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ISSN 0101-1723
Ensaios FEE
Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried
Emanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de caráter
técnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.
Semestral
ISSN 0101-1723
CDU 33(05)
Sumário
Summary
Resumo
O presente artigo discute a atuação dos grandes grupos industriais sob a ótica
das cadeias globais de valor. Com esse procedimento, é possível visualizar o
papel que exerce uma empresa multinacional quando está à frente de uma ca-
deia produtiva, seja como produtora final, seja como distribuidora internacional.
Baseado nesse referencial, o texto analisa a dinâmica de produção e difusão de
inovação, as estratégias territoriais das grandes empresas e o processo de
reestruturação produtiva e organizacional nas suas conseqüências sobre o em-
prego industrial. A análise efetuada permite concluir que somente a ação do
Estado, juntamente com o reforço de uma governança local representativa, pode
evitar que a internacionalização das cadeias produtivas conduza ao enfraqueci-
mento do tecido produtivo, colocando em risco a perspectiva de um desenvolvi-
* As reflexões contidas neste texto resultam de debates efetuados no bojo do projeto Reper-
cussões da Atuação de Grandes Empresas Sobre a Cadeia Produtiva de Máqui-
nas e Implementos Agrícolas no RS, que está sendo desenvolvido no Núcleo de Análise
Setorial da FEE. Dele também participam as pesquisadoras Sheila Sara Wagner Sternberg, do
Núcleo de Desenvolvimento Regional, e Denise Barbosa Gros, do Centro de Informações
Estatísticas, que contribuíram na discussão deste artigo. O Projeto propõe-se a examinar o
caso particular da cadeia produtiva de máquinas e implementos agrícolas da região Noroeste
do RS, anteriormente dotada de uma inserção regional substancial e que teve sua dinâmica
alterada em função de operações de fusão/aquisição por parte de empresas internacionais.
As autoras do texto agradecem as valiosas sugestões e comentários dos Economistas
Flávio Fligenspan, Beky Macadar, Julia d’Ávila e do Sociólogo Fernando Cottanda.
Artigo recebido em 24 ago. 2006 e aceito para publicação em dez. 2006.
Palavras-chave
Reestruturação produtiva; inovação; cadeias produtivas.
Abstract
The article discusses the performance of large industrial groups considering the
global value chains. In this approach we can observe the role of a multinational
company when it is commanding the chain, whether as a final producer or as an
international distributor. Based on these referential, the article discusses the
dynamics of production and diffusion of innovation, the territorial strategies of
the large companies and the consequences of the reorganization of the productive
processes to the industrial employment. The analyses concludes that is only
combining State policies with a representative local governance can we avoid
the weakening of the productive tissue due to the internationalization of productive
chains, restricting endogenous development. It is important to emphasize that in
the present context of reduced state intervention capacity, the implementation
of policies combining local development and globalization is being very difficult.
Key words
Productive restructuration; innovation; productive chains.
Introdução
O fenômeno da globalização, pela profundidade e diversidade das muta-
ções que produziu — e segue produzindo —, enseja reflexões sobre os mais
diversos aspectos da organização social. O termo globalização refere-se
1
Quando, neste artigo, se evocam grandes empresas industriais globalizadas, empresas
multinacionais ou transnacionais, está-se referindo a empresas cujo fim é a produção indus-
trial e que integram grandes grupos internacionais ou grandes corporações internacionais,
o que é diferente de uma grande empresa industrial internacional com sede local, que não
está inserida em um grande grupo mundial.
2
Referem-se, notoriamente, ao norte da Itália (a Terceira Itália) e a algumas regiões da então
Alemanha Ocidental, dos Estados Unidos (o Vale do Silício) e do Japão.
3
Quando Perez (1989) e Freeman (1975) referiam-se às “janelas de oportunidade” abertas
pelas mudanças do paradigma tecnológico, consideravam que novos países e novas empre-
sas poderiam passar a produzir alguns produtos-chave desse novo paradigma e, assim,
melhorar sua condição de competitividade no quadro internacional. Porém isso somente
seria possível no início desse novo ciclo, quando as tecnologias ainda não estivessem
maduras e, ainda assim, contando com um apoio institucional muito forte. Essas oportunida-
des não se configuram atualmente, dado que a maior parte das inovações são incrementais,
não havendo perspectivas próximas de lançamento de tecnologias que provoquem o início
de um novo paradigma tecnológico.
Do que foi acima exposto, fica claro que a análise dos processos
econômicos não pode deixar de considerar também os aspectos territoriais a
eles relacionados, tendo em vista que o elemento espaço passou a ser uma
variável estratégica para os capitais em busca de ganhos pelo mundo afora. Do
ponto de vista da economia, portanto, o território deixa de ser o substrato neutro
sobre o qual se instalam atividades econômicas, mas ele passa a integrar —
desde dentro — as estratégias globais dos grandes grupos econômicos.
Pensando em situar as conseqüências territoriais do processo de
globalização, apresentam-se três grandes tendências observáveis em escala
mundial (Breitbach, 2001, p. 26) a título de pano de fundo para a análise que
segue.4
4
Devido à complexidade do assunto, utilizou-se uma abordagem esquemática. Tal procedi-
mento, entretanto, não implica desconhecer o fato de que o tempo das mutações territoriais
não corresponde forçosamente ao das transformações econômicas e que não se pode
estabelecer nenhum determinismo entre ambos.
5
Note-se, assim, que não apenas as firmas estão em competição entre si — como quer a
corrente liberal neoclássica —, mas os espaços locais também entram em competição
mundial pela repartição territorial dos investimentos, ou seja, pela criação e pela repartição
de riquezas.
6
Ao enfatizar esse aspecto, Pecqueur procura fazer um contraponto a uma linha de pensa-
mento que vê nas iniciativas de desenvolvimento local uma forma de resistência aos malefícios
da globalização.
regiões pobres e as ricas, tende a desaparecer, para dar lugar a uma verdadeira
marginalização das periferias. Nessa linha de interpretação, pode-se concluir
que as periferias do sistema capitalista não somente continuam existindo, como
também o processo de exclusão que as produz se aprofunda, até de forma
dramática, dependendo da direção que toma o olhar pelos horizontes planetá-
rios.7
Finalmente, a terceira conseqüência territorial da globalização a elen-
car — já evocada neste texto — consiste na “redescoberta” da dimensão local e
na importância do espaço como elemento estratégico na lógica das empresas.
Durante a hegemonia do sistema de produção fordista, o espaço geográfico não
apresentava conotação particular: ele era simplesmente o suporte material da
atividade econômica. Com a crise do fordismo e com a mudança de paradigma
tecnológico, evidenciou-se o papel da aglomeração e da proximidade na dinâmi-
ca da inovação, resgatando, portanto, o espaço como elemento estratégico na
nova ordem econômica. Inúmeras pesquisas e estudos de caso demonstram
que as trocas de conhecimentos pela experimentação, pelo agir em conjunto,
propiciadas pela proximidade entre os agentes, constituem o cerne do processo
inovativo8.
O movimento de “redescoberta” da dimensão local não se limita à proble-
mática da inovação, embora seja evidente o papel desta como elemento-chave
na nova ordem econômica. A revalorização do espaço local adquiriu, ainda,
grande relevância para a temática do desenvolvimento econômico. Até meados
dos anos 70, a literatura sobre economia regional enfatizava o desenvolvimento
a partir de fatores externos, numa dinâmica vinda “de cima”. Nessa ótica, o
desenvolvimento regional deveria dar-se pela aplicação de recursos oriundos de
esfera superior (Estado, nação, organismos internacionais, instituições multila-
terais), para alavancar o crescimento em regiões de baixo dinamismo. Esse
modelo repousa sobre a teoria da difusão do progresso técnico, segundo a qual
o desenvolvimento se dá através da modernização do tecido produtivo, com
transferências de capitais e de tecnologia e, muitas vezes, também de mão-de-
-obra qualificada.9
7
O que dizer da situação de grande parte dos países do continente africano?
8
Para os pesquisadores dos “meios inovadores” (Aydalot, 1986), a inovação é vista
sempre como um fenômeno territorializado, fruto da interação e da iniciativa de agentes que
compartilham o mesmo ambiente socioeconômico. Como bem observa Pecqueur (2006),
essa concepção tem uma filiação schumpeteriana, porém substituindo a figura isolada do
empresário inovador pelo “meio inovador”, resultado do empreendedorismo coletivo.
9
Nesse contexto, insere-se a noção de “pólo de crescimento”, onde uma “firma motriz”
semearia o desenvolvimento através de efeitos positivos em cadeia, dinamizando todo o
tecido industrial. Essa concepção, elaborada pelo economista francês François Perroux, foi
muito difundida nas décadas de 50 e 60.
10
É interessante referir a “distinção crucial”, salientada por Pecqueur (2006, p. 9), entre
recurso e ativo no contexto do desenvolvimento local. Um ativo é um fator “em atividade”,
ou seja, que tem valor de mercado (preço). Um recurso, por outro lado, constitui-se “[...]
numa reserva, num potencial latente, e mesmo virtual, que pode transformar-se em ativo,
se as condições de produção ou de criação de tecnologia permitirem”.
Todavia é preciso ter presente que, assim como o fordismo não apresentou
uma perfeita homogeneidade, mas traços comuns aos diferentes países — o
que engendrou uma configuração mundial capaz de dar corpo ao que ficou co-
nhecido como modelo de desenvolvimento fordista —, as alternativas ou os
novos paradigmas emergentes também estão sujeitos à mesma trajetória, ou
seja, sofrem adaptações e arranjos de acordo com a realidade econômico-
-social encontrada. A transferibilidade de princípios ou de um modelo é, pois,
algo limitado. As especificidades de cada lugar e as características de
determinados tipos de indústrias ou das atividades econômicas imprimiram
distintas possibilidades de desenvolvimento tanto para o paradigma fordista
quanto para as suas formas de superação. As diferenças de um país para outro
foram acentuadas, bem como se registraram formas diversas de gestão da
produção e do trabalho em vários segmentos de uma dada estrutura produtiva.
11
O I Plano Brasileiro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (I PBDCT) foi lançado no
Brasil, em 1973, como parte complementar do Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND),
lançado em 1972 e que vigorou até 1974. O I PBDCT marca a primeira tentativa de organi-
zação de um sistema brasileiro de pesquisa e veio reforçar os aspectos institucionais
(financiamentos e prioridades) do sistema brasileiro de inovação. O fato de ter sido conce-
bido a partir das bases do I PND mostra que havia uma preocupação em vincular os
sistemas de produção e de pesquisa ao desenvolvimento científico e tecnológico.
12
O maior volume de investimentos estatais e públicos ocorreu no período 1975-79, quando
vigorava o II PND, estendendo-se até 1981-82, devido ao atraso nas obras.
13
Nesse contexto, ressalta-se a atuação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que
exerceu também o papel de articuladora entre instituições de pesquisa e empresas esta-
tais e privadas, destacando-se a formação de parcerias que resultaram no desenvolvi-
mento do avião Tucano, da Embraer, de inúmeros projetos desenvolvidos pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e em projetos de pesquisa e de formação
de recursos humanos da Petrobrás (www.finep.gov.br). Também é essencial ressaltar a
atuação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de outras
financiadoras públicas estaduais.
14
Durante o Governo Sarney (1985-90), que já conviveu com as fortes restrições da despesa
pública iniciadas em 1983, persistiu uma tentativa de manutenção — e mesmo qualifica-
ção — do desenvolvimento científico e tecnológico, através da criação do Ministério de
Ciência e Tecnologia (1985), que apoiou o desenvolvimento da pesquisa nos novos seg-
mentos: biotecnologia, novos materiais e informática/microeletrônica.
15
Expressão cunhada nos anos 90 para denominar empresas e/ou atividades econômicas
que supostamente não sofrem nenhum tipo de constrangimento espacial. Dizia-se também
que essas empresas “flutuavam” no espaço.
16
A desverticalização produtiva ensejou também o surgimento das “empresas ocas”, assim
chamadas porque não se ocupam diretamente das etapas produtivas (encomendam a
terceiros), ficando apenas com as atividades de P&D, design, gerenciamento da marca e
financiamento da produção (Fernandes, 2001, p. 44).
17
Empresas ou firmas transnacionais ou multiterritoriais são aquelas que organizam sua
produção em diversos espaços de implantação e interagem simultaneamente com diversos
meios locais situados em diferentes territórios nacionais.
18
Os trabalhos citados apontam, ainda, outros fatores que testemunham a fraca sinergia
entre as grandes empresas automotivas e seu meio de inserção. Os aspectos tecnológicos,
por exemplo, dão conta de que parte importante da engenharia de produção é realizada em
outro local, cabendo às “sistemistas” a fabricação e a montagem dos componentes confor-
me padrões preestabelecidos. Em suma, não há inovação no sítio de produção. Por outro
lado, a rede de centros de pesquisa e universidades situada na região é pouco utilizada,
tendo em vista o acima exposto.
5 Considerações finais
A discussão do conceito de cadeia produtiva vis-à-vis à nova dinâmica
internacional de acumulação de capital colocou em evidência o conceito de
cadeias globais de valor. A utilização deste último tornou-se uma ferramenta
que permite unir diversas áreas do conhecimento, na medida em que insere os
efeitos da globalização produtiva no estudo das relações interfirmas e da dinâ-
mica do desenvolvimento territorial. Com esse procedimento, é possível visualizar,
de maneira bastante nítida, o papel que exerce uma empresa multinacional,
quando está à frente de uma cadeia produtiva, seja como produtor final, seja
como distribuidor internacional. Ademais, o conceito de cadeia global de valor
constitui-se num eixo que perpassa transversalmente a análise da atividade
produtiva, permitindo um olhar particular através de certos ângulos que, embora
Referências
ANDERSON, E. S.; LUNDVALL, B. A. Small national systems of innovation. In:
ANDERSON, E. S.; LUNDVALL, B.A. (Org.). Small countries facing
technological revolution. London: Pinter, 1988.
AYDALOT, Philippe. Milieux innovateurs en Europe. Paris: GREMI; Economica,
1986.
BENKO, Georges; LIPIETZ, Alain. Les régions qui gagnent. Paris: PUF, 1992.
BOYER, Robert. A teoria da regulação: uma análise crítica. São Paulo: Nobel,
1990.
Resumo
Palavras-chave
Cooperação interfirmas; inovações; coordenação.
Abstract
This paper proposes a redefinition of the debate concerning to the inter-firm
cooperation. In order to reach this objective, instead of to use the concept of
inter-firm network, as common in many studies on the theme, this analysis is
based on the idea that cooperation is a strategy of the individual firm. It is
considered two main issues (efficiency and coordination) for the understanding
of cooperation, both needing detailed analysis. The paper concludes that only
with the elaboration of a “theoretical paradigm” that includes the firm’s approaches
of Dynamic Capabilities and of Transaction Costs, besides elements of the Game
Theory, such issues and the interfirm cooperation will be fully understood.
Key words
Interfirm cooperation; inovations; coordination.
1 Introdução
O tema da cooperação entre firmas apresenta uma relevância cada vez
maior para o entendimento do comportamento e do desempenho das empresas
no mundo atual. Inclusive porque, num ambiente de acirramento da concorrência
e da globalização dos mercados, juntar esforços pode ser uma estratégia funda-
mental na busca de competitividade.
Mas não se pode esquecer que, apesar da importância reconhecida, a
análise sobre cooperação é muito fragmentada, e ainda não se chegou a um
consenso mínimo, entre as diversas áreas do conhecimento que a pesquisam1,
a respeito das questões mais relevantes que devem ser investigadas — e como
isso pode ser feito —, o que também é dificultado pela própria complexidade do
assunto (Osborn; Hagedoorn, 1997; DeBresson; Amesse, 1991).
Essa proliferação de opiniões acaba sendo constatada também no caso
específico dos economistas, que, além das diversas vertentes teóricas que
pesquisam sobre cooperação, em muitos casos procuram integrar suas aborda-
gens com as de sociólogos e geógrafos, por exemplo. Como conseqüência,
nota-se, também nessa área do conhecimento, a completa falta de uma unidade
conceitual mínima, que possa nortear o debate em torno do tema. Indícios cla-
ros nesse sentido são a profusão de termos para caracterizá-lo2, o grande núme-
1
Economistas, administradores de empresa, sociólogos, geógrafos, cientistas políticos, etc.
2
Redes de firmas, firmas em rede, distrito industrial, cluster, cadeia produtiva, complexo
industrial, parceria, consórcio, consórcio de P&D, arranjo, aliança estratégica, joint venture,
colaboração, redes de inovação, redes de subcontratação, redes horizontais, redes verti-
cais, franchising, terceirização, etc.
3
O artigo não nega a importância de estudos multidisciplinares, mas restringe-se à área
econômica por um motivo simples: conforme se verá, a ciência econômica ainda está longe
de esgotar suas possibilidades teóricas na explicação da cooperação interfirmas.
4
Britto (1999) faz um apanhado bastante representativo das diversas visões sobre coopera-
ção a partir de um enfoque de rede de firmas, inclusive propondo uma tipologia nessa
direção.
5
Conforme se verá, no que se refere à eficiência, é importante distinguir a economia de custos
de produção e de transação (eficiência estática) da busca e da criação de inovações lato
sensu (eficiência dinâmica).
6
Na verdade, na explicação da cooperação enquanto rede de firmas, uma perspectiva que
integre várias visões teóricas também é útil, conforme proposto por Britto (1999, cap. 2).
7
Nesse caso, com o importante aporte de elementos da Teoria dos Jogos, conforme se verá
adiante.
firma individual passou também a receber atenção dos teóricos como instância
alternativa de coordenação, oposta ao mercado. Surgiria aí a dicotomia firma-
-mercado, utilizada freqüentemente para a identificação e o estudo de proble-
mas de alocação de recursos pelos economistas.
Porém formas organizacionais diferentes de firmas e mercados, sempre
presentes nas economias capitalistas, continuaram sem merecer o devido re-
conhecimento por parte dos estudiosos. A dicotomia firma-mercado só viria a
ser superada, com a análise de outras formas de coordenação entre esses dois
pólos, a partir do texto clássico de Richardson (1972), que notou o crescente
envolvimento de firmas em acordos fora do mercado com outras firmas e ins-
tituições.
Somente nas últimas décadas, passaram a ter tratamento teórico siste-
mático formas de cooperação que, em alguns casos, já existiam há séculos,
dado que a cooperação, provavelmente, surgiu juntamente com a própria atividade
manufatureira. A literatura sobre história da indústria descreve com detalhes, por
exemplo, a importância dos sistemas de putting out ainda nos primeiros está-
gios dessa atividade econômica. Mesmo a cooperação em seu sentido “maléfi-
co” (cartéis, acordos de liderança de preços, etc.) já era analisada por Smith
(1983). Mais tarde, no século XIX, Marshall (1982) descreveria com detalhes os
“distritos industriais”, apontando o papel vital das externalidades nesses ar-
ranjos cooperativos. Na primeira metade do século XX, portanto, muito antes de
o tema receber a atenção que vem merecendo a partir dos anos 80, registravam-
-se acordos formais de colaboração em P&D entre firmas. Sabe-
-se, por exemplo, de muitos casos de programas de pesquisa colaborativa e
redes durante a Segunda Guerra Mundial, alguns deles liderados por governos
(Freeman, 1991, p. 500-501).
Assim, devido à sua ampla utilização ao longo dos anos e com sentidos os
mais variados possíveis, uma tentativa de delimitação do conceito de coope-
ração interfirmas é necessária, antes de se apresentarem as principais ques-
tões teóricas sobre o tema. Uma primeira distinção importante é entre os termos
“cooperação” e “rede de firmas”. Cooperação é o termo mais utilizado neste
trabalho, por estar diretamente relacionado com o processo decisório das em-
presas, ou seja, sendo visto como uma estratégia empresarial em busca de
competitividade. O termo rede de firmas, por sua vez, tem significação mais
ampla.8 Pode-se referir, por exemplo, a “externalidades em rede”9, que obvia-
8
Uma apresentação dos vários significados desse conceito pode ser encontrada em Britto
(1999, cap. 1).
9
Em muitos casos, o conceito genérico de rede é associado a externalidades geradas pelo
consumo de bens ou fatores por um maior número de agentes. Essas externalidades refe-
rem-se a situações nas quais as escolhas individuais de determinados agentes são afeta-
das pelo conjunto das escolhas dos demais agentes relativas àquele bem ou fator (Katz;
Shapiro, 1994; Britto, 1999, cap. 2).
