fato um jornalista; se ele já forma uma nova categoria profissional,
com uma nova identidade; quais valores norteiam o seu trabalho e em que ele se
difere do jornalista tradicional. Portanto, podemos concluir que ainda faltam estudos
aprofundados sobre a identidade do novo cargo, que poderiam apontar se esse
profissional representa, concretamente, um novo perfil profissional do jornalista e,
nesse contexto, quais as implicações no jornalismo.
Entretanto, pode-se constatar um consenso entre os trabalhos analisados: a
atuação desse novo profissional nas mídias sociais está alterando a relação do
jornalista com o público, pois o editor de mídias sociais passa a maior parte de seu
tempo construindo diálogo com a audiência.
Esse consenso, que enfatiza o novo tipo de relacionamento do jornalista com o
público, vai ao encontro da tese defendida pelos célebres pesquisadores norte-
americanos Kovach e Rosenstiel em livro ainda inédito no Brasil, “Blur. How to know
what’s true in the age of information overload” (2010). Na obra, eles afirmam que a
função do jornalista como um “organizador de fóruns”, criando e intermediando
discussões na internet, será uma das atribuições do “jornalismo do futuro”17.
Percebemos, portanto, por meio da revisão de literatura, que uma das
consequências mais importantes da atuação do novo cargo é um estreitamento inédito
da relação jornalista-audiência. Antes “um caro desconhecido”, agora o leitor tem
nome, sobrenome, foto, e-mail e muitas opiniões publicadas. Percebe-se que o
jornalista que passa a maior parte do tempo operando nas mídias sociais, observando
os comentários de sua audiência, consegue claramente identificar quem é o seu leitor,
quais são suas preferências políticas e ideológicas e de quais assuntos ele mais gosta
ou “curte” e sobre quais temas existe uma certa resistência.
Por outro lado, recuperando as reflexões de Ruellan (2006), observamos que o
contato estreito do público com o jornalista já era objeto de atenção, pois, segundo

17 No livro, os autores conjecturam sobre o futuro da profissão e descrevem sete atribuições


fundamentais do jornalismo (além do já citado “organizador de fóruns”) a ser praticado daqui a alguns anos,
uma combinação de práticas antigas e novas, mantendo, contudo, aqueles valores básicos da profissão
examinados por eles em obra anterior, “Os Elementos do Jornalismo” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003).
aquele autor, isso representava um “recurso importante para a percepção da
pluralidade e do peso das opiniões expressas” (RUELLAN, 2006). O pesquisador
francês já destacava o papel atuante do receptor e ao mesmo tempo o comportamento
ambíguo do jornalista em relação a ele, ora rejeitando-o, ora valorizando-o. Para ele, a
“definição do que interessa ao receptor e como se dirigir a ele” seria sempre fonte de
tensão no exercício do jornalismo (RUELLAN, 2006, p. 36).
A emergência do editor de mídias sociais e sua atuação em um novo ambiente,
“dominado pelo público”, trazem novos elementos que precisam ser avaliados a fim
de se formar uma representação deste público e proporcionar uma perspectiva de
análise inédita da nova função. Acreditamos que a descrição detalhada e a
compreensão desse fenômeno podem servir de base para redefinições de estratégias
no cenário atual de crises do jornalismo tradicional.

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Narrativa e Interatividade: discussões sobre a transmissão de informações na nova
perspectiva da TV Digital1

Mayra de Oliveira Sá2

Resumo: O objetivo deste artigo é mostrar que, apesar da inserção de características e


possibilidades do computador na televisão, geradas pela digitalização da TV brasileira,
a interação com as narrativas da TV acontece de maneira bem diferente da
interatividade promovida em rede. Para isso, iremos contextualizar o processo de
digitalização da TV no Brasil, apresentar as características das formas de apresentação
da televisão, bem como as diferenças das possibilidades de interação que ocorrem nesse
meio e na internet. Por fim, iremos expor que a interação com a TV acontece de maneira
mais eficaz através de outros meios, inserida no cenário da convergência de mídias.
Consideramos assim, que essa convergência atua como reprodução dos costumes da
sociedade atual e que configura uma cultura cada vez mais participativa.

Palavras-chave: TV Digital; Narrativas televisivas; Interatividade; Convergência de


mídias

Digitalização da TV brasileira e a proposta de interatividade

Domingues-da-Silva (2011) diz que o processo de digitalização da televisão


brasileira contou com a participação principal de três atores: radiodifusores (para fins
analíticos, representados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
- Abert, e pela Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão - SET); Governo
Federal (presidência da República e Ministério das Comunicações) e movimentos
sociais (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC 3, e Coletivo
Intervozes4). O autor explica que a participação da sociedade civil foi representada pelos
movimentos sociais, que atuaram em contraponto ao ator radiodifusores no processo.
Para os movimentos sociais, a TV Digital deveria possibilitar a entrada de
novos atores no cenário da radiodifusão brasileira, como forma de garantir a democracia
efetiva e a liberdade de expressão e pensamento a partir de um sistema público de
1
O trabalho é resultado dos estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa Laboratório de Mídia Digital do PPGCOM-
UFJF.
2
Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela UFJF. Aluna do programa de Mestrado em Comunicação da
UFJF. Email: mayra.jorn@gmail.com.
3
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação é constituído como uma associação que reúne organizações
da sociedade civil de todo o Brasil, com o objetivo de enfrentar as questões relacionadas a democratização das
comunicações.
4
Coletivo Brasil de Comunicação Social é uma organização que trabalha pela efetivação do direito humano à
comunicação no Brasil. É formado por ativistas e profissionais com formação e atuação nas áreas de comunicação
social, direito, arquitetura, artes e outras.
comunicação sem fins lucrativos e sob controle da sociedade. Além disso, o Coletivo
Intervozes defende um modelo de TV que priorize a multiplicidade de canais, deixando
a alta definição em segundo plano. O principal argumento da entidade diz respeito ao
alto custo de aparelhos de TV que permitam a exibição em alta definição, e também
para as emissoras educativas, públicas e mesmo as comerciais locais, que seriam
obrigadas, para manter tais canais, a adquirir equipamentos para captação, edição e
transmissão em alta definição (DOMINGUES-DA-SILVA, 2011).
Dentre os padrões existentes, que orientaram a realização de testes de
laboratório estavam os modelos ATSC (americano), o DVB (europeu) e o ISDB
(japonês). Os objetivos dos movimentos sociais, por exemplo, aproximavam-se do
padrão europeu, que prioriza a multiprogramação. No entanto, o Sistema Brasileiro de
TV Digital Terrestre (SBTVD-T), tecnicamente conhecido como ISDB-TB, foi
desenvolvido com base no sistema japonês Integrated Services Digital Broadcasting
Terrestrial (ISDB-T). Ele oferece uma série de diferenciais em relação aos sistemas de
TV Digital atualmente em funcionamento no mundo. Esses diferenciais estão
justamente no “casamento” entre a base técnica de transmissão do sistema japonês com
os padrões de compressão digital de áudio e vídeo introduzidos pelo Brasil,
configurando o sistema nipo-brasileiro de TV Digital.
No decreto número 5.820, de 29 de junho de 2006, que dispõe sobre a
implantação do padrão japonês como modelo da digitalização da TV brasileira, destaca-
se no § segundo, a criação de um Fórum do SBTVD-T para assessorá-lo acerca de
políticas e assuntos técnicos referentes à aprovação de inovações tecnológicas,
especificações, desenvolvimento e implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital
Terrestre. Tal fórum seria composto por representantes do setor de radiodifusão, do
setor industrial e da comunidade científica e tecnológica. Além disso, é previsto que a
TV Digital brasileira deveria possibilitar três características principais: a transmissão
digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV); a transmissão digital
simultânea para recepção fixa, móvel e portátil (diretamente através da transmissão de
dados da TV); e a interatividade. A multiprogramação na TV Digital brasileira se daria
através da compactação de dados, fazendo com que o espaço espectral de 6 Mega-hertz
disponíveis para a transmissão de cada canal se divida, o que proporcionaria a
transmissão de mais canais simultaneamente, a partir de um.
Resumindo, uma emissora de TV pode usar a faixa de 6 MHz para
transmitir um único canal em Full HD; ou dois em HD; ou um canal
em HD juntamente com dois programas SD; ou quatro programas SD
(com tecnologia MPEG4 seriam oito programas em Standart
Definition); além do canal One-Seg para receptores portáteis (que
pode ser subdividido em dois programas). Ou seja, a
multiprogramação, sobretudo, abre espaço para maior oferta de
conteúdos. Em tese, a possibilidade de cada emissora de TV dividir a
transmissão de 6 MHz em até oito sinais diferentes, com qualidade
standart, multiplicaria o número de canais brasileiros, no mínimo, por
oito (SILVA, 2013, p.4).

Apesar da possibilidade de multiprogramação ser prevista pelo modelo de TV


nipo-brasileiro, a Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital
Nº 01/2009, publicada pelo Ministério das Comunicações, em 11 de fevereiro de 2009,
determina que a exploração da multiprogramação seja dada somente às emissoras
consignadas a órgãos e entidades integrantes dos poderes da União.
A própria campanha de digitalização do sinal de TV aberta brasileiro, além de
destacar as mudanças na qualidade na transmissão da programação, também deu
atenção às proporções widescreen (16 por 9) de exibição; à disponibilidade de serviços
de utilidade pública por meio da exploração de recursos digitais – especialmente a
multiprogramação e a interatividade local – e à mobilidade/portabilidade, integrando
celulares, tablets e outros dispositivos móveis como canais de transmissão de TV. No
entanto, esses eixos permitem pensar nessa mudança da TV brasileira, basicamente
como um incremento do sistema analógico, uma vez que os recursos tecnológicos de
interatividade propostos pelo novo sistema dependeriam de outras tecnologias, como o
middleware de código aberto Ginga5.
Este tipo de interatividade com a TV, promovida através de comandos no
controle remoto, acontece porque, com o Ginga, a emissora pode enviar aplicações
interativas ao televisor do telespectador. Além disso, caso o televisor ou dispositivo de
recepção, como um celular com TV ou um conversor digital, tenha conexão com a
Internet, é possível que se possa também enviar e receber informações via rede de
Internet, possibilitando a interação com outros telespectadores participantes.
Partindo do entendimento que a televisão possui uma forma própria de
comunicação, com gêneros que copõem uma narrativa particular da TV, iremos expor
de que maneira esse veículo genuinamente contador de histórias permite interatividade

5
Middleware é um software base, que se posiciona entre o hardware e as diferentes aplicações que rodam em
determinada máquina. No caso do Ginga, ele nasceu vocacionado para lidar com interatividade, e sua parte principal
(Ginga-NCL) foi escrita em código-fonte aberto. Ao longo dos anos, o Ginga se tornou um padrão da Associação
Nacional de Normas Técnicas (ABNT) e da União Internacional de Telecomunicações (UIT).
com seu público. Desse modo, iremos expor também, as diferenças entre a interação que
acontece na TV e a promovida pela comunicação em rede.

A televisão quanto sua forma de comunicar

Se qualquer narrativa é obra de síntese e coloca em evidência a intriga numa


rede temporal, para Marialva Barbosa (2007), o que particulariza as emissões da
televisão está longe de ser sua estruturação da programação na lógica de fluxo, como
proposto por Williams (1974). Para ela, a narrativa própria da TV é caracterizada pelas
“articulações textuais em intrigas e a colocação em cena de peripécias sempre
renovadas, ao lado de performances da oralidade” (BARBOSA, 2007, p.4).
Marialva Barbosa (2007), ao apontar que existe um tipo de narrativa
específico para o meio televisual, vai de encontro às ideias de Machado (2003) quando
ele diz que, apesar de falar-se muito em “civilização das imagens” em relação à
hegemonia da televisão a partir da segunda metade do século XX, a televisão é um meio
paradoxalmente pouco “visual” e o uso que ela faz das imagens é geralmente pouco
sofisticado.
Herdeira direta do rádio, ela se funda primordialmente no discurso
oral e faz da palavra a sua matéria-prima principal. Isso mudou um
pouco nos últimos anos, agora há uma maior utilização de recursos
gráficos computadorizados nas vinhetas de apresentação, mas no
essencial, a televisão continua oral, como nos primórdios de sua
história (MACHADO, 2003, p.71-72).

Sobre a oralidade na TV, Machado (2003) ressalta que apesar dessa


característica ter colocado a televisão num lugar de facilidade, ou seja, onde há a
priorização de formatos baseados na comodidade e na banalidade, como os talk shows,
reality shows ou programas de intrigas domésticas, com agressões físicas e verbais,
desenvolveram na TV formas discursivas antigas e vitais, que estão na raiz da nossa
cultura, como a fundamentação no diálogo. Ao colocar as formas baseadas no diálogo
como gênero, Machado ainda se refere a essa oralidade como “formas” de apresentação,
uma vez que, na televisão, o diálogo pode assumir as mais variadas modalidades: “a
entrevista, o debate, a mesa redonda, e até mesmo um monólogo que pressupõe algum
tipo de interlocução com um diretor oculto ou com o telespectador” (MACHADO,
2003, p.72).
Além da televisão “conversar” diretamente com o público, Barbosa explana
ainda sobre as performances e temas apresentados na TV. Nestes casos, a oralidade age
como uma imitação ou representação das conversas que temos em nossas vidas
cotidianas, o que pode desencadear identificação com o que é visto na televisão.

A lógica da narrativa da televisão diz respeito primeiramente às


articulações temáticas: coloca em evidência o cotidiano das maiorias,
apelando às sensações do público. Do extraordinário coletivo à vida
comum de existência a mais privada, tudo é reconfigurado como
excepcional e, ao mesmo tempo, cotidiano. A primeira proximidade se
realiza, portanto, por regimes de identificação. A linguagem da
televisão apela a valores, sentimentos e emoções corriqueiras. É o
comum que figura na cena. São personagens saídos de um pretenso
“real” e configurados pelo olhar de quem vive a existência que a TV
veicula em situações sempre performáticas (BARBOSA, 2007, p. 5).

Nesta perspectiva, as fronteiras entre a apresentação da ficção e não-ficção


na TV se embaralham. Coutinho (2012) expõe que os assuntos tratados diariamente nos
telejornais apresentam características que fazem com que eles cheguem ao telespectador
como um drama. Para a pesquisadora, o texto, as ações dos jornalistas, personagens e a
necessidade do telejornalismo em relatar um fato buscando transmitir também uma lição
ética, fazem com que as notícias na1 TV sejam estruturadas em uma dramaturgia do
telejornalismo.
A autora explica que a aproximação e comparação do telejornalismo
brasileiro com a dramaturgia pode parecer ,em um primeiro momento, heresia,
principalmente se levarmos em consideração a função do jornalismo que é de informar
com verdade e ética. Porém, do outro lado termos a dramaturgia que se trata de pura
ficção, mas que também é basicamente representação da realidade. Segundo a autora, a
análise da construção das notícias e da maneira como elas são transmitidas nos leva a
perceber que nesse processo também há reprodução dos fatos, a partir do trabalho
jornalístico de montagem e transmissão dos acontecimentos. “A estruturação do
noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas guardariam semelhanças
com o que classificamos como um drama cotidiano” (COUTINHO, 2012, p.116).
Além disso, a autora salienta o uso do roteiro, com texto, som, imagem,
personagens e a função de cada um deles na montagem da matéria jornalística (fonte
especializada, cidadão comum e etc.), se equiparar com os estereótipos comumente
encontrados em obras de ficção. Como por exemplo, o bandido, o vilão, a mocinha ou o
bem feitor das telenovelas podem se assemelhar com os personagens que encontramos
nas notícias como o político corrupto, o sequestrador, o traficante, o cidadão lesado com
a corrupção e falta de estrutura no sistema de saúde, a dona de casa que sofre com o
aumento dos preços dos alimentos, a história de vida de algum trabalhador, entre outros.
Além de apresentar e representar temáticas tão próximas da realidade do
público, através de uma linguagem correspondente à natureza da cultura de sua
audiência, a narrativa televisual apresenta outras duas características essenciais para o
entendimento de sua forma de comunicação, que são a relação da TV com o tempo e
seu lugar quanto a sua materialidade. Arlindo Machado (2003) chama de serialidade a
apresentação descontinua e fragmentada da televisão.
No caso específico das narrativas, o enredo é geralmente estruturado
sob a forma de capítulos ou episódios, cada um deles apresentado em
dia ou horário diferente e subdividido, por sua vez, em blocos
menores, separados uns dos outros por breaks para a entrada de
comerciais ou de chamadas para outros programas. Muito
frequentemente, esses blocos incluem, no início, uma pequena
contextualização do que estava acontecendo antes (para refrescar a
memória ou informar o espectador que não viu o bloco anterior), e, no
final, um gancho de tensão, que visa manter o interesse do espectador
até o retorno da série depois do break ou no dia seguinte
(MACHADO, 2003, p.83).

Após expor as diferenças entre os tipos de narrativa seriada na TV, como as


telenovelas (que apresentam uma história iniciada no primeiro capítulo, que se
desenrola teleologicamente ao longo de toda série até o desfecho final nos últimos
capítulos), ou o exemplo de algumas séries (que a cada episódio apresentam uma
história diferente, até com outros personagens), o autor salienta que a forma seriada não
foi introduzida pela televisão, uma vez que essa forma provém da literatura (cartas,
sermões e etc.) e das narrativas míticas intermináveis (As mil e uma noites). Depois teve
um imenso desenvolvimento com a técnica do folhetim, utilizadas na literatura de
jornais do século passado, continuou com a tradição da radionovela e conheceu sua
primeira versão audiovisual com os seriados do cinema.
Outra explicação para a serialização da apresentação em TV estaria em
motivos mercadológicos, uma vez que o fato da programação televisiva ser constituída
de material audiovisual, transmitido o tempo todo, e com boa parte de conteúdos ao
vivo (que não podem ser editados posteriormente), desencadeiam a racionalização e
principalmente a velocidade da produção. Este fatiamento permite que enquanto um
programa está sendo exibido, ele também está sendo produzido, o que ainda pode mudar
os rumos desse conteúdo, com base nos anseios da audiência.
Ainda sobre a temporalidade na TV, temos o que Barbosa (2007, p.18)
chama de “sequencialidade infinita, ainda que sem a delimitação clara de fronteiras
entre passado, presente e futuro”. Desse modo, a televisão desencadearia uma “sucessão
de ‘agoras’”.
A competência de se aproximar do universo cultural do público
significa também construir uma apropriação temporal que se aproxime
da lógica da experiência desse vasto auditório. O tempo vulgar -
comum e peculiar à existência -, é o que figura na tela da TV: o
presente é infinito, o futuro é alvo de antecipações e projetos e o
passado, como momento de recordações intermináveis, possui uma
correlação singular com o presente. Ele só existe para pressupor a
existência do agora (BARBOSA, 2007, p.18)

Sobre a predominância do tempo Presente na televisão, mais uma vez, esse


veículo se mostra como um imitador do cotidiano. Como na vida real, a TV representa a
rotina, o inicio até o fim do dia, que será repetida e renovada na manhã seguinte. Ou
seja, são as cenas cotidianas, as imagens já vistas e as situações já vividas que voltam
sob a forma de representação, colocando em evidência uma espécie de memória da
experiência do público. A narrativa da TV usa o repertório limitado do olho, produzindo
padronizações. São essas padronizações que dominam as emissões, daí a repetição de
fórmulas, de situações, de imagens, de diálogos e de gestos (BARBOSA, 2007).
Nesta perspectiva, temos as difusões ao vivo como principal influenciadora
dos gêneros na televisão. Isso porque, além do fato de as primeiras transmissões em TV
terem sido feitas de maneira direta, o ao vivo apresenta características como a não
possibilidade de edição prévia e promove, no caso da veiculação de eventos, uma
celebração coletiva em tempo real, fora de limites geográficos. Sobre este fenômeno,
Arlindo Machado destaca:

(...) típicos exemplo brasileiros seriam os funerais de Tancredo Neves


(1985) e Ayrton Senna (1994), a votação pelo Congresso nacional do
impeachment do presidente Fernando Collor (1992) e os finais das
copas mundiais de futebol. Nessas ocasiões, o país inteiro interrompe
suas atividades para ver televisão e a recepção é quase obrigatória.
Quando bem sucedidas, essas transmissões mobilizam audiências
esmagadoramente grandes, ás vezes uma nação inteira, quando não o
planeta todo, materializando a ideia mcluhaniana da “aldeia global”.
(...) Transmissões desse gênero - afirmam Dayan e Katz – estão
intimamente ligadas à história, não apenas no sentido de que elas
custodiam a vontade coletiva, mas, sobretudo no sentido de que a
representação de eventos que ainda estão em processo de realização
pode influir em seu desenvolvimento e em suas consequências. Nesse
sentido, mais do que referir-se à história, elas muitas vezes fazem (ou
pelos menos marcam) a história (MACHADO, 2003, p. 139-140).
Considerando a televisão enquanto artefato eletrônico, presente em
ambientes como a sala de estar da casa das pessoas, em recepções de consultórios
médicos, restaurantes, bares e demais espaços compartilhados, podemos dizer que a
televisão sempre esteve inserida em ambientes de distração. Machado (2003) diz que a
serialidade da TV, a incorporação de intervalos comerciais e sua demarcação temporal
em relação aos programas, também podem ser entendidas a partir do lugar que o objeto
televisão ocupa. Para ele,
Um produto adequado aos modelos correntes de difusão não pode
assumir uma forma linear, progressiva, com efeitos de continuidade
rigidamente amarrados como no cinema, senão o telespectador
perderá o fio da meada cada vez que sua atenção se desviar da tela
pequena (MACHADO, 2003, p. 87).

No entanto, de um lado temos o caráter de experiência coletiva da televisão


e do outro, a totalmente individual, promovida principalmente pelas mudanças do lugar
da TV enquanto artefato eletrônico. Sobre a materialidade do meio, Barbosa (2007) diz:

De lugar entronizado na sala, à medida que a tecnologia se populariza


também se multiplicam os ambientes da televisão dentro da casa. A
diminuição no formato permitiu sua migração para espaços cada vez
mais íntimos e a possibilidade de se postar isoladamente diante de sua
tela. As condições de acesso, no sentido amplo, inclusive econômico,
levaram a multiplicação dos aparelhos pelos cômodos, o que
significou modos de ver diferenciados. Podia-se sozinho ver televisão,
podia-se ver televisão enquanto se cozinhava, podia-se ver televisão
sem olhar a tela da TV, entre diversas outras possibilidades
(BARBOSA 2007, p.8)

Desse modo, daremos atenção à segunda forma de ver TV, ou seja, a


promovida pelas mudanças do lugar desse artefato para espaços cada vez mais íntimos,
pelo fato da digitalização da televisão, sobretudo no Brasil, objetivar a recepção
televisual para além dos espaços domésticos ou compartilhados. Assim, podemos dizer
que a proposta de mobilidade da TV Digital, ou seja, a que integra dispositivos móveis e
pessoais como transmissores do sinal de TV, configura apenas uma das mudanças na
televisão brasileira.
As pessoas atualmente, ao contrário do que disse Williams na década de 70,
podem ter horário certo para assistir determinado programa, e ainda podem interferir
nos desdobramentos do conteúdo que desejam ver, desenvolvendo, dessa maneira,
experiências bastante particulares com o meio. Dentro das novas formas de consumir
televisão e seus conteúdos, daremos destaque à tão discutida, prometida e almejada
possibilidade de interatividade com a TV. Nas próximas linhas apresentaremos as
maneiras de efetivação da interação, levando em consideração que a televisão, além do
diálogo, desenvolve a chamada interação reativa com seu público.

Interatividade na TV: uma questão de diálogo, interação e reação

As características da TV em relação a sua forma de comunicar se diferem


em muitos pontos da comunicação na internet. A rede pode ser descrita basicamente a
partir de seu caráter hipertextual, multimídia e interativo. No entanto, no cenário da
convergência de mídias, a união dessas possibilidades, que dão forma à TV Digital,
promove mudanças que se configuram na busca do público por participação naquilo que
consome. Essa produção participativa nos interessa para apresentar as transformações
não somente do lado de quem recebe, mas também de quem produz conteúdos neste
novo cenário.
Ao se dedicar à TV interativa, Primo (2003) fala das possibilidades da
televisão desde a transição do preto e branco, passando pelo controle remoto, o
videocassete, até chegar aos canais por assinatura e os sistemas vídeo-on-demand6. Tais
possibilidades são formas de interação mediada, porém apresentam limitações. Para
Primo, a oferta de cerca de 40 canais na TV a cabo garante ao telespectador mais opções
de entretenimento e informação. No entanto, os canais disponíveis oferecem tão
somente um fluxo sequencial e unilateral. Quando sintonizados, transmitem as mesmas
mensagens numa única sequência linear para todos telespectadores que assistem àquele
canal, sem permitir que eles possam manifestar suas opiniões, debatendo, por exemplo,
com o apresentador do programa. “O telespectador tem sua voz sufocada e não encontra
maior abertura para o debate” (PRIMO, 2003, p.25).
O autor também destaca as pesquisas de opinião e cartas como meios de
diálogo do público com os conteúdos da TV. Para ele, essas possibilidades podem ser
caracterizadas pela Teoria da Informação como feedback, e assim como Thompson,
lembra que uma minoria se interessa ou tem a oportunidade de participar desses
processos. As pesquisas de opinião, por exemplo, realizam entrevistas com uma
6
Solução de vídeo que atua sobre tecnologia de banda larga. Por meio de uma página Web na tela da TV, o assinante
pode escolher diferentes tipos de filmes e programas de TV que estejam disponíveis. A solução consiste em enviar
conteúdos em formato de vídeo - sob demanda ou continuamente -, utilizando redes de banda larga de operadoras de
comunicação. Assim, o usuário recebe conteúdos, no momento que desejar, na TV.
pequena amostra a respeito de poucas questões – com questionários fechados, cujas
perguntas seguem o interesse das emissoras contratantes da pesquisa.
Ainda sobre a interatividade promovida a partir dos meios de comunicação
tradicionais, Primo (2003) afirma que programas de TV investem na interatividade com
o público muito antes da chegada do sinal de TV Digital terrestre no Brasil.

Programas como o “Você Decide” da Rede Globo apresentaram aos


espectadores, a partir dos anos 90, uma possibilidade de reação ao
programa assistido. Outros programas conduzem pesquisas de opinião
instantâneas no decorrer da transmissão ao vivo. A partir de uma
matéria exibida, por exemplo, questiona-se o espectador sobre a
reportagem que ele acabou de ver (PRIMO, 2003, p.27).

No entanto, o autor questiona o quão interativas são essas iniciativas. O


espectador deve ligar para um número telefônico divulgado e votar em uma das
alternativas oferecidas – normalmente duas ou três opções. Não há como votar “talvez”
ou “depende”, nem apresentar uma argumentação. Sendo assim, o espectador só pode
“reagir” à pergunta do programa, desde que dentro de regras impostas (PRIMO, 2003,
p.27).
A partir desses questionamentos, Primo (2003) sugere que a interação pode
ser definida como “ação entre” e ser dividida em dois tipos: interação mútua e interação
reativa. Interação mútua7 é aquela caracterizada por relações interdependentes e
processos de negociação, em que cada interagente participa da construção inventiva e
cooperada da relação, afetando-se mutuamente; já a interação reativa é limitada por
relações determinísticas de estímulo e resposta (2003, p.62). Desse modo, para Alex
Primo, tanto um clique na interface quanto uma conversação na janela de comentários
de um blog são interações.

ainda que se valorize o detalhamento do autor sobre os sistemas


reativos, entende-se aqui que eles também oferecem um tipo de
interação (uma ação entre os envolvidos), mesmo que limitada. Isto é,
entende-se que os dois grandes grupos apontados por Williams são
formas diferentes de interação (evita-se, assim, dizer que a reação não
é um modo de interação) (PRIMO, 2003, p.29).

7
Primo (2003) explica que o termo interação mútua deve ser compreendido em contraste com a interação reativa. A
palavra mútua foi escolhida, não como um pleonasmo, mas para salientar as modificações recíprocas dos interagentes
durante o processo. Ao interagirem, um modifica o outro. Cada comportamento na interação é construído com base
nas ações anteriores.
Sobre a diferença entre a interação ocorrida na televisão e na internet, temos
Pierre Lévy (1999, p. 92) que define ciberespaço como “o espaço de comunicação
aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
computadores”. Santaella (2010) nos diz que é possível entender o ciberespaço como
um espaço de interação, cujo acesso se dá por meio de interfaces dos mais diversos tipos
que permitem navegar à vontade pela informação midiática e reenviá-la para quem quer
que seja, de qualquer e para qualquer lugar do planeta.
De acordo com a própria definição, podemos dizer que na internet pode
ocorrer interatividade entre as pessoas, como em nenhum outro meio de comunicação.
Isso porque, na internet, acontece troca efetiva entre emissor e receptor e, diferente da
narrativa televisiva, por exemplo, o discurso em rede não é estruturado de forma
sequencial. O ciberespaço é composto pelo hipertexto 8, que disponibiliza ao internauta
diversas possibilidades de recursos na leitura, por meio de cliques.
As informações na internet não obedecem a uma programação, com horário
de exibição e duração definidas. O usuário é livre para ordenar de modo particular o seu
processo de aquisição de conhecimentos através do uso de hiperlinks9, além de alterar
textos, imagens, músicas, vídeos, postar comentários, produzir e publicar seu próprio
conteúdo.
Outra característica da internet é sua multimidialidade, ou seja, a integração
de várias mídias na elaboração e veiculação de informações. Partindo da perspectiva das
próprias capacidades sensoriais do ser humano, Castells (1999) diz que multimídia foi o
nome dado ao novo sistema caracterizado pela integração de diferentes veículos de
comunicação e seu potencial interativo. Desse modo, esse novo sistema estende o
âmbito de comunicação eletrônica para todo o domínio da vida.
O internauta não está sujeito só à recepção e o ciberespaço é hoje um espaço
público, por excelência, para a divulgação de opiniões e ideias. Um espaço vasto para
troca de mensagens que podem ser emitidas pelas mais variadas plataformas, de emails,
fóruns de discussões, chats ou bate-papo, páginas pessoais, redes sociais, conferências e
etc. A rede mundial de computadores promove interação, a edificação do pensamento
do internauta, a transmissão de informações, conversação com pessoas em diversos
lugares do mundo, além da gravação de conteúdo que for de interesse particular. A
8
Hipertexto, na internet, é um documento que contém textos, comumente conhecido como “página”. Os hipertextos
podem se ligar a outros hipertextos através de hiperlinks ou links.
9
Hiperlink, ou simplesmente link, permite acesso entre diversos endereços eletrônicos. Pode estar representando por
palavras, expressões ou ícones. Ao clicar em um hiperlink, o usuário será encaminhado para outra “seção” da página
ou para outro endereço eletrônico.
comunicação no ciberespaço promove o acesso a lugares remotos em questão de
segundos, reduzindo distâncias a ponto de torná-las insignificantes.
A experiência proporcionada pelo espaço virtual da rede, em que o
individuo é concomitantemente emissor e receptor, aproxima-se da realidade que se
quer estabelecer com a transformação técnica dos sistemas de televisão, na tentativa de
abreviar as distâncias que existem entre quem faz e quem assiste televisão, tornando
essas funções intercambiáveis.
Considerando as diferenças entre os tipos de interação que podem ocorrer na
TV e na internet, trataremos a seguir da proposta de interação com a TV através de
outros meios, ilustrados a partir da convergência de mídias, dentro da perspectiva da
digitalização.

A interação com a TV através da convergência de mídias

Para Henry Jenkins (2008), as formas de comunicação tendem cada vez


mais a convergirem para um único meio, isso desencadeado principalmente nas últimas
duas décadas, onde a internet e o computador provocaram grandes transformações
culturais, sociais e mercadológicas. Desse modo, as mídias tradicionais passaram a ser
influenciadas e consequentemente buscaram se adaptar às possibilidades da internet.
Jenkins (2008) ao falar da “revolução digital”, na qual os velhos e os novos
meios parecem entrar em rota de colisão, apresenta também o conceito de narrativa
transmidiática, que se refere a um novo modelo que surgiu em resposta ao
entretenimento na era da convergência de mídias, captando as exigências dos
consumidores e dependendo da participação ativa das comunidades de conhecimento.
Esse tipo de narrativa promove uma interação entre múltiplos textos para a
criação de uma narrativa tão ampla que não pode ser contida em uma só mídia, ou seja,
uma narrativa transmidia. Para Jenkins, o acesso a cada uma dessas contribuições ou
vertentes que dão forma a narrativa como um todo, também deve ser autônomo, para
que seja necessária uma dependência, oferecendo sempre novos níveis para renovar a
franquia e sustentar a fidelidade dos consumidores. As narrativas estão se tornando uma
arte de construção de um universo e as mídias digitais, que possuem uma “capacidade
enciclopédica”, conduzem as novas formas de narrativas, à medida que o público busca
informações.
Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes
midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e
valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada
meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser
introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e
quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou
experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso
à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme
para gostar do game e vice-versa. (JENKINS, 2008, p.135)

Desse modo, a narrativa transmídia não é sinônimo de adaptação de um


mesmo conteúdo em diferentes mídias, como acontece no cross-media, (que é o
desenvolvimento de conteúdos, ou ajustamento de um mesmo conteúdo para múltiplas
plataformas e canais). Mas sim, deve ser entendido como o desenvolvimento de
diferentes histórias que irão integrar ou se referir a uma narrativa chave.
Exposto por Jenkins (2008), Matrix (1999) é exemplo de franquia de
narrativa transmidiática bastante ampla, que demonstrou pioneiramente muitas
possibilidades interessantes de aplicação deste formato de entretenimento. Além dos
filmes do cinema, que foram o ponto de lançamento da franquia, o universo de Matrix
se desenvolveu através de quadrinhos, animes (Animatrix), e games como “Enter The
Matrix” e “Matrix Online”. O primeiro filme da série, chamado apenas de Matrix,
introduz o Universo Matrix e apresenta suas premissas básicas. Posteriormente vieram
os quadrinhos, os animes e os games, além das duas sequências cinematográficas:
Matrix Reloaded e Matrix Revolutions.
Diante disso consideramos, assim como propõe Jenkins (2008), o conceito
de narrativa transmidiática como uma estratégia para que meios como televisão, rádio e
livros não se tornem ultrapassados diante da necessidade do público por uma
comunicação horizontal e cada vez mais participativa.
Oferecer novos níveis de revelação e experiência renova a franquia e
sustenta a fidelidade do consumidor. A lógica econômica de uma
indústria de entretenimento integrada horizontalmente – isto é, uma
indústria onde uma única empresa pode ter raízes em vários diferentes
setores midiáticos – dita o fluxo de conteúdos pelas mídias. Mídias
diferentes atraem nichos de mercado diferentes. Filmes e televisão
provavelmente têm públicos mais diversificados; quadrinhos e games,
os mais restritos. Uma boa franquia transmidiática trabalha para atrair
múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do conteúdo de acordo
com a mídia. (JENKINS, 2008, p.135-136)

Desse modo, a relação que as pessoas estão desenvolvendo com aparelhos


que unem cada vez mais funções e possibilidades digitais, nos permite entender que a
interatividade que sempre aconteceu nas mídias analógicas, através de uma interação
reativa, pode vir a apresentar características de uma interação mútua (como a que
acontece em rede), a partir da convergência de mídias.

Considerações Finais

Os aparelhos que configuram a convergência de mídias atualmente são


vários, vão da televisão digital aos smartphones. Esse último aparelho, em especial, vai
muito além de um simples celular, mistura as funções de computador, telefone, câmera
digital, acesso a internet, player de música e vídeos, rádio, TV, jogos eletrônicos e
outras possibilidades de interação, produção e acesso de conteúdo, convergindo assim
várias mídias em uma única máquina. Os smartphones ainda apresentam o recurso da
mobilidade, que se traduz na possibilidade de criar e acessar conteúdos estando em
movimento.
Quando Jenkins nos fala que as convergências de meios não ocorrem nas
máquinas, mas sim na mente dos consumidores e em suas redes sociais, nos permite
fazer um paralelo com a relação que as pessoas desenvolveram com seus computadores
pessoais e mais recentemente, com seus smartphones. Exemplo disso é o que vem sendo
chamado de Segunda Tela, que nada mais é que o hábito de os telespectadores
assistirem à TV ao mesmo tempo em que navegam na Internet, através de dispositivos
móveis ou pelo computador. Vincula-se à ideia de Segunda Tela a TV social – ou social
TV. Proulx e Shepatin (2012, p. ix) explicam que a televisão sempre foi social, no
entanto, o termo busca definir a convergência entre a televisão e as redes sociais, com
ênfase na oferta de uma experiência mais personalizada para a audiência,
principalmente no que diz respeito às séries de ficção e aos eventos transmitidos ao
vivo.
Outra característica da convergência é o distanciamento do consumidor
midiático contemporâneo da condição de receptor passivo, que molda o surgimento de
uma cultura participativa, que, como consequência, estimula a chamada inteligência
coletiva. Assim, ao considerar a inteligência coletiva como a capacidade dos membros
de uma determinada sociedade em combinar as informações que estão disponíveis para
eles, Jenkins (2008) utiliza como exemplo as comunidades de spoilers de realities
shows. Estas comunidades, que surgem com a afiliação de voluntários, procuram
evidências, através de pesquisas, boatos e da própria edição técnica do programa, para
desvendar os segredos do programa antes mesmo deste ir ao ar, e estão criando uma
nova cultura do conhecimento, que não é mais dividido e sim coletivo. Em outras
palavras é o caráter social da TV sendo explorado de forma que os comentários e
anseios dos telespectadores possam, de fato, interferir no desenrolar das tramas e demais
conteúdos oferecidos na tela.
Desse modo, os anunciantes, os produtores e veiculadores de conteúdo
devem voltar a atenção à eficácia dos diferentes meios de comunicação e da sua
convergência, já que não existe mais um bloco fixo de espectadores e sim uma estrutura
de vários segmentos, em constante transformação. O foco agora é menos no conteúdo e
mais na conciliação entre os diversos entretenimentos midiáticos, para que haja um
relacionamento mais profundo e contínuo. Nesta perspectiva, acreditamos ainda que o
futuro das relações com o público está nos fãs, pois estes tipos de consumidores
defendem as marcas às quais são fiéis, além de promovê-las.
Por fim, podemos considerar também que as decisões econômicas e
políticas sobre o modelo de TV Digital no Brasil e o que ainda está em jogo nesse
processo de implantação e desligamento analógico, terão de seguir os gostos e
tendências da sociedade, principalmente no que diz respeito à popularização da internet
e do uso de novos aparelhos tecnológicos.

Referências
BARBOSA, Marialva. Televisão, narrativa e restos do passado. Revista da
Associacã̧ o dos Programas de Pós-graduacã̧ o em Comunicacã̧ o. Compós, 2007

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.


COUTINHO, Iluska. Dramaturgia do telejornalismo: a narrativa da informacã̧ o em
rede e nas emissoras de televisão de Juiz de Fora-MG. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.

DOMINGUES-DA-SILVA, J.M. Atores, interesses e processo decisório: o caso da


TV digital brasileira. In: Encontro da Compolítica, 4., 2011. Rio de Janeiro:
Compolítica, 2011. Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-
content/uploads/2011/03/Juliano-Domingues-da-Silva.pdf. Acesso em 20 de maio/2015.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Ed.34, 1999.

MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo: Editora Senac, 2000.

PRIMO, A. Interação mediada por computador: a comunicação e a educação a


distância segundo uma perspectiva sistêmico-relacional. 2003. 282 f. Tese
(Doutorado em Informática na Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Informática na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS.

PROULX, Mike; SHEPATIN, Stacey. Social TV – How marketers can reach and
engage audiences by connecting television to the web, social media, and mobile, New
Jersey: John Wiley & Sons Inc, 2012.

SANTAELLA, Lúcia. Ciberespaço: entre o tudo e o nada. In: A ecologia pluralista da


comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010.

SILVA, D.L. A falsa promessa da multiprogramação na TV Digital. In: Congresso


Brasileiro de Ciências da Comunicação, 36., 2013. Manaus. AM: Intercom, 2013.
Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/R8-0795-
1.pdf> Acesso em: 15 de maio/2015.

WILLIAMS, R. Television: technology and cultural form. London: Routledge, 1974.


Participação infantil na mídia digital: uma adaptação do método cassete-fórum de
Mario Kaplún

Mayra Fernanda Ferreira1

Resumo: Este trabalho apresenta uma proposta de investigação sobre a participação de


crianças na mídia digital, de modo a garantir o direito à liberdade de expressão infantil. Tendo
em vista o conceito de Comunicação Participativa do teórico latino-americano Mario Kaplún
e a metodologia do cassete-fórum aplicada em rádios populares, pretendemos aliar a
expressividade das crianças com as potencialidades interativas das mídias digitais que são
utilizadas pela geração digital, conforme aponta Dan Tapscott. A partir de uma adaptação do
método cassete-fórum para essas mídias, visamos garantir um espaço participativo para as
crianças a fim de que assumam seu discurso e possam atuar como protagonistas cidadãs.

Palavras-chave: infância; mídia digital; Comunicação Participativa; cassete-fórum;


protagonismo.

