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ISSN 0101-1723

SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO


FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA
Siegfried Emanuel Heuser

Ensaios FEE
Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried
Emanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de caráter
técnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.

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Pierre Salama
Ricardo Tauile
Roberto Camps de Moraes
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Lilia Pereira Sá

Semestral

Ensaios FEE Porto Alegre v. 28 n. 1 p. 1-318 2007


2

Secretaria do Planejamento e Gestão

SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO


FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser
CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Adelar Fochezatto (Presidente), André Luis Campos, Ernesto Dornelles
Saraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp.
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Journal of Economic Literature (JEL)

ENSAIOS FEE /Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – v. 1, n. 1


(1980) - . - Porto Alegre: FEE, 1980 – . –
v. -
Semestral
Do v. 17 ao v. 22, deixa de ter paginação continuada.
Índices: v. 1 (1980) – 9 (1988) em v. 9, n. 2;
v. 10 (1989) – 11 (1990) em v. 11, n. 2;
v. 12 (1991) – 15 (1994) em v. 16, n. 2.

ISSN 0101-1723

1. Economia – periódicos. 2. Estatística – periódicos. I. Fundação de Economia e Esta-


tística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 33(05)

Tiragem: 200 exemplares.


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3

Sumário

Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produ-


tivas — Áurea Corrêa de Miranda Breitbach, Clarisse Chiappini
Castilhos e Maria Isabel Herz da Jornada .................................. 7

Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um


"paradigma teórico" — Robson Antonio Grassi ........................ 41

Economia clássica e novo-clássica versus Keynes e pós-


-keynesianos: um debate ontológico — Bruno Moretti e Marcos
T. C. Lélis ................................................................................. 79

Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições


de Wallerstein, Braudel e Arrighi — Wagner Leal Arienti e Felipe
Amin Filomeno ...................................................................... 99

Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial


brasileira — Jackson De Toni .................................................. 127

Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasi-


leira — 1981-02 — Marina Silva da Cunha .............................. 159

O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região


Sul do Brasil (1991-00) — Jandir Ferrera de Lima, Lucir Reinaldo
Alves, Moacir Piffer e Carlos Alberto Piacenti ........................... 189

As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 — Luciano


Moraes Braga e Adalmir Antonio Marquetti ............................ 225

A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90: o


comércio exterior como uma lente privilegiada de análise —
Wellington Pereira .................................................................. 249
4

Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos


de avaliação da população-alvo — Ana Lucia Consenza Faria,
Carmem Aparecida Feijó e Denise Britz do Nascimento Silva ..... 287
5

Summary

For a Multidisciplinaire Approach of Productive Chains — Áurea


Corrêa de Miranda Breitbach, Clarisse Chiappini Castilhos and
Maria Isabel Herz da Jornada .................................................... 7

Interfirm Cooperation: The Need of Constructing a "Theoretical


Paradigm" — Robson Antonio Grassi ....................................... 41

Classical and New Classical Economics versus Keynes and


Post-Keynesian: an ontological debate — Bruno Moretti and
Marcos T. C. Lélis ................................................................... 79

Political Economy of the modern world system: the contributions


of Wallerstein, Braudel and Arrighi — Wagner Leal Arienti and
Felipe Amin Filomeno ............................................................ 99

New institutional arrangements in renewing the Brazilian industrial


policy — Jackson De Toni .......................................................... 127

Commercial Liberalization and wage inequality in the Brazilian


Industry — 1981-02 — Marina Silva da Cunha ........................ 159

The pattern of localization and diffusion of the labor force in the


South of Brazil (1991-2000) — Jandir Ferrera de Lima, Lucir
Reinaldo Alves, Moacir Piffer and Carlos Alberto Piacenti .......... 189

Kaldor's Law and economic growth in Rio Grande do Sul (1980-


-00) — Luciano Moraes Braga and Adalmir Antonio Marquetti 225

The productive structure of the Brazilian Economy in the 1990's:


foreign trade of a privileged lens of analysis — Wellington
Pereira .................................................................................. 249
6

Targeting of public policy: a debate on the methods of target


population's evaluation — Ana Lucia Consenza Faria, Carmem
Aparecida Feijó and Denise Britz do Nascimento Silva .............. 287
Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 7

Para uma abordagem multidisciplinar


no estudo de cadeias produtivas*
Áurea Corrêa de Miranda Breitbach Economista da FEE e Doutora em
Geografia pela Universidade de Paris I,
Panthéon, Sorbonne
Clarisse Chiappini Castilhos Economista da FEE e Doutora em
Ciências Econômicas pela Universidade
de Paris X, Nanterre
Maria Isabel Herz da Jornada Socióloga da FEE, Mestre em Sociologia
pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul

Resumo
O presente artigo discute a atuação dos grandes grupos industriais sob a ótica
das cadeias globais de valor. Com esse procedimento, é possível visualizar o
papel que exerce uma empresa multinacional quando está à frente de uma ca-
deia produtiva, seja como produtora final, seja como distribuidora internacional.
Baseado nesse referencial, o texto analisa a dinâmica de produção e difusão de
inovação, as estratégias territoriais das grandes empresas e o processo de
reestruturação produtiva e organizacional nas suas conseqüências sobre o em-
prego industrial. A análise efetuada permite concluir que somente a ação do
Estado, juntamente com o reforço de uma governança local representativa, pode
evitar que a internacionalização das cadeias produtivas conduza ao enfraqueci-
mento do tecido produtivo, colocando em risco a perspectiva de um desenvolvi-

* As reflexões contidas neste texto resultam de debates efetuados no bojo do projeto Reper-
cussões da Atuação de Grandes Empresas Sobre a Cadeia Produtiva de Máqui-
nas e Implementos Agrícolas no RS, que está sendo desenvolvido no Núcleo de Análise
Setorial da FEE. Dele também participam as pesquisadoras Sheila Sara Wagner Sternberg, do
Núcleo de Desenvolvimento Regional, e Denise Barbosa Gros, do Centro de Informações
Estatísticas, que contribuíram na discussão deste artigo. O Projeto propõe-se a examinar o
caso particular da cadeia produtiva de máquinas e implementos agrícolas da região Noroeste
do RS, anteriormente dotada de uma inserção regional substancial e que teve sua dinâmica
alterada em função de operações de fusão/aquisição por parte de empresas internacionais.
As autoras do texto agradecem as valiosas sugestões e comentários dos Economistas
Flávio Fligenspan, Beky Macadar, Julia d’Ávila e do Sociólogo Fernando Cottanda.
Artigo recebido em 24 ago. 2006 e aceito para publicação em dez. 2006.

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8 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

mento de base endógena. Convém ressaltar que, no atual contexto de redução


da capacidade de intervenção do Estado, resta uma margem de manobra muito
reduzida para a implementação de medidas que combinem desenvolvimento
local com globalização.

Palavras-chave
Reestruturação produtiva; inovação; cadeias produtivas.

Abstract
The article discusses the performance of large industrial groups considering the
global value chains. In this approach we can observe the role of a multinational
company when it is commanding the chain, whether as a final producer or as an
international distributor. Based on these referential, the article discusses the
dynamics of production and diffusion of innovation, the territorial strategies of
the large companies and the consequences of the reorganization of the productive
processes to the industrial employment. The analyses concludes that is only
combining State policies with a representative local governance can we avoid
the weakening of the productive tissue due to the internationalization of productive
chains, restricting endogenous development. It is important to emphasize that in
the present context of reduced state intervention capacity, the implementation
of policies combining local development and globalization is being very difficult.

Key words
Productive restructuration; innovation; productive chains.

Classificação JEL: L22; R58; O33.

Introdução
O fenômeno da globalização, pela profundidade e diversidade das muta-
ções que produziu — e segue produzindo —, enseja reflexões sobre os mais
diversos aspectos da organização social. O termo globalização refere-se

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Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 9

precipuamente à intensa fluidez de movimentação do capital, seja na sua forma


produtiva industrial, seja na sua forma financeira, tendo esta se tornado domi-
nante na nova lógica de funcionamento do sistema capitalista (Chesnais, 2004).
Cumpre salientar que a globalização não se restringe a mudanças na ordem
econômica. Nas palavras de Guy Loigner (1994, p. 10),
[...] a era da globalização não se reduz à era dos mercados, mas é também
a era dos sistemas produtivos, tecnológicos, comerciais, financeiros,
atingindo também o modo de vida, a cultura, a ideologia, e se traduz pela
aceleração das mudanças em diferentes escalas territoriais.

Essa configuração em “economia-mundo”, embora assuma dimensões pla-


netárias, não se manifesta de forma homogênea e universal. É preciso reconhe-
cer que, no bojo desse processo, são forjadas “interdependências assimétricas”
(Carroué, 2004, p. 1), resultantes de “[...] uma organização hierárquica definida
pelos países mais poderosos, que exclui numerosos outros países e povos de
sua arquitetura, de suas finalidades e da repartição das riquezas”. Assim, as
transformações que se manifestam em diversas instâncias de funcionamento
da economia mundial tendem a provocar efeitos particularmente perversos so-
bre os países que permanecem a reboque dessa nova ordem.
Nesse contexto, as grandes empresas industriais globalizadas1 — repre-
sentadas pelos investimentos diretos do exterior (IDE) — desempenham um
papel diferente daquele que as caracterizou no período que antecedeu as trans-
formações referidas. Na nova ordem econômica mundial, sua estratégia está
pautada pelas decisões da corporação da qual fazem parte, e sua lógica produ-
tiva está submetida às decisões financeiras do grupo. Por essa razão, a própria
expansão internacional dos investimentos produtivos segue uma nova lógica,
que implica um menor compromisso dos IDE com a região para onde se orien-
tam. Mais ainda, essas empresas passam a exercer maior poder sobre o de-
sempenho das cadeias produtivas em que se inserem, produzindo novos efei-
tos a montante e a jusante. Conforme Serfati (1998),
[...] os acordos de cooperação com parceiros de força inferior ou o recurso
à terceirização oferecem aos grandes grupos muitas oportunidades. O
mesmo acontece com a constituição de redes de empresas, um processo
flexível e eficaz, que experimentou um impulso espetacular e que é usado
pelos grandes grupos para estender e diversificar o controle sobre a cadeia
de valor e para antecipar a sua parte.

1
Quando, neste artigo, se evocam grandes empresas industriais globalizadas, empresas
multinacionais ou transnacionais, está-se referindo a empresas cujo fim é a produção indus-
trial e que integram grandes grupos internacionais ou grandes corporações internacionais,
o que é diferente de uma grande empresa industrial internacional com sede local, que não
está inserida em um grande grupo mundial.

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10 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

Os Estados nacionais, por seu turno, também sofreram transformações


substanciais, tendo reduzido sua capacidade de regulação na nova arena global
que se desenha. Com a ascensão de uma macropolítica de cunho neoliberal,
notadamente a partir dos anos 80 do século XX, o Estado começou a perder
seu poder centralizador e distribuidor tanto de recursos financeiros como de
poder político. Sem dúvida, essas transformações na atuação do Estado abri-
ram caminho para o avanço dos grandes grupos econômicos, que se configu-
ram cada vez mais como os agentes principais da globalização econômica.
Tendo como pano de fundo a nova ordem econômica mundial, o presente
artigo propõe-se a discutir o papel dos grandes grupos industriais internacionais
(e nacionais internacionalizados) a partir da ótica das cadeias globais de valor,
contemplando aspectos ligados à inovação, ao território e ao trabalho. Uma abor-
dagem multidisciplinar faz-se, pois, necessária, sobretudo porque as repercus-
sões da estratégia de expansão das grandes empresas transcendem a estrita
esfera da economia industrial, atingindo outras dimensões da sociedade con-
temporânea.
Este artigo incorpora reflexões relacionadas principalmente: à
internacionalização das cadeias produtivas (Prochnick, 2002; Schmitz, 2005;
Gereffi, 1996); à difusão e à absorção de inovações; à mudança de estratégia de
expansão internacional das multinacionais (Serfati, 1998); à perda de capacida-
de de aprendizado dos países menos desenvolvidos (Johnson; Lundvall, 2005);
às novas estratégias territoriais das grandes empresas (Veltz, 2000); e aos no-
vos processos produtivos e de gestão do trabalho no âmbito de cadeias interna-
cionalizadas (Guimarães, 2005).
A seção 1 trata das transformações recentes da economia mundial,
enfatizando a atuação dos grandes grupos econômicos num contexto de
financeirização crescente. As seções seguintes dão conta dos três grandes
eixos de análise, que são: a dinâmica de produção e difusão de inovação (seção
2), as estratégias das grandes empresas sobre o território (seção 3) e o proces-
so de reestruturação produtiva e organizacional e suas conseqüências sobre o
emprego industrial (seção 4).

1 Transformações mundiais e novas aborda-


gens sobre inovação, território e trabalho
A análise das transformações por que tem passado a atividade produtiva
no capitalismo contemporâneo necessita ser contextualizada dentro da nova
lógica de expansão internacional dos capitais. Os grandes grupos industriais

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Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 11

adotaram estratégias que consistem na intensificação de fusões, aquisições e


acordos de cooperação comercial, organizacional e tecnológica. Note-se que,
na fase anterior, sua atuação se caracterizava essencialmente pela implanta-
ção de unidades produtivas completas nos países de destino. Nessa estratégia,
o objetivo era o mercado doméstico dos países para onde os investimentos se
orientavam. Atualmente, porém, os investimentos diretos do exterior visam prin-
cipalmente ao mercado internacional, e suas decisões estão submetidas à uni-
dade financeira da qual fazem parte, pouco interagindo com o ambiente produti-
vo onde se introduzem. A estruturação de um grupo industrial “[...] em torno de
um centro financeiro e através de uma rede de conexões [...] constitui o modo
dominante de segmentação do capital no estágio atual do capitalismo” (Beaud
apud Serfati, 1998).
Incorporando essa ótica da mundialização e da financeirização do capital,
os estudos mais recentes sobre cadeias produtivas aportam diversas contribui-
ções. Para Prochnick (2002), a configuração das cadeias produtivas foi alterada
em função do processo de desverticalização característico das novas formas
de organização da produção. Os elos das cadeias multiplicaram-se e diversifica-
ram-se, originando novas empresas e novas atividades. Schmitz (2005) refere-
-se à cadeia de valor como “[...] a seqüência de atividades requerida para trazer
um produto ou serviço de sua concepção até o consumidor final. [...] O conceito
‘cadeia global de valor’ tem a vantagem de chamar a atenção para onde e por
quem o valor é agregado ao longo da cadeia” (Schmitz, 2005, p. 328). A idéia de
cadeia global de valor passa a ter sentido com a globalização do processo, ou
seja, quando as diferentes etapas de uma produção estão distribuídas em diver-
sos países ou regiões: “Em outras palavras, design, produção e marketing
envolvem uma cadeia de atividades distribuídas em diferentes partes do mun-
do” (Schmitz; McCormick, 2002, p. 41).
A tendência à internacionalização das cadeias produtivas altera também
sua lógica de governança e, portanto, de interação com o local onde essa
atividade possui sua base produtiva. Conforme Schmitz e McCormick (2002, p.
42), o papel da governança em uma cadeia produtiva é exercido por uma “[...]
firma líder que especifíca o que deve ser produzido e monitora a performance
das outras firmas”. No caso de essa liderança ser exercida por uma empresa
pertencente a grandes grupos internacionais, o poder local fica visivelmente
enfraquecido. As decisões quanto a fornecedores, mercados, preços, utilização
de insumos, dentre outras, estão submetidas aos interesses do grupo interna-
cional, cabendo pouca margem de manobra para as demais.
Nesse contexto, a emergência de um novo paradigma técnico-industrial
provocou a retomada da discussão sobre o papel central da inovação tecnológica
na competitividade sistêmica. O reconhecimento dessa importância estimulou