10
Outro ponto a ser ressaltado é que, neste artigo, se tratará da cooperação interfirmas
considerada “benéfica”, deixando de lado as práticas cooperativas consideradas, em mui-
tos casos, anticompetitivas, como a formação de cartéis, acordos de liderança de preços,
fusões, etc. E, dentro da cooperação “benéfica”, não serão tratados aqui, por razões de
simplificação, acordos de cooperação entre empresas e órgãos governamentais (e univer-
sidades) — restringindo-se este trabalho ao estudo da cooperação apenas entre firmas pró-
-lucro — e também a cooperação intrafirmas, embora não se esteja negando a importância
de tais temas.
11
De certa forma, aqui se está tomando por base o trabalho de Jarillo (1988), que, partindo do
princípio de que “redes estratégicas” permitem a firmas que as integram ganhar ou susten-
tar vantagem competitiva frente a seus competidores fora da rede, divide as questões
principais sobre cooperação nesses dois grupos, embora com nomes e definições dife-
rentes.
É importante, então, detalhar o que surgiu de novo sobre o tema, nos anos
80 e 90, que fez com que o mesmo despertasse o enorme interesse acadêmico
que chega aos dias atuais. Mais que isso, é importante responder o que mudou
na motivação que leva as firmas a cooperarem. Freeman (1991) ressalta mu-
danças quantitativas e qualitativas. Segundo esse autor, ao mesmo tempo em
que se assistiu, nas duas últimas décadas, a um grande incremento no número
de acordos cooperativos, tanto formais como informais, incluindo alguns tipos
novos de redes, notaram-se também transformações importantes em tipos de
cooperação já existentes.
Em termos quantitativos, vários estudos confirmam um crescimento ex-
tremamente rápido do número de acordos de cooperação em P&D, tanto inter-
nacionais como nacionais e regionais, especialmente em novas tecnologias
genéricas (biotecnologia, novos materiais e tecnologia de informação), a partir
dos anos 80 (Hagedoorn; Schakenraad, 1990; Freeman, 1991).
Quanto às mudanças qualitativas, nas redes de subcontratação, por exem-
plo, tais mudanças são mais importantes ainda que o incremento quantitativo
verificado. O caso mais claro é, sem dúvida, o do Japão. Muita atenção tem sido
prestada às indústrias automobilística e eletrônica japonesas, que apresenta-
ram crescimento muito rápido nas últimas décadas. Nas novas relações de
subcontratação, a especialização (ligada à crescente competência técnica dos
fornecedores) tem sido a principal razão do uso desse tipo de rede por parte das
grandes empresas. Custo e escala de estoques são considerados fatores mais
triviais para se explicar tais transformações (Freeman, 1991, p. 504-505).
Assim, em muitos setores, as firmas teriam sido simplesmente incapazes
de competir, se não estivessem propensas a fazer parte de uma variedade de
formas de cooperação tecnológica. Para Freeman (1991), tomando esse fato
juntamente com a evidência quantitativa sistematizada por Hagedoorn e
Schakenraad (1990), é bastante claro que a principal fonte de mudança susten-
tando os novos desenvolvimentos em rede para a inovação reside nos rápidos
desenvolvimento e difusão das novas tecnologias genéricas, principalmente a
tecnologia de informação (Freeman, 1991, p. 508).
O desejo de copiar as características japonesas em tecnologia tem sido
outro fator importante na aceleração internacional das redes de inovação, nos
anos 80, e na mudança qualitativa nas redes de fornecedores das indústrias.
Nesse sentido, alguns autores chegam a descrever a economia japonesa como
“nada mais que uma rede de inovadores” (Freeman, 1991, p. 509).
Porém, para Freeman (1991), seria errado interpretar os novos desenvol-
vimentos em redes como, principalmente, um fenômeno japonês ou, exclusi-
vamente, um fenômeno associado com a tecnologia da informação. A evidên-
cia empírica é perfeitamente clara no sentido de que desenvolvimentos simila-
Do exposto até aqui, pode-se concluir que, nas últimas décadas, ocorre-
ram significativas mudanças quantitativas e qualitativas nos acordos de coope-
ração interfirmas, que exigem uma redefinição na análise das razões que levam
uma firma a cooperar. Se critérios de eficiência estática (economia de custos)
continuam tendo sua importância, é verdade que, em muitos casos, a busca
pela eficiência dinâmica é o fator preponderante na elaboração de acordos de
cooperação no mundo atual. Com isso, uma análise que leve em conta, por
exemplo, a cooperação tecnológica e o compartilhamento de aprendizado e
capacitações em busca da inovação, comuns em redes como alianças estraté-
gicas, distritos industriais e redes de fornecedores, tem que ser considerada
na explicação desse fenômeno.
Assim, dentre as diversas visões da firma existentes, a única que apre-
senta elementos teóricos para explicar esse tipo de cooperação, apresentando
um já razoável esforço de análise nessa direção, ao levar em conta a crescente
exigência de requisitos de capacitação e aprendizado para um agente integrar
qualquer rede cooperativa, é a abordagem das Capacitações Dinâmicas12.
Esses autores consideram (Teece; Pisano, 1994) que os vencedores nos
mercados globais têm sido firmas que apresentam inovações, juntamente com
a capacitação de gerenciamento para efetivamente coordenar e transferir com-
petências internas e externas, notando que só recentemente os pesquisadores
passaram a levar em conta o desenvolvimento de capacitações específicas à
firma e a maneira pela qual as competências são renovadas para responder a
mudanças no ambiente de negócios. Para essa nova visão da firma, a vanta-
gem competitiva reside nas capacitações dinâmicas enraizadas em rotinas de
alta performance operando dentro da firma, inseridas nos seus processos e
condicionadas por sua história.13
Com isso, construir uma visão da firma a partir das Capacitações Dinâmi-
cas requer identificar os fundamentos sobre os quais vantagens distintivas e
difíceis de copiar podem ser construídas. O ponto-chave é que as propriedades
da organização interna não podem ser copiadas por um portfólio de unidades de
negócio articuladas por meio de contratos formais, da mesma forma que os
12
A abordagem das Capacitações Dinâmicas da firma também é chamada, em certos contex-
tos, de “neo-schumpeteriana” ou “evolucionária”.
13
Segundo esses autores, essa fonte de vantagem competitiva, as Capacitações Dinâmicas,
enfatiza dois aspectos principais: em primeiro lugar, ela se refere ao caráter mutante do
ambiente (por isso, dinâmicas); em segundo, ela enfatiza o papel-chave do gerenciamento
estratégico em adaptar, integrar e reconfigurar, de forma apropriada, habilidades
organizacionais internas e externas, recursos e competências funcionais para ambientes
com mudanças (resumido na idéia de capacitações).
14
Os principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das Capacitações Dinâmicas não
serão apresentados aqui. Para maiores detalhes, ver Teece e Pisano (1994) e Baptista
(1997).
15
Podem ser incluídos aqui os estudos de Freeman (1991), Lundvall (1988, 1993), Foray
(1991), DeBresson e Amesse (1991), Saxenian (1991), Grabher (1993), Teece e Pisano
(1994), Teece (1986, 1988, 1992), Pisano (1990), Jorde e Teece (1992), Hobday (1994) e
os autores da teoria da “coerência corporativa” (Dosi; Teece; Winter, 1992).
16
Para mais detalhes e exemplos sobre ativos complementares, ver o artigo clássico de Teece
(1986) sobre o tema.
Figura 1
Capacitações, cooperação e vantagens competitivas
Capacitações/
Vantagem
↑ APRENDIZADO /Competências ↑ INOVAÇÕES
e Ativos Competitiva
Complementares
17
Isso, evidentemente, não significa negar a importância da abordagem do agente principal no
entendimento de certos tipos de rede, como, por exemplo, as de subcontratação (Britto,
1999, cap. 2). Apenas deve ser ressaltado que a abordagem dos Custos de Transação se
revela mais completa para o entendimento da coordenação da ampla gama de tipos de
acordos cooperativos existentes.
18
As principais proposições da abordagem dos Custos de Transação já são bastante conhe-
cidas e não serão discutidas aqui. Tais proposições podem ser encontradas, com deta-
lhes, em Williamson (1985, cap. 1-4) ou em Pondé (1993, cap. 1 e 2).
serem organizadas sob o modo híbrido (Williamson, 1996, p. 108). Isso equiva-
leria a um intervalo intermediário de especificidade de ativos, não tão elevado
como no caso da hierarquia e nem tão baixo como no caso dos mercados puros.
No que se refere à coordenação propriamente, as formas híbridas neces-
sariamente envolverão algumas formas de planejamento e de decisões admi-
nistrativas, tanto dentro das firmas como entre as firmas envolvidas (de outro
modo, o mercado seria suficiente). Elas desenvolverão características especí-
ficas para manter relações de longo prazo entre as partes do arranjo, enquanto
garantem uma coordenação eficiente e participações aceitáveis na quase-renda
gerada (Ménard, 1996, p. 157).
Isso pode ser melhor entendido a partir do conceito de “adaptação”, que é
crucial em qualquer forma de governança e, segundo Williamson, “[...] é o pro-
blema econômico central” no estudo das organizações econômicas (Williamson,
1996, p. 101-102; Pondé, 2000, p. 88-89). Tal conceito refere-se à capacidade de
uma forma de governança de lidar com distúrbios que continuamente surgem
entre os agentes que a integram ao longo do tempo.
Williamson (1996) propõe uma distinção entre um tipo A de adaptação
(onde A é para “autônomo”), comum nos mercados e operando por meio de
preços, e um tipo C de adaptação (C significando “cooperação”), comum nas
hierarquias,19 com o fiat como o centro da adaptação. O modo de adaptação das
formas híbridas seria um meio-termo entre o tipo A e o tipo C, operando eficien-
temente tanto na adaptação autônoma como na cooperativa, mas não tão bem
quanto os mercados no primeiro caso ou tão bem quanto as hierarquias no
último (Williamson, 1996; Ménard, 1996, p. 160). De forma mais concreta, esse
tipo de adaptação tem que lidar com questões como as seguintes:
- repartição da quase-renda gerada - a existência de uma quase-renda
pode levar a conflitos no que se refere à sua distribuição entre os partici-
pantes de um arranjo cooperativo. Nesse caso, um comportamento opor-
tunista costuma surgir por causa da indeterminação relacionada à ausên-
cia de um critério objetivo na sua repartição (como seria o caso, num
contexto neoclássico, da produtividade marginal dos fatores, por exem-
plo). É o problema conhecido como hold-up (Brousseau, 1993, p. 24-25);
- assimetrias de informação - as assimetrias informacionais induzem
igualmente a conflitos, porque os indivíduos que não têm possibilidade
de conhecer com precisão o “estado do mundo” inferem a verdade a partir
de observações diferentes, que os conduzem a possuir, cada um, uma
19
É importante ressaltar que “cooperação”, na forma como Williamson utiliza o termo nesse
contexto, se refere somente à adaptação interna às firmas.
Figura 2
Questões contratuais e custos de transação
COORDENAÇÃO
a) Quase-renda Modo de
b) Assimetrias Custos de Vantagem
c) Incentivos Transação Competitiva
d) Monitoração Adaptação
e) Outras
20
Segundo Ménard (1996), a adaptação em formas híbridas tem muitas explicações (cláusu-
las de compromissos críveis, por exemplo) que ainda necessitam ser integradas dentro de
uma explicação coerente (Ibid.). Esse ponto será retomado a seguir.
21
Para mais detalhes sobre como a noção de formas híbridas de Williamson pode ser refinada
nesse sentido, ver Grassi (2003).
22
A partir do “modelo de refém” de Williamson (1985).
23
E aqui o próprio Williamson reconhece que a literatura sobre a Teoria dos Jogos avança em
relação à sua exposição sobre o assunto. Citando os trabalhos de Kreps, Williamson
reconhece que esse autor está realmente preocupado com a evolução das relações
comerciais — estas sendo produto do aprendizado, do condicionamento social, da cultura
corporativa, etc. —, e, por isso, os mecanismos intertemporais são a questão-chave
(Williamson, 1996a, p. 265-266). O autor não se diz somente simpático com essa linha de
argumento, mas chama atenção para o fato de que o esquema estático de sua análise
simplifica demasiadamente a questão, no sentido de que toma esses tipos de efeitos
intertemporais como dados (Williamson, 1996a, p. 266).
24
Maiores detalhes podem ser encontrados nos próprios textos dos autores ou em Grassi
(2004).
Custos
↑ Confiança de
Vantagem
Compromissos Competitiva
ou
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007
Críveis Transação
↓ Oportunismo
(ativos específicos)
63
64 Robson Antonio Grassi
25
Uma breve avaliação dos principais manuais de organização industrial existentes é sufici-
ente para se concluir que os autores ainda precisam avançar bastante, para chegarem a
um entendimento mais aprofundado dos acordos de cooperação. Nos livros de Tirole
(1988, p. 413-414) e de Milgrom e Roberts (1992, p. 575 e seguintes), por exemplo, a
questão das alianças estratégicas aparece de forma apenas superficial.
26
Fatores relacionados com o mercado relevante no qual ocorre o arranjo cooperativo, como
o padrão de concorrência, a estrutura de mercado, o padrão e a trajetória tecnológicos, o
ambiente institucional, etc., não serão tratados aqui apenas por razões de simplificação da
análise, que se concentra na questão da firma individual.
Capacitações/ Eficiência
INOVAÇÕES
↑ APRENDIZADO /Competências
(lato sensu) Dinâmica
e Ativos
Complementares
Vantagem
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007
Competitiva
COORDENAÇÃO
a) Quase-renda Modo de Compromissos ↑ Confiança Custos de
b) Assimetrias Críveis ou
c) Incentivos Transação
(ativos ↓ Oportunismo
d) Monitoração Adaptação específicos)
e) Outras
Eficiência
Estática
Economias de Custos de
Escala e de Produção
Escopo
65
66 Robson Antonio Grassi
27
Conforme pode ser notado na Figura 4, as questões da eficiência e da coordenação foram
reorganizadas, separando-as em eficiências dinâmica e estática, apenas para se visualizar
melhor a cooperação como fonte de vantagem competitiva.
28
Neste último caso, Ménard (1996), em estudo sobre a cadeia produtiva da indústria de
frangos francesa, ilustra como isso pode ocorrer. O autor mostra que a instituição da
“sociedade classificadora”, que visava economizar custos de transação no relacionamen-
to entre os agentes, alterou completamente a estrutura e o desempenho da indústria em
questão.
29
Tanto as internas como as externas. Neste último caso, pode-se, por exemplo, incluir o
Just-in-Time compartilhado pelas firmas que participam de uma rede de subcontratação.
des de firmas regionais é percebido como a maior razão para sua incon-
testável responsabilidade e habilidade para gerar inovações incrementais
(nas grandes inovações, o autor considera que o seu papel não é claro).
O problema de análises como essa é que, ao mesmo tempo em que
ressaltam o embeddedness, se mostram bastante críticas no sentido
de se incorporarem elementos teóricos da abordagem dos Custos de
Transação no estudo da cooperação interfirmas — é o caso específico
desse texto de Grabher (1993) —, o que acaba prejudicando a análise
da eficiência de um arranjo desse tipo e de sua capacidade de geração
de vantagens competitivas;
c) analisando as várias vertentes teóricas que estudam a cooperação
interfirmas na ciência econômica a partir do esquema teórico acima
proposto, verifica-se algum tipo de deficiência em praticamente todas
elas. Um exemplo significativo refere-se à abordagem dos Custos de
Transação e suas limitações na análise das formas híbridas de organi-
zação econômica, devido ao seu foco centrado na economia de custos.
Como visto, essas formas híbridas, tal como as joint ventures, são
analisadas meramente em termos comparativos com outras formas de
governança (mercados e hierarquias), no contexto das decisões make
or buy. Conseqüentemente, o aspecto de custo (de transação) das for-
mas híbridas é superestimado, e a perspectiva de longo prazo dos im-
pactos estratégicos sobre relações verticais e horizontais entre com-
panhias é, em grande parte, negligenciada. Ver também Hagedoorn e
Schakenraad (1990). Podem ser incluídas também nessa perspectiva
da cooperação análises que procuram integrar elementos da aborda-
gem dos Custos de Transação com a Teoria dos Jogos, como nos ca-
sos de Parkhe (1993) e Dyer (1997), que não enfatizam aspectos impor-
tantes da mudança tecnológica. Por outro lado, no que se refere à abor-
dagem das capacitações dinâmicas, nota-se que aspectos importan-
tes da coordenação de arranjos cooperativos, como a distribuição da
quase-renda gerada, a questão dos incentivos, da monitoração, os vá-
rios tipos de assimetrias existentes (de tamanho, poder, capacitação,
informação), etc., ainda não encontraram tentativas abrangentes de ex-
plicação em teorias da firma neo-schumpeterianas de modo geral
(Brousseau, 1996). Essa corrente teórica, apesar de levar em conside-
ração a importância das instituições para a explicação das economias
capitalistas — Dosi e Orsenigo (1988) por exemplo —, no caso mais
específico da instituição “contratos”, ainda precisa avançar bastante.
Embora certos autores até estudem algumas questões contratuais — é
o caso de Teece (1988) e Pisano (1990) — não se chega a nada que se
aproxime de uma teoria dos contratos. Além disso, alguns dos integran-
tes dessa corrente teórica se mostram bastante críticos de abordagens
contratuais como a de Williamson, sendo esse o caso de Freeman (1991),
de Grabher (1993), de DeBresson e Amesse (1991) e de Lundvall (1988;
1993).30
Todos esses exemplos mostram a utilidade que a integração teórica pro-
posta neste artigo pode ter na busca do aprimoramento do debate sobre coope-
ração interfirmas. Mas existem problemas teóricos e metodológicos a serem
superados aqui. Muito se tem mencionado na literatura pertinente sobre a possi-
bilidade de integração entre as abordagens das Capacitações Dinâmicas e dos
Custos de Transação, e autores como Foss (1994), Brousseau (1993; 1996),
Pondé (1993; 2000), Nooteboom (1992), Langlois (1992), etc. procuram mostrar
a existência de uma certa compatibilidade teórica e metodológica entre essas
duas abordagens da firma.
Brousseau (1996), por exemplo, reconhecendo que uma união entre as
duas abordagens é problemática, propõe uma “fertilização cruzada” entre ambas.
Isto porque a abordagem dos Custos de Transação é baseada numa visão
superficial da natureza do processo de seleção e das conseqüências do apren-
dizado, enquanto a das Capacitações Dinâmicas não aprofunda a questão das
instituições, notadamente as relacionadas com contratos. Como resultado, o
desenvolvimento analítico de cada uma dessas duas teorias parece implicar um
certo nível de integração. E tal integração analítica é possível, dado que as
duas teorias são construídas com alguns pressupostos básicos comuns, como
as questões da racionalidade limitada e da incerteza.
Para Foss (1994), por sua vez, a economia dos Custos de Transação de
Williamson pode ser reconstruída como um programa de pesquisa lakatosiano,
como também a economia evolucionária, sendo os hard cores a racionalidade
limitada/oportunismo e a racionalidade processual respectivamente. Os “cinturões
protetores” consistiriam em, por exemplo, teorias sobre vários graus de
especificidade dos ativos influenciando a organização econômica (dados o opor-
tunismo e a racionalidade limitada) no que se refere ao caso dos Custos de
Transação; ou de como a intensidade do processo de “busca” influencia a estru-
tura de mercado no caso evolucionário (Foss, 1994).
Assim, tal integração seria importante, no mínimo, para se aumentar o
potencial explicativo das duas teorias da firma para várias questões, sendo a
estratégia cooperação interfirmas uma delas. O elevado volume de pesquisas
30
No caso de Lundvall, no seu texto de 1993, a crítica à abordagem dos Custos de Transação
já fica clara no título do artigo.
31
Note-se que este artigo se está restringindo apenas ao âmbito da firma e abstraindo ques-
tões importantes relacionadas à dimensão “rede de firmas” da cooperação, como as
relacionadas com o seu modus operandi e com o padrão de concorrência e a trajetória
tecnológica do(s) setor(es) no(s) qual(is) a cooperação ocorre. É interessante notar que
um trabalho que discute, de forma detalhada, questões como essas, o de Britto (1999), não
se dedica à discussão de alguns aspectos centrais sobre a firma que coopera, como os
abordados aqui (é o caso, por exemplo, de questões que precisam da integração entre a
teoria dos Custos de Transação e a Teoria dos Jogos). Essas constatações, antes de
revelarem qualquer limitação analítica do presente artigo ou do trabalho de Britto, eviden-
ciam, de forma clara, o caráter complexo do tema cooperação interfirmas, cuja plena
explicação mais se assemelha à montagem de um “quebra-cabeça” que requer extremo
cuidado na escolha das “peças”.
paradigma teórico pode ter o mesmo êxito alcançado por Dunning (1993) na
discussão sobre as diversas questões relacionadas com o tema das empresas
multinacionais. As várias tentativas de integração teórica mencionadas ao lon-
go do texto exemplificam esforços bem-sucedidos, inclusive em termos de apli-
cação empírica, nessa direção.