Introdução

“Usar a tecnologia é tão natural quanto respirar”. Essa afirmação do pesquisador Dan
Tapscott (1999, p. 38) se refere ao envolvimento das crianças com as tecnologias,
principalmente o computador e a Internet, já que elas nascem nesse ambiente digital. Embora
possam ser perceptíveis os usos dessas mídias pelo público infantil, é fundamental
compreender como se desenvolvem as relações socioculturais nesse meio que se propõe
interativo e convergente (CASTELLS, 2002; JENKINS, 2009).
Ao pensar na apropriação desse meio pelas crianças, os espaços e as ferramentas
disponíveis na mídia digital seriam um canal propulsor de diálogo e expressividade, além de
possibilitar a produção e a recepção de conteúdos feitos para crianças e também por crianças.
1
Discente de Doutorado em Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Professora dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Sagrado Coração, em Bauru
(SP). E-mail: mayraunesp@yahoo.com.br

1
Ao pensar nessa dinâmica comunicativa desse ecossistema comunicativo 2, é papel da
AAcademia investigar as potencialidades dessa mídia digital voltada a um segmento de
público que estabelece uma relação natural com o meio, ao mesmo tempo em que se
desenvolve como cidadão ativo e crítico.
A partir dessa perspectiva, é possível fomentar questões sobre os usos e as
significações dessa mídia para as crianças e como tais apropriações podem representar um
exercício participativo, nos moldes da Comunicação Participativa, proposta pelo pesquisador
latino-americano Mario Kaplún. Pretende-se, assim, neste estudo, provocar uma reflexão
sobre a participação das crianças3 a partir de ferramentas digitais que possam valorizar a
expressividade, a opinião e a criticidade infantis.
Tendo em vista o direito garantido na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos
da Criança (ONU, 1989), no que se refere ao acesso a informações e à liberdade de
expressão4, é necessário valorizar a livre-expressão das crianças para que elas possam se
manifestar em qualquer meio e da forma que julgarem condizente com seus interesses. Nesse
sentido, os veículos de comunicação, tanto impressos quanto digitais, tornam-se também
meios nos quais deveria haver espaços disponíveis para essa livre manifestação infantil, não
focando apenas em produtos voltados ao entretenimento infantil, mas em formatos e
linguagem que possibilitem a participação de crianças para debater questões pertinentes ao dia
a dia escolar, familiar e social.
A elaboração, produção e veiculação de produtos nos diferentes suportes de mídia,
principalmente na Internet, que considerem esses aspectos é de suma relevância, uma vez que
o público infantil estabelece um contato, quase genuíno, com a mídia digital: “a tecnologia foi
completamente transparente para a Geração Internet 5” (TAPSCOTT, 2010, p. 30). Diante

2
Segundo Barbero (2009, p. 159), “quando falamos de tecnologia estamos nomeando uma mediação simbólica, cada vez mais
estamos falando de um 'ecossistema' comunicativo, falamos do conceito de 'entorno' [...]Agora vivemos também em um
entorno “comunicativo”, esse entorno técnico-comunicativo com suas linguagens, escrituras e gramáticas novas”.
3
Nesta pesquisa, considera-se criança os indivíduos até os 12 anos de idade incompletos, conforme definição do Estatuto da
Criança e do Adolescente (BRASIL, 1991).
4
“A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e partilhar
informações e ideias de toda a espécie, sem considerações de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por
qualquer outro meio à escolha da criança” (ONU, 1989, artigo 13).
5
Geração Internet é o termo utilizado por Tapscott (1999, 2010) para se referir às crianças e aos jovens que, em 1999, tinham
entre 2 e 22 anos de idade, considerando que a maioria deles tinha uma familiaridade singular com a Internet para realização
de diversas atividades, do universo escolar ao mero entretenimento, perpassando as relações interpessoais pelo uso de
programas de mensagens instantâneas e atualmente pelas redes sociais digitais.

2
dessa relação natural das crianças e jovens com as tecnologias, a autonomia e a independência
são características dessa geração, que visa interagir com os conteúdos e com os demais
usuários.
Na defesa de uma cultura da participação na sociedade contemporânea, Clay Shirky
(2011) afirma que os jovens com acesso à mídia rápida e interativa se afastam de mídias de
mero consumo, como a televisão; eles passam a atuar em prol do compartilhamento e de
trocas que favorecem a formação de comunidades, ao mesmo tempo consumidoras e
produtoras de conteúdo digital. Como a participação, segundo o autor, é inerente à Internet,
incentivar ações participativas é fundamental para que se tenha uma mídia na qual seja
possível consumir, produzir e compartilhar de forma cada vez mais barata e universal.
Aliando essa cultura à cultura que se (re)constrói da infância, conectada à mídia
digital, Tapscott (2010) destaca que há urgência em reconhecer as crianças como atores
sociais, espertos, rápidos e tolerantes, em busca de transformações, já que veem o mundo do
trabalho e escolar de modo colaborativo, querem ser prosumidores (dialogando com os
mercados e marcas) – como nos coloca Toffler (1980) – e voltam-se para um ativismo social.

Os jovens da Geração Internet também não aceitam simplesmente o que lhes


é oferecido. Eles são iniciadores, colaboradores, organizadores, leitores,
escritores, autenticadores e até mesmo estrategistas ativos, no caso dos
videogames. Eles não apenas observam, mas também participam.
Perguntam, discutem, argumentam, jogam, compram, investigam,
ridicularizam, fantasiam, procuram e informam (TAPSCOTT, 2010, p. 32-
33).

Considerando que já há esse potencial participativo e na tentativa de compreender as


ferramentas utilizadas e suas significações para as crianças, a articulação com a proposta
teórica-metodológica de Mario Kaplún nos parece cabível de modo a sugestionar a
aplicabilidade do método cassete-fórum enquanto um instrumento dialógico para a
comunicação e a ação-reflexão-ação (FREIRE, 2002) dessa geração conectada e cidadã ativa
e crítica. Desse modo, este artigo pretende contextualizar o exercício metodológico do teórico

3
latino-americano para promover uma Comunicação Participativa e inserir as crianças da
geração digital em um exercício de interação e protagonismo por meio de um cassete-fórum
em um ambiente digital.

Apontamentos sobre Kaplún e o cassete-fórum

O teórico latino-americano Mario Kaplún é uma referência na proposta de


Comunicação Participativa, ao considerar a comunicação como um processo horizontal, no
qual emissores e receptores realizam trocas significativas tendo em vista uma possível
intervenção social (KAPLÚN, 1984). O autor declara que uma comunicação verdadeira só se
efetiva quando os sujeitos comunicantes, ou seja, emissores e receptores dialogam, mesmo
que seja por meios artificiais e à distância. “A construção do conhecimento e sua
comunicação não são, como costumamos imaginar, duas etapas sucessivas através das quais
primeiro o sujeito se apropria dele e depois o enuncia. São, isso sim, o resultado de uma
interação” (KAPLÚN, 1999, p. 73).
Nesse modelo de interação kapluniano, os grupos e as comunidades assumem o
protagonismo para emitir mensagens e participar e interferir no processo comunicativo. A
comunicação, então, comporta-se como um processo horizontalizado, no qual há diferentes
interlocutores, visto que não há mais distinção entre emissores e receptores, formam-se os
“emirecs” a fim de favorecer uma prática democrática.

A través del medio, los grupos pueden dialogar, intercomunicarse; y entablar


asimismo una relación de diálogo – una comunicación de doble via – con los
educadores-comunicadores. El medio interconecta a los grupos, los une a
distancia y permite el intercambio y confrontación de mensajes y la
construcción entre todos de un nuevo mensaje común (KAPLÚN, 1983, p.
52).

O autor acredita que essa troca possibilita a autovalorização dos grupos, uma vez que
reconhecem a importância de suas mensagens e opiniões. Kaplún (1984) ressalta ainda que
esse sentimento de pertença e participação faz com que haja uma intervenção, visto que,
segundo ele, sem participação não há desenvolvimento porque, por meio dela, os indivíduos

4
assumem seu papel de protagonistas e criam as soluções para os próprios problemas. Diante
das demandas dos “emirecs” é que se consolida a Comunicação Participativa, a qual tem
como um dos métodos o cassete-fórum, desenvolvido por Kaplún, nos anos 70, com
populares rurais na América Latina, especialmente no Uruguai, a fim de promover um
intercâmbio de necessidades e interesses da população rural.
Essa metodologia tinha como proposta uma organização dos grupos, de acordo com as
etapas a seguir: 1) interlocutores de uma Rádio Popular propunham um tema gerador para
discussão, considerando questões pertinentes à realidade rural; 2) as fitas com a gravação
problematizadora do tema eram encaminhadas para diferentes grupos que se reuniam para
debater o assunto e realizar uma nova gravação com as conclusões dos membros; 3) essas
novas gravações eram encaminhadas aos interlocutores centrais que escutavam todo o
material; 4) era elaborado um cassete coletivo para enviá-lo aos grupos de origem, contendo
os pontos convergentes e divergentes sobre a questão em debate; e, 5) por fim, cada grupo
ouvia o novo cassete, refletia sobre as conclusões dos demais grupos e, assim, fomenta-se um
exercício de troca comunicativa e cidadã, já que era possível pensar em ações coletivas que
atendessem à realidade local.

El recurso desempeñña además dentro del método un importante papel


comunicativo y educativo, como instrumento estimulador de la
autoexpressión. Cada núcleo y cada participante individual cuyas
intervenciones son transcritas, se autovalora al oírse en el casette colectivo y
saber que todos los demás grupos están también escuchando; siente que su
voz adquiere peso, resonancia; descubre el valor de ‘decir sua palabra’, para
usar la expresión de Paulo Freire (KAPLÚN, 1984, p. 28).

Essa organização metodológica propicia um processo comunicativo com os atores


sociais6 sendo valorizados em cada uma das etapas e, principalmente, garantindo instrumentos
para sua atuação junto ao seu entorno.

Cassete-fórum digital para e com crianças

6
Na perspectiva da sociologia, os atores sociais são pessoas, grupos ou organizações que possuem “a capacidade de buscar
mecanismos próprios para alcançar objetivos, acumulando força, gerando e mudando estratégias para converter-se num
centro criativo de acumulação de poder. Isto compreende o ator social como um ser atuante na sociedade” (MATUS, 1996
apud BOTELHO-FRANCISCO, 2014, p. 15-16).

5
Na defesa da participação das crianças na mídia, em especial na Internet, o método
cassete-fórum pode ser um instrumento dialógico, uma vez que as ferramentas de
interatividade, tais como comentários e fóruns em sites, blogs e redes sociais digitais, ao
serem apropriadas pelo público infantil, podem se tornar espaços de democratizar a
participação, a autoexpressão e a troca de experiências.
De modo experimental, adaptando esse método para as mídias digitais, o uso das redes
sociais digitais7, já familiares às crianças, seria o mais adequado para fomentar o diálogo entre
elas a fim de discutir os produtos de mídia digital com os quais têm contato e temáticas que as
interessam, como conteúdos escolares e questões sociais como política, saúde, entre outros.
Devido à necessidade do acesso, da apropriação e do domínio dessas redes, seria necessário
realizar atividades de educação para a mídia8 para que grupos de crianças, compostos por
atores de diferentes classes sociais e nível de instrução, pudessem ser representados nesse
ecossistema comunicativo, contribuindo para a democratização da participação infantil.
Retomando a dinâmica organizacional do método, o o quadro 1 sintetiza e compara a
adaptação das etapas, considerando as ações propositivas no ambiente digital e as expectativas
a respeito desse modelo participativo adaptado:

Quadro 1: Método Cassete-Fórum: de Kaplún à mídia digital

ETAPAS MÉTODO CASSETE-FÓRUM CASSETE-FÓRUM DIGITAL

MATERIAIS Gravador e cassete Redes sociais digitais


PÚBLICO Comunidades rurais Geração digital – crianças de 8 a
10 anos9
PERIODICIDADE Quinzena e mensal Semanal

7
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012 (CGI, 2013), realizada com 1.580 crianças e jovens de 9 a 16 anos, revela que
82% dos pesquisados usam a Internet para atividades escolares; 68% para rede social; 66% para assistir a vídeos online; 54%
para jogos online e envio de mensagens instantâneas. Outra pesquisa realizada com 1.984 crianças de 6 a 9 anos aponta que
as redes sociais configuram como uso majoritário para 31,4% dos participantes do estudo (JUNQUEIRA; PASSARELLI,
2012). Cabe ressaltar que o cadastro em redes sociais digitais, como o Facebook, apresenta um limite de idade que no caso é
de 13 anos. Para a aplicabilidade deste estudo, será preciso analisar a viabilidade de alguma rede ou desenvolver alguma
ferramenta participativa, como já experimentamos em Ferreira (2009) com o “Espaço Criança”.
8
Segundo Belloni (2005, p. 12), as atividades de educação para a mídia “dizem respeito à formação do usuário ativo, crítico e
criativo de todas as tecnologias de informação e comunicação”.
9
Postman (1999) afirma que as crianças dessa faixa etária são capazes de falar e refletir sobre os efeitos de uma vida adulta
precoce de um modo direto e econômico, sem serem estimulados a usar a linguagem para mascarar sentimentos.

6
GRUPO GERADOR Rádio popular Grupo de crianças que têm perfil
mais ativo em redes sociais10
TEMA GERADOR Assunto relevante às Questão eleita pelo grupo
comunidades rurais
gerador como mais recorrente
entre as publicações e as
manifestações infantis nas redes
sociais digitais
DISCUSSÕES Comunidades debatiam e Crianças estabelecem interações
gravavam uma mensagem por meio de trocas de
sintetizadora das conclusões do mensagens, comentários e
grupo compartilhamentos de
mensagens
NOVO TEMA GERADOR A gravação retornava à Rádio Grupo gerador observa e
Popular que reunia as discussões sintetiza as interações e formula
e produzia uma nova mensagem nova questão para o debate
com as reflexões coletivas
AVALIAÇÕES Os grupos tinham acesso à A ação em rede desses grupos
gravação coletiva e conheciam a
demonstra como as crianças
opinião de seus pares sobre o
mesmo assunto participam da mídia e quais
assuntos sociais são mais
próprios a sua realidade e
potencial de intervenção
RESULTADOS Os grupos se sentiam Crianças garantem um espaço de
valorizados porque podiam se expressividade na mídia e
expressar livremente, além de utilizam as redes sociais digitais
ter acesso às informações e como instrumento de diálogo
discussões de outros grupos reflexivo e transformador da
realidade, reconhecendo-se,
assim, como atores sociais
Fonte: elaborada pelo autora

A rede de interações, estabelecida nesta proposta de cassete-fórum, mostra a

possibilidade de as crianças11 participarem por si de discussões em canais de comunicação,


10
Para a escolha deste grupo, será necessário utilizar a observação de perfis em redes sociais digitais e os dados quantitativos
apresentados pelos mecanismos de análise das próprias redes.
11
Cabe ressaltar que estamos nos restringindo a um grupo de crianças que possuem acesso às tecnologias, bem como
desenvolveram habilidades e competências para a utilização das mídias digitais, em especial as redes sociais digitais. O Brasil
ainda apresenta um cenário de exclusão digital que impossibilita o acesso à Internet e, consequentemente, não proporciona a
democratização do uso de tais tecnologias, inclusive pelas crianças, especialmente devido à classe social e ao acesso às redes
públicas ou privadas de ensino.

7
dialogando sobre temas que são pertinentes ao universo infantil e sobre os quais julgamos ser
pertinente o adulto reconhecer, de modo a valorizar a atuação dos integrantes dessa geração
como protagonistas sociais.

Considerações sobre as potencialidades da participação infantil

Segundo um estudo da Cepal (apud QUIROZ, 2008), há escassez de espaços políticos


e culturais de participação para os jovens latino-americanos. Dessa forma, o modelo de
Comunicação Participativa de Kaplún (1983) se apresenta com uma possibilidade de
promoção de um processo comunicativo democratizante, horizontal e recíproco. Neste estudo,
tal modelo participativo visa contribuir para que as crianças expressem suas intenções diante
da mídia digital, ao passo que promove um espaço participativo para que elas efetuem trocas
simbólicas e haja mediações entre elas, por meio do cassete-fórum digital.
A partir do reconhecimento dessa atuação da Geração Internet, as esferas sociais
(Estado, sociedade civil e empresas) e também de mídia poderão direcionar suas ações em
prol das crianças, não como seres indefesos, mas como agentes que podem contribuir
democraticamente para a sociedade na qual vivem. Ao garantir espaços para a expressividade
das crianças para conhecer seus interesses na mídia digital e, consequentemente, seus anseios
sociais, os produtores de conteúdos infantis poderão fomentar novas práticas de consumo e
colaboração infantis, não restringindo os produtos de mídia ao olhar do adulto sobre o que é
interessante às crianças (PERROTTI, 1990).
Ao concordarmos com Tapscott (2010) de que as crianças e os jovens da Geração
Internet assumiram pela primeira vez na história o controle para uma revolução nas
comunicações, entendê-los como receptores críticos de mídia é, conforme nos coloca Orozco
(2010, p. 121), partir da hipótese de que “os jovens estão aprendendo e desenvolvendo
destrezas e competências analíticas, psicomotoras, instrumentais, técnicas, de elaboração de
pensamento. Eles estão exercendo a expressão, a intercomunicação – ainda que seja uma
comunicação muito rápida –, mas estão em constante troca”. É essa troca que precisa ser
considerada pelos meios de comunicação. De acordo com a ANDI (2009), a regulação da

8
comunicação para a infância visa garantir o respeito aos direitos das crianças e preservar um
ambiente de liberdade de expressão. É preciso garantir oportunidades:

se dermos às pessoas uma forma de expressar seu desejo por autonomia e


competência, ou generosidade e compartilhamento, elas poderão nos seguir.
(...) se pretendemos apenas oferecer uma válvula de escape para essas
motivações enquanto na verdade, confinamos as pessoas a uma experiência
com um roteiro pré-determinado, elas podem se revoltar (SHIRKY, 2011, p.
89).

Nesse sentido, retomando o papel ativo das crianças frente à mídia digital, seus
direitos à comunicação e à liberdade de expressão necessitam ser assegurados não pela livre
utilização das ferramentas digitais, mas por espaços de mídia que reconheçam essa
expressividade e deem valor a ela. Se os produtores de mídia reconhecem as crianças
enquanto público-alvo de consumo, também precisam entender que essa nova geração é
crítica, cidadã e tem potencial para intervir no produto midiático e também na sociedade.
Ao valorizar o público infantil e a atuação social das crianças, os produtores de mídia
digital para a infância estariam promovendo uma cultura de participação cidadã, de modo a
levantar temas condizentes com o cotidiano infantil para um “consumo” mais consciente e
para um compartilhamento que esteja além de interesses individuais e de mercado, mas
conectados, literalmente, com os anseios, os usos, as apropriações e as significações dos
conteúdos sociais dadas pelas próprias crianças.

Ajudar as crianças a aprenderem a usar a mídia como um instrumento para o


seu próprio desenvolvimento, a serem usuários críticos e inteligentes dos
vários meios de comunicação, em vez de serem totalmente hipnotizados ou
de ficarem indefesas em relação à mídia, é o melhor investimento. Elas
precisam aprender a explorar as melhores possibilidades que a mídia pode
oferecer, ao mesmo tempo em que também se protegem dos efeitos
negativos ou potencialmente prejudiciais, simplesmente aprendendo a ser
seletivas e conscientes e a “ler” todas as formas de mídia (BAUTISTA,
2002, p. 312).

Desse modo, o empoderamento infantil diante da mídia digital demonstra que esse
ecossistema comunicativo carece de reformulações a fim de se conectar com essa geração, ou
seja, há necessidade de rever formatos, linguagens, conteúdos e até mesmo agentes produtores

9
para que haja mais espaços interativos e participativos para as crianças. Aliado a isso, esse
empoderamento não deve se limitar ao acesso aos conteúdos e ao uso das ferramentas, deve-
se possibilitar

que as crianças sejam capazes de fazer o que sabem fazer melhor. Nesse
ponto de vista não é suficiente que os adultos deixem seus pequenos
prosseguirem, mas demanda que ouçam, respondam com atenção dando
retorno das atividades criativas ou outras formas de atividades, encorajando
a reflexão crítica, levando sua participação a sério (LIVINGSTONE, 2011,
p. 36-37) .

É essa participação infantil na mídia o grande desafio e, ao mesmo tempo, a


contribuição de se pensar em estratégias comunicativas que valorizem as falas e as interações
entre as crianças. O método participativo do cassete-fórum é vislumbrado como uma
potencialidade de demonstrar a transparência, a autonomia, a autoexpressividade e o
protagonismo social das crianças dessa geração digital. Uma proposta ainda incipiente e que
carece de revisões a partir da observação dessas próprias crianças enquanto usuárias ativas da
mídia digital e principalmente como integrantes de uma geração que tem nas mãos, como
reafirma Tapscott (2010), o desejo e o poder de transformar a sociedade.

Referências
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BARBERO, Jesús Martin. Uma aventura epistemológica. Entrevista a Maria Immacolata


Vasallo de Lopes. Matrizes, São Paulo, n. 2, ano 2, 2009, p. 143-162.

BAUTISTA, F. A mídia e nossas crianças. In: CARLSSON, Ulla; FEILITZEN, Cecília von
(Orgs.). A criança e a mídia: imagem, educação, participação. 2. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2002, p. 307- 317.

BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. 2. ed. Campinas: Autores Associados,


2005.

10
BOTELHO-FRANCISCO, Rodrigo Eduardo. Interatividade e literacias emergentes em
contextos de inclusão digital: um estudo netnográfico no programa Acessa SP. 2014. 250f.
Tese (Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São
Paulo, USP, São Paulo, 2014.

BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente. Decreto- Lei nº 8069, de 13 de julho de


1990. Brasília: Coordenação de Publicações, 1991.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e


cultura. Volume 1, 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CGI. TIC Kids online 2012. São Paulo: Comitê Gestor de Internet no Brasil, 2013.

FERREIRA, Mayra Fernanda. Webjornalismo infantil: por uma interação informativa.


2009. 243f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação, Universidade Estadual Paulista, Unesp, Bauru, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria. 2. ed. São


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JUNQUEIRA, A. H.; PASSARELLI, B. Gerações interativas Brasil – Crianças e


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KAPLÚN, Mario. Processos educativos e canais de comunicação. In: Revista Comunicação


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______. Comunicación entre grupos: el método del Cassette-Foro. Otawa: CIID, 1984.

11
________. Hacia una comunicación participativa: entrevista a Mario Kaplún. Quito: Aler,
1983.

LIVINGSTONE, Sonia. Internet literacy: a negociação dos jovens com as novas


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POTSMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Tradução de Suzana Menescal de Alencar


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PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1990.

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SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo


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TAPSCOTT, Dan. A hora da geração digital: como os jovens que cresceram usando a
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______. Geração Digital: a crescente e irreversível ascensão da Geração Net. Tradução de


Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1999.

12
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução de João Távora. 16. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1980.

13
Un acercamiento a las condiciones para el desarrollo de la televisión comunitaria de los
movimientos sociales en Uruguay.

Nicolás Agustín Robledo Pisciottano1

Resumen: En Uruguay los operadores comerciales principalmente y en segundo lugar el estado,


han construido la televisión, reproduciendo su mirada ideológica de la realidad. Con el despliegue
de la televisión digital terrestre y la reserva de espectro para el sector comunitario, los movimientos
y organizaciones sociales encuentran una oportunidad para crear su propia televisión, condicionados
por las políticas públicas y sus propias limitaciones. Este trabajo significa el avance preliminar de
una investigación que busca analizar las condiciones existentes para el desarrollo de televisión
comunitaria de movimientos y organizaciones sociales en Uruguay. Propone sintéticamente, un
marco que sitúa el rol de la televisión en el sistema capitalista y el sentido de acceder a este medio,
la situación del sistema televisivo uruguayo, las políticas recientemente impulsadas y los escasos
antecedentes de propuestas comunitarias, compartiendo algunas reflexiones sobre las condiciones
actuales para el desarrollo de televisión comunitaria desde los movimientos sociales en Uruguay.
Palabras clave: Televisión comunitaria, Movimientos sociales, políticas de comunicación

Introducción

Desde la llegada de la televisión a Uruguay en 1956, los operadores comerciales


principalmente y en segundo lugar el estado han construido la televisión de nuestro país
reproduciendo a través de la pantalla su mirada ideológica de la realidad. Con el despliegue de la
televisión digital terrestre, nuevos impulsos y normativas abren la posibilidad para que diferentes
actores sociales puedan desarrollar sus propios medios, y en particular señales de televisión
comunitaria. Los movimientos y organizaciones sociales ven entonces una oportunidad única, que
está marcada por sus propias capacidades y limitaciones, así como por las condiciones que las
nuevas políticas imponen.

Los movimientos y organizaciones sociales, son actores de gran importancia en nuestra


sociedad, pero sin embargo sus puntos de vista o discursos no cuentan en general un lugar

1
Lic. en Ciencias de la Comunicación y Maestrando en Información y Comunicación por la Universidad de la República (Udelar),
Uruguay. Docente del Servicio Central de Extensión y Actividades en el Medio (Udelar), integra el Grupo de Investigación
Alternativas Mediáticas. Posgrado: Maestría en Información y Comunicación, Universidad de la República (Uruguay).
destacado en la esfera pública, en los distintos medios de comunicación. Más aún, su imagen es
construida a través de la mirada y voz que otros ponen en común y muy pocas veces por sí mismos.
En este sentido es que la posibilidad de que los sectores populares tengan sus propios medios
masivos de comunicación, en este caso una señal de televisión abierta, toma un gran valor,
favoreciendo la difusión y comunicación de nuevas voces y rostros que desentonen con el discurso
hegemónico.
En este sentido, en octubre de 2013 el gobierno otorgó la autorización para brindar el
servicio de televisión comunitaria a través de una señal abierta de Televisión Digital Terrestre a la
única organización sindical que nuclea a todos los sindicatos del país, el Plenario Intersindical de
Trabajadores – Convención Nacional de Trabajadores, PIT-CNT; esta decisión fue el resultado de la
realización de un llamado abierto a interesados. Esto podría constituirse en un paso muy importante
hacia la democratización de la comunicación y los medios, y en particular para los movimientos
sociales, pensando en el papel que juega hoy la televisión en nuestra sociedad, como medio de
producción simbólica que influye en las culturas y subjetividades.
En este contexto, toma relevancia estudiar los intentos de generar una comunicación masiva
propia de los sectores populares y las políticas que la enmarcan. Por ello, a través de un enfoque
cualitativo, la investigación en curso analiza las condiciones existentes para el desarrollo de
televisión comunitaria de movimientos y organizaciones sociales en Uruguay. Se abordan las
condiciones propias de los movimientos (organizativas, técnicas, profesionales, políticas,
económicas, etcétera), así como las condicionantes del contexto (políticas, económicas,
reglamentarias, entre otras posibles), buscando responder sobre las posibilidades de generar
televisión comunitaria desde estos actores sociales. Revisando bibliografía y antecedentes,
siguiendo proyectos en marcha, analizando políticas, discursos de los actores y contextos, se busca
aportar a los movimientos sociales y a las políticas públicas de comunicación.
Dado que el proceso del trabajo de campo está en pleno desarrollo, no compartiremos aquí
conclusiones categóricas al respecto. Sí en cambio, realizaremos un primer acercamiento al tema y
problema de investigación, así como a algunas reflexiones primarias que en el camino se vienen
construyendo.

Poder simbólico para construir hegemonía

Para iniciar este recorrido es necesario compartir algunos de los conceptos que enmarcan,
fundamentan y guían este trabajo, que ayudan a reflejar el rol de los medios masivos, y la televisión
en particular, en la sociedad capitalista hoy.
En primer lugar vale incorporar el planteo gramsciano que recupera Raymond Williams
(1980) sobre el concepto de hegemonía, sumando elementos como dominación y cultura. Gramsci
(1970) para hablar de dominación diferencia dos vías para alcanzarla, la hegemonía y el dominio. El
dominio “se expresa en formas directamente políticas y en tiempos de crisis por medio de una
coerción directa o efectiva” (WILLIAMS, 1980, p. 129), al tiempo que la hegemonía es un
complejo entrelazamiento de fuerzas políticas, sociales y culturales, o “las fuerzas activas sociales y
culturales que constituyen sus elementos necesarios” (WILLIAMS, 1980, p. 129).
Esta idea de hegemonía incluye los conceptos de cultura, entendida como "proceso social
total", e ideología, como "un sistema de significados y valores que constituye la expresión o
proyección de un particular interés de clase" (WILLIAMS, 1980, p. 129). De esta manera el
concepto de hegemonía se diferencia de el de cultura por relacionar a esta la distribución de poder,
introduciendo así también las ideas de dominación y subordinación. Del mismo modo el término va
más allá de el de ideología, y aquí radica su valor. La hegemonía establece que más allá del sistema
de valores y creencias, toda sociedad bajo la dominación de un sector o clase social, vive, se
desarrolla y organiza a partir de las significaciones, creencias y valores de esa clase dominante.
Por otra parte, recuperamos el concepto de poder simbólico desarrollado por John
Thompson (1998), quien, siguiendo a Michell Mann, propone la caracterización de cuatro
dimensiones principales del poder: poder económico, poder político, poder coercitivo y poder
simbólico. Para Thompson, estos distintos tipos de poder se vinculan a los medios de comunicación.
Los medios aparecen como herramientas para el ejercicio, promoción y defensa de poder, y de allí
que podamos ubicarlos como instituciones paradigmáticas, es decir, "plataformas privilegiadas para
el ejercicio de ciertas formas de poder" (THOMPSON, 1998, p. 30).
El poder simbólico, término prestado pero diferenciado del uso que le da Pierre Bourdieu, es
la "capacidad de intervenir en el transcurso de los acontecimientos, para influir en las acciones de
los otros y crear acontecimientos reales, a través de los medios de producción y transmisión de las
formas simbólicas" (THOMPSON, 1998, p. 34). Así, los medios tienen herramientas para incidir y
ser actores privilegiados en cuanto a la dimensión simbólica del poder como medios reproductores
de sentidos, imágenes y sonidos, que a través de la pantalla se transforman en medios de
legitimación y renovación de la hegemonía capitalista, o alternativa que busca construir otro tipo de
relaciones sociales.
Estos conceptos y apuntes ayudan a visualizar la importancia que puede tener para sectores
de la clase trabajadora, como el movimiento sindical uruguayo, la propiedad de un medio masivo
como lo es una señal de televisión digital abierta en la disputa de sentidos; y también el enorme
poder que los medios comerciales y el estado ostentan.

Los dueños de la televisión en Uruguay


Según el estudio sobre Imaginarios y Consumo Cultural del año 2009, en Uruguay mirar
televisión es la actividad cultural más frecuente, practicada casi por el cien por ciento de la
población (99,8%); las otras actividades relevadas no alcanzan este nivel 2. Mientras la radio a
descendido levemente su audiencia e Internet crece en usuarios, la televisión ha mantenido su
público con un crecimiento de la televisión para abonados, a pesar del desarrollo de las nuevas
tecnologías (RADAKOVICH et al., 2013).
Al igual que en la mayor parte de América Latina y a diferencia de lo sucedido en Europa, la
televisión uruguaya se ha caracterizado por desarrollarse bajo la impronta de emprendimientos
privados comerciales. Desde que en 1956 se iniciaron las transmisiones televisivas en nuestro país,
a cargo de Saeta Canal 10, el desarrollo de la televisión fue impulsado en primer lugar por los
medios comerciales, y marginalmente por la televisión pública. De esta manera la idea de ver a los
medios masivos como “servicios públicos” de interés general para la sociedad, que en Europa fue
central después de la segunda guerra mundial y mantuvo monopolios estatales hasta la década de
los ochenta, no se construyó en la población de Uruguay.
Casi sesenta años después, en Uruguay existe un oligopolio mediático donde tres grupos se
reparten el 95% de la audiencia y la facturación, alcanzando los 82.5 millones de dólares durante el
año 2010 (LANZA; BUQUET, 2011). Estos grupos son los propietarios de los canales de televisión
abierta comercial de Montevideo, Canal 4 Montecarlo TV, Canal 10 Saeta TV y Canal 12 Teledoce
Televisora Color, quienes concentran la propiedad y el control de los medios de comunicación.
Éstos, no sólo son dueños de las señales abiertas de televisión en la capital, sino que también
cuentan con señales de televisión abierta y para abonados en todo el país, radios en Montevideo y
otras ciudades, e incluso uno de ellos se vincula a uno de los principales semanarios impresos, el
semanario Búsqueda. De manera aislada pero también asociados en nuevas empresas, manejan los
contenidos de la oferta mediática de manera directa o indirecta. Comparten contenidos de sus
señales de televisión para abonados, venden servicios a otras empresas de cable y controlan la
programación de canales abiertos a través de distintos acuerdos.
Un cambio significativo, en parte, se viene desarrollando en la televisión para abonados,
donde en los últimos años la expansión de la televisión satelital a través de la internacional Direct
Tv y la incursión del Grupo Clarín de Argentina con la señal Cablevisión, ha sumado nuevos
actores poderosos. De este modo, estos cinco grandes grupos concentran más del 70 % del mercado
de la televisión para abonados donde coexisten más de 70 empresas y unos 700 mil suscriptores.
(URSEC, 2014).
2
Escuchar radio 95%, usar Internet 61%, leer 50,9%, ir al cine 40,9%, ir a un Museo o exposición de arte el 38,1%, conciertos el
31,2%, espectáculos de danza 24,9%, asistencia a Bibliotecas 18,3%, ir a la ópera 3,5%. (DOMINZAIN; RAPETTI;
RADAKOVICH, 2009).
Políticas de comunicación en marco del despliegue de la televisión digital.

Con un sistema televisivo concentrado y una débil propuesta por parte del canal estatal, en
2005 llegó al gobierno el partido Frente Amplio, quien en su programa abordaba las políticas de
comunicación como un asunto a considerar. De esta manera en el primer período liderado por
Tabaré Vázquez el gobierno definió iniciar el despliegue de la Televisión Digital Terrestre (TDT) y
promulgó la Ley de Radiodifusión Comunitaria del año 2007. A partir de dicha ley, que se centraba
en las radios, ya se incluía el posible desarrollo de la televisión comunitaria y definía la división del
espectro radioeléctrico -patrimonio de la humanidad- en tres franjas destinadas a medios
comerciales, públicos y comunitarios, respectivamente. Al mismo tiempo se establecía que el estado
debe garantizar y promover el servicio de radiodifusión comunitaria sin fines de lucro orientado a
satisfacer las necesidades de comunicación social y a habilitar el ejercicio del derecho a la
información y a la libertad de expresión.
Durante el período de José Mujica en la presidencia (2010-2015) continuó el avance en las
políticas de comunicación, a pesar de que en 2010 el mismo presidente Mujica expresó que “la
mejor ley de prensa es la que no existe”. En primer lugar rectificó la decisión tomada por el
gobierno anterior sobre la norma elegida para el desarrollo de la televisión digital (originalmente la
europea), adoptando definitivamente la norma japonesa-brasilera ISDB-T. En 2012 a través de un
decreto presidencial, sentó las bases para el despliegue de la televisión digital terrestre y la
realización de llamados públicos a las nuevas señales digitales y, retomando lo expuesto en la ley
de radiodifusión comunitaria, se incluyó también la oportunidad para el desarrollo de medios
audiovisuales “comunitarios o sin fines de lucro”. La normativa determina la asignación en
Montevideo de seis canales para el sector público (incluyendo uno para el canal estatal TNU y otro
para la señal municipal TV Ciudad), siete para el sector privado comercial (conservando las
adjudicaciones a los canales 4, 10 y 12), y siete para el sector comunitario. En el resto del país se
determina la asignación de tres canales para cada sector (público, comercial, comunitario) por
localidad.
En diciembre de 2014, y luego de tensas y extensas discusiones, el parlamento aprobó la
Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, la cual regula de manera innovadora en varios
aspectos incorporando también lo ya expresado en decretos y leyes anteriores en relación al sector
comunitario y la televisión digital. Propone porcentajes importantes de contenidos nacionales, la
creación de fondos para la producción independiente, la defensa de la libertad de expresión, así
como derechos de los televidentes, límites a la propiedad de medios, espacio gratuito para campañas
de bien público y campaña electoral, entre muchos aspectos abordados. De todas formas, esta
importante ley, aún espera la reglamentación del Poder Ejecutivo y la resolución de recursos de
inconstitucionalidad iniciados por partidos políticos opositores y gremiales mediáticas.
En 2013 se realizaron los primeros llamados para adjudicar las nuevas señales de televisión
digital a los sectores comercial, público y comunitario. El gobierno determinó como resultado de
este proceso, en un comentado y discutido fallo, autorizar en Montevideo y zona metropolitana dos
nuevas señales abiertas comerciales (Grupo Giro, conformado por el periódico La Diaria y la
cooperativa audiovisual Demos y los propietarios de la señal para abonados VTV), que aún no están
al aire. Al mismo tiempo, a través de decretos presidenciales y desoyendo críticas de varios
sectores, adjudicó automáticamente las licencias a los canales comerciales actuales (canales 4, 10 y
12), otorgándoles la autorización para una señal digital, sin concurso, audiencia pública, ni
exigencia de proyecto comunicacional como correspondía.
El llamado a interesados a brindar servicios de radiodifusión comunitaria de televisión
digital recibió tres propuestas: la Asociación Comunicación Social Empresarial, asociación sin fines
de lucro creada por las cámaras empresariales de Uruguay, el Canal Cristiano, que no se consideró
por no ser una asociación civil y ser presentada fuera de plazo, y finalmente, el proyecto del
movimiento sindical a través del PIT-CNT. El proceso implicó la presentación de las propuestas
comunicacionales, su sostenibilidad financiera y las características técnicas del emprendimiento, así
como una audiencia pública y abierta donde cada una de las propuestas defendió su iniciativa. La
decisión fue tomada por el Poder Ejecutivo, considerando la recomendación de la Dirección
Nacional de Telecomunicaciones y Servicios de Comunicación Audiovisual (Dinatel), la cual
integraba los comentarios de la Comisión Honoraria Asesora de Radiodifusión Comunitaria
(Charc), integrada por delegados de medios comunitarios, organizaciones sociales, la Universidad
de la República y universidades privadas. El resultado en octubre de 2013 fue la adjudicación al
PIT-CNT de una señal digital para brindar el servicio de televisión comunitaria.
Otra iniciativa dentro de las políticas a analizar, es la adjudicación por parte del gobierno al
Ministerio de Educación y Cultura (MEC) de una señal de televisión digital comunitaria, que
eventualmente podría dar espacio a producciones de organizaciones sociales. En particular, se le
concedió un canal para utilizar en la “modalidad de uso compartido”, lo que habilita al Ministerio a
gestionar la señal cediendo espacios para que distintas propuestas comunitarias compartan un
mismo canal. Hasta el momento el MEC no ha desarrollado ninguna iniciativa al respecto, siendo
esto una oportunidad, aunque dependiente del estado, para que distintas organizaciones puedan
difundir su producción audiovisual.

Otra iniciativa menor, pero interesante para el desarrollo de la televisión comunitaria, fue la
convocatoria a propuestas de producción de contenidos audiovisuales de carácter comunitario
realizada en el año 2014 por parte de la Dinatel. El llamado contribuía económicamente con la
producción de aquellos productos que resulten seleccionados con unos diez mil dólares y un fondo
total de unos treinta mil dólares para los proyectos seleccionados. Esta iniciativa contó con una sola
propuesta presentada, lo que marca también la falta de desarrollo del sector. El Proyecto Árbol con
su programa “Hacé y mostrá televisión comunitaria”, fue quien consiguió el respaldo económico.
Árbol es un colectivo que desde el año 2003 viene trabajando contenidos audiovisuales de manera
participativa y sus contenidos tienen difusión en el canal municipal TV Ciudad.
En octubre de 2014 el Poder Ejecutivo prorrogó los plazos establecidos para que comiencen
a transmitir las nuevas señales digitales adjudicadas dado que aún no estaban en condiciones de
iniciar sus transmisiones. Al momento de escribir este artículo, mayo de 2015, tanto las nuevas
propuestas comerciales como la comunitaria, no han iniciado ni anunciado su lanzamiento efectivo,
y cuentan como plazo máximo, octubre de 2015. En este contexto, la televisión digital terrestre y la
nueva legislación implican una oportunidad para pensar en un posible nuevo escenario de la
televisión, que por ahora no es tal.

Televisión Comunitaria en Uruguay

Acercando la mirada sobre las iniciativas de televisión comunitaria, en primer lugar es


importante reconsiderar algunos proyectos que toman valor a partir del nuevo contexto y no han
sido destacados debidamente, reconociendo propuestas que podrían ser modelos que alimenten la
presencia de los movimientos y organizaciones sociales de Uruguay en la pantalla chica.
En el año 2005 el movimiento sindical a través del PIT-CNT tuvo su primer intento de tener
un canal de televisión propio, presentando públicamente un proyecto que contó con el apoyo de
otras organizaciones sociales y la propia Universidad de la República. En su momento por parte del
gobierno se respondió que no existía espacio en el espectro radioeléctrico para una nueva señal y la
iniciativa terminó por diluirse.
En segundo lugar, vale mencionar el proyecto de Canal 2 TV Comunitaria, que logró estar al
aire durante algunos meses del año 2006, impulsado por el colectivo de la radio comunitaria La Voz
FM del barrio Lezica de Montevideo. Luego de transmitir los fines de semana, empezar a generar su
estructura organizativa y contar con el apoyo de la comunidad y otros colectivos y organizaciones
sociales, el proyecto duró lo que el transmisor; unos meses. Problemas económicos y técnicos
principalmente, limitaron rápidamente su sostenibilidad y desarrollo como propuesta
comunicacional.
Cerca de allí, en el barrio Colón de Montevideo, se desarrolló el canal América 3, canal de
televisión por cable que funcionó exclusivamente dentro de un nutrido complejo habitacional,
Complejo América, gestionado por los propios vecinos de dicho complejo.
Por otro lado, desde 2003 existe la propuesta del Proyecto Árbol Televisión Participativa,
que viene generando un espacio donde los más diversos colectivos y comunidades se formen y
participen en un espacio audiovisual. Árbol cuenta con un programa propio en el canal municipal de
Montevideo, TV Ciudad, el cual se transmite en la televisión para abonados y desde este año 2015
también por aire, con su señal digital abierta. Si bien esta iniciativa es de pequeña escala, es
actualmente una expresión que puede incluirse como potencial herramienta para que organizaciones
y movimientos sociales difundan sus propios contenidos en televisión; aunque sin una señal propia.,
También sin canal propio, pero sí con programa propio, el Sindicato Único de la
Construcción y Anexos (Sunca) desarrolló desde 2013 su programa “Replanteo TV. Construyendo
comunicación desde los trabajadores”. La propuesta que ya tuvo dos temporadas fue transmitida en
la señal de televisión para abonados VTV llegando a todo el país y es la más importante apuesta
televisiva que surge desde un sindicato uruguayo. A esto se suman pequeños espacios contratados
por sindicatos en medios locales del interior del Uruguay.
Por último, el proyecto del movimiento sindical adjudicatario de la licencia de televisión
abierta digital, Mi Canal, no ha tenido mayores avances. El equipo responsable del proyecto ha
visto postergar de manera reiterada el necesario impulso dentro de la misma organización que
posibilite su concreción. Por un lado, aspectos financieros y de organización interna han dificultado
una primera inversión para que comience a funcionar el proyecto, lo que se suma a la falta de
aportes de organizaciones internacionales que estimaban necesarios, y esto sin dudas compromete
las expectativas. Pero por otro lado, más allá de lo financiero, el PIT-CNT y parte importante de sus
principales referentes también han tenido variados asuntos que han ocupado en mayor medida su
tiempo, sin priorizar el proyecto del canal de televisión. Un largo proceso de elecciones nacionales,
conflictos importantes de distintos sectores, discusiones presupuestales y de diversos temas de
interés; siempre han existido otras prioridades hasta el momento que desplazan a un segundo plano
la iniciativa del canal comunitario.
Así, luego de repasar las iniciativas que desde el estado se han impulsado y las iniciativas de
las organizaciones y movimientos sociales, la respuesta sigue siendo que hoy, encontramos
programas puntuales pero, no existen en nuestro país señales de televisión comunitaria; a pesar del
llamado público realizado por el estado, la adjudicación al PIT-CNT de una señal y los dos años que
transcurrieron desde entonces.