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12 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

o surgimento de inúmeros estudos sobre mudanças tecnológicas, em particular


pelos economistas neo-schumpeterianos. Em escala mundial, a mudança de
paradigma trouxe para o centro da dinâmica de inovação a biotecnologia, os
novos materiais e, principalmente, as chamadas “tecnologias de informação e
de comunicação” (TIC).
A mudança de paradigma induziu também a profundas transformações no
processo produtivo, expressas no movimento de reestruturação das empresas,
buscando o atendimento das exigências de um mercado cada vez mais compe-
titivo e internacionalizado. No bojo desse processo, observam-se uma ampla
mudança na organização do trabalho, no interior das empresas, e a articulação
delas em redes. Novas estratégias gerenciais e novas tecnologias são
introduzidas, com o objetivo de quebrar a rigidez da organização da produção e
do trabalho, superando os padrões da estrutura fordista e criando as condições
para uma produção flexível. Presencia-se um processo de flexibilização da
atividade produtiva e de reestruturação das relações interfirmas, por um lado, e,
por outro, a flexibilização das relações de trabalho, em busca de ganhos cres-
centes de produtividade.
A crise do regime fordista de acumulação, no final dos anos 60, pode ser
considerada o marco para o entendimento do conjunto de transformações por
que tem passado o capitalismo globalizado. O fim da chamada “era de ouro”,
vivida no pós-guerra pelos países industrialmente avançados, impeliu as econo-
mias capitalistas desenvolvidas a encontrarem saídas que resguardassem a
lucratividade e a rentabilidade dos capitais. O paradigma fordista — fundado na
produção e no consumo de massa de bens padronizados, nas economias de
escala e nos constantes aumentos de produtividade — não garantia mais a
continuidade da acumulação. Desse modo, deflagrou-se um processo de busca
de alternativas de valorização do capital, que contrastavam com o padrão vi-
gente.
Essa nova forma de organização da produção, que paulatinamente se alas-
trou para a maioria dos países, é a materialização do esforço do capital para
atravessar a crise do próprio padrão de crescimento das economias capitalis-
tas. Essa crise se expressa pela desaceleração do crescimento das taxas de
produtividade, pela redução do poder de compra nos mercados, pela reorientação
da pauta de consumo em direção à sofisticação e à fragmentação e pelo acirra-
mento da competição intercapitalista mundial.
Dentre os fatores que configuram a crise do regime de acumulação intensi-
va nos países capitalistas desenvolvidos (no final dos anos 60), destaca-se a
resistência dos trabalhadores, que colocou limites ao aprofundamento da orga-
nização do trabalho nos moldes tayloristas/fordistas, o que foi decisivo para
frear as possibilidades de recuperação do crescimento. Diante da ofensiva operária

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Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 13

que atingiu o cerne do sistema, a intensificação dos ritmos de trabalho, recurso


usado largamente pelo capital, já não poderia mais ser utilizada para recuperar
as taxas de produtividade em queda.
Os dois choques do petróleo na década de 70 (1973 e 1979) e a ascensão
das taxas de juros, que provocaram uma queda ainda maior nas taxas de lucro
das empresas, comprometendo o prosseguimento dos investimentos, são fenô-
menos significativos no quadro da crise internacional que se prenunciava no
final dos anos 60. Igualmente pertinente é a pressão que os países em desen-
volvimento começaram a exercer sobre o comércio internacional.
A disputa por mercados, que se tornou acirrada, e a busca de condições
competitivas no mercado internacional impulsionaram na direção de um novo
paradigma, que tem como uma de suas expressões notáveis o modelo de espe-
cialização flexível, consagrado na literatura por Piore e Sabel (1984). Esse mo-
delo, associado a diversas experiências localizadas2, mostrou ser uma alterna-
tiva de desenvolvimento ao paradigma da produção em massa. O suporte da
especialização flexível é a fabricação de produtos diversificados e a produção
em pequenos lotes, utilizando-se tecnologia de base microeletrônica e trabalha-
dores polivalentes. Caracteriza-se por um novo relacionamento entre as empre-
sas, fundado na existência de redes, com um forte estímulo à proliferação das
pequenas e médias.
Na fase de implantação do paradigma tecnológico atualmente dominante,
discutiu-se a possibilidade de essas mudanças radicais abrirem “janelas de opor-
tunidade”3 para que outros países assumissem posições de destaque no cená-
rio mundial (Perez, 1989; Freeman, 1975). A abertura decorrente da mudança
tecnológica e organizacional, no entanto, não se sustentou por muito tempo.
Após a emergência dos Tigres Asiáticos e, em particular, do Japão, as “janelas
de oportunidade” fecharam-se, uma vez que o novo paradigma se desenvolveu
associado ao movimento de hegemonização e de mundialização do capital fi-
nanceiro, bem como à crescente concentração do conhecimento.

2
Referem-se, notoriamente, ao norte da Itália (a Terceira Itália) e a algumas regiões da então
Alemanha Ocidental, dos Estados Unidos (o Vale do Silício) e do Japão.
3
Quando Perez (1989) e Freeman (1975) referiam-se às “janelas de oportunidade” abertas
pelas mudanças do paradigma tecnológico, consideravam que novos países e novas empre-
sas poderiam passar a produzir alguns produtos-chave desse novo paradigma e, assim,
melhorar sua condição de competitividade no quadro internacional. Porém isso somente
seria possível no início desse novo ciclo, quando as tecnologias ainda não estivessem
maduras e, ainda assim, contando com um apoio institucional muito forte. Essas oportunida-
des não se configuram atualmente, dado que a maior parte das inovações são incrementais,
não havendo perspectivas próximas de lançamento de tecnologias que provoquem o início
de um novo paradigma tecnológico.

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14 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

O início do século XXI marca, portanto, uma situação onde a concorrência


internacional está subordinada aos interesses dos grandes grupos financeiros,
restando pouca margem ao lançamento de inovações radicais. O processo de
inovação encontra-se, atualmente, limitado ao melhoramento de produtos e pro-
cessos (inovações incrementais). Ainda assim, a literatura crítica a esse res-
peito mostra a importância do processo de difusão de inovações e de informa-
ções, bem como o papel positivo da proximidade entre empresas de uma mes-
ma cadeia produtiva e do conhecimento acumulado, para facilitar o aprendizado.
A ênfase em tratar a inovação como um processo cumulativo, específico
ao contexto e socialmente determinado permite, por exemplo, desmistificar
idéias simplistas sobre as possibilidades de gerar, adquirir e difundir
tecnologias em países menos desenvolvidos. Tal ênfase torna claro que a
aquisição de tecnologia no exterior não substitui os esforços locais. Ao
contrário, é necessário muito conhecimento para poder interpretar a
informação, selecionar, comprar (ou copiar), transformar e internalizar a
tecnologia importada (Lastres; Cassiolato; Arroio, 2005, p. 36).

Parece claro que a tendência à internacionalização das cadeias produtivas


leva à perda do conhecimento acumulado pelas empresas situadas num mes-
mo território. O próprio processo de internacionalização provoca o fechamento
de muitas empresas representativas de elos estratégicos, tais como aquelas
produtoras de componentes de alto conteúdo tecnológico e de bens finais.
Tal tendência repercute negativamente também sobre o processo de “apren-
dizado por interação” (learning by interacting), uma das principais formas de
difusão de conhecimento tecnológico. Estudos desenvolvidos, a partir dos anos
80 e 90, sobre sistemas locais de inovação e sobre desenvolvimento local
demonstram que a proximidade territorial entre empresas de uma mesma ca-
deia produtiva permite uma interação favorável à difusão e à absorção de inova-
ção pelas pequenas e médias empresas.
Não é demais enfatizar que as grandes mutações econômicas, intensifica-
das pelas novas tecnologias, ao engendrarem mudanças importantes na esfera
produtiva, não deixaram de ter conseqüências territoriais. Embora seja extensa
e rica a bibliografia internacional sobre os efeitos territoriais da globalização (em
suas diferentes escalas), a prudência aconselha a reconhecer que não há uma
forma espacial característica do sistema da produção flexível.
Abordagens inspiradas nos distritos industriais marshallianos — muitas
das quais desembocando no chamado desenvolvimento local —, bem como
estudos sobre os novos espaços metropolitanos conectados em rede, não auto-
rizam concluir que se estaria em presença da nova territorialidade peculiar à era
da produção flexível. A constatação amplamente aceita, e da qual parte a maio-
ria das pesquisas, é de que estão em curso processos de ajuste socioeconômico-
-territoriais, sem que se possa identificar uma “lei geral” que os conduza, mas,

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 15

sim, regulações locais inspiradas na segmentação qualitativa dos espaços, ou


seja, na valorização das diferenciações territoriais. A tendência aponta, portan-
to, uma diversidade muito grande de formas territoriais a partir da globalização
da economia e dos avanços tecnológicos, sem que isso signifique a substitui-
ção pura e simples de formas anteriores.
Por outro lado, é preciso levar em conta que a hegemonia da lógica finan-
ceira sobre a atividade econômica tem também conseqüências territoriais. A
lucratividade da especulação financeira depende, cada vez mais, da mobilidade
dos capitais no tempo (o imperativo do curto prazo) e no espaço (a procura de
mercados favoráveis em qualquer local do Planeta). Na busca de valorização
imediata, grandes somas de capital movimentam-se, constantemente, no espa-
ço, utilizando-se das tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua
vez, se desenvolvem intensamente no bojo desse processo. Como salienta
Fernandes (2001, p. 33),
[...] a especulação financeira impulsiona espetaculares crescimentos no
comércio de moedas, o que por sua vez conduziu à grande flutuação das
taxas de câmbio e revigorada instabilidade da atividade produtiva. Com o
objetivo de passar adiante possíveis desvalorizações, as fronteiras
espaciais passaram a mudar mais rapidamente, motivando relocalizações
de plantas industriais e outros ativos, em busca agora não apenas de
trabalho barato e locações vantajosas, mas também em busca de zonas
monetárias favoráveis. [...] Para a empresa corporativa, a decisão sobre
mover-se de um país para outro agora contempla um novo fator locacional:
as possibilidades de lucros obtidos com operações financeiras envolvendo
mercados de câmbio.

Do que foi acima exposto, fica claro que a análise dos processos
econômicos não pode deixar de considerar também os aspectos territoriais a
eles relacionados, tendo em vista que o elemento espaço passou a ser uma
variável estratégica para os capitais em busca de ganhos pelo mundo afora. Do
ponto de vista da economia, portanto, o território deixa de ser o substrato neutro
sobre o qual se instalam atividades econômicas, mas ele passa a integrar —
desde dentro — as estratégias globais dos grandes grupos econômicos.
Pensando em situar as conseqüências territoriais do processo de
globalização, apresentam-se três grandes tendências observáveis em escala
mundial (Breitbach, 2001, p. 26) a título de pano de fundo para a análise que
segue.4

4
Devido à complexidade do assunto, utilizou-se uma abordagem esquemática. Tal procedi-
mento, entretanto, não implica desconhecer o fato de que o tempo das mutações territoriais
não corresponde forçosamente ao das transformações econômicas e que não se pode
estabelecer nenhum determinismo entre ambos.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


16 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

Primeiramente, tem-se uma reconcentração geográfica das grandes me-


trópoles, ou seja, um crescimento acelerado dos centros metropolitanos mun-
diais, que não é movido apenas pelo crescimento populacional. A localização de
atividades ditas “nobres”, como P&D, concepção de produto, marketing,
comercialização, etc., estimulou o crescimento metropolitano. Observa-se ain-
da, nesses espaços, a concentração do poder financeiro em escala mundial e o
núcleo das organizações internacionais (ou multilaterais). Graças às novas
tecnologias de comunicação, as também chamadas “cidades mundiais” estão
conectadas entre si, formando redes e constituindo fluxos de informação, de tal
forma que sua relação essencial não é mais com os espaços que as circundam,
mas com outras metrópoles.
Com isso, evidencia-se um aprofundamento das desigualdades territo-
riais — segunda grande conseqüência territorial da globalização. O desenvolvi-
mento de espaços que abrigam as chamadas atividades “nobres”, bem como o
“mundo metropolitano”, provoca, em contrapartida, a segregação dos demais
espaços. Estes, mesmo que situados em continuidade física com os “territórios
globalizados”, não participam do processo e, muitas vezes, se tornam regiões
em decadência econômica e social. A par disso, a concorrência entre as regiões
na busca de recursos públicos e na atração de grandes investimentos alimenta-
-se das desigualdades existentes, ao mesmo tempo em que as aprofunda.5
Assim, vê-se que a globalização, em vez de levar os benefícios da econo-
mia de mercado e do progresso social a todo o Planeta, reapresenta — em
versão revista e ampliada — o consagrado esquema analítico “centro-periferia”.
Não são poucos os pesquisadores do desenvolvimento regional a alertarem
para esse aspecto. Já em 1989, Pecqueur fazia ver que o bom desempenho de
algumas regiões na sua integração aos mercados globais engendrava “[...] não
somente desigualdades econômicas entre territórios, mas também desigualda-
des sociais no interior desses territórios. As exclusões e a precarização apare-
cem como conseqüências diretas dos esforços locais de adaptação às condi-
ções atuais do mercado” (Pecqueur, 1989, p. 129).6 Veltz (1994, p. 30), por sua
vez, insiste no “risco de descolamento das periferias, na passagem da desigual-
dade à exclusão”. Segundo ele, na nova organização do espaço industrial que
se desenha em nível mundial, a complementaridade, outrora funcional entre as

5
Note-se, assim, que não apenas as firmas estão em competição entre si — como quer a
corrente liberal neoclássica —, mas os espaços locais também entram em competição
mundial pela repartição territorial dos investimentos, ou seja, pela criação e pela repartição
de riquezas.
6
Ao enfatizar esse aspecto, Pecqueur procura fazer um contraponto a uma linha de pensa-
mento que vê nas iniciativas de desenvolvimento local uma forma de resistência aos malefícios
da globalização.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 17

regiões pobres e as ricas, tende a desaparecer, para dar lugar a uma verdadeira
marginalização das periferias. Nessa linha de interpretação, pode-se concluir
que as periferias do sistema capitalista não somente continuam existindo, como
também o processo de exclusão que as produz se aprofunda, até de forma
dramática, dependendo da direção que toma o olhar pelos horizontes planetá-
rios.7
Finalmente, a terceira conseqüência territorial da globalização a elen-
car — já evocada neste texto — consiste na “redescoberta” da dimensão local e
na importância do espaço como elemento estratégico na lógica das empresas.
Durante a hegemonia do sistema de produção fordista, o espaço geográfico não
apresentava conotação particular: ele era simplesmente o suporte material da
atividade econômica. Com a crise do fordismo e com a mudança de paradigma
tecnológico, evidenciou-se o papel da aglomeração e da proximidade na dinâmi-
ca da inovação, resgatando, portanto, o espaço como elemento estratégico na
nova ordem econômica. Inúmeras pesquisas e estudos de caso demonstram
que as trocas de conhecimentos pela experimentação, pelo agir em conjunto,
propiciadas pela proximidade entre os agentes, constituem o cerne do processo
inovativo8.
O movimento de “redescoberta” da dimensão local não se limita à proble-
mática da inovação, embora seja evidente o papel desta como elemento-chave
na nova ordem econômica. A revalorização do espaço local adquiriu, ainda,
grande relevância para a temática do desenvolvimento econômico. Até meados
dos anos 70, a literatura sobre economia regional enfatizava o desenvolvimento
a partir de fatores externos, numa dinâmica vinda “de cima”. Nessa ótica, o
desenvolvimento regional deveria dar-se pela aplicação de recursos oriundos de
esfera superior (Estado, nação, organismos internacionais, instituições multila-
terais), para alavancar o crescimento em regiões de baixo dinamismo. Esse
modelo repousa sobre a teoria da difusão do progresso técnico, segundo a qual
o desenvolvimento se dá através da modernização do tecido produtivo, com
transferências de capitais e de tecnologia e, muitas vezes, também de mão-de-
-obra qualificada.9

7
O que dizer da situação de grande parte dos países do continente africano?
8
Para os pesquisadores dos “meios inovadores” (Aydalot, 1986), a inovação é vista
sempre como um fenômeno territorializado, fruto da interação e da iniciativa de agentes que
compartilham o mesmo ambiente socioeconômico. Como bem observa Pecqueur (2006),
essa concepção tem uma filiação schumpeteriana, porém substituindo a figura isolada do
empresário inovador pelo “meio inovador”, resultado do empreendedorismo coletivo.
9
Nesse contexto, insere-se a noção de “pólo de crescimento”, onde uma “firma motriz”
semearia o desenvolvimento através de efeitos positivos em cadeia, dinamizando todo o
tecido industrial. Essa concepção, elaborada pelo economista francês François Perroux, foi
muito difundida nas décadas de 50 e 60.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


18 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

Na medida em que os estados nacionais têm reduzido seu papel como


reguladores da esfera econômica, dando lugar aos puros mecanismos de mer-
cado, as unidades subnacionais, ou regionais/locais, viram-se na contingência
de tentar outras vias para seu desenvolvimento. Então, na busca de uma subs-
tituição dos estímulos federais (ou externos, lato sensu), diversas regiões volta-
ram-se para si próprias, para o aproveitamento de seus recursos internos10,
dando origem ao chamado desenvolvimento “pela base”.
Nesse contexto, o local emerge como uma esfera privilegiada no quadro
geral das relações econômicas nos novos tempos, integrando também as
atividades produtivas de tecnologia tradicional/banal. Redescobriu-se que a pro-
ximidade pode ter um significado econômico para além da questão da inovação,
revertendo em maior eficiência para o processo de valorização do capital. Como
salienta Fischer (1994, p. 74),
[...] é na escala local que melhor se exprimem os benefícios das relações
horizontais entre os agentes [...] Sabe-se que as relações de sinergia,
fruto da proximidade no espaço físico, tomam pouco a pouco o lugar das
relações hierárquicas verticais entre a sede da grande empresa e suas
unidades locais.