Como visto, os principais textos das diversas correntes anteriormente apre-
sentadas foram escritos, em alguns casos, há mais de 10 anos, o que revela
uma certa estagnação no surgimento de idéias para explicar a cooperação. E
isso apesar da relevância que o tema continua a apresentar, fato facilmente
verificável tanto em termos acadêmicos (Hagedoorn, 2002), como também pela
presença constante no noticiário econômico dos jornais. Isso tudo sugere que o
próximo passo para se avançar na explicação da cooperação interfirmas pode
ser a construção de um paradigma teórico (ou seja, montar o “quebra-cabeça”).
Foi assim com o tema multinacionais e pode também ser com a questão da
cooperação interfirmas. Tal paradigma, conforme o esquema teórico apresenta-
do procurou mostrar, pode ser útil para, pelo menos, se organizarem melhor os
diversos enfoques e as tentativas de integração teórica que já vêm sendo feitas.
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BROUSSEAU, É. New institutional economics and evolutionary economics:
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Resumo
Neste artigo, tem-se por objetivo defender o argumento de que o debate Keynes
e pós-keynesianos “versus” (neo)clássicos e novos-clássicos remete a
considerações ontológicas, isto é, à convenção sobre qual a natureza do sistema
econômico a analisar, ainda que tal comprometimento não seja explícito, mas
resulte do modo como é formulada a teoria econômica. De um ponto de vista
mais geral, afirma-se que todo método da ciência pressupõe uma ontologia e
que, portanto, a ciência deve afirmá-la explicitamente — uma investigação a
respeito da natureza de seu objeto, para a qual se valerá do realismo crítico,
corrente que afirma uma ontologia específica para o domínio social, esboçando
suas relações com Keynes e os pós-keynesianos.
Palavras-chave
Keynes; novo-clássica; ontologia.
Abstract
The purpose of the paper is to defend the argument that the controversy Keynes
and pós-keynesian versus (neo)classical and new classical goes by in ontology’s
foreword, that is, the convention about the nature of the economic system in
analysis. Notwithstanding this committal doesn’t be explicit, it comes from the
way the economic theory is formulated. From a more general point of view, all
science method predicate one ontology and, therefore, the science must include
clearly one ontology — investigation about the object’s nature, for this we utilize
the critical realism, school that expose the specific ontology for the social
dominion, sketching its relation with Keynes and the pós-keynesian.
Key words
Keynes; new classical; ontology.
Introdução
Não constitui qualquer novidade a hegemonia de que desfrutam as teorias
de inspiração neoclássica no interior da Economia. Se os economistas
heterodoxos são aqueles que buscam construções teóricas, fundadas em outros
princípios — que não os do mainstream — que possibilitem explicações diversas
para as causas dos fenômenos econômicos —, se esperam que suas críticas
possuam alguma validade cognitiva, então, necessariamente, eles têm que
pretender que estas sejam mais realistas, isto é, que representem a realida-
de — o sistema econômico — de modo mais acurado. Entretanto, se esse é o
caso, o debate entre economistas ortodoxos e heterodoxos deve, em certa
medida, migrar para o campo da ontologia, isto é, para o debate sobre as
propriedades dos sistemas econômicos, seus modos de ser e de se reproduzir,
bem como sobre o papel dos agires e das escolhas humanas. Em outros termos,
deve estar subjacente às análises heterodoxas o fato de que seu objeto de
estudo — categorias, conexões, elementos, etc. econômicos — possui existência
objetiva, independente das teorias que buscam sua apreensão. Dessa maneira,
1
Desde já, deve-se salientar que Keynes (1973) entende como Economia clássica a produção
teórica de um conjunto de autores, que, segundo o próprio, investigam a economia enquanto
um sistema no qual não existe o fenômeno do desemprego involuntário. Contudo é evidente
que há diferenças substantivas entre os autores que Keynes designa como clássicos,
como, por exemplo, Pigou e Ricardo.
P
Pt e = E t (1)
I t −1
2
Para uma síntese teórica do debate macroeconômico no interior do qual emerge a economia
novo-clássica, ver Ferrari (2003).
3
Adiante, será fundamental levar em consideração esse fato.
4
Não é o escopo deste trabalho uma exposição completa da concepção novo-clássica sobre
o comportamento da curva de oferta da economia. Para uma melhor compreensão dessa
mecânica, ver Lucas (1973).
5
Logo, as críticas que Keynes dirige à Economia clássica podem ser estendidas às constru-
ções teóricas dos economistas novo-clássicos.
6
Há muitos autores que vêm tratando do tema com variações, algumas vezes, substantivas.
Salvo quando são dos outros autores, está-se aludindo basicamente aos escritos de Tony
Lawson (2003). Além disso, para uma síntese teórica do realismo crítico, ver Baert (1996).
7
Para maiores detalhes, ver Duayer, Medeiros e Painceira (2001).
8
É claro que a teoria clássica chega a esse resultado pressupondo preços e salários flexíveis.
9
E aqui se salienta novamente que, na concepção de Keynes, a Economia clássica é consti-
tuída por aqueles autores que compreendem a economia como economia empresarial neutra.
10
Ao longo do texto, ficará mais clara a relação da crítica de Keynes à teoria clássica com a
reivindicação de um maior realismo nas construções teóricas keynesianas.
11
Em outros termos, pode-se afirmar que Keynes busca conectar o lado real e o lado finan-
ceiro da economia.
12
“Preferência pela liquidez é sinônimo de propensão por reter ativos líquidos, especialmente
a moeda. Keynes argumentou que o futuro econômico é incerto, no sentido que não pode
ser conhecido com antecedência nem ser estatisticamente prognosticado por meio de
tábulas de probabilidades. Quando as expectativas são pessimistas, os agentes deman-
dam segurança no presente para enfrentar o futuro incerto. Keynes mostrou que a moeda
é o ativo mais seguro, aquele capaz de acalmar nossas inquietudes em relação ao futuro
desconhecido e imprevisível [...] quanto mais incerto é considerado o futuro, maior é a
preferência pela liquidez no presente” (Sicsú, 1999, p. 93).
13
Para maiores detalhes, ver Davidson (1982).
Conclusão
Dessa forma, realismo crítico e Economia pós-keynesiana parecem ter
relações importantes. Talvez, o maior mérito do realismo crítico seja o de explicitar
as conseqüências ontológicas (ainda que implicitamente pressupostas) da for-
ma como os economistas do mainstream tratam a economia, inclusive suas
contradições. Por exemplo, a aceitação da tese das regularidades empíricas, o
caráter exógeno da economia e a necessidade, enquanto cientistas econômicos,
de darem conta da escolha dos agentes. A partir da absurdidade desses pressu-
postos, emerge o caráter propositivo do realismo crítico: leis como tendência,
economia como conjunto de estruturas, mecanismos e poderes, agentes
14
“Na visão de Keynes e dos pós-keynesianos, é a presença da moeda desempenhando o
papel do ativo mais seguro em uma economia com incerteza knightiana que pode explicar
a possibilidade de existência de diversos níveis de desemprego, cada um desses níveis
sendo capaz de persistir por longos períodos, até que haja uma modificação no estado
expectacional da economia e/ou uma intervenção governamental. Diferentemente da eco-
nomia novo-clássica, para Keynes e os pós-keynesianos não existe uma taxa única de
desemprego capaz de vigorar na ausência de erros expectacionais. A economia pode
alcançar infinitas posições de desemprego, cada uma correspondente a um estado
expectacional que, por sua vez, está associado a um determinado estado de preferência
pela liquidez. A política monetária antidesemprego de inspiração keynesiana visa à altera-
ção desses estados.” (Sicsú, 1997, p. 92).
reprodutores das estruturas, futuro aberto, etc. Todos esses pontos parecem
amparar uma visão de economia que considera o futuro incerto, um mundo não
ergódico, a existência de decisões cruciais e de preferência pela liquidez, a
não-neutralidade da moeda no curto e no longo prazo, a inexistência de
dicotomia entre o lado real e o monetário, a incerteza, etc. Logo, o debate
entre pós-keynesianos e novos-clássicos naturalmente se desloca para o plano
ontológico. Neste, pós-keynesianos, críticos do irrealismo que caracteriza as
teorias de inspiração neoclássica, podem sustentar (ontologicamente) suas pres-
crições teóricas no realismo crítico, cujo foco reside em como caracterizar o
objeto das Ciências Sociais, inclusive Economia, isto é, que propriedades as
sociedades (e economias) possuem para que possam se tornar objeto de nosso
conhecimento. Em outras palavras, o objeto de análise reside na forma mais
acurada de apreender, no pensamento, aspectos da realidade econômica, isto
é, momentos do modo de funcionamento do sistema econômico. O movimento
inverso parece ser feito pelas teorias de inspiração neoclássica. A pergunta
fundamental dessa tradição seria: que características podemos imprimir ao
objeto para que ele se torne adequado às nossas teorias? Nesse particular, são
relevantes as palavras de Carvalho (1994, p. 41):
O debate em torno da eficácia de instrumentos de política econômica só
tem sentido quando se explicita o modelo de economia — seus agentes,
seus móveis, suas regras — com que se trabalha. Não é possível derivar
conclusões de validade geral sobre resultados ou implicações de política
senão em relação a uma concepção definida de como é, na sua essência,
a economia objeto da política econômica. A nova economia clássica, por
exemplo, deriva seus polêmicos resultados não de características da
realidade, cuja descrição é inevitavelmente ambígua, mas da forma peculiar
como interpreta os postulados que definem uma determinada visão de
mundo e, em particular, de sua visão de que economias capitalistas podem
ser concebidas como sistemas de equilíbrio geral, onde a posição de
equilíbrio existe, é única e estável.
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LUCAS, R. Some international evidence on output-inflation trade-offs. American
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Resumo
O primeiro objetivo do trabalho é modesto, o segundo é ambicioso. O objetivo
modesto é apresentar as principais contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi
para a abordagem do moderno sistema mundial. O sistema capitalista mundial
como unidade de análise e os conceitos de economia-mundo e sistema interestatal
são contribuições de Wallerstein. Fernand Braudel, além da contribuição
metodológica da noção de longa duração, enriquece a análise com o esquema
tripartido, que permite a articulação diferenciada do capitalismo com a econo-
mia de mercado e com as estruturas do cotidiano. O conceito de ciclo sistêmico
de acumulação, proposto por Arrighi, permite analisar a história do sistema mun-
dial com diferenças qualitativas ao longo do tempo. Uma tentativa de síntese da
abordagem do moderno sistema mundial é apresentada no final do trabalho.
Finalmente, o objetivo ambicioso é estimular análises críticas sobre o capitalis-
mo contemporâneo baseadas nessa abordagem.
Palavras-chave
Economia-mundo capitalista; sistema interestatal; ciclo sistêmico de
acumulação.
Abstract
The paper has two aims, the first is modest and the other is ambitious. The first
objective is to introduce the main contributions of Wallerstein, Braudel and Arrighi
in the formation of the World-System Approach as a research program. The
notion of world capitalist system as unit of analysis and world-economy and
inter-state system as basic elements of world-system are all Wallerstein´s
contributions (section 2 and 3). The tripartide scheme is a main contribution of
Braudel to world system analysis (section 4). Arrighi´s proposal to analyse the
history of capitalism through the concept of systemic accumulation cycle is also
a major contribution, section 5. A summing up of World-System Approach is
presented in the section 6. Finally, the ambitious aim is to stimulate both the
study of critical theories of development and analysis on contemporary capitalism
based on World-System Approach.
Key words
Capitalist world-economy; inter-state system; systemic accumulation cycle.
1 Introdução
A proposta deste trabalho é, ao mesmo tempo, modesta e ambiciosa.
Modesta, porque tem o objetivo de fazer uma introdução da abordagem do
moderno sistema mundial, com a apresentação dos principais elementos
metodológicos e teóricos orientadores das análises históricas da mesma. A
hipótese do trabalho é que as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi
podem ser encadeadas para formar o núcleo duro dessa abordagem, encarada
como um programa de pesquisa de teorias e análises críticas ao desenvolvimento
do capitalismo. O trabalho não tem a pretensão de fazer um histórico das
proposições dos diversos autores que contribuíram para essa abordagem,1 nem
recapitular a controvérsia com o marxismo ortodoxo,2 como no debate entre
produtivistas e circulacionistas.3 Acredita-se que a seleção das contribuições
desses autores seja um passo inicial para apresentar o potencial de análise
dessa abordagem, não somente para análises históricas da formação do sistema
capitalista, como as dos autores selecionados, mas também para análises do
desenvolvimento contemporâneo. O destaque dado aos conceitos deve-se à
proposição de que a abordagem do moderno sistema mundial tem um arcabouço
teórico-analítico para explicar tanto a acumulação primitiva e sua apropriação
desigual na formação da economia capitalista mundial quanto a acumulação
diferenciada do excedente nos ciclos de expansão capitalista, inclusive em sua
fase contemporânea. A proposta ambiciosa é que este trabalho incentive a
retomada de estudos de teorias críticas do desenvolvimento capitalista e de
formulação de análises históricas que lidem com o contemporâneo em uma
perspectiva sistêmica e de longa duração. O conhecimento da abordagem do
sistema capitalista mundial pode ser um primeiro passo.
Este trabalho vai na contramão do método de apresentação utilizado pelos
autores resenhados. O objetivo deles era fazer uma análise da formação e do
desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial. A apresentação deu
destaque à análise histórica. O caráter inovador de suas análises estava em ser
orientado por novos métodos e conceitos sobre o capitalismo. Por exemplo, para
Wallerstein (1979, p. 489), “[…] o teorizar não é uma atividade separada da
análise dos dados empíricos. As análises só podem ser feitas em termos de
proposições e esquemas teóricos”. Braudel (1995, v. 1, p. 13) é avesso à
teorização a priori e a seus conceitos orientadores, como o esquema tripartido;
para ele, esse “[…] tornou-se o índice de referência de uma obra que eu
deliberadamente concebera à margem da teoria, de todas as teorias,
exclusivamente sob o signo da observação concreta e da história comparada”.
Arrighi (1996, p. 37) considera que segue o método de Philip McMichael de
“comparação incorporada”. Os conceitos propostos “não são presumidos, mas
construídos, factual e teoricamente”. Isso ilustra que as análises eram orientadas
por novos conceitos, que procuravam reunir consistentemente as evidências
1
Isso implicou fazer exclusões e cometer injustiças, principalmente sobre autores que deram
contribuições, primeiro, para a Teoria da Dependência e, posteriormente, para a análise do
sistema-mundo. Dentre esses autores, devem ser destacados André Gunder Frank e Rui
Mauro Marini. Para um conhecimento das contribuições desses autores, ver Blomstrom e
Hettne (1985), Larrain (1989), Kay (1989), Palma (1978) e Santos (2000).
2
Essa crítica está em Brenner (1977).
3
Uma discussão dessa controvérsia está em Blomstrom e Hettne (1985, cap. 8).
4
Republicado em Wallerstein (2000).
5
Wallerstein (1979) utiliza essas noções na análise histórica da origem do capitalismo euro-
peu, embora apresente-as, rapidamente, em um pequeno capítulo introdutório. Posteriormen-
te, elas foram expostas com maior clareza em Wallerstein (1991), especialmente no Capítulo
10, The Inventions of Time Space Realities: Towards an Understanding of our
Historical System (p. 135-148), e no Capítulo 17, Historical System as Complex System
(p. 229-236).
7
Essas subseções seguem os conceitos destacados por Goldfrank (2000).
As cadeias de mercadorias
Geralmente, estão relacionadas ao comércio de longa distância, que engloba
várias regiões e perpassa fronteiras de territórios de Estados nacionais. São
cadeias produtivas e comerciais que compõem a produção de mercadorias,
desde a extração de suas matérias-primas — em geral, feita nas regiões de
periferia — até sua transformação em produtos de alto valor agregado,
normalmente realizada no centro (a estrutura centro-periferia será apresentada a
seguir).
Uma cadeia mercantil engloba as diversas etapas dos processos produtivo
e comercial necessárias para a colocação de um produto final no mercado. O
valor de uma dada mercadoria é gerado pelo trabalho realizado nos diversos
elos da cadeia, como esperado em qualquer teoria do valor trabalho. A novidade
da análise está em considerar que a distribuição do valor não é feita de forma
eqüitativa com o valor trabalho gerado em cada elo. Alguns capitalistas que
A relação centro-periferia
Baseia-se numa divisão axial do trabalho entre as várias regiões da
economia-mundo capitalista, onde são desenvolvidas as etapas das cadeias
mercantis. Essa divisão do trabalho entre regiões é manipulada pelos Estados
nacionais mais fortes, de modo a garantir aos seus capitalistas locais o controle
sobre as etapas dos processos produtivo e comercial que proporcionam a maior
absorção do excedente gerado em uma cadeia mercantil. Essa assimetria no
controle das atividades produtivas e comerciais entre burguesias nacionais é
continuamente reproduzida, na medida em que passa a operar uma força centrípeta
de concentração do excedente nas mãos da burguesia do centro, através de
mecanismos de troca desigual (explicados adiante), que tende a dar continuidade
à diferenciação entre as regiões. Vista dessa forma, a distribuição do excedente
gerado numa cadeia mercantil é determinada não apenas pela distribuição desigual
de vantagens econômicas (isto é, dotação desigual de fatores, diferenças
tecnológicas e organizacionais, como normalmente é tratado na teoria de comércio
internacional), mas, principalmente, pela relação de forças em que se confrontam
A semiperiferia
A relação centro-periferia não é dicotômica; expressa, sim, um processo
contínuo de atividades em elos da cadeia de mercadorias, que, conforme os
mecanismos econômicos e políticos disponíveis, são capazes de absorver (ou
de transferir) valor das (ou para) atividades dos demais elos. Regiões que
participam das cadeias mundiais de mercadorias podem ter, simultânea e
paralelamente, atividades centrais e periféricas, ou atividades que absorvem
valor de atividades periféricas, de um lado, e transferem valor para atividades
centrais, de outro. Amplia-se, assim, a classificação que se pode fazer de zonas
geográficas da produção mundial, como os territórios dos Estados nacionais,
8
Para uma boa descrição da evolução e da diferenciação da noção de periferia, como propos-
to por Prebisch, e sua nova conceituação na abordagem do sistema mundial, ver Wallerstein
(1987).
A troca desigual
Diz respeito aos mecanismos da divisão de trabalho entre centro e periferia,
que resultam na transferência sistemática de excedente de atividades produtivas
periféricas para atividades centrais, gerando uma distribuição desigual do valor
da produção mundial, o que provoca, por sua vez, uma diferenciação entre as
unidades do sistema interestatal, na medida em que Estados nacionais se
beneficiam do maior excedente apropriado por suas burguesias locais, ao
concentrarem atividades centrais no seu território nacional.
Mecanismos econômicos e extra-econômicos são utilizados pelas
burguesias e por seus Estados nacionais para distorcer o mercado a seu favor,
através da manutenção de relações monopolistas. O capitalismo tem-se utilizado
de vários meios para transferir excedente gerado na atividade periférica, onde
prevalece uma taxa de lucro baixa, para os capitais monopolistas, onde prevalece
uma taxa de lucro extraordinária dada pela troca desigual. Isso significa que os
capitalistas utilizam o mercado para fazer a circulação de mercadorias, mas
evitam que o mesmo os levem a uma concorrência e a uma troca pelo valor
correspondente ao gerado exclusivamente pela sua participação produtiva na
cadeia mercantil. Eles utilizam o mercado para fazer a troca desigual e para
absorver o excedente gerado pelo trabalho em outros elos da cadeia de produção
de mercadorias. Para que a troca desigual não seja esporádica, como pode
acontecer no mercado, os capitalistas têm que garantir seu monopólio de forma
mais protegida e duradoura em alianças com o Estado. Por isso, Arrighi (1996, p.
25) coloca que, para desvendar os segredos do capitalismo histórico, é preciso
entender não apenas o que se passa na esfera ruidosa e transparente da
“economia de mercado”, mas também no “domicílio oculto”, onde o dono do
dinheiro, isto é, o capitalista, se encontra com o dono do poder político.