Reflexiones preliminares
Como mencionamos en la introducción, y queremos remarcar ahora, este trabajo es un
primer acercamiento al tema que nos convoca. Por ello lo aquí presentado no son diagnósticos y
análisis cerrados, sino parte de un proceso que necesariamente tendrá nuevos elementos que
alimentarán nuestra reflexión. Sin perjuicio de esto, a continuación compartiremos algunas
reflexiones.
En primer lugar, no es en vano señalar nuevamente que es central el rol del estado para
regular el sistema mediático y, en este caso en particular, ser garante de un sistema de televisión
inclusivo y diverso, que dé posibilidades reales de reconocimiento de la amalgama cultural, social y
política de Uruguay, y más allá. Por ello, es un avance el reconocimiento del sector comunitario en
la legislación sobre televisión digital que posibilita que movimientos y organizaciones sociales
desarrollen sus propios medios.
Sin embargo, al mismo tiempo, el llamado a proyectos de televisión digital comunitaria
parece presentar obstáculos en las condiciones exigidas para las organizaciones interesadas,
considerando el casi inexistente desarrollo previo en la televisión comunitaria; incluyendo
exigencias que no se le plantearon a los actuales canales comerciales. Entonces, por un lado se
reconoce la importancia del desarrollo de medios comunitarios, pero en las políticas impulsadas
parece desconocerse la extremada debilidad del sector al no generar algunas iniciativas de mayor
apoyo en esta etapa embrionaria.
De parte de las organizaciones sociales, también han existido postergaciones y falta de
priorización del tema. Sin obviar los costos económicos y la complejidad de emprender este
proyecto, parece que el sentido de tener una señal de televisión abierta, un medio masivo de
comunicación, no ha logrado calar hondo en los principales responsables del movimiento sindical,
quienes ya cuentan con la licencia correspondiente.
Como un primer acercamiento al tema, parece evidente que los movimientos y
organizaciones sociales no cuentan hoy con las condiciones para desarrollar una señal alternativa de
televisión comunitaria. Las políticas quedan a mitad de camino, legitimando y legalizando, pero sin
impulsar en la medida necesaria. Los sectores organizados aceptan la importancia de construir
medios propios pero parecen no apropiarse definitivamente de esta necesidad de generar sus
alternativas mediáticas, o al menos no están dispuestos a arriesgarse en ese sentido. Al parecer, las
iniciativas por parte del estado han buscado generar propuestas donde no las había, pero al mismo
tiempo desconociendo las dificultades de las escasas experiencias o proyectos previos.
Quizás respuestas intermedias que favorezcan el desarrollo efectivo de la televisión
comunitaria, con proyectos menos ambiciosos pero que piensen en un desarrollo progresivo podrían
desembocar en el mediano plazo en propuestas consistentes y sostenibles del sector comunitario,
que a su vez responda a la concientización de los movimientos y organizaciones sociales respecto al
valor de la televisión comunitaria como herramienta comunicacional.
Para ello, el desafío es generar políticas acordes con las características del sector por parte
del estado y que los sectores populares se apropien de sentido de contar con un medio masivo y
generen las condiciones mínimas para construir la televisión comunitaria que se puede hoy, para en
todo caso luego proponerse como avanzar y exigir qué políticas serían necesarias para su
crecimiento.

Referencias.

DOMINZAIN, Susana; RAPETTI, Sandra; RADAKOVICH, Rosario. Imaginarios y Consumo


Cultural. Segundo Informe Nacional sobre Consumo y Comportamiento Cultural. Uruguay
2009. Montevideo: Ministerio de Educación y Cultura – Universidad de la República, 2009.

GRAMSCI, Antonio. Antología. México: Siglo XXI, 1970.

LANZA, Edison: BUQUET Gustavo. La televisión privada comercial en Uruguay. Análisis y


propuestas. Montevideo: FRESUR, 2011.

RADAKOVICH, Rosario et al. Trazando un Mapa de los Medios Digitales: Uruguay.


Montevideo: Fundaciones Open Society, 2013.

THOMPSON, John. Los media y la modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.

Unidad Reguladora de Servicios de Comunicaciones. Evolución del sector telecomunicaciones en


Uruguay .Datos estadísticos. Diciembre de 2014. Montevideo, 2015. Disponible en:
<http://www.ursec.gub.uy/inicio/novedades/2015-00012-informes-mercado-diciembre-2014>.
Acceso en: 15 mayo 2015.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo y literatura. Barcelona: Península, 1980.


Novos paradigmas produtivos da notícia: usos da infografia interativa na prática
webjornalística

Patrícia Lima1

RESUMO: O foco deste artigo está centrado na análise de como a Infografia Interativa
vem sendo utilizada para noticiar, reconfigurando a dinâmica produtiva da notícia. Para
isso, analisamos a construção webjornalística e infográfica do Site do Jornal Folha de S.
Paulo. Com o desenvolvimento tecnológico novas formas de comunicação surgiram por
meio da Cultura da Internet e transformações ocorreram principalmente no campo do
jornalismo, afetando diretamente sua prática produtiva. O objetivo central do trabalho se
concentra em analisar a utilização da linguagem infográfica interativa nos processos
produtivos da notícia webjornalística. Partimos de uma pesquisa exploratória em que
foram realizadas observações e análises do infográfico escolhido como corpus. O estudo
possibilitou constatarmos o fenômeno das infonotícias, que são notícias feitas com
recursos infográficos interativos e que estão enquadradas no que tangem os processos
produtivos do jornalismo.

Palavras-chave: Webjornalismo. Infografia Interativa. Construção da Notícia.


Infonotícias.

Introdução

Diante da incorporação das tecnologias digitais no sistema produtivo do


jornalismo as notícias não são mais pensadas, planejadas e produzidas como foram
antes. Elas ganharam novos formatos e se reconfiguram a cada ferramenta de
potencialização digital e interacional disponível, o que oferece ao receptor uma leitura
dinâmica, rápida e multimídia.
1 Graduada em Comunicação Social-Habilitação em Jornalismo, MBA em Administração e
Marketing, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação PPGC/UFPB. Integrante
do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC. E-mail:
patricialimajornalista@gmail.com
A reflexão atual no campo da notícia centra-se notoriamente nas dimensões de
construção, formatos produtivos e de distribuição em razão do desenvolvimento da
esfera digital e seus desdobramentos no âmbito midiático.
O objetivo deste artigo está direcionado à compreensão das práticas
jornalísticas, no sentido de refletir como se encontra o cenário contemporâneo das
notícias webjornalísticas.
Temos uma dupla vertente de reflexão e de estruturação. A primeira é voltada à
reconfiguração da prática produtiva do jornalismo perante a realidade digital; e a
segunda é direcionada para as consequências deste fenômeno, em que se destaca o uso
crescente da linguagem infográfica interativa para noticiar. Este fato é analisado a partir
da produção jornalística infográfica no Site do Jornal Folha de S. Paulo.
Os infográficos são aqui compreendidos no sentido prioritário de gráficos
informativos ou jornalísticos. Eles estão presentes na conjuntura do campo do
jornalismo há décadas. De acordo com Sancho (2001), isso acontece desde os modelos
dos jornais feitos à mão no século XVIII até o surgimento dos aparatos tecnológicos no
século XIX. Afirma ainda o autor que especialmente com as tecnologias digitais e seu
desenvolvimento rápido, a linguagem infográfica ganhou mais espaço e utilização no
mundo das notícias de cunho multimídia e interativa.
Dentro deste contexto, abordamos os desdobramentos da infonotícia,
terminologia que atribuímos às notícias feitas com recursos infográficos interativos e
que estão enquadradas nos processos produtivos do jornalismo. Info vem de infográfico
e notícia do formato construtivo de produto jornalístico. São os infográficos que podem
ser considerados a própria notícia, com construção coerente no que preconiza à
produção jornalística e a linguagem infográfica. É a notícia propriamente estruturada ao
formato webjornalístico/infográfico.
Ao se observar o processo atual da produção webjornalística, temos a infografia
interativa como consequência dos modelos da mídia multimídia. A infografia junto à
prática jornalística deu forma dinâmica à informação, possibilitando representação
gráfica interativa para noticiar. Segundo Teixeira (2010), desde os anos 2000, com o
crescimento dos estudos do jornalismo digital, a infografia vive um período de
valorização e é apontada como um dos melhores formatos para a construção
multimidiática das notícias ou narrativas no ciberespaço.
Diante da conjuntura produtiva do webjornalismo e dos novos desafios da
prática profissional jornalística, concordamos com o pensamento de Doctor (2011) ao
afirmar que vivemos uma nova era das notícias: a era das notícias híbridas. Seguindo
essa lógica, acrescentamos a era das infonotícias, que são notícias pensadas e feitas por
meio de recursos infográficos interativos.
Apresentamos reflexões em torno do fenômeno dos novos formatos produtivos
da notícia diante do processo digital, e como isso afetou a prática jornalística, perfil do
profissional e do leitor são também pontos relevantes destacados neste trabalho.
Para discutir as nuances das infonotícias, foram feitas observações em sites
noticiosos, como o da Folha de S. Paulo, O Estadão e O Globo. Todos esses jornais
contam com produção infográfica. Ao observamos cada um, notamos que a Folha de S.
Paulo é o que apresenta maior quantidade de produções com esse caráter, motivo pelo
qual escolhemos analisar os infográficos desse jornal.
Neste artigo analisamos uma produção infográfica interativa como forma de
contextualizamos a realidade da produção crescente do formato infonotícia. A análise
foi realizada através do site do Jornal Folha de S. Paulo.
O infográfico foi analisado com base na classificação de Beatriz Ribas,
pesquisadora do campo webjornalístico e infográfico, que em 2004 realizou um estudo
referente às características da infografia multimídia webjornalística classificando-a em
tipos, estado e categorias. A classificação da autora permitiu um suporte analítico no
qual foi possível hierarquizar e tipificar os infográficos analisados dentro da linguagem
infográfica interativa.

Elemento central do jornalismo: a notícia

A notícia – considerada como o principal produto do jornalismo – deve ser


analisada atentamente em seus pontos principais de construção ao longo dos anos.
Identificar quais são os fatores atuais que contribuem para sua elaboração, levando em
consideração as mudanças que o avanço tecnológico introduziu no fazer jornalístico,
nos leva ao caminho analítico de fomentar as discussões de como a notícia é produzida
e disponibilizada diante das possibilidades multimídia.
Para Nelson Traquina (2012), o jornalismo pode ser compreendido por meio da
produção das notícias, que são “estórias” para responder as inquietações das pessoas.
Para ele “os jornalistas são os modernos contadores de “estórias” da sociedade
contemporânea, parte de uma tradição mais longa de contar estórias” (TRAQUINA,
2012, p.19). O estudioso ainda afirma que a constatação de que uma notícia é uma
‘estória’ não a rebaixa, nem a acusa de ser fictícia. Adverte-nos para o fato de que a
notícia, como todos os documentos públicos, deve ser uma realidade construída e
possuidora da sua própria validade.
A finalidade prática do jornalismo está intrinsecamente ligada à produção das
notícias, que é transmitir informações estruturadas em sua lógica de compreensão do
que se quer informar.
Nelson Traquina (2012) afirma que a notícia é a instituição de autoridade
profissional dos jornalistas. Para a construção desta, as esferas da sociedade, em todas
as suas dimensões, sendo elas a política, a econômica, a cultural e a social, possuem um
valor jornalístico; dando ao jornalista, por meio da produção da notícia, o “poder”
estruturante (embora que preso dentro de uma perspectiva hierárquica produtiva) de
centralizar as informações no âmbito do impactante e relevante; que mereça destaque,
alerta ou divulgação (TRAQUINA, 2012).
Os acontecimentos que interessam as pessoas e têm um grau de importância no
que informam são destacados por Lage (2000) antes mesmo do estudo de Nelson
Traquina (2012) como fatos que devem ser levados à sociedade como notícias e que
devam: comover, motivar e gratificar os indivíduos, pois em seu ponto central as
notícias buscam e tentam atingir esse objetivo.
De acordo com Jorge (2013, p. 115) a origem da notícia “está ligada desde a
ascensão da burguesia à invenção da moeda”, em outras palavras a notícia nasce para
exercer um papel de simbologia na sociedade no sentido de expressar as crenças, os
fatos ou ideias, sendo umas das formas de representação da realidade. Ainda segundo a
autora, é justamente essa característica que auxilia na construção do sentido, pelos
indivíduos, da realidade vigente. Desse modo, a notícia nos ajuda, antes de tudo, a
selecionar, priorizar e compreender os fatos que permeiam a nossa realidade.
Para Correia (2011, p. 36), os estudos jornalísticos referem-se “ao termo notícia
em sentido amplo, isto é, tudo aquilo que um jornal publica. Já a notícia em sentido
estrito ou técnico refere-se ao gênero canônico que designa um texto com as seguintes
características: informativo e centrado nos fatos; caracterizado pela existência de um
título, de subtítulos, de um parágrafo inicial chamado lead no qual se procura responder
a seis questões consideradas fundamentais (O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por
quê?)”.
Lage (2000, p. 16) ressalta que a notícia é um “bem de uso universal”, que ao
longo dos anos evoluiu e se desenvolveu, fundando o jornalismo. Assim, a principal
força da prática jornalística é a notícia, que ajuda na construção da realidade social
dando sentido aos acontecimentos.
.
Desde a invenção das locomotivas, da fotografia, do cinema, do telefone e da
chegada do computador – revoluções que geraram profundas transformações sociais e
tecnológicas – que o campo informativo se reconfigura. O produto noticioso, desde os
primeiros formatos de comunicação humana, passou por várias etapas de construção e
estudo; atualmente as formas de produção e transmissão informativa ganham debates e
reflexões.

A prática jornalística na Web: o webjornalismo

Será fomentada aqui a reconfiguração do jornalismo a partir do desenvolvimento


do campo digital e da sua influência direta na prática jornalística. O movimento para
colocar os jornais na rede, marcando a primeira fase do jornalismo eletrônico, se deu em
1970. Essa primeira fase foi assinalada por explorações de conteúdos virtuais e serviços
básicos como previsão do tempo e lista telefônica (JORGE, 2004).
Tempos mais tarde, em 1981, se inicia nos Estados Unidos o que poderíamos
chamar de segunda fase do jornalismo em meio digital. Jorge (2004) diz que foi nesse
período que o Columbus Dispatch2 disponibilizou partes da edição diária na tela do
computador. Isso fez com que vários outros veículos seguissem a nova dinâmica, como
por exemplo, o New York Times e o Los Angeles Times.
Seguindo a estruturação da autora, a terceira fase ou etapa ocorre partir de 1995
e foi marcada pelo o surgimento e concretização do hipertexto, em que os links3
chegaram ao auge. Nesse momento ainda não existia uma nomenclatura para o
jornalismo feito no espaço digital, mas os discursos e reflexões da prática jornalística na
rede mundial de computadores se iniciavam junto aos estudos sobre a Internet e
disciplinas voltadas para as implicações da tecnologia no campo do jornalismo e na vida
social.

2 Jornal com sede em Columbus, Ohio. Considerado o único jornal diário de tradição na cidade.
Fundado em 1871.

3 Tido por pesquisadores como Mielniczuk (2002) o principal elemento do hipertexto, capaz de
estruturar uma narrativa multilinear.
Quando partimos para a conceituação e nomenclaturas do jornalismo no espaço
digital, encontramos uma variedade de termos usados por pesquisadores da área. É
comum, ao realizar uma pesquisa ou leitura do assunto, se deparar com as
terminologias: Jornalismo eletrônico, Jornalismo digital, Ciberjornalismo, Jornalismo
online, Webjornalismo.
Lemos (2010), tendo como pano de fundo o ciberespaço, refere-se ao jornalismo
na Web como ciberjornalismo, pois remete à prática jornalística realizada com o auxílio
das possibilidades tecnológicas. Já Mielniczuk (2003) ressaltava que o mais adequado é
utilizar webjornalismo por designar a produção de conteúdo jornalístico exclusivamente
para a Web.
Mielniczuk (2003) apresenta as definições das nomenclaturas sobre a prática da
produção do jornalismo contemporâneo do seguinte modo: Jornalismo eletrônico-
prática do jornalismo que utiliza equipamentos e recursos eletrônicos; Jornalismo
digital- emprega tecnologia digital, fornecendo dados em forma de bits às produções;
Ciberjornalismo- elaboração que envolve tecnologias que usam o ciberespaço;
Jornalismo online- utiliza a transmissão de dados em rede e tempo real e
Webjornalismo- utiliza uma parte da Internet (a Web).
Embora existam variadas denominações, conceitos e nomenclaturas, se constata
que não há consenso sobre uma denominação única para designar a prática jornalística
no ambiente da Internet. Concordamos com Palácios (2011) ao afirmar que
independente da definição ou nomenclatura, o jornalismo no espaço online é uma
atividade jornalística feita de alguma maneira na Internet com suporte dos meios
digitais. Não pretendemos aprofundar as questões sobre terminologia e adotaremos a
utilização do termo webjornalismo para referenciar o jornalismo na Web, durante nossas
abordagens sobre o tema.
O jornalismo viu crescer incorporações do contorno multimídia nas redações.
Mudanças na escrita, no novo público, na colaboração direta dos leitores e nas diversas
ferramentas à disposição da produção da notícia, são algumas das mudanças advindas.
Diretamente afetado, o jornalista teve que se adequar aos moldes atuais. A rotina foi
alterada e o profissional se depara com uma forma nova de obter informações, de
pesquisar assuntos, de contato com as fontes, e principalmente, de lidar com as
ferramentas e dispositivos, mas deve entender como, afirma Pereira (2003), processo de
apropriações das tecnologias.
Refletir sobre webjornalismo, é compreender o campo em que ele é permeado,
como por exemplo, a instantaneidade dos intercâmbios mediados, poder de
armazenamento e recuperação das informações, potência e possibilidades, escrita e
leitura hipertextual, conversação em rede, interatividade das informações, e tantas
outras possibilidades que fazem parte da grande reconfiguração ocorrida na história do
jornalismo e de seu elemento primordial: a notícia.

Obs: Fiz uma reconstrução do tópico: Infografia no jornalismo: construção da


infonotícia, dentro da vertente do que foi solicitado na avaliação de Raquel Longhi
sobre aprofundar a discussão proposta.

A seguir o tópico refeito e abaixo o antigo. Em seguida segue as


correções normais.

Notícias infográficas/Infonóticias

A produção webjornalística evoluiu ao longo do desenvolvimento da mídia


digital. As notícias passaram a incorporar uma discussão notória na academia sobre seu
formato produtivo. Como as notícias são planejadas, produzidas e distribuídas diante
das peculiaridades do ambiente digital? Esse questionamento, e outros mais, que são
feitos por pesquisadores do campo apontam que a prática jornalística a partir do
ciberespaço passa por um processo reconfigurativo. Segundo Lima (2015), a realidade
da mídia digital proporciona e disponibiliza a notícia recursos multimídias, bancos de
dados e formato de hipertexto.
Neste âmbito, as questões maiores que permeiam a produção jornalística na
Web, nascem da incerteza e da falta de consenso, tornando difícil identificar se estamos
diante de novos gêneros, de notícias diferenciadas, de maneiras produtivas adversas ou
se aplicamos as formas tradicionais ao novo meio. Nessa esfera, Lima e Bezerra
(2014), apontam que a notícia mostra-se com roupagem diferenciada e incorpora novas
características, e a infografia interativa utilizada na prática produtiva do webjornalismo
é uma das constatações desta roupagem.
Antes mesmo de chegar ao ponto central das notícias infográficas ou
infonotícias – terminologia que atribuímos às notícias produzidas com recursos
infográficos –, abordados já na introdução, destacamos os estudos e discussões sobre os
gêneros jornalísticos no âmbito digital e da infografia interativa, ou multimídia como
atesta Rodrigues (2011, p. 3). A pesquisadora esclarece como os infográficos podem ser
considerados pertencentes a um gênero do jornalismo.

Se as infografias atendem aos elementos constitutivos de uma


reportagem, que está inserida como gênero informativo, então a
infografia pode ser considerada um gênero jornalístico. Se um
infográfico muitas vezes é publicado de uma forma completa em si e
autônoma, ou seja, sem apenas complementar um texto, logo se têm
uma unidade informativa, que dá conta da notícia/informação por si
só, assim como as reportagens textuais.

Rodrigues (2011, p. 8) assinala ainda que a infografia interativa é um gênero


visual e também informativo, emergente do jornalismo digital. Os gêneros
acompanharam a evolução do jornalismo juntamente com os dispositivos tecnológicos e
com as possibilidades infográficas.

O crescente desenvolvimento tecnológico e a exploração da


computação gráfica - incluindo tipologias, cores e imagens -,
modernizou a forma de apresentação das notícias na mídia impressa e
digital para um contexto visual. A infografia, principalmente a
multimídia, remete, dentro deste âmbito, a uma reflexão sobre a
capacidade de poder ser vista cada vez mais como uma linguagem
informativa jornalística independente, um gênero, e não somente
como uma ferramenta auxiliar para a transmissão de notícias,
considerando que ela ocupa lugar de destaque dentro das produções
jornalísticas, num processo de discussões de pauta até o layout final da
página impressa ou digital.

Autoras como Borrás e Caritá (2000), Seixas (2004) e Teixeira (2007) também
destacam a infografia como gênero informativo da prática webjornalística e atestam que
os infográficos, assim como o texto jornalístico, apresentam elementos que respondem
às perguntas clássicas: Como? O que? Quem? Quando? Onde?
Verificamos que com a utilização dos infográficos para noticiar desde o
jornalismo impresso, passou de textos longos e complexos, sem técnica de escrita
jornalística e mais próxima da linguagem literária, configurando o conhecido nariz de
cera que obedecia a uma composição de texto introdutório longo, prolixo, sem
objetividade, para um texto baseado no lead.
Caracterizando, assim, um jornalismo de potencialização informativa, feito em
espaço pequeno e com hibridização midiática.
.
Discutimos, então, as infonotícias, que como frisado na introdução é a
terminologia que atribuímos às notícias feitas com recursos infográficos interativos e
que estão enquadradas no que tangem os processos produtivos do jornalismo. Info vem
de infográfico e notícia do formato construtivo de produto jornalístico. São os
infográficos que podem ser considerados a própria notícia, com construção coerente no
que preconiza a produção jornalística e a linguagem infográfica. É a notícia
propriamente estruturada ao formato webjornalístico/infográfico.
O ponto central das infonotícias está diretamente situado à coesão entre visual e
textual. O contorno de cor, o movimento das imagens, o som, os pontos de links, os
vídeos informativos e tudo que possa dinamizar a leitura quantificada das informações,
fazem parte dessa coesão.
Os infográficos, notoriamente, estão oferecendo esta estrutura aos leitores,
aliada à natureza jornalística das notícias, na qual as fontes, o lead, os créditos e toda a
hierarquia produtiva são contemplados.
Essa composição é produzida na lógica do formato multimídia, que conta além
do texto com recursos de imagem, animação, grafismo e outros (Figura 1).

Figura 1 ─ Infográfico interativo sobre aceleração luminosa

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2015/01/118390-aceleracao-
luminosa.shtml
Essa é uma infonotícia, que traz dados sobre um novo acelerador de partículas,
capaz de emitir radiação especial, acelerando a iluminação. O projeto é realizado na
cidade de Campinas (SP).
Assim, ratifica-se o que afirma Jorge (2013, p. 240):

Nesta etapa que estamos vivendo, é preciso tomar consciência das


transformações e buscar as raízes de toda mudança. Desde que os
primeiros jornais começaram a fazer incursões no meio digital,
oferecendo serviços de fax, depois de videotexto e, em seguida,
abrindo páginas na internet, apresentação da notícia mudou de
maneira acentuada na questão visual, nas facilidades tecnológicas –
ambientes mais amigáveis -, na diversificação de conteúdos, mas não
mudou o coração da informação. A notícia conserva o propósito de
informar.

As notícias produzidas infograficamente estão dentro do que podemos chamar


de escrituras múltiplas, que se configuram em rede e na rede telemática. Se essa
realidade descaracterizou a essência da notícia devido à infotextualidade, não
enxergarmos assim, pois a transportação para o meio digital desenvolveu essa e outras
diversas modificações.
Refletir sobre o webjornalismo é compreender o campo em que ele é permeado,
como por exemplo, a instantaneidade dos intercâmbios mediados, poder de
armazenamento e recuperação das informações, potência e possibilidades, escrita e
leitura hipertextual, conversação em rede, interatividade das informações, e tantas
outras possibilidades que fazem parte da grande reconfiguração ocorrida na história do
jornalismo e de seu elemento primordial: a notícia. Nesta vertente, acreditamos ser
necessária uma reflexão e análise do que está ocorrendo no âmbito das reconfigurações
jornalísticas, para acompanhar as mutações do sistema comunicacional perante o
sistema midiático atual.

Infografia no jornalismo: construção da infonotícia

Foi a partir dos anos de 1980 que o uso de gráficos informativos, ou


infográficos tornou-se frequente nos jornais. A combinação entre linguagem verbal e
não verbal nas produções jornalísticas deu à infografia sustentação e reconhecimento
como sistema pertencente ao aprimoramento do discurso jornalístico ao longo do tempo.
A introdução da infografia na esfera do jornalismo ocorreu por meio de jornais
europeus e americanos no século XVII, com o intuito de simplificar, ou de tornar
compreensíveis as informações que não seriam facilmente explicáveis por meio somente
do texto (ALONSO, 1998).
Segundo Ribas (2004), diversos autores como De Pablos (1999) e Sojo (2000),
consideram a infografia um gênero jornalístico, enquanto outros divergem do
pensamento considerando a infografia como uma técnica, uma disciplina, uma
ferramenta informativa ou uma unidade espacial como COLLE (1998) e CLAPERS,
(1998).
Ainda que ocorra discordância entre os estudiosos, os infográficos podem ser
classificados ou mesmo enquadrados como gênero jornalístico, ou ainda como
elementos pertencentes ao discurso da construção do jornalismo. Observamos que
cresceu substancialmente as reflexões sobre a infografia no âmbito.
Corroboramos com os primeiros pensadores, em especial com Alonso (1998)
quando afirma que um bom infográfico deve ter todos os elementos de uma notícia e
seguir a lógica produtiva do jornalismo.
Alberto Cairo (2011) define a infografia no âmbito do jornalismo e a considera
como gênero jornalístico que deve obedecer a estruturação da construção jornalística. A
utilização infográfica no jornalismo se deu primeiramente com o impresso. Muitos
mapas ilustrativos eram publicados pelos jornais, e questionamentos surgiram em torno
de precisar quando apareceu à primeira infografia no cenário do jornalismo.
Autores como De Pablos (1999) e Sancho (2001) afirmam que a primeira
infografia propriamente jornalística só surgiu em 07 de abril de 1806, no Jornal The
Times (Figura 6).
Figura – Reprodução da primeira infografia publicada no The Times

Fonte: Sancho (2001)

A publicação infográfica intitulada de The Blight’s House, contava a


reconstituição do assassinato do empresário Mr. Blight, que ocorreu em sua residência
às margens do Rio Tâmisa. O infográfico detalha todos os passos do assassino, por onde
entrou na casa, onde se escondeu e atirou contra a vítima.
Os jornais europeus são os “pais” da utilização da infografia nas produções
jornalísticas. O movimento chega às redações e rapidamente os infográficos ganham
espaço e preferência dos jornalistas, quando o assunto é explicar um acontecimento de
grande proporção e complexidade, e que somente através do texto dificultaria o
entendimento do leitor sobre a informação que se quer passar.
Ribeiro (2008) aponta que foi rápido para a chegada dos infográficos também às
redações portuguesas e depois atingirem os jornais brasileiros. Isso aconteceu posterior
ao crescente uso dos infográficos pela a imprensa europeia e americana.
Os objetivos e a composição infográfica, tanto portuguesa, como brasileira, eram
os mesmos que os jornais europeus e americanos seguiam. Os periódicos buscavam
chamar atenção do receptor, e para tal, utilizavam os infográficos constantemente,
simplificando desse modo a informação, a fim de ganhar o gosto do leitor, que se
tornara cada vez mais exigente e prático na sua leitura.
O desenvolvimento dos infográficos no campo do jornalismo modificou as
formas de se fazer e de pensar notícia, em especial, as que estavam relacionadas com
assuntos de complexidade, como acidentes aéreos, pautas políticas, econômicas e tantos
outros temas que possuam um grande volume informativo; e sendo mais simples de
informar e quantificar por meio de uma produção que vá além somente da composição
textual.
Lima e Bezerra (2014) apontam que a notícia mostra-se com roupagem
diferenciada e incorpora novas características, e a infografia interativa utilizada na
prática produtiva do webjornalismo é uma das constatações desta roupagem. A
infografia, neste sentido, reflete essa reconfiguração produtiva de um jornalismo
rebuscado, para o webjornalismo, no qual as notícias são fomentadas através de texto,
imagem, animação, grafismo e interatividade.
Discutimos, então, as infonotícias, que como frisado na introdução é a
terminologia que atribuímos as notícias feitas com recursos infográficos interativos e
que estão enquadradas no que tangem os processos produtivos do jornalismo. O ponto
central das infonotícias está diretamente situado à coesão entre visual e textual. O
contorno de cor, o movimento das imagens, o som, os pontos de links, os vídeos
informativos e tudo que possa dinamizar a leitura quantificada das informações, fazem
parte dessa coesão.
Essa estruturação é produzida na lógica do formato multimídia, que conta além
do texto com recursos de imagem, animação, grafismo e outros. As notícias produzidas
infograficamente estão dentro do que podemos chamar de escrituras múltiplas, que se
configuram em rede e na rede telemática.

Análise da construção das infonotícias

Como forma de constatar e compreender a realidade da construção das


infonotícias, analisaremos um infográfico interativo que se enquadra e se tipifica tanto
na linguagem webjornalística, como também na infográfica. Quando nos referimos aos
infográficos no contexto jornalístico, destacamos os estudos de Ribas (2004), que
classificou os infográficos webjornalísticos multimidiáticos em tipos, estado e
categorias. A partir destas configurações da pesquisadora abordamos a infonotícia.
A classificação de Ribas (2004) apresenta os infográficos multimídia
webjornalísticos em tipos, estado e categorias:
Tipos:
Autônomo: O infográfico autônomo contém todos os elementos da notícia, sem
necessidade de um texto paralelo, este não é elemento complementar a narrativa, assim
como outros códigos audiovisuais o são e constituem unidade informativa independente.
É a própria notícia.
Complementar: é uma complementação ao texto e ao infográfico. O primeiro
complementa a notícia principal produzida na forma de texto, o segundo suplementa a
notícia principal apresentada na forma de infográfico autônomo.
Estado:
Atualidade: Quando os infográficos são construídos no momento dos
acontecimentos.
Memória: é um arquivo, e torna-se assim quando deixa de ser atualidade dentro
da lógica do ciberespaço.
Categoria:
Sequencial: quando explana um acontecimento, processo ou fenômeno em
sequência, com detalhes, necessitando acompanhamento sequencial para o
entendimento de sua totalidade.
Relacional: admite escolhas que desenvolve determinados processos, permitindo
entender as relações entre causa e efeito.
Espacial: reconstitui o interior de um ambiente, tal como ele é fisicamente e
permite um passeio virtual.
Esta classificação nos aponta caminhos analíticos os quais nos propusemos
analisar, apontando o olhar que a estudiosa defende ao tratar da produção noticiária em
âmbito webjornalístico infográfico.

Infográfico: o mensalão
Este é um infográfico interativo do ano de 2012, mês de julho, sobre o
julgamento daquele que foi considerado pela grande mídia como o maior escândalo de
corrupção do país: o Mensalão (Figura 2).
Figura ─ Página introdutória do infográfico sobre o julgamento do mensalão

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/o_julgament
o.shtml

A figura acima é a página introdutória primeira página do infográfico, no qual o


receptor tem acesso as informações em texto e uma paleta de seis cores. Cada uma
dessas cores representa um tema a ser abordado. O que está ilustrado corresponde à cor
lilás, que acessamos para dar ideia de como funciona a dinâmica do infográfico.
Já na figura 3 temos espaço trazendo informações de como será composto o
ambiente do plenário por ordem de hierarquia (Figura 3).

Figura 3 ─ Página do infográfico trazendo o arranjo do plenário

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/o_julgament
o.shtml
)

Toda a estrutura do plenário, posições dos membros do julgamento, espaço


ocupado por cada pessoa e o ambiente pode ser visualizado.
Na figura 4 apresentamos o infográfico a partir das informações correspondentes
à cor vermelha que mostra o sistema de condução do julgamento com seus membros e
funções.

Figura 4─ Parte do infográfico que retrata a composição de funções e quem são os julgadores

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/o_julgament
o.shtml

)
Ao clicar em algum dos ícones simulados pelos bonecos surge uma foto da
pessoa representada com informações sobre sua função no julgamento. Para
exemplificar clicarmos no ícone do segundo boneco da esquerda e surgiu o quadro que
traz as informações sobre a pessoa representada, que neste caso, foi o Joaquim Barbosa,
relator do processo.
Clicando na cor marrom, surge a imagem da sala de julgamento na dimensão de
360° (Figura 5).
Figura 5─ Parte do infográfico retratando a sala do julgamento no ângulo de 360°

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/o_julgament
o.shtml

É possível dar um passeio virtual no ambiente do plenário do ângulo que se


deseja, em dimensão 3D.
Tratando da classificação de Ribas (2004) o infográfico pode ser categorizado:
Tipo: autônomo, contendo todos os elementos de uma infonotícia.
Estado: de atualidade, produzido no momento dos fatos.
Categoria: relacional e espacial. Relacional porque permite escolhas de
determinados processos da informação, e espacial porque o receptor pode dar um
passeio virtual no espaço do interior do ambiente do julgamento.
O resultado que obtemos é uma infografia interativa feita nos parâmetros
produtivos do webjornalismo e que se configura como uma infonotícia, em que os
elementos da narrativa estão convergindo e entrelaçados com coerência sem necessitar
de complementação, tanto no que diz respeito à linguagem infográfica, como
jornalística.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O surgimento de novas estruturas no contexto do jornalismo nas últimas décadas


recebeu forte influência dos processos de convergência midiática, das múltiplas
plataformas e das possibilidades de conteúdo multimídia. Há uma reconfiguração
latente na produção jornalística desde o surgimento da Internet e sua capacidade de
potencializar informação, seja por meio dos bancos de dados, seja através de
ferramentas e dos recursos digitais.
As redações, os jornalistas e o produto principal da prática jornalística, a
notícia, sofreram mutações com os novos formatos de apresentação e distribuição da
informação. A dinâmica produtiva iniciada no século passado e continuada no século
XXI se dá através de outros formatos e tem como centro de referência a sociedade em
rede. É nesta conjuntura que o webjornalismo acontece e transforma-se com o
desenvolvimento crescente dos aplicativos e aparatos tecnológicos.
As notícias, que aos poucos foram reestruturadas na realidade digital, hoje
podem ser refletidas em torno de alguns vieses, tais como seu formato para mídias
móveis com os smartphones, os tablets e outras, produzidas a partir de fontes originadas
das redes sociais e através do olhar proposto neste artigo: notícias infográficas ou, como
intitulamos, infonotícias.
A infografia interativa como produto jornalístico é o reflexo do desdobramento
reconfigurante da linguagem webjornalística e, consequentemente, das notícias
produzidas nesta esfera. Os infográficos também sentiram diretamente as mudanças
advindas da era das mídias digitais e rapidamente comportaram as produções
multimidiáticas das informações.
Os infográficos quantificam informações, seja por meio dos dados, da
visualização ou da própria dinâmica infográfica. Temos notícias cada vez mais
quantificadas e produzidas por meio das possibilidades proporcionadas pela lógica
digital.
Isso prioritariamente não quer dizer que perdemos qualidade informativa, mas
que, em razão do que impõe o sistema digital e dos próprios receptores que buscam
facilitar o entendimento dos acontecimentos, a estrutura relevante e coerente das
informações jornalísticas deve ser mantida pois ainda buscamos entender o porquê,
como, quem e onde se desencadearam os acontecimentos sobre os quais tomamos
conhecimento.
Os sistemas produtivos dos meios analógicos não, necessariamente, devem
“morrer” para que “nasçam” outros no sistema digital. A esfera de construção narrativa
se transforma, assim como também os meios, os receptores e os jornalistas. O que há e
que constatamos, na verdade, são reconfigurações, adaptações aos novos formatos, bem
como maneiras de fazer e distribuir notícia.
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Participação e Representação: apontamentos sobre o Conselho de Comunicação Social

Paula Cecília de Miranda Marques1

Resumo: Este artigo realiza uma revisão conceitual e bibliográfica sobre participação e
representação em instituições participativas, para, em seguida, analisar o Conselho de
Comunicação Social. A abordagem se justifica pela relevância da ampliação da inclusão da
sociedade civil nos processos decisórios sobre a comunicação social no país. Como resultado
foi possível notar que, embora o Conselho tenha sido criado como uma instância
participativa, sua efetivação ainda não contempla os parâmetros apresentados pela literatura
para garantir a participação social. Trata-se de uma etapa da pesquisa desenvolvida em nível
de mestrado na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Palavras-chave: participação; representação; Conselho de Comunicação Social.

Introdução

Na década de 1980, na reabertura política do Brasil após os anos de regime ditatorial,


houve um esforço em tornar a sociedade um ator nos processos decisórios e na formulação de
polícias públicas nacionais. Mecanismos de participação foram criados de forma que os
cidadãos pudessem opinar e deliberar, exemplos disso são os orçamentos participativos,
planos diretores municipais e os conselhos de políticas públicas.
Neste período, a Assembleia Nacional Constituinte também discutiu a criação de um
conselho nacional de comunicação. Nos embates entre conservadores, que defendiam a
exploração comercial do espectro de frequência, e progressistas, a favor do uso sem fins
lucrativos da faixa do espectro e da implantação do conselho, a proposta inicial de um órgão
regulador foi mutilada e o que foi definido é hoje o Conselho de Comunicação Social (CCS)
e, dessa maneira, a comunicação social ainda não tem um conselho deliberativo.

1 Mestra em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista 'Júlio de


Mesquita Filho' - Unesp/ Bauru. E-mail: paulacmmarques@hotmail.com.
Para entender de que forma a sociedade civil pode influenciar e estar presente no
CCS, este trabalho trará possíveis leituras dos significados de participação e representação −
conceitos tratados por diferentes áreas e que, por vezes, podem levar a apropriações de senso
comum. Importante destacar que a sociedade civil é compreendida neste artigo não como a
sociedade como um todo, mas a partir do entendimento comum de que é a representação de
setores marginalizados e dominados na estrutura organizacional social, que não têm espaço
na discussão sobre a comunicação e também como "instância independente do Estado e do
mercado, a base de atuação das associações, sindicatos, comunidades e organizações livres,
não estatais e não econômicas" (HAJE, LEAL, PAULINO, 2008, p.1).
O objeto de estudos foi escolhido, primeiramente, pela relevância da ampliação da
inclusão social nos processos de decisórios sobre a comunicação social no Brasil, importante
para a relação da mídia e sociedade e devido à importância de um conselho que seja espaço
de representação popular como órgão de consulta na área.
A metodologia selecionada foi de revisão conceitual e bibliográfica da literatura sobre
participação e representação, para compreender as delimitações dos conceitos abordados e de
que modo estão presentes no Conselho. Para isso, o artigo foi dividido em três itens: na
primeira parte, serão discutidas distintas visões sobre participação e de que forma ela está
presente na democracia brasileira; o segundo item relacionará a participação à ideia de
representação, discutindo a amplitude do conceito para além do processo eleitoral; já no
terceiro item serão elencadas as possibilidades de instâncias participativas no país, em
especial os conselhos e, por fim, o Conselho de Comunicação Social será apresentado com
suas especificidades para então aproximar o referencial estudado de modo a compreender as
potencialidades de participação popular do órgão.

Participação

Há ainda alguma dificuldade na realização de pesquisa acadêmica de processos


participativos, uma vez que não há consenso sobre o significado do conceito de participação,
frequentemente permeado por diferentes ideologias. Neste item, pretende-se apontar algumas
leituras possíveis sobre o tema e o contexto em que ocorre na democracia brasileira, em um
esforço para delimitar o objeto de estudo.
A estrutura democrática nos países da América Latina começou a se transformar a
partir do marco político da redemocratização na década de 1980, com o fim dos regimes
ditatoriais, o que possibilitou a ampliação das possibilidades de participação política da
sociedade civil. Autores como Sardinha (2011) e Santos e Avritzer (2002), elencam alguns
fatores para a fragilização do sistema representativo da democracia − visto, nesse primeiro
momento, apenas como o papel do povo em selecionar a elite que o governará, com evidentes
prejuízos para a diversidade: a disputa pelo poder entre as elites (provocando uma
instabilidade no sistema político) e a articulação de movimentos e organizações sociais. Com
isso, a possibilidade de maior participação popular surge na busca de um espaço para garantir
a cidadania por meio da influência na construção de políticas, ampliando o sistema
democrático engessado de outrora.
Na legislação brasileira, grosso modo, duas formas de participação foram criadas e
estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 como resposta à desconfiança e insuficiência
do sistema representativo eleitoral nacional: a participação direta − com plebiscitos e
referendos e a participação na construção de políticas públicas − por meio de instâncias
políticas como conselhos, orçamentos participativos e planos de expansão urbana.

Portanto, esse momento da história do Brasil foi extremamente importante


porque deveria cumprir duas grandes missões: consolidar a democracia,
devolvendo ao povo o poder pleno de escolher seus representantes políticos,
e abrir o espaço da política para uma nova forma democrática: a democracia
participativa. (BARBOSA; KERBAUY, 2015, p.13)

Entretanto, como indicado, o entendimento sobre o que é a participação não é


unânime. Assim, serão apresentadas algumas leituras do termo, a fim de sistematizar a
metodologia de análise do Conselho de Comunicação Social.
Almeida (2004, p. 27) defende que o conceito vai além da escolha dos representantes
políticos por meio do voto e aponta três funções da participação popular: “educativa, de
controle e integração”. A dimensão educativa está diretamente relacionada à busca do bem
comum e remete à ideia de que, se genuinamente participante, o indivíduo aprenderia e
reconheceria a relevância dos interesses coletivos como maior que seu interesse individual ou
de determinados grupos. Na busca pelo bem público, a segunda dimensão da participação
popular é o controle, que seria um desdobramento da ação participativa e é identificada como
fiscalização das aplicações das decisões tomadas coletivamente. E, como resultado das duas
funções descritas, educação e controle, surge a integração. É sugerida pelo autor como “a
própria razão de ser da participação”, pois é trata-se do “envolvimento político” que
aprofundaria a democracia.
Também nesse sentido, Lüchmann (2007) destaca que a participação é educativa e
emancipadora, pois, permitiria ao cidadão a capacitação para o desenvolvimento da cidadania
e da consciência política, o que possibilitaria a quebra do ciclo de injustiças e desigualdades
sociais.
Didaticamente, Carpentier2 classifica a participação em duas abordagens, que não são
sempre evidentes ou puras: sociológica e política. Na primeira aproximação, a participação é
vista como o ato de “tomar parte”, em que a participação é cultural e o poder é visto como
secundário. Nesta abordagem ampla, ações como uso da internet, ir a um museu ou ter acesso
às informações e fazer consultas são vistas como modalidades participativas. Já na
aproximação política, a participação envolve a equalização do poder e a partilha do controle.
É uma visão mais restrita que trata da possibilidade de codecisão. Sob essa perspectiva,
consultar não seria participar e, sim, uma etapa de participação. Nesse sentido, Carpentier
indica a diferença entre acesso, que trata de presença, interação, como processo
sociocomunicativo, e participação, que permite a tomada de decisões.
De maneira distinta, Barbosa (2014) defende que participação não implica em
deliberação por parte da sociedade civil e pressupõe que ocorra em uma outra arena decisória,
diferenciando a democracia participativa da participação direta. Contudo, a participação,
apesar dos diferentes argumentos aqui colocados, deve ter um sempre um potencial educativo
e emancipatório.