A esfera local, como portadora de vantagens econômicas, reveste-se,


portanto, de um novo significado para o capitalismo contemporâneo. Em recente
trabalho, Pecqueur (2006) propõe a hipótese segundo a qual “[...] o local não é
apenas um legítimo âmbito de ação econômica, mas, mais ainda, um nível
crucial de adaptação ao global, uma modalidade central da regulação do capita-
lismo contemporâneo”. Evocando Cohen (2004, apud Pecqueur, 2006), o autor
avança que o conceito de globalização “[...] sela a unidade de dois termos que
parecem contraditórios: enraizamento local e desenraizamento planetário”
(Pecqueur, 2006, p. 1).
Conceber a dimensão local como fazendo parte de um todo liberta do
equívoco que consistiria em ver o local como um espaço autárquico, fechado
em si mesmo. Toda uma gama de estudos sobre desenvolvimento regional, va-
lorizando o exame da dimensão local dos pontos de vista econômico, social e
histórico, dá conta de experiências locais muito bem-sucedidas, justamente por
terem conseguido uma inserção adequada na esfera global, e não por se terem
fechado a ela.

10
É interessante referir a “distinção crucial”, salientada por Pecqueur (2006, p. 9), entre
recurso e ativo no contexto do desenvolvimento local. Um ativo é um fator “em atividade”,
ou seja, que tem valor de mercado (preço). Um recurso, por outro lado, constitui-se “[...]
numa reserva, num potencial latente, e mesmo virtual, que pode transformar-se em ativo,
se as condições de produção ou de criação de tecnologia permitirem”.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 19

Assim, é importante não confundir desenvolvimento endógeno com


autarquia, independência, ausência de relações externas. O desenvolvimento
de uma região pode ser caracterizado como endógeno, quando a força motriz de
seu dinamismo tem base local, quando resulta de um projeto coletivo dos agen-
tes locais na busca de um crescimento sustentado, quando a região procura
tirar seu dinamismo de fatores que lhe são próprios, que vêm do seu passado,
que têm raízes em sua história, em seus condicionantes geofísicos, muitas
vezes, mas também em traços culturais e na sabedoria técnico-artesanal enrai-
zados em seu território.
Por outro lado, há que se considerar que a inserção dos espaços regionais
no âmbito da globalização nem sempre reverte em beneficio para os primeiros,
ou seja, nem sempre resulta em desenvolvimento para a região. Contrapondo-se
a algumas interpretações a respeito do desenvolvimento local, que podem ser
qualificadas como “otimismo ingênuo”, sublinha-se que o interesse das grandes
empresas transnacionais pelos espaços locais não é pautado pelo objetivo de
promover o desenvolvimento de tais localidades. Obviamente, tais interesses
buscam a realização da estratégia global da empresa, onde os espaços locais
representam, quando muito, uma certa funcionalidade.
A contribuição de Fernandes (2001, p. 33) é muito clara com respeito às
relações locais globais materializadas num contexto em que
[...] a acumulação de capital se processa com grande instabilidade e
desordem que se auto-alimenta [...]. Cada vez mais esse processo deixa
lugares, regiões e nações reféns da desvalorização ou revalorização
instantânea que as empresas perseguem para expandir seus mercados e
elas mesmas livrarem-se de desvalorização, o que impulsiona uma
“solidariedade” oportunista entre corporações globais e localidades, que
dá forma a uma nova interação entre as escalas geográficas de poder
político e econômico e contínuas alterações no mosaico do desenvolvimento
desigual.

A par dos aspectos relativos à nova lógica territorial das empresas


corporativas, bem como no que concerne à difusão de inovações, devem tam-
bém ser examinadas as conseqüências das transformações econômicas e
tecnológicas recentes sobre o mundo do trabalho. A reestruturação industrial,
efetuada no bojo dessas transformações, trouxe alterações importantes para o
processo de gestão e de organização da produção e do trabalho.
A emergência do modelo japonês, também conhecido como toyotismo e
como produção enxuta, foi o fenômeno de maior impacto, ao se tratar do tema
da reestruturação industrial. A revolução técnica empreendida pela indústria ja-
ponesa e a potencialidade de propagação de alguns pontos básicos desse mo-
delo conferiram-lhe uma capacidade de expansão em escala mundial. As assim
chamadas práticas japonesas — conhecidas pelas suas manifestações mais

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


20 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

eloqüentes, como Just-in-Time (JIT), Kanban, Círculos de Controle de Qualida-


de (CCQ), Kaizen, Controle de Qualidade Total (TQC) — difundiram-se larga-
mente, até mesmo substituindo o padrão fordista vigente em várias partes do
capitalismo globalizado.
A estrutura horizontalizada, em que a empresa transfere para terceiros
parte do que era produzido internamente, priorizando o que é central na sua
especialidade, é outra decorrência desse conjunto de inovações que impacta o
ambiente econômico pelos seus desdobramentos ao longo da cadeia produtiva.
As repercussões para o mundo do trabalho são sensíveis, dado que o
modelo japonês traz, dentre as suas características marcantes, a estrutura fun-
cional flexível, com a utilização de equipamentos de base microeletrônica, a
rotação de tarefas e trabalhadores polivalentes — o operário multifuncional, na
expressão de Coriat (1994). A implantação desses princípios está associada a
altos níveis de qualificação e à estabilidade no emprego para o denominado
“núcleo central” da força de trabalho e a baixos índices de rotatividade da mão-
-de-obra, conforme se observou nas empresas japonesas que foram o nascedouro
dessas práticas.
A automação microeletrônica é, em certa medida, a alavanca que possibi-
litou o salto qualitativo de um sistema de produção rígido para outro de natureza
flexível. Ao trazer, contido nos equipamentos, o princípio da flexibilidade, deu
sustentação ao novo paradigma, contrapondo-se à automação rígida, ancorada
na base técnica eletromecânica que se desenvolveu sob a égide do fordismo. A
automação de base microeletrônica permitiu uma integração maior do conjunto
do processo produtivo, o que também propiciou uma redução significativa do
tempo de produção total das mercadorias. Em contraste com a típica lógica
taylorista/fordista, os ganhos de produtividade não são mais centrados na inten-
sificação dos ritmos de trabalho, mas na racionalização dos tempos da máqui-
na, buscando a redução dos custos de produção mais pelo rendimento da má-
quina do que pela intensificação do trabalho vivo (Coriat, 1988).
O sistema de produção alterou-se notavelmente com a introdução das no-
vas estratégias competitivas enfeixadas no modelo japonês, conforme sublinha
Humphrey, em estudo de 1993:
[...] o modelo japonês parece reunir as vantagens de maior eficiência,
melhor qualidade e maior flexibilidade, que se supõem necessárias para
atender às atuais condições de demanda dos mercados do mundo
desenvolvido. O TQC e o JIT visam a uma melhoria de qualidade, enquanto
a flexibilidade da produção resulta da ênfase dada à flexibilização da utilização
da mão-de-obra e às reduções nos set-up times e lead times (tempos de
preparação e tempos de atravessamento) (Humphrey, 1993, p. 240).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 21

Todavia é preciso ter presente que, assim como o fordismo não apresentou
uma perfeita homogeneidade, mas traços comuns aos diferentes países — o
que engendrou uma configuração mundial capaz de dar corpo ao que ficou co-
nhecido como modelo de desenvolvimento fordista —, as alternativas ou os
novos paradigmas emergentes também estão sujeitos à mesma trajetória, ou
seja, sofrem adaptações e arranjos de acordo com a realidade econômico-
-social encontrada. A transferibilidade de princípios ou de um modelo é, pois,
algo limitado. As especificidades de cada lugar e as características de
determinados tipos de indústrias ou das atividades econômicas imprimiram
distintas possibilidades de desenvolvimento tanto para o paradigma fordista
quanto para as suas formas de superação. As diferenças de um país para outro
foram acentuadas, bem como se registraram formas diversas de gestão da
produção e do trabalho em vários segmentos de uma dada estrutura produtiva.

2 A nova ordem internacional e a dinâmica


de inovação no Brasil
Uma forma de abordar o processo de produção e de difusão de inovações
é a avaliação do funcionamento de dois sistemas interconectados, porém dife-
renciados: o sistema nacional de pesquisa e o sistema nacional de inovação
(Anderson; Lundvall, 1988). O primeiro compõe-se exclusivamente da infra-es-
trutura de pesquisa e desenvolvimento existente em um país, ou seja, a pesqui-
sa desenvolvida dentro das universidades e dos laboratórios e institutos de
pesquisa tanto públicos como privados. O sistema nacional de inovação, por
sua vez, está moldado pela interação entre o sistema nacional de pesquisa e a
esfera produtiva, conforme as condições da acumulação de capital em nível
nacional. Portanto, o sistema nacional de inovação é mais amplo que o sistema
nacional de pesquisa, pois o contém.
Para analisar a dinâmica de inovação na indústria, é necessário tecer algu-
mas reflexões sobre o conceito de sistema nacional de pesquisa. Esse sistema
se insere num contexto nacional e internacional cujas recentes transformações
foram objeto da seção anterior. Aqui, o objetivo é avaliar a influência desse
conjunto de alterações sobre o processo de produção e difusão de inovação no
interior das cadeias produtivas.
O funcionamento de um sistema de pesquisa depende principalmente da
ação de três agentes: o Estado, as empresas e o pessoal tecnocientífico. O
Estado aparece como responsável pelo financiamento da pesquisa pública, pela
formulação das políticas industrial e tecnológica, pela promoção do sistema

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


22 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

educacional e, principalmente, como a instância integradora entre a esfera


onde se desenrola o processo de inovação e as demandas efetuadas pelo
mercado. As empresas — privadas e estatais — apresentam-se como
financiadoras das pesquisas, particularmente da pesquisa aplicada, como
responsáveis pelo lançamento das inovações no mercado e, assim, pela difusão
intersetorial e interfirmas da inovação e pelo desenvolvimento da própria
pesquisa intramuros. O pessoal tecnocientífico responde pela ampliação dos
conhecimentos científico (quando atua em pesquisa fundamental) e tecnológico
(quando atua em pesquisa aplicada), respondendo à demanda do setor produtivo
e acumulando um estoque de conhecimentos que pode contribuir para o alcance
das fronteiras tecnológicas.
O Brasil dos anos 70 assistiu à institucionalização do sistema brasileiro de
pesquisa, cujas características básicas se configuraram até o final dos anos
80.11 Nesse contexto, as principais fontes de inovação eram os investimentos
das empresas multinacionais, representados pelos IDE, a pesquisa intramuros
das empresas estatais e de algumas grandes empresas nacionais e a pesquisa
pública (Castilhos, 1992).
A expansão das empresas multinacionais, desde o pós-guerra até o final
dos anos 70, caracterizava-se pela instalação de filiais idênticas às matrizes
situadas nos seus países de origem, o que gerava significativos efeitos
multiplicadores, através da utilização de componentes produzidos localmente e
da criação de novas empresas. Essa estratégia favorecia a difusão de inovação
dentro das cadeias produtivas dos países para onde se orientavam esses in-
vestimentos (Oman, 1986).
No Brasil, essa estratégia se refletiu na entrada de capitais externos orien-
tados para a indústria de bens de consumo duráveis, cujo ritmo se intensificou
sobremaneira durante a primeira metade da década de 70 (período do “milagre
brasileiro”). Implantadas essas indústrias, das quais a mais representativa é a
automobilística, seguiu-se um brusco arrefecimento desses investimentos, que
foram substituídos pelo aumento dos investimentos estatais, visando comple-
tar a lacuna deixada pelos IDE, sobretudo na área de insumos e de bens de
capital.12 Empresas como a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a

11
O I Plano Brasileiro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (I PBDCT) foi lançado no
Brasil, em 1973, como parte complementar do Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND),
lançado em 1972 e que vigorou até 1974. O I PBDCT marca a primeira tentativa de organi-
zação de um sistema brasileiro de pesquisa e veio reforçar os aspectos institucionais
(financiamentos e prioridades) do sistema brasileiro de inovação. O fato de ter sido conce-
bido a partir das bases do I PND mostra que havia uma preocupação em vincular os
sistemas de produção e de pesquisa ao desenvolvimento científico e tecnológico.
12
O maior volume de investimentos estatais e públicos ocorreu no período 1975-79, quando
vigorava o II PND, estendendo-se até 1981-82, devido ao atraso nas obras.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 23

Petrobrás, o sistema Petroquisa, a Embratel, dentre outras, passaram a investir


intensamente em P&D, garantindo, assim, o acesso à fronteira tecnológica para
vários setores considerados estratégicos, como telecomunicações, petróleo e
petroquímica, aeronáutica e siderurgia. Algumas grandes empresas nacionais,
impulsionadas pelos investimentos estatais e multinacionais, especializaram-
-se na produção de alguns componentes (como autopeças), de bens de capital
(principalmente sob encomenda) e de certos bens finais (ônibus, máquinas agrí-
colas e caminhões), alcançando uma excelência tecnológica nacional, e mes-
mo internacional, nessas áreas.
No domínio da pesquisa pública, foi montada uma importante infra-estrutu-
ra de P&D, representada pela construção e pela organização de laboratórios e
institutos de pesquisa públicos e pelo reforço de linhas de financiamento público
à formação de institutos regionais e setoriais de desenvolvimento. Também a
pesquisa nas universidades federais e estaduais foi reforçada, através do au-
mento da oferta de bolsas de estudos e pela organização de grupos de pesqui-
sa.13
Todavia esse não era o melhor dos mundos, pois esse sistema, obviamen-
te, apresentava entraves. A pesquisa pública encontrava-se excessivamente
distanciada das necessidades do aparelho produtivo, caracterizando-se por uma
concepção linear do processo de inovação, conforme expressão de Cassiolato
(1982). Em outras palavras, dominava a idéia de que, para que houvesse inova-
ção, bastava o direcionamento de recursos públicos para a pesquisa de base.
As empresas multinacionais concentravam suas unidades de pesquisa nos seus
países de origem, o que limitava o acesso das empresas brasileiras ao conhe-
cimento contido nas tecnologias introduzidas pelos IDE. As estatais, por seu
turno, pecavam por ineficiências características do período da ditadura militar,
como a falta de profissionalização dos quadros diretivos das empresas e o
desperdício na administração dos recursos. A abundância de crédito para o
desenvolvimento tecnológico da indústria nacional de bens de capital sob enco-
menda, aliada à proteção do mercado doméstico e à demanda garantida pelas
empresas estatais, gerou um superdimensionamento da oferta de bens de capi-

13
Nesse contexto, ressalta-se a atuação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que
exerceu também o papel de articuladora entre instituições de pesquisa e empresas esta-
tais e privadas, destacando-se a formação de parcerias que resultaram no desenvolvi-
mento do avião Tucano, da Embraer, de inúmeros projetos desenvolvidos pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e em projetos de pesquisa e de formação
de recursos humanos da Petrobrás (www.finep.gov.br). Também é essencial ressaltar a
atuação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de outras
financiadoras públicas estaduais.