9
Arrighi (1997) fez uma análise, classificando Estados nacionais nas categorias centro,
semiperiferia e periferia. O interessante de sua análise está em mostrar como, em termos
individuais, Estados-nação podem mudar de classificação, se, nas várias cadeias de merca-
dorias em que participam, concentrarem mais atividades centrais do que periféricas e, com
esse movimento, se deslocarem, ao longo do tempo, de periferia para semiperiferia e para
o centro. O estudo também mostra que esses deslocamentos individuais são raros e que há
persistente gap separando essas categorias ao longo do período 1938-83.
A acumulação de capital
É o conceito marxista de utilização do excedente, que está na forma
monetária, em capital, para voltar ao início do processo de geração de valor e
mais-valia de forma ampliada. A dinâmica do capitalismo está baseada, como é
tradicionalmente colocado pela análise marxista, na incessante acumulação de
capital. Cabe mencionar que os autores da análise do sistema-mundo, como
Wallerstein e Arrighi, utilizam mais o termo “excedente” do que “mais-valia”.
Muito mais do que uma preferência semântica, está a opção em destacar que o
excedente, que é trabalho não pago ao trabalhador, é centralizado pelos
capitalistas não apenas na relação capital-trabalho direta na produção tipicamente
capitalista, o que seria a mais-valia, mas de várias formas e por vários meios
pelos capitalistas, o que inclui a troca desigual.
Na análise do moderno sistema mundial, o conceito de acumulação de
capital é fundamental para dar o caráter capitalista à economia-mundo que estava
em formação a partir do século XVI, mas que ainda não se baseava
predominantemente na relação social de produção capitalista. Como colocado
acima, a acumulação de capital é considerada na sua forma mais geral e não
especializada, isto é, D - D’, como um valor procurando a sua multiplicação.
Como um processo que ocorre em escala mundial, a acumulação de capital
deve ser entendida conjuntamente com a divisão desigual do excedente entre
centro e periferia. Envolve a apropriação do excedente extraído dos trabalhadores
e dos produtores diretos do centro e da periferia, mas há também uma
transferência de excedente da periferia para o centro, o que implica,
historicamente, uma acumulação de capital mais concentrada no centro do que
na periferia, de um lado, e uma maior exploração dos trabalhadores da periferia
em relação aos trabalhadores do centro, de outro. Isso permite entender a
possibilidade de desenvolvimento desigual, porém combinado, entre centro e
periferia. Permite também entender não somente conflitos competitivos entre
classes, como previsto na teoria marxista, mas também entre regiões e entre
Estados-nação, como proposto nessa visão de economia-mundo capitalista.
O imperialismo
Refere-se à dominação de regiões periféricas, onde as estruturas estatais
são fracas ou inexistentes (Estados, colônias ou áreas externas), por parte de
Estados centrais mais fortes. Decorre disso que, embora Estado nacional se
refira comumente a jurisdições politicamente independentes, há uma diferença
entre a soberania de facto (real, limitada e relativa) e a soberania de jure (teórica)
de um determinado Estado. Imperialismo abrange os vários meios econômicos,
políticos e militares nas relações interestatais que promovem a transferência de
excedente para as regiões centrais.
A hegemonia
Para Wallerstein (1984, p. 38-39, apud Arrighi; Silver, 2001),
[...] a hegemonia no sistema interestatal refere-se à situação em que a
rivalidade permanente entre as chamadas grandes potências é tão
desequilibrada, que uma potência é realmente primus inter pares, ou seja,
uma potência pode impor suas regras e desejos [...] nas arenas econômica,
política, militar, diplomática e até cultural.
A luta de classes
É o conflito entre as classes sociais, tradicionalmente “trabalhadores” e
“capitalistas”, decorrente da oposição de interesses econômicos e políticos. É
considerada pelo marxismo a principal força motriz da história e encarada, na
abordagem do sistema-mundo, como um processo que ocorre em escala global,
abrangendo toda a economia-mundo e atravessando os limites dos Estados
nacionais. A noção de economia-mundo capitalista abre espaço para uma
interpretação mais ampla da luta de classes, não só ao considerá-la em escala
mundial, mas ampliando-a para além de conflitos entre capitalistas e trabalhadores
assalariados dentro de uma jurisdição política, como o Estado nacional. Por
exemplo, a idéia de que, numa cadeia mercantil, as partes mais rentáveis do
processo produtivo e comercial se concentram nas mãos de uma burguesia
estrangeira, vinculada ao centro, coloca o capitalista da periferia numa situação
de dualidade e o trabalhador em uma situação de superexploração10. O capitalista
em atividade periférica e integrado ao sistema mundial é, ao mesmo tempo,
explorador e explorado, na medida em que parte do excedente que ele extrai de
seus trabalhadores é transferida aos capitalistas do centro. Para garantir uma
taxa de lucro compatível com a sua sobrevivência no sistema, deve recorrer à
superexploração dos seus trabalhadores, mesmo quando estão em uma relação
de produção tipicamente capitalista.
10
A superexploração é um conceito formulado por Marini (2000), que pode ser aplicado
apropriadamente na abordagem do sistema mundial, apesar de Wallerstein, Braudel e
Arrighi não utilizarem esse conceito explicitamente.
11
Fernand Braudel, historiador com contribuições para a Escola dos Annales, propôs o
método da longa duração para analisar as descontinuidades e as descontinuidades que
fazem a mudança lenta das estruturas sociais. Wallerstein (1979), de forma não revelada,
e Arrighi (1996), de forma explícita e elogiosa, utilizam o método da longa duração em suas
interpretações da mudança social no capitalismo histórico. Para uma rápida e boa análise
da Escola dos Annales e do papel de Braudel como historiador dessa escola, ver Burke
(1997), Reis (2000) e coletânea de artigos em Lopes (2003). Sobre o método de longa
duração, ver Rojas (2001).
industrial não foi “[...] o desabrochamento final, que teria dado ao capitalismo
sua ‘verdadeira’ identidade” (Braudel apud Arrighi, 1996, p. 4), mas uma de suas
múltiplas formas, que, por sua vez, se apresentou de forma concentrada no
período imediato pós-revolução industrial. O capital industrial permite a geração
de mais-valia relativa, mas pode-se questionar se consegue reter esse excedente,
se estiver em condições de concorrência e outros capitais estiverem em
condições monopolistas. Braudel percebeu que capitalismo e “economia de
mercado” tiveram várias relações e formas ao longo da história do capitalismo
histórico.
O erro seria imaginar o capitalismo como um desenvolvimento por fases
em saltos sucessivos: capitalismo mercantil, capitalismo industrial,
capitalismo financeiro. [...] O leque mercantil, industrial, bancário, isto é, a
coexistência de várias formas de capitalismo, abre-se já em Florença no
século XIII, em Amsterdam no século XVII, em Londres já antes do século
XVIII. No princípio do século XIX, o maquinismo decerto fez da produção
industrial um setor de grande lucro, e o capitalismo aderiu, portanto,
maciçamente. Mas não ficará estacionado aí [...].Por outro lado, a despeito
de tudo o que se tem dito do capitalismo liberal e concorrencial dos séculos
XIX e XX, o monopólio não perdeu seus direitos. Simplesmente assumiu
outras formas, toda uma série de outras formas, desde os trusts e as
holdings até as famosas multinacionais americanas, que, durante os anos
60, triplicaram o número de filiais no estrangeiro. (Braudel, 1995, v. 3,
p. 577).
12
“As considerações que se seguem neste capítulo (Cap.: ‘As divisões do espaço e do tempo
na Europa’, seção: Espaço e economias: as economias-mundos) vão de encontro às teses
de I. Wallerstein (1979), embora nem sempre eu esteja de acordo com ele.” (Braudel, 1995,
v. 3, cap. 1, p. 589, nota 5).
Referências
ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.
ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo.
Rio de Janeiro; São Paulo: Contraponto; UNESP, 1996.
ARRIGHI, G; SILVER, B. Caos e governabilidade no moderno sistema
mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; UFRJ, 2001.
BLOMSTROM, M.; HETTNE, B. Development theory in transition. London:
Zed Books, 1985.
BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo. São Paulo: Martins
Fontes, 1995. 3v.
BRAUDEL, F. A dinâmica do capitalismo. Lisboa: Teorema, 1985.
13
Refere-se à previsão de fim do capitalismo contido em Wallerstein e Hopkins (1996).
Resumo
O Governo Federal brasileiro lançou as Diretrizes de Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior em 2003. A política industrial, em um
contexto de forte restrição fiscal, internacionalização econômica e privatização
dos instrumentos de atuação direta do Estado nacional no aparelho produtivo,
exigiu elaborada e inédita engenharia institucional. A criação de uma agência
específica foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2004: a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Com natureza jurídica híbrida e funções
coordenadoras centrais, a solução inovou em relação às experiências anteriores
de política industrial. Este artigo analisa esse processo à luz da trajetória das
questões teóricas que envolvem a política industrial, da conjuntura econômica
atual e dos desafios institucionais para a nova política.
Palavras-chave
Política industrial; políticas públicas; industrialização.
Abstract
In 2003, the Brazilian government announced the Guidelines for Industrial,
Technological and Trade Policies. The purpose of these guidelines was to develop
a new set of industrial policies that were supposed to be implemented in a
context of strong fiscal restriction, economic internationalization and privatization
* Artigo recebido em jul. 2006 e aceito para publicação em 31. out. 2006.
** E-mail: jackson.detoni@uol.com.br.
Key words
Industrial policy; public policy; industrialization.
1
O conceito de “inovação” é trabalhado neste texto como a melhoria de produtos, processos
produtivos ou serviços que são parte da estrutura econômica e resultam de trabalho
permanente e intensivo de pesquisa e desenvolvimento realizado pelas firmas, normalmente
através da percepção de oportunidades do mercado, parcerias em redes de cooperação e
perspectivas de retorno econômico. Conforme a conhecida definição schumpeteriana,
inovação não se confunde com “invenção”, esta última mais vinculada às pesquisas científica
e acadêmica (Schumpeter, 1982).
2
As “falhas” de mercado mais comuns assinaladas pela literatura que legitimariam a intervenção
do Estado e a alteração “dirigida” dos preços relativos seriam a assimetria de informação,
as estruturas de mercado ou condutas não competitivas, os direitos de propriedade mal-
-definidos e os problemas decorrentes da ação coletiva.
3
Há vários casos, citados por Alem, Barros e Giambiagi (2002) — o da Intel, na Costa Rica; o
da empresa Saint Gobain, na Índia; o programa irlandês de encadeamentos; o programa de
modernização industrial em Cingapura —, cujo maior traço comum é a competência
governamental na coordenação de atores heterogêneos, públicos e privados.
4
Renda que inclui salários, pois as firmas que inovam e diferenciam produto remuneram seus
trabalhadores 23% a mais do que as firmas que não o diferenciam e têm produtividade
menor, isto é, uma política de incentivos com seletividade, critério e transparência tende a
produzir efeitos positivos sobre os salários (Bahia, 2005).
5
No texto citado, apresentado em janeiro de 2004, os autores chegam a propor a criação de
uma agência brasileira de desenvolvimento industrial (ou atribuir funções àquela proposta
pelo Governo Federal em novembro de 2003), para supervisionar a execução de Planos de
Desenvolvimento Industriais — uma ampliação do conceito de Programas de Desenvolvimento
Tecnológico e Industrial (PDTI) e PDTAs do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
6
O ciclo de substituição de importações praticamente já havia sucumbido nas sucessivas
crises de estabilização dos anos 80. Na verdade, a fase mais intensa de substituição de
importações esgotou-se nos anos 60, por vários motivos: crescimento do processo
inflacionário que acontece em períodos de rápida industrialização, baixa relação entre
investimentos e geração de emprego, rápida expansão do gasto público e estagnação da
produtividade agrícola. Além disso, a cada onda do ciclo substitutivo, produziam-se
desequilíbrios na balança comercial, crise cambial e novos gargalos (Tavares, 1974).
7
A notável construção institucional-burocrática de Juscelino Kubitschek, que produziu resultados
efetivos na política econômica, foi detalhada por Nunes (1999).
8
Para exemplificar, a Fábrica Nacional de Motores foi inaugurada em 1943, no Rio de Janeiro;
o primeiro alto forno da CSN começou a operar em 1946; e a Petrobrás foi criada em 1953;
todas empresas estatais.
9
Desde a década de 30, pode-se dizer que a orientação predominante da política industrial foi
desenvolvimentista, nacionalista e basicamente estatal. Schneider (1994), analisando o
comportamento da burocracia pública durante os megaprojetos dos anos 70, afirma que um
dos traços marcantes do período foi a rápida circulação de quadros burocráticos, o que
enfraqueceu a lealdade para com as organizações e aumentou a dependência de laços
pessoais. Ele explica que, apesar do quadro de fraca institucionalidade, o País construiu um
parque industrial de porte considerável, exatamente porque as carreiras e a alta mobilidade
de burocratas tecnicamente bem preparados permitiram acesso aos decisores políticos e
aos grupos de pressão. A explicação é verdadeira, ainda que limitada; obviamente, outros
fatores históricos e macroeconômicos devem completar o entendimento sobre o tema.
10
A recessão mundial do início dos anos 80, a crise financeira de 1987 e a instabilidade
monetária na América Latina concentraram os IED nos países da Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE); a participação dos países em desenvolvimento
despencou para 14% em 1989. Nos anos 90, o cenário mudou: foi desregulamentado o
mercado acionário e de capitais, a política cambial tornou-se flutuante, as privatizações
ofertavam ativos subvalorizados, novos fundos e títulos proliferaram e facilitaram a retomada
dos IED.
11
Disponível em:<http://www.federativo.bndes.gov.br/destaques/planorc_estudos.htm>.
12
O documento está assinado pela Casa Civil da Presidência da República, pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), pelo Ministério da Fazenda, pelo
Ministério do Planejamento, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pelo Instituto de Pesquisa
Aplicada, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, pela Financiadora
de Estudos e Projetos e pela Agência de Promoção das Exportações. Disponível em:
<www.federativo.bndes.gov.br>.
13
Um ano após esse evento, a Confederação Nacional da Indústria lançou o Mapa Estratégico
da Indústria — 2007-2015 (CNI, 2005), com total convergência às propostas do Governo
Lula. No Capítulo 2, Ambientes Institucional e Regulatório, a ênfase é colocada em
aspectos convencionais da melhoria do ambiente de investimentos e da produção de bens
públicos ou meritórios: defesa da concorrência, propriedade intelectual, redução da carga
tributária, adequação da legislação trabalhista, segurança jurídica dos contratos, segurança
pública, saneamento, educação, etc. Naturalmente, o documento não enfatiza o papel
regulador e coordenador do Estado na PITCE; ele reflete o alto grau de coesão do
empresariado e a inegável modernização metodológica no planejamento estratégico do
setor, portanto, contribui para qualificar o debate com as agências governamentais.
14
Criado em 1º de janeiro de 2003, pela Medida Provisória nº 103, já convertida na Lei nº
10.683, em 28 de maio de 2003, com o objetivo de cumprir o papel de articulador entre
governo e sociedade, para viabilização do processo de concertação nacional, tem como
função assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes
específicas. Além dos 12 representantes do Governo Federal, o CDES é integrado por 90
membros da sociedade. Outros países adotam estruturas semelhantes: Espanha, Itália,
Alemanha e Holanda são exemplos. Disponível em:<http://www.cdes.gov.br>.
15
Para maiores informações, ver <www.presidencia.gov.br/secom/nae/>.
16
Uma das inspirações para a agência é o papel que o Centro de Gestão e Estudos Estraté-
gicos (CGEE) tem desempenhado em relação às políticas de ciência e tecnologia desenvol-
vidas pelo MCT. Ele nasceu no bojo da Conferência Nacional de C&T realizada em 2001,
envolvendo os setores público e privado, fundado por 262 pesquisadores, empresários e
gestores públicos. Estrutura-se legalmente como organização social e tem contrato de
gestão com o MCT. A agência, entretanto, deveria ter papel mais executivo.
17
Em recente estudo, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) demonstrou que
as empresas que inovam e diferenciam produto têm probabilidade 16% maior de exportarem
(De Negri; Salerno, Org., 2005). Num país em que menos de 2% das empresas inovam, a
pauta de exportação é dominada por commodities e produtos de baixa tecnologia e quase
não há pesquisa no setor privado, essa constatação adquire dramaticidade evidente.
18
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-06/2004/Lei/L10.973.htm>
e em <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/pl1787.htm>.
19
A priorização de setores “estratégicos” não é propriamente novidade do atual Governo. Em
1988 (Decreto Lei nº 2.433, de 19.05.88, e Decreto Lei nº 2.434, de 19.05.88), o Governo
Sarney já promovia uma reforma tarifária para proteger alguns setores (informática), criando
os Programas Setoriais Integrados e os Programas de Desenvolvimento Tecnológico
Industrial. No Governo Collor, o eixo da política industrial deslocou-se definitivamente da
preocupação em expandir a capacidade produtiva para o tema da competitividade
ações atualmente em curso nessa linha: (a) a Lei de Inovação, que aprofunda a
relação entre institutos de pesquisas e empresas privadas, foi aprovada pelo
Congresso Nacional em 11.11.04 — atualmente o Governo Federal debate a
regulamentação dos incentivos previstos na Lei —; (b) a reestruturação do
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), para agilizar a concessão de
marcas e patentes21; (c) modernização e implantação de laboratórios (Metrologia
Química, Metrologia de Materiais) para pesquisa em áreas estratégicas, como o
Centro de Nanociência e Nanotecnologia em estudo; e (d) apoio às Empresas de
Base Tecnológica (EBTs), com o desenvolvimento do setor de venture capital
(capital de risco) — há vários estudos em andamento no Governo Federal.22
Inserção externa
Propõem-se a ampliação sustentada das exportações e a ampliação da
base exportadora, pela incorporação de novos produtos, empresas e negócios.
A gama de ações é variada, desde a desoneração tributária até a criação de
centros logísticos no exterior, passando pela consolidação de marca associada
ao País nos mercados compradores. O documento governamental faz referência
particular ao dinamismo de agronegócio, onde o Brasil já lidera as exportações
em diversos mercados. Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a)
desenvolvimento do Programa Brasil Exportador, coordenado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio; simplificação e modernização do Serviço
de Informação para Comércio Exterior (Sicomex) (sistema gerencial); difusão
de informações, defesa comercial e acesso a novos mercados; (b) criação de
centros de distribuição e logística no exterior, inaugurado o primeiro em Miami
(Flórida, EUA), com previsão dos próximos em Frankfurt, Emirados Árabes,
21
Segundo a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) e a Associação Brasileira
dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), há 500.000 pedidos de registro de marcas
e 24.000 pedidos de registros de patentes aguardando aprovação do INPI. No Brasil, a
espera para obtenção de marca é de quatro anos e a de patente chega a sete anos,
enquanto, no plano internacional, os prazos são de um e três anos respectivamente.
Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br>. Acesso em: 19 mar. 2004.
22
Esse segmento é pouco desenvolvido no Brasil; em 1994, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) autorizou os Fundos de Investimentos em Empresas Emergentes (FIEE), mas a
participação no PIB não passou de 0,002%, quando, nas economias mais desenvolvidas,
o setor chegou até a 1,3% do PIB. Algumas iniciativas pioneiras merecem destaque: o
Programa Criatec, do BNDES/Finep, em fase de reestruturação, que trabalha com seed
capital (capital semente); e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPE), da
Finep. Há grande potencial para o setor, articulando fundos de pensão, reformulação de
marcos legais e participação de fundos públicos.
Modernização industrial
Esse tema é tratado a partir de três abordagens combinadas. A primeira
delas orienta a ação governamental para ações de capacitação produtiva. A
segunda é a prioridade para arranjos produtivos locais em direção ao
adensamento do tecido produtivo. A terceira é a orientação para evitar a
atomização empresarial, atuando de forma concentrada espacialmente.
Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a) programas de incentivo
à modernização de equipamentos, como o Modermaq, do BNDES, criado em
setembro de 2004, tendo financiado R$ 2,3 bilhões em mais de 5.000 operações
até dezembro de 2005 — o BNDES reduziu em 80% o valor do spread desse
programa —; (b) incentivos tributários para importação de bens de capital sem
similar nacional, tendo ocorrido, até março de 2005, redução do Imposto de
Importação para 335 produtos, incluindo as áreas de informática e
telecomunicações; (c) apoio aos arranjos produtivos locais (APLs), focado em
extensão empresarial para exportação — Projeto Extensão Industrial Exportadora
(Peiex) do MDIC —, certificação de consórcios, incentivo tecnológico (via fundos
setoriais da Finep24); e (d) fundos constitucionais para o desenvolvimento regional
gerenciados pelo Ministério da Integração Nacional, para a Região Centro-Oeste
(operados pelo Banco do Brasil), para a Região Norte (operados pelo Banco da
Amazônia) e para a Região Nordeste (operados pelo Banco do Nordeste).