2 Em aula “How to research participatory processes”, ministrada por Nico Carpentier em 23.03.2015, na
Universidade de Brasília (UnB), como parte da programação da segunda edição da Escola de Verão "Pesquisa
em Comunicação da América Latina", promovida pela Associação Latino Americana de Investigadores da
Comunicação (ALAIC).
O conceito de participação, desde então, tem sido definido a partir de
autores como Pateman (1992), Arendt (2002, 2008, 2010), Habermas (1987,
2007) e Honneth (2003), levando-se em conta os seguintes aspectos: o
caráter educativo das experiências de participação por meio do aprendizado
sobre as regras do jogo e da prestação de contas do que foi realizado, a
necessidade de uma racionalidade comunicativa na construção de uma esfera
pública dialogal e o reconhecimento da legitimidade das demandas de outros
grupos nos espaços participativos. (BARBOSA; KERBAUY, 2015, p. 14)

Esse processo de participação, mais ligado à prestação de contas, à consulta e à


possibilidade de fazer parte sem necessariamente ter o poder decisório, muito se aproxima da
participação por meio da representação, sobre a qual será discutido a seguir.

Representação

A representação não deve ser vista apenas como parte do processo eleitoral, em que o
papel do cidadão é ter a liberdade de escolher seu representante para o parlamento. Para além
dessa visão, neste item demonstrar-se-á que a representação pode ocorrer em espaços
participativos, sem a necessidade de autorização (como o sufrágio) para que seja uma forma
de mediação entre o Estado e sociedade e sem a obrigatoriedade da igualdade matemática
para sua legitimação (AVRITZER, 2007).
Rousseau (1999, p.151) defendia que a participação se contrapunha à representação,
uma vez que acreditava que a primeira só poderia ser exercida diretamente pelo povo, pois a
soberania “consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se
representa”. Outra visão, apresentada por Almeida (2004), recorre aos estudos de Hobbes
(1997) para defender que o representante, nomeado ator, é legitimamente o porta-voz do
representado, o autor, de quem recebe o direito. Na realidade da sociedade civil, o autor é o
povo (entendido como uma unidade, uma pessoa, quando, por consentimento, elege seu
representante) que transfere a autoridade para o representante. “A idéia é de que a
representação seria essa relação que se estabelece na personificação de atos que não são
próprios do representante, mas cujas ações são decorrentes de sua autoridade de praticar tais
atos outorgada por quem pertence o direito, ou a própria autoridade” (ALMEIDA, 2004,
p.29). Como resultado, todas as ações e consequências das ações do representante seriam de
responsabilidade de todas as pessoas pactuantes. “La relación de una persona con otra o
varias en virtud de la cual la voluntad de la primera se considera como expresión inmediata
de la última, de suerte que jurídicamente aparecen como siendo una sola persona”.
(JELLINEK, 2001, apud ALMEIDA, 2004).
Em contraposição, tem-se a visão de Montesquieu (2002), que afirma que o povo tem
a responsabilidade limitada na escolha do representante que, depois de eleito, tem a
autonomia para tomar as decisões livremente, sem que seja necessário inquirir os
representados sobre cada assunto. Sob essa perspectiva, o povo não deveria ser
responsabilizado pelos atos do representante. Almeida (2004), entretanto, defende que na
sociedade atual é inviável que a representação seja exercida de modo limitado como aponta
Montesquieu, pois não haveria a alternativa de uma democracia direta. Seria necessária,
assim, a ampliação das possibilidades da democracia representativa, aproximando-se mais à
definição de Hobbes.

A democracia inspirada pelo texto constitucional não é a democracia


representativa clássica, ou seja, não se realiza somente na simples escolha
de representantes para ocupar as funções públicas. Ela envolve a idéia de
participação popular (ALMEIDA, 2004, p.30).

Embora Lüchmann (2007) lembre que o modelo democrático de representação é


criticado, devido à ideia de que o papel do cidadão seria reduzido ao processo eleitoral, a
representação pode ir além do sufrágio. Aqui, deve-se esclarecer a diferença entre dois tipos
de representação − por atores da sociedade civil e a que se dá em âmbito parlamentar.
Avritzer (2007) e Almeida (2004) explicam que na modalidade da representação parlamentar
é intrínseca a condição da autorização, o que não ocorre na representação em instâncias
participativas da sociedade civil. Além disso, não haveria nas instituições participativas a
necessidade da igualdade matemática, que estabelece o peso igualitário dos votos dos
representados. "Assim, na maior parte das vezes, a representacã̧ o da sociedade civil é um
processo de superposicã̧ o de representações sem autorizacã̧ o e/ou monopólio para o exercício
da soberania" (AVRITZER, 2007, p. 444). Avritzer (2006; 2007) lembra que após 1988, o
país apresenta um sistema político híbrido que congrega a participação e a representação e
indica o crescimento da representação não-eleitoral no sistema democrático:

Por aumento da representacã̧ o, entendo o crescimento das formas como os


atores sociais exercem, nessas instituicõ̧ es, a apresentacã̧ o de certos temas,
como a saúde ou interesses urbanos e o fato de que, em instituicõ̧ es como os
conselhos de políticas, alguns atores são eleitos com o intuito de exercerem
o papel de representantes da sociedade civil (2007, p.444).
De acordo com Avritzer (2007), a representação crescente aconteceu tanto pelo
incentivo do Estado em trabalhar com a noção de representantes da sociedade civil, quanto à
autodenominação dos próprios cidadãos como representantes da sociedade nas instâncias
participativas.
O autor lembra que a teoria da representação pode ser dividida em dois modelos: 1.
representação com "feição lógico-hipotética": em que "não há uma instituicã̧ o política capaz
de instituir o ato da representacã̧ o" com a discussão acerca da legitimidade do contrato social;
e 2. representação pautada pelo revezamento de representantes no poder, em que as
discussões deixavam de ser sobre a legitimidade e passaram a ser sobre a autorização,
aproximando a representação a uma forma de governo. E acrescenta que a noção de
monopólio e territorialidade não são parte da representação desde sua criação, elas foram
sendo incorporadas com o desenvolvimento do Estado moderno como única instituição a
poder agir no interior do território.
Lüchmann (2007) ressalta que esse modelo representativo encontra barreiras para
comprovar sua legitimidade, pois, diferentemente da teoria participativa, a representação não
possibilitaria um espaço de igualdade de condições para que os cidadãos livremente
pudessem atuar de modo autônomo e plural.
Sobre a legitimidade das formas de representação "não-eleitoral", ou seja, que não
necessitam da autorização por meio do voto, Avritzer (2007) avalia pesquisas e é bastante
crítico ao apontar lacunas nos estudos de Lavalle, Houtzager e Castello, mostrando que os
autores tentam justificar a representação pós-eleitoral com argumentos de Burke sobre a
representação pré-eleitoral. Em seguida, avalia o trabalho de Urbinati que defende a eleição
como uma entre outras formas de representação que, por si só, não é suficiente como forma
de representação entre Estado e Sociedade. Urbinati também confronta a associação feita por
Rousseau com a soberania, Avritzer complementa destacando o fato de que Rousseau
escrevia sobre relações privadas que não poderiam ser trazidas para o modelo público e
critica a autora pela incapacidade de mostrar novas formas de representação da sociedade
civil, além das já sugeridas em outros estudos, como, por exemplo, a revogação de mandatos
e a revisão de leis. Por fim, Avritzer faz referência ao trabalho de Dryzek, que distingue duas
formas de representação: eleitoral, que não seria capaz de abrigar toda a pluralidade de
discursos; e discursiva, propondo uma câmara de discursos institucional. A principal crítica
do pesquisador se baseia no fato de Dryzek só considera a representação de ideias e esquece
dos âmbitos de interesses e valores.
Avritzer (2007) propõe então uma nova forma de avaliar a legitimidade da
representação da sociedade civil, a representação por afinidade, trabalhando a articulação
entre os dois modelos de representação, eleitoral e da sociedade civil, pensando no papel dos
diversos tipos de autorização. O autor aponta três papeis políticos que "agem no lugar de" a
partir de diferentes perspectivas, conforme listado a seguir:
a. agente - escolhido pelo processo eleitoral.
b. advogado - ligado à advocacia de temas que não necessita de uma autorização, pode agir
em nome de uma causa. O que legitima a representação é a afinidade pela situação vivida
por outros.
c. partícipe - trata da representação da sociedade civil criada a partir da afinidade de
interesses sociais. Acontece com a escolha dos atores dentro das instituições organizadas.
Por fim, o pesquisador aponta como desdobramento do complexo sistema da
democracia representativa, a sobreposição das possibilidades participativas, de modo que a
questão da legitimidade pode deixar o protagonismo das discussões:

Nesse sentido, a questão colocada pela política contemporânea deve ser uma
reducã̧ o da preocupacã̧ o com legitimidade dessas novas formas de
representacã̧ o e um aumento da preocupacã̧ o sobre de que modo elas devem
se sobrepor em um sistema político regido por múltiplas soberanias. O
futuro da representacã̧ o eleitoral parece cada vez mais ligado à sua
combinacã̧ o com as formas de representacã̧ o que tem ̂ sua origem na
participacã̧ o da sociedade civil. (AVRITZER, 2007, p. 459).

Buscou-se mostrar a representação não-eleitoral como uma alternativa à participação


direta e à representação parlamentar, explicitando de que maneira a legitimidade desse
modelo participativo poderia ser comprovada.

Interessante notar, ademais, que, na verdade, tal como pontuado por Faria
(2007), não existe uma apologia à participação política literalmente direta.
Trabalha-se, antes, com a possibilidade de que indivíduos específicos
representem outros em matérias específicas, mas com a ressalva da
necessidade de existência de espaços alternativos – fóruns públicos (FARIA,
2007) – para que ocorra o contato face a face entre os entes da relação, no
sentido de validar as perspectivas diversas através da persuasão, do diálogo,
ou do escrutínio público de argumentos diferenciados (VAZ, 2011, p. 94).

E para aprofundar a compreensão da representação como participação em espaços


alternativos ao parlamento, a seguir serão apresentadas as possibilidades de instituições
alternativas no contexto democrático brasileiro.

Instituições Participativas e o Conselho de Comunicação Social


Este item se propõe a discutir as instituições participativas no cenário das práticas
participativas do Brasil, articulando com o levantamento bibliográfico sobre participação e
representação apresentado anteriormente.
Inicialmente, cabe destacar que Barbosa e Kerbauy (2015) alertam que, apesar da
legitimação constitucional da democracia participativa no Brasil, nem toda experiência de
participação deve ser nomeada de 'instituição' e discutem se o país teria espaços abertos à
participação ou instituições participativas, de fato, uma vez que ser institucionalizada “indica
ter mais solidez e certo grau de independência”.

[...] a participação no Brasil ainda segue um processo geral de


institucionalização, uma vez que a participação como instituição legítima,
que dita as regras do jogo, que dá voz aos cidadãos que possui estabilidade e
autonomia frente às vontades partidárias, ainda não é a regra geral das
instâncias políticas nacionais e locais. (BARBOSA, KERBAUY, 2015, p.
21)

Feita essa ressalva, este trabalho tratará das experiências participativas de uma
maneira abrangente como instituições, haja visto que não está apoiada na literatura
institucionalista. Como Avritzer (2008, p.45), este artigo considera o conceito de instituições
participativas como “[...] formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da
sociedade civil na deliberação sobre políticas”. De acordo com o autor, a incorporação se
distingue em três caminhos: a) Orçamentos Participativos (OP): aberto a todos os cidadãos, a
participação é entendida “de baixo para cima”; b) Conselhos: com menor abertura para
participação e moldado pelo sistema político na medida em que são determinados pela
legislação, entendidos como modos de “partilha de poder”; e c) Planos Diretores: em que a
sociedade civil não participa diretamente do processo, é a “ratificação pública”. Cada uma
dessas três possibilidades produz um resultado distinto na deliberação das políticas públicas.

[...] a partir da hipótese de que a ampliação das formas de participação


política tem papel fundamental no aprofundamento de regimes
democráticos, as formas pelas quais IPs 3 podem cumprir esse desiderato são
múltiplas: i) atuando na formação de cidadãos mais capacitados para ação
política e coletiva; ii) estimulando a formação e ativação de novos atores na
sociedade civil; iii) contribuindo para maior transparência, racionalidade e
eficiência da administração pública; iv) direcionando políticas públicas ao
cumprimento de funções distributivas e inclusivas; e v) contribuindo para a
formação de novas elites políticas, dentre muitas outras possibilidades
(AVRITZER, 2011, p.30).

3 Instituições Participativas.
Devido à aproximação estrutural com o CCS, Conselho de Comunicação Social, este
artigo discute mais atentamente os conselhos, que, de maneira geral, têm média abrangência
entre a população e são estipulados legalmente. Cabe destacar que a atuação dessas instâncias
participativas e a efetividade de suas ações dependem de variáveis como "o cenário colocado
localmente para a participação da sociedade civil, o perfil dos governos, a capacidade de
articulação e autonomia das organizações, a representatividade dos integrantes desses
colegiados dentre outras variáveis qualitativas". Além disso, o 'status' dessas instituições
contribuem para a legitimidade das tomadas de decisão sobre as políticas públicas
(SARDINHA, 2010, p.76).

Seguindo essa lógica, a solidez e a musculatura política dos conselhos são


diretamente proporcional ao seu status institucional. Esse reconhecimento
advém da sua capacidade de legitimar-se como espaco̧ de deliberacã̧ o e
decisão genuinamente democrático, reconhecido pelas demais instituicõ̧ es e
outros espacos ̧ públicos, dentre eles o poder executivo, legislativo,
judiciário, sociedade civil organizada e movimentos sociais (SARDINHA,
2010, p.76).

Outro aspecto relevante na contextualização dos conselhos enquanto espaços


participativos é trazido por Tatagiba (2002) ao fazer a distinção entre conselhos gestores,
reconhecidamente deliberativos, de outros modelos que surgiram na democracia brasileira,
como os conselhos comunitários (espaços de sugestão das demandas às elites políticas),
populares (menos formais, ligados aos movimentos sociais) e administrativos (não
influenciam nas políticas públicas, mas são gestores de prestadores de serviços públicos).
Na intenção de qualificar os processos de deliberação dessas instituições, Vaz (2011)
propõe três categorias de análise: efetividade deliberativa (analisa os atores, as desigualdades
e o interesse no debate), desenho institucional (configurações do conselho) e representação e
representatividade ("Representatividade dos indivíduos que atuam como representantes da
sociedade civil nestes espaços"). Estes aspectos serão retomados na aproximação da
conceituação à prática do CCS com alguns apontamentos iniciais.
O Conselho de Comunicação Social, embora criado no contexto da reabertura da
democratização brasileira, guarda algumas peculiaridades que o tornam um órgão
diferenciado desses outros modelos de conselhos, como, por exemplo, o fato de ser vinculado
diretamente ao Poder Legislativo, enquanto conselhos de outras esferas de atuação são
ligados ao Poder Executivo. Em busca de elucidar as características do CCS, a seguir será
apresentado como se deu a criação do órgão.
O processo de formulação do capítulo da Comunicação Social da Constituição
Federal foi fruto de grandes embates. A discussão foi polarizada entre conservadores –
representados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), defendia
o controle da radiodifusão pelo Poder Executivo e a exploração de concessões por empresas
privadas – e progressistas – representados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj),
que propunha a exploração do espectro por entidades sem fins lucrativos e a criação do
Conselho de Comunicação Social (BOLAÑO, 2010; JAMBEIRO, 2000; SIMIS, 2010).
De acordo com a proposta inicial, o CCS seria um órgão fundamental, atuante e
deliberativo, “com poderes normativos e até coercitivos” (CHAGAS, 2012, p. 99). Tal caráter
social esbarrava no interesse de exploração comercial do uso do espectro, isso fez com que
houvesse pressão por parte das empresas para alteração da proposta. Além da dificuldade de
conciliação entre as proposições da Abert e da Fenaj, a regulação do audiovisual no país
também enfrentava o desafio de passar pelo Poder Legislativo. A constituição de um conselho
regulador representava a diminuição da autonomia do Legislativo, muitas vezes com
parlamentares envolvidos com concessões e exploração do serviço. Devido às insatisfações
com a proposta apresentada pela relatoria, o deputado José Carlos Martinez (PDS/PR) propôs
uma emenda supressiva, retirando do texto o Conselho Nacional de Comunicação e dividindo
as atribuições entre os poderes, substituindo-o, assim, pelo Congresso Nacional,
argumentando que a Constituinte já havia criado conselhos demais. Com isso, os
parlamentares legislariam e regulariam um setor do qual muitos deles se beneficiavam. A
emenda Martinez, como ficou chamada, foi aprovada em meio a denúncias de troca de votos
por concessões de rádio e televisão.
Desse modo, foi redigido o artigo 224 da Constituição: “Art. 224 - Para os efeitos do
disposto neste Capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de
Comunicação Social, na forma da lei.” (CF, 1988). Regulamentado em 1991 com a lei 8.389,
que estabelece suas competências e determina a composição do órgão auxiliar: deveria contar
com treze membros titulares − além de treze membros suplentes −, representantes eleitos das
empresas (3), dos sindicados (4), da sociedade civil (5), além de um engenheiro com notório
saber na área da comunicação social. O CCS não conta com representação dos poderes
Executivo ou Legislativo.
Apesar disso, apenas em 2002, em um acordo para aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 05, que previa a legalização da entrada do capital estrangeiro na
radiodifusão nacional, o CCS foi, por fim, instalado.
Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um
espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor –
concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões,
regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc
(LIMA, 2012, p.192).

Em sua última gestão finalizada, entre os anos de 2012 e 2014, o CCS se reuniu vinte
e duas vezes e aprovou 13 pareceres. Nova composição foi eleita em sessão conjunta entre
Senado e Câmara dos Deputados no mês de julho de 2015.
Ao retomar os parâmetros propostos por Vaz (2011), é possível perceber que o CCS
não apresenta efetividade deliberativa garantida, embora sua formatação inclua atores sociais
distintos e interessados nas discussões apresentadas, pois a influência de seus pareceres e
relatórios não é assegurada por seu perfil auxiliar do Congresso Nacional. Em outras
palavras, a efetividade poderia ser analisada sob dois pontos de vista: interna, no qual os
debates e deliberação acontecem e externa, em que os resultados das ações do Conselho estão
vinculados à consideração do Poder Legislativo.
Quanto ao desenho institucional, nota-se no CCS que é bem estruturada, uma vez que
tem em seu regulamento o calendário de reuniões ordinárias estipulado previamente e é
organizado por meio de comissões que setorizam os diversos tipos de apreciação. Contudo,
pode-se considerar que este não é um conselho reconhecido como institucionalizado no
organograma do Legislativo, uma vez que seu funcionamento tem sido frequentemente
interrompido a cada fim de gestão, devido ao aparente desinteresse do Congresso em mantê-
lo ativo.
Já no que se refere à representação e à representatividade, há também uma fragilidade,
pois as entidades representativas da sociedade civil (tais como FNDC 4 e Fretecom5, por
exemplo) não reconhecem como legítimos seus representantes, escolhidos pelo Congresso
suspostamente ignorando suas indicações.

Conclusões

As instituições participativas, embora jovens na história democrática do país, já são


importantes ferramentas de inclusão cidadã. Contudo, a abordagem das instâncias
participativas, em especial o Conselho de Comunicação Social, deve ser crítica e investir em
uma transformação social ligada, principalmente, à política.

4 Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação


5 Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular
Como apontam os autores, a participação popular necessita da efetividade da
soberania da população, que deve ir além do ato de votar em seus representantes, com a
inclusão dos cidadãos em esferas participativas que sejam complementares ao tradicional
sistema representativo eleitoral. Afinal, não basta consultar e escutar os cidadãos para
promover a participação. No caso do CCS, sua efetividade deliberativa, desenho institucional
e representatividade não permitem, muitas vezes, nem mesmo a participação do ponto de
vista sociológico apresentado por Carpentier, uma vez que a eleição dos membros
representantes é feita de maneira pouco transparente sob acusações de desrespeito às
indicações sugeridas por organizações civis, evitando assim que os cidadãos possam fazer
parte da instituição ou sejam inseridos nas discussões sobre comunicação no Brasil; a
estrutura do órgão não privilegia o diálogo com a sociedade civil; e, pela forma como foi
formatado, não tem poder decisório, configurando-se apenas como um apêndice do
Congresso Nacional.
A questão da legitimidade da representação é outro aspecto que causa desconforto no
âmbito do CCS, pela falta de afinidade que eventualmente surge entre representantes e
representados e à qualificação dos membros do Conselho. Ademais, por ser um órgão
auxiliar, todas as decisões construídas no CCS estão sujeitas ao controle do Congresso.
Com isso, a eficácia do órgão como instância decisória participativa é questionável,
pois não há garantia da legitimidade da representação e da capacidade de influenciar a
proposição de políticas públicas no setor comunicativo como porta-voz da sociedade civil.

Referências

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̈
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Sociais. UFMG. Belo Horizonte: 2010.
PRODUÇÃO E DIFUSÃO: a incidência do pensamento comunicacional latino-
americano no referencial teórico dos GTs da ALAIC

Paulo Vitor Giraldi Pires1

Resumo: A presente pesquisa exploratória identifica e avalia as contribuições dos Grupos Temáticos
(GTs) da Associação Latino Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC) na consolidação
e difusão dos estudos científicos das Ciências da Comunicação. Busca-se, também, verificar quais os
principais autores que estão sendo mais citados nos referenciais teóricos das pesquisas em andamento.
O estudo se justifica por possibilitar uma avaliação do referencial bibliográfico utilizado nas pesquisas
em comunicação apresentadas nos GTs da ALAIC, considerada uma das mais importantes associações
difusoras dos estudos comunicacionais na América Latina. O corpus de análise constitui-se dos dados
coletados, com base nas referências bibliográficas dos artigos aceitos nos Grupos Temáticos (GTs) e
Grupos de Interesse (GIs) e publicados nos Anais do Congresso da ALAIC 2012. A investigação é
amparada em dois procedimentos teórico-metodológicos: a) análise documental e b) análise
quantitativa.

Palavras-chave: Pesquisa em comunicação. América Latina. Grupos Temáticos. ALAIC. Pensamento


comunicacional.

Introdução
A Associação Latino Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC)
completou 35 anos de criação em 2013. Ao longo de sua trajetória, vem fomentando a difusão
e consolidação do pensamento latino-americano em comunicação. A presente investigação
avalia as contribuições de autores latinos e de seus estudos na formulação dos referenciais
teóricos dos estudos apresentados nos Grupos Temáticos (GTs) e Grupos de Interesse (GIs) do
Congresso da ALAIC de 2012. A escolha desta edição para análise justifica-se por se tratar do
Congresso que recebeu o maior número de trabalhos científicos, em comparação com os
eventos anteriores.
Desta forma, este trabalho descreve e analisa a influência de teóricos latino-
americanos na construção do referencial teórico-bibliográfico de artigos apresentados nos
congressos bianuais da ALAIC. No caso deste estudo, trata-se dos artigos aceitos e publicados
nos Anais do Congresso da ALAIC de 2012. Por outro lado, considera uma oportunidade para
verificar como tem ocorrido a difusão e consolidação do pensamento comunicacional latino-
americano nos cursos de Pós-Graduação, como aportes teórico-metodológicos nos estudos
desenvolvidos por mestrandos e doutorandos.

1 Jornalista, Mestre em Comunicação Midiática pela (UNESP/Bauru e Membro dos Grupos Pesquisa -
Pensamento Comunicacional Latino-Americano do CNPq). E-mail: pvgiraldi@hotmail.com Colaboração do
graduando em Publicidade do IESB-Brasília, Lucas Ribeiro dos Santos. E-mail: lucaslogista@gmail.com

1
Sobre o pensamento comunicacional latino-americano, temos como fundamentação
teórica os estudos desenvolvidos por autores como Marques de Melo (2000), Motta (2002),
Kunsch (2009), Gobbi (2008, 2010), Hohlfeldt (2010), Cabalerro (2013), Sodré (2013), que
buscam compreender o cenário latino da pesquisa em comunicação e resgatar as contribuições
dos cientistas paradigmáticos, representantes de quatro gerações: precursores, pioneiros,
inovadores e renovadores, conforme classificação referenciada nos estudos de Gobbi (2010).
O corpus da pesquisa é constituído a partir dos Anais da ALAIC de 2012. O estudo
desenvolvido é amparado em dois procedimentos metodológicos, sendo a análise documental
e quantitativo-qualitativa. A primeira etapa da análise procede com o tabelamento das
referências utilizadas pelos pesquisadores em seus artigos aceitos nos Grupos Temáticos
(GTs) ou Grupos de Interesse (GIs) da ALAIC. Posteriormente, os autores citados nos artigos
foram classificados com base no método quantitativo, respectivamente por tema de estudo dos
GTs.
Esta pesquisa está organizada em três partes. Inicialmente, apresentamos uma breve
trajetória dos Congressos da ALAIC e síntese das temáticas debatidas pelos pesquisadores.
Produzimos fichamento das informações coletadas nos Anais do Congresso da ALAIC de
2012, tabelamento das referências e análise de dados e, por fim, mapeamos os principais
teóricos com maior incidência nos estudos dos GTs.
A análise procede com a coleta de dados, com base nas referências bibliográficas dos
artigos aceitos nos Grupos de Trabalho. Desta forma, evidenciamos os principais autores
latino-americanos citados nos estudos, a partir da observação do referencial teórico. A análise
busca amparo em dois procedimentos metodológicos, sendo a análise documental (FOX,
2004; CHAUMIER, 1982), a partir das informações oriundas do fichamento dos artigos
publicados nos Anais da ALAIC de 2012 nos GTs e GIs, sendo 19 Grupos de Trabalhos, com
uma média de 700 textos publicados, sem considerar os casos de duplicidades ou artigos que
não possuem referencial bibliográfico.
A partir dos dados coletados, procedemos com a análise quantitativa (FLICK, 2004),
considerando, com base nos números, também, a relevância qualitativa, ou seja, o
efeito/incidência das contribuições desses teóricos na difusão do pensamento comunicacional
latino-americano.
Os autores identificados nas referências bibliográficas dos artigos foram classificados
nos GTs e, posteriormente, com base na concatenação dos dados, foi possível mapear os dez

2
principais autores de maior influência nos estudos de comunicação apresentados nos GTs da
ALAIC.
Acreditamos que esse levantamento, ainda que quantitativo, oferece uma visão dos
autores que estão norteando as pesquisas em comunicação na América Latina, a partir da
formatação de um importante instrumento de pesquisa bibliográfica e identificação dos
autores latinos mais citados nas fundamentações teóricas das pesquisas em andamento. Por
outro lado, inicia um debate oportuno acerca de uma possível escassez, repetições de teorias
ou a falta delas e direcionamento do referencial teórico na América Latina no que tange aos
estudos comunicacionais. É meta deste estudo, identificar, também, as contribuições da
ALAIC na consolidação do campo da comunicação e na formação acadêmica dos novos
pesquisadores.
Como conclusões iniciais do estudo, apresentamos panorama dos principais teóricos
latino-americanos que estão referenciando os estudos de comunicação dos Grupos de
Trabalho (GTs) da ALAIC e, ao mesmo tempo, contribuindo para a difusão e consolidação do
pensamento comunicacional latino-americano. Contudo, busca-se oferecer indicativos e
informações que, futuramente, contribuirão para possível construção de um mapeamento dos
diferentes aportes teórico-metodológicos que estão caracterizando a identidade dos estudos
em comunicação na América Latina.

1 Breve trajetória da ALAIC

A ALAIC tem se estruturado como uma importante Associação de Comunicação


Latino-americana. Com mais de três décadas de existência, sua concepção teve influência de
muitos pesquisadores brasileiros. As primeiras reuniões da Associação foram realizadas no
ano de 1978, em Caracas, na Venezuela. Contou com a atuação de dezenas de pesquisadores
que foram peças importantes para a estruturação da ALAIC, como o brasileiro Luiz Gonzaga
Figueiredo Motta e o boliviano Luís Ramiro Beltrán. Os primeiros anos de atuação da
entidade foram marcados por momentos difíceis e de crise, influenciada por um cenário
político e social conturbado na América Latina (AL).
Gobbi (2008, p.64), ao analisar os 30 anos da ALAIC, descreve a entidade como
detentora de um potencial “capaz de congregar pesquisadores; permitir uma comunicação
plural e representatividade na América Latina; apoiar, incrementar, promover melhorias e
difundir as pesquisas na área da comunicação na região”.

3
As características descritas pela autora vêm confirmar a trajetória científica de mais de
três décadas percorridas pela ALAIC. Os Congressos da ALAIC também são bianuais. A
primeira edição do evento foi realizada em 1992, no Brasil, em Embu-Guaçu (SP), com
participação de cerca de 100 pesquisadores. Outros países latinos receberam o Congresso
como o México (1994 e 2008), Venezuela (1996), Brasil (1998 e 2006), Chile (2000), Bolívia
(2002), Argentina (2004), Colômbia (2010), Uruguai (2012) e Peru (2014).
Desta forma, os eventos científicos organizados pela ALAIC, assim como o próprio
Congresso Mundial, têm representado um papel importante na produção e difusão do
pensamento comunicacional latino-americano. E, como observa Motta (2011), a ALAIC está
no caminho certo, mas precisa avançar para ser uma entidade internacional. Para o autor, a
Associação deve se “institucionalizar ainda mais com uma presença maior pelo menos nas
grandes unidades de ensino da comunicação na América Latina”. (MOTA, 2011, p. 113).

1.1 Congresso de 2012

O 11º Congresso da ALAIC ocorreu de 09 a 11 de maio de 2012, na Universidade


Católica do Uruguai, em Montevidéu. As conferências, atividades, mesas, GTs e Workshops
foram motivados a partir da reflexão do tema principal “A pesquisa em comunicação na
América Latina: interdisciplinaridade, o pensamento crítico e o compromisso social”. O
evento foi considerado um dos maiores entre as edições já realizadas e contou com a presença
de muitos estudantes, teóricos e pesquisadores estrangeiros da comunicação, entre eles, Jésus
Martín-Barbero (Colômbia), Juan Diaz Bordenave (Paraguai), Rossana Reguillo (México),
José Marques de Melo (Brasil), Valério Brittos (Brasil), Aníbal Quijano (Peru), Divina Frau
Meigs (França) e Francisco Sierra (Espanha).
Três eixos nortearam o debate científico neste Congresso, foram eles: 1) Pesquisa em
comunicação na América Latina: diálogos e compromissos com a sociedade, 2) A construção
do campo da comunicação: ciências sociais, tecnologias e diálogos transdisciplinares e 3)
Comunicação e o pensamento crítico latino-americano e descolonialidade intercultural.
De acordo com informações no site 2 do evento, eram esperados, aproximadamente,
500 participantes, dentre alunos de mestrado, doutorado e docentes dos cursos de pós-
graduação. Porém, a organização divulgou que o número de pesquisadores chegou a 1200,
vindos de diversos países latinos, como o México, Paraguai, Argentina e Brasil, como também

2http://www.ALAIC2012.comunicacion.edu.uy/
4
estudantes do próprio Uruguai. O Brasil representou um total de 367 dos trabalhos inscritos
no Congresso, seguido da Argentina com 142, e o México com 58.

1.2 Panorama das publicações nos GTs

Fazendo comparativo entre as duas últimas edições do Congresso da ALAIC,


constatamos que houve crescimento significativo no número de participantes e trabalhos
(artigos científicos) enviados. Em 2010, foram 371 trabalhos aceitos nos GTs, de
pesquisadores oriundos de 11 países: Equador, Venezuela, México, Brasil, Colômbia, Peru,
Chile, Espanha, Argentina, Uruguai e Cuba. Dois anos depois, o Congresso realizado em
Montevidéu recebeu um total de mais de 700 trabalhos. Ou seja, os números de trabalhos
aceitos foram quase o dobro da edição anterior, tendo em vista que, até a realização do
presente estudo, o Congresso de 2014, não havia sido realizado. Isso mostra a ascensão da
própria ALAIC, que vem se consolidando como uma importante Associação de fomento e
difusão da pesquisa em comunicação na América Latina.
Em 2010, havia 22 GTs com diferentes temáticas. Já em 2012, esse número foi
reduzido para 19, tendo início três novos Grupos de Interesse (GIs), que são grupos em fase
de avaliação pela ALAIC, com possibilidade de se tornarem um Grupo Temático. Nesta
penúltima edição de 2012, participaram pesquisadores de 18 países.
Os trabalhos inscritos no Congresso tiveram aceite 3 em um dos GTs, de acordo com a
opção do pesquisador no momento do envio. Esses grupos são organizados por temas gerais
da pesquisa em comunicação como, por exemplo, “Jornalismo”, “Políticas de Comunicação”,
“Comunicação Organizacional”, “Mídias e Tecnologias”, entre outros, que estão diretamente
ligados com linhas de pesquisa/áreas de estudo dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação de Mestrado e Doutorado. A seguir, os atuais GTs da ALAIC, organizados por
ordem numérica.
Na primeira etapa desta pesquisa, baixamos os artigos (download) disponíveis online
nos GTs e GIs, sendo total de 736. Posteriormente, contabilizamos os trabalhos nos
respectivos grupos em que foram aceitos. Os números no quadro representam os artigos
publicados nos Anais no formato PDF e que foram apresentados pelos pesquisadores nos GTs,
no dia definido pela coordenação dos Grupos de Trabalho.

3Termo utilizado nos eventos científicos que expressa “aprovação” do artigo enviado pelo autor da pesquisa ao
Grupo Temático escolhido para apresentar o trabalho.

5
Quadro 1. Trabalhos apresentados nos GTs – Divisão por dia
Grupos Temáticos 1º dia 2º dia 3º dia
GT 1 Comunicación Intercultural y Folkcomunicación 14 14 14
GT 2 Comunicación Organizacional y Relaciones Públicas 8 8 8
GT 3 Comunicación Política y Medios 15 18 0
GT 4 Comunicación y Educación 9 9 7
GT 5 Comunicación y Salud 19 17 9
GT 6 Economía Política de las Comunicaciones 12 9 7
GT 7 Estudios de Recepción 17 16 17
GT 8 Comunicación Popular, Comunitaria y Ciudadanía 10 9 10
GT 9 Teoría y Metodología de la Investigación en Comunicación 5 16 15
GT 10 Comunicación, Tecnología y Desarrollo 5 15 17
GT 11 Comunicación y Estudios Socioculturales 23 19 19
GT 12 Comunicación y Cambio Social 13 11 10
GT 13 Comunicación Publicitaria 9 9 8
GT 14 Discurso y Comunicación 17 18 16
GT 15 Comunicación y Ciudad 11 10 9
GT 16 Estudios sobre Periodismo 21 18 15
GI 1 Comunicación Digital, Redes y Procesos 17 18 17
GI 2 Historia de la Comunicación 24 10 17
GI 3 Ética, Libertad de Expresión y Derecho a la Comunicación 10 9 9
Total 259 253 224
Fonte: ALAIC 2012, dados adaptados pelo autor.

Os dados do quadro não apenas indicam a quantidade de trabalhos apresentados nos


GTs do Congresso da ALAIC, como também, representam a diversidade de estudos em
comunicação que vêm sendo produzidos na América Latina (AL). Seria oportuno descrever os
temas abordados nos estudos e a profundidade dos assuntos investigados pelos pesquisadores.
Porém, essa abordagem renderia outro estudo de mapeamento dos temas e objetos de
comunicação que estão sendo estudados na AL.
Cerca de 245 trabalhos foram apresentados durante os três dias dedicados aos GTs e
GIs. Esses grupos são coordenados por docentes pesquisadores de diferentes universidades.
São eles que recebem os artigos para avaliação e, depois da decisão dos avaliadores,
comunicam aos pesquisadores do “aceite” ou “não aceite” do trabalho para apresentação no
Congresso.
Para os estudantes, pesquisadores da área e docentes, a participação nos seminários,
congressos e encontros científicos são oportunidades para intercâmbio de suas pesquisas,
aquisição de novos conhecimentos e contato com outros pesquisadores. Também, o aceite do

6
artigo e posterior inserção nos Anais do evento, pontua como publicação no Currículo Lattes,
uma exigência para quem trilha a carreira acadêmica.
No próximo quadro, apresentamos o total de artigos em cada GT e GI, publicados nos
Anais4 do ALAIC de 2012. Classificamos os números por ordem decrescente para identificar
quais GTs receberam a maior quantidade de trabalhos. Lembrando, a escolha de qual GT
submeter o artigo é feita pelo próprio pesquisador. Ele envia seu trabalho para avaliação em
um dos grupos disponíveis no evento no momento da inscrição, tendo em vista a linha de
pesquisa em que atua e a proximidade de seu objeto de estudo com a ementa do Grupo
Temático.

Quadro 2. Total de artigos aceitos nos GTs – Publicados nos Anais


Grupos Temáticos
GT 11 Comunicación y Estudios Socioculturales 61
GT 16 Estudios sobre Periodismo 54
GI 1 Comunicación Digital, Redes y Procesos 52
GT 14 Discurso y Comunicación 51
GI 2 Historia de la Comunicación 51
GT 7 Estudios de Recepción 50
GT 5 Comunicación y Salud 45
GT 1 Comunicación Intercultural y Folkcomunicación 42
GT 10 Comunicación, Tecnología y Desarrollo 37
GT 9 Teoría y Metodología de la Investigación en Comunicación 36
GT 12 Comunicación y Cambio Social 34
GT 3 Comunicación Política y Medios 33
GT 15 Comunicación y Ciudad 30
GT 8 Comunicación Popular, Comunitaria y Ciudadanía 29
GT 6 Economía Política de las Comunicaciones 28
GI 3 Ética, Libertad de Expresión y Derecho a la Comunicación 28
GT 13 Comunicación Publicitaria 26
GT 4 Comunicación y Educación 25
GT 2 Comunicación Organizacional y Relaciones Públicas 24
Total 736
Fonte: ALAIC 2012, dados adaptados pelo autor.

Após a quantificação, verificamos que o GT 11 - Comunicación y Estudios


Socioculturales recebeu o maior número de inscritos, com 61 trabalhos. Na sequência, está o
GT 16 - Estudios sobre Periodismo com 54 trabalhos e, o GI 3 - Comunicación Digital, Redes

4Diponível em http://ALAIC2012.comunicacion.edu.uy/ponencias, Acesso em 20 de junho de 2014.


7
y Procesos, com total de 52. Esses são os três GTs com participação mais expressiva, com
média de 50 trabalhos.

2 Marco Teórico Latino-americano

Após verificação da dinâmica dos Grupos de Trabalhos da ALAIC, com base na


participação dos pesquisadores e aceites de artigos nos GTs, também identificamos quais os
autores mais citados nos referenciais bibliográficos dos artigos publicados nos Anais do
Congresso de 2012. Desta forma, essa observação, ainda que quantitativa, torna possível uma
compreensão inicial do caminho teórico-metodológico e do marco teórico que as pesquisas
em comunicação na América Latina vêm assumindo.
Segundo Bolaño (2009), trata-se de um momento crucial no qual a ALAIC tem
buscado como outras instituições estar presente no debate acadêmico em nível global, na
tentativa de mostrar o potencial dos estudos latinos de comunicação e, também, dialogar com
o mundo científico a partir de suas próprias teorias.

Construir nossa unidade na diversidade é o que espera do pensamento social


latino-americano, e em particular do pensamento comunicacional. Assim
poderemos enfrentar a verdadeira batalha epistemológica. Isso passa por
produzir conhecimento em língua espanhola e portuguesa e em traduzir
estrategicamente o que nos interessa para enfrentar o debate internacional
em língua inglesa. (BOLANÕ, 2009, p. 130).

O professor Bolaño tem razão sobre a diversidade de estudos de comunicação


produzidos na América Latina e da necessidade de teorias próprias que constituam um novo
marco teórico que norteie as pesquisas, a partir da consolidação estratégica do pensamento
comunicacional latino-americano.
Porém, o que se percebe, é a pouca oferta de teorias latinas para os estudos de
comunicação, ou talvez, a ambição de reconhecer aos mesmos autores como fundamentais,
sem considerar outros protagonistas que estão ocultos, podendo oferecer contribuições
igualmente importantes e relevantes para o pensamento comunicacional.
Tanto é verdade, que os próprios Programas de Pós Graduação de Comunicação
acabam por utilizar quase as mesmas referências nos processos seletivos como no
direcionamento das pesquisas dos mestrandos e doutorandos. Na compreensão de Bolaño
(2009), trata-se de motivar e fomentar uma nova atitude da pesquisa em comunicação na

8
América Latina, “buscando dar nossa quota de contribuição na reconstrução do pensamento
crítico latino-americano”. (BOLAÑO, 2009, p. 130).
Com base no tabelamento de mais de 11.400 referências (bibliográficas, revistas
científicas, textos online, arquivos digitais) utilizadas pelos autores para produção dos artigos
apresentados nos GTs da ALAIC em 2012, produzimos comparativo e concatenação dos
dados em planilhas do Excel, para identificar os autores mais citados nos trabalhos,
organizados inicialmente por GT.

Quadro 3. Autores mais citados nas Referências Bibliográficas nos GTs


Autores País/Origem
GT 1 José Marques de Melo e Luiz Beltrão Brasil
GT 2 Edgar Morin França
GT 3 Manuel Castells Espanha
GT 4 Jesús Martín-Barbero Espanha
GT 5 Michel Foucault França
GT 6 Martin Becerra Argentina
GT 7 Jesús Martín-Barbero Espanha
GT 8 Jesús Martín-Barbero Espanha
GT 9 Pierre Bourdieu França
GT 10 Jesús Martín-Barbero Espanha
GT 11 ** Zygmunt Bauman (e outros) Polônia
GT 12 Alfonso Gumucio-Dragon Bolívia
GT 13 não houve autor mais citado *
GT 14 Jesús Martín-Barbero Espanha
GT 15 Alejandra Vargas Garcia México
GT 16 Eliseo Verón e José Marques de Melo Argentina / Brasil
GI 1 Manuel Castells Espanha
GI 2 Marialva Barbosa e Orlando Betancor Brasil / Espanha
GI 3 Venício A. de Lima Brasil

Fonte: ALAIC 2012, adaptado pelo autor.