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24 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

tal em relação à capacidade de absorção do mercado doméstico, numa fase em


que o ritmo dos investimentos já começava a desacelerar.
Apesar dos limites apontados, o sistema brasileiro de pesquisa, interagindo
com o sistema brasileiro de inovação, constituiu-se em importante fator de
competitividade da economia brasileira durante as décadas de 70 e 80. A partir
do Governo Collor, o Estado brasileiro começou a mudar sua relação com a
economia, deixando de participar ativamente do processo de desenvolvimento
e, por conseqüência, do apoio à inovação. Essa mudança de rumos resultou de
uma combinação de fatores internacionais com os traços específicos da crise
brasileira.
O Estado brasileiro, reduzido a ator coadjuvante na implementação de po-
líticas de inovação, diminuiu significativamente suas possibilidades de susten-
tar o aproveitamento das oportunidades de avanço tecnológico trazidas pela
mudança de paradigma e, posteriormente, pela democratização do País.14 O
tripé que caracterizava o sistema brasileiro de pesquisa foi enfraquecido, sem
ter sido substituído por outro mais adequado à nova dinâmica internacional de
acumulação. A pesquisa pública foi praticamente eliminada, como conseqüên-
cia da redução das despesas públicas e da desestruturação das universidades
federais. A maior parte das empresas estatais foi privatizada, o que resultou na
eliminação das suas unidades de P&D.
Da ordem anterior, restou a via de inovação através dos IDE. Estes, no
entanto, passaram a estabelecer um outro tipo de relação com os países que os
recebem, devido aos efeitos da mudança de estratégia de expansão internacio-
nal do grande capital. No Brasil dos anos 90, iniciou-se o processo de abertura
indiscriminada do mercado doméstico e de desregulamentação da entrada de
capitais. Assim, a partir desse período, a forma e o alcance da difusão de inova-
ções pelas grandes empresas internacionais mudaram substancialmente, em
consonância com as transformações verificadas em escala mundial.
Para compreender o momento presente, faz-se necessário salientar os
aspectos da nova ordem mundial que se vinculam mais diretamente ao proces-
so de inovação industrial no Brasil. Sob esse ponto de vista, os principais fato-
res referem-se ao controle do capital financeiro sobre a atividade produtiva e à
desverticalização do processo produtivo.

14
Durante o Governo Sarney (1985-90), que já conviveu com as fortes restrições da despesa
pública iniciadas em 1983, persistiu uma tentativa de manutenção — e mesmo qualifica-
ção — do desenvolvimento científico e tecnológico, através da criação do Ministério de
Ciência e Tecnologia (1985), que apoiou o desenvolvimento da pesquisa nos novos seg-
mentos: biotecnologia, novos materiais e informática/microeletrônica.

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Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 25

A financeirização do capital afeta o processo de inovação na grande maio-


ria dos países, uma vez que os grandes grupos mundiais passam a ter sua
lógica produtiva submetida aos objetivos e às conveniências da lógica financei-
ra (Chesnais, 1999; Serfati, 1998). Atualmente, o lançamento de novos produtos
e a introdução de novos processos passam necessariamente pelo filtro finan-
ceiro do grupo, o que contribui para a desaceleração do ritmo de inovação.
A desverticalização do processo produtivo, por sua vez, afeta o processo
de inovação, mais diretamente nos países periféricos. As grandes empresas
industriais, que, no período anterior, haviam internalizado quase todas as eta-
pas da produção, passaram a direcionar suas atividades para alguns elos estra-
tégicos das cadeias produtivas. Esse processo deu origem a novas empresas,
voltadas para a fabricação de bens que anteriormente eram produzidos por uma
única empresa. Esse mesmo movimento tem efeitos contraditórios sobre os
tecidos industriais locais. Por um lado, multiplica os elos das cadeias produti-
vas, estimulando a criação de pequenas e médias empresas locais produtoras
de componentes e de serviços industriais e favorecendo a difusão da inovação
pela proximidade territorial. Por outro lado, engendra a internacionalização des-
sas cadeias, distanciando os elos mais estratégicos e mais avançados
tecnologicamente e bloqueando o acesso das demais empresas integrantes da
cadeia ao conhecimento tecnológico.
No período anterior, a entrada de IDE podia reforçar as redes locais de
fornecedores, enquanto, na presente fase, observa-se uma tendência contrária.
Os fornecedores de primeira linha — e mesmo os de segunda — das grandes
empresas são também fornecedores internacionais. Por isso, a tendência é que
investimentos entrantes utilizem muito pouco do tecido produtivo local e se
abasteçam no mercado mundial, abandonando as regiões que os acolhem à sua
própria sorte. Nesse contexto, a difusão de inovações das grandes empresas
sobre o tecido industrial local é mais limitada do que no período anterior.
Observe-se que, no Brasil, a forma como se procedeu a abertura do mer-
cado a partir dos anos 90 contribuiu para o rompimento de importantes elos das
cadeias produtivas e para a conseqüente substituição dos produtos de origem
local por similares importados. O tecido industrial brasileiro, até então bastante
complexo, perdeu densidade, em sintonia com o processo mundial de
internacionalização das cadeias produtivas. Em conseqüência, ocorreu uma re-
dução do poder de transferência de conhecimento entre as empresas e entre as
diversas fases da produção. Além disso, a diminuição da despesa pública em
P&D ampliou a desigualdade entre o padrão tecnológico das empresas nacio-
nais e o das grandes empresas internacionais. Nesse movimento, parte do co-
nhecimento tecnológico acumulado pelo setor produtivo foi perdida, limitando
ainda mais o processo de absorção e de adaptação de novas tecnologias pelas

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26 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

empresas brasileiras. A introdução de inovações assumiu uma dinâmica funda-


mentalmente exógena, sobre a qual as empresas locais não têm controle, nem
conhecimento.
Se a inovação é, de fato, um elemento-chave no aumento da competitividade
empresarial, é também verdade que ela está cada vez mais concentrada e que
a disputa comercial vem relegando os países menos desenvolvidos ao comér-
cio de commodities e de bens de baixo valor agregado. A constatação de Kupfer
(2005), que utiliza dados do IBGE, ilustra essa afirmação. Segundo o autor, a
Pesquisa Industrial Anual (PIA) mostra que, em 2003, com relação a 1996,
“[...] houve diminuição do peso dos setores de maior conteúdo tecnológico na
estrutura do valor adicionado da atividade industrial”. A Pesquisa de Inovação
Tecnológica (Pintec) aponta a mesma direção, ao revelar que, em 2003, com
relação a 2000, houve “[...] forte redução do grau de inovação e dos esforços
tecnológicos realizados pela imensa maioria das empresas industriais brasilei-
ras” (Kupfer, 2005).
Tendo em vista o atual quadro de perda de competitividade da indústria
brasileira, aliado às novas questões inerentes à dinâmica internacional de ino-
vação, é lícito concluir que novos estudos sobre produção e difusão de inova-
ção se fazem necessários. Tal abordagem poderá melhor fundamentar a propo-
sição de políticas públicas capazes de fomentar um desenvolvimento tecnológico
menos heterogêneo da indústria brasileira, propiciando às empresas não perten-
centes aos grandes grupos industriais uma melhor colocação no mercado inter-
nacional.

3 Grandes empresas e estratégias


territoriais
As relações entre a grande empresa e o território sofreram importantes
modificações a partir do processo de globalização da economia. Nesse contex-
to, o comportamento espacial das grandes empresas tem a ver muito mais com
as estratégias globais que elas estabelecem do que com os fatores locacionais
tradicionais (custo de transporte, proximidade de mercados e/ou de
matérias-primas, etc.). Para as grandes empresas, a globalização não significa
apenas a internacionalização de mercados e de produtos, mas — e principal-
mente — a capacidade de colocar em prática uma estratégia conjunta entre os
setores de produção, de gestão, de comercialização, etc., apropriando-se, de
maneira diferenciada, das diversas partes do mundo (Paillet, 1995).

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Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 27

O espaço de ação das grandes empresas passa a ser o Planeta. A tendên-


cia é que elas atuem no sentido de se beneficiarem da heterogeneidade dos
territórios, buscando vantagens nas particularidades dos espaços locais. No
dizer de Matteaccioli (1995/96, p. 9), a globalização não significa que
[...] o mundo esteja em vias de uniformização. Uma estratégia e uma
organização “globais” significam, para as firmas, a capacidade de
administrar um conjunto de diferenças constantemente recriadas. Os
constrangimentos e os ritmos da economia global não conduzem
absolutamente a um mundo onde o território seria de alguma maneira
neutralizado. Na realidade, tudo indica que a proximidade e a interação
entre as firmas, e entre as firmas e as instituições locais, mantêm e mesmo
intensificam sua importância na dinâmica econômica, como base do
processo de inovação e de produção em grande escala.

Fica claro, portanto, que o processo de globalização não provocou uma


homogeneização do espaço geográfico, possibilidade evocada inicialmente por
alguns autores, que viam nas avançadas tecnologias de comunicação a viabili-
dade de “indústrias foot loose”15.
Contrariamente a isso, e graças às transformações tecnológicas, o com-
ponente territorial reveste-se de um novo significado frente às estratégias da
empresa, daí a importância de integrar a variável espacial à análise das dinâmi-
cas industriais. Uma maior flexibilidade produtiva tornou as empresas capazes
de gerirem seus espaços de implantação com uma maleabilidade que não dis-
punham anteriormente. As tradicionais limitações físicas não têm mais um pa-
pel essencial, uma vez que as tecnologias de ponta em telecomunicações per-
mitem contatos em “tempo real”.
A desverticalização interna das grandes empresas, característica do pro-
cesso de reestruturação industrial, passou também a afetar o comportamento
espacial destas, na medida em que uma marcada divisão de funções possibilita
a implantação de cada unidade produtiva em lugares diferentes, conforme os
interesses estratégicos globais da firma.
Assim, a desverticalização provocou a separação entre as funções
“periprodutivas a montante” (pesquisa, desenvolvimento, concepção, criação),
“periprodutivas a jusante” (regulamentação, controle, distribuição, manutenção)
e “produtivas propriamente ditas” (fabricação, montagem).16 Essa diferenciação

15
Expressão cunhada nos anos 90 para denominar empresas e/ou atividades econômicas
que supostamente não sofrem nenhum tipo de constrangimento espacial. Dizia-se também
que essas empresas “flutuavam” no espaço.
16
A desverticalização produtiva ensejou também o surgimento das “empresas ocas”, assim
chamadas porque não se ocupam diretamente das etapas produtivas (encomendam a
terceiros), ficando apenas com as atividades de P&D, design, gerenciamento da marca e
financiamento da produção (Fernandes, 2001, p. 44).

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28 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

de funções se reflete diretamente sobre o espaço geográfico, na medida em que


a firma tem a preocupação de modular suas decisões de implantação de acordo
com as exigências e as necessidades de cada uma dessas funções.
As funções “diretamente produtivas”, de maneira geral, demandam uma
mão-de-obra numerosa e pouco qualificada, o que tem provocado a transferên-
cia de unidades produtivas de grandes firmas transnacionais para as periferias
do sistema capitalista, onde os níveis salariais são mais baixos. Já as funções
“periprodutivas da empresa” — tanto a montante quanto a jusante — , em fun-
ção do requisito de uma mão-de-obra qualificada e também pela disponibilidade
de serviços, tendem a se localizar nas grandes áreas metropolitanas, intensifi-
cando o fenômeno da metropolização evocado anteriormente.
Em conseqüência dessa maior flexibilidade nas decisões locacionais, que
seguem as peculiaridades funcionais de cada unidade da grande empresa, as
desigualdades existentes entre os territórios são “aproveitadas” pelo capital
transnacional, fazendo parte dos elementos em jogo na busca de novos espa-
ços e de novas formas de valorização. Não é difícil perceber que a globalização
territorial implica o aumento da clivagem entre os espaços pobres e os espaços
ricos do Planeta, como já foi referido no início deste trabalho.
Esse conjunto de transformações econômico-territoriais, que se vem men-
cionando aqui, apresenta uma diversidade muito grande de manifestações con-
cretas, abrindo um extenso leque de potencialidades de pesquisa. O estudo da
dinâmica e do comportamento territorial das grandes empresas transnacionais17
tornou-se — dentre muitos outros — um tema que tem merecido atenção de
inúmeros pesquisadores. Agentes por excelência dos investimentos diretos do
exterior, as grandes empresas representam, para muitas regiões em busca de
desenvolvimento, a esperança de integração aos mercados globais e a partici-
pação nas vantagens que daí devem advir.
Os efeitos dos IDE sobre economias regionais na América Latina foram
examinados por Gouëset (1999) à luz de três casos ilustrativos: as regiões de
Yucatán, no México, de Bahía Blanca, na Argentina, e de Casanare, na Colôm-
bia. Esses três casos estão inseridos em contextos diferentes, mas têm em
comum o fato de não se localizarem em áreas metropolitanas e também de
terem sido objeto de maciços investimentos estrangeiros a partir da década de
90. Em que pese a diversidade das conseqüências desses investimentos sobre
as regiões em questão (que variam segundo as características de cada uma e a

17
Empresas ou firmas transnacionais ou multiterritoriais são aquelas que organizam sua
produção em diversos espaços de implantação e interagem simultaneamente com diversos
meios locais situados em diferentes territórios nacionais.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 29

natureza dos investimentos), diversas conclusões gerais são apontadas, das


quais se sintetizam algumas.
Primeiramente, o impacto dos IDE sobre a modernização dos sistemas
produtivos locais não se revelou decisivo, tendo, em muitos casos, mantido e
reforçado características preexistentes. Por seu turno, os efeitos dos IDE sobre
a governança local também foram considerados modestos, tendo em vista que
as frágeis sinergias entre as empresas transnacionais e o empresariado local
indicam que as primeiras atuam de forma independente. Um terceiro ponto é a
evidência de que os IDE contribuem para o aumento da dependência das econo-
mias locais em relação às grandes firmas, “[...] cujas estratégias, elementos
em jogo e temporalidades obedecem a contingências e regras de funcionamen-
to sem ligação com o meio local” (Gouëset, 1999, p. 189). Por fim, o autor obser-
va que a atuação dos IDE provoca um aumento das disparidades regionais no
interior dos países envolvidos, favorecendo as regiões que os acolhem em de-
trimento das demais.
Ainda que a título ilustrativo, é pertinente evocar aqui o caso da indústria
automobilística no Brasil, cujos vultosos investimentos são tidos, com freqüência,
como um elemento dinamizador das economias locais e, não raro, suscitam
expectativas de instauração de um verdadeiro processo de desenvolvimento
regional. As grandes empresas mundiais do setor estão presentes, desde os
anos 50, em território brasileiro, tendo-se localizado, inicialmente, em São Pau-
lo, dirigindo-se, mais tarde, também para o Estado de Minas Gerais. A partir da
década de 90, no bojo da nova ordem econômica mundial e do conjunto de
conseqüências dela advindas, o País viveu uma expansão significativa dos
investimentos automotivos, seja de empresas já instaladas, seja de novas fir-
mas. Esses investimentos orientaram-se não somente para as regiões onde a
indústria automobilística já estava presente (ABC Paulista, interior de São Paulo
e Estado de Minas Gerais), mas também para outros estados brasileiros até
então sem experiência produtiva nesse domínio (Rio Grande do Sul, Paraná, Rio
de Janeiro e Bahia). Esse movimento produziu uma relativa descentralização
territorial da indústria automobilística, bem como de peças e de componentes,
sendo tema de diversos estudos importantes.
Referem-se aqui dois trabalhos que avaliam as repercussões desses in-
vestimentos sobre a economia local, através de dois casos: a General Motors
(GM), no Rio Grande do Sul (Fligenspan; Calandro, 2002), e o pólo automotivo
do Paraná (Lins, 2006).
Em ambos os trabalhos, constata-se que os efeitos inicialmente espera-
dos — e, em alguns casos, entusiasticamente proclamados — dos investimen-
tos em grandes plantas automotivas não se fizeram presentes. A produção de
efeitos multiplicadores a jusante e a montante, ampliando e densificando o teci-

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


30 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

do industrial local, não se realizou, tendo em vista a forma de organização pro-


dutiva das plantas automotivas atuais.
Como característica geral, a grande empresa montadora de veículos abas-
tece-se diretamente das chamadas “sistemistas”, empresas que produzem sis-
temas completos. Em geral, essas firmas fazem parte de grandes grupos inter-
nacionais e, a cada nova montadora criada pelo mundo, localizam-se no seu
entorno, fornecendo exclusivamente para ela. As “sistemistas”, por seu lado,
utilizam peças e componentes fabricados por empresas com as quais também
mantêm uma relação de exclusividade, e cujas unidades podem estar situadas
em diversos locais do país e do mundo.
No caso da GM/RS,
[...] essas empresas [“sistemistas”] são, via de regra, filiais de grandes
fabricantes de autopeças, de capital estrangeiro e com sede em São Paulo.
Convém destacar que as matrizes dessas empresas já mantêm longa
relação comercial com a GM e com outras montadoras em outras plantas,
tanto no Brasil quanto no Exterior (Fligenspan; Calandro, 2002, p. 13).