23
Maiores informações podem ser encontradas em <www.apexbrasil.com.br/>.
24
Em 2004, os recursos dos fundos setoriais vinculados às prioridades da política industrial
atingiram o percentual de 60%, estimativa que ultrapassou 70% em 2005. Os fundos
setoriais remontam às experiências do final dos anos 60; foram implantados em 1999, com
fontes vinculadas e permanentes de recursos destinados à inovação e ao financiamento
de longo prazo (com taxas sobre empresas privatizadas). Recentemente, o MCT reformulou
o modelo de gestão para focar as prioridades governamentais e evitar duplicidade de
iniciativas. Em 2005, estimou-se um investimento de R$ 722 milhões em 15 fundos. A esse
respeito, consultar artigo de Valéria Bastos (2003) .
25
Uma política de defesa da concorrência compatível com políticas industriais de raiz neo-
-schumpeteriana é viável, desde que não se encare, por exemplo, o estímulo à cooperação
interempresarial para aprendizagem coletiva como abdicação do controle sobre condutas
nocivas anticoncorrenciais. Na área de P&D, talvez seja necessária a criação de “zonas
de exceção” para setores industriais prioritários, com regras mais flexíveis de prevenção
e controle.
26
O Banco Mundial, em estudo intitulado Doing Business in 2004 — disponível em
<http://www.doingbusiness.org/Main/DoingBusiness2004.aspx> —, demonstrou que, em
média, se gastam 150 dias para abrir uma empresa no Brasil. Além disso, outros fatores,
como a regulamentação trabalhista, a eficiência do Judiciário, o acesso ao crédito e o
processo de falência, contribuem para a baixa eficiência empresarial no País.
Opções estratégicas
As opções estratégicas foram escolhidas pelo potencial de dinamismo,
pela capacidade de atração de investimentos, pelas novas oportunidades de
negócios, intensivas em inovação, pelo adensamento do tecido produtivo e por
apresentarem vantagens comparativas dinâmicas. Nesses requisitos, estão os
setores de semicondutores, software, fármacos e medicamentos e bens de
capital. Sinaliza-se a clara relação entre essas prioridades e as políticas públicas
setoriais, como são as políticas de saúde relacionadas com o tema dos fármacos.
A pesquisa agropecuária é lembrada como causa central da competitividade do
agronegócio como exemplo de conexão entre o investimento em P&D e o impacto
em políticas públicas. As principais ações atualmente em curso nessa linha
referem-se a incentivos ao setor de semicondutores (a balança comercial, nesse
setor, apresenta déficit de US$ 6 bilhões/ano), software (BNDES), bens de
capital (Modermaq e Finame, do BNDES) e fármacos (Profarma do BNDES).
Além dos setores ditos “estratégicos”, a política sinaliza os setores “portadores
de futuros”, cuja realidade na cadeia produtiva ainda é precária e que apresentam
as maiores tendências de alteração de processos e produtos. São eles: a
nanotecnologia e a biotecnologia. Em relação à biotecnologia, as ações estão
concentradas na implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia, em fase
de implantação, na criação de um fórum de Competitividade no Governo Federal,
na modernização dos marcos legais (Lei de Biossegurança) e no programa
brasileiro de biocombustíveis (biodiesel), dentro do quadro internacional,
estimulado pelo protocolo de Quioto. Relacionada ao desenvolvimento da
nanotecnologia, o Governo Federal vem atuando na criação de um sistema
nacional de P&D. Através dos fundos setoriais da Finep, já foram alocados
recursos para fortalecer a pesquisa básica, as redes de pesquisa e o
desenvolvimento de projeto, para a criação do laboratório nacional de micro e
nanotecnologia.27
27
A escolha de setores e os instrumentos propostos não devem se confundir com a opção
polêmica e criticável conhecida como “escolha dos vencedores” (Alem; Barros; Giambiagi,
2002). No caso da PITCE, os incentivos são de natureza creditícia ou em P&D; não há
qualquer tentativa de reeditar as “reservas de mercado” dos anos 80, ou uma política de
subsídios que seria insustentável no âmbito da OMC. Além disso, o critério-chave de
elegibilidade, além da escala e do potencial de inovação, é a redução seletiva dos déficits
na balança de pagamentos.
28
O exemplo coreano é paradigmático, o sucesso da política industrial na década de 60 teve
como fator-chave a grande articulação entre as instituições encarregadas da política
econômica de curto e longo prazos sob coordenação governamental direta, como
demonstrou a Professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Alice Amsden
(1989), especialista em economias asiáticas. Ainda sobre o debate do tamanho do Estado,
perguntada sobre as recentes crises cambiais nos países asiáticos e em Taiwan (outro
exemplo de sucesso), a Professora Amsden, respondeu: “Em Taiwan não houve crise.
Não tinha como acontecer: o Governo garante os empréstimos e controla o mercado
financeiro. Os próprios bancos são estatais. Os taiwaneses têm quatro tipos de empresas
estatais de diferentes origens: japonesa, porque foram invadidos pelos japoneses; chinesa,
porque importaram as indústrias da China continental; os militares têm um grande parque
industrial; e indústrias privadas falidas, que foram encampadas pelo governo”(Carta Capital,
1998).
29
Os lobbies são manifestações de pluralismo em sociedades democráticas e, em muitos
países, são regulamentados por dispositivos constitucionais; nesse contexto (e só aqui!),
são formas legítimas de pressão. A esse respeito, ver Graziano (1997).
30
O conceito de “capacidade de governo” é aquele derivado de Matus (2000), um conjunto de
habilidade e perícia da direção das organizações que depende do grau de governabilidade
e da exigência em recursos imposta pela natureza do seu projeto de governo.
31
Para aprofundar a análise institucional da formulação e da execução da política industrial
nos anos 80 e 90, consultar Guimarães (1996).
32
Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira (PACTI, 1990), Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP, 1990) e o Programa de Competitividade
Industrial (PICE, 1991).
33
Essa figura jurídica foi criada na vigência da Constituição de 1946, quando não havia
normas específicas sobre a Administração Indireta, daí a dificuldade na definição da sua
natureza jurídica e do seu enquadramento legal entre as entidades da Administração
Indireta. Naquela circunstância, o Governo Federal agiu muito mais para fomentar a iniciativa
privada através da subvenção compulsória do que para repassar a prestação de um
serviço público. É uma atividade privada de interesse público. Isso significa que a
participação do Estado no ato de criação ocorreu para incentivar a iniciativa privada, por
meio de subvenção garantida através da instituição compulsória de contribuições parafiscais
destinadas especificamente a essa finalidade.
34
A repartição das receitas a essas entidades (Sebrae, Apex, etc.) é regulada pela Lei
Federal nº 8.029, de 1990.
35
O workshop realizado em abril de 2005 (ABDI, 2005) contou com a participação de 41
organizações públicas e privadas e gerou 296 projetos e/ou iniciativas em todos os âmbitos
da PITCE.
36
Para mais informações, consultar o documento Brasil (2004).
Figura 1
Modelo institucional
Conclusões
A formulação da política industrial brasileira quase sempre foi um
subproduto marginal da política macroeconômica. A sua constituição como objeto
de pesquisa e política pública específica veio só depois que se consolidou a
indústria básica no País. Até mais ou menos meados dos anos 70, a política
industrial não passava de um conjunto de subsídios desordenados e marcos
37
O IEDI propôs um conselho bem menor, com nove membros e com representação dos
governos estaduais. Os objetivos seriam “[...] constituir um locus de discussão empresarial,
independentemente de associações de classe e de setores de atuação das suas empresas
e contribuir para o estabelecimento da cooperação e de iniciativas coordenadas entre o
setor público e o setor privado [...] encaminhar propostas de desenvolvimento industrial e
acompanhar e avaliar a execução das políticas na perspectiva empresarial “ (IEDI, 2000,
p. 7).
38
São exemplos ocorridos em 2004 e 2005: Programa Reporto, depreciação acelerada de
bens de capital, plataforma de exportações, lei complementar para microempreendedores,
diminuição do IPI, programa “PC Conectado”, etc.; muitas medidas ainda tramitavam no
Legislativo nacional, no momento em que este artigo foi escrito, junho de 2005.
39
Um grupo burocrático pode assumir funções políticas, se possuir os pré-requisitos de
formular intenções políticas, ajustar suas intenções a procedimentos governamentais,
competir pelo preenchimento de cargos governamentais, ocupar posições centrais no
Governo, possuir qualificação para comando ou gerenciamento de atividades
governamentais e capacidade de controlar a implementação das decisões públicas (Peters,
1981).
Referências
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Desenvolvimento Industrial,Tecnológico e de Comércio Exterior — horizonte
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Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br>.
BRASIL. Presidência da República. PBDCT: Plano Básico de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, 1973/74. Brasília, 1973.
Resumo
Neste trabalho, é apresentada uma análise empírica dos impactos da liberalização
comercial sobre a desigualdade salarial brasileira, considerando-
-se, em especial, os diferentes níveis de qualificação (anos de escolaridade)
dos trabalhadores da indústria de transformação. Os dados abrangem o período
1981-02 e têm como base as informações das PNADs do IBGE. Encontram-se
evidências de que, a partir da abertura comercial, ocorreu uma redução da desi-
gualdade salarial na indústria de transformação e no salário real médio. Porém
tal redução da desigualdade salarial mostra-se pouco expressiva. Também é
observada uma diminuição da desigualdade salarial entre os níveis educacio-
nais, durante o período de abertura comercial. Por fim, é possível verificar-se
uma relação estatisticamente significativa entre a redução da desigualdade
salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualificados e a liberalização
comercial.
Palavras-chave
Liberalização comercial; indústria; desigualdade salarial.
Abstract
In This work is presented an empirical analysis of the impacts of the trade
liberalization on the Brazilian wage inequality, considering, in special, the different
levels of skill (years of schooling), of the workers of the industry. The data include
the period 1981-2002 and have as base the information of the PNADs of the
IBGE. This work finds evidences of that from the trade opening occurred a reduction
of the wage inequality in the industry and of the average real salary. However,
such reduction of the wage inequality reveals little expressive. Also a reduction
of wage inequality is observed between the educational levels during the period
of trade opening. Finally, it is possible verify a relation statistically significant
between the reduction of the wage inequality between skilled and unskilled workers
and the trade liberalization.
Key words
Trade liberalization; industry; wage inequality.
1 Introdução
Nas últimas décadas do século XX, diversos países em desenvolvimento
passaram por processos de liberalização comercial. Evidências empíricas têm
sugerido que essas reformas estão associadas a um aumento da eficiência e da
produtividade nas economias desses países. Entretanto inexiste consenso em
relação ao impacto da liberalização comercial sobre a desigualdade salarial.
Experiências como a observada no México apontam uma coincidência cronoló-
gica entre as reformas de liberalização comercial e as ampliações dos prêmios
salariais pagos a trabalhadores qualificados e da desigualdade salarial. Tais
observações frustram aqueles que esperavam que a abertura externa pudesse
concorrer para a redução da desigualdade e da pobreza nos países em desen-
volvimento (Attanasio; Goldberg; Pavenik, 2003). Em diversos países da Améri-
ca Latina e do Caribe, esse processo também tem levado a um aumento nos
diferenciais salariais entre trabalhadores menos e mais qualificados, paralela-
mente a um crescimento da desigualdade salarial (Taylor; Vos, 2001).
No entanto, no Brasil, alguns trabalhos indicam um aumento dos diferen-
ciais salariais entre trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas acom-
panhado por uma relativa estabilidade da desigualdade (Barros; Corseuil; Cury,
2000; Green; Dickerson; Arbache, 2001; Arbache; Dickerson; Green, 2004). Nes-
1
Em 1985, a tarifa média para a importação era de 23,5%, e 92,2% da produção nacional
possuíam licença-importação. Já em 1987, esses percentuais estavam em 11,8% e 25,4%
respectivamente.
2
São consideradas pessoas economicamente ativas as que tinham trabalho durante todo ou
parte do período da pesquisa, as pessoas que não exerceram o trabalho remunerado que
tinham no período especificado por motivo de férias, licença, greve, etc. e aquelas que
tomaram alguma providência efetiva de procura de trabalho na semana de referência da
PNAD.
Tabela 1
Tabela 1
INDÚSTRIA DE INFORMAÇÃO
TRANSFORMAÇÃO DECLARADA
ANOS
População População
Amostra Amostra
(1) (1)
1981 6 810 647 25 345 5 028 688 18 723
1982 7 029 497 27 029 5 113 629 19 731
1983 6 774 786 25 581 5 049 137 18 947
1984 7 136 181 26 643 5 376 680 19 933
1985 7 906 948 28 951 5 924 118 21 561
1986 8 986 445 17 345 6 560 521 12 541
1987 9 005 076 17 631 6 563 332 12 744
1988 8 985 990 17 162 6 486 339 12 245
1989 9 647 143 18 243 7 158 414 13 377
1990 8 913 506 17 724 6 381 947 12 662
1992 8 376 998 17 409 6 898 960 14 322
1993 8 539 323 17 617 7 129 454 14 713
1995 8 548 400 17 791 7 042 345 14 611
1996 8 407 147 17 033 7 018 971 14 173
1997 7 161 822 15 073 5 853 118 12 306
1998 8 230 597 16 940 6 918 752 14 187
1999 8 278 798 17 337 6 956 500 14 555
2001 9 300 279 19 357 7 922 885 16 485
2002 10 568 997 22 282 9 010 276 18 949
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD
1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE,
1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.
(1) A estimativa da população é obtida, utilizando-se o fator de expansão
disponibilizado pelo IBGE.
Gráfico 1
(%)
18,0
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002
Legenda: Ocupação
Ocupação na indústria de transformação
da Indústria
Taxa de desemprego
Desemprego
3
A taxa de desemprego foi obtida nas PNADs, assim como a diferença percentual entre a PEA
com 10 anos ou mais e a PEA com 10 anos ou mais ocupada na semana de referência.
4
Neste trabalho, para se obterem os valores reais, foi utilizado o deflator para rendimentos das
PNADs, com base em setembro de 2002, disponibilizado no site <http://www.ipea.gov.br>.
5
O cálculo das medidas de desigualdade segue Hoffmann (1998).
Tabela 2
6
Segue-se a metodologia de Haisken-DeNew e Schmidt (1997), utilizando como variável
dependente o salário real por hora trabalhada e como variáveis independentes a escolarida-
de, a experiência, o gênero, a região, a região metropolitana, o sindicato, a carteira de
trabalho, o ramo industrial e a condição da ocupação. Foram considerados 17 setores
industriais.
Gráfico 2
0,26
0,24
0,22
0,20
0,18
0,16
0,14
0,12
0,10
0,08
0,00
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002
7
A saber: nível 1, referente a analfabeto ou com menos de um ano de estudo; nível 2, referente
a alguma educação elementar (um a três anos de estudo); nível 3, referente à educação
elementar completa ou ensino fundamental incompleto (quatro a sete anos de estudo); nível
4, referente a fundamental completo ou médio incompleto (oito a 10 anos de estudos); nível
5, referente a ensino médio completo ou superior incompleto (11 a 14 anos de estudos); nível
6, referente a superior completo ou mais (15 anos ou mais de estudos).
8
A tarifa legal foi obtida no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) —
<http://www.ipea.gov.br>. Essa tarifa legal começou a reduzir-se a partir do ano de 1988,
quando foi de 26,4% para 9,4% em 2002.
Tabela 3
MÉDIA DOS
DISCRIMI-
NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6 ANOS DE
NAÇÃO
ESTUDO
1981 9,02 18,56 41,51 14,49 12,31 4,11 5,75
1982 9,84 17,80 41,00 14,60 12,86 3,89 5,75
1983 8,95 17,14 41,03 15,19 13,19 4,49 5,90
1984 8,62 16,57 40,48 16,15 13,18 4,99 6,02
1985 8,16 16,07 41,16 16,11 14,09 4,42 6,06
1986 7,38 14,71 41,06 17,96 14,17 4,73 6,27
1987 8,28 14,86 39,89 16,97 14,73 5,28 6,28
1988 7,40 14,25 39,39 17,21 15,78 5,34 6,46
1989 7,95 13,69 40,57 18,10 15,22 4,48 6,35
1990 7,57 13,74 39,60 17,32 16,31 5,46 6,40
1992 8,55 14,68 39,21 17,90 15,13 4,52 6,21
1993 7,48 13,33 40,61 18,25 15,86 4,47 6,36
1995 7,02 12,59 39,64 19,22 16,64 4,90 6,55
1996 6,93 11,49 38,20 21,04 18,23 4,11 6,68
1997 6,16 11,31 35,31 21,04 20,79 5,39 7,03
1998 6,12 10,98 35,78 21,08 20,97 5,07 7,01
1999 5,92 10,08 34,94 21,48 23,04 4,55 7,14
2001 5,79 9,29 31,68 21,61 27,18 4,45 7,42
2002 5,15 9,44 31,21 20,97 28,24 4,99 7,54
Taxa de va-
riação (%)
1981-87 -8,26 -19,96 -3,90 17,15 19,64 28,40 9,22
1988-02 -30,40 -33,75 -20,78 21,87 78,93 -6,47 16,78
1981-02 -42,96 -49,13 -24,82 44,76 129,42 21,42 31,12
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/
/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.
Contudo, para os níveis 3 e 6, essa elevação não foi suficiente para acompa-
nhar a expansão da ocupação na indústria, o que resultou na taxa de variação
negativa observada na Tabela 3.
Gráfico 3
Gráfico 4
(R$)
5 000,0
4 500,0
4 000,0
3 500,0
3 000,0
2 500,0
2 000,0
1 500,0
1 000,0
500,0
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002
9
Por educação elementar, entendem-se os quatro primeiros anos do ensino fundamental.
10
Os coeficientes das variáveis binárias estão apresentados como a diferença percentual
entre o salário esperado na categoria tomada como base (nível 1) e o salário da categoria
para o qual aquela variável binária assume valor um. Por exemplo, se o coeficiente
da variável binária associada à variável nível 2 for b, então, a diferença percentual no
salário esperado da variável nível 2 em relação à nível 1 (tomada como base) será igual a
100[exp(b) - 1]%.
Tabela 4
Tabela 4
Gráfico 5
0,85
0,80
0,75
0,70
0,65
0,60
0,55
0,50
0,45
0,00
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002
Legenda: Com
Comcontroles
controle Sem
Semcontroles
controle
Gráfico 6
(%)
70,3
60,3
50,3
40,3
30,3
20,3
10,3
0,3
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002
Tabela 5
Tabela 5
Tabela 6
Tabela 6
6 Considerações finais
Neste trabalho, investigaram-se os efeitos da liberalização comercial
ocorrida no Brasil, a partir do final dos anos 80, sobre a desigualdade salarial na
indústria de transformação, notadamente entre trabalhadores qualificados e
menos qualificados. O objetivo foi testar a validade do que preconiza o teorema
HOS para a experiência brasileira de abertura comercial. Segundo esse teorema,
em países em desenvolvimento, uma abertura comercial diminui a desigualda-
de entre os trabalhadores menos qualificados e os qualificados.
Inicialmente, verificou-se que, a partir da abertura comercial, ocorreu uma
redução tanto da desigualdade salarial quanto do salário real médio na indústria
de transformação. Em seguida, mostrou-se que a desigualdade salarial entre os
níveis educacionais também diminuiu durante o período de abertura comercial.
Por fim, encontrou-se uma relação estatisticamente significativa entre a redu-
ção da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualifica-
dos e a liberalização comercial, de acordo com o teorema HOS.
No entanto, esses resultados merecem algumas ressalvas. Pelo teorema
HOS, a redução da desigualdade salarial entre trabalhadores com maior e me-
nor qualificação ocorreria devido ao aumento relativo dos salários dos trabalha-
dores menos qualificados, decorrente do aumento da demanda por esses traba-
lhadores. Porém, no Brasil, observou-se apenas um aumento relativo dos salá-
rios dos trabalhadores do primeiro nível educacional — os analfabetos ou com
menos de um ano de escolaridade — em um cenário em que, em termos abso-
lutos, houve redução do salário real médio em todos os níveis educacionais. De
fato, o nível de ocupação dos trabalhadores menos qualificados caiu, sugerindo
que a demanda por eles se tenha reduzido também, ao contrário do que postula
o teorema HOS. Não obstante, esse fato está de acordo com outras experiên-
cias internacionais, tais como a do México, a do Chile e a da Colômbia, mas,
nesses países, foi notado aumento da desigualdade.