Para identificar os autores mais citados no referencial teórico dos artigos, utilizamos o
valor mínimo de seis citações e máximo de 26, com base na contabilização, em planilha, das
referências coletadas. Primeiramente, identificamos os três autores com maior incidência nas
pesquisas. Posteriormente, selecionamos um autor que foi citado o maior número de vezes,
para uma classificação dos teóricos mais referenciados nos GTs, que será apresentada a seguir.
No quadro acima, levamos em consideração o país de origem do autor e não
propriamente o local onde atua/atuou como pesquisador. Sendo assim, a Espanha e o Brasil
9
são os países, em destaque, na representação de autores/teóricos da comunicação. Entre os
pesquisadores, estão as contribuições dos cientistas paradigmáticos como Luiz Beltrão
(precursores), José Marques de Melo, Jesús Martín-Barbero e Eliseo Verón (inovadores) e
Venício A. de Lima, Marialva Barbosa, Orlando Betancor (renovadores). Para essa
organização das gerações de pesquisadores, utilizamos a classificação de Gobbi (2010) sobre
os autores que representam o pensamento comunicacional latino- americano.
É oportuno dizer da diversidade de teóricos utilizados nos trabalhos do **GT 11 -
Comunicación y Estudios Socioculturale, sendo mínima a diferença entre a média de autores.
Constatamos que o grupo vem balizando seus estudos a partir das reflexões de autores como
Jean Baudrillard (França), Zygmunt Bauman (Polônia), Pierre Bourdieu (França), Stuart
Hall (Reino Unido), Néstor Garcia Canclini (Argentina), Manuel Castells (Espanha), Jesús
Martín-Barbero (Espanha) e James Curran (Austrália). Sendo assim, não foi possível
apontar apenas um teórico de destaque, como nos demais GTs.

3 Gerações de Pesquisadores – Os “produtores”

Como define Gobbi (2010), são quatro as gerações de autores do pensamento


comunicacional latino-americano. Aqui, ousamos dizer que esses pesquisadores são, também,
uma geração de “produtores”, a partir do compromisso em produzir e expandir conhecimento
comunicacional de reconhecimento nacional e/ou internacional, além da seriedade e
produtividade dos trabalhos desenvolvidos.
Com base na classificação abaixo, apresentamos os cientistas da comunicação mais
citados nos artigos dos Anais da ALAIC de 2012. Em primeira etapa da análise, selecionamos
116 nomes que aparecem no mínimo duas vezes e no máximo 76. Para obtermos um dado
mais preciso, optamos pela métrica de valoração acima de nove citações do mesmo autor.
Então, constatamos 26 nomes, organizados por ordem alfabética, que representam o grupo de
autores mais citados nos trabalhos apresentados no ALAIC em 2012.

Quadro 4. Autores mais citados nas Referências Bibliográficas da ALAIC


Autores
1. Affonso Dragon-Gumucio
10
2. Alejandra Vargas Garcia
3. Denise Cogo
4. Edgar Morin
5. Efendy Maldonado
6. Eliseo Verón
7. Henry Jenkins
8. Inesita Soares de Araújo
9. Jean Baudrillard
10. José Marques de Melo
11. Jürgen Habermas
12. Luiz Beltrão
13. Manuel Castells
14. Martín-Barbero
15. Michel Foucault
16. Natália Ramos
17. Néstor Garcia Canclini
18. Patrick Charaudeau
19. Paul Ricoeur
20. Paulo Freire
21. Pierre Bourdieu
22. Raúl Fuentes Navarro
23. Stuart Hall
24. Venício Lima
25. Vicent Mosco
26. Zigmunt Bauman

Fonte: ALAIC 2012, adaptado pelo autor.

Nesta primeira classificação, constam autores de diferentes nacionalidades, incluindo


os pensadores latino-americanos. Verificamos que autores como o americano Henry Jenkins
e os europeus, Jürgen Habermas, Jean Baudrillard, Michel Foucault, Stuart Hall,
Zigmunt Bauman, Pierre Bourdieu, continuam prevalecendo em grande parte dos estudos
analisados. Suas teorias e reflexões são citadas com frequência nas pesquisas.
Por um lado, esse fato pode representar a convergência e tendência dos atuais estudos
em comunicação. Por outro, expressa também a escassez de novas teorias para o campo
comunicacional. Não tiramos o mérito desses ícones das Ciências da Comunicação, contudo,
se faz necessário o despertar de cientistas da comunicação, que tragam novos olhares para as
investigações e demandas da pesquisa. A seguir, os dez autores mais citados nos estudos:

Quadro 5. Os dez autores mais referenciados no ALAIC 2012

11
1. Martín-Barbero Espanha
2. Manuel Castells Espanha
3. José Marques de Melo Brasil
4. Luiz Beltrão Brasil
5. Eliseo Verón Argentina
6. Inesita Soares de Araújo Brasil
7. Néstor Garcia Canclini Argentina
8. Alejandra Vargas Garcia México
9. Affonso Dragon-Gumucio Bolívia
10. Efendy Maldonado Equador

Fonte: ALAIC 2012, adaptado pelo autor.

Essa mudança tão esperada no cenário da pesquisa em comunicação na América


Latina, com novos aportes teórico-metodológicos, conta com o empreendedorismo e ousadia
de pesquisadores, cujos nomes apresentamos acima. Eles fazem parte das gerações de
pioneiros, inovadores e renovadores do pensamento comunicacional latino-americano. Não
são os dez autores mais citados, apenas nos artigos dos Congressos da ALAIC, mas nos
principais eventos científicos de comunicação da América Latina. Teóricos, pensadores e
estudiosos que deveriam, também, ser referenciados em pesquisas de outros continentes, mas
que, infelizmente, o domínio e exclusividade científica, prevalecem. Que a nova geração, que
poderíamos chamá-la de “produtores”, ou seja, aqueles que irão produzir novas teorias para a
comunicação, assim como as gerações anteriores, possa desbravar novos caminhos para as
Ciências da Comunicação, com a proposta de levar ao mundo o potencial de pesquisa, a
criatividade e diversidade, e muitas possibilidades que possui a América Latina.

12
Considerações finais

Esse estudo, em sua fase inicial, poderia render outras discussões em torno da
produção e difusão do pensamento comunicacional na América Latina. Contudo, essas
reflexões serão apresentadas em novas oportunidades. Nesta análise exploratória, buscamos
evidenciar o panorama teórico-metodológico atual dos estudos em desenvolvimento nos GTs
e GIs da ALAIC de 2012.
Nesta primeira observação, percebe-se a diversidade de participantes de diferentes
idiomas, de temas e objetos de estudos, além do intercâmbio cultural e de conhecimento
possibilitados pelos Congressos bianuais da ALAIC. Isso vem reforçar a missão da
Associação em fomentar, difundir e consolidar a pesquisa em comunicação pelo mundo,
abrindo novos aportes teóricos para o campo comunicacional e rompendo com barreiras
ideológicas que minimizavam o potencial da América Latina no cenário científico. O
crescimento do número de artigos enviados aos Congressos da ALAIC no período estudado
revela a ampliação e a consolidação da entidade, que vem conquistando a confiança dos
pesquisadores e assumindo grau de credibilidade, resultado de 35 anos de história.
Mesmo que ainda haja a prevalência de autores europeus e dos EUA nos referenciais
teóricos das pesquisas, também constatamos um fato de grande importância, que se trata da
ascensão e inserção do pensamento comunicacional latino-americano nos estudos
apresentados nos Grupos de Trabalhos da ALAIC.
Os resultados parciais apontam para a necessidade de uma maior difusão das teorias
latinas de comunicação nos Programas de Pós-Graduação responsáveis pela formação desta
geração de pesquisadores (produtores) que, ainda, desconhece esse potencial teórico tão
familiar. O intercâmbio das pesquisas produzidas na América Latina pode contribuir para que
haja maior valorização das produções regionais e institucionalização da ALAIC nas unidades
de ensino da comunicação.
Que esse estudo possa contribuir para que a comunidade acadêmica reconheça os
autores latino-americanos que estão referenciando as pesquisas em comunicação na América
Latina. Desejamos que seja o início de um debate necessário e urgente acerca do marco
teórico e metodológico, no que tange a consolidação e especificidade da produção e difusão

13
da pesquisa latino-americana em comunicação, não só entre os países latinos como também
em todos os países do mundo.

Referências

Anais do XI Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación.


Montevidéu: ALAIC, 2012. Disponível em:
http://ALAIC2012.comunicacion.edu.uy/ponencias Acesso em: 16 de maio de 2014.

BOLAÑO, César. R. S. Pensamento crítico em comunicação na América Latina e o papel da


ALAIC em nível mundial. Revista ALAIC. Disponível em:
<www.ALAIC.net/portal/revista/r8-9/art_05.pdf.> Acesso em: 12 de junho de 2014.

CABALLERO, Francisco Sierra. Ciudadanía, tecnología y cultura. Nodos conceptuales


para pensar la nueva mediación digital. 1ª Ed. Barcelona: Gedisa, 2013.

FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa quantitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.

GOBBI, Maria, C. A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos


da ALAIC. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/Metodista, 2008.

GOBBI, Maria, C. Teoria da Comunicação: Antologia de Pensadores Brasileiros. São Paulo:


Intercom, 2010.

HOHLFELDT, A., MARTINO, L.C., FRANÇA, Vera. Teorias da Comunicação –


Conceitos, Escolas e Tendências. São Paulo, Vozes, 2010.

MARQUES DE MELO, José; GOBBI, Maria Cristina (Orgs.) Gênese do pensamento


comunicacional latino-americano: o protagonismo das instituições pioneiras – Ciespal,
Icinform, Ininco. São Bernardo do Campo: Umesp, 2000.

MARQUES DE MELO, José; GOBBI, Maria Cristina (Orgs.). Pensamento Comunicacional


latino-americano: da pesquisa – denúncia ao pragmatismo utópico. São Bernardo do Campo:
UMESP: Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 2004.

MATTELART, Armand. e M. Histórias das Teorias da Comunicação. 5. ed. São Paulo: Ed.
Loyola, 2002.

MOTTA, Luiz Gonzaga. Brasil: alternativa popular, comunicação e movimentos sociais. In:
GRIMBERG, Máximo Simpson (org.) Comunicação alternativa na América Latina.
Petrópolis, Vozes, 1987.

MOTTA, Luiz Gonzaga. Uma trajetória no campo da comunicação latino-americana e suas


instituições. In: Revista ALAIC. (págs. 103 a 113). Entrevista concedida a Fernando de
Oliveira Paulino. São Paulo, 2011. Disponível em:
http://www.ALAIC.net/revistaALAIC/index.php/ALAIC/article/viewFile/103/101

14
Em busca de autotransparência: a utilização da Lei de Acesso à
Informação por servidores da Capes/MEC

Pedro Arcanjo Matos1

Resumo: Publicada em novembro de 2011, a Lei nº 12.527, popularmente conhecida


como Lei de Acesso à Informação (LAI), tem transformado as relações de divulgação de
informações entre Estado e sociedade brasileira. Mas como a LAI tem afetado as
dinâmicas dentro do Estado? No artigo é traçada uma primeira abordagem sobre o
fenômeno da aplicação da lei por servidores públicos para obter informações sobre o
próprio órgão em que trabalham. A hipótese levantada – cujo principal fundamento
verificador foi a realização de entrevistas em profundidade – é de que nessa situação
específica (talvez não-prevista) do uso da LAI há uma sobreposição de duas dimensões
distintas da ideia de transparência, advindas de duas tradições políticas distantes:
liberalismo e marxismo. Nesse encontro de diferentes concepções conceituais
entrincheiradas num mesmo fenômeno social emergem questões sobre os limites e
desafios da lei, assim como questões de conceituação política mais geral, que se
relacionam com a forma do Estado moderno e, por consequência, com a democracia.

Palavras-chave: comunicação; políticas de comunicação; lei de acesso à informação;


transparência pública; marxismo

Introdução
Transparência é um conceito central para a compreensão da vida social no ocidente. Um
dos principais norteadores da moderna Administração Pública, a transparência se define
como o livre acesso e divulgação das ações governamentais. Ser transparente, nesse
sentido, é contribuir para o fortalecimento da democracia, prestigiar a cidadania, tornar
as políticas de Estado mais efetivas.

O desenvolvimento dessa concepção talvez tenha sua semente no próprio artigo


fundador das democracias contemporâneas, a Declaração de Direitos do Homem e do
1 Jornalista, especialista em filosofia e analista em Ciência e Tecnologia da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação do Brasil.
Cidadão (1789). Diz o artigo 15º: “A sociedade tem o direito de pedir contas a todo
agente público pela sua administração”. De maneira que o conceito de governo
transparente se mistura com a própria concepção moderna de governo, poder e ainda
mais, de sujeito, indivíduo e de humano.

Há, entretanto, outra concepção de transparência, que não envolve a efetividade da


gestão do Estado ou o aprimoramento das democracias contemporâneas. Na tradição
marxista da crítica da economia política, a opacidade (ou ainda “intransparência”) é a
característica das relações de produção, marcadas pelo fetichismo e pela ideologia, que
alienam os trabalhadores, sujeitos do próprio processo (MARX, 2013). Transparência,
aqui, corre ao lado do grau de consciência (também no sentido específico dessa mesma
tradição) das relações sociais.

Um fenômeno recente na sociedade brasileira parece sobrepor essas duas dimensões


distintas da ideia de transparência: a aplicação da Lei 12.527/2011 por servidores
públicos para obter informações sobre o próprio órgão em que trabalham.

Popularmente conhecida como Lei de Acesso a Informação (LAI), a lei regulamenta o


direito de acesso às informações públicas, previsto no art. 5º da Constituição Federal de
1988, com mecanismos de solicitação, prazos de resposta, procedimentos de divulgação
proativa, regime de exceções e sanções em caso de descumprimento.

A LAI tem sido objeto de análises que se dividem, via de regra, conforme as etapas de
aplicação da lei. Há trabalhos focados na perspectiva dos órgãos públicos, produtores de
informação, responsáveis pelo atendimento do que está disposto pela norma e há
trabalhos que enfocam o ponto de vista do cidadão, dos usuários da lei, de quem
demanda informação. Nesse trabalho, os dois olhares distintos convergem.

Quando trabalhadores do Estado utilizam a lei de transparência para gerar transparência


sobre o próprio trabalho, o que está em jogo não é apenas o debate sobre políticas de
acesso e de direito à informação. Uma análise sobre o tema envolve questões de
conceituação política mais geral, se relaciona com a forma do Estado moderno e, por
consequência, com a democracia.
A superposição dessas duas noções de transparência, a de prestação de contas à
sociedade e a de uma opacidade anterior e internalizada, diz respeito à relação entre a
esfera política do Estado e a esfera da produção e reprodução sociais. A concepção
teórica implicitamente pressuposta para que um mecanismo como a Lei de Acesso à
Informação seja aplicada é a de que o Estado é um instrumento neutro.

Para que os mecanismos políticos do Estado apareçam como neutros, o que está
operando "às costas dos sujeitos"? O que está tão opaco que se aceita como natural? E
mais, seria a lei uma possível fonte das contradições internas e inerentes da própria
conjunção social?

Para fins de delimitação da análise, foi escolhida como objeto específico a aplicação da
LAI na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do
Ministério da Educação do Brasil. Trata-se de um órgão com um quadro funcional de
cerca de 400 servidores e que possui uma alta taxa de atendimento (mais de 95%) das
demandas de acesso à informação.

Pelo número reduzido de servidores, foi possível realizar entrevistas qualitativas com
os oito servidores que acionaram a LAI nos três anos de aplicação da norma2. Os dados
e números do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) ficam disponíveis em portal
público também como uma das ações de Acesso à Informação.

Conceitos gerais – transparência, direito a informação e accountability


A ênfase na transparência tem sido uma diretriz do Banco Mundial3 aos países em
desenvolvimento desde o início dos anos 1990, como parte do que a instituição define
como “boa governança”. Para a instituição financeira, a maior parte das crises nos
países em desenvolvimento é de natureza de governança e por isso, o pacote de ajustes
aplicado pelo Banco sempre envolve tais práticas.

De acordo com o Banco Mundial, a boa governança implica em gestão setor público,
(eficiência, eficácia e economia), accountability, troca e livre circulação de informação
2 O próprio artigo é fruto desse intercruzamento de noções e busca de autotransparência, já que atuo
como analista da Capes.

3 O fato da definição de governança das Nações Unidas estar atrelada aos conceitos do Banco Mundial é
mais um indicativo para a reflexão e questionamento sobre a neutralidade do Estado.
(transparência), e um quadro jurídico para o desenvolvimento (justiça, respeito pelos
direitos humanos e liberdades) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006, p.4)

Dois pré-requisitos de uma transparência efetiva são a visibilidade e a “inferabilidade”


(inferability), argumentam Michener e Bersch (2011). Trata-se de instâncias distintas,
mas interdependentes: o fácil acesso, a integralidade e a usabilidade para gerar
inferências.

Apesar de muitas vezes serem aplicados com mesmo sentido, transparência possui
conceito distinto de “acesso à informação” (DUTRA, 2014). O acesso é, de alguma
maneira, um passo além da transparência. Não se trata apenas de “deixar-se ver”, mas
sim da regulamentação para garantir acesso à informação de responsabilidade do
Estado.

Essa garantia é um direito, mas de natureza especial, já que a informação tem como
característica ser o instrumento, ou meio, para se conseguir e conhecer outros direitos e
por isso mesmo deve ser protegida como direito (ABRAMOVICH, COURTIS, 2000). O
caráter instrumental da informação implica que o direito ao acesso não é transformador,
ou revolucionário em si, mas funciona como base de reivindicação consciente de
mudança (ALMINO, 1986).

Outra especificidade desse direito seria o caráter duplo, coletivo e individual,


simultaneamente. Coletivo no sentido correlato ao da transparência, de instrumento de
controle institucional, de publicidade dos atos da administração. E individual num
sentido similar à liberdade de expressão, de promotor da autonomia e direitos políticos
dos indivíduos em um contexto de maior abertura institucional e diversidade de
informações. Uma dimensão alimenta a outra, a vida política se torna mais democrática
com cidadãos mais ativos que conhecem seus direitos.

Essa pró-atividade da cidadania se relaciona com outro eixo da democracia


contemporânea, a crença num contrato social baseado numa espécie de “acerto de
contas” de direitos e deveres em que os representados podem acompanhar de perto as
ações dos representantes eleitos. O termo mais exato, accountability, não dispõe de uma
tradução literal para o português, já que a expressão “prestação de contas” limita a
noção à esfera contábil, quando na verdade se trata de um processo mais amplo de
fiscalização e controle do Estado por parte do cidadão.

Existe uma sinergia entre os três conceitos. Os mecanismos de accountability


necessitam de transparência e do direito de acesso à informação.

“A demanda por accountability se origina da opacidade do poder, de um contexto de informação


imperfeita, e tem como eixo básico o princípio da publicização. O exercício da accountability só
tem sentido se remete ao espaço público, de forma a preservar as suas três dimensões:
informação, justificação e punição” (PAULINO, 2008, p. 94).

A partir dessa interação é possível perceber como uma legislação de acesso à informação
tem a capacidade de aprimorar a estrutura de accountability já que pode diminuir o
desequilíbrio entre a incapacidade de resposta dos representantes aos representados e a
capacidade dos representados em ter informações para elaborar as perguntas aos
representantes.

Transparência e acesso à informação no Brasil


No Brasil, a transparência dos gastos públicos é uma meta do Governo Federal, cuja
principal ferramenta é o portal Transparência Pública, que divulga as despesas
realizadas pelos órgãos e entidades informando sobre execução orçamentária, licitações,
contratações, convênios, diárias e passagens. O principal objetivo do sítio é garantir o
bom uso dos recursos públicos por meio da participação ativa da sociedade: “incentivar
o controle social para que as práticas da Administração Pública sejam pautadas pela
legalidade e pela ética”.

A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão responsável pela aplicação da Lei de


Acesso a Informação, que regulamenta um dos direitos fundamentais elencados na
Constituição Federal de 1988:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 1988).

Publicada em novembro de 2011, mas em funcionamento a partir de 16 de maio 2012, a


LAI é aplicável aos três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. O princípio básico da lei é que o acesso à informação pública é a regra, o
sigilo, exceção.

Para os fins desta análise, entre as diversas características da lei, duas se destacam como
mais importantes. Primeiramente, a determinação da divulgação na internet de um rol
mínimo de informações para todos os órgãos da administração, que inclui, entre outros,
contratos, licitações, estrutura organizacional, receitas, despesas, e o estímulo para que
cada vez mais informações sejam divulgadas de maneira espontânea, sem a necessidade
de serem demandadas pelo cidadão. Essa divulgação prévia de informações é definida
como “transparência ativa”.

Em segundo lugar, como está explícito no 10º artigo da lei, a resposta ao pedido de
acesso não pode estar condicionada à motivação do uso dessa informação. “São vedadas
quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação de informações
de interesse público”. O órgão público não pode, portanto, questionar a intencionalidade
do pedido de acesso e, consequentemente, direcionar, ou mesmo negar, a resposta de
acordo com quem faz o pedido.

Um dos mecanismos previstos pelo Sistema de Informação ao Cidadão, ferramenta


utilizada para realizar os pedidos de acesso, é a desobrigação da inclusão de dados
específicos do solicitante. A ferramenta requer somente nome e CPF do cidadão que
busca a informação. Ainda assim, é preciso observar o funcionamento da lei diretamente
nos órgãos para observar se essa norma é realmente cumprida.

Acesso à informação na Capes


A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do
Ministério da Educação (MEC), atua na expansão e consolidação da pós-graduação
stricto sensu em todos os estados da Federação. Entre os eixos de ação para esse
objetivo, estão a avaliação dos cursos de mestrado e doutorado; o acesso e divulgação
da produção científica; investimentos na formação de recursos de alto nível no país e
exterior; e promoção da cooperação científica internacional.

A partir de maio de 2012, com a publicação do Decreto nº 7.724, que regulamenta o


funcionamento da LAI, a Capes passou a contar com o Serviço de Informação ao
Cidadão para o atendimento presencial, online e telefônico das pessoas que procuram
por informações sobre ações e programas da Capes. O SIC está sob a responsabilidade
da Coordenação de Comunicação Social do Gabinete da Presidência do órgão.
Relatórios anuais com os números do SIC são publicados na internet4.

No período de 16 de maio de 2012 a 16 de maio de 2015 foram registradas 2920


solicitações de informação. A taxa de resposta da Coordenação é de 95%. Em relação às
ações para transparência ativa, seguindo as instruções da lei, a Capes disponibiliza no
site informações atualizadas relativas à instituição, ações e programas, auditorias,
convênios, despesas, licitações e contratos, servidores e perguntas frequentes.

Desafios à implementação de uma cultura de transparência


Os três anos de aplicação da Lei de Acesso à Informação na Capes revelam que a
consolidação de uma cultura de transparência envolve mais do que a criação de uma
legislação e a publicação de um decreto que oriente sua aplicação. Um regime de acesso
à informação necessita, além do arranjo institucional, de um duplo comprometimento de
representantes demandados e cidadãos demandantes. Esse seria um arranjo de poder
coerente com a democracia, em que há um elo de confiança entre cidadão e governo.
Promovido pela CGU, o estudo “Política Brasileira de Acesso a Informações Públicas:
garantia democrática do direito a informação, transparência e participação cidadã”
avaliou a percepção de servidores públicos sobre o tema e os desafios a serem
enfrentados para a efetivação da LAI alguns meses antes da publicação da lei. O
trabalho foi fruto de cooperação técnica firmada, em maio de 2010, com a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Nas conclusões do
trabalho, há a indicação de necessidade de mudanças organizacionais, operacionais e
culturais.

Sobre os aspectos culturais, a pesquisa realizada na época indicou que era preciso
reduzir a margem de arbítrio pessoal para as decisões de indeferimento das solicitações
de acesso por meio de uma definição mais clara do que é (e não é) informação pública.
O estudo deixa claro que é preciso enfrentar a postura de alguns agentes públicos que se
veem como proprietários das informações.

4 Disponível em <http://capes.gov.br/acesso-ainformacao/relatorios-anuais>
Roberto DaMatta (2011) realizou uma pesquisa como um dos desdobramentos do
projeto entre CGU e Unesco. O antropólogo identifica o que chama de “cultura do
pendrive”, em que funcionários não compartilham com colegas as informações sob sua
responsabilidade, apropriam-se dos dados e impossibilitam a agregação desse
conhecimento em benefício da sociedade. A pesquisa de DaMatta revela que alguns
servidores públicos veem o cidadão de maneira infantil, como sujeitos dependentes da
tutela do Estado para compreender informações produzidas pela administração pública.

A “cultura do pendrive” é apenas um dos aspectos da cultura do segredo, que se impõe


especialmente sob a suposta preocupação da ‘má interpretação’, ou mesmo um “mau
uso’, das informações públicas por parte do público (numa afirmação que parece beirar
o cinismo). Há uma incessante busca por controle da informação, não apenas do acesso
mas também dos desdobramentos e utilizações. (DAMATTA, 2011. p. 18).

Como base ontológica desses aspectos culturais a serem ultrapassados está a própria
tradição colonial e formação patrimonialista da sociedade brasileira. O Estado é
distante, desconhecido e merecedor de desconfiança, um verdadeiro paradigma de
opacidade. (REIS, 2014). A submissão a interesses particulares foi condicionada
historicamente de tal maneira que há uma incompreensão total do significado e do valor
do bem público, nos mais diversos setores da vida social. A superação desse processo
envolve, portanto, uma nova compreensão da atividade de servidor público, com ênfase
nessa última palavra.

Serviço Público – fornecedor e requerente de informações


Um levantamento da aplicação da LAI, realizado pela ONG Artigo 19, concluiu que
entre os órgãos públicos federais dos três poderes, o Executivo foi a instância com
melhor índice de atendimento e fornecimento de respostas mais completas. Durante o
ano de 2013, a organização não governamental realizou 474 solicitações de informações
aos 51 órgãos públicos federais (sendo 38 do Executivo, 11 órgãos de Justiça e dois do
Legislativo).

Curiosamente, no Distrito Federal, são os servidores públicos os maiores requerentes


nos Serviços de Informação ao Cidadão. É o que aponta o levantamento realizado por
Dutra (2014) junto a Secretaria de Transparência e Controle do DF. Entre abril de 2013
e novembro de 2014, os servidores públicos federais representaram 18% de todas as
solicitações, apesar de boa parte (65%) dos solicitantes preferir não informar a
profissão.

Agora, quando se trata de requerimentos sobre o próprio ambiente de trabalho, o


informe sobre a profissão dificilmente permanecerá anônimo. Nesses casos, para
preservar a impessoalidade da lei, é importante verificar se não há discriminação no
acesso à informação com base na identificação do requerente. Levantamento de
Michener, Moncau e Velasco (2014) abordou essa problemática específica do
atendimento da LAI.

Foram enviados 717 pedidos para 173 órgãos públicos dos três poderes e em todos os
níveis de governo. Com o objetivo de testar as regras de não-discriminação, a pesquisa
adotou a seguinte metodologia: foram utilizados os nomes de quatro voluntários, dois
identificados como pesquisadores da FGV e dois com nomes sem registros que
pudessem ser buscados na internet. A conclusão do trabalho foi de que “houve indícios
que reforçam a hipótese de que pode haver investigação prévia sobre o perfil do
solicitante” (MICHENER, MONCAU, VELASCO, 2014, p. 23).

As solicitações identificadas como pedido de pesquisadores da FGV tiveram uma taxa


de resposta 10% maior do que as solicitações não institucionais (74% e 64%,
respectivamente). O período de tempo para o atendimento também foi menor para os
pedidos identificados com a instituição. Foram oito dias a menos em médio de espera
(25.5 dias contra 17.5 dias). (MICHENER, MONCAU E VELASCO, 2014, p.13).

As inferências extraídas a partir das entrevistas realizadas com os servidores da Capes


que entraram com pedido de acesso à informação vão ao encontro dos indícios expostos
pelos pesquisadores da FGV. As oito entrevistas foram aplicadas pessoalmente e semi-
estruturadas a partir das seguintes perguntas: Por que entrar com um pedido de acesso à
informação sobre o próprio ambiente de trabalho? O requerente sentiu que a
identificação como servidor da casa influenciou a resposta? Qual o grau de satisfação
com o uso da ferramenta?
Os servidores solicitantes da Capes
Nos três anos de aplicação da Lei de Acesso à Informação na Capes foram realizadas 21
solicitações por servidores da casa (incluindo a solicitação que gerou os dados para esse
artigo). Quando o requerente entende que o órgão não concedeu a informação solicitada
ou não forneceu o motivo para negar a informação, pode-se apresentar recurso, que
pode ser interposto em até três instâncias sendo sempre respondido por uma figura
hierarquicamente superior à que concedeu a resposta anterior.

No caso da Capes, o recurso de primeira instância é respondido por um diretor e o


recurso de segunda instância pelo presidente da Coordenação. As demandas
apresentadas por servidores da Capes geraram cinco recursos sendo que apenas um
deles chegou à terceira instância, para julgamento da CGU.

De acordo com o objeto a que se dirigem, as solicitações dos servidores podem ser
agrupadas tematicamente em duas instâncias: pedidos sobre ações-fim e pedidos sobre
ações-meio. O primeiro agrupamento envolve requerimentos sobre programas da Capes,
usualmente solicitação de planilhas com números, investimentos, lista de beneficiados.
Nesse caso, chama a atenção que todos os pedidos buscam informações sobre iniciativas
das mesmas diretorias e coordenações dos requerentes.

Já nas solicitações sobre ações-meio surgem questões em que o direito à informação é


claramente um direito-meio, um veículo para a reinvindicação, ou ao menos o
esclarecimento, de outros direitos. São pedidos de informação sobre contratação de mão
de obra terceirizada, dados sobre licenças de capacitação, financiamento de estudos de
servidores e mesmo dados sobre a distribuição de vagas de garagem.

Um ponto partilhado por todos os servidores requerentes é o de que as regras dos prazos
estabelecidos pela LAI dão uma garantia de resposta que não possui paralelo em outros
meios aos quais poderiam ter acesso. Mais da metade(62,5%) dos requerentes tentou
realizar solicitação por outros caminhos, sendo e-mail e telefone os principais
escolhidos, mas também houve casos de ofícios e visita pessoal. O relato dos servidores
aponta que a solicitação que não é feita pela LAI não costuma receber resposta, nem
mesmo a negativa de acesso. Os entrevistados relatam que as demandas entram num
processo de repasse às instâncias superiores
Nesse sentido, a LAI é percebida como uma ferramenta de desburocratização do serviço
público. A lei força a organização e sistematização dos dados, ainda marcados, de
acordo com os entrevistados, por muita confusão de fontes e validação. É comum,
segundo os servidores escutados, que uma mesma iniciativa conte com diferentes
números e indicadores ou mesmo que exista a ausência de um relatório ou apresentação
final de dados e resultados. A obrigatoriedade de resposta imposta pela LAI muda esse
cenário, mesmo que a sistematização seja fruto de um pedido de acesso à informação. A
facilidade, a velocidade e a agilidade do SIC foram características atribuídas ao serviço
em todas as entrevistas.

A Lei de Acesso à Informação também é vista como instrumento de democratização do


ambiente de trabalho, uma ferramenta de abertura do órgão não apenas pela sociedade,
mas para o próprio servidor. As entrevistas deixaram claro que a lógica do sigilo que
impera no serviço público, ou a “cultura do pendrive”, também afeta os servidores.

Em todas as entrevistas está presente ao menos a sensação de que a identificação como


servidor da casa teve algum efeito sobre a resposta recebida. Em muitos relatos, esse
fato constava inclusive na resposta recebida. Tanto em pedidos de acesso concedidos –
com a indicação para que requisições semelhantes fossem realizadas por outros meios –
quanto em pedidos de acesso negados – com base no fato do servidor trabalhar na área.

As entrevistas apontam, portanto, para a confirmação da existência de práticas


discriminatórias no acesso à informação. Verificou-se em diversos casos a realização de
intervenções por telefone, da área técnica para questionamento ou do cidadão-servidor para
cobrança/esclarecimento. Mesmo em pedidos que foram prontamente atendidos, o
conhecimento da identidade se mostrou relevante para a resposta (ou não-resposta) obtida.

Aí se encontra uma interessante contradição, que revela a dinâmica dialética das forças
envolvidas no trabalho: ao mesmo tempo em que a identidade do solicitante importa,
muitas vezes de maneira determinante, para o acesso a informação, a lei ainda é a
ferramenta mais impessoal a serviço do servidor para conseguir informações sobre o
próprio trabalho. A resposta garantida pela lei é distinta de um pedido de favor, com
necessidade de explicação e a relação pessoal que isso envolve.
Dessa maneira, as entrevistas reforçam a relevância da transparência ativa como recurso
da lei a ser aprimorado. Segundo os entrevistados e usuários da lei, a LAI deveria servir
como guia de orientação, como norteador para organização e publicação dos dados e
informações requeridos. Mas para além da função meramente protocolar, ser exemplo
ao novo perfil do servidor público, com primazia da compreensão de bem público e da
prestação de contas (no sentido mais amplo) à sociedade.

Conclusão: Um olhar marxista sobre as relações de transparência


O que se percebe ao se pensar criticamente a utilização da Lei de Acesso à Informação
para obtenção de transparência sobre o próprio ambiente de trabalho é que é necessária
uma reflexão sobre uma forma de opacidade que se encontra generalizada nas relações
sociais, mas é de natureza distinta, mais ampla, que a transparência institucional
debatida até aqui. Trata-se da intransparência indissociável do modo de produção
capitalista e do mundo do trabalho, fruto do caráter fetichista e “misterioso” da forma-
mercadoria.

O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela


reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos
próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por
isso, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação
social entre os objetos, existente à margem dos produtores (MARX , 2013, p. 206).

A transparência, nesse sentido específico, está ligada à consciência dos processos de


produção e seria totalmente possível apenas em organizações de trabalho com noções de
hierarquia, autoridade, produção e distribuição radicalmente distintas das que dispomos
hoje. Marx descreve uma associação de homens livres, que trabalham com meios de
produção coletivos e que conscientemente despendem suas forças de trabalho
individuais como uma única força social de trabalho. Nesse cenário, “as relações sociais
dos homens com seus trabalhos e seus produtos de trabalho permanecem
transparentemente simples, tanto na produção quanto na distribuição” (MARX, 2013, p.
214).

Essa noção de transparência ultrapassa os limites em que opera a noção de transparência


pública como ferramenta do Estado. Mas mais do que isso, leva ao questionamento da
própria concepção de Estado como instância neutra e autônoma que pode promover
políticas reais de transparência.

O Estado parece ser uma construção racional (e, portanto, transformável com a mesma
facilidade) para a realização do interesse geral e os objetivos da comunidade. Eles não fazem
nenhuma menção ao fato de que o Estado, tal como existe hoje é um produto histórico, uma
forma de organização da dominação, que, sendo histórico, tem o seu fundamento no modo de
produção e reprodução social historicamente determinado que caracteriza a relação burguesa de
produção e nas relações de classe resultantes (HIRSCH, 1978, p. 57, tradução nossa).

A aparente neutralidade dos mecanismos do Estado só é possível devido à natureza


social reificada criada a partir do que se realiza às costas dos agentes sociais: seja a
aparência objetiva das relações sociais (fetichismo5), seja o conjunto de ideias de um
grupo particular que oculta sua própria origem nos interesses sociais (ideologia). O fato
é que a compreensão marxista de transparência leva a questionar a naturalização de
processos que são historicamente construídos.

A análise de Marx do fenômeno do fetichismo lida com a esfera da produção e


reprodução sociais, e não com sua forma política. Mas essa definição é fundamental para a
compreensão do fenômeno da mais significativa opacidade social contemporânea, o que
Zizek (2011) define como a transformação (ideológica) das relações econômicas em uma
esfera "pós-ideológica". Porque as relações se tornaram fetichistas e reificadas, elas
aparecem como naturais (não ideológicas), de modo que apenas as relações políticas o
seriam.

Na medida em que a economia seja considerada a esfera da não-ideologia, esse admirável mundo
novo da mercadorização global se considera pós-ideológico. É claro que o aparelho ideológico
do Estado ainda existe, e mais do que nunca; entretanto uma vez que em sua autopercepção a
ideologia se localize em sujeitos (...), essa hegemonia da esfera econômica só pode parecer
ausência de ideologia (ZIZEK, 2011, p. 33)

Diante desse cenário em que o processo de produção domina os homens (e não o


contrário) e é considerado “uma necessidade natural tão evidente quanto o próprio
5 Marx costuma guardar esse termo pra descrever o movimento no capital no qual os agentes atuam
como suportes. Mas é possível expandir o conceito para designar estruturas e racionalidades alienadas,
como é o caso de trabalhadores da burocracia estatal.
trabalho produtivo” (MARX, 2013 p. 217), a solução passa por tornar esse processo
realmente transparente.

O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as relações cotidianas da vida
prática se apresentam diariamente para os próprios homens como relações transparentes e
racionais que eles estabelecem entre si e com a natureza. A figura do processo social de vida, isto
é, do processo material de produção, só se livra de seu místico véu de névoa quando, como
produto de homens livremente socializados, encontra-se sob seu controle consciente e
planejado(MARX, 2013, p. 216).

Sob o véu da ideologia e a névoa do fetichismo, a dialética da vida continua operando e


o que se confirma é que "ao mesmo tempo, contudo, o carácter do processo de
reprodução capitalista também acaba por ser a base das contradições contidas na própria
forma" (HIRSCH, 1978, p. 59). Seria, então, a Lei de Acesso à Informação, a partir
desse uso não previsto dos trabalhadores do Estado, uma dessas contradições? Uma
fonte de fissuras do tecido do processo de produção? Essa é a pergunta difícil que aqui
permanece.

Ter essa questão como horizonte é o caminho para que o direito à informação pública e
os mecanismos de apuração conquistados se consolidem como um processo real de
direitos, que gerem redistribuição do poder e que não se convertam apenas em mera
permissão de informação, já que “os que detêm o poder conhecem muito bem a
diferença entre direito e permissão” (MILNER apud ZIZEK, 2011, p. 58). Permissões
não diminuem o poder de quem as concede. Direitos dão acesso ao exercício de poder à
custa de outro poder.

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ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Boitempo Editorial. São
Paulo, 2011.
A TELENOVELA COMO OBJETO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ESTUDO DE CASO DA NOVELA “CHEIAS DE CHARME”

Priscila Chéquer1

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a telenovela como
objeto de pesquisa em comunicação. Para isso, recortamos nossa proposta analítica no
intenso intercruzamento das produções de teledramaturgia com as demandas sociais
brasileiras. Como estudo de caso, analisaremos a telenovela “Cheias de Charme”
(Rede Globo, 2012) a partir da relação entre o texto audiovisual e o seu contexto de
produção. Com isso, busca-se compreender o diálogo dessa produção com as
demandas de consumo da audiência, em especial da “nova” classe C.

Palavras-chave: telenovela, Brasil, Cheias de Charme, consumo, “nova” classe


média

1. Introdução

É sabido que a telenovela brasileira, durante as seis décadas em que está sendo
exibida, sempre manteve uma estreita relação com sua audiência. Expressão maior da
teleficção nacional, a novela, em seu conjunto imagético, representa as imagens que
uma significativa parcela dos brasileiros fazem de si mesmos e através das quais se
reconhecem, tornando-se, assim, um dos maiores observatórios da vida cotidiana
nacional. Sua matéria-prima de trabalho são as histórias, as memórias e o imaginário
coletivo em um diálogo cada vez mais intenso com o social.
Lopes, Borelli e Resende (2002) propõem pensar a relação entre a
teledramaturgia e as demandas sociais a partir do conceito de “reflexividade social”
proposto por Anthony Giddens. Para o autor, a reflexividade estaria presente em toda
a ação humana se constituindo em um processo onde as práticas sociais são
repensadas e revisitadas à partir de novas informações inseridas no tecido social. Os
meios de comunicação inserem-se nessa dinâmica à medida que atuam na formação
do senso comum e no complexo sistema de recepção de novas informações

1 Mestre pelo Programa Multidisciplinar de Pós Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade


Federal da Bahia (UFBA) - Salvador, BA; graduada em Comunicação Social com habilitação em Rádio
e TV pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) - Ilhéus, BA.

1
estabelecendo a mediação para o conhecimento e o entendimento dos fatos sociais, ao
mesmo tempo em que são constantemente alimentados pelo conhecimento
socialmente produzido. Esse movimento nos ajuda a entender a retroalimentação dos
conteúdos na mídia, a presença constante de temas cotidianos nas narrativas das
telenovelas e os debates provocados na audiência.
Além de ser considerada uma narrativa popular sobre a nação (LOPES, 2012), a
telenovela pode ainda ser pensada como um produto cultural latino americano.
Herdeira dos folhetins franceses do séc. XIX e das radionovelas cubanas, a telenovela
se firmou na América Latina tornando-se umas das maiores expressões televisivas do
continente e possibilitando, ainda, trocas simbólicas entre os povos e países de origem
latina. Essas trocas simbólicas são possibilitadas pela proximidade cultural dos países
latino americanos constituindo-se no que Straubhaar (2004) chama de mercados
linguístico-culturais, ou geoculturais. Países com culturas similares, proximidade
geográfica e com expressões idiomáticas compartilhadas tendem a fazer parte de um
mesmo mercado onde os bens culturais circulam, como afirma o autor: “[...] a
definição de mercados linguístico-culturais perpassa a linguagem e inclui história,
religião, etnicidade (em alguns casos) e cultura (p. 84).2
No campo das pesquisas em comunicação, a telenovela se insere como mais
uma possibilidade de compreender a diversidade cultural latino americana,
possibilitando o entendimento, não só das proximidades e das mediações, mas
também dos afastamentos e diferenças culturais inscritas nesse tipo de produção. No
que diz respeito ao estudo das produções nacionais, Malcher (2000) destaca o
crescimento dos trabalhos nessa área como uma possibilidade de ampliação no campo
de estudos em comunicação. Cada vez mais distante da hegemonia do pensamento
frankfurtiano, as pesquisas em telenovela tendem a privilegiar o diálogo com os
Estudos Culturais (BORELLI, 2001), deslocando –se para uma perspectiva que traz o
debate de questões como linguagem narrativa, técnica, estética e, principalmente, os
diálogos e as tensões entre audiência e obra.
Nessa perspectiva, a telenovela se torna um objeto de pesquisa privilegiado para
entender a relação entre produção cultural de massa e as matrizes populares, buscando

2 Destacamos nesse sentido a parceria da emissora brasileira Rede Globo com a mexicana Telemundo
para a produção do remake de “Vale Tudo” (1988-1989, de Gilberto Braga e direção geral de Dennis
Carvalho). Intitulada “Vale Todo”, a novela produzida para o público hispânico, nos EUA, foi gravada,
no Brasil, em espanhol, e foi ar em 17 de junho de 2002. Pensada exclusivamente para o mercado
latino, a novela contava com atores brasileiros e mexicanos e a trilha sonora incluía desde a dupla
sertaneja Zezé de Camargo e Luciano até o cantor mexicano Alejandro Fernández.