Na avaliação dos autores, a escassa integração da GM e de suas


“sistemistas” com o meio local e o ritmo de criação de postos de trabalho aquém
do esperado constituem-se nos principais entraves para que a montadora gere
os impactos positivos sobejamente enfatizados na ocasião de sua instalação.
No que concerne ao caso do pólo automotivo do Paraná, é constatado
comportamento muito semelhante. Em seu texto, Lins afirma que
[...] embora as empresas do pólo tenham anunciado o interesse em aumentar
o conteúdo local de seus produtos [...] tem sido escasso o recurso às
fontes de suprimento locais. [...] Assim, tendo em vista que, em grande
medida, os esperados efeitos locais não se confirmaram [...], a efetiva
ativação do tecido produtivo local-regional permanece, tanto quanto uma
ardente esperança, um grande objetivo ainda não alcançado (Lins, 2006,
p. 18).

Embora sumariamente referidos,18 esses dois casos ilustrativos do com-


portamento da indústria automotiva brasileira permitem constatar que não faz
parte dos imperativos de funcionamento dessa cadeia a integração com o meio
econômico em que se implanta. Ora, na ausência de uma consistente integração

18
Os trabalhos citados apontam, ainda, outros fatores que testemunham a fraca sinergia
entre as grandes empresas automotivas e seu meio de inserção. Os aspectos tecnológicos,
por exemplo, dão conta de que parte importante da engenharia de produção é realizada em
outro local, cabendo às “sistemistas” a fabricação e a montagem dos componentes confor-
me padrões preestabelecidos. Em suma, não há inovação no sítio de produção. Por outro
lado, a rede de centros de pesquisa e universidades situada na região é pouco utilizada,
tendo em vista o acima exposto.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 31

regional/local, como vislumbrar um processo de desenvolvimento econômico


em conseqüência desses investimentos?
Nesse ponto, evidencia-se a necessidade de uma intervenção do Estado,
através de políticas industriais regionalizadas capazes de adequar esses IDE
às características do meio local, gerando sinergias que utilizem as potencialidades
de cada região, ao mesmo tempo em que esta possa oferecer atrativos para tais
atividades. Na atualidade, os procedimentos de implantação de grandes empre-
sas e complexos industriais não têm seguido metas e critérios estabelecidos
em programas de planejamento global do Estado. A escolha do local de instala-
ção tem sido em função dos mecanismos de benefícios fiscais combinados
com a vontade das empresas, na maioria dos casos. Face à ineficácia de polí-
ticas públicas de desenvolvimento regional, não é de surpreender que a chama-
da “guerra fiscal” tenha, por assim dizer, ocupado o lugar daqueles instrumentos
de política regional. Em grande medida, a “guerra fiscal” não é mais do que uma
prática provisória, uma saída individual de cada estado ou município brasileiro,
na ausência de um conjunto de iniciativas coordenadas pelo Estado que indi-
cassem as regiões a serem desenvolvidas e as atividades econômicas com
maiores potencialidades.
Entende-se que cabe efetuar um movimento de revalorização das práticas
de planejamento, caso se queira efetivamente colocar em marcha um processo
de desenvolvimento econômico para certas regiões. Em função disso, é preciso
refletir melhor sobre as grandes implantações industriais vis-à-vis ao meio local
de inserção, tendo em vista a necessidade de assegurar um patamar mínimo de
características endógenas ao crescimento que daí deverá advir.

4 A reconfiguração do trabalho na indústria


brasileira
O processo de reestruturação produtiva consolidou-se no Brasil, nos anos
90, impulsionado pelo aprofundamento da abertura da economia, patrocinada
pelo Governo Collor já no início da década, o que significou uma liberalização
comercial sem precedentes na história do Brasil. A entrada maciça dos importa-
dos no mercado brasileiro exigiu das empresas, especialmente das industriais,
o enfrentamento de um duro processo de adaptação ao novo patamar tecnológico
e organizacional, que se tornou dominante em escala internacional. Esse pro-
cesso resultou em um substancial aumento da produtividade, o que, na ausên-
cia de uma política de crescimento econômico sustentado, levou à queima de

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32 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

milhares de postos de trabalho na indústria, sobretudo nos primeiros anos da


década de 90.
As medidas de política econômica — notadamente o Plano Collor e, logo
depois, no Governo FHC, o Plano de Estabilização Econômica (Plano Real),
aliado ao processo de privatizações — repercutiram fortemente na esfera pro-
dutiva e no mundo do trabalho. Empresários e trabalhadores viram-se envolvi-
dos em uma onda de mudanças que era tanto de caráter conjuntural quanto de
natureza estrutural. No primeiro caso, trata-se de medidas de ajuste econômico
para fazer frente a crises, enquanto, no segundo, trata-se de inovações na base
técnica e na gestão da produção e nos processos de trabalho. Em um contexto
de aprofundamento das dificuldades estruturais do mercado de trabalho brasilei-
ro, com sinais inequívocos de deterioração — como o aumento das ocupações
associadas à situação de precarização e o desemprego —, a emergência de um
novo perfil de trabalhador, em resposta aos novos requisitos colocados pela
esfera produtiva, suscita crescentes indagações sobre o futuro do trabalhador
brasileiro na atual fase do capitalismo.
Desde os anos 80, visivelmente na sua segunda metade, já se observa-
vam mudanças no cenário industrial brasileiro que apontavam a adoção de um
novo paradigma tecnoprodutivo. Contudo foi somente nos anos 90 que o proces-
so de reestruturação adquiriu um caráter sistêmico, conforme formulação de
Cardoso, Comin e Guimarães (2006). A diferença de um momento para o outro
reside no fato de que o movimento inovador que se verificou nos idos dos 80 foi
circunscrito ao chão-de-fábrica das empresas líderes das cadeias produtivas e
às grandes empresas de setores de ponta da economia, não disseminando
mudanças para além do enquadramento dessas empresas.
Em contrapartida, na década de 90, presenciou-se um movimento de trans-
formação que se dirigia a todos os âmbitos da produção e da administração —
engenharia dos processos, gestão dos recursos, gestão financeira, gestão de
marketing e gestão do trabalho — e se propagava entre as firmas interligadas
em uma mesma cadeia produtiva ou em uma mesma rede de produtores. Um
processo de mudança que contemplava todos os agentes envolvidos — empre-
sários, trabalhadores, sindicatos e o próprio Estado — e a sua forma de rela-
cionamento.
Assim, está-se aludindo a um movimento de transformação que repercutiu
no tecido produtivo como um todo — embora com intensidades distintas, de-
pendendo do segmento produtivo e do tipo de empresa —, em razão dos vín-
culos estabelecidos pelas empresas ao longo da cadeia e até mesmo pelos
“transbordamentos” para fora da própria cadeia, dadas as inter-relações que se
estabelecem entre as firmas, em determinado ambiente econômico e/ou social.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 33

Os novos paradigmas de produção transformam os diversos elos da ca-


deia, representados pelas diferentes empresas que interagem naquele contexto,
modificando, ainda que de forma desigual, o padrão de uso da força de trabalho
nas fábricas. A introdução continuada de novas tecnologias — o avanço da
automação de base microeletrônica e da robótica — e de novas formas de
organização e gestão do processo de trabalho impõem a consolidação de um
novo perfil de trabalhadores, o qual requer não só o domínio de novas e comple-
xas habilidades, mas, sobretudo, uma disposição e uma capacidade de apreen-
der o processo produtivo como um todo. Inspiradas no modelo japonês, princi-
palmente, as empresas passam a prestigiar o trabalhador polivalente,
multifuncional, com capacidade para acompanhar e realizar várias etapas do
processo produtivo, que conheça a lógica de funcionamento dos equipamentos
e dos processos.
Os requerimentos de qualificação dos trabalhadores que vêm embutidos
nesse processo de inovações desembocam em uma maior seletividade do mer-
cado de trabalho, expressa, sobretudo, no aumento do patamar de escolaridade.
A elevação do número médio de anos de estudo e da idade média da população
ocupada, ainda que esteja relacionada com o comportamento de varáveis
demográficas, pode ser associada a critérios de contratação que obedecem a
uma lógica distinta da dos momentos anteriores.
As manifestações sobre o mercado de trabalho são sensíveis, a começar
pela modificação no nível da ocupação, já que as novas tecnologias e as novas
formas de gestão da produção são, por princípio, poupadoras de mão-de-obra.
As transferências intersetoriais no âmbito do emprego e a conseqüente altera-
ção na sua composição setorial, bem como a eliminação de ocupações tradi-
cionais e o surgimento de postos de trabalho dotados de novos conteúdos téc-
nicos, são evidências dos rebatimentos das mudanças em curso no mundo do
trabalho. Com vistas a superar a resistência dos trabalhadores e a comprometê-
-los com o novo paradigma, as práticas de gestão alicerçam-se no binômio
envolvimento-participação dos trabalhadores, o que acaba por atingir a própria
cultura empresarial e interferir nas relações entre empresa e sindicato, chegan-
do ao extremo de a empresa buscar se antecipar ao sindicato no atendimento
das demandas dos trabalhadores, numa tentativa de esvaziar a ação sindical no
seu interior.
Deve-se ter presente que se está falando — sempre — de um processo
desigual, quer se trate das empresas que integram determinada cadeia produti-
va, quer se trate de grupo de trabalhadores no interior dessas empresas. Os
novos paradigmas de produção acabam por provocar novas diferenciações e
clivagens no conjunto de trabalhadores de uma mesma empresa e entre esses
e os de outras, visto que estágios diferenciados convivem em um mesmo ambi-

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34 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

ente socioeconômico ou em um mesmo ambiente empresarial. Contribuem para


essa situação as práticas de terceirização, através das quais as empresas
externalizam as atividades que não constituem o seu foco de atuação, contra-
tando os serviços de terceiros ou comprando produtos de outras empresas, o
que, por vezes, coloca frente a frente, no mesmo espaço fabril, trabalhadores
de diferentes empresas, em regimes e condições de trabalho distintos.
A fragmentação e a complexificação da classe trabalhadora são proces-
sos visíveis nesse percurso de mudanças no mundo do trabalho. Se, por um
lado, criou-se um segmento de trabalhadores polivalentes e multifuncionais, por
outro, persiste e desenvolve-se uma massa de trabalhadores inseridos, de for-
ma precária, no mercado de trabalho, com pouca ou nenhuma qualificação, en-
volvidos com emprego temporário, parcial, ou mesmo vivenciando o desempre-
go estrutural. As estratégias de reorganização produtiva, ao induzirem as em-
presas a padrões de flexibilidade interna e externa baseados em custos e inova-
ções, “proporcionaram” a flexibilização e a desregulamentação das relações de
trabalho, tão caras ao ideário neoliberal. Imprime-se uma nova dinâmica ao mer-
cado de trabalho, na qual se presenciam a criação e a recriação de formas
atípicas de empregos, estigmatizadas pela irregularidade, pela precariedade e
pela insegurança.
Em termos gerais, os desdobramentos desse processo de transformação
em escala internacional podem ser observados na reestruturação das grandes
empresas outrora verticalizadas e rígidas, que se tornaram organizações mais
flexíveis e articuladas em redes, formando cadeias produtivas globais, afetando
as localidades onde estão instaladas e as relações de trabalho.

5 Considerações finais
A discussão do conceito de cadeia produtiva vis-à-vis à nova dinâmica
internacional de acumulação de capital colocou em evidência o conceito de
cadeias globais de valor. A utilização deste último tornou-se uma ferramenta
que permite unir diversas áreas do conhecimento, na medida em que insere os
efeitos da globalização produtiva no estudo das relações interfirmas e da dinâ-
mica do desenvolvimento territorial. Com esse procedimento, é possível visualizar,
de maneira bastante nítida, o papel que exerce uma empresa multinacional,
quando está à frente de uma cadeia produtiva, seja como produtor final, seja
como distribuidor internacional. Ademais, o conceito de cadeia global de valor
constitui-se num eixo que perpassa transversalmente a análise da atividade
produtiva, permitindo um olhar particular através de certos ângulos que, embora

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007


Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas 35

distintos, permanecem integrados. Assim, procurou-se, neste texto, abordar a


dinâmica da inovação industrial, as transformações no mundo do trabalho e a
nova territorialidade das grandes empresas.
Examinar o tecido industrial pelo recorte das cadeias globais permite mapear
relações de poder no interior de uma cadeia — as relações de “governança” —,
estruturadas para coordenar e controlar atividades econômicas geograficamen-
te dispersas (Gereffi, 1996). Através dessa abordagem, é possível identificar
quem exerce o papel estratégico de coordenar e definir os rumos da cadeia, o
que, atualmente, está concentrado nas grandes empresas. Nesse sentido, ob-
serva-se, conforme aponta a literatura recente sobre o tema, que, quando a
“governança” das cadeias globais de valor é exercida por empresas
multinacionais, sua interação com o meio socioeconômico local se mostra su-
perficial, transitória e, em alguns casos, se torna até mesmo um enclave, que
pode prejudicar um equilíbrio preexistente.
Constata-se igualmente que, numa cadeia global, a difusão de inovações
entre seus elos se revela ainda menos fluida do que numa situação em que a
cadeia se encontra circunscrita a um espaço determinado. Quando a liderança
dessa cadeia global é exercida por uma empresa pertencente a um grande gru-
po internacional, seja ela uma produtora de bens finais (montadora de automó-
veis por exemplo), seja uma grande distribuidora internacional (atacadistas como
Carrefour e Wall-Mart), seus efeitos multiplicadores ou de difusão de inovações
sobre o núcleo local da cadeia produtiva tendem a ser cada vez menos signifi-
cativos. Como já foi referido, a estratégia dos grandes grupos é definida em
escala mundial e, por isso, possui uma grande autonomia vis-à-vis à economia
local.
Em suma, a atual fase de financeirização globalizada, estudada aqui atra-
vés do papel da grande empresa na nova configuração das cadeias produtivas,
enseja inúmeros questionamentos, que podem inspirar outras pesquisas. O pro-
cedimento analítico proposto sugere que seria interessante efetuar estudos com-
parados sobre cadeias produtivas localizadas, em contraponto às cadeias
globalizadas, no que respeita à difusão de inovações, aos efeitos produtivos a
montante e a jusante e às repercussões na gestão da produção e do trabalho.
Ademais, há necessidade de estudos que avaliem a capacidade do sistema
nacional de inovação de garantir acesso às inovações para as empresas que
não pertencem a grandes grupos internacionais. Não é de menor importância
investigar o alcance dos benefícios aportados ao meio socioeconômico local
pela atuação de cadeias produtivas globais, sobretudo em regiões que estão em
busca de desenvolvimento. De igual relevância são as repercussões da
reestruturação produtiva no âmbito das relações entre capital e trabalho, tendo
em vista que a emergência de novos paradigmas técnicos e organizacionais

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36 Áurea Corrêa de Miranda Breitbach; Clarisse Chiappini Castilhos; Maria Isabel Herz da Jornada

atinge os agentes sociais desses processos (trabalhadores, sindicatos, gerên-


cias e Estado) e a sua forma de relacionamento. A transnacionalização das
cadeias produtivas coloca novos desafios para o mundo do trabalho, tanto no
plano da organização do processo de produção quanto na instância do mercado
de trabalho, alterando o nível e a qualidade do emprego.
As reflexões efetuadas neste artigo não induzem a conclusões muito
otimistas. Pelo lado das livres forças de mercado, é bastante provável que a
internacionalização das cadeias produtivas leve a um enfraquecimento do teci-
do produtivo local, colocando em risco a própria perspectiva de desenvolvimen-
to local de base endógena. Pelo lado das políticas públicas, o que se tem obser-
vado é a simples concessão de benefícios fiscais visando à atração de IDE,
sem o acompanhamento de medidas complementares, o que pode comprome-
ter a densificação de tecidos industriais locais, levando de arrasto as interligações
que essa rede propicia. A redução da capacidade de intervenção do Estado
deixa uma margem muito pequena de manobra para a implementação de medi-
das que combinem desenvolvimento local com globalização.
É sobre esse equilíbrio delicado que podem ser construídas políticas públi-
cas. Uma delas se refere à vinculação dos benefícios concedidos às grandes
empresas com o compromisso da utilização da rede local de fornecedores e de
ensino, pesquisa e desenvolvimento. Igualmente importante, por parte do setor
público, é o apoio aos pontos frágeis na competitividade de alguns aglomerados
locais, mediante a criação de mecanismos alternativos de distribuição e
comercialização, de crédito cooperado regional e de melhoria na área de design,
dentre outras. Finalmente, cabe considerar que essas saídas só serão
viabilizadas através do reforço da governança local, com uma representação
equilibrada de todos os atores envolvidos.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 41

Cooperação interfirmas: a necessidade


da construção de um “paradigma teórico”*
Robson Antonio Grassi** Professor do Departamento de Economia
da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Resumo

Neste artigo, propõe-se uma redefinição do debate sobre cooperação interfirmas.