Dessa forma, os resultados deste trabalho sugerem que o Brasil é um
caso especial, pois, mesmo com um aumento da demanda dos trabalhadores
qualificados na indústria brasileira, ocorreu uma redução da desigualdade, ainda
que pouco expressiva.
Assim, longe de serem definitivos, esses resultados demonstram que a
abertura econômica teve um impacto significativo no comportamento da desi-
gualdade entre os trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas tam-
bém que outros fatores devem ter contribuído para esse comportamento, tais
como os planos econômicos, a desregulamentação dos mercados, as inova-
ções tecnológicas, etc. O estudo desses fatores constitui-se em um desafio
para trabalhos futuros.
Referências
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in developing countries. The Economic Journal, v. 114, n. 493, p. 73-96, 2004.
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INSTITUTO DE ECONOMIA APLICADA — IPEA.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>.
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on brazilian manufacturing industry. Word Development, v. 26, n. 10, p. 859-74,
1998.
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a localização da mão-de-obra nas atividades
produtivas das mesorregiões da Região Sul do Brasil, no período de 1991 a
2000. Para isso, utilizou-se o método de análise regional através das medidas
de especialização e localização. Os resultados apontaram uma concentração
das atividades secundárias e terciárias nas mesorregiões com maior densidade
populacional. Outrossim, verificou-se que a dinâmica da Região está pautada
Palavras-chave
Análise regional; economia regional; difusão espacial.
Abstract
The objective of this paper was analyzing the localization of the handwork in the
productive activities of the regions of the South region of Brazil, in the period
from 1991 to 2000. For this, the method of regional analysis was used, through
the measures of specialization and localization. The results had pointed a
concentration of the secondary and tertiary activities in the regions with bigger
population density. Moreover, it was verified that the dynamics of the region is
leashed in the secondary and tertiary activities with prominence for the commerce
and public sector.
Key words
Regional analysis; regional economy; spatial diffusion.
1 Introdução
O objetivo deste artigo é analisar o padrão de localização da mão-de-obra
e a dinâmica regional das atividades produtivas nas mesorregiões dos Estados
do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, no período de 1991 a
2000. A Região Sul do Brasil é um “terreno fértil” para esse tipo de análise,
dadas as suas características de ocupação e desenvolvimento econômico. Isso
sem contar que sua fronteira agrícola se esgotou no final dos anos 70, caracte-
rizando uma transformação mais intensiva do seu espaço.
No Paraná, por exemplo, de 1920 a 1960, ocorreram duas frentes de
expansão da fronteira agrícola: ao norte, a expansão cafeeira, a partir de
FONTE: HAGGETT, P. L'analyse spatiale en géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1973.
Legenda: A - Setores ricos e pobres na cidade.
B - Distribuição das grandes cidades.
195
C - Distribuição dos centros dentro de um setor.
196 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
A partir das equações (1), (2), (3) e (4), organizou-se o Quadro 1, que
apresenta as medidas de localização, especialização e associação. As medidas
de localização — quociente locacional (QL), coeficiente de localização (CL) e
coeficiente de associação geográfica (Cag) — são de natureza setorial e preo-
cupam-se com a localização das atividades produtivas entre as mesorregiões,
ou seja, procuram identificar padrões de concentração ou dispersão da mão-de-
-obra num determinado período. Já as medidas de especialização concentram-
-se na análise da estrutura produtiva de cada mesorregião, objetivando analisar
o grau de especialização das economias mesorregionais num determinado perí-
odo. Dentre essas medidas, utilizar-se-á o coeficiente de especialização (CE).
O quociente locacional é utilizado para comparar a participação percentual
da mão-de-obra de uma mesorregião com a da Região Sul do Brasil. Ele pode
ser analisado a partir de ramos específicos ou no seu conjunto. A importância
da mesorregião no contexto do universo regional, em relação ao ramo de atividade
estudado, é demonstrada quando QL > 1. Nesse caso, há representatividade do
ramo em um município específico. Além disso, é um consenso na análise regio-
nal que os valores iguais ou maiores que a unidade indicam os ramos de atividade
que são de exportação, ou seja, os ramos básicos (exógenos) (Haddad, 1989;
Costa, 2002; Souza, 2005). Ao contrário, quando QL < 1, as atividades são não
básicas ou endógenas. Assim, são também localizados, através desse quoci-
ente, os ramos de atividade exógenos e os endógenos. Ressalta-se que o setor
agropecuário é básico (de exportação) por definição, conforme estudos
de North (1956), retomados por Haddad (1989), Piffer (1999) e Pedralli et al.
(2004).
Vollet e Dion (2001), analisando a contribuição potencial da concepção dos
setores básicos e não básicos, afirmam que os setores básicos de uma região
representam o motor da economia regional. Historicamente, em um primeiro
momento, eles são os responsáveis pelo quadro de crescimento regional, mas,
num segundo momento, as atividades terciárias atraem “rendas exógenas”, o
que difere da análise clássica de North (1956). Os autores insistem também no
papel das populações para estimular um mecanismo de crescimento econômico
regional. Esse crescimento distingue as regiões que possuem setores dominan-
tes das regiões que possuem setores fracos, determinando a forma de
hierarquização do espaço econômico. Essa contribuição a respeito da visão
clássica da base de exportação renova as possibilidades de análise do papel
das atividades de exportação nos espaços econômicos.
Coeficiente de ∑ MOij ∑ MOij − ∑ MOij ∑ ∑ MOij Próximo a 0 = dispersão significativa
localização (CL) j j i i j Próximo a 1 = concentração significativa
CL =
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
2
Coeficiente de ∑ MOij ∑ MOij − ∑ MOij ∑ ∑ MOij Próximo a 0 = diversificação significativa
especialização i i j i j Próximo a 1 = especialização significativa
(CE) CE =
2
setor i setor k
Coeficiente de ∑ MOij ∑ MOij − MOij ∑ MOij 0,7745 < Cag = fraca associação
associação j
i i 0,5162 < Cag < 0,2582 = associação média
Cag ik =
geográfica (Cag) 0,2581 < Cag < 0,0001 = associação significativa
2
FONTE: LIMA, J. Ferrera de et al. A localização e as mudanças da distribuição setorial do PIB nos estados da Região Sul
(1970-1998). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 2004, Cuiabá. Anais...
Cuiabá: SOBER, 2004a. 1 CD-ROM.
PIACENTI, C. A. et al. Análise regional dos municípios lindeiros ao lago da Usina Hidroelétrica de Itaipu. In:
ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS, 2, 2002, São Paulo. Anais... São Paulo:
199
ABER, 2002. 1 CD-ROM.
200 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
Ano 2 Ano 1
Ano 1 Ano 2 Ano 1
VLTij = MO ij − MO ij − MO ij ∑∑ MOij ∑∑ MO − 1
i j ij
i j
Onde:
Ano 1 = 1991;
Ano 2 = 2000;
uma perda de posição relativa. Com isso, a magnitude do valor positivo demons-
tra o “peso” significativo da atividade produtiva na dinâmica da mão-de-obra, nas
mesorregiões. Dessa forma, se as atividades produtivas básicas têm os valores
positivos mais significativos, o que corresponde a uma estrutura de exportação
dinâmica, então, os fatores exógenos são os responsáveis pelo crescimento
econômico mesorregional.
Vale lembrar que a VLT é a diferença entre a parcela regional e a parcela
estrutural. A primeira refere-se aos fatores diferenciais ou locais, ou seja, reflete
a especialização regional de uma determinada atividade produtiva (endógena).
A segunda representa os fatores estruturais, ou seja, reflete a composição
regional da ocupação (exógena). A dinâmica acarretada pelos fatores estrutu-
rais demonstra que a mesorregião acompanha o dinamismo da Região Sul do
Brasil. Quando a Região avança no crescimento econômico, a mesorregião acom-
panha-a de forma significativa. Os fatores diferenciais representam a autonomia
da dinâmica da mesorregião, que cresce indiferente aos movimentos da Região.
A diferença entre a composição regional e a estrutural recebe o nome de efeito
total, ou seja, variação líquida total.
3 A localização e a especialização da
mão-de-obra ocupada na Região Sul
do Brasil
A seguir, são apresentados os resultados obtidos com a aplicação da
metodologia de análise regional, através das medidas de especialização e loca-
lização. Na Figura 3, verificam-se as atividades produtivas que apresentaram
maiores possibilidades para atividades de exportação, através dos indicadores
do quociente locacional.
Nota-se, pela Figura 3, algumas particularidades nos estados da Região
Sul do Brasil. No caso dos três estados, as atividades primárias são as mais
difusas. Porém, no Paraná, a agropecuária é a atividade produtiva mais signifi-
cativa, cabendo às mesorregiões Noroeste-PR, Centro-Ocidental-PR,
Norte-Pioneiro, Oeste-PR, Sudeste-PR, Sudoeste-PR e Centro-Sul os maiores
valores. O inverso dá-se nas mesorregiões com maior urbanização, que é o
caso da Norte-Central-PR, da Centro-Oriental-PR e da Metropolitana de Curitiba.
No entanto, outras atividades produtivas destacam-se no Estado, as atividades
industriais concentrando a mão-de-obra ocupada fundamentalmente entre
as mesorregiões Norte-Central e Metropolitana de Curitiba. A mesorregião
Oeste destaca-se na atividade de outras atividades industriais. As atividades
Figura 3
Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
a) agropecuária b) indústria de transformação
1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 5 2 5
6 6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17 16
18 18 18 18
19 21 19 21 19 20 21 19 21
20 20 20
22 22 22 22
23 23 23 23
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Figura 3
Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 2 5
5
6 6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17 16
18 18 18 18
19 21 19 20 21 19 21 19 20 21
20 20
22 22 22 22
23 23 23 23
205
206
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
Figura 3
Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
e) transporte e comunicação f) comércio
1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 2 2 5
5 5 6
6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 10 8 9 10
9
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 17 17 16
18 18 16 18 16 18
19 21 19 19 19 20 21
20 20 21 20 21
22 22 22 22
23 23 23 23
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Figura 3
Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 5 2
6 5
6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17
18 18 18 18 16
19 20 21 19 20 21 19 20 21 19 20 21
22 22 22 22
23 23 23 23
Mesorregiões
9 - Sudeste Níveis de Quociente Locacional
Paraná
10 - Metropolitana de Rio Grande do Sul
1 - Noroeste
Curitiba 17 - Noroeste Significativo/Básico
2 - Centro-Ocidental
Santa Catarina 18 - Nordeste
3 - Norte-Central Médio/Não Básico
11 - Oeste Catarinense 19 - Centro-Ocidental
4 - Norte Pioneiro Fraco/Não Básico
12 - Norte Catarinense 20 - Centro-Oriental
5 - Centro-Oriental
13 - Serrana 21 - Metropolitana
6 - Oeste
14 - Vale do Itajaí 22 - Sudoeste
7 - Sudoeste 0 291,056 km
15 - Grande Florianópolis 23 - Sudeste
8 - Centro-Sul
16 - Sul-Catarinense
207
FONTE: Resultados da pesquisa.
208 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
0,1000
0,0500
0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária
Serviços
transformação
comunicação
Comércio
atividades
Indústria de
Setor público
industriais
Transporte e
construção
Indústria de
Outras
209
210
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
Gráfico 2
Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
CL
0,3500
0,3000
0,2500
0,2000
0,1500
0,1000
0,0500
0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária
Serviços
transformação
comunicação
Comércio
atividades
Indústria de
Setor público
indústriais
Transporte e
construção
Indústria de
Outras
CL
0,3500
0,3000
0,2500
0,2000
0,1500
0,1000
0,0500
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária
Serviços
transformação
Comércio
Indústria de
comunicação
Setor público
atividades
industriais
Transporte e
construção
Indústria de
Outras
211
212 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
Gráfico 4
Coeficiente de especialização (CE ) da mão-de-obra ocupada das mesorregiões dos Estados do Paraná,
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
CE
0,30
0,25
Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
0,20
0,15
0,10
0,05
0,00 Mesorregiões
Mesorregião
1
2
3
4
6
7
8
9
10
2
3
4
6
S1
2
S3
4
5
6
S7
RS
RS
RS
RS
PR
PR
PR
PR
PR
PR
PR
PR
PR
SC
SC
SC
SC
SC
SC
PR
R
Legenda: 1991 2000
♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦
215
216
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
Quadro 2
Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000
b) Santa Catarina
Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
Agropecuária ♦ ♦
Indústria de
♦ ♦
transformação
Indústria de
♦ ♦
construção civil
Outras atividades
♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Quadro 2
Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000
Indústria de cons-
♦ ♦
trução civil
Outras atividades
♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦
217
218 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
Figura 4
Variação líquida total positiva da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná,
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991-00
Norte-Central
Paranaense
Norte-Pioneiro
Noroeste Paranaense
Paranaense
Centro-Ocidental
Paranaense Centro-Oriental
Paranaense
Oeste
Paranaense
Centro-Sul
Paranaense
Sudeste Metrop.
Sudoeste Paranaense de Curitiba
Paranaense
Norte
Catarinense
Oeste
Catarinense
Vale do
Itajaí
Grande
Serrana Florianópolis
Catarinense
Noroeste
Riograndense
Sul
Nordeste Catarinense
Riograndense
Centro-Ocidental Centro-Oriental
Riograndense Riograndense
Metropolitana
de Porto Alegre
Sudoeste
Riograndense
Sudeste
Riograndense
15.000 ≤ VLT
14.999 ≤ VLT ≤ 10.000
9.999 ≤ VLT ≤ 5.000
VLT ≤ 4.999 0 67,72 km
5 À guisa de conclusão
O objetivo deste artigo foi analisar o padrão de localização da mão-de-obra
e a dinâmica regional das atividades produtivas das mesorregiões dos Estados
do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul no período de 1991 a 2000.
Com a aplicação dos métodos de análise regional, por meio dos
coeficientes de localização e especialização, verificou-se que a atividade da
agropecuária é mais distribuída entre as mesorregiões da Região Sul do Brasil.
As demais atividades, secundárias e terciárias, concentram-se principalmente
num corredor que se inicia na mesorregião Norte-Central Paranaense, passando
pela Centro-Oriental Paranaense e pelas outras mesorregiões litorâneas da
Região Sul do Brasil. Outrossim, a mesorregião Oeste Paranaense também se
destaca nessas atividades produtivas e é a única que se localiza fora do
“corredor”.
A análise da variação total da mão-de-obra mostrou, através da variação
líquida total, que as atividades produtivas que mais se dinamizaram nas
mesorregiões da Região Sul do Brasil foram as do comércio, do setor público, do
transporte e comunicação, da indústria da construção civil e da indústria da
transformação. Esses dados confirmam os demais coeficientes de análise
regional, ao mostrarem que a dinâmica econômica da Região Sul do Brasil está
pautada nas atividades secundárias e terciárias.
No contexto das atividades da indústria de transformação, no Rio Grande
do Sul, os resultados da análise convergem para os estudos de Souza (2005).
Nesses estudos, o padrão de localização industrial do RS orienta-se pela fonte
de matérias-primas e dá-se pelas atividades básicas (exportação). Por isso,
elas demandam uma estrutura de serviços e comércio capaz de lhes dar sus-
tentação, o que favorece uma maior associação geográfica entre as atividades
secundárias e as terciárias ao longo do território.
Por fim, os resultados desta análise apontam algumas particularidades. A
primeira é a reestruturação espacial, que se mostrou como mais um processo
de reorganização do espaço econômico. Nessa reorganização, não há nenhuma
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Resumo
Este trabalho testa as Leis de Kaldor para o Rio Grande do Sul no período 1980-
-00. Kaldor considera a indústria como o setor-chave do crescimento econômico,
devido à presença de retornos crescentes de escala no mesmo, o que não se
verificaria nos demais setores. Os resultados foram consistentes com seus
argumentos. O próprio desempenho diferenciado entre as regiões é explicado
pela desigualdade do crescimento industrial e não por diferenças exógenas na
dotação de recursos. Os resultados mostram evidências de que as Leis de
Kaldor se verificaram no Rio Grande do Sul, no período em estudo. A validade
de suas proposições no contexto regional de uma economia em desenvolvimento,
num período de grandes transformações, mostra a relevância de fomentar a
produção industrial nas regiões de menor renda, para promover seu crescimento
econômico.
Palavras-chave
Leis de Kaldor; indústria; Rio Grande do Sul.
Abstract
This paper tests Kaldor´s Law to Rio Grande do Sul for the period 1980-00.
Kaldor considers the industry as the engine of economic growth due to the
presence of increasing returns to scale in this sector. The same is not true for
Key words
Kaldorís Laws; increasing returns; Rio Grande do Sul.
1 Introdução
As linhas de crédito para o financiamento da reconversão produtiva das
áreas de menor industrialização da economia gaúcha são evidências de que a
distribuição espacial da atividade industrial no Estado é concentrada. A
justificativa para a oferta de crédito encontra-se no pressuposto de que a
industrialização é fundamental para o crescimento das regiões com menor renda
per capita.
Essa realidade inspira a utilização do referencial proposto por Nicholas
Kaldor para a compreensão do processo de crescimento econômico. Seguindo a
tradição keynesiana, a proposta de Kaldor assume que a explicação para as
diferentes taxas de crescimento entre regiões decorre de fatores de demanda.
No centro da questão, está o papel desempenhado pelas atividades com retornos
crescentes de escala. Mais especificamente, o setor industrial é considerado
por Kaldor o “motor” do crescimento econômico, por apresentar tais retornos.
Thirlwall (1983, p. 341) considera que a divisão entre regiões caracterizadas
pela predominância de atividades primárias e regiões mais industrializadas traz
implicações para o crescimento e para o processo de desenvolvimento da
economia como um todo, justamente em função dos retornos crescentes no
Setor Secundário. O conjunto de fatos estilizados apresentados por Kaldor ganhou
status de lei na generalização proposta por Thirlwall.
Neste trabalho, são testadas, na economia gaúcha, as relações
evidenciadas nas Leis de Kaldor, no período 1980-00. Nesse período, a economia
gaúcha interrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial era
1
Os países considerados no estudo são o Japão, a Itália, a Alemanha Ocidental, a Áustria, a
França, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Noruega, o Canadá, o Reino Unido e os
Estados Unidos.
2
As mesmas proposições aparecem em McCombie e Thirlwall (1994, p. 164-166).
“Primeira Lei de Kaldor: existe uma forte relação entre a taxa de cresci-
mento da produção na indústria de transformação e a taxa de crescimento do
PIB” 3 (Thirlwall, 1983, p. 347).
Pode-se testar como a variação da produção industrial influi na taxa de
crescimento da produção total utilizando uma regressão na qual a taxa de
crescimento dos demais setores depende da taxa de crescimento do setor
manufatureiro. Ou seja,
g nm = α + βqm + ε (1)
3
No original: “Kaldor’s first law: there exists a strong relation between the growth of manufacturing
output and the growth of GDP” (Thirlwall, 1983, p. 347).
4
No original: “Kaldor’s second law: there is a strong positive relation between the rate of growth
of productivity in manufacturing industry and the growth of manufacturing output” (Thirlwall,
1983, p. 350).
5
Essa relação empírica é conhecida como Lei de Kaldor–Verdoorn, porque já havia sido
demonstrada em Verdoorn (1949).
Desse modo, q aparece nos dois lados da equação, o que caracteriza uma
correlação espúria entre p e q. O problema é evitado com uma nova especificação,
preferida por Kaldor, para a Lei de Verdoorn. Substituindo a taxa de crescimento
exponencial de produtividade na equação 2 pela equação 3, chega-se a
em = a * + b *q m + u (4)
sendo b * = 1 − b e a = − a
*
*
O que deve ser testado é se b é, do ponto de vista estatístico,
significativamente diferente de 1, ou, de forma equivalente, se b é
significativamente diferente de zero. As duas especificações devem conduzir à
mesma conclusão.
Segundo McCombie e De Ridder (1984, p. 268), a importância da Lei de
Kaldor-Verdoorn é que ela fundamenta um modelo de causação circular e
acumulativa do crescimento econômico, tal qual o apresentado por Myrdal (1960,
p. 28). Kaldor (1989, p. 315) assegura ser o processo de causação circular
acumulativa essencial para a compreensão das diversas tendências de
desenvolvimento entre as regiões. O crescimento da demanda por produtos
industriais é um fator importante na determinação do crescimento das economias.