2
compreender o intercruzamento de suas produções com temas cotidianos que refletem
aspectos contemporâneos da política, economia, religião, entre outros assuntos que
fazem parte do imaginário brasileiro.

2. O espaço social de construção da telenovela

Ao se desdobrar no estudo da telenovela, o pesquisador pode enveredar por


diferentes caminhos analíticos que resultariam em trabalhos diversos como, por
exemplo, um estudo de recepção, uma pesquisa comparativa ou um estudo mais
dedicada à estética e narrativa. Lopes, Borelli e Resende (2002) destacam, como uma
das possibilidades de pesquisa nessa área, o estudo da articulação entre a produção
artística e seu tecido social, contextualizando a obra e estabelecendo as condições de
produção que interferem no produto final. A partir dessa perspectiva, deve-se estar
atento aos padrões de produção e aos diversos elementos internos e externos que
interferem direta ou indiretamente na produção veiculada. Como organismo vivo,
atual e conectado ao seu momento histórico, a telenovela sofre interferência de
inúmeros elementos originários dos mais variados campos como, por exemplo, o
político, o social, o econômico e o artístico, que incidem na sua construção
interferindo nos caminhos escolhidos pelos seus realizadores.
Nessa perspectiva caminhamos por uma possibilidade analítica que abre
caminho para o estudo da relação, cada vez mais intensa, entre o espaço social e a
produção artística, possibilitando uma análise que articule o texto audiovisual
(narrativa, técnica e artística) e o seu contexto. Essa articulação nos possibilita realizar
uma análise do produto telenovela, sua estrutura e estratégias discursivas, inscrita em
seu contexto de produção, que inclui as dimensões sociais, culturais, políticas,
representacionais, etc. Essa abordagem analítica se justifica pelo caráter
multidisciplinar da Comunicação Social (LOPES, 2010) que nos possibilita transitar
nos mais variados campos acadêmicos articulando os produtos da mídia com outras
áreas do conhecimento.
Em seu intenso trabalho de identificação dos diversos elementos constituintes
do campo da telenovela, Souza (2004) estabelece quatro deles como fundamentais nas
suas regras de funcionamento e que devem ser considerados na análise: o papel do
Estado, o mercado publicitário, os telespectadores e o meio artístico. Historicamente,
ao Estado coube o papel de “construtor do mercado de bens simbólicos” (p. 116)
3
fornecendo as condições técnicas que viabilizariam a televisão em nível nacional e,
consequentemente, colaborariam com a estruturação da telenovela e de suas narrativas
a partir da censura imposta pelo Governo Militar.
O mercado publicitário, por sua vez, consolidou as telenovelas como um dos
produtos de maior rentabilidade das emissoras, reorganizando sua estrutura narrativa
em intervalos estratégicos a partir do gancho 3, além de inserções cada vez mais
constantes de merchandising nas cenas (PALLOTTINI, 2012). Esse fator nos
direciona à importância dos telespectadores que se articula diretamente às tendências
do mercado e às necessidades das emissoras de atingirem cada vez mais o público
consumidor. A partir dos mecanismos de mensuração e expectativas de audiência,
como o IBOPE e o Group Discussion, as emissoras reorganizam sua programação,
disputam fatias do mercado publicitário, estabelecem critérios de prestígio e adequam
o fazer telenovela às exigências e modo de vida do telespectador.
O estudo desses outros campos nos daria, então, um panorama para entender o
espaço social de construção da telenovela, em uma análise que privilegia seu
momento histórico de criação, a influência das lógicas econômicas de mercado e o
papel do telespectador, ressaltando sempre o seu caráter de obra aberta. Ao propor o
estudo da telenovela “Cheias de Charme”, nos concentramos nos padrões de
consumo da audiência buscando identificar suas influências nas escolhas temáticas e
estéticas da obra.

3. “Cheias de Charme” e as tendências de consumo da “nova” classe C

“Cheias de Charme” estreou em 2012 como um dos carros-chefe da Rede


Globo no processo de aproximação da emissora com um novo público consumidor
emergente. A escolha da temática e estética da novela foram impulsionadas por
pesquisas de mídia encomendadas pela Rede Globo que apontaram para a necessidade
de mudanças significativas nas suas produções, tendo em vista a emergência de uma

3 Na linguagem narrativa da teledramaturgia os ganchos são cenas de pequeno ou grande clímax


situadas estrategicamente ao final e no início de cada bloco comercial com o intuito de gerar a
expectativa no telespectador.

4
“nova” classe C4 no cenário político e econômico nacional, como afirma Octávio
Florisval, diretor-geral da emissora5:
São pesquisas para nossa reflexão interna, para orientar a área de
criação e de jornalismo [...] Estes 80% das classes C, D e E têm uma
vida própria, com características próprias. Nós precisamos atendê-
los [...] Eles têm que estar mais bem representados e identificados
na dramaturgia, no jornalismo.

Somam-se a isso outras pesquisas de mercado direcionadas para o novo filão


consumidor da “nova” classe C que indicavam a TV aberta como uma das principais
fontes de lazer para as classes populares, sendo a Rede Globo a favorita entre as
demais emissoras, obtendo a preferência de 47% dos entrevistados (IBOPE, 2012).
Além disso, os dados direcionam para a grande influência da teleficção no
comportamento do consumidor ao indicar que 20% dos entrevistados se espelham nas
personagens de telenovelas e cultuam celebridades, estando, dessa forma, mais
propensos aos apelos publicitários.
Assim, a produção da telenovela Cheias de Charme se concentrou em promover
uma maior aproximação da emissora com esse novo público consumidor, produzindo
mudanças na narrativa e no formato do produto em consonância com os hábitos de
consumo da “nova” classe C. Nota-se, portanto, outro padrão estético que perpassa
temática, texto, trilha sonora e demais elementos de composição de cena como
figurino, maquiagem e cenários, além da incorporação de outras mídias que tem
alterado o modo de se consumir telenovela. Observamos nesse processo três áreas que
destacaram Cheias de Charme como uma produção bem sucedida no diálogo com o
público: a temática popular, a aproximação com o mercado musical e a utilização de
novas tecnologias e estratégias de transmidiação.
No que diz respeito à temática popular destacamos, como exemplo, as novas
forma de representação da ascensão social. Durante décadas, as telenovelas brasileiras
reproduziram a fórmula onde personagens de classes populares mais humildes tinham

4A “nova” classe média surgiu na formação da sociedade brasileira oficialmente em 2012, quando o
Governo Federal utilizou um novo critério de classificação social no país. A partir desse momento
considera-se classe média as famílias que possuem renda per capita entre R$291 a R$1.019. Nessa
nova classificação cerca de 110 milhões de brasileiros fazem parte da classe média (o equivalente a
52% da população), dos quais 35 milhões ascenderam socialmente. (Fonte: Perguntas e Respostas
sobre a definição da classe média. Disponível em < http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/wp-
content/uploads/Perguntas-e-Respostas-sobre-a-Defini%C3%A7%C3%A3o-da-Classe-M
%C3%A9dia.pdf> Acesso em 02 de fevereiro de 2014.
5 Entrevista concedida a Maurício Stycer, crítico do UOL, publicado originalmente em maio de
2011. Disponível em: http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/05/09/globo-muda-
programacao-para-atender-a-nova-classe-c.jhtm, acesso em: 02 de fevereiro de 2014.

5
como objetivo igualar o seu padrão de vida ao das classes A e B. Em geral, essa
ascensão social almejada era alcançada através do casamento ou do aparecimento
repentino de uma herança. Para Jameson (1980) a repetição de fórmulas prontas, e ao
mesmo tempo a ruptura com essa repetição, são traços característicos da produção
cultural de massa. À medida que a repetição produz a sobrevivência do gênero e
garante a empatia do público, a ruptura se apresenta como estratégia obrigatória e
como resposta “[...] a cada vez mais rápida temporalidade da sociedade de consumo,
com suas mudanças de estilo e de moda a cada ano ou estação” (p. 09).
Dessa forma, nas produções pensadas para a “nova” classe C, mantem-se a
temática da ascensão social mas, com algumas fraturas no arquétipo dessa
representação. Destaca-se, nesse sentido, a personagem Maria da Penha, que mesmo
após se tornar celebridade musical, continua morando na mesma casa em que residia
quando era empregada doméstica – na comunidade do Borralho. Como cantora de
sucesso a situação financeira da personagem eleva-se, porém, a ex-doméstica continua
residindo em sua comunidade, convivendo com os vizinhos com quem mantem uma
relação de irmandade, e criando o filho no mesmo lugar em que cresceu. Destacam-se
aqui o engrandecimento do trabalho (com dupla jornada de emprego), das raízes
comunitárias, emergência do capital familiar na falta de acesso ao capital econômico e
a valorização da ética (SOUZA, 2012; BARROS, 2006) como características que
representam uma vertente idealizadora da “nova” classe C nas telenovelas atuais.
Em seu estudo sobre a estrutura narrativa das telenovelas, Pallottini (2012)
aponta para o lugar sempre marcante da classe média nos núcleos secundários e
periféricos das histórias, criados, quase sempre, para aliviar o teor dramático das
tramas principais através do humor. “Já se tornou lugar-comum glosar a insistência
dos autores em contrabalancear núcleos de personagens ricas com núcleos de pobres –
na verdade, de gente da pequena classe média; os pobres mesmos dificilmente têm
lugar na telenovela” (p. 67). O atual processo de adaptação da teledramaturgia
brasileira a um novo público consumidor significa uma reformulação na articulação
entre ficção e realidade em que novas tramas emergem junto com as demandas do
país. Dessa forma, os apartamentos do Leblon e de Copacabana perdem espaço na
narrativa e cedem lugar às comunidades periféricas e à emergência de novos atores
sociais e suas cargas dramáticas.
A trama da novela Cheias de Charme apresentou a história de três empregadas
domésticas que, após gravarem um clipe e divulga-lo na internet de forma amadora,
6
se transformam em celebridades do mundo da música. Maria da Penha, Maria
Aparecida (Cida) e Maria do Rosário retratam a vida de milhares de mulheres que
garantem seu sustento com o serviço doméstico no Brasil. Em boa medida as histórias
das protagonistas contam as dificuldades enfrentadas para sustentar a família, o
preconceito com as trabalhadoras do lar, a dificuldade de auto-aceitação de sua
condição de doméstica – no caso de Cida -, a submissão pela necessidade de manter o
emprego e, principalmente, o embate com suas patroas representadas pela cantora de
eletroforró Chayenne e a socialite Sônia Sarmento. Em contraponto, essas
características do velho Brasil são rebatidas por um discurso em sintonia com as
demandas contemporâneas – especialmente com a PEC das domésticas - que apontam
para transformações a partir da valorização da profissão, conscientização de seus
direitos trabalhistas, reconhecimento da importância do trabalho doméstico para a
economia – defendida pela advogada e patroa Lygia - e orgulho da profissão com a
qual sustenta a família – representada mais especificamente pela personagem Penha.
Ao estudar essa mesma novela, Baccega destaca que:
Cheias de Charme teve a figura da empregada doméstica como
protagonista. Ainda que isso não signifique uma inovação, torna-se
relevante num momento socioeconômico do país em que as classes
populares ascendem ao consumo material, além da ampliação das
possibilidades de visibilidade proporcionadas pela internet,
elementos que tiveram destaque nesta telenovela, aliados às
estratégias de transmidiação, motivando e incentivando novas
práticas de consumo cultural, assim como a constituição de novos
modos de fruição da ficção televisiva. (BACCEGA et al., 2013, p.
64)

No que diz respeito à trilha sonora, ressaltamos a articulação da trama com as


tendências do mercado musical e dados de pesquisa como, por exemplo, o IBOPE
(2012) indicando que ritmos musicais como forró, sertanejo, axé, samba, gospel e
funk são os preferidos das classes populares, sendo dentre esses, o sertanejo mais
ouvido entre as classes C1 (34%) e C2 (36%). Nesse sentido, observamos alterações
significativas na trilha sonora da novela que tende a apelar para o gosto musical
dessas classes deixando de lado o clássico MPB trazendo uma mistura eclética que
inclui o tecnobrega - em sua abertura com a música “Ex mai Love” de Gaby
Amarantos - além da banda Calypso juntamente com o sertanejo universitário de
Michel Teló e João Neto e Frederico.

7
Além disso, no espaço diegético da narrativa os grupos musicais compostos
pelas personagens da trama estrelaram músicas e clipes inéditos de estilos musicais
pouco vistos em produções da nossa teledramaturgia. As protagonistas (Penha,
Rosário e Cida), após o sucesso com o clipe divulgado na internet, oficializaram o trio
“As Empreguetes” e mantiveram em seu repertório uma mistura bem humorada de
diversos ritmos musicais; a antagonista da trama, Chayene, é uma famosa cantora de
eletroforró livremente inspirada nas cantoras Joelma da Banda Calypso e Gaby
Amarantos do tecnobrega, mantendo em seu figuro uma extravagância similar às
fantasias de carnaval com muitas cores, plumas, adereços e maquiagem exagerada;
por fim, o galã e cantor Fabian é sucesso no mundo musical com o sertanejo
universitário e por ser conhecido como o Príncipe das Domésticas.
Macedo (2012) também destaca a escolha da trilha sonora de “Cheias de
Charme” a uma possível associação entre a estética musical brega e o universo de
consumo das empregadas domésticas:
Por exemplo, na década de 1970, entre os movimentos musicais que
surgiram no Brasil, a música “brega” obteve um grande sucesso de
público e de vendas atingindo, sobretudo, ouvintes das classes
populares. Cantores como Waldik Soriano, Odair José e Wando
conquistaram o “povo brasileiro” e algumas de suas músicas
tornaram-se verdadeiros hinos populares da época. Dentre as
alcunhas que essa geração recebeu estava a de “cantores das
empregadas”, rótulo que relacionava um tipo de música com uma
categoria profissional, rebaixando a ambos: a música “ruim” só
poderia fazer tanto sucesso graças a um grupo profissional feminino
e pouco prestigiado socialmente. (p.11)

Essa tendência do mercado musical vai de encontro com o que tem sido exibido
nas últimas décadas da teledramaturgia nacional, onde a trilha sonora era composta,
quase exclusivamente, por clássicos da MPB, do samba e da bossa nova, como
Roberto Carlos, Zeca Pagodinho, Nana Caymmi, Marisa Monte, entre outros. Ao
afirmar que “apesar da mistura de ritmos ser usual nas produções da Globo, há,
segundo os produtores de Cheias de Charme, uma aposta no que eles chamaram de
‘música popularíssima brasileira’” (MACEDO, 2012, p. 10), Macedo identifica um
esforço de aproximação com as novas tendências musicais que emergem das
periferias e ganham corpo através da democratização da produção musical e novas
formas de difusão de conteúdo através da internet e de novas plataformas midiáticas.
Se faz importante, nesse momento, ressaltar que as classificações acima
mencionadas estão baseadas nos conceitos do mercado e das pesquisas de mídia

8
realizadas por empresas de marketing e publicidade do país. Dessa forma, a
estratificação de hábitos de consumo e a própria definição de “cultura popular” ou de
“classes populares” está intimamente relacionada com o poder aquisitivo e com os
operadores de classificação econômico. Apesar desses critérios basearem as escolhas
das emissoras de TV, em especial no que diz respeito ao nosso objeto de estudo, se faz
necessário tensionar algumas questões.
A associação entre estratificação social, consumo e renda está naturalizada no
Brasil, dessa forma o ideal de mobilidade social e de crescimento econômico do país
foi construído a partir do discurso do consumo, das possibilidades de escolha e da
capacidade econômica de possuir. Para Barros (2006), o consumo é um grande
sistema classificatório a partir do qual se estabelecem aproximações e distinções
quase sempre relacionadas à classe social. A hierarquização promovida pelos
indicadores econômicos divide a sociedade e os indivíduos em grupos cujo critério
está focado na carência de aquisição dos bens materiais em detrimento de outros
aspectos imateriais, simbólicos e sociais como a transmissão do capital cultural e a
visão de mundo, por exemplo (SOUZA, 2012; BARROS, 2006). Nesse sentido,
Barros (2006) questiona a definição do conceito de cultura popular baseado
exclusivamente em aspectos econômicos: “A definição do que sejam as camadas
populares urbanas não pode ser reduzida a um único eixo de classificação,
especialmente ao que confina a uma questão de carência material.” (p. 02)
Hall (2003) também questiona a utilização genérica do termo “popular” e suas
associações com o mercado de bens de consumo cultural,
O termo [popular] pode ter uma variedade de significados, nem
todos eles uteis. Por exemplo, o significado que mais corresponde
ao senso comum: algo é "popular" porque as massas o escutam,
compram, leem, consomen e parecem apreciá-lo imensamente. Esta
é a definição comercial ou de "mercado" do termo. (p. 253)

A associação comumente realizada entre o “popular” e o consumo ostensivo das


massas é discutido por Lopes (2010) a partir da perspectiva gramsciana para quem a
sua definição deve ser realizada a partir dos seus usos e não de suas origens. A
definição de um produto cultural como popular deve ser pensada a partir do princípio
de identificação e de consumo pelas classes subalternas. Nessa perspectiva, o
“popular” não seria um produto produzido pelo povo, nem para o povo mas, por ele
adotado em um processo de identificação para posteriormente ser consumido.

9
No âmbito das inovações tecnológicas e narrativas, observamos que em Cheias
de Charme novos horizontes também foram explorados a partir da utilização das
novas tecnologias e de estratégias de transmidiação que não só garantiram um diálogo
mais direto e próximo com os telespectadores, mas também possibilitaram a
continuidade da narrativa que não se esgota nas exibições diárias da telenovela, mas
ao contrário, é ampliada com a participação da audiência na internet e com a
possibilidade de arquivamento e memória através da disponibilização dos capítulos no
site oficial da emissora e em blogs pessoais e perfis de redes sociais.
Em “Cheias de Charme” as estratégias de aproximação foram realizadas para
atrair um público brasileiro cada vez mais conectado com a internet, como apontam os
dados de uma pesquisa publicada em abril de 2012 realizada pelo Instituto Datafolha
em parceria com a agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi. De acordo com
os dados há cerca de 84 milhões de internautas no Brasil; desse total houve um
crescimento significativo de usuários na classe C, alcançando 53% de usuários; 41
milhões acessam a internet em dispositivos móveis como celular e tablet; 76 milhões
de brasileiros (90% dos internautas) possuem perfil em redes sociais; cerca de metade
de usuários da internet móvel utiliza as redes sociais para comentar e/ou participar em
tempo real de conteúdo de outras mídias, em especial da televisão; 61% utilizam a
internet para visualizar conteúdo original veiculado em outros meios de comunicação
- sendo que 30% consome programas televisivos pela web. A publicação desses dados
nos dá o entendimento do contexto de consumidores no Brasil e nos mostra a
importância da internet no lazer e entretenimento do brasileiro, sinalizando para um
novo modo de consumir os produtos televisivos a partir da emergência de um novo
telespectador. Segundo Baccega,
A transformação do receptor em usuário de mídia favorece novos
modos de interação, como o espectador que prolonga na internet sua
experiência com a programação da TV. [...] Trata-se de um interator
conectado que manipula simultaneamente diferentes plataformas
comunicacionais mesclando os tênues limites entre o público e o
privado [...] dando origem a uma mescla pessoal e idiossincrática
cujos principais componentes são comunicação, entretenimento e
consumo, elementos que estão na base da experiência
contemporânea de mundo. (BACCEGA et al., 2013, p.72)

Nesse sentido, a telenovela em questão é considerada como um exercício bem


sucedido de metalinguagem e narrativa transmídia, pois trabalha com os limites entre
ficção e realidade à medida que insere em sua história referências da vida cotidiana,

10
mistura programas ficcionais com programas reais da grade da emissora, dialoga com
cantores de sucesso em seus shows e possibilita a interação com os telespectadores a
partir de uma “segunda tela” no portal da TV Globo. Destacam-se, nesse sentido, o
blog Estrelas do Tom criado pelo personagem Tom Bastos, produtor musical do trio
Empreguetes. O blog era uma referência na telenovela e também se tornou na vida
real, dialogando constantemente com os telespectadores e conclamando-os a
participar através de concursos, como por exemplo a Batalha do Passinho, ou
incentivando a publicação de vídeos com paródias da música Vida de Empreguete. O
movimento Empreguetes para Sempre também foi lançado no Portal da TV Globo
onde não só artistas, mas também os fãs deixavam vídeos pedindo a volta do trio. A
página Trabalhador Doméstico também se destacou com informações sobre
legislação e leis trabalhistas para as domésticas. Assim, a produção confirma uma das
características mais marcantes das telenovelas, como afirma Pallottini (2012): “A
telenovela tende, pelos menos nos espíritos mais desavisados, a instituir uma confusão
entre ficção e realidade, dado o seu caráter invasivo [...] há um simulacro de
realidade, uma ficcionalização da realidade e uma realização da ficção” (pg.59).
O clipe Vida de Empreguete, que deu fama às protagonistas da trama, foi
produzido de forma caseira e se tornou um viral ao se espalhar pela internet
transformando as protagonistas da novela em celebridades virtuais, em uma clara
referência às tendências atuais onde “pessoas comuns” ganham fama após postarem
seus vídeos na web. Além disso, os grupos musicais fictícios fizeram participação em
programas reais como o Esquenta!, Domingão do Faustão, Encontro com Fátima
Bernardes, Video Show, Caldeirão do Huck e Mais Você, além de participarem de
encontros musicais com Ivete Sangalo, Luan Santana, Gaby Amarantos e João Neto e
Frederico.
A narrativa transmídia, por sua vez, é caracterizada pela “integração de
conteúdos e meios com o objetivo de evidenciar a colaboração do usuário, que passa a
ter vez e voz, tornando-se foco das atenções, como inventor de produtos e narrador de
experiências” (GUIMARÃES, 2013, p. 08). Assim, ao explorar essa potencialidade a
telenovela possibilitou uma convergência entre TV e internet, ampliando suas
potencialidades narrativas e oferecendo ao telespectador mais conteúdo além do
apresentado na TV. Assim, os autores inovaram ao exibir o clipe Vida de Empreguete
primeiro na internet para depois ir ao ar na novela, consolidando a produção como um
marco na experiência da convergência de mídias:
11
Pela primeira vez, a televisão cedeu para a internet a primazia na
exibição de uma cena-chave de teledramaturgia. Tudo isso sem
emulação. Foi com o clipe “Vida de empreguete”, apresentado
primeiro na internet (no sábado) e só bem depois (na segunda-feira)
em “Cheias de charme”, novela das 19h da TV Globo. O fato não
representou apenas um passo inédito para a teledramaturgia.
Significou uma movimentação nunca operada pela própria emissora.
A ousadia logo se revelou um acerto e com ganhos para ambas as
mídias. [...] (KOGUT apud BACCEGA et. al., 2013, p. 68-69)

O sucesso de “Cheias de Charme” foi também responsável pelo maior IBOPE


da emissora no horário das 19 horas desde o ano de 2007 (XAVIER, 2012), chegando
a atingir a marca de 40 pontos no capítulo em que mostrou o sucesso das
Empreguetes e a falência da família Sarmento (SERRA, 2012). A intensa aproximação
do produto com a audiência pode ser confirmada com dados que apontam que o clipe
Vida de Empreguete obteve mais de 12 milhões de visualizações no site da emissora,
além de sua música ter se destacado entre as mais tocadas em todo país e o site oficial
da novela obteve 900 mil visitas diárias entre os dias 16 de abril e 23 de setembro
(SERRA, 2012).

Considerações Finais

O esforço em destacar as inovações promovidas pela produção de “Cheias de


Charme”, ainda em uma análise introdutória, estão no sentido de salientar as
transformações narrativas e estéticas que vem ocorrendo no campo da telenovela a
partir das demandas de mercado, das políticas econômicas do Estado, das exigências
dos telespectadores e dos esforços criativos dos realizadores e autores. A partir dessa
breve análise acreditamos que novos horizontes podem ser vislumbrados para a
teledramaturgia brasileira – principalmente em associação com as novas mídias - que
vem sendo, durante décadas, acusada de ter se tornado um produto de fórmula pronta
com poucas inovações estilísticas e narrativas. No entanto, sabemos que a temática é
extremamente extensa e a discussão que apresentamos é apenas uma introdução.
Porém, fica evidente a importância de se estudar a telenovela em interconexão com a
sociedade e as demandas sociais que emergem dela. Como um dos principais produtos
da TV brasileira, a telenovela se estabelece no meio termo entre as narrativas
populares e as exigências de um mercado de entretenimento em constante expansão e
investimento.

12
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13
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novela das sete dos últimos anos. Disponível em:
http://nilsonxavier.blogosfera.uol.com.br/2012/06/26/recorde-de-audiencia-de-cheias-
de-charme-comprova-e-a-melhor-novela-das-sete-dos-ultimos-anos/ Acesso em:
02/02/2014.

14
DISCAPACIDAD, MUJER Y MEDIOS:

REFLEXIONES PARA EL ESTUDIO DE LAS MUJERES CON DISCAPACIDAD EN


LOS MEDIOS MASIVOS EN COLOMBIA

Sandra Meléndez-Labrador1

Sobre la Declaración Universal de los Derechos Humanos


“podría resumirla en un solo derecho que los reúne a todos: el derecho a ser distinto”
ESTANISLAO ZULETA, pensador colombiano

RESUMEN: Este capítulo pretende ofrecer un panorama sobre la realidad social de las
mujeres con discapacidad en Colombia, los antecedentes y posibilidades de abordaje
investigativo desde la comunicación y el estudio de los medios, y alentar con algunas ideas
la búsqueda de respuestas a preguntas que conlleven a erradicar la discriminación y a
mitigar la exclusión social con respecto a esta población desde nuestro campo disciplinario.

PALABRAS CLAVE: Mujer; Discapacidad; Medios; Comunicación

1. Realidad social y justicia de la mujer con discapacidad

Según la Organización Mundial de la Salud2, más de un billón de personas en el


mundo experimentan discapacidad, es decir, 1 de entre 7 personas. En Colombia, de los 850
mil colombianos con discapacidad, el 53% son mujeres3 y padecen discriminación
interseccional, es decir, se encuentran en situaciones de mayor riesgo de ser agredidas y
violentadas en diferentes dimensiones de su vida cotidiana. Pensemos que posiblemente de

1 Comunicadora Social, Magíster en Comunicación Estratégica, Estudiante del Doctorado en Comunicación


de la Universidad del Norte en Colombia. Docente universitaria e investigadora desde hace 5 años en
comunicación, medios y discapacidad.
2 http://www.who.int/topics/disabilities/en/

3 Cifras del Registro continuo para la localización y caracterización de personas con discapacidad y el
Ministerio de Salud y Protección Social
estas 452.255 mujeres colombianas con discapacidad son además afrodescendientes o
indígenas, adolescentes, campesinas, madres solteras cabezas de hogar, víctimas de
violencia, pobres4, sin estudios, desempleadas y/o pertenecientes a la comunidad LGBTI.
El anterior no es un panorama de ficción. De las 7.201.034 víctimas del conflicto
armado en Colombia registradas hasta marzo de 2015, 160.459 son personas con
discapacidad y 75.938 mujeres con discapacidad víctimas acentuadas de homicidio y
desplazamiento, amenazas, atentados, hostigamientos, desaparición forzada, pérdida de
bienes e inmuebles y delitos contra la libertad y la integridad sexual 5. Tan solo en Bogotá el
52% de las personas con discapacidad son mujeres y el 80% de quienes asumen el rol del
cuidador corresponden al género femenino. Adicionalmente, según datos de Profamilia, las
mujeres en Colombia son víctimas de cinco tipos de violencia: verbal o psicológica, física,
sexual, intrafamiliar y de género.
Las mujeres en las que pido que pensemos son mujeres que no pueden sentirse
identificadas con un modelo único y universal de mujer, debido a la etiquetación social y a
las diversas formas de discriminación que experimentan, derivadas de la interacción
compleja de factores sociales, políticos, culturales, económicos y simbólicos. En otras
palabras, son mujeres que están expuestas a experiencias concretas de discriminación en
distintos ejes dentro de una interseccionalidad estructural que comprende raza, género,
condición discapacitante, diversidad sexual, clase, entre otros condicionantes sociales.
Precisamente, en el preámbulo de la Convención sobre los Derechos de las Personas
con Discapacidad, promulgada por la Organización de las Naciones Unidas, en 2006, y
ratificada en más de 150 países6, en el numeral q se incluye esta situación: “Reconociendo
que las mujeres y las niñas con discapacidad suelen estar expuestas a un riesgo mayor,
dentro y fuera del hogar, de violencia, lesiones o abuso, abandono o trato negligente, malos
tratos o explotación”. Evidencia de esto son las ocho áreas clave que la organización
Mujeres con Discapacidad de Australia WWDA identificaron sobre derechos de niñas y

4 País número 12 de 168 con mayor desigualdad en el mundo, según datos publicados por PNUD en 2014.

5 Fuente: Registro Único de Víctimas (RUV) de la Red Nacional de Información (RNI) consultada en
rni.unidadvictimas.gov.co
6 Ratificada en Colombia en 2011.
adolescentes con discapacidad y que presentaron este año para consideración de la ONU 7:
1) La libertad de la esterilización forzada o bajo coacción; 2) La libertad de la
anticoncepción forzada; 3) La libertad de ejercer un control total sobre la salud sexual y
reproductiva; 4) La libertad de expresar la identidad de género y la sexualidad, así como el
acceso a información y recursos relevantes sobre la sexualidad e identidad de género; 5) La
libertad de toda forma de violencia, explotación y abuso; 6) El reconocimiento de la
naturaleza múltiple e interseccional de la identidad y la experiencia; 7) Derecho a la
educación inclusiva; 8) Derecho a la justicia y la libertad de la negación de la capacidad
jurídica y la toma de decisiones.
En este orden, la mujer colombiana con discapacidad puede llegar a tener aún más
riesgo que una sin discapacidad ante situaciones de violencia de género, bien porque
desconocen que la situación de violencia vivida es un delito denunciable (condición de
discapacidad cognitiva), o porque carecen de las condiciones para denunciar y hacerse oír
(condición de discapacidad sensorial). Es en este punto en el que la comunicación, los
medios y la información pueden convertirse en barreras que, al igual que las físicas y las
actitudinales, contribuyan a acentuar la exclusión social de estas mujeres, o idealmente
pueden constituirse vías de inclusión y reivindicación de sus derechos. Problemas como el
estigma, la invisibilización, la ignorancia, el miedo, el prejuicio y la vergüenza pueden ser
potenciados o mitigados a través de prácticas comunicativas y discursos justos o injustos,
impactando positiva o negativamente en la garantía de condiciones de vida dignas para
estas mujeres.
En términos de justicia social basta con consultar nuevamente la Convención para
comprender el importante rol que cumplen la comunicación, los medios y la información.
Por un lado, los órganos de los medios de comunicación deben ser alentados por los
gobiernos para difundir una imagen de las personas con discapacidad compatible con el
propósito de la Convención, así como para aceptar y facilitar la utilización de la lengua de
señas, el braile y formatos aumentativos y alternativos que garanticen a esta población la
accesibilidad a la información y la libertad de expresión y de opinión. Por el otro, nuestro
campo tiene una enorme incidencia con respecto a la toma de conciencia (artículo 8) en: a)
sensibilizar y fomentar el respeto de los derechos y la dignidad; b) promover la toma de

7 http://wwda.org.au/wp-content/uploads/2013/12/WWDA_Sub_CRC_GC_Adolescents.pdf
conciencia con respecto de las capacidades y aportaciones de estas personas; y c) luchar
contra los estereotipos, los prejuicios y las prácticas nocivas respecto a esta población,
incluidos los que se basan en el género en todos los ámbitos de la vida.

2-Investigación de la comunicación, los medios y la mujer con discapacidad

Tanto la comunicación como el género y la discapacidad son fenómenos complejos


que han necesitado ser estudiados desde múltiples y diversas disciplinas como la
psicología, la sociología, el psicoanálisis, la psicología social, la fisiología, la política y los
estudios culturales, entre otros. En la literatura internacional, los estudios de género y los
estudios de la discapacidad están ampliamente desarrollados, mientras que en el campo de
la comunicación se ha evidenciado un enorme énfasis en los estudios de los medios,
específicamente la producción de medios, en el mensaje y sus efectos en la construcción de
identidad y de percepciones públicas con respecto a la discapacidad. De igual manera, con
el impacto de las nuevas tecnologías de la información y la comunicación se han
identificado investigaciones sobre accesibilidad; con la incidencia del tema en la política
pública se han encontrado algunas con respecto a estrategias de comunicación
organizacional y comunitaria; y desde lo educativo figuran algunas experiencias de
comunicación interpersonal.
Teniendo en cuenta el proyecto bibliográfico de Towson University en Estados
Unidos, de la literatura que se ha registrado entre 1930 y 2014 con respecto a la
discapacidad y los medios, únicamente el 2,5% ha abordado específicamente a la mujer
(HALLER, 2011). Los cerca de treinta estudios encontrados se enfocaron en: cobertura de
asuntos de la mujer con discapacidad en medios como revistas, series de televisión, prensa
y cine, en áreas como la moda, el activismo político, el arte, la belleza y el deporte;
tratamiento de la mujer con discapacidad de manera estereotipada y discriminatoria;
interacciones en comunidades virtuales.
En Colombia, el estudio de la comunicación, los medios y la discapacidad se limita
a cerca de 20 investigaciones entre institucionales y de pregrado y posgrado universitario,
que incluyen estudios de consumo de la población con discapacidad, representaciones
sociales de la discapacidad, inclusión y accesibilidad desde los medios de comunicación,
representaciones en la televisión, comunicación interpersonal de niños con sordoceguera,
lenguaje y comunicación en adultos, comunicación interna incluyente en procesos de
inclusión laboral, el reconocimiento como base de la comunicación entre distintos, y
tratamiento de la discapacidad en la prensa colombiana.
Aunque ninguno se enfoca en el estudio de la mujer con discapacidad, se
encontraron algunos valiosos aportes para el análisis con enfoque de género. Por una parte,
Eduardo Aguirre (DÁVILA, 2005, p.8), refiriéndose a las representaciones sociales de la
discapacidad, asegura que “si se conoce la situación en la que se estructura la
representación, se puede prever el grado de transformación de esta o de las prácticas
sociales”, creando condiciones de percepción que posibiliten una intervención a través de la
comunicación, los medios y la política. Expone de ejemplo la transformación de la
concepción de la mujer tras el discurso que desde los años sesenta comenzó a permear
instancias de la sociedad, la escuela, el trabajo, la universidad, los medios, haciendo que se
asuma una nueva representación de género. Sobre este punto es interesante resaltar en lo
que concuerdan muchos académicos expertos en el tema, que si bien los grupos
minoritarios han sido blanco de despojo de sus derechos, también han logrado en pocas
décadas incidir en la transformación de la manera como son vistos y presentados ante los
otros, como es el caso de las mujeres, las personas con distintas orientaciones sexuales y
ahora, paulatinamente, las personas con discapacidad.
Siguiendo con las representaciones de la discapacidad, la investigación de Gloria
Isabel Bermúdez realizada en 35 novelas que presentan personajes con discapacidad entre
1998 y 2005 en los canales privados de televisión Caracol y RCN, se encontró que de los
67 personajes representados 27 correspondían al género femenino (40%), 17
correspondientes a personajes con discapacidad psicológica, concluyendo entre otras que:

[...] cada vez que se representa la Discapacidad Psicológica, la


probabilidad mayor se orientará a que el personaje que la caracterice sea
femenino, y en sentido opuesto, si se requiere que un personaje femenino
represente una discapacidad, entonces la discapacidad representada será,
preferencialmente, psicológica. (BERMÚDEZ, 2007, p. 108).

Desde un enfoque de género, el estudio comprueba una relación existente entre


hombre-discapacidad motora-personaje secundario, que contrasta con la relación mujer-
discapacidad psicológica-personaje antagónico. Por otro lado, la investigadora determinó
que la discapacidad no resulta permanente en casos en los que se perpetúa la asociación
discapacidad-castigo divino, para antagonistas que merecen aprender una lección de
bondad adquiriéndola, o en las situaciones en que personajes como la heroína son tan bellas
y tan buenas que merecen como recompensa despojarse de esta. Lo anterior muestra que
aunque se integra a la mujer con discapacidad en los programas de entretenimiento, se hace
a través de representaciones estereotipadas, de retratos de maldad, de locura y de castigo,
que se quedan en el imaginario de los televidentes y que pueden ser potenciadores de
discriminación por razones de género.
Como dato adicional sobre equidad de género en la comunicación (interpersonal),
en el estudio que realicé sobre las estrategias de comunicación interna incluyente en los
procesos de inclusión laboral de personas con discapacidad auditiva en dos multinacionales
en Bogotá en 2012, observé que puede ser objeto de estudio la posible relación directa entre
el tipo de cargo que desempeñan y la experimentación de condiciones más favorables con
respecto al relacionamiento positivo con los otros (contacto permanente y cotidiano con el
cliente, por ejemplo). Aunque tanto hombres como mujeres con discapacidad podían ocupar
en igualdad de condiciones tres tipos de cargos en los niveles más básicos (servicios
generales en el caso del restaurante y cajeros y empacadores en el supermercado de grandes
superficies), los y las cajeras podían sentirse más visibles y cercanos a los clientes, a pesar
de las barreras comunicativas de su condición, que sus demás compañeros y compañeras
con discapacidad.
Así las cosas, tanto en Colombia como en la literatura angloparlante, la
investigación enfocada en la comunicación, los medios y las mujeres con discapacidad
podría decirse que es demasiado escasa. A continuación presentaré unas posibles ideas para
el estudio de la mujer con discapacidad en los medios colombianos, con la intención de
estimular al mismo tiempo el interés por investigar sobre el tema en cualquier contexto
geográfico, histórico o cultural de Latinoamérica.

3- Las mujeres con discapacidad y los medios


Podríamos comenzar por resolver cuestiones como: ¿De qué manera se presenta y
representa la realidad social de la mujer con discapacidad en los medios masivos? ¿Qué
asuntos de las mujeres con discapacidad se ponen en la agenda pública a través de los
medios de comunicación? ¿Cuál es la cobertura de los principales periódicos con respecto a
los asuntos de estas mujeres? ¿Qué tipo de lenguaje discriminatorio usan los medios para
referirse a ellas y sus asuntos? ¿Cuáles son los estereotipos más comunes en los medios de
comunicación en la cobertura de temas que involucren a las mujeres con discapacidad?
A partir de, por ejemplo, los principios de las representaciones mediáticas de las
personas con discapacidad explorados por Barnes (1999) en los que se describen a) los
estereotipos mediáticos comúnmente recurrentes: lamentables y patéticas, objeto de
violencia, siniestras y malas, objeto de burla, carga, fenómenos, sexualmente anormales,
incapaces de participar plenamente en la vida comunitaria; y b) los principales retratos en
los medios, enfocados en la discapacidad o en la persona y relacionados con
discriminación, caridad, individualidad, maldad, comedia, sensacionalismo, inspiración o
heroísmo. También se podrían abordar a través de un análisis crítico del discurso para
investigar las transformaciones que han tenido los retratos de las personas con discapacidad
en los medios masivos (MAIA e VIMIEIRO, 2014) con un enfoque de género.
Aunque con el estudio de las representaciones de la discapacidad en la telenovela
colombiana presentado anteriormente se hallaron algunos de estos estereotipos y retratos, se
podría realizar el análisis en otros formatos de entretenimiento como: películas, historietas
cómicas, animaciones, juegos, series de televisión y la publicidad. O podrían observarse en
los relatos noticiosos y demás formatos periodísticos presentes en los principales
periódicos, radio, televisión, revistas y medios digitales. Esto podría hacerse a la luz de los
diversos modelos de representación o encuadramiento de la discapacidad determinados por
CLOGSTON (1990, 1993) y HALLER (1995):

REPRESENTACIÓN Y ENCUADARAMENTO DE LA DISCAPACIDAD

PERSPECTIVA MODELO LA DISCAPACIDAD ES MUJERES CON


RETRATADA COMO DISCAPACIDAD SON
RETRATADOS COMO
Médico Enfermedad o mal Dependientes de los profesionales
funcionamiento. de la salud para ser curados o
reparados.
Patología Menos favorecidas. Deben mirar al Estado o la sociedad para
social apoyo económico, el cual es considerado como un regalo y no

TRADICIONAL como un derecho.


Supercrip Inválidas, superhumanas o especiales porque viven una vida
normal a pesar de la discapacidad.
De La sociedad accesible es un costo para la sociedad y las
negocios empresas en particular, es decir, no es rentable.
De La accesibilidad a la Pertenecientes a una comunidad
minorías y sociedad es un derecho con discapacidad, que cuenta con
derechos civil. reivindicaciones políticas
civiles legítimas y derechos civiles por
los que pueden luchar como los
demás grupos.
De No reciben una atención Personas multifacéticas, como las
PROGRESISTA pluralismo indebida. mujeres sin discapacidad podrían
cultural ser.
Legal Los medios explican que es ilegal tratarlas de ciertas maneras.
Argumentos legales son presentados como herramientas para
poner fin a la discriminación.

Fuente: Elaboración propia basada en los autores.

En otras palabras y para ser más clara en este capítulo, se puede analizar el
contenido mediático sobre las mujeres con discapacidad teniendo como base el “Catálogo
de recomendaciones para el tratamiento no sexista y no discriminatorio de las mujeres con
discapacidad en la publicidad” que sugiere: 1) visibilizar a las mujeres con discapacidad
relacionadas con el colectivo, ya que representan una mayoría con respecto al género en la
población con discapacidad; 2) usar su imagen en campañas publicitaria que no estén
relacionadas con la discapacidad; 3) visibilizarlas en campañas publicitarias de productos
de uso exclusivo para mujeres; 4) eliminar estereotipos, tópicos y prejuicios; 5) cuidar el
uso del lenguaje para erradicar fórmulas sexistas y discriminatoria; 6) utilizar formatos
accesibles; 7) trabajar las campañas en contacto con colectivos o movimientos asociativos
de mujeres con discapacidad.