Para alcançar esse objetivo, tomou-se como ponto de partida a análise da co-
operação como estratégia da firma individual, em vez do conceito de rede de
firmas, conforme é comum em muitos estudos sobre o tema. Considera-se que
dois grupos de questões (eficiência e coordenação) são essenciais para o en-
tendimento da cooperação, necessitando, ambos, de análise detalhada. No arti-
go, conclui-se que somente com a construção de um “paradigma teórico” que
inclua as abordagens da firma das Capacitações Dinâmicas e dos Custos de
Transação, além de elementos da Teoria dos Jogos, tais grupos de questões e
a própria cooperação interfirmas poderão ser plenamente entendidos.

Palavras-chave
Cooperação interfirmas; inovações; coordenação.

Abstract
This paper proposes a redefinition of the debate concerning to the inter-firm
cooperation. In order to reach this objective, instead of to use the concept of
inter-firm network, as common in many studies on the theme, this analysis is
based on the idea that cooperation is a strategy of the individual firm. It is
considered two main issues (efficiency and coordination) for the understanding
of cooperation, both needing detailed analysis. The paper concludes that only

* Artigo recebido em mar. 2006 e aceito para publicação em dez. 2006.


** E-mail: ragrassi@uol.com.br

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


42 Robson Antonio Grassi

with the elaboration of a “theoretical paradigm” that includes the firm’s approaches
of Dynamic Capabilities and of Transaction Costs, besides elements of the Game
Theory, such issues and the interfirm cooperation will be fully understood.

Key words
Interfirm cooperation; inovations; coordination.

Classificação JEL: L14, L20, O30.

1 Introdução
O tema da cooperação entre firmas apresenta uma relevância cada vez
maior para o entendimento do comportamento e do desempenho das empresas
no mundo atual. Inclusive porque, num ambiente de acirramento da concorrência
e da globalização dos mercados, juntar esforços pode ser uma estratégia funda-
mental na busca de competitividade.
Mas não se pode esquecer que, apesar da importância reconhecida, a
análise sobre cooperação é muito fragmentada, e ainda não se chegou a um
consenso mínimo, entre as diversas áreas do conhecimento que a pesquisam1,
a respeito das questões mais relevantes que devem ser investigadas — e como
isso pode ser feito —, o que também é dificultado pela própria complexidade do
assunto (Osborn; Hagedoorn, 1997; DeBresson; Amesse, 1991).
Essa proliferação de opiniões acaba sendo constatada também no caso
específico dos economistas, que, além das diversas vertentes teóricas que
pesquisam sobre cooperação, em muitos casos procuram integrar suas aborda-
gens com as de sociólogos e geógrafos, por exemplo. Como conseqüência,
nota-se, também nessa área do conhecimento, a completa falta de uma unidade
conceitual mínima, que possa nortear o debate em torno do tema. Indícios cla-
ros nesse sentido são a profusão de termos para caracterizá-lo2, o grande núme-

1
Economistas, administradores de empresa, sociólogos, geógrafos, cientistas políticos, etc.
2
Redes de firmas, firmas em rede, distrito industrial, cluster, cadeia produtiva, complexo
industrial, parceria, consórcio, consórcio de P&D, arranjo, aliança estratégica, joint venture,
colaboração, redes de inovação, redes de subcontratação, redes horizontais, redes verti-
cais, franchising, terceirização, etc.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 43

ro de tipologias existentes (Britto (1996), por exemplo, enumera 22 classifica-


ções de redes de firma) e a multiplicidade de explicações para perguntas bási-
cas, como as causas do fenômeno.
Neste artigo, parte-se do princípio de que, para pelo menos se organizar
o já vasto debate sobre o tema na área econômica,3 é de fundamental impor-
tância distinguir cooperação como uma estratégia da firma individual e como
uma rede de firmas que cooperam em busca de vantagens competitivas. Con-
sidera-se que, no primeiro caso, são relevantes questões como a motivação
estratégica da firma e o comportamento (oportunista ou de confiança) que a
mesma adota no decorrer do acordo cooperativo, enquanto, no segundo caso,
é importante entender o modus operandi da rede, ou seja, as características
específicas de cada tipo de cooperação, que, além de variarem bastante entre
os diferentes tipos de rede (tornando o funcionamento de uma aliança estraté-
gica bastante diferente do de um distrito industrial, por exemplo), ainda são
influenciadas pela estrutura de mercado, pelo padrão de concorrência, por
paradigma e trajetória tecnológicos, pelo ambiente institucional, etc. do setor
no qual a rede cooperativa ocorre.
Partindo do princípio de que, além de fundamentais, ambos os pontos de
vista são complementares, este artigo é dedicado à cooperação como estraté-
gia da firma individual. Isto porque, ao mesmo tempo em que, no âmbito das
redes, os estudos teóricos e tipologias já são mais volumosos,4 no caso da
cooperação enquanto estratégia da firma individual ainda há muito por fazer,
inclusive no sentido de se definir como responder a questões teóricas básicas
que surgem nesse tipo de análise.
Considera-se que, na análise da firma que coopera, dois grupos de ques-
tões devem ser abordados: eficiência e coordenação. No caso da primeira,
parte-se do princípio de que, se uma empresa busca cooperar para ser compe-
titiva, é porque essa estratégia se revela (pelo menos a princípio) mais efici-
ente do que realizar as atividades internamente ou via mercados.5 No caso da
segunda, considera-se que, num relacionamento cooperativo, que, em muitos

3
O artigo não nega a importância de estudos multidisciplinares, mas restringe-se à área
econômica por um motivo simples: conforme se verá, a ciência econômica ainda está longe
de esgotar suas possibilidades teóricas na explicação da cooperação interfirmas.
4
Britto (1999) faz um apanhado bastante representativo das diversas visões sobre coopera-
ção a partir de um enfoque de rede de firmas, inclusive propondo uma tipologia nessa
direção.
5
Conforme se verá, no que se refere à eficiência, é importante distinguir a economia de custos
de produção e de transação (eficiência estática) da busca e da criação de inovações lato
sensu (eficiência dinâmica).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


44 Robson Antonio Grassi

casos, envolve um longo período de tempo, a estabilidade da relação é impor-


tante, e isso deve ser analisado em termos de coordenação do arranjo (com a
conseqüente necessidade de uma abordagem contratual para o seu entendi-
mento).
O objetivo do artigo é mostrar que, dados esses grupos de questões e as
mudanças quantitativas e qualitativas pelas quais a formação de arranjos co-
operativos vem passando nas últimas décadas (conforme se verá na seção 3),
a cooperação interfirmas como uma estratégia da firma individual passa a ser
um assunto que somente é explicado, em todas as suas dimensões, a partir
de uma integração entre visões teóricas diferentes, necessitando, para
se atingir esse objetivo, da construção de um “paradigma teórico” a par-
tir da firma individual (Britto, 1999, cap. 2).6 Nesse sentido, considera-se
que as visões da firma a partir das Capacitações Dinâmicas e dos Custos de
Transação7, com algumas qualificações teóricas e metodológicas, devem ser
os pilares básicos desse paradigma teórico, permitindo o entendimento das ques-
tões mais importantes (relativas à eficiência e à coordenação) sobre cooperação
interfirmas.
Buscando cumprir esse objetivo, o texto divide-se da seguinte forma: na
seção 2, são apresentadas uma breve delimitação do tema — dado o seu grande
número de definições — e as principais questões teóricas sobre cooperação
interfirmas. Depois, na seção 3, discutem-se aspectos importantes sobre a
eficiência de acordos cooperativos, a partir dos motivos que levam as firmas a
cooperarem, ressaltando as mudanças qualitativas e quantitativas pelas quais o
fenômeno vem passando nas últimas décadas. Na seção 4, por sua vez, comen-
ta-se a questão da coordenação dos arranjos cooperativos, notadamente seus
aspectos contratuais. Na quinta e última seção, resumem-se as principais
idéias do texto e apresentam-se as conclusões.

2 Conceitos de cooperação interfirmas e


questões teóricas relevantes
No enfoque tradicional da teoria econômica, o mercado sempre ocupou
um papel central na análise dos mecanismos de coordenação das atividades
econômicas. Foi somente a partir do trabalho clássico de Coase (1937) que a

6
Na verdade, na explicação da cooperação enquanto rede de firmas, uma perspectiva que
integre várias visões teóricas também é útil, conforme proposto por Britto (1999, cap. 2).
7
Nesse caso, com o importante aporte de elementos da Teoria dos Jogos, conforme se verá
adiante.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 45

firma individual passou também a receber atenção dos teóricos como instância
alternativa de coordenação, oposta ao mercado. Surgiria aí a dicotomia firma-
-mercado, utilizada freqüentemente para a identificação e o estudo de proble-
mas de alocação de recursos pelos economistas.
Porém formas organizacionais diferentes de firmas e mercados, sempre
presentes nas economias capitalistas, continuaram sem merecer o devido re-
conhecimento por parte dos estudiosos. A dicotomia firma-mercado só viria a
ser superada, com a análise de outras formas de coordenação entre esses dois
pólos, a partir do texto clássico de Richardson (1972), que notou o crescente
envolvimento de firmas em acordos fora do mercado com outras firmas e ins-
tituições.
Somente nas últimas décadas, passaram a ter tratamento teórico siste-
mático formas de cooperação que, em alguns casos, já existiam há séculos,
dado que a cooperação, provavelmente, surgiu juntamente com a própria atividade
manufatureira. A literatura sobre história da indústria descreve com detalhes, por
exemplo, a importância dos sistemas de putting out ainda nos primeiros está-
gios dessa atividade econômica. Mesmo a cooperação em seu sentido “maléfi-
co” (cartéis, acordos de liderança de preços, etc.) já era analisada por Smith
(1983). Mais tarde, no século XIX, Marshall (1982) descreveria com detalhes os
“distritos industriais”, apontando o papel vital das externalidades nesses ar-
ranjos cooperativos. Na primeira metade do século XX, portanto, muito antes de
o tema receber a atenção que vem merecendo a partir dos anos 80, registravam-
-se acordos formais de colaboração em P&D entre firmas. Sabe-
-se, por exemplo, de muitos casos de programas de pesquisa colaborativa e
redes durante a Segunda Guerra Mundial, alguns deles liderados por governos
(Freeman, 1991, p. 500-501).
Assim, devido à sua ampla utilização ao longo dos anos e com sentidos os
mais variados possíveis, uma tentativa de delimitação do conceito de coope-
ração interfirmas é necessária, antes de se apresentarem as principais ques-
tões teóricas sobre o tema. Uma primeira distinção importante é entre os termos
“cooperação” e “rede de firmas”. Cooperação é o termo mais utilizado neste
trabalho, por estar diretamente relacionado com o processo decisório das em-
presas, ou seja, sendo visto como uma estratégia empresarial em busca de
competitividade. O termo rede de firmas, por sua vez, tem significação mais
ampla.8 Pode-se referir, por exemplo, a “externalidades em rede”9, que obvia-

8
Uma apresentação dos vários significados desse conceito pode ser encontrada em Britto
(1999, cap. 1).
9
Em muitos casos, o conceito genérico de rede é associado a externalidades geradas pelo
consumo de bens ou fatores por um maior número de agentes. Essas externalidades refe-

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46 Robson Antonio Grassi

mente fogem do âmbito mais restrito das decisões internas às empresas e,


portanto, do escopo deste trabalho.10
Deve ficar claro desde já que o fato de se privilegiar a cooperação enquanto
estratégia da firma individual não significa desprezar a cooperação enquanto
rede. Pelo contrário, consideram-se ambas as dimensões da cooperação como
tendo a mesma importância, sendo a dimensão rede uma “continuação” da
dimensão estratégia. É nesse sentido que a firma individual pode ser conside-
rada um interessante ponto de partida da análise. E é com essa orientação
que, neste trabalho, se está mais interessado na ótica do agente individual.
Porém, antes de se passar ao estudo da estratégia cooperar, algumas
questões importantes sobre redes precisam ser comentadas. É importante,
por exemplo, entender o modus operandi de uma rede cooperativa, ou seja, as
características específicas de cada tipo de cooperação, que, além de variarem
bastante, tornando o funcionamento de uma aliança estratégica bastante dife-
rente do de um distrito industrial, por exemplo, ainda são influenciadas pela
estrutura de mercado, pelo padrão de concorrência, por paradigma e trajetória
tecnológicos, pelo ambiente institucional, etc. do setor no qual a cooperação
ocorre.
Assim, quando se fala de redes de firma neste trabalho, faz-se referên-
cia, basicamente, a três das mais importantes formas de interpenetração de
mercados e hierarquias existentes atualmente, que são caracterizadas, dentre
outros fatores, pelo seu potencial inovativo (Grabher, 1993):
- alianças estratégicas - apesar de existirem há bastante tempo, suas
importância e substância parecem ter aumentado consideravelmente
durante os anos 80, quando a experimentação com vários tipos de alian-
ças estratégicas — tais como joint ventures, investimentos eqüitativos,
pactos de pesquisa e acordos de licenciamento — cresceu de forma sem
precedentes. Tipicamente, as alianças estratégicas envolvem dois tipos
de organizações. Em um caso, grandes companhias juntam-se, parti-

rem-se a situações nas quais as escolhas individuais de determinados agentes são afeta-
das pelo conjunto das escolhas dos demais agentes relativas àquele bem ou fator (Katz;
Shapiro, 1994; Britto, 1999, cap. 2).
10
Outro ponto a ser ressaltado é que, neste artigo, se tratará da cooperação interfirmas
considerada “benéfica”, deixando de lado as práticas cooperativas consideradas, em mui-
tos casos, anticompetitivas, como a formação de cartéis, acordos de liderança de preços,
fusões, etc. E, dentro da cooperação “benéfica”, não serão tratados aqui, por razões de
simplificação, acordos de cooperação entre empresas e órgãos governamentais (e univer-
sidades) — restringindo-se este trabalho ao estudo da cooperação apenas entre firmas pró-
-lucro — e também a cooperação intrafirmas, embora não se esteja negando a importância
de tais temas.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 47