Primeiramente, porque quanto maior for a taxa de crescimento do setor industrial,
maior será a taxa de crescimento do total da produção na economia. Em segundo
lugar, porque quanto maior for a taxa de crescimento da produção industrial,
maior será a taxa de crescimento da produtividade nesse setor. Mais do que
isso, o crescimento da produção industrial também influencia o aumento da
produtividade nos demais setores da economia. Fortalecendo esse argumento,
o autor criou mais uma generalização empírica, que passou a ser reconhecida
como a Terceira Lei:
Terceira Lei de Kaldor: quanto maior o crescimento da produção da indústria
de transformação, maior a taxa de transferência de trabalhadores dos
demais setores para este setor. Assim, a produtividade total é positivamente
relacionada com o crescimento da produção e do emprego na indústria de
transformação e negativamente associada com o crescimento do emprego
nos demais setores (Thirlwall, 1983, p. 354).6
6
No original: “Kaldor’s third law: The faster the growth of manufacturing output, the faster the
rate of labour transference from nonmanufacturing to manufacturing, so that overall productivity
growth is positively related to the growth of output and employment in manufacturing and
negatively associated with the growth of employment outside manufactoring” (Thirlwall, 1983,
p. 354).
p nm = α + βq m − γe nm + ε (7)
7
O próprio Kaldor (1989, p. 311-312, grifo do autor) apresenta essa possibilidade: “A primeira
questão que precisa ser considerada é o que causa diferença nas taxas regionais de
crescimento — se o termo regional é aplicado para diferentes países (ou mesmo grupos de
países) ou diferentes áreas dentro de um mesmo país. Evidentemente, as duas questões
não são idênticas; mas até certo ponto. Eu estou certo de que seria esclarecedor considerar
como se assim fossem e aplicar a mesma técnica analítica para as duas”. No original: “The
primary question that needs to be considered is what causes these differences in regional
growth rates — whether the term regional is applied to different countries (or even groups of
countries) or different areas within the same country. The two questions are not, of course,
identical; but up to a point, I am sure that it would be illuminating consider them as if they were,
and apply the same analytical technique to both” (Kaldor, 1989, p. 311-312, grifo do autor).
8
São exemplos de testes para economias regionais os trabalhos de McCombie e De Rider
(1984), Hildreth (1988-89), Harris e Lau (1998) e León-Ledesma (2000).
9
São exemplos de testes para economias em desenvolvimento os trabalhos de Feijó e
Carvalho (1997), Felipe (1998), Mamgain (1999) e Wells e Thirlwall (2003).
10
Dados da Pesquisa Industrial Anual (2000).
11
Esse movimento veio ao encontro da tendência evidenciada na trajetória das economias
desenvolvidas (Bonelli; Gonçalves, 1998).
12
A desverticalização da produção pode ter propiciado um aumento da produção industrial,
com aumento do emprego no setor serviços. A base de dados utilizada neste estudo não
permite avaliar esse efeito. No entanto, Feijó e Carvalho (1997, p. 254) não consideram que
esse efeito seja responsável pelo aumento da produtividade na indústria.
13
A substituição de trabalho por capital na estrutura produtiva pode incorrer em resultados
viesados, e, por isso, alguns autores incluíram estimativas sobre o estoque de capital em
seus trabalhos. Ver, por exemplo, McCombie e De Ridder (1984), Harris e Lau (1998) e
Leon-Ledesma (2000).
14
Os municípios que compõem cada uma das Áreas Mínimas Comparáveis e a base de
dados utilizada estão disponíveis mediante solicitação.
Tabela 1
Estatísticas descritivas das taxas de crescimento de variáveis
selecionadas nas AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
(%)
PIB EMPREGO
DISCRIMINAÇÃO Demais Demais
Total Indústria Total Indústria
Setores Setores
Média ...................... 1,67 2,57 1,35 1,67 2,81 1,53
Mediana .................. 1,19 3,06 1,23 1,20 2,68 1,27
Desvio-padrão ........ 2,51 6,73 1,73 2,50 2,53 1,41
FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-
-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno
Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-
ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil,1980, v. 1, t. 4, n. 22).
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janei-
ro, [s. d.].
15
Como assinalam Wells e Thirwall (2003), para considerar a indústria como o “motor do
crescimento”, é necessário que o mesmo exercício seja realizado para os demais setores.
No entanto, nem todos os autores que trabalharam o tema realizaram os testes para os
demais setores, o que também não foi feito neste trabalho.
PIB (%)
25
20
15
10
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007
5 Indústria
de
0
transformação
-15 -5 5 15 25 35
-5 (%)
FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986. FUN-
DAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto
per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE,
2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortalidade: Rio
Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t . 4, n. 22).
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].
235
236 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti
Tabela 2
Resultados das regressões para a Primeira Lei de Kaldor aplicadas
para as 136 AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 1 REGRESSÃO 2 REGRESSÃO 3
α ......................................... 1,13 1,17 0,90
(1) (8,40) (1) (9,08) (1) (7,70)
β ........................................... 0,09 0,06 0,05
(1) (2,93) (1) (2,87) (1) (2,72)
DTRI ....................................... - 5,61 6,02
- (1) (7,55) (1) (8,22)
DAD ........................................ - - 2,12
- - (1) (4,80)
DAD* β ................................. - - -
2
R ........................................ 0,12 0,18 0,35
R 2 ....................................... 0,11 0,16 0,34
White (F-stat) ……………….… 7,74 1,55 2,26
DW …………………….………. 1,79 1,84 2,02
Reset (F-stat) ……………….… 5,32 0,45 0,37
n ............................................ 136 136 136
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 4 REGRESSÃO 5
α ............................................ 1,09 0,91
(1) (7,61) (1) (7,74)
β
.......................................... 0,04 0,05
(1) (1,92) (1) (2,50)
DTRI ....................................... 6,29 6,12
(1) (8,15) (1) (8,12)
DAD ........................................ - 1,95
- (1) (4,22)
DAD* β ................................ 0,33 0,06
(1) (2,42) (1) (0,95)
R 2 ....................................... 0,26 0,35
R 2 ....................................... 0,24 0,33
White (F-stat) …………….…... 2,45 2,31
DW ………………………….…. 1,86 2,01
Reset (F-stat) …………………. 8,09 0,48
n ............................................ 136 136
FONTE DE DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-
FONTE DE DADOS BRUTOS-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro,
[s. d.].
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno
Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-
ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t. 4, n. 22).
(1) Estatísticas t.
Figura 2
Relação entre a taxa de crescimento do produto industrial (gX)
e a taxa de crescimento do emprego na indústria (gN)
do Rio Grande do Sul – 1980-00
(%)
40
30
20
10
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007
0 (%)
-20 -10 0 10 20 30 40
-10
-20
-30
FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto
per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande d0o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
239
240 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti
Tabela 3
Tabela 4
Resultados da regressão para a Terceira Lei de Kaldor,
na especificação proposta por Mamgain para as
AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 8
α .................................................................... 0,43
(1) (2,31)
β ................................................................ 0,07
(1) (2,39)
γ ................................................................ -0,50
(1) (-5,59)
R 2 ............................................................... 0,23
R 2 .............................................................. 0,22
F ................................................................ 19,84
n ................................................................ 136
FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda inter-
FONTE DOS DADOS BRUTO na municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 1986. IBGE. Censo Demográfico 2000: microda-
FONTE DOS DADOS BRUTOS: dos da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais:
FONTE DOS DADOS BRUTOS: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortali-
FONTE DOS DADOS BRUTOS: dade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: v. 1, t. 4, n. 22).
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA —
FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto In-
terno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000.
Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em:
<http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
(1) Estatísticas t.
4 Considerações finais
O período escolhido para os testes realizados neste trabalho pode ser
considerado como um ponto de inflexão na trajetória da economia brasileira.
Ainda que contenha suas especificidades, a economia gaúcha também
interrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial era
acompanhado pelo aumento no nível de emprego e na produtividade da indústria.
A instabilidade da década de 80 acabou por resultar em estagnação tanto na
produção industrial quanto no nível de emprego. Nos anos 90, houve um aumento
da produtividade, ao mesmo tempo em que o nível de emprego industrial sofreu
redução. Nesse contexto, as leis de Kaldor (1994) foram utilizadas para explicar
a trajetória de crescimento da produção e da produtividade na economia gaúcha.
Os testes para a Primeira Lei apontaram a existência de uma relação entre
os crescimentos da produção industrial e do PIB dos demais setores no período
1980-00. No entanto, separando-se as AMC em dois grupos, de acordo com o
grau de desenvolvimento, percebe-se que a validade da Primeira Lei se restringe
ao grupo formado pelas regiões mais desenvolvidas. Ou seja, a importância da
indústria como “motor” do crescimento econômico dar-se-ia mais intensamente
nas regiões em que o setor industrial já compunha uma parcela relevante de
suas rendas.
A Segunda Lei de Kaldor (1975, p. 891; 1994) põe em evidência o papel
relevante da demanda por produtos industriais no aumento da competitividade e
do próprio crescimento de uma economia. Uma vez verificado que o crescimento
da produção proporciona um acréscimo da produtividade na indústria — o teste
realizado neste trabalho apontou nesse sentido —, abre-se a possibilidade de
um círculo virtuoso de crescimento da produção industrial e, pelos efeitos
descritos na Primeira Lei, do conjunto da economia gaúcha. A questão relevante,
cuja resposta foge ao escopo deste estudo, seria como expandir a demanda
agregada, o que proporcionaria o espalhamento dos efeitos do aumento da
produção industrial para o restante da economia.
Os testes para a Terceira Lei indicaram que o aumento da produção industrial
eleva a produtividade dos demais setores da economia. No entanto, há que se
ter ressalvas quanto à validade, para a economia gaúcha, no período 1980-00,
do argumento original de Kaldor. No período em estudo, o nível de emprego
industrial sofreu redução, e, portanto, não teria sido por aproveitar mão-de-obra
subempregada nos demais setores que se explicaria a validade da Terceira Lei.
Ainda assim, uma vez mais, a relevância do aumento da produção industrial
ficou evidenciada.
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Resumo
As transformações por que passou a economia brasileira na última década
tiveram forte destaque nos debates acadêmico e político. Abertura comercial e
financeira, sobrevalorização e desvalorização cambial e estabilização monetária
foram alguns dos diversos fatores que deram impulso às discussões. Os anos
90 foram marcados pela reversão do saldo comercial favorável, após mais de
10 anos de grandes superávits. A partir de 1994, as exportações passaram a
ser muito inferiores às importações, conseqüência e reforço das diversas
alterações na dinâmica, na estrutura e na competitividade do parque produtivo
nacional, mas também de mudanças agressivas na política econômica, com
forte abertura comercial e apreciação cambial. Ancorado nesse contexto, este
trabalho apresenta o comércio exterior como uma lente que possibilita ver as
transformações dos vários segmentos produtivos, no que cabe às fragilidades e
às eficiências do País. Assim, o artigo traz elementos caracterizadores da relação
do comércio exterior com a estrutura produtiva brasileira na década de 90.
* Este artigo apresenta resultados de pesquisa realizada com o apoio financeiro da Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no âmbito do Grupo de Es-
tudos em Economia Industrial (<http://geein.fclar.unesp.br>).
Artigo recebido em 28 mar. 2005 e aceito para publicação em out. 2006.
** O autor agradece a João Furtado, Rogério Gomes, Ionara Costa e Eduardo Strachmann por
colaborações importantes, isentando-os de possíveis equívocos presentes no trabalho.
Registra, também, as contribuições feitas por dois pareceristas anônimos.
E-mail: wdspereira@yahoo.com.br
Palavras-chave
Comércio exterior; abertura comercial; estrutura produtiva.
Abstract
The transformations on the Brazilian economy in the nineties had strong
prominence on the academic and political scenario. Commercial and financial
opening, both overvaluation and depreciation on the exchange rate and monetary
stabilization were factors that boosted some of the debates. The nineties were
marked by the reversion of the positive trade balance after more than ten years
with surplus. After that 1994, the total value of exports turned out to be lower
than the imports, as consequence and reinforcement of several alterations in
the dynamics, in the structure and in the competitiveness of the national productive
park, in addition to forceful changes in the economic policy with strong trade
opening and valorization of the exchange rate. Settled in this context, this work
presents the foreign trade as an instrument, which enables us to see
transformations on some productive segments as to the country frailties and
efficiency. Thus, this paper raises some possible elements, which demonstrate
the relationship between foreign commerce and the Brazilian productive structure
during the nineties.
Key words
Foreign trade; trade opening; productive structure.
1 Introdução
A vulnerabilidade externa1 da economia brasileira tem sido motivo de grande
polêmica no País, e, no âmbito desse debate, o papel do comércio exterior é
1
Pode-se definir sumariamente a vulnerabilidade externa como um fator indicativo de o quanto
um país pode ser capaz de responder a choques exógenos no que se refere à dependência
de capitais estrangeiros, para o fechamento de seu balanço de pagamentos (com ou sem
importantes oscilações em sua taxa de câmbio real). Quanto menor for sua independência
para lidar com as alterações dos fluxos de capitais (entrada e saída do país), maior será a
sua vulnerabilidade externa, fazendo com que o país busque divisas através de outras
possíveis formas, entre elas, via aumento das exportações.
2
Ressalva-se que esse processo não foi automático somente via mercado, mas também
resultado das opções adotadas pela política econômica do período.
3
O IEDI é um órgão privado de estudos sobre a indústria e o desenvolvimento nacionais que
representa cerca de 45 empresários de grandes empresas brasileiras.
4
Houve aumento da competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no cenário internacio-
nal, nos anos 90, com aumento de participação das exportações brasileiras desses produ-
tos em relação ao total. Por outro lado, os produtos manufaturados mostram aumento na
primeira metade da década, mas declínio na outra fase. Assim, para Gonçalves (2000), os
dados indicam a reprimarização da segunda metade dos anos 90, o que parece ser uma
reversão de tendência de longo prazo, isto é, o que se esperava que iria ocorrer — expan-
são superior dos produtos industrializados — não foi verificado. Isso se deve ao fato de que,
entre 1980 e 1998, as taxas de crescimento das exportações de manufaturados e
semimanufaturados foram as mais elevadas.
5
“A existência de um viés antiexportador decorrente da política comercial pode ser avaliada
pela comparação entre os incentivos à produção para o mercado interno e os que se aplicam
à produção para a exportação: o viés antiexportador existe em uma dada economia quando
os incentivos às vendas domésticas superam os estímulos à exportação. [...] Além da política
comercial e das variáveis a ela associadas tradicionalmente consideradas, ao se avaliar o
viés antiexportador presente em uma economia — a estrutura de proteção e de incenti-
vos —, há um extenso conjunto de outros fatores que podem inibir significativamente a
disposição empresarial para exportar e competir no mercado externo.” (Veiga, 2002, p. 2-3).
6
Pode ocorrer que um processo de apreciação cambial faça com que setores que vinham
apresentando um bom desempenho no comércio internacional se tornem menos competiti-
vos frente aos seus concorrentes externos. Contudo é importante ressaltar que há muitos
segmentos nos quais o Brasil detém competitividade (por exemplo, os agroindustriais) e que
tendem a continuar a ser assim, apesar de alterações macroeconômicas como a descrita.
Em alguns casos, numa escala menor que a porventura apresentada por outros. Sem dúvi-
da, uma alteração cambial que favoreça as exportações fará com que os dados estatísticos
demonstrem uma margem maior de eficiência em relação ao comportamento a ser apresen-
tado por setores (ou produtos) que não detinham um grau de competitividade prévio, ou
construído ao longo do tempo.
7
Fatores determinantes de competitividade, segundo Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1997),
são de três tipos: empresariais, que se trata daqueles sobre os quais a empresa detém
poder de decisão e controle (inovação, recursos humanos, gestão e produção); estrutu-
rais, que contemplam elementos que vão além da alçada da empresa no processo
concorrencial, de forma que sua capacidade decisória é limitada por influências extramercado,
sejam públicas, sejam privadas, que acabam por impor condições sobre a dinâmica de
concorrência; e sistêmicos, que “[...] são aqueles que constituem externalidades strictu
sensu para a empresa produtiva, sobre os quais a empresa detém escassa ou nenhuma
possibilidade de intervir, constituindo parâmetros do processo decisório” (p. 12). Contem-
plam os fatores sistêmicos elementos de ordem: (a) macroeconômica, (b) político-institucionais,
(c) legais-regulatórios, (d) infra-estruturais, (e) sociais e (f) internacionais.
8
Bela Balassa desenvolveu o primeiro índice VCR em 1965,
onde
VCRi = (Xij/Xi)/(Xwj/Xw)
VCRi = indicador de vantagem comparativa revelada do produto (setor i);
Xij = valor das exportações do país do produto (setor j);
Xi = valor total das exportações do país;
Xwj = valor das exportações mundiais do produto (setor j);
Xw = valor total das exportações mundiais.
Waquil e Barbosa (2001) utilizaram esse índice para observar os impactos das transações
a serem estabelecidas, no âmbito da ALCA, para produtos agrícolas. Maiores detalhes, ver
Balassa (1989).
9
Esse período foi selecionado, devido ao fato de que ele é marcado por um conjunto impor-
tante de mudanças com impactos significativos nos fluxos de comércio exterior e em toda
a economia brasileira: estabilização da moeda via apreciação cambial em 1994 (Plano Real)
e início de um período marcado por fortes déficits e pequenas desvalorizações em 1995 e
1996 e uma outra, muito mais forte, no início de 1999.
10
No sentido de serem possuidores de deficiências, que, muitas vezes, estavam camufladas
por mecanismos restritivos que protegiam parcelas da indústria local da concorrência
estrangeira.
Quadro 1
DEFICITÁRIOS SUPERAVITÁRIOS
durante todo o período destacado para exame11 (Tabela 4). Pelo lado da
representatividade nas exportações dos “vencedores” (Tabela 2), a participação
percentual alternou-se entre 38,5% e 45,8% — o que não deixou de ser um valor
razoável para análise. E, para que houvesse uma similaridade na quantidade
escolhida de capítulos para cada grupo, optou-se por trabalhar com 10 também
neste último caso — apesar de uma participação relativa inferior a 50% sobre o
total das exportações brasileiras.
A metodologia para a análise das estatísticas comerciais utiliza três
conceitos adotados por Furtado et al. (2001): valores médios, níveis tecnológicos
e blocos de países. O valor médio é definido pela razão entre o valor da transação
em dólares FOB (free on board) e seu peso em quilogramas (Tabela 1). Adota-se
uma hipótese utilizada em numerosos estudos, segundo a qual produtos com
maior conteúdo tecnológico possuem valor médio mais elevado.12
Os três níveis tecnológicos — alta, média e baixa tecnologia — resultam
de um processo composto por duas etapas: (a) a reclassificação dos produtos
na nomenclatura NCM em 12 categorias Commodity Trade Pattern (CTP); (b) o
reagrupamento das categorias anteriores, de acordo com os valores médios das
exportações brasileiras de 1999, em três níveis tecnológicos.
Por fim, os países e as regiões do globo foram agrupados em 10 diferentes
blocos, com o intuito de qualificar e analisar os fluxos de comércio do Brasil
mediante suas origens e destinos: Área de Livre Comércio da América do Norte
(ALCAN); União Européia (UE); Japão e New Industrialized Countries (NICs) —
Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul —; Mercado Comum do Sul
(Mercosul); América Latina e Caribe; restante da Europa; restante da Ásia; África
e Oriente Médio. Os quatro primeiros blocos foram denominados países
desenvolvidos (PD), e os seis últimos, classificados como países em
desenvolvimento (PED), como adotado pela literatura recente.13
11
O ano de 1991 foi uma exceção no período examinado, apresentando uma participação de
40,6%.
12
“Sabe-se, porém, que tal indicador pode, incidentalmente, não representar exatamente o
que se deseja, como nas transações envolvendo produtos cuja escassez — e não a
intensidade tecnológica — torna seus valores médios elevados (pedras e metais precio-
sos, como pérolas, diamantes, ouro e platina, dentre outros). Vale lembrar que, ao longo do
tempo, a difusão e o aprimoramento do processo produtivo tendem a reduzir os valores
médios dos produtos inovadores, freqüentemente de maior conteúdo tecnológico, enquan-
to outros produtos antes inexistentes passam a ser incorporados como inovações mais
recentes.” (Furtado et al., 2001, p. 7-9).
13
Os grupos NICs foram considerados entre os países desenvolvidos, devido ao seu pro-
gresso econômico e às similaridades com o comércio exterior realizado pela UE, pela
ALCAN e pelo Japão.