4-La mujer con discapacidad en medios colombianos

Como reza en la Guía de estilo periodístico para informar sobre discapacidad, del
Ministerio de Comunicaciones de Colombia (1999, p.23):
Cuando el poder de los medios se orienta por la voluntad de generar impacto social a favor
de las personas con discapacidad, se evidencia en los espacios de cualquier medio, la presencia de
alumnos, maestros, mujeres, niñas, niños y jóvenes que interactúan social y familiarmente.
Justamente sobre el tema, la Alta Consejería Presidencial para la Equidad de la
Mujer en Colombia8 asegura que no hay equidad para la transmisión y difusión en los
medios de comunicación de las actividades y/o eventos con la población con discapacidad;
al igual que persisten imaginarios que perpetúan las labores de cuidado como exclusivas de
las mujeres.
Según esto, partamos de la justificación de un estudio de medios con respecto a la
discapacidad con enfoque de género. El Estudio General de Medios en Colombia (III –
2013) determinó que los medios con mayor audiencia son: televisión (95%), radio (71%),
internet (53%), revistas independientes (48%) y prensa (34%). El EGM (II-2013) ratifica
que de los 95 periódicos impresos que existen en Colombia (aproximadamente), El Tiempo
(domingo 1'949.143 lectores) y El Espectador (domingo 671.882 lectores) son los
periódicos tradicionales pagos a nivel nacional más leídos. Por su parte, la Encuesta de
Consumo Cultural del DANE encontró en 2012 que el 63.2% de los encuestados (mayores
de 12 años alfabetizados que habitan en las cabeceras municipales de las 6 regiones del
país) leyó periódicos impresos en el último mes así: 12-25 años (32%), 26-40 (28.5%) y 41-
64 (31.9%)9, mientras que en 201410 la cifra incrementó al 67.1%.
En ese sentido, si quisiera hacer, por ejemplo, un análisis de contenido de etiquetas
y lenguaje en los dos principales periódicos de Colombia: El Tiempo y El Espectador, se

8 Alta Consejería Presidencial para la Equidad de la Mujer en Colombia (Explicar)

9 Muestra: 26.798 personas

10 Muestra: 27.870 personas


podrían encontrar relatos noticiosos sobre personas con discapacidad (en sus versiones
digitales) en las secciones de noticias, opinión, Colombia, Bogotá, Deportes y
Entretenimiento. De los cuales llama la atención que involucran términos como población
discapacitada, discapacitada(s), discapacitado(s), ‘personas en situación de discapacidad’,
con ‘persona discapacitada’ como la más utilizada y en un menor grado aparecen
‘persona(s) con discapacidad’ y ‘mujer(es) / hombre(s) / niñx(s) / joven(es) con
discapacidad’. En este aspecto sería necesario revisar el tipo de encuadre que le dan estos
periódicos digitales a las noticias con respecto a la mujer con discapacidad, pues puede
resultar recurrente que en Colombia las noticias sobre la población con discapacidad se den
en el marco de publirreportajes y publicity que busquen visibilizar campañas de
responsabilidad social de organizaciones y de los mismos medios de comunicación.
Siguiendo con el ejemplo, sería interesante analizar si en esos medios digitales se
agendan públicamente temas de la realidad social de las mujeres con discapacidad en
Colombia desde un modelo legal como: esterilización forzada; ataques con ácido;
desplazamiento; limitaciones legales y ejercicio de sus derechos sexuales y reproductivos;
limitaciones legales para que personas trans (con y sin discapacidad) puedan tramitar
libretas militares y documentos de identidad o acceder a servicios de salud y realizar
tránsitos en condiciones óptimas y de salubridad mental y física; situación de hacinamiento
y de salud de las mujeres con discapacidad privadas de la libertad; procesos de
interdicción.11
De igual manera, analizar desde qué otro tipo de modelo de tratamiento de la
información se presentan en estos medios a las mujeres con discapacidad en temas de
actualidad como: a) la primera selección femenina de silla de ruedas que participó en la
copa suramericana para clasificar a los Juegos Parapanamericanos de Toronto; b) colectivo
liderado por mujer con discapacidad exige que Teletón no siga perpetuando estereotipos de
lástima y caridad con respecto a esta población en el país; y c) la discapacidad y la paz en
Colombia: vínculos entre la Política Pública de Discapacidad con la estrategia de paz, la
justicia transicional y el posconflicto.

11 Fuente: Programa de Acción por la Igualdad y la Inclusión Social – PAIIS de la Universidad de Los Andes,
Colombia.
Pasando al área de la accesibilidad, se encontró el estudio que en 1997 realizaron el
Instituto Nacional de Ciegos INCI y el Instituto Nacional de Sordos INSOR sobre el
“Consumo de medios por parte de la población discapacitada Colombiana: el caso de las
personas sordas y las personas ciegas”12, con el que se encontró, entre otros, que a) la
relación entre las personas sordas y los medios masivos de comunicación era mínima, y que
estos ni siquiera llegaban a la comunidad; y b) para esa fecha los usuarios de la lengua de
señas colombiana aún no habían podido usarla naturalmente, ni mucho menos desarrollarla.
Estos hallazgos, que valdría la pena revisar tras casi dos décadas, pueden incidir en la
manera como los medios masivos presentan y representan los temas referentes a las
mujeres con discapacidad. Los avances se han podido evidenciar en términos de avances en
política pública sobre accesibilidad en la televisión, pero es un hecho que tanto periódicos
como revistas en Colombia aún no son accesibles.

Consideraciones finales

Para concluir, si se tiene en cuenta que tanto discapacidad como género son
construcciones sociales elaboradas por una sociedad normalista para la primera y patriarcal
para la segunda, resulta definitivamente crucial estudiar el tipo de rol que desempeñan los
medios en Colombia con respecto a los imaginarios que se construyen sobre las mujeres
con discapacidad, papel que también podría influir en la manera como estas mujeres
construyen sus propias identidades individuales y colectivas. Esto permitiría determinar los
niveles de riesgo en los que las mujeres con discapacidad colombianas se encuentran con
respecto a la exclusión social que pueden experimentar de parte de los medios masivos de
comunicación.
En resumen, considero que se podrían incluir en los estudios de medios, mujeres y
discapacidad: el enfoque interseccional mencionado al inicio, la presentación de la realidad
social y la inclusión no solo desde la accesibilidad sino también teniendo en cuenta la
participación e incidencia en la construcción de sus propias representaciones e imágenes en

12 Financiado por el Ministerio de Comunicaciones, el Instituto Nacional para Sordos, el Instituto Nacional
para Ciegos.
los contenidos mediáticos, sin perder de vista las guías, manuales y decálogos13 que sobre
comunicación que no discrimina han aportado especialistas y organizaciones que trabajan
alrededor del tema de la discapacidad.

Referencias

BARNES, C. Disabling imagery and the media. England, 1992. Disponível em: <
http://www.media-diversity.org/en/additional-files/documents/Z%20Current%20MDI
%20Resources/Disabling%20Imagery%20and%20the%20Media%20[EN].pdf>. Acesso
em: 25 abril. 2015.
BERMÚDEZ, G. I. Representaciones de la discapacidad en las telenovelas colombianas
que transmiten los canales privados de cubrimiento nacional. Presentada como
disertación de maestría, Universidad Nacional de Colombia, 2007.
CLOGSTON, J. S. Changes in coverage patterns of disability issues in three major
American newspapers, 1976-1991. Paper presented to the Association of Education in
Journalism and Mass Communication. Kansas City, Mo. 1993.
CLOGSTON, J.S. Disability Coverage in 16 Newspapers. Louisville: Advocado Press.
1990.
DÁVILA, E.A. Representaciones sociales, identidad y discapacidad. En CUERVO, C.;
TRUJILLO, A.; VARGAS, D.; MENA, B.; PÉREZ, L. (Eds.) Discapacidad e Inclusión
Social. Reflexiones desde la Universidad Nacional de Colombia. Cap. 4.2, 2005. ISBN:
9789589669471
EGM. Estudio General de Medios. Audiencia en Internet, segunda y tercera ola. Colombia,
2013.
HALLER, B. Media & Disability Bibliography Project (1930 to present). Towson, 2011.
Disponible en: <http://media-disability-bibliography.blogspot.com/>. Acceso en: 3 mayo.
2015.
INCI – INSOR. Consumo de medios por parte de la población discapacitada: el caso de
las personas sordas y ciegas colombianas. Bogotá: Ministerio de Comunicaciones, 1997.
MAIA, RM; VIMIEIRO, AC. Recognition and Moral Progress: A Case Study about
Discourses on Disability in the Media. Political Studies. 63, 1, 161-180, Mar. 2015. ISSN:
00323217.
MELÉNDEZ, S. M. A qué suena una organización incluyente: comunicación interna
con empleados con discapacidad auditiva. Presentada como disertación de maestría,
Universidad Andina Simón Bolívar, 2012.
MINISTERIO DE COMUNICACIONES. Guía de estilo periodístico para informar sobre
discapacidad. Colombia, 1999. Disponible en:
13 Consultar material en http://discapacidadycomunicaccion.blogspot.com.co/p/publicaciones.html
<http://www.mineducacion.gov.co/cvn/1665/article-110126.html >. Acceso en: 30 abril.
2015.
ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS (ONU). Convención sobre los derechos
de las personas con discapacidad. New York, 2006. Disponible en:
<www.un.org/spanish/disabilities/default.asp?id=497 >. Acceso en: 10 mayo. 2015.

WOMEN WITH DISABILITIES AUSTRALIA (WWDA). Submission to the UN


Committee on the Rights of the Child (CRC). Tasmania, 2015. Disponible en:
http://wwda.org.au/wp-content/uploads/2013/12/WWDA_Sub_CRC_GC_Adolescents.pdf .
Acceso en: 10 mayo. 2015.
A COMUNICAÇÃO PÚBLICA NO LEGISLATIVO BRASILEIRO: ALGUMAS
REFLEXÕES SOBRE O SENADO E O PROGRAMA INTERLEGIS

Valéria Castanho1

Resumo: O objetivo desse artigo é mostrar a importância da comunicação pública na sociedade da


informação digitalizada desse terceiro milênio tanto como ferramenta de transparência e
accountability como também para o fortalecimento da cidadania e espaço de interatividade e
participação na construção conjunta das principais políticas públicas de interesse público. Para isso,
faz um recorte no Senado para demonstrar como o Parlamento tem procurado usar a internet, em
especial as tecnologias da informação e comunicação, para melhorar o relacionamento com seus
diversos públicos. Destaca ainda o Programa Interlegis, criado pelo Senado para ajudar no processo
de modernização e integração do Poder Legislativo de todo o país, com seus produtos e serviços,
para apoiar a inclusão digital dessas casas, principalmente as situadas em municípios mais carentes.

Palavras-chaves: Comunicação pública, interatividade, transparência, cidadania, democracia,


Senado.

Introdução

Comunicação Pública e transparência, na era da ciberdemocracia e do cibercidadão, são palavras


siamesas. Uma não vive sem a outra. Esse artigo tem como objetivo mostrar a importância da
comunicação pública na Sociedade da Informação, principalmente na comunicação do Setor
Público, com um recorte no Poder Legislativo. Usando-se como exemplos os programas e portais
criados pelo Senado para dialogar e interagir tanto com o seu público interno quanto o externo,
procura-se demonstrar que não há caminho, nessa era de conhecimento sem precedentes na história,
que não seja o voltado a levar informação transparente, acessível e de qualidade à sociedade.

Inclusão digital e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) também são palavras-chaves


nessa comunicação pública, pois buscam não só a inserção social de uma parcela considerável da

1
Valéria Castanho é formada em Jornalismo e Relações Públicas pela Universidade de Brasília, onde também fez
especialização e Mestrado em Comunicação. Foi jornalista em vários jornais e assessora de comunicação em órgãos
públicos, privados e no terceiro setor. Foi professora de jornalismo e RP e desde 2005 é jornalista do Senado.
sociedade, mas também uma maior participação e engajamento constante do cidadão na construção
das principais políticas públicas de interesse público. Nesse artigo, usamos como estudo de caso o
Programa Interlegis, do Senado, iniciado há 18 anos com a missão de criar e desenvolver uma
comunidade virtual do Poder Legislativo brasileiro e levar tecnologia da informação, com produtos
e serviços em diversas áreas, para ajudar no processo de modernização, integração e maior
transparência das casas legislativas brasileiras.

Sociedade da Informação

Na chamada Sociedade da Informação do Terceiro Milênio; onde as palavras de ordem são


cidadania, participação e interatividade; o cidadão está cada vez mais consciente e exigente em
relação ao papel que tem por direito ocupar no processo democrático. Nessa nova arena pública de
discussão, os conceitos também estão em permanente construção e adaptação às novas tecnologias
de informação e comunicação que surgem a cada dia, em cenários cada vez mais modernos e
interativos.

Chega a ser espantoso que, há menos de 100 anos, no período entre as duas grandes guerras
mundiais, a sociedade de massa era definida como um espaço composto por indivíduos desprovidos
de ideologias. Eles eram inseridos na chamada Teoria Hipodérmica da Comunicação, que os
classificava como pessoas “atomizadas”, com “poucas ou nenhuma possibilidade de exercer uma
ação ou uma influência recíproca” (WOLF, 1985, p.23).

A própria Teoria do Agendamento – ou agenda setting - proposta na década de 70, que já


representava uma grande evolução em comparação à Teoria Hipodérmica e outras que a sucederam
ao longo do século passado, já sofreu profundas mutações desde então, principalmente com o
advento da internet. Pelos primeiros conceitos de agenda setting, naquela época, a mídia
determinava a pauta para a Opinião Pública, ao destacar os principais assuntos da esfera pública que
seriam transformados em notícia, com base na seleção feita pelos chamados gatekeepers 2 (editores).
Mas hoje, na Sociedade da Informação cada vez mais participativa, os cidadãos contribuem
decisivamente para a construção da agenda midiática, interferindo decisivamente na produção das
notícias (newsmaking)3. Com as chamadas tecnologias móveis, o internauta desempenha, por vezes,
2
Teoria que surgiu nos anos 50, nos Estados Unidos, segundo a qual a produção da informação é um processo de
escolhas em que a notícia passa por diversos portões até a sua publicação, com base em critérios arbitrários e
subjetivos, mas também de noticiabilidade. A tradução literal para o português seria guardiões do portão ou porteiro,
mas para o jornalismo, é uma denominação que se encaixa também no perfil do editor, a quem cabe a
responsabilidade pela seleção de notícias.
3
Newsmaking é o processo de produção das notícias, durante o qual é feita a seleção e escolha dos acontecimentos
que serão transformados em notícias, com base em diversas combinações que ocorrem entre diferentes
valores/notícias.
o papel da própria mídia, na construção da notícia. Segundo Levy, em vez de ser enquadrada pela
mídia, “a nova comunicação pública é polarizada por pessoas que fornecem, ao mesmo tempo, os
conteúdos, a crítica, a filtragem e se organizam, elas mesmas, em redes de troca e de colaboração”
(2010,p.13).

Até mesmo a definição da própria esfera pública ou espaço público, expressão ainda tão utilizada
nos dias atuais, e que foi definida inicialmente pelo filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas
como “uma esfera das pessoas privadas reunidas em um público” (1984, p.42), mas regulada pela
autoridade, hoje ganha contornos mais amplos. Essa nova esfera pública digital, segundo Levy ,
“não é recortada mais por territórios geográficos, mas diretamente mundial” (2010, p.13). Para
Matos, atualmente, “esfera pública é esse conjunto de espaços físicos e imateriais em que os agentes
sociais podem efetivar sua participação no processo de comunicação pública” (2012, p.52).

Comunicação Pública

É nesse cenário, à luz de conceitos diversos e suas constantes adaptações às novas exigências da
Sociedade da Informação, que o termo Comunicação Pública surge e se torna fundamental para a
definição e a própria compreensão da esfera pública digital, onde sociedade e Estado precisam se
entender e compartilhar essa nova estrada ainda em construção chamada cibercultura 4, também
conhecida como civilização da inteligência coletiva.

Na América latina, o interesse de pesquisadores e acadêmicos de vários países pelo estudo da


comunicação e sua importância para o desenvolvimento econômico e social, principalmente como
instrumento de maior participação cidadã e promoção da democracia, motivou o surgimento da
Associação Latino-Americana de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), em 1975.

Criada durante a realização do I Seminário Latino-Americano de Comunicação, em Brasília, e


batizada provisoriamente de Comitê Latino-Americano de Pesquisadores em Comunicação, a
ALAIC é um laboratório que, há 40 anos, estimula o debate e as pesquisas em torno do tema.

No Brasil, muito se discute ainda hoje, entre os estudiosos da Comunicação Pública, a dificuldade
em se adotar um conceito definitivo para o termo no cenário nacional, devido à tendência em se
identificar, como sinônimo de pública, várias outras denominações, como a comunicação

4
André Lemos define Cibercultura como o conjunto tecnocultural emergente no final do século XX, impulsionado
pela sociabilidade pós-moderna em sinergia com a microinformática e o surgimento das redes telemáticas mundiais,
práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da informação, criando novas relações no trabalho e
no lazer, novas formas de sociabilidade e mobilidade.
governamental, a comunicação política e a própria comunicação organizacional (seja ela da área
pública, privada ou mesmo do terceiro setor), entre outras.

Mas usar o termo verdadeira comunicação pública não nos parece correto porque pressupõe serem
falsos os demais tipos de definições para a comunicação de diferentes atores com seus mais
diversos públicos. De fato, comunicação pública, no contexto teórico em que se propõe dentro dos
estudos da comunicação, só pode ser entendida como sinônimo de cidadania e voltada
exclusivamente para os reais interesses públicos.

Por outro lado, outros tipos de comunicação, que, em muitas situações, estão voltados para a
promoção da imagem de governos e suas ações, de partidos políticos e dos próprios políticos e
demais autoridades públicas, podem também desempenhar papel de público quando trabalham com
a informação voltada para a participação política e a cidadania.

É o que explica Brandão, no texto “Conceito de Comunicação Pública”:

A comunicação governamental pode ser entendida como comunicação


pública, na medida em que ela é um instrumento de construção da agenda
pública e direciona seu trabalho para a prestação de contas, o estímulo para o
engajamento da população nas políticas adotadas, o reconhecimento das
ações promovidas nos campos políticos, econômico e social, em suma,
provoca o debate público. Trata-se de uma forma legítima de um governo
prestar contas e levar ao conhecimento da opinião pública projetos, ações,
atividades e políticas que realiza e que são de interesse público (2012, p.5).

Ponto comum para diversos pesquisadores em comunicação é que o conceito de comunicação


pública também não deve se restringir apenas ao cenário estatal, mas também ao terceiro setor e à
área privada, desde que atue direcionada ao interesse público coletivo para o fortalecimento da
cidadania. Segundo Jorge Duarte:

No setor público, em que tem maior potencial de desenvolvimento,


incorpora o pressuposto da transparência em um tema historicamente
relacionado à busca da visibilidade e legitimidade e que às vezes assume
viés claramente político de culto à personalidade ou promoção institucional.
No terceiro setor é o caminho natural para viabilizar o atendimento às
necessidades da sociedade, complementando ou simplesmente substituindo o
papel do Estado. Na área privada, pode ser exemplo de compromisso
institucionalizado com a responsabilidade social da organização ou simples
estratégia de marketing (2012, p.60).

Enfim, se a comunicação pública é uma opção no terceiro setor e na área privada, embora, na
sociedade da informação, tenha ganhado caráter obrigatório, já que seus públicos alvos, hoje, têm
demonstrado especial interesse por consumir produtos e ideias de organizações comprometidas com
a responsabilidade social e os interesses da sociedade, o mesmo não acontece no setor público. Esse
deve atuar obrigatoriamente e integralmente com a comunicação pública, porque tem o dever de
prestar de contas (accountability)5 de seus atos à sociedade.

A comunicação praticada na Administração Pública deve, portanto, nesse contexto, ser unicamente
um canal de relacionamento entre sociedade e Estado, na busca permanente pela participação
popular para a construção conjunta de políticas públicas comprometidas com a cidadania. Políticos
e demais autoridades públicas devem, até mesmo pelo preceito constitucional da impessoalidade 6,
evitar, assim, usar seus departamentos de comunicação social para se autopromoverem ou defender
interesses pessoais.

As crescentes manifestações públicas iniciadas em 2013 são um recado claro dos cidadãos nesse
sentido e para que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário prestem mais atenção nas
reivindicações da sociedade organizada, que não está mais disposta a suportar práticas distanciadas
dos reais interesses públicos.

E a resposta a essa exigência da sociedade está também na correta condução da comunicação dentro
das organizações públicas, que deve ser promovida com ética e honestidade, com base nos bons
resultados da gestão.

Conforme Novelli, a comunicação pública desempenha um importante papel de mediação para as


práticas da boa governança. Em seu texto “O papel Institucional da Comunicação Pública para o
Sucesso da Governança”, ela destaca a necessidade de a sociedade voltar a ter confiança no Poder
Público. “É preciso fortalecer as relações com os cidadãos e estimular sua participação para
aumentar a confiança pública no Governo, melhorar a qualidade da democracia e a capacidade
cívica da população” (2006, p.85).

Nesse contexto de comunicação pública, o desenvolvimento proporcionado pelas tecnologias da


informação e da comunicação também cumpre um importante papel junto à sociedade, na criação
de um ambiente digital saudável como espaço de reivindicação de direitos. Os avanços nessa área,
proporcionados pela internet, possibilitam à sociedade uma série de benefícios, que vão desde a

5
Termo que remete a palavras como ética e responsabilidade civil, pelo qual os detentores de funções de importância
na sociedade devem prestar contas a instâncias controladoras e a seus representados.
6
O caput e o parágrafo 1º d artigo 37 da Constituição Federal impedem qualquer tipo de identificação entre a
publicidade e os detentores de cargos públicos, inclusive os partidos políticos a que pertencem. Esse mesmo
dispositivo constitucional vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social, proibindo a
menção de nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal ou de servidores públicos.
maior disponibilidade de informações sobre a gestão pública nos portais governamentais até o uso
de plataformas interativas e de troca de informações, por meio das quais a sociedade pode participar
de debates até mesmo online nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ou mesmo colaborar
na construção de agendas e políticas públicas que representam os reais interesses coletivos.

Na opinião de Lemos e Levy, a Web permite ao chamado “cibercidadão” uma pluralidade de


possibilidades jamais imaginadas na antiga esfera pública descrita por Harbemas, onde a circulação
da opinião se dava preferencialmente em praças públicas, cafés, livrarias e mercados. Para eles:

A mutação da esfera pública proporcionada pela internet constitui um dos


fundamentos da ciberdemocracia. Deve-se reconhecer que a internet,
ampliando a circulação da palavra, oferece ao cidadão uma ampliação da
esfera pública midiática que estava restrita ao poder das grandes corporações
midiáticas (2010, p. 88).

O Compromisso do Senado

O Parlamento brasileiro, como articulador e responsável pela formulação das políticas públicas
nacionais, tem sido palco de intensos debates e alvos da sociedade organizada, cada vez mais
atuante na luta por espaços de participação no processo político de construção e organização do
Estado. Ciente desse crescente interesse e também direito da sociedade em participar mais
ativamente das decisões políticas, o Senado tem buscado uma comunicação cada vez mais
transparente e comprometida com seus diversos públicos, por meio de uma variedade de
ferramentas que garantem ao cidadão a interatividade e até mesmo a interferência na agenda política
da Casa.

Com seus funcionários, o Senado tem criado inúmeros eventos e canais de diálogo, onde não só
procura valorizá-los, como também construir um espaço conjunto de participação e compromisso
para a direção da casa. São vários os exemplos, como a “Manhã de Ideias 7”, que disponibiliza dia e
horário para que um servidor inscrito tenha 15 minutos para apresentar, pessoalmente, a um grupo
de diretores da área administrativa, uma sugestão para a melhoria da Casa, sem a necessidade de
elaborar qualquer documento ou projeto.

Outra ferramenta forte na comunicação com o público interno do Senado é a intranet, criada em
2010, mas ampliada e reformulada em 2012 para passar a divulgar uma série de ações que seriam

7
A matéria intitulada “servidores dão ideias para a administração do Senado” está disponível em<
www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2014/10/15servidores-dao-ideias-para-administracao-do-senado. . Acesso em:
11 mai. 2015.
iniciadas a partir de então para valorização da instituição, do servidor, do ambiente de trabalho e da
comunidade8.

Em documento intitulado “Carta 90 dias”, divulgado pela intranet, em que a então recém-
empossada direção do Senado divulga as principais ações nos primeiros três meses de gestão, é
dado ênfase no desejo de estabelecer “uma política de portas abertas e de fluida comunicação com
todos da Casa”9.

Para atingir e estimular o seu público interno, o Senado tem atuado por meio de várias ações, como
debates sobre assedio sexual; homenagem às servidoras mais antigas e também aos já aposentados;
inauguração da sala de amamentação; projeto Talentos do Senado; curso de capacitação gerencial;
oficinas de culinárias, de yoga e de dança, entre outras; visitas guiadas de servidores de um setor a
outros locais de trabalho dentro da instituição; serviço de ajuda financeira e de coaching; programas
diversos como de gerenciamento de estresse e de caminhos para a aposentadoria; publicação de
artigos escritos pelos servidores sobre temas de interesse coletivo; entre muitos outros exemplos.

Esse tipo de ação de valorização do público interno, inclusive por meio de uma comunicação mais
dirigida é, segundo o francês Pierre Zémor, a principal chave para o estabelecimento de uma
identidade entre organização e servidor. Ele explica que “a comunicação interna deve favorecer sua
intervenção nos procedimentos, sua participação nas decisões e a partilha de responsabilidades.
Ficará, assim, satisfeito um objetivo de comunicação externa, considerando-se o papel de
comunicação que, cedo ou tarde, retorna a todo agente público10” (2012, p. 240).

Da mesma forma pensa Curvello, segundo o qual a comunicação interna se insere num contexto em
que as organizações exigem mais qualificação dos empregados, assim como maior iniciativa e até
mesmo participação na tomada de decisões da direção. A forma como a organização se comunica
com seus funcionários é importante para a construção de uma identidade que, segundo Curvello,
“condiciona as possibilidades de desempenho, o nível de efetividade, sua viabilidade, seu êxito ou
seu fracasso”. Para ele:

A comunicação interna, assim, seria o conjunto de ações que a organização


coordena com o objetivo de ouvir, informar, mobilizar, educar e manter
8
A Comunicação interna do Senado foi tema de palestra intitulada “A Nova Face da Comunicação Interna no Setor
Público”, em 12/6/2013, durante o 17º Congresso Anual de Comunicação Interna, promovido pela Internacional
Business Communications Brasil (IBC), em São Paulo.
9
Disponível em email com título “Diretoria Geral”, Comunicado DGER: CARTA 90 DIAS. (Mensagem enviada a
todos os servidores), recebida por < castanho@senado.leg.br >Acesso em: 13 mai. 2015.
10
Texto originalmente publicado in ZÉMOR, Pierre. Les formes de la communication publique. In:La
Communication Publique. 3. Ed. Paris: Presses Universitaires de France (PUF), 2005.
coesão interna em torno de valores que precisam ser reconhecidos e
compartilhados por todos e que podem contribuir para a construção de uma
boa imagem pública (2012, p.204).

Outra iniciativa importante da Casa foi a Carta de Compromissos do Senado, um documento com
11 itens, escrito por servidores e corpo administrativo da instituição, para indicar como deve agir o
Parlamento com a sociedade. Divulgada internamente por meio de um evento com a participação de
cerca de 500 servidores e depois para toda a sociedade, a carta foi elaborada após ter ficado por um
mês na intranet, para colher sugestões internas.

O documento11 destaca o compromisso com o Parlamento, a excelência na prestação de serviços


públicos, a qualidade de vida dos colaboradores, a igualdade, a livre disseminação de ideias, a
transparência, a responsabilidade na utilização de recursos públicos, a sustentabilidade, a
acessibilidade, a memória do Senado e a comunidade.

Para o público externo, a Secretaria de Comunicação do Senado (SECOM) dispõe do Jornal do


Senado, da TV Senado, da Rádio Senado e da Agência Senado, veículos12 criados entre 1995 e 1997
para dar transparência aos trabalhos legislativos e dos parlamentares, seja nas comissões, no
plenário e demais atividades políticas internas e externas, desde que de interesse coletivo.

Pioneiros no setor público e eficientes canais de comunicação na divulgação dos trabalhos


legislativos, esses veículos nem sempre permitem, atualmente, o tipo de interatividade que o
cidadão vem exigindo, atualmente, dos órgãos públicos. Foi então que o Senado passou a abrir
novos canais de diálogo para promover maior aproximação e participação da sociedade e, assim,
aprimorar também o processo de definição coletiva das políticas públicas que impactam diretamente
na vida do cidadão.

No texto “Políticas de Comunicação Legislativa”, Novelli e Burity argumentam que abrir mais
canais de comunicação com o Parlamento garante a transparência das decisões e dos processos
políticos. “Concretamente, a comunicação legislativa apresenta resultados esperados ao provocar
novos comportamentos políticos, particularmente no estreitamento da relação dos parlamentares
com os cidadãos, a opinião política e a sociedade civil” (2010, p.277).

11
A matéria intitulada “Mais de 500 servidores assistiram à apresentação da Carta de Compromissos do Senado”,
com a integridade do documento e a explicação de cada um dos 11 itens, está disponível em
www.senado.leg.br/noticias/arquivos/2015/04/22/carta-de-compromissos-do-senado. Acesso em: 1º mai. 2015.
12
Mais informações sobre esses quatro veículos podem ser obtidas na página do Senado, acessando cada um deles,
pelo <www.senado.gov.br>.
Alguns exemplos desses de veículos de interatividade criados pelo Senado para promover maior
interação com o cidadão são o Alô Senado13, o e-Cidadania14, a Ouvidoria15, a Secretaria de
Transparência16 e o Data Senado17, entre outros. Segundo Brandão, essas novas práticas de
comunicação política com a sociedade têm um forte componente político participativo e “aparecem
no cenário político brasileiro (e de outros países) como uma promessa de participação mais ativa e
consciente dos cidadãos” (2012, p.5).

O Programa Interlegis

O Senado também tem usado as novas tecnologias de informação e comunicação, as chamadas TIC,
para incluir digitalmente casas legislativas de todo o Brasil, em especial de pequenos municípios,
para que possam melhorar a comunicação legislativa com a sociedade e, assim, obter a participação
do cidadão no processo democrático.

Esse papel é desempenhado desde 1997 pelo Programa Interlegis, criado com o objetivo de apoiar
o processo de modernização, integração e transparência do Poder Legislativo nos seus três níveis
(federal, estadual e municipal).

Primeira experiência de inclusão digital no âmbito parlamentar da América Latina e talvez o maior
programa de modernização e integração do Legislativo em todo o mundo (dadas as proporções
continentais do Brasil), o Interlegis atua por meio das TIC e uma comunidade virtual do Poder
Legislativo. Com isso, obtém o desenvolvimento colaborativo de soluções e transferência de
tecnologias em áreas diversas, com seus produtos e serviços. Tudo é desenvolvido com base em
softwares abertos e livres, para que sejam copiados e adaptados às necessidades de cada casa
legislativa e sem qualquer custo.
13
Criado em 1997, o Alô Senado permite que o cidadão entre em contato com o Senado por meio de carta, formulário
eletrônico na internet, redes sociais ou contato telefônico gratuito (0800-612211), para enviar mensagens diversas aos
senadores ou mesmo participar interativamente de audiências públicas e outros eventos da Casa. Mais informações
pelo link <www.senado.gov.br/senado/alosenado>.
14
O e-Cidadania foi criado em 2012 para estimular e possibilitar a maior participação e engajamento mais direto e
efetivo dos cidadãos no processo legislativo, com ideias, discussões e ações voltadas para temas em debate no Senado
e na sociedade. Mais informações pelo link <www12.senado.gov.br/ecidadania>.
15
Em funcionamento desde 2011, a Ouvidoria do Senado tem como objetivo receber e dar tratamento adequado a
sugestões, críticas, reclamações, denúncias e elogios da sociedade sobre atividades administrativas e legislativas do
Senado. Mais informações podem ser obtidas no relatório gerencial da Ouvidoria, disponível na página do Senado
em <www12.senado.gov.br/senado/ouvidoria>.
16
A Secretaria de Transparência do Senado foi criada em 2013 para garantir ao cidadão o acesso de dados,
informações e documentos de interesse coletivo ou geral, produzidos ou custodiados pelo Senado, e também prover o
apoio técnico ao Conselho de Transparência e Controle Social da Casa. Mais informações em
<www12.senado.gov.br/transparência>.
17
O DataSenado desenvolve pesquisas com o objetivo de estreitar a comunicação entre o Senado e as necessidades e
desejos da sociedade. Mais informações em <www.senado.gov.br/senado/datasenado>.
O Interlegis atua também por meio de videoconferências, redes sociais, oficinas de treinamento,
cursos presenciais e a distância (EAD) para capacitação de funcionários e parlamentares, bem como
a realização de eventos nacionais e regionais, além de uma série de publicações com informações
voltadas à comunidade legislativa.

Segundo Márcia Duarte, com a convergência das novas tecnologias, houve a multiplicação também
dos instrumentos de comunicação, que devem ser vistos como “essenciais para o empoderamento
das comunidades excluídas”:

A produção e a propriedade do conhecimento são fundamentais para o


processo de inserção social, a exemplo do que ocorre hoje com a internet –
instrumento de produção, acesso e circulação da informação que viabiliza a
produção de conteúdo de interesse direto das comunidades, possibilitando o
resgate da cidadania (2012, p.108).

Os produtos e serviços do Interlegis facilitam o dia a dia das casas legislativas, ampliando e
melhorando as atividades ligadas ao processo legislativo. Eles também ajudam no cumprimento de
leis criadas para garantir a boa gestão pública, como as leis de Acesso à Informação (LAI), da
Transparência (LC 131/2009) e da Responsabilidade Fiscal (LRF).

Em trabalho sobre as comunidades virtuais de aprendizagem e de prática, Silva e Christopoulus


afirmam que a sustentação do Interlegis é proporcionada pela própria estrutura e o design da
comunidade, “que não permitem somente a troca de informações, mas também a aprendizagem
entre os membros. Entende-se por estrutura da comunidade o modo como ela surgiu, foi organizada
e como seus mecanismos permitem e facilitam participação de seus membros” (2009, p.2).

Outra marca do Interlegis é o compromisso com a transferência de tecnologia também para outros
países. Com esse propósito, o Programa tem enviado e recebido missões de cooperação de várias
nações, promovido cursos de capacitação a técnicos do Mercosul e participado de inúmeros eventos
internacionais.

Os principais produtos são:

Portal Modelo

O Portal Modelo possibilita à casa legislativa criar e publicar seu próprio site na internet, de
maneira simples, rápida e gratuita, podendo ainda ser hospedado no banco de dados do Interlegis.

Domínio.leg
O leg.br padroniza o domínio do Poder Legislativo, reforçando sua identidade e autonomia.

SAPL

O Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) informatiza o processo legislativo,


simplificando, agilizando e racionalizando a atividade do parlamentar.

SAAP

O Sistema de Apoio à Atividade Parlamentar (SAAP) funciona como uma espécie de gabinete
virtual, oferecendo ao parlamentar um conjunto de ferramentas que facilitam o seu dia a dia.

SPDO

O Sistema de Protocolo de Documentos (SPDO) automatiza o processo de registro dos documentos,


seus anexos e a respectiva tramitação, facilitando e agilizando todo o processo de protocolo
legislativo nas suas diversas fases.

Colab

O Colab – ou comunidades de prática do Interlegis - é uma grande rede de relacionamento e


colaboração, comunicação, relacionamento e compartilhamento de ideias, experiências, manuais e
documentos em geral entre os diversos grupos da comunidade legislativa.

Fases do Interlegis

Nesses 18 anos de existência, o Programa passou por duas fases - Interlegis I (1997/2006) e
Interlegis II (2007/2014) –, ambas com financiamento do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e igual contrapartida do Governo Brasileiro. A partir de 2015, iniciou sua
terceira etapa, com a bandeira da sustentabilidade social, ambiental e econômica e sem empréstimo
internacional.

A primeira fase do Interlegis representou uma drástica redução da exclusão digital em câmaras
municipais de todo país no início da primeira década do século XXI. Conhecida como fase de
estruturação do Programa, o Interlegis I foi marcado pela construção do prédio sede, em Brasília, a
instalação de equipamentos de informática e de videoconferência em 31 pontos diferentes do Brasil
e a doação e instalação de equipamentos de informática em cerca de 3.300 casas legislativas de todo
o país.
Essa doação, no início do Programa, foi fundamental para que muitas câmaras municipais,
principalmente às do interior do Brasil, em cidades mais carentes, pudessem iniciar o processo de
inclusão digital.

O Interlegis II foi destinado ao amadurecimento e à consolidação do Programa, com o


fortalecimento e a ampliação das conquistas obtidas nos primeiros anos. No final dessa segunda
fase, 485 casas legislativas já tinham adotado o modelo de modernização proposto pelo Programa,
com os seus respectivos processos automatizados; 1.318 casas legislativas estavam conectadas ao
Programa e 17 comunidades virtuais de prática legislativa haviam sido criadas, com cerca de 3.500
membros.

O relatório final do Interlegis/BID18 também apontou a existência de 45.791 servidores das casas
legislativas integrantes da Rede Nacional Interlegis (RNI), dos quais 29.945 foram capacitados
pelos cursos e oficinas oferecidos pelo Programa.

Uma das propostas em estudo para a sustentabilidade do Interlegis na terceira fase é a criação do
Fundo Setorial de Modernização do Legislativo (Funlegis) como uma das fontes de autonomia
financeira e fomento.

O Interlegis III busca uma participação mais efetiva do cidadão no processo legislativo, para a
consolidação de um parlamento que legisle para o futuro. A continuidade do Programa, nessa
terceira fase, ficará condicionada também à manutenção da capacidade alcançada pelo Interlegis até
o final de 2014, principalmente no poder de integração da comunidade legislativa.

Considerações finais

Enfim, a Sociedade da Informação é uma realidade mundial que se amplia a cada dia. Nessa esfera
pública não mais limitada por um espaço físico, mas desterritorializada pela internet e as chamadas
TIC, a comunicação tem que ser cada vez mais transparente e voltada para a cidadania, seja ela nos
órgãos públicos, privados ou no terceiro setor.

Nos órgãos estatais, então, que têm por obrigação divulgar com transparência todos os seus atos, a
comunicação tem que ser comprometida com seus diversos públicos, sejam eles internos ou
externos. No Legislativo não pode ser diferente, até porque a Casa das Leis é formada por
representantes eleitos por uma sociedade que, na era digital, exige ser bem representada.

18
O relatório está disponível na página do BID em <www.iadb.org/es/proyectos/project-information-page/1303.html?
id=BR0288>. Acesso em: 20 abr. 2015.
O Caminho do Senado, ampliando a comunicação interna, pela intranet, e estimulando o
engajamento do seu público interno, bem como criando programas e portais interativos com a
sociedade, é o da cidadania, na construção de uma estrada em direção à democracia participativa,
tão defendida nos últimos tempos.

Também as TIC, no Parlamento, têm uma importante missão de integrar e interconectar Legislativo
e sociedade, não para substituir a reunião física de parlamentares por virtual, mas para proporcionar
a ciberdemocracia em torno de decisões mais transparentes e voltadas para os reais interesses da
sociedade. Nessa comunicação voltada para as comunidades virtuais, a exemplo do Programa
Interlegis e seus diversos produtos criados para apoiar o processo de modernização, integração e
transparência do Poder Legislativo em todos os níveis, o objetivo é, segundo Lemos e Levy, “apoiar
o diálogo, a deliberação, a decisão e a ação de todos os cidadãos que desejam dela participar”
(2010, p.192).

Não há, portanto, nessa Sociedade da Informação do século XXI, um espaço em que a comunicação
pública possa existir sem que palavras como cidadania, democracia, participação, compromisso,
interatividade e transparência estejam presentes.

Referências

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Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo: Atlas, 2012,
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DUARTE, Jorge (Org.) Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público.
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LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O Futuro da Internet: em direção a uma Cibercultura Planetária.
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LÉVY, Pierre. A Mutação Inacabada da Esfera Pública. In: O Futuro da Internet: Em direção a
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Um Estudo de Caso do Interlegis. In: ENCONTRO DE ADMINISTAÇÃO DA INFORMAÇÃO, 2,
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www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/Enade/2009 / ENADI/89.PDF> Acesso em: 2 abr.2015.

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ZÉMOR, Pierre. As formas da comunicação pública. In: DUARTE, Jorge (Org.). Comunicação
Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo: Atlas, 2012, p. 214- 241.
A cobertura noticiosa de protestos no Brasil: considerações iniciais acerca de
gatekeeper, newsmaking e valores-notícia e da Teoria da Agenda

Vanessa Beltrame1

RESUMO: Esta pesquisa, ainda em fase inicial, procura entender de que maneira a
mídia impressa trata das manifestações populares que pedem por mudanças de cunho
sociopolítico no Brasil. Antes da investigação em si, contudo, faz-se necessária a
revisão dos conceitos de gatekeeper, newsmaking e valores-notícia e da Teoria da
Agenda, que serão o tema deste artigo e servirão de base para o trabalho futuro. Assim,
será possível analisar, na próxima fase da pesquisa, a cobertura dos protestos de rua que
ocorreram em alguns dos maiores levantes populares desde o início do processo de
redemocratização do país, apontando diferenças e semelhanças nos valores-notícia e
critérios de agendamento e de enquadramento.

Palavras-chave: protestos, cobertura, notícias, Brasil.

Introdução

De que maneira a imprensa cobre as manifestações populares que pedem por


mudanças de cunho sociopolítico no Brasil? Conforme explicaremos a seguir, esse é o
questionamento que conduz nossa pesquisa de mestrado, ainda em fase inicial. Neste
artigo, todavia, trataremos de elucidar alguns conceitos essenciais para compreender
essas intervenções sociais no âmbito do jornalismo, com a revisão dos conceitos de
gatekeeper, newsmaking, valores-notícia e da Teoria da Agenda.
Esses são considerados os alicerces teóricos para a pesquisa futura, que buscará
analisar, em dois jornais de circulação nacional, três dos maiores movimentos que
levaram o povo às ruas desde o início do processo de redemocratização do país, a fim de
apontar as mudanças e semelhanças nestas coberturas.