cularmente em joint ventures internacionais. São os casos dos acordos


cooperativos entre as maiores montadoras de automóveis mundiais, por
exemplo. Em outro tipo, as alianças estratégicas visam aos benefícios
das “complementaridades dinâmicas” de grandes e pequenas firmas. Esse
padrão é de particular relevância na indústria de biotecnologia. Por fim, é
importante notar que as alianças estratégicas são freqüentemente carac-
terizadas como altamente instáveis, principalmente as internacionais.
Alguns estudos chegam a considerar estimativas de taxas de mortalida-
de alcançando até 70% (Parkhe, 1993, p. 794; Inkpen; Beamish, 1997).
Porém deve-se considerar que, algumas vezes, o término da relação é
planejado e antecipado pelas partes envolvidas, o que pode contribuir
para reduzir tal percentual;
- redes de fornecedores - nos dias atuais, a integração vertical de larga
escala apresenta, em muitos casos, sérias fraquezas, tais como, inabi-
lidade de responder rapidamente a mudanças competitivas em merca-
dos internacionais, resistência a inovações de processo que alterem a
relação entre diferentes estágios dos processos de produção e relativa
falta de incentivos para a introdução de novos produtos. Tais deficiên-
cias levam as firmas a reduzirem a participação da produção interna e a
apelarem crescentemente para fornecedores externos, produzindo so-
mente uma pequena parte dos componentes dos seus produtos interna-
mente, enquanto grande parte é fornecida por uma densa rede de
subcontratação, com isso incrementando tanto suas economias internas
de escala e escopo como as externas (por meio de processos como o
Just-in-Time). As corporações japonesas (como em suas indústrias au-
tomobilística e eletrônica) são consideradas as precursoras dessa estra-
tégia, que marca uma certa renúncia à integração vertical;
- distritos industriais - demandas crescentes por flexibilidade, que são
causadas pela instabilidade contínua de mercados e por uma acelerada
velocidade da mudança tecnológica, levaram, nas últimas décadas, a
uma reafirmação do local como a fundação para aparatos eficientes e
efetivos de produção. O primeiro caso conspícuo, que foi tratado quase
como prova da tese de um certo renascimento das economias regionais,
foi a Terceira Itália, consistindo em redes regionais de pequenas
firmas nas províncias da Emilia-Romagna, Toscana e Vêneto, dentre
outras. Segundo Grabher (1993, p. 21), a exposição de Marshall (1982)
sobre esses arranjos, de certa forma, já explicava a dinâmica contem-
porânea de áreas na Terceira Itália, nas quais cada rede de pequenas
firmas se especializa na produção de um bem particular, objetivando a
venda para consumidores qualificados. As afinidades parecem ser tão

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48 Robson Antonio Grassi

próximas que o termo “distritos industriais marshallianos” tem sido usado


para capturar a essência dessas localidades na Itália. Outras regiões ao
redor do mundo, como o Vale do Silício, também exemplificam essa reto-
mada, embora se deva ressaltar que existem semelhanças e diferenças
entre os vários exemplos de distritos industriais (Markusen, 1995).
Por fim, é importante lembrar que esses três tipos de cooperação estão
entre os mais complexos existentes, tanto pela sua potencial inovatividade como
também pela dificuldade de se implementarem contratos nos mesmos, devido,
por exemplo, à alta incerteza que caracteriza um arranjo no qual, em muitos
casos, a inovação tecnológica é essencial. Por isso, considera-se que essa
delimitação do tema permite uma visão o mais geral possível da cooperação
interfirmas, pois pode explicar também formas menos complexas de coopera-
ção, como o franchising e a terceirização pura e simples (esse ponto será reto-
mado na conclusão do artigo).
Passando à cooperação enquanto estratégia da firma individual, conside-
ra-se, neste artigo, que, para a sua explicação, é necessário separar as ques-
tões referentes a esse tema em dois tipos, mesmo correndo-se o risco da sim-
plificação excessiva: as relativas à eficiência e as relativas aos mecanismos de
coordenação.11 Pode-se passar a um breve detalhamento desses dois grupos
de questões.
Em primeiro lugar, quanto à eficiência, considera-se que uma construção
teórica que leve em conta tipos de redes como os mencionados acima deve
partir do princípio de que as firmas cooperam em busca de inovações lato sensu
(no sentido schumpeteriano do termo, incluindo não somente a inovação
tecnológica, mas também a inovação organizacional, etc.), o que caracteriza a
eficiência como sendo dinâmica. Mas, por outro lado, questões relativas à
economia de custos de produção (por exemplo, economias de escala e de esco-
po) e de custos de transação não devem ser deixadas de lado, pois a eficiência
estática também é importante. Sua importância aumenta, se se levar em conta
que nem sempre um arranjo cooperativo tem objetivos inovativos, e, quando os
possui, em muitos casos, o seu potencial inovativo pode não se realizar plena-
mente. Nesses casos, a competitividade do arranjo acaba sendo decidida por
critérios estáticos de eficiência.

11
De certa forma, aqui se está tomando por base o trabalho de Jarillo (1988), que, partindo do
princípio de que “redes estratégicas” permitem a firmas que as integram ganhar ou susten-
tar vantagem competitiva frente a seus competidores fora da rede, divide as questões
principais sobre cooperação nesses dois grupos, embora com nomes e definições dife-
rentes.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 49

Em segundo lugar, os aspectos relativos à coordenação devem ter como


ponto de partida de análise o fato de que normalmente a cooperação é um jogo
de soma positiva, ao contrário da concorrência, normalmente visualizada como
um jogo de soma zero (Jarillo, 1988). Por isso, a questão da estabilidade do
relacionamento passa a ser crucial, já que a própria durabilidade de um arran-
jo está ligada ao fato de cada um dos integrantes considerar que obtém no
mesmo maiores ganhos do que obteria em outras formas de governança (mer-
cado ou hierarquia). Ou seja, a distribuição da quase-renda gerada tem que
ser satisfatória para todos os integrantes do arranjo.
Isso significa que a análise dos dispositivos de coordenação entre agen-
tes econômicos deve ser feita a partir da noção de contrato. Considera-se que
os agentes usam contratos para superar problemas de alocação de recursos e
os referentes ao processo de criação dos mesmos (problemas como os oriundos
da repartição da quase-renda gerada; das assimetrias de poder, tamanho, in-
formação e de capacitação; dos incentivos e monitoração dos parceiros; etc.),
causados por fatores como a incerteza e a racionalidade limitada presentes nas
economias capitalistas. Levando-se em consideração contratos implícitos ou
explícitos entre as partes, uma teoria dos contratos permite o entendimento
de como os parceiros agem para resguardar seus interesses numa relação de
cooperação e de como isso se reflete na magnitude dos custos de transação e
da própria eficiência da relação cooperativa.
Definidos esses dois grupos de questões, resta ressaltar que levá-los em
conta no estudo da cooperação, além de significar uma abordagem ampla da
eficiência capitalista (dinâmica e estática), implica uma análise a partir de duas
teorias da firma, a das Capacitações Dinâmicas e a dos Custos de Transação. A
idéia é que essas teorias, ao explicarem a atuação das firmas nos mercados,
podem explicar também como elas se comportam quanto à estratégia de co-
operar. Nas duas seções seguintes, será mostrado como essas visões da firma
explicam as questões da eficiência e da coordenação contratual em arranjos
cooperativos.

3 Por que as firmas cooperam?


Como já mencionado, acordos de cooperação entre firmas existem há
séculos. Mas, se, até os anos 80, ao se falar em cooperação, acordos como os
cartéis eram os mais citados, hoje, com o quadro de globalização e de mudan-
ça radical de paradigma tecnológico, a cooperação apresenta-se mais pelo seu
caráter “benévolo” de acordos visando à inovação (o que não quer dizer que
práticas colusivas tenham sido abandonadas), sendo um fenômeno muito co-
mum em setores de grande dinamismo tecnológico.

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50 Robson Antonio Grassi

É importante, então, detalhar o que surgiu de novo sobre o tema, nos anos
80 e 90, que fez com que o mesmo despertasse o enorme interesse acadêmico
que chega aos dias atuais. Mais que isso, é importante responder o que mudou
na motivação que leva as firmas a cooperarem. Freeman (1991) ressalta mu-
danças quantitativas e qualitativas. Segundo esse autor, ao mesmo tempo em
que se assistiu, nas duas últimas décadas, a um grande incremento no número
de acordos cooperativos, tanto formais como informais, incluindo alguns tipos
novos de redes, notaram-se também transformações importantes em tipos de
cooperação já existentes.
Em termos quantitativos, vários estudos confirmam um crescimento ex-
tremamente rápido do número de acordos de cooperação em P&D, tanto inter-
nacionais como nacionais e regionais, especialmente em novas tecnologias
genéricas (biotecnologia, novos materiais e tecnologia de informação), a partir
dos anos 80 (Hagedoorn; Schakenraad, 1990; Freeman, 1991).
Quanto às mudanças qualitativas, nas redes de subcontratação, por exem-
plo, tais mudanças são mais importantes ainda que o incremento quantitativo
verificado. O caso mais claro é, sem dúvida, o do Japão. Muita atenção tem sido
prestada às indústrias automobilística e eletrônica japonesas, que apresenta-
ram crescimento muito rápido nas últimas décadas. Nas novas relações de
subcontratação, a especialização (ligada à crescente competência técnica dos
fornecedores) tem sido a principal razão do uso desse tipo de rede por parte das
grandes empresas. Custo e escala de estoques são considerados fatores mais
triviais para se explicar tais transformações (Freeman, 1991, p. 504-505).
Assim, em muitos setores, as firmas teriam sido simplesmente incapazes
de competir, se não estivessem propensas a fazer parte de uma variedade de
formas de cooperação tecnológica. Para Freeman (1991), tomando esse fato
juntamente com a evidência quantitativa sistematizada por Hagedoorn e
Schakenraad (1990), é bastante claro que a principal fonte de mudança susten-
tando os novos desenvolvimentos em rede para a inovação reside nos rápidos
desenvolvimento e difusão das novas tecnologias genéricas, principalmente a
tecnologia de informação (Freeman, 1991, p. 508).
O desejo de copiar as características japonesas em tecnologia tem sido
outro fator importante na aceleração internacional das redes de inovação, nos
anos 80, e na mudança qualitativa nas redes de fornecedores das indústrias.
Nesse sentido, alguns autores chegam a descrever a economia japonesa como
“nada mais que uma rede de inovadores” (Freeman, 1991, p. 509).
Porém, para Freeman (1991), seria errado interpretar os novos desenvol-
vimentos em redes como, principalmente, um fenômeno japonês ou, exclusi-
vamente, um fenômeno associado com a tecnologia da informação. A evidên-
cia empírica é perfeitamente clara no sentido de que desenvolvimentos simila-

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 51

res afetam todos os países industriais líderes — principalmente os da “tríade”


Comunidade Européia-Japão-EUA, conforme Hagedoorn e Schakenraad
(1990) — e de que o processo de globalização dos mercados é um importante
aspecto do crescimento dos novos tipos de rede. Além disso, mesmo a tecnologia
de informação sendo o motivo principal de muitos dos novos acordos e redes,
um processo similar afeta outras tecnologias genéricas, que estão se desen-
volvendo rapidamente, como a tecnologia de materiais e a biotecnologia.
Dadas essas mudanças qualitativas e quantitativas verificadas nas últi-
mas décadas, várias razões têm sido enumeradas para explicar o que leva as
firmas a participarem de alianças e redes. Dentre as muitas classificações que
tentam sistematizá-las, podem-se destacar as de Dodgson (1993) e Hagedoorn
(1993), que nortearão a análise a seguir. Podem-se agrupar os motivos para a
cooperação em dois grandes grupos: os relativos aos objetivos das empresas no
que se refere ao processo inovativo em si e os relativos aos objetivos gerais
das corporações no que se refere à busca de espaços nos mercados (embora
reconhecendo que exista uma interpenetração entre ambos os grupos).
Sob a perspectiva da inovação, são importantes:
- a efetiva interação entre as firmas - parcerias com fornecedores podem
proporcionar acesso privilegiado aos componentes do produto fabrica-
do. Fortes elos com importantes clientes facilitam o efetivo feedback
sobre requerimentos do mercado e a performance do produto. Tudo isso
facilita o sucesso da inovação;
- novas tecnologias são extremamente caras de se desenvolver - a cola-
boração pode ajudar a dividir esses altos custos, evitando, por exem-
plo, a duplicação de esforços de P&D;
- a própria incerteza decorrente dos altos custos e a complexidade de
muitos dos novos desenvolvimentos tecnológicos podem ser reduzidas
por meio da cooperação;
- muitas tecnologias são sistêmicas por natureza, e, mesmo quando fir-
mas individuais possuem competências em algumas partes do sistema
produtivo do qual fazem parte, elas podem precisar de insumos de ou-
tras firmas;
- a “pervasividade” da tecnologia de informação, que virtualmente afeta
todas as atividades industriais, e, além disso, o grau de interação que
ela promove nas atividades e nos métodos das firmas facilitam a coope-
ração.
Sob a perspectiva corporativa, cabe destacar:
- as firmas têm dificuldade de gerenciar competências ou conhecimento
tecnológico em novas áreas. Acordos de cooperação são importantes
nesse sentido;

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52 Robson Antonio Grassi

- a colaboração é uma ferramenta estratégica, que pode ser usada para


bloquear a competição — inclusive por aumento de recursos dedicados
a projetos que visem deter outras firmas concorrentes —, ou para estrei-
tar laços com um parceiro com habilidades específicas, evitando que
competidores ganhem acesso a ele. Pode ser usada também para a cria-
ção de padrões comuns (como na área de multimídia), com o objetivo de
excluir os concorrentes;
- antes da fusão de empresas, pode ser um passo importante saber o
mais possível sobre a outra parte. A cooperação permite um grande co-
nhecimento sobre a estrutura da outra empresa antes da fusão. Firmas
que têm experiências frustradas com fusões também podem apelar pura
e simplesmente para a cooperação;
- pequenas firmas são consideradas como tendo vantagens sobre grandes
firmas em sua habilidade para responder, rapidamente e de forma flexí-
vel, a mudanças em algumas tecnologias e mercados. Grandes firmas
possuem vantagens sobre as pequenas em termos de maiores recursos e
competências em marketing e distribuição. A cooperação pode combinar
essas vantagens de cada tipo de firma;
- acordos de cooperação podem ser mais vantajosos que os tradicionais
métodos de compra e venda de tecnologia por meio de licenciamento e
investimento direto estrangeiro. Fatores como limitações contratuais e
altos custos de transação complicam essas alternativas;
- a cooperação é considerada importante para o incremento da
competitividade, apesar de as atividades internas de P&D serem ainda
consideradas a base para a acumulação tecnológica das firmas. Atividades
colaborativas são vistas como um suplemento extremamente útil nesse
sentido;
- considera-se que os mercados tendem a ser crescentemente globais, e a
colaboração é um mecanismo pelo qual firmas de um bloco de comércio
podem ganhar acesso a tecnologias e mercados em outros. A colabora-
ção tecnológica, em alguns casos, pode representar um mecanismo pelo
qual barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio e ao investimento
tecnológico internacional podem ser superadas. A própria incerteza ge-
rada pelos desafios da globalização sugere que não se atue sozinho.
É importante notar que fatores como compartilhamento e minimização de
custos não aparecem nessa classificação com a importância que pesquisas
anteriores destacavam em acordos de cooperação. Hagedoorn e Schakenraad
(1990) consideram que tais fatores parecem desempenhar um papel relativa-
mente pequeno em comparação com objetivos estratégicos de longo prazo
relacionados à criação de novas tecnologias e mercados.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 53

Do exposto até aqui, pode-se concluir que, nas últimas décadas, ocorre-
ram significativas mudanças quantitativas e qualitativas nos acordos de coope-
ração interfirmas, que exigem uma redefinição na análise das razões que levam
uma firma a cooperar. Se critérios de eficiência estática (economia de custos)
continuam tendo sua importância, é verdade que, em muitos casos, a busca
pela eficiência dinâmica é o fator preponderante na elaboração de acordos de
cooperação no mundo atual. Com isso, uma análise que leve em conta, por
exemplo, a cooperação tecnológica e o compartilhamento de aprendizado e
capacitações em busca da inovação, comuns em redes como alianças estraté-
gicas, distritos industriais e redes de fornecedores, tem que ser considerada
na explicação desse fenômeno.
Assim, dentre as diversas visões da firma existentes, a única que apre-
senta elementos teóricos para explicar esse tipo de cooperação, apresentando
um já razoável esforço de análise nessa direção, ao levar em conta a crescente
exigência de requisitos de capacitação e aprendizado para um agente integrar
qualquer rede cooperativa, é a abordagem das Capacitações Dinâmicas12.
Esses autores consideram (Teece; Pisano, 1994) que os vencedores nos
mercados globais têm sido firmas que apresentam inovações, juntamente com
a capacitação de gerenciamento para efetivamente coordenar e transferir com-
petências internas e externas, notando que só recentemente os pesquisadores
passaram a levar em conta o desenvolvimento de capacitações específicas à
firma e a maneira pela qual as competências são renovadas para responder a
mudanças no ambiente de negócios. Para essa nova visão da firma, a vanta-
gem competitiva reside nas capacitações dinâmicas enraizadas em rotinas de
alta performance operando dentro da firma, inseridas nos seus processos e
condicionadas por sua história.13
Com isso, construir uma visão da firma a partir das Capacitações Dinâmi-
cas requer identificar os fundamentos sobre os quais vantagens distintivas e
difíceis de copiar podem ser construídas. O ponto-chave é que as propriedades
da organização interna não podem ser copiadas por um portfólio de unidades de
negócio articuladas por meio de contratos formais, da mesma forma que os

12
A abordagem das Capacitações Dinâmicas da firma também é chamada, em certos contex-
tos, de “neo-schumpeteriana” ou “evolucionária”.
13
Segundo esses autores, essa fonte de vantagem competitiva, as Capacitações Dinâmicas,
enfatiza dois aspectos principais: em primeiro lugar, ela se refere ao caráter mutante do
ambiente (por isso, dinâmicas); em segundo, ela enfatiza o papel-chave do gerenciamento
estratégico em adaptar, integrar e reconfigurar, de forma apropriada, habilidades
organizacionais internas e externas, recursos e competências funcionais para ambientes
com mudanças (resumido na idéia de capacitações).