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 2
b) participação percentual
FLUXOS
1989 1990 1991 1992 1993
COMERCIAIS
Exportações ........ 45,2 45,4 44,8 41,5 41,6
Importações ........ 4,4 3,8 2,6 3,8 2,8
FLUXOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999
COMERCIAIS
Exportações ........ 41,5 40,6 42,2 42,0 40,7 38,5
Importações ........ 3,1 3,2 3,2 3,5 2,6 2,4
Tabela 3
Tabela 3
Tabela 4
Tabela 4
b) participação percentual
FLUXOS
COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993
Segmentos “vencedores”
Na análise do desempenho do comércio exterior dos segmentos
“vencedores”, foram escolhidos os grupos de produtos que registraram saldo na
balança comercial favorável ao Brasil. Os setores “vencedores” selecionados
são os 10 capítulos mais superavitários no período compreendido entre 1994 e
1999. Esses conjuntos de produtos são aqueles que, destacadamente, têm uma
maior visibilidade em relação às suas eficiências, por serem os mais competitivos
internacionalmente. Há alguns setores que, mesmo antes da abertura comercial,
no início dos anos 90, já eram destaque em termos de desempenho comercial
(por exemplo, os setores de minérios, café e ferro fundido).
Ao se examinarem as participações dos produtos “vencedores” nas
exportações e nas importações brasileiras, verifica-se a forte disparidade que
ocorre entre os fluxos comerciais diversos. Os capítulos selecionados para análise
são amplamente representativos das exportações brasileiras. A diferença
existente entre os fluxos de compras e vendas é bastante elevada, tanto no
começo como no final da década de 90 (Tabela 2). Entretanto, em 1999, a
participação nos fluxos de comércio desses 10 capítulos, tomados de forma
agregada, caiu, em relação a 1989, tanto no total nas exportações (-14,82%)
quanto nas importações (-45,45%), demonstrando uma queda das importações
bastante superior àquela ocorrida nas exportações.
Uma parte desse resultado pode ser explicada pelo aumento e pela
diversificação da gama de produtos exportados e importados. Quando se
Gráfico 1
Evolução das exportações e das importações dos 10 capítulos
mais superávitários e da taxa de câmbio
real efetiva no Brasil — 1989-99
(%)
200
170
140
110
80
50
20
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
FONTE: Ipeadata.
FONTE: Secex.
NOTA: Os dados têm como base 1999 = 100.
14
Em 1999, houve cerca de 2.000 produtos exportados e 2.500 itens importados que não
tiveram registro na pauta comercial global de 1989.
Segmentos “perdedores”
Dentre os 10 segmentos mais deficitários selecionados, há casos nos quais
o País tem gargalos na cadeia produtiva. A ampla maioria dos capítulos
contemplados nesse conjunto de deficitários diz respeito a segmentos que detêm
alto valor agregado, ou seja, correspondem a produtos que incorporam um maior
grau de industrialização, e boa parte deles responde por elevados valores médios
(indicativos de alto conteúdo tecnológico) e de participação nas importações
totais do País.
As importações dos 10 capítulos mais deficitários vinham crescendo antes
mesmo de 1994-95, mas foi a partir daí que o boom se tornou evidente. A
implantação do Plano Real e, concomitantemente, a apreciação cambial criaram
um ambiente, um momento, propício para que os diversos setores aproveitassem
as vantagens que o quadro macroeconômico oferecia.
Nem sempre o crescimento das importações é sinônimo de reestruturação
produtiva ou de elevação da demanda de insumos produtivos, mas, por vezes,
trata-se apenas de aquisição de bens de consumo duráveis. Exemplo disso foi
o surto de importações referentes ao capítulo 87 (veículos automóveis), em
1994 e 1995, o que levou o Governo a restringir as compras externas.
Tabela 5
Tabela 5
b) importações
NÍVEIS
TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993
15
A queda de participação percentual da categoria baixa tecnologia, em grande medida,
ocorreu devido à queda da dependência de produtos primários energéticos (petróleo), que
se reduziu ao longo da década de 90.
16
Registra-se o fato de que, nesse período, o processo de liberalização ainda estava num
estágio inicial e havia uma recessão econômica pronunciada no País.
17
Considera-se, mais uma vez, a relação positiva entre maiores valores médios com maior
conteúdo tecnológico dos produtos. Ver nota de rodapé 12.
18
Verifique-se a evolução da taxa de câmbio real entre 1989 e 1999 no Gráfico 1. Podem-se
observar, assim, o período de maior apreciação e, posteriormente, o crescimento da taxa
Tabela 6
Tabela 6
Tabela 7
Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior
global brasileiro — 1989-99
a) exportações
Tabela 7
Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior
global brasileiro — 1989-99
b) importações
Tabela 8
Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos
comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999
EXPORTAÇÕES
Tabela 8
Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos
comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999
IMPORTAÇÕES
Rodrigues, 2004). Isso não deixa de ser um fator que pode contestar a posição
dos autores otimistas, ao apontarem que os impactos negativos iniciais, em
termos de comércio exterior, seriam fortemente compensados posteriormente,
tanto no âmbito da produção interna como no da geração de impactos positivos
(qualitativo e quantitativo) sobre as contas externas do País. Registra-se que a
reversão dos saldos negativos da balança comercial brasileira se deu somente
após o término da década de 90, em 2001. Resposta tardia aos efeitos gerados
pela desvalorização em 1999.
Além disso, os anos 90 foram marcados pelo forte aumento do déficit,
principalmente para aqueles blocos econômicos em que a participação de
produtos de alta tecnologia nas compras externas brasileiras é elevada (como
UE, ALCAN, NICs e Japão).
4 Considerações finais
O objetivo principal deste trabalho é retratar o desempenho do comércio
exterior brasileiro nos anos 90 e apresentá-lo como uma ferramenta (lente) capaz
de indicar aspectos tanto das fragilidades quanto das eficiências produtivas
setoriais. O comportamento dos resultados obtidos através da balança comercial
sofre influências de vários fatores, que refletem questões de competitividade
setorial por exemplo. É nesse sentido que o retrato dos fluxos comerciais
apresenta, num certo momento, os efeitos da competitividade formada ao longo
do tempo pelas empresas, cuja demonstração será refletida através do comércio
que realizam com o restante do mundo.
A deficiência estrutural da balança comercial do Brasil em diversos setores
nos quais há ainda certo grau de ineficiência, ou mesmo incapacidade produtiva,
foi agravada a partir da segunda metade da década de 90. Os crescentes saldos
negativos em conta corrente, agravados também pelo aumento expressivo das
importações de bens e serviços, foram um dos fatores que aumentaram
sobremaneira a vulnerabilidade externa brasileira no período.
Não obstante terem sido conquistados superávits comerciais nos anos
recentes, esse fato não indica que as restrições que afetam o parque produtivo
nacional já foram superadas com vigor. Existem setores na economia brasileira
que têm sido, estruturalmente, deficitários. E foram esses segmentos que impul-
sionaram, sobremaneira, as importações no período abordado no trabalho, no
contexto favorável de abertura proporcionado pelo câmbio apreciado. Esse cenário
começou a ter condições de ser alterado a partir de 1999, com a desvalorização
cambial.
Anexo
Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos
da Nomenclatura Comum do Mercosul
Referências
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Fapesp, 2002.
Resumo
Este texto discute métodos estatísticos e os seus custos associados para iden-
tificar a população-alvo de políticas públicas e mostra como a escolha do méto-
do estatístico para a focalização da política social é importante para a eficácia
da sua implementação. Também discute os problemas operacionais, os tipos de
custos e os possíveis erros a serem identificados na focalização, apresenta
uma medida de desempenho e os diversos métodos estatísticos de focalização,
dentre os quais destaca a adequação do Teste de Elegibilidade Multidimensional.
Palavras-chave
Focalização de políticas sociais; métodos de focalização; custo da
focalização.
Abstract
We discuss in this paper statistical methods and their associated costs to them
to identify the target population to social policies. We show that the choice of the
statistical method to focus the social policy is quite important to guarantee a
high degree of success of the policy. The paper discusses the operational
problems, the type of costs and the possible errors in the identification of the
target population. It presents a measure of efficiency of the targeting process
applied to all methods.
Key words
Targeting of social policies; methods to choose target population; costs on
targeting.
1 Introdução
É consenso entre cientistas sociais que mecanismos de transferência de
renda representam um importante instrumento de política pública no combate à
desigualdade e à pobreza. No entanto, o debate contemporâneo sobre como
progredir no processo de redução da imensa desigualdade de renda e riqueza no
Brasil tem, em grande medida, dividido opiniões entre aqueles que defendem
políticas sociais universais e aqueles que defendem políticas focalizadas —
ver, por exemplo, o dossiê Gasto Público Social no Brasil em Econômica
(2003). Kerstenetzky (2005) avança nessa discussão, argumentando que a
focalização per se não deve ser associada automaticamente à justiça social de
caráter residual, nem tampouco a universalização à garantia de direitos sociais.
São métodos alternativos e, muitas vezes, complementares de uma noção de
justiça social que precisa ser previamente definida.1 Dessa forma, pode-se ar-
1
Nesse sentido, a autora propõe que políticas focalizadas sejam utilizadas como um instru-
mento, mesmo dentro de uma concepção mais espessa de justiça social, das seguintes
maneiras: (a) na busca do foco, para solucionar um problema previamente especificado, em
termos da eficiência do gasto social (ou seja, dada uma quantidade de recursos, determi-
nar qual deveria ser a prioridade dos gastos, com base no conhecimento sobre a realidade
demográfica, social e territorial do País); ou (b) como ação reparatória, para restituir a
determinadas categorias direitos perdidos como resultado de injustiças passadas, o que
implica que, sob esse aspecto, a focalização cumpriria o papel de complementar as políticas
públicas universais.
2
Uma descrição da evolução dos programas de renda mínima no Brasil pode ser encontrada
em Amaral e Ramos (1999).
3
O Bolsa-Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação
de pobreza, com renda per capita de até R$ 100,00 mensais. O Benefício de Prestação
Continuada fornece um salário mínimo mensal a idosos (pessoas com mais de 65 anos) e a
pessoas portadoras de deficiência física incapacitadas para o trabalho, desde que a renda
familiar mensal per capita dos beneficiários seja inferior a um quarto do salário mínimo. O PETI
é um programa de transferência de renda para famílias com crianças envolvidas em trabalho
precoce. A família recebe mensalmente R$ 25,00 por criança (para municípios com menos de
250.000 habitantes) ou R$ 40,00 por criança (para municípios com mais de 250.000 habitan-
tes). O objetivo principal do Programa é manter as crianças e os adolescentes na escola,
através da complementação da renda familiar (Brasil, 2005).
4
Tal hipótese nunca é exatamente alcançada, devido a diversos fatores, dentre os quais se
destacam a subjetividade inerente à escolha do ponto de corte que discrimina pobres de
não-pobres e o fato de que os indivíduos podem mudar de categoria, tornando-se pobres ou
deixando de sê-lo.
5
Aqui está sendo considerado apenas o orçamento para realizar as transferências, e não o
orçamento total, que certamente deve incluir os custos de gerenciamento e distribuição dos
benefícios.
(distância da bissetriz até a reta Z para os domicílios com renda antes da trans-
ferência menor que Z). Dessa forma, o programa seria capaz de elevar todos os
domicílios acima da linha de pobreza. E todos os domicílios não pobres teriam
renda final igual à renda inicial. O orçamento do programa é representado pela
área definida pelos pontos Z, A e Rimin e seria o mínimo necessário para elimi-
nar a pobreza.
Ao contrário, se o programa transferir a mesma renda a todos os
domicílios (pobres e não pobres), o orçamento não é mais suficiente para elimi-
nar a pobreza, por duas razões: domicílios não pobres receberiam transferên-
cias, e alguns domicílios pobres receberiam transferências superiores à sua
distância da linha de pobreza. O resultado de uma transferência fixa para todos
os domicílios é representado, na Figura 1, pela reta definida pelos pontos C e E.
Figura 1
E
Renda após a transferência
B A
Z
Z
RRimin
imin z da tranferência
Renda antes Rimáx
6
O vazamento em um programa representa a quantidade de domicílios e/ou pessoas incluídos
que não preenchem os requisitos necessários para tal.
Quadro 1
SITUAÇÃO
AÇÃO
Pobre Não Pobre
Incluir no programa Decisão correta Erro tipo II
Excluir do programa Erro tipo I Decisão correta
7
Ver custos relacionados à sustentabilidade política e à qualidade dos serviços na seção 2.1.
Quadro 2
SITUAÇÃO
AÇÃO
Pobre Não pobre Total
Incluir no programa 30 (decisão correta) 10 (erro do tipo II) 40
Excluir do programa 10 (erro do tipo I) 50 (decisão correta) 60
TOTAL 40 60 100
linha de pobreza, conforme sugerido por Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000,
p. 4). Quanto maior for a distância, maior será o peso.
A construção do indicador de focalização pressupõe a escolha de um
método para se estimar quem é elegível ao programa social. Como se vê nas
seções a seguir, há distintas formas de se identificar a população-alvo de bene-
fícios sociais, de acordo com a disponibilidade de informações estatísticas e
com os objetivos dos programas. Pode-se dizer que parte do sucesso das polí-
ticas focalizadas depende da escolha do método de focalização.
O método pode ser utilizado em conjunto com outros, para localizar áreas
prioritárias.8 Um problema desse método é que ele pode induzir a migração de
pessoas de áreas não focalizadas para áreas focalizadas (Legovini, 1999). Ou-
tro problema estaria relacionado à focalização repetida, na qual as transferên-
cias privilegiariam sempre as comunidades ou municípios mais miseráveis. Essa
situação pode introduzir um incentivo perverso para os pobres, se o governante
local tender a manter um grupo de pobres cativos, para justificar o acesso a
novos recursos no futuro. Nesse caso, quanto mais dinheiro for destinado aos
pobres, menos dinheiro chegará a eles (Neri, 2003).
Similarmente, a focalização em determinados grupos de risco (crianças,
idosos, lactantes) requer conhecimento da distribuição demográfica da pobreza.
Grupos com grande incidência de pobreza acima da média do País podem ser
selecionados como alvos dos programas em conjunto com a focalização geo-
gráfica, para melhorar tanto a eficiência da focalização quanto os níveis de
vazamento.
8
Dois exemplos disso são: o mapa de pobreza realizado pelo Banco Mundial utilizando os
dados do censo na Nicarágua, e o Programa de Educación Salud y Alimentación (Progresa)
2002/2003, realizado, no México, para as áreas urbanas (Castañeda, 2003a).
9
Dois exemplos de utilização desse método na América Latina são: (a) o Programa Trabajar, na
Argentina, criado em 1996, cujo objetivo é financiar mão-de-obra para projetos comunitários
dirigidos à população desocupada, abaixo da linha de pobreza adotada no País e que não
receba Seguro-Desemprego; e (b) o Programa de Empleo Mínimo (PEM), criado em 1974, e o
Programa de Ocupación para Jefes de Hogar (POJH), criado em 1982, no Chile, ambos
instituídos como paliativos ao desemprego durante o governo militar do Chile, que foram
extintos em 1988. Um estudo de caso sobre esses dois programas apontando diferenças de
participação em cada um, por sexo, pode ser visto em OIT (2001).
10
Austrália, Canadá, Tchecoslováquia, França, Islândia, Itália, Japão, Nova Zelândia, Polônia,
Portugal, Eslovênia, Espanha e Estados Unidos.
11
Para uma descrição dos métodos de focalização utilizados, em diversos programas, nos
países em desenvolvimento, ver Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 27-31).
12
Os dados sobre a renda não são verificados por nenhuma forma de documentação ou por
cruzamentos. Por exemplo, embora seja possível realizar isso com o atual questionário do
CadUnico, as rendas declaradas não são comparadas com as informações de consumo,
nem com as características domiciliares, para se verificarem as inconsistências.
13
O Programa Bolsa-Escola (atualmente incorporado ao Programa Bolsa-Família) utilizou
o CadUnico em conjunto com o Sistema Bolsa-Escola (Sibes) para selecionar seus
beneficiários. Outros programas que utilizaram o CadUnico foram: o Bolsa-Alimentação, o
Auxílio-Gás e o PETI, este último mantendo um critério adicional próprio para a elegibilidade.
14
As principais informações sobre as famílias presentes no cadastro são: características do
domicílio (número de cômodos, tipo de construção, tratamento da água, esgoto e lixo),
composição familiar (número de membros, existência de gestantes, idosos, mães amamen-
tando e deficientes físicos), qualificação escolar dos membros da família, qualificação
profissional e situação no mercado de trabalho, rendimentos e despesas familiares (alu-
guel, transporte, alimentação e outros). Porém a renda é a única variável coletada no
questionário do CadUnico, que é, de fato, utilizada para determinar a elegibilidade da
maioria dos benefícios. O CadUnico possui cinco perguntas sobre a renda: renda proveni-
ente do trabalho, benefícios de aposentadorias, seguro-desemprego, pensão alimentícia e
outras rendas. A informação sobre renda proveniente de atividades de agricultura também
é coletada e incluída no cálculo da elegibilidade (De La Brière; Lindert, 2003).
15
No Brasil, poderiam ser sugeridas como pesquisas particularmente úteis a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) ou a Pesquisa de Orçamentos Fami-
liares (POF).
16
Melhores estimativas podem ser alcançadas através da estimação separada por região ou
por áreas — urbana ou rural. Esse método foi adotado em vários países da América Latina,
como, por exemplo, Chile (Ficha de Caracterización Socioeconómica (CAS)), Costa Rica,
Colômbia (Sistema de Seleción de Beneficiários de Sistemas Sociales (Sisben)) e México
(Progresa) (Legovini, 1999). Outros países da América Latina que estão desenvolvendo
sistemas de focalização utilizando o Teste de Elegibilidade Multidimensional são Argentina,
Equador, Jamaica, Honduras e Nicarágua.
17
Uma aplicação desse método no Brasil, utilizando os dados da PNAD 1998, é encontrada
no trabalho de Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000).
18
Detalhes sobre a taxa de adequação de energia como indicador do estado nutricional
das famílias e a utilização do Endef podem ser encontrados em Vasconcellos (2001).
19
Para uma descrição detalhada sobre os conceitos e a elaboração de linhas de pobreza
absoluta, ver Rocha (2003).
5 Resumo e conclusão
No Brasil, tem-se observado uma tendência crescente a se ampliarem os
gastos sociais focalizados. A adoção de políticas sociais focalizadas demanda
um controle sistemático sobre a população-alvo, sob pena de o gasto perder seu
foco. Políticas sociais mal dimensionadas podem não estar atingindo apenas o
público-alvo e podem excluir os que deveriam ser atingidos. Falhas na
implementação e no controle dos programas sociais geram ineficiência no gasto
e deslocam recursos de outros investimentos públicos. Investimentos em áreas
como educação, que habilita os indivíduos a saírem da pobreza, e em infra-
-estrutura, que contribui para o crescimento econômico e a geração de empre-
gos, por exemplo, têm sido sistematicamente penalizados, no Brasil, nos últi-
mos anos, tornando ainda mais relevante a discussão sobre a eficiência da
focalização das políticas sociais, o que inclui a discussão sobre os métodos de
focalização.
Como todos os métodos de focalização para a identificação da população-
-alvo de benefícios sociais apresentam problemas operacionais, torna-se impor-
tante conhecer as principais características de cada método, seus custos e
benefícios e utilizar uma medida de desempenho para auxiliar na avaliação da
sua efetividade. Nesse sentido, este artigo descreveu os custos e os benefícios
envolvidos nos diferentes métodos de focalização de políticas públicas, sendo
possível observar que, qualquer que seja o método empregado, ele estará sujei-
to a dois tipos de erro. Supondo que há interesse em minimizar esses dois tipos
de erro, propôs-se uma medida de desempenho da focalização.
Observou-se neste texto, ainda, que há uma tendência crescente no mun-
do de uso do Teste de Elegibilidade Multidimensional como método de focalização.
Esse método consiste em investigar qual a população sob risco, com base em
características individuais ou domiciliares correlacionadas à renda, utilizando
informação de pesquisas domiciliares. Assim, a experiência internacional de
focalização aponta no sentido de que, após as famílias serem entrevistadas e
registradas, a elegibilidade para o programa seja determinada através da aplica-
ção do Teste de Elegibilidade Multidimensional aos dados coletados (De La Brière;
Lindert, 2003). Podem-se acrescentar, ainda, quatro recomendações a serem
consideradas, para desenvolver e/ou melhorar um sistema de focalização exis-
tente:
a) inclusão máxima dos pobres com acesso universal e contínuo à inscri-
ção, para que qualquer família que considere necessitar do benefício
possa se inscrever a qualquer momento, ainda que esteja sujeita à
avaliação para recebê-lo;
Referências
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