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB na linha Jornalismo e Sociedade. É


jornalista graduada pela Universidade Federal de Santa Maria (2010). Atuou como repórter no jornal Zero
Hora, em Porto Alegre, e atualmente é assessora de imprensa da Embaixada do Japão em Brasília. E-mail:
vanessa.beltrame07@gmail.com

1
A investigação se dará em três momentos históricos distintos. Começará com o
movimento pelas Diretas Já, de 1984, em que a população tomou as ruas para pedir a
eleição de um presidente, após 20 anos de ditadura militar, e seguirá com o movimento
dos caras-pintadas, de 1992, que exigia o impeachment do então presidente Fernando
Collor de Mello. Por fim, será analisada a cobertura dispensada às Jornadas de Junho 2,
em 2013, manifestações populares que clamaram por mudanças políticas e sociais no
Brasil, e iniciadas com reivindicações de redução do preço da passagem de ônibus em
diversas capitais. Apesar de o contexto histórico e de as reivindicações de cada
movimento serem bastante distintas, a massiva reunião de pessoas nesses atos converge
para pontos em comum, como o descontentamento visível com a ordem política
instituída.
À primeira vista, o limbo silencioso de mais de 20 anos entre o movimento dos
caras-pintadas e as Jornadas de Junho pode causar estranheza, mas é explicado pelo fato
de não haver registro de outras manifestações de cunho político que tenham atingido
diversos estados do Brasil concomitantemente em todos estes anos. Sendo eventos deste
tipo relativamente raros (apenas três em um intervalo de 29 anos), é curioso entender
como a imprensa se comporta ao realizar estas coberturas.
Para dar sustentação à pesquisa, serão analisadas edições dos jornais Folha de São
Paulo e O Globo que façam referência aos protestos relacionados a qualquer um desses
três eventos históricos, conforme explicaremos logo mais, no tópico destinado ao
aprofundamento da metodologia.

Gatekeeper, newsmaking e valores-notícia

Considerada a primeira teoria sobre o jornalismo, o conceito de gatekeeper partiu


de um estudo de Kurt Lewin, de 1947, que tratava sobre “as dinâmicas que agem no
interior dos grupos sociais” (WOLF, 2002, p. 180). Em seu trabalho, o autor identificou
“zonas filtro” que funcionam como cancelas (ou porteiros) na passagem da informação:
As zonas filtro são controladas por sistemas objectivos de regras ou
por gatekeepers. Neste último caso, há um indivíduo, ou um grupo,
que tem o poder de decidir se deixa passar a informação ou se a
bloqueia. (WOLF, 2002, p. 180)

2“Jornadas de Junho” é a alcunha dada aos protestos que se espalharam por várias cidades do Brasil em
junho de 2013. O termo foi amplamente utilizado no primeiro livro publicado sobre o tema,o Cidades
Rebeldes (2013), e também será adotado neste projeto.

2
De acordo com Traquina (2005), David White, em 1950, foi o pioneiro na
aplicação deste conceito ao campo jornalístico, referindo-se às notícias que passam por
diversos gates (portões) antes de serem publicadas ou descartadas. O jornalista exerce,
nesse contexto, o papel de porteiro (gatekeeper), decidindo o que passa pelo portão e o
que fica para trás. O estudo de White demonstrou que “as decisões do jornalista eram
altamente subjetivas e dependentes de juízos de valor” (TRAQUINA, 2005, p. 150).
A White, seguiram-se diversos outros estudos sobre o processo de seleção de
notícias que refutam a conclusão de que as decisões do jornalista transpassam
preferências pessoais. Entre elas, Traquina (2005, p. 151) cita o trabalho de McCombs e
Shaw, de 1976, e de Hirsch, de 1977, que “reanalisaram os dados de White e apontaram
a semelhança das proporções de notícias das diversas categorias utilizadas pelo serviço
das agências e as notícias selecionadas” para serem publicadas no jornal.
Já o newsmaking (produção de informação) tem como paradigma principal a
construção social da realidade. Os estudos sobre essa teoria articulam-se em duas
abordagens principais, segundo Wolf (2002, p. 188): “a cultura profissional dos
jornalistas e a organização do trabalho e dos processos produtivos”. Ao corroborar essa
ideia, Pena (2005, p. 128) afirma que esse modelo teórico leva em conta “critérios como
noticiabilidade, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, construção da
audiência e rotinas de produção”.
Esta prática da noticiabilidade no newsmaking “é constituída pelo conjunto de
requisitos que se exigem dos acontecimentos [...] para adquirirem a existência pública
de notícias” (WOLF, 2002, p. 190). No conjunto, estão inseridos os valores-notícia (ou
critérios de noticiabilidade), que podem ser classificados como sendo de seleção ou de
construção:
Para Wolf, os valores-notícia de seleção referem-se aos critérios que
os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos, isto é, na
decisão de escolher um acontecimento como candidato à sua
transformação em notícia e esquecer outro acontecimento. [...] Os
valores-notícia de construção são qualidades da sua construção como
notícia e funcionam como linhas-guia para a apresentação do material,
sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve
ser prioritário na construção do acontecimento como notícia.
(TRAQUINA, 2005a, p. 78)

Posto que as manifestações populares desses três momentos históricos atendem


obviamente a valores-notícia3 de seleção como “proximidade” (todos os fatos ocorreram
3 Usaremos como base os valores-notícia propostos por Traquina (2005b), tanto os de seleção quanto os
de construção.

3
em cidades brasileiras), “relevância” (têm impacto não só sobre as pessoas, mas também
sobre o país), “novidade” (acontecimentos espaçados no tempo), “notabilidade”
(envolve uma quantia considerável de pessoas), etc., a preocupação deste trabalho se
dará nos valores-notícia de construção (simplificação, amplificação, relevância,
personalização, dramatização e consonância).
Sendo assim, para entender como são construídas essas coberturas noticiosas, é
preciso questionar quais elementos dessas manifestações foram incluídos na produção
da notícia. Além disso, esse entendimento poderá levar a outro questionamento: quais
tópicos (reivindicações, acontecimentos, discursos, etc.) desses eventos são agendados
pela mídia?

Teoria da Agenda

McCombs (2009, p. 18) dá o nome de agendamento à habilidade que a mídia tem


de “influenciar a saliência dos tópicos na agenda pública”, sendo esse o “estágio inicial
na formação da opinião pública”. Segundo o autor, esta associação dos veículos
noticiosos com a opinião pública remete ao livro Opinião Pública, de Walter Lippmann
(1922), que sugere a existência de um pseudo-ambiente onde o comportamento do
homem é estimulado por uma representação do ambiente real construída pelo próprio
homem.
Porém, McCombs ressalta que não é correto afirmar que a notícia decorre de uma
fabricação da realidade.
Uma vez que não há nem a capacidade de coletar a informação sobre
todos estes eventos nem a capacidade de contar à audiência sobre eles,
os jornalistas apóiam sobre um conjunto de normas profissionais que
guiam sua seleção diária do ambiente. O resultado é que os veículos
noticiosos apresentam uma visão limitada do ambiente mais amplo,
algo como a visão altamente limitada do mundo exterior disponível
através de uma estreita fresta das janelas de alguns edifícios
contemporâneos. (MCCOMBS, 2009, p. 44-45)

Também discutindo sobre a influência do agendamento na opinião pública,


Tondato (2008) nos apresenta uma visão diferenciada, atribuindo a interesses políticos e
econômicos o conceito de agendamento:
A sugestão feita pelos meios de comunicação de massa à sociedade
acontece a partir do conceito de agendamento, segundo o qual o ponto
de vista individual dado às notícias divulgadas estaria de acordo com
os interesses das elites política e econômica mundiais. (TONDATO,
2008, p. 53)

4
Sabemos que o agendamento funciona como uma tentativa de influência sobre a
cognição do discurso midiático, intencional ou não, a partir dos fatos que são incluídos
ou excluídos no conteúdo. Sendo assim, “o pressuposto fundamental do agenda-setting
é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é
fornecida, por empréstimo, pelos mass media” (SHAW, 1979 apud WOLF, 2002, p.
145).

Mídia e manifestações no cenário atual brasileiro

As manifestações de 2013, que se iniciaram com protestos contra o aumento das


passagens de ônibus em diversas capitais, pegaram a imprensa de surpresa. Afinal, as
últimas marchas massivas de que se tinha notícia no país haviam ocorrido em 1992,
com o bem sucedido movimento dos caras-pintadas.
Lima (2013) relata que, logo no início das manifestações de 2013, a primeira
reação dos veículos da grande mídia foi no sentido de condenar o movimento das ruas.
Depois, esses meios tomaram consciência de que aquelas pessoas não se sentiam
representadas por suas palavras, passaram a cobrir os acontecimentos com inserções ao
vivo, e até a “instigar e pautar as manifestações, introduzindo bandeiras aparentemente
alheias à motivação original dos manifestantes” (LIMA, 2013, p. 92).
A partir daí, as próprias emissoras de televisão e seus profissionais viraram alvo
de protestos da população, que não estava satisfeita com o que vinha sendo dito nas
coberturas e também com a falta de um debate público sobre o tema que proporcionasse
voz àqueles cidadãos. Sakamoto (2013, p. 98) relata que “os repórteres da TV Globo,
por exemplo, não conseguiam nem usar o prisma com o logo da emissora na cobertura”
tamanha a revolta da massa contra “as instituições tradicionais que representam a
autoridade como um todo” no Brasil.
Para Lima,
(...) ao contrário do que ocorre em outras democracias, no Brasil, a
velha mídia praticamente não oferece espaço para o debate de
questões de interesse público. [...] Dessa forma, a ampla diversidade
de opiniões existente na sociedade não encontra canais de expressão
pública nem tem como se fazer representar no debate público
formador de opinião pública. (LIMA, 2013, p. 93)

5
Por depender de um espaço público 4 que proporcione o debate, a opinião pública,
atualmente, é praticamente indissociável da mídia, que, por sua vez, está
majoritariamente ligada a interesses econômicos. Segundo Habermas (2003, p. 216), a
imprensa passa a servir a interesses comerciais e particulares a partir do surgimento dos
anúncios em publicações jornalísticas, que proporcionam a evolução de uma “imprensa
politizante” para uma “imprensa comercializada”. O advento dessa indústria da
publicidade proporciona aos relações públicas inserirem seu material nos meios de
comunicação ou diretamente no espaço público, tornando a opinião do público
facilmente trabalhável pela mídia. A esta manipulação, Habermas confere o título de
“opinião pública encenada”.
No cenário atual de formação de opinião pública, podemos perceber que as
reivindicações de movimentos sociais e políticos no Brasil têm a tendência de entrar na
pauta da mídia quando a agenda é negativa. Dificilmente encontraremos na grande
mídia a cobertura de um “protesto sem protesto”, como Viana (2013, p. 56) chama as
manifestações ditas pacíficas.
Portanto, só terão conhecimento das pautas de reivindicações aqueles leitores que
buscarem outros meios de informação que não os grandes jornais, na mídia alternativa
ou nos meios de divulgação dos próprios movimentos sociais. Isso porque o cidadão
brasileiro ainda tem dificuldade em acessar a informação completa sobre diferentes
assuntos na mídia.
Com o advento e massificação do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs), a imprensa nacional passou por um momento de reinvenção,
investindo em conteúdos para a internet e para as mídias sociais. Esta transição é
apontada por Wolton (2004, p. 301) como problemática, pois “quanto mais fácil
tecnicamente fazer informação, mais seu conteúdo traz dificuldades”.
Para o autor, três crises cercam o jornalismo: os problemas econômicos (que
trazem à tona um mercado de trabalho em recessão), os problemas técnicos (a
dificuldade em transformar o fato em notícia nas transmissões) e os problemas políticos
(o abuso da liberdade de informação). Entre dez caminhos que esse autor sugere para a
adaptação do jornalista às crises da profissão, está reencontrar a confiança do público:
Apesar de seus discursos, os jornalistas têm pouca curiosidade a
respeito do público. Eles demonstram muitas vezes em relação ao
4Entendem-se o espaço público e a esfera pública como termos sinônimos. Definiremos o conceito como
o lugar (não necessariamente físico) para onde se encaminham e onde se discutem os temas que afetam a
sociedade.

6
público uma relativa indiferença, e falta pouco para eles pensarem que
sua profissão os coloca “à frente” do público. Como se o fato de saber
antes dos outros criasse uma diferença... Além disso, os jornalistas têm
uma visão qualitativa do público muito sumária, na qual dois polos
emergem: o paternalismo e o medo de ser criticado. (WOLTON, 2004,
p. 308)

É possível exemplificar esta visão simplificada que a mídia tem de seu público
com o episódio que Viana (2013) conta ter ocorrido no dia 13 de junho de 2013, durante
a transmissão de uma manifestação no programa Brasil Urgente, apresentado por José
Luiz Datena. A autora relata que, enquanto o âncora esbravejava contra a “baderna”
causada pelos protestos, a maioria dos telespectadores votava “sim” para responder à
enquete “você é a favor desse tipo de protesto?”. Visivelmente desconfortável com o
resultado, Datena questionou-se se a pergunta havia sido mal formulada, e pediu à
produção do programa que inserisse nova enquete no ar. Desta vez, com mais clareza:
“você é a favor de protesto com baderna?”.
“Cabia deixar evidente ao Deus-telespectador, já a ponto de ser chamado de
idiota, o que exatamente se queria dizer com a palavra, talvez demasiado tímida, ‘tipo’”
(VIANA, 2013, p. 54). Porém, a resposta seguiu a mesma: “sim”. É possível que, nesse
caso, a opinião pública estivesse reagindo à encenação apontada por Habermas?
Ao se enxergarem retratados na mídia como vândalos e baderneiros, em 2013, a
população passou a questionar também o poder da mídia. Porém, a grande mídia não
questionou a si mesma. E, nesse processo, ganharam espaço novas produções
jornalísticas independentes e colaborativas, como a Mídia Ninja Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação5, que agendou, de dentro das manifestações, pautas
favoráveis aos manifestantes, como os flagrantes forjados por policiais e a violenta
repressão, com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral.
É válido lembrar que, em um segundo momento, esta violência passou a ser
revelada também por alguns jornais, como a Folha de São Paulo, que teve uma repórter
atingida no rosto por uma bala de borracha disparada por um policial em sua direção no
dia 13 de junho. Ironicamente, mais cedo naquele mesmo dia, o editorial do periódico,

5 No portal, o grupo se identifica como “uma rede de comunicadores que produzem e distribuem
informação em movimento, agindo e comunicando”. Disponível em <https://ninja.oximity.com/>. Acesso
em 27 maio 2015.

7
intitulado Retomar a Paulista6, defendia mais rigor do poder público e da Polícia Militar
contra os manifestantes.

Metodologia

Para analisar a midiatização desses três eventos, e definir de que maneira a


cobertura jornalística de protestos muda ou permanece igual no decorrer dos anos,
foram escolhidos os jornais Folha de São Paulo e O Globo. A opção foi feita devido ao
caráter de cobertura nacional dos periódicos, e também porque as duas publicações
estiveram presentes em todos os episódios.
Ambos são, respectivamente, primeiro e segundo colocados no ranking de
circulação nacional de jornais impressos diários, de acordo com o Instituto Verificador
de Comunicação (IVC). E, embora o mercado passe por dificuldades, segundo uma
pesquisa7 publicada no portal Meio & Mensagem, a Folha teve uma alta de circulação
de 6,4% nos primeiros quatro meses de 2015 em comparação com o mesmo período de
2014, enquanto O Globo registrou alta de 3,7%.
Para esta pesquisa, serão analisadas as edições datadas de sete dias anteriores e
sete dias posteriores às principais manifestações decorridas em cada período histórico,
uma vez que os movimentos foram marcados por mais de uma manifestação em
diferentes cidades do país. Selecionadas as edições que contêm material para o estudo,
filtraremos as notícias a partir de uma Análise de Conteúdo.
Herscovitz (2008) defende que a Análise de Conteúdo, no estudo jornalístico,
pode combinar tanto critérios quantitativos quanto critérios qualitativos, sem criar uma
dicotomia entre os dois:
... promovendo uma integração entre as duas visões de forma que o
conteúdo manifesto (visível) e latente (oculto, subentendido) sejam
incluídos em um mesmo estudo para que se compreenda não somente
o significado aparente de um texto, mas também o significado
implícito, o contexto onde ele ocorre, o meio de comunicação que o
produz e o público ao qual ele é dirigido (Herscovitz, 2008, p.126)

6 Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1294185-editorial-retomar-a-
paulista.shtml>. Acesso em 27 maio 2015.

7 Disponível em <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2015/05/26/Circulacao-dos-
cinco-grandes-jornais-.html>. Acesso em 28 maio 2015.

8
Dessa maneira, pretendemos organizar e mapear informações, criando categorias a
serem determinadas a partir de uma observação inicial, como gênero jornalístico,
palavras-chave, fontes noticiosas, tamanho (em parágrafos) dispensados a cada
acontecimento, personagens em destaque, etc.
Após este primeiro filtro, será aplicada uma metodologia de Análise de Discurso
nas notícias que julgarmos mais emblemáticas, para entendermos como a mídia retrata
as manifestações em diferentes contextos históricos no Brasil. A ideia é caracterizar a
linha editorial da notícia em todos os três casos, por isso, focar-se-á na explicitação das
estruturas de linguagem dos textos dos jornais, relacionando-as ao contexto sócio-
histórico da produção do discurso.
Optou-se pela Análise de Discurso, pois este método proporciona a compreensão
dos sujeitos, da situação e da memória como condição de produção do discurso. Orlandi
(1996, p. 27) aponta três pontos como marcas fundamentais na produção do discurso: a
“ordem da língua como ordem própria”, “a intervenção do inconsciente e da ideologia”,
e “o estatuto e a forma da ‘interpretação’, como sintoma da relação da língua com a
exterioridade”.
Ao fim dessas análises, pretende-se chegar a conclusões que apontem de que
maneira são noticiados os protestos de cunho político no Brasil, também tornando
possível contextualizar como a mídia esteve envolvida nesses processos históricos a
partir da produção de seu conteúdo noticioso.

Referências bibliográficas:

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a


uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HERSCOVITZ, Heloiza Golbspan. Análise de conteúdo em jornalismo. In: LAGO, C. e


BENETTI, M. Metodologia de pesquisa em jornalismo. 2. Ed. Petrópolis: Vozes,
2008.

LIMA, Venício A. Mídia, rebeldia urbana e crise de representação. In: MARICATO,


Ermínia [et al]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas
do Brasil. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, p. 89- 94, 2013.

9
MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Exterioridade e ideologia. Cadernos de Estudos


Lingüísticos, Campinas, n. 30-33, p. 27-33, 1996.

PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.

SAKAMOTO, Leonardo. Em São Paulo, o Facebook e o Twitter foram às ruas. In:


MARICATO, Ermínia [et al]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que
tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, p. 95-100, 2013.

TONDATO, Márcia. Opinião pública: o que é isto? Parceria ou ameaça?. Revista


Estudos, São Paulo: Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade
Metodista de São Paulo, v. 6, p. 49-60, 2008.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são.


Volume 1. 2 Ed. Florianópolis: Insular, 2005.

___________. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística – uma comunidade


interpretativa transnacional. Volume 2. Florianópolis: Insular, 2005a.

VIANA, Silvia. Será que formulamos mal a pergunta?. In: MARICATO, Ermínia [et al].
Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São
Paulo: Boitempo, Carta Maior, p. 53-58, 2013.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 7. Ed. Lisboa: Editorial Presença, 2002.

WOLTON, Dominique. As três crises do Jornalismo. In: ____. Pensar a comunicação.


Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. Cap. 12, p. 299-320.

10
INFORMAÇÃO PÚBLICA, DEMOCRACIA DIGITAL E SERVIÇOS
ELETRÔNICOS DE GOVERNO: análise de serviços de solicitação de
informação pública na América Latina1

Vanessa Grazielli Bueno do Amaral2


Maria Teresa Miceli Kerbauy3

RESUMO: O governo eletrônico, como forma de utilizar a tecnologia para melhorar o


funcionamento do setor público, pode contribuir para o cumprimento do dever do
Estado de dar acesso à informação pública – àquela em poder do Estado ou que seja de
interesse público. Serviços eletrônicos de governo, de forma geral, devem ser
acessíveis, podendo ser utilizados independentemente das condições físicas, meios
técnicos ou dispositivos utilizados pelo requerente, além de proporcionar uma
experiência satisfatória ao cidadão que se utiliza dele. Foram analisados 8 sites de
serviços eletrônicos para solicitação de informação pública em países da América
Latina, com objetivo de verificar se os serviços eletrônicos para solicitação de
informação pública permitem o acesso efetivo de todo e qualquer cidadão. Esta análise
demonstrou que nenhum deles cumpre os quesitos propostos para que sejam
considerados universais, mas serviu para propor características e práticas para os
serviços eletrônicos de informação ao cidadão.

Palavras-chave: acesso à informação; democracia digital; governo eletrônico;


acessibilidade; usabilidade.

1
Trabalho derivado de dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de
mestre em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, sob orientação da Profa.
Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy. Linha de Pesquisa: Gestão e Políticas da Informação e da
Comunicação Midiática.
2
Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós Graduação da FAAC/Unesp (2014). Graduada em
Comunicação Social - Hab. Publicidade e Propaganda pela Universidade do Sagrado Coração (2009).
Técnica em Informática pelo CTI/Unesp (2005).
3
Graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (1968),
Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1979), Doutorado em
Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992) e Pós-Doutorado em Ciência
Política pelo Instituto de Iberoamérica - Espanha (2011).
Direito à informação e novas tecnologias

A informação tem papel fundamental em uma sociedade democrática para


auxiliar na tomada de decisões, tendo relevância de forma individual e coletiva.
Proporciona subsídios para a participação nos processos democráticos e para pleito de
direitos e benefícios. Portanto, é direito do cidadão ter acesso a essas informações.
Stroppa (2012) divide o direito à informação em três perspectivas: o direito de informar,
de se informar e de ser informado.

O direito de informar diz respeito à possibilidade de um livre e diversificado


fluxo de informação. Segundo Weichert (2006) esse direito "[...] tem sua origem
histórica na liberdade de imprensa, porém modernamente se irradia para toda e qualquer
pessoa ou entidade, pública ou privada".

O direito de se informar confere à pessoa "[...] a possibilidade de buscar


livremente por aquilo que pretende ler, escutar e aprender" (TRISTÃO; MUSSE, 2012,
p. 110). Esse direito está vinculado ao conceito de transparência passiva que, segundo
Hoch, Rigui e Silva (2012), diz respeito ao meio pelo qual o poder público é provocado
mediante requerimento do interessado.

O direito de ser informado “tem por conteúdo o recebimento de informações


fidedignas do Estado sobre quaisquer fatos de interesse público, bem como o pleno
acesso a elementos mantidos em arquivos públicos, de interesse público ou particular."
(WEICHERT, 2006). Esse direito se relaciona à transparência ativa, que consiste na
divulgação espontânea de informação pelo Estado.

A informação de que tratamos e que serve como recurso para uma participação
democrática do cidadão é chamada de informação pública. Diz respeito à informação
em poder do Estado ou que seja de interesse público. Depois de um intenso debate sobre
o que é informação e o conceito de público, Batista (2010) oferece a seguinte definição
que será utilizada neste trabalho a partir de agora:

[...] informação pública é um bem público, tangível ou intangível, com


forma de expressão gráfica, sonora e/ou iconográfica, que consiste
num patrimônio cultural de uso comum da sociedade e de propriedade
das entidades/instituições públicas da administração centralizada, das
autarquias e das fundações públicas. A informação pública pode ser
produzida pela administração pública ou, simplesmente, estar em
poder dela, sem o status de sigilo para que esteja disponível ao
interesse público/coletivo da sociedade. Quando acessível à sociedade,
a informação pública tem o poder de afetar elementos do ambiente,
reconfigurando a estrutura social (BATISTA, 2010, p. 40).

O direito à informação tem em seu cerne a ideia de que os órgãos públicos não
detêm a informação para si, mas atuam como guardiães do bem público. Na maioria dos
países existe uma cultura de sigilo arraigada no âmbito do governo, que é baseada em
práticas e atitudes estabelecidas há muito tempo (MENDEL, 2009). De acordo com
Lopes (2011) muitos países na América Latina enfrentaram longos períodos de ditadura,
e por isso a construção da democracia na região está ainda em estágio inicial e, a
garantia de acesso à informação pública e de liberdade de expressão é ainda mais
importante. Essa garantia se efetiva através de legislações específicas baseadas na
premissa de um governo aberto, ou seja, um governo pautado nos princípios de
transparência, prestação de contas e responsabilização (accountability), participação
cidadã, tecnologia e inovação (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2014).
Legislações sobre o acesso à informação também fornecem diretrizes sobre obrigações,
procedimentos e prazos para a divulgação de informações públicas.

Canela e Nascimento (2009) também atribuem ao progresso nas tecnologias de


informação e comunicação (TIC) a mudança na forma pela qual as sociedades utilizam
e se relacionam com a informação. Segundo os autores, esse avanço aumentou a
capacidade da população de fiscalizar o poder público e participar dos processos de
tomada de decisão. Segundo Kerbauy e Rothberg (2010) a participação democrática
através das TIC possibilita um alargamento do espaço público, com a inserção
organizada de setores diversos nos processos de definição de políticas públicas, além da
diminuição de eventuais resistências a mudanças e novas circunstâncias. Rothberg
(2009) afirma ainda que, a internet é considerada um meio menos sujeito a exploração
comercial do que os meios impressos e televisuais, e recomendada por sua natureza
hipertextual, interativa e audiovisual, o que corrigiria eventuais insuficiências do
sistema de mídia tradicional.
Democracia digital é definida por Gomes (2011) como sendo qualquer uso de
dispositivos, aplicativos e ferramentas de tecnologias digitais de comunicação "para
suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e
dos cidadãos em benefício do teor democrático da comunidade política" (GOMES,
2011, p. 27-28). O autor compreende por "teor democrático" e "requisitos da
democracia" aspectos relacionados ao conceito de democracia comumente aceito no
padrão dos Estados democráticos modernos. São alguns desses aspectos: garantia e/ou
aumento da liberdade de expressão, opinião e participação; garantia e/ou aumento dos
meios e oportunidades de accountability ou transparência do governo via internet;
garantia e/ou aumento das experiências de democracia direta; mais instrumentos e
oportunidades de participação do cidadão nas esferas de decisão administrativa e de
políticas públicas; incremento do pluralismo e representação das minorias; e
consolidação dos direitos de indivíduos e grupos socialmente vulneráveis (GOMES,
2011).

Quando se trata da utilização das novas tecnologias da informação e


comunicação como instrumento de interação com os cidadãos e de prestação dos
serviços públicos, Rover (2013) aplica o termo Governo Eletrônico como sendo uma
forma puramente instrumental de administração das funções do Estado (Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário). O uso de tecnologias de informação e comunicação
pelo governo serve para informatizar suas operações e serviços além de aproximá-lo do
cidadão.

O termo "e-government" foca-se na utilização das novas tecnologias


de informação e comunicação (TIC) pelos governos, aplicadas a toda
a gama de funções governamentais. Em particular, o potencial de rede
oferecido pela Internet e tecnologias relacionadas possibilitaria
transformação das estruturas e funcionamento do governo (OCDE,
2013, tradução nossa).

Não é nosso intuito discutir o âmbito político para acesso à informação, nem
aspectos de inclusão digital do cidadão. Mas é preciso lembrar a existência de
obstáculos à participação através das TIC, como a exclusão digital, desigualdade de
acesso à informática e internet, pouca habilidade técnica e discursiva, bem como
barreiras políticas culturais, organizacionais e constitucionais. A tecnologia precisa estar
integrada às tradicionais ferramentas offline de acesso à informação para que seja
aproveitada ao máximo, servindo como facilitadora do acesso. Diante disso,
objetivamos analisar serviços eletrônicos de informação pública ao cidadão na América
Latina e seu atendimento à universalidade sob os aspectos de acessibilidade e
usabilidade, no sentido de serem acessíveis e de utilização satisfatória a qualquer
pessoa, independentemente das condições físicas, meios técnicos ou dispositivos
utilizados.

Universalização de serviços eletrônicos na internet

No Brasil, embora o direito à informação estivesse previsto na Constituição


Federal de 1988, não havia uma lei que determinasse as obrigações, procedimentos e
prazos para divulgação de informação pública. Em novembro de 2011 foi sancionada
pela presidência a Lei de Acesso a Informação (Lei nº 12.527/2011), que prevê tais
aspectos, abrangendo os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em nível
municipal ou distrital, estadual e federal. Também se enquadram Tribunais de Contas,
Ministérios Públicos, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de
economia mista, entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, e entidades privadas sem fins lucrativos que tenham
vínculo com o poder público. Um dos pontos de destaque da lei é o uso das novas
tecnologias de informação e comunicação – especialmente a internet – para prestação de
informação pública à sociedade. Fica determinada também a criação pelos órgãos
públicos de um serviço físico de informação ao cidadão (SIC), que será responsável por
orientar as pessoas sobre o acesso a informações, receber requerimentos e informar
sobre o andamento deles. O serviço também deverá realizar audiências públicas e
divulgar o acesso a informações públicas.

A Controladoria Geral da União no país desenvolveu um sistema eletrônico do


serviço de informação ao cidadão (e-SIC). O portal, de âmbito do executivo federal,
serve de plataforma para que os cidadãos possam encaminhar e acompanhar seus
pedidos de informação e recursos de forma centralizada. Os pedidos feitos nos serviços
físicos também são cadastrados no sistema. A prerrogativa do portal é de qualquer
pessoa, física ou jurídica, possa através dele obter informações públicas. Podemos
presumir, portanto, que o site deva ser acessível no sentido de que possa ser utilizado
independentemente das condições físicas, meios técnicos ou dispositivos utilizados pelo
requerente. O portal também deve ser de fácil utilização para os diferentes públicos.

Além do Brasil, outros 18 países na América Latina têm leis de acesso a


informação em vigor. Dentre eles, somente 7 possuem serviços eletrônicos semelhantes
ao brasileiro a nível federal. São eles: Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras,
México, Peru e República Dominicana. Os demais não têm sistemas unificados, cada
órgão disponibiliza um formulário a ser preenchido pelo cidadão. A comparação com a
América Latina é interessante por conta da proximidade geográfica e das relações
culturais, políticas e econômicas que os países latino americanos têm com o Brasil.
Nossa amostra é constituída pelos oito sites de serviços online de solicitação de
informação pública na América Latina e foi identificada com auxílio do Fórum de
Direito de Acesso a Informações Públicas em dezembro de 2012, com exceção de Chile
e República Dominicana que foram localizados após pesquisa para atualização da lista
no primeiro semestre de 2014. Qualquer serviço lançado posteriormente não consta da
análise.

Visamos verificar se os sites para solicitação de informação pública no Brasil e


na América Latina permitem o acesso efetivo do cidadão à informação. Buscamos
identificar se estes serviços são democráticos e universais, considerando a legislação de
cada país, suas singularidades, as características de acessibilidade e usabilidade, e as
ferramentas disponíveis nos sites. Segundo Maia (2002), em termos ideais, "[...] a
aproximação das condições de universidade do discurso significa, em primeiro lugar,
que não pode haver barreiras excluindo certas pessoas ou grupos do debate" (MAIA,
2002, p.52). Para analisar a universalidade dos serviços tomamos duas perspectivas:
acessibilidade e usabilidade.

Acessibilidade, segundo Ferreira (2008), é a busca por proporcionar a


possibilidade de uso de um sistema (ou site) independentemente de eventuais limitações
sensoriais ou motoras. O WCAG 2.0 (2008) define que a acessibilidade inclui uma vasta
gama de incapacidades, como visuais, auditivas, físicas, de fala, cognitivas, de
linguagem, aprendizagem e neurológicas. São abrangidas também as dificuldades de
pessoas cujas capacidades estão em constantes mudanças devido ao envelhecimento.
Acessibilidade da web também significa a capacidade de leitura do conteúdo por
navegadores e tecnologias assistivas.

Usabilidade é definida pela norma ISO 9241-11 (1998) como a medida na qual
um produto (ou site, como veremos) pode ser usado por usuários específicos para
alcançar objetivos específicos com eficácia, eficiência e satisfação em um contexto
específico de uso. Por eficácia entende-se o grau de precisão com que um usuário
consegue completar na íntegra uma determinada tarefa. Eficiência diz respeito aos
recursos utilizados em relação à precisão com a qual o usuário atinge seus objetivos. A
satisfação diz respeito ao nível de conforto e aceitação que o sistema produz nos
usuários. Usabilidade também se refere à ausência de desconforto e presença de atitudes
positivas para com o uso de um produto, site ou sistema (RIBEIRO, 2012).

Além das diretrizes internacionais de acessibilidade e usabilidade (WCAG 2.0,


2008; ISO 9241-11, 1998) abordamos também os padrões web adotados pelos países
analisados para desenvolvimento de sites e sistemas de governo eletrônico. Guatemala,
Honduras e Peru não tiveram documentos oficiais de padrões localizados. No caso do
Peru, o documento Normas para o Desenvolvimento de Aplicações Web (Estándares
para el Desarrollo de Aplicaciones Web), datado de 2009, é de responsabilidade do
Ministério da Educação, através da Secretaria de Planejamento Estratégico, Gabinete de
Informática. O documento abrange somente as dependências do Ministério da
Educação, instâncias de Gestão Educativa Descentralizada a nível nacional e Órgãos
Públicos Descentralizados do Setor da Educação. Documento semelhante no país são as
Diretrizes de Acessibilidade para Páginas da Web e Aplicações para Dispositivos
Móveis para Instituições Públicas do Sistema Nacional de Informática, porém a
abordagem deste documento é técnica e não atende aos propósitos da nossa análise.
Embora cada país tenha em seu documento um determinado conjunto de diretrizes a
serem adotadas, é possível identificar uma tendência de alinhamento com as diretrizes
internacionais de desenvolvimento web descritas anteriormente.

Acessibilidade e usabilidade têm seus métodos próprios de análise, combinados


através de triangulação metodológica para fornecer uma visão ampla do objeto de
pesquisa, dentro de um paradigma quantitativo e qualitativo simultaneamente. O quesito
acessibilidade envolve características técnicas e objetivas. Para sua análise foram
utilizados avaliadores automáticos que resultam no número de erros de acessibilidade de
cada site, portanto, uma análise quantitativa. Para avaliar usabilidade, primeiro
seguimos a orientação de Nielsen e Tahir (2002), de que é preciso considerar
características de usabilidade para o segmento específico que vamos analisar,
identificando como o cliente (ou cidadão) espera interagir com este tipo de site. Após a
observação de cada um dos sites, unimos a isso um conjunto de variáveis referentes à
usabilidade em geral, formando uma lista de verificação. As variáveis foram
consideradas quanto a sua existência ou não, sua proeminência no site e, quanto à
qualidade das informações e ferramentas oferecidas.

Devido às peculiaridades de cada aspecto, concluiu-se que não seria possível


desenvolver uma ferramenta de análise que resultasse em um único indicador de
universalidade. O modelo proposto consta com mais de uma técnica de coleta de dados
e análise para dar conta da complexidade do objeto. A análise dos sites dos oito países
que têm serviços online de solicitação de informação pública pelo cidadão na América
Latina foi feita individualmente, seguindo os critérios estabelecidos anteriormente,
determinando se um site atende aos critérios de universalidade ou não. A aplicação da
metodologia foi feita nas versões mais recentes dos serviços disponíveis no momento da
realização da pesquisa, no primeiro semestre de 2014.

Análises dos serviços eletrônicos de acesso à informação

A metodologia que propusemos para avaliar a universalização dos serviços


eletrônicos de governo foi baseada em padrões e recomendações internacionais, os
mesmo que são comumente citados nos guias de governo eletrônico de cada país. Em
nossa análise nenhum dos serviços foi considerado democrático, por não atenderem
adequadamente às características de acessibilidade e usabilidade propostas. Porém,
podemos elencar características que demonstram adequação em determinados aspectos.
Nos critérios de acessibilidade, por exemplo, todos apresentaram erros do menor nível
de conformidade de acordo com WCAG 2.0 (2008). Isso quer dizer que os requisitos
mínimos para acessibilidade não foram atendidos. Ainda assim, se analisarmos os
aspectos de desempenho e compatibilidade com dispositivos móveis alguns sites
apresentam um bom desempenho. A importância de se analisar a disponibilidade do
serviço em dispositivos móveis se dá pelo aumento da utilização deste tipo de
tecnologia. De acordo com as Nações Unidas (2014), há um aumento das expectativas
de cidadãos para que o acesso à informação pública e serviços governamentais seja
facilitado de qualquer lugar, a qualquer hora através de diferentes canais, entre eles os
dispositivos móveis. O serviço do Chile, por exemplo, tem 92% de compatibilidade com
dispositivos móveis. O mesmo serviço teve o pior desempenho em acessibilidade: o
maior número de erros, e o site que leva mais tempo para ser exibido. Porém, é o mais
completo em usabilidade, o que o coloca a frente dos demais.

Apesar das falhas, México e Brasil tiveram bom desempenho em nossa análise,
atendendo ao maior número de variáveis investigadas em todos os critérios
(acessibilidade, usabilidade e outros itens – aqueles referentes serviços de solicitação de
informação pública). El Salvador e Honduras tiveram um desempenho pouco inferior,
mas ainda acima dos demais. Guatemala, Peru e República Dominicana são alguns dos
países que têm somente formulários em que o cidadão pode fazer a solicitação de
informação pública, não havendo possibilidade de acompanhar o pedido ou fazer
recursos. Estes três últimos países tiveram o pior desempenho em relação à
universalização do serviço de solicitação de informação pública. Além dos erros de
acessibilidade, a usabilidade desses sites também apresentou pouca aderência às
questões propostas na análise. Ainda que os erros e problemas não impeçam,
necessariamente, o acesso ao serviço pode prejudicá-lo. Os erros de acessibilidade
podem comprometer a utilização por um determinado grupo de usuários, ou de pessoas
em determinada situação ou condição.

O mesmo se aplica a usabilidade e à adequação aos dispositivos móveis. Apesar


dos erros o site será exibido no dispositivo. Em se tratando de usabilidade, os principais
problemas encontrados nos sites foram aqueles relacionados à correspondência dos
links, navegação, opções de pesquisa e ajuda. Os links geralmente não estão claramente
identificados, e as recomendações para navegação não são seguidas, principalmente as
que dizem respeito à localização do usuário no site ou sistema e à necessidade de um
mapa do site. A maior parte dos sites não oferece mecanismos de busca em todo o
conteúdo do site nem recursos de ajuda para o usuário.

Entre os itens específicos deste tipo de serviço identificamos deficiências em


oferecer recursos de arquivos em formato aberto e acessível, e na provisão de perguntas
frequentes que poderiam fornecer orientação ao usuário. Nem todos os itens deste
quesito são obrigatórios, como as redes sociais ou os contatos, por exemplo. Mas
demonstram a preparação ou disposição no atendimento ao cidadão e às novas
demandas de pontos ou canais de contato com o Estado.

Buscamos identificar práticas que podem ser eficazes na prestação de serviços


eletrônicos de governo, sejam eles voltados para o cumprimento do direito de acesso à
informação pública ou não. Além dos requisitos mínimos de acessibilidade, usabilidade
e atendimento aos padrões estabelecidos no governo, sugerimos uma série de medidas
que poderiam ser tomadas para ampliar o acesso e evitar a inibição de um cidadão no
momento de utilizar um serviço eletrônico:

• Possibilidade de pedido de informação sem necessidade de cadastro,


desde que haja a identificação mínima para fornecimento da informação
e possibilidade de acompanhamento do andamento do pedido através de
identificação fornecida no momento do pedido;

• Compatibilidade com dispositivos móveis;

• Canal de comunicação e/ou suporte para atendimento às dúvidas de


utilização (não necessariamente de formulação de pedido);

• Perguntas frequentes;

• Solicitações, recursos e suas respectivas respostas disponíveis para


consulta;

• Possibilidade de que o cidadão escolha o formato em que deseja receber


a informação;

• Esclarecimentos sobre atendimento (dias e horários) bem como sobre a


possibilidade de cobrança de custos de reprodução, seus valores, formas
de pagamento e isenções.

Considerações finais

Segundo Lopes (2011), o fim de diversos regimes autoritários na América Latina


na década de 1980 impulsionou o surgimento de novas constituições que tratavam,
inclusive, de garantias específicas de liberdade de expressão e de acesso à informação
pública. Foi apenas no século XXI que a maior parte dos países da América Latina
aprovou suas leis de acesso à informação pública. De acordo com o autor, se por um
lado isso significa um mal devido ao atraso em relação a outros países, também
significa um bem, já que alguns países latino-americanos contam hoje com algumas das
legislações mais avançadas sobre transparência governamental. Estas leis preveem, por
exemplo, uma intensa utilização das TIC, sobretudo a internet. Como vimos
anteriormente essas tecnologias são dotadas de potencial para a promoção da
transparência governamental de forma eficiente e barata, sendo muito importantes em
políticas de acesso à informação pública (LOPES, 2011). A aplicação das tecnologias de
informação e comunicação colabora para o aprimoramento do funcionamento do Estado
através do governo eletrônico. Podem auxiliar processos e atividades como o
gerenciamento de documentos e de informação pública, capacitação de servidores
públicos no tratamento e acesso à informação, ou publicação e divulgação de
informação pública para os cidadãos. Através da tecnologia podem ser instituídos
procedimentos simples, rápidos e gratuitos ou de baixo custo. Entre os 19 países da
América Latina com legislação de acesso à informação vigente localizamos 8 com
serviços eletrônicos para solicitação de informação pública unificados a nível federal.
Existem questões políticas, normativas, financeiras, culturais, de infraestrutura, recursos
e capital humano, por exemplo, a serem consideradas na justificativa para o pequeno
número de países que utilizam a internet para este fim.

Pesquisamos nos países analisados guias ou padrões que determinassem como


fazer uso da internet em sites e serviços de governo. Nos países que adotam guias para
desenvolvimento de sites e/ou governo eletrônico (cinco entre os oito analisados),
sempre são citados padrões internacionais de desenvolvimento que devem ser seguidos,
além de legislações nacionais específicas de direito de acesso a pessoas com deficiência
e acesso à informação pública. O foco do governo eletrônico deve ser sempre o cidadão,
por isso a importância de serem tomadas medidas para promoção do acesso à
tecnologia, à internet, e à educação da sociedade para o uso da tecnologia e acesso à
informação pública. A comunicação pode contribuir para o fortalecimento da cultura de
acesso à informação, incentivando solicitações e fazendo uso deste direito para
produção de conteúdo midiático. Cabe à comunicação também lugar nas equipes que
elaboram e implementam os serviços eletrônicos de governo, produzindo textos,
discutindo funcionalidades, layout e auxiliando na manutenção do foco no cidadão.

Tendo em mente que a tecnologia em si não supera aspectos como a apatia


política ou falta de engajamento cívico, propomos sua contribuição para a consolidação
da democracia, representando uma ferramenta para mudança gradual deste cenário,
juntamente com o aprimoramento do Estado e da forma como trabalha e interage com o
cidadão através do governo eletrônico. A partir do momento em que o usuário está
diante de um serviço eletrônico de governo, este tem que ser acessível e aprazível,
independentemente da condição, situação, ambiente, deficiência, idade ou familiaridade
com a tecnologia que o cidadão tenha. O serviço público é destinado a todos, e no
formato eletrônico deve espelhar esta característica. De acordo com Vivarta (2003),
uma sociedade inclusiva tem compromisso com as minorias (não apenas pessoas com
deficiência), e o compromisso com estas pessoas e sua diversidade exige transformações
intrínsecas, um movimento com características políticas.
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A capa foi composta no formato 210x297mm
em DejaVu Sans e Serif
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