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54 Robson Antonio Grassi

elementos distintivos da organização interna simplesmente não podem ser co-


piados no mercado. Copiar leva tempo, e a cópia das melhores práticas pode ser
ilusória (Teece; Pisano, 1994, p. 540).
Considera-se que uma competência/capacitação difícil de copiar ou difí-
cil de imitar pode ser considerada uma competência distintiva. Então, compe-
tências e capacitações são ativos especiais, porque precisam ser construídos,
já que não podem ser comprados. Assim, as Capacitações Dinâmicas são o
subconjunto das competências/capacitações que permitem à firma criar novos
produtos e processos e responder a circunstâncias de mercados em mudança.14
Para essa abordagem da firma, a cooperação interfirmas é vista como uma
estratégia que visa à aglutinação e ao desenvolvimento de capacitações/com-
petências complementares, permitindo maiores oportunidades de apren-
dizado conjunto e reforçando mutuamente a competitividade dos integrantes
do arranjo cooperativo. Essa idéia vem desde o trabalho pioneiro de Richardson
(1972), que, influenciado por Penrose (1959), já ressaltava a importância das
capacitações em acordos cooperativos.
Nos últimos anos, vários desenvolvimentos teóricos vêm sendo feitos nessa
direção.15 Uma questão importante tratada por essa corrente é a do aprendizado,
que, em muitos casos, acaba sendo o tema central ao qual a cooperação deve
se referir, principalmente para aqueles autores que centram sua análise na questão
do “aprendizado interativo”. É o caso de Lundvall (1988; 1993), para o qual o
aprendizado é predominantemente um processo interativo e socialmente inseri-
do, que não pode ser entendido sem se levar em consideração seu contexto
institucional e cultural.
Esse autor ressalta, com detalhes, o processo de troca entre usuários e
produtores de informação qualitativa. A informação trocada envolve uma mu-
dança na base de conhecimento de ambas as partes, e, mais corretamente,
pode-se caracterizar tal mudança como um processo de aprendizado interativo
que incrementa a capacitação inovativa do produtor e a competência do usuário,
caracterizando uma certa “cooperação direta” durante o processo de inovação.
Teece e Pisano (1994) também enfatizam a importância do aprendizado,
mostrando que o conceito de Capacitações Dinâmicas como um processo

14
Os principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das Capacitações Dinâmicas não
serão apresentados aqui. Para maiores detalhes, ver Teece e Pisano (1994) e Baptista
(1997).
15
Podem ser incluídos aqui os estudos de Freeman (1991), Lundvall (1988, 1993), Foray
(1991), DeBresson e Amesse (1991), Saxenian (1991), Grabher (1993), Teece e Pisano
(1994), Teece (1986, 1988, 1992), Pisano (1990), Jorde e Teece (1992), Hobday (1994) e
os autores da teoria da “coerência corporativa” (Dosi; Teece; Winter, 1992).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 55

coordenativo de gerenciamento abre a porta para o potencial do aprendizado


interorganizacional. Assim, colaborações e parcerias podem ser veículos
para novo aprendizado organizacional, ajudando as firmas a reconhecerem roti-
nas disfuncionais e prevenindo a “cegueira estratégica” (Teece; Pisano, 1994,
p. 544-545).
Além da questão do aprendizado, Teece e outros autores próximos desta-
cam também a importância dos regimes de apropriabilidade e dos ativos com-
plementares, relacionados com os possíveis ganhos da inovação que uma
atividade cooperativa pode gerar. A idéia básica aqui é que a inovação, para ter
seu potencial de ganhos realizado, precisa de outros ativos ou capacitações,
denominados ativos complementares.16
O acesso a ativos complementares é crítico, se o inovador está interessa-
do em evitar que a parte mais considerável dos lucros seja apropriada por imita-
dores e/ou por possuidores dos ativos complementares, que são especializados
ou co-especializados para a inovação (Teece, 1986, p. 292). Assim, uma vanta-
gem competitiva da firma em pesquisa não necessariamente coincide com
uma vantagem em ativos complementares relevantes, e a performance “de
especialista” dos parceiros contratuais do inovador em certas atividades-cha-
ve complementares para atividades facilmente imitáveis é freqüentemente
essencial, se o inovador deseja capturar uma considerável porção dos lucros
que a inovação gera (Jorde; Teece, 1992, p. 53; Teece, 1986).
Portanto, pode-se concluir que a abordagem das Capacitações Dinâmicas
da firma explica a cooperação interfirmas da seguinte forma: parte-se de agen-
tes que cooperam procurando obter capacitações e competências por meio de
complexos processos de aprendizado, com o objetivo final de inovar naquela
indústria particular e, por meio da obtenção (ou ampliação) de vantagens com-
petitivas, transformar a estrutura de mercado a seu favor. Também é impor-
tante ressaltar que, para uma maior chance de apropriação dos frutos da ino-
vação, é necessário o investimento em ativos complementares. Isso tudo é
representado na Figura 1.

16
Para mais detalhes e exemplos sobre ativos complementares, ver o artigo clássico de Teece
(1986) sobre o tema.

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56
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007

Figura 1
Capacitações, cooperação e vantagens competitivas

Capacitações/
Vantagem
↑ APRENDIZADO /Competências ↑ INOVAÇÕES
e Ativos Competitiva
Complementares

Robson Antonio Grassi


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 57

4 A coordenação de arranjos cooperativos


Dentre as abordagens da firma que possuem características contratuais,
podem-se destacar duas: a dos Custos de Transação e a do Agente Principal
(Brousseau, 1993). Considera-se, neste artigo, que a teoria dos Custos de
Transação, na visão de Williamson (1985), é a mais indicada como uma base
para o entendimento da coordenação de arranjos cooperativos, pois, ao contrá-
rio de abordagens mais ortodoxas dos contratos, nela, os agentes podem optar
por “resolver as coisas” privadamente (Williamson, 1985; Dyer, 1997). Ou seja,
nessa visão, os condicionantes ex-post dos contratos ganham mais importân-
cia, o que é fundamental para o entendimento de várias questões sobre coope-
ração (por exemplo, como o comprometimento de ativos específicos pode influ-
enciar os resultados da cooperação) nos mais diferentes tipos de rede, confor-
me se verá a seguir.17
Sobre a abordagem dos Custos de Transação, verifica-se que esse enfoque
da firma tem apresentado, nos últimos anos, um importante esforço para o en-
tendimento de vários aspectos contratuais da cooperação e de seu relaciona-
mento com o processo decisório das empresas que merecem ser destacados.18
Como é notório, a cooperação interfirmas, na visão de Williamson, está relacio-
nada à noção de “formas híbridas”, uma das três “alternativas discretas” (estru-
turas de governança) por ele consideradas em seu texto clássico sobre o as-
sunto (Williamson, 1996). Nesse texto, o autor sugere também que as formas
híbridas são uma estrutura de governança com propriedades distintas de mer-
cados e hierarquias, por serem especializadas em lidar com a dependência
bilateral, mas sem ir tão longe como a integração vertical.
Assim, quando comparada com o mercado, a forma híbrida sacrifica incen-
tivos em favor de uma coordenação superior entre as partes; quando compara-
da com a hierarquia, sacrifica a cooperatividade em favor de maior intensidade
de incentivos. Daí, transações para as quais as requisitadas adaptações a dis-
túrbios não são nem predominantemente autônomas nem bilaterais, mas reque-
rem uma mistura de cada uma dessas formas de governança, são candidatas a

17
Isso, evidentemente, não significa negar a importância da abordagem do agente principal no
entendimento de certos tipos de rede, como, por exemplo, as de subcontratação (Britto,
1999, cap. 2). Apenas deve ser ressaltado que a abordagem dos Custos de Transação se
revela mais completa para o entendimento da coordenação da ampla gama de tipos de
acordos cooperativos existentes.
18
As principais proposições da abordagem dos Custos de Transação já são bastante conhe-
cidas e não serão discutidas aqui. Tais proposições podem ser encontradas, com deta-
lhes, em Williamson (1985, cap. 1-4) ou em Pondé (1993, cap. 1 e 2).

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58 Robson Antonio Grassi

serem organizadas sob o modo híbrido (Williamson, 1996, p. 108). Isso equiva-
leria a um intervalo intermediário de especificidade de ativos, não tão elevado
como no caso da hierarquia e nem tão baixo como no caso dos mercados puros.
No que se refere à coordenação propriamente, as formas híbridas neces-
sariamente envolverão algumas formas de planejamento e de decisões admi-
nistrativas, tanto dentro das firmas como entre as firmas envolvidas (de outro
modo, o mercado seria suficiente). Elas desenvolverão características especí-
ficas para manter relações de longo prazo entre as partes do arranjo, enquanto
garantem uma coordenação eficiente e participações aceitáveis na quase-renda
gerada (Ménard, 1996, p. 157).
Isso pode ser melhor entendido a partir do conceito de “adaptação”, que é
crucial em qualquer forma de governança e, segundo Williamson, “[...] é o pro-
blema econômico central” no estudo das organizações econômicas (Williamson,
1996, p. 101-102; Pondé, 2000, p. 88-89). Tal conceito refere-se à capacidade de
uma forma de governança de lidar com distúrbios que continuamente surgem
entre os agentes que a integram ao longo do tempo.
Williamson (1996) propõe uma distinção entre um tipo A de adaptação
(onde A é para “autônomo”), comum nos mercados e operando por meio de
preços, e um tipo C de adaptação (C significando “cooperação”), comum nas
hierarquias,19 com o fiat como o centro da adaptação. O modo de adaptação das
formas híbridas seria um meio-termo entre o tipo A e o tipo C, operando eficien-
temente tanto na adaptação autônoma como na cooperativa, mas não tão bem
quanto os mercados no primeiro caso ou tão bem quanto as hierarquias no
último (Williamson, 1996; Ménard, 1996, p. 160). De forma mais concreta, esse
tipo de adaptação tem que lidar com questões como as seguintes:
- repartição da quase-renda gerada - a existência de uma quase-renda
pode levar a conflitos no que se refere à sua distribuição entre os partici-
pantes de um arranjo cooperativo. Nesse caso, um comportamento opor-
tunista costuma surgir por causa da indeterminação relacionada à ausên-
cia de um critério objetivo na sua repartição (como seria o caso, num
contexto neoclássico, da produtividade marginal dos fatores, por exem-
plo). É o problema conhecido como hold-up (Brousseau, 1993, p. 24-25);
- assimetrias de informação - as assimetrias informacionais induzem
igualmente a conflitos, porque os indivíduos que não têm possibilidade
de conhecer com precisão o “estado do mundo” inferem a verdade a partir
de observações diferentes, que os conduzem a possuir, cada um, uma

19
É importante ressaltar que “cooperação”, na forma como Williamson utiliza o termo nesse
contexto, se refere somente à adaptação interna às firmas.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 59

concepção diferente da verdade. Assim, por causa do papel limitado do


mecanismo de preço e das incertezas que cercam a apropriação da ren-
da, a divulgação da informação costuma ser essencial para a existência
e a estabilidade das formas híbridas. Porém, por causa da incongruência
de objetivos e/ou das ambigüidades de performance inerentes às formas
híbridas, dentre outros fatores, permanece “misterioso” na literatura perti-
nente como isso pode ser feito (Ménard, 1996, p. 159-160);
- assimetrias de poder/tamanho - da mesma forma que a consolidação
de princípios de reciprocidade não significa a ausência de competição
entre os membros de um acordo de cooperação, a mutualidade que norteia
o processo de adaptação das decisões não implica a consolidação de
relações de simetria. Assim, são comuns assimetrias tanto de tamanho
como de poder. Neste último caso, os agentes que retêm maior “poder”
acabam moldando as relações com outros agentes em função de seus
interesses, e essas “relações de poder” associam-se à consolidação de
uma estrutura interna à rede, na qual é possível identificar um determina-
do grau de centralização das decisões e uma determinada organização
hierárquica dos agentes. Isso tem implicações importantes sobre a ma-
neira como será exercida a arbitragem num determinado arranjo coopera-
tivo;
- assimetrias de capacitação - a capacitação dos agentes é um fator
importante para determinar qual a posição dos mesmos na hierarquia de
uma rede de cooperadores. Zanfei (1994) nota, inclusive, evidências de
que a possibilidade de cooperação é mais alta quando a assimetria entre
a dotação tecnológica das firmas não é “tão alta”. Um bom exemplo aqui
é o caso das redes de subcontratação, onde o grau de capacitação de
qualquer integrante de um arranjo cooperativo é importante no sentido de
determinar se os problemas que porventura venham a surgir no decorrer
da relação serão solucionados por meio de “saída” ou “voz”, nos termos
da análise clássica de Hirschman (Helper, 1993);
- monitoração e incentivos - em muitos tipos de redes, atividades de
monitoração são utilizadas com a justificação econômica dos possíveis
ganhos de produtividade que podem proporcionar. Porém, normalmente,
essa questão é indissociável daquela da punição (Brousseau, 1993, p.
36-37) e, conseqüentemente, da qualidade do relacionamento entre as
partes. Os sistemas de incentivo, por outro lado, são mecanismos que
podem substituir, total ou parcialmente, os mecanismos de monitoração
e repressão, ao estimularem os agentes a respeitarem suas promessas.
Aqui os agentes recebem algum tipo de recompensa por adotarem o melhor
comportamento possível (Brousseau, 1993, p. 41);

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


60 Robson Antonio Grassi

- reputação - alguns autores propõem análises, nas quais é reconhecida a


importância do caráter incentivador do efeito da reputação, no sentido de
se construir uma maior confiança entre os agentes. Segundo Williamson,
os efeitos da reputação incrementados atenuam incentivos para se com-
portar oportunisticamente em negócios interfirmas, desde que os ganhos
imediatos do oportunismo em um regime no qual a reputação conta po-
dem ser comparados com os seus custos futuros. Com isso, a contratação
híbrida será incrementada, em relação à hierarquia, em regimes nos quais
efeitos de reputação interfirmas são mais aperfeiçoados, ceteris paribus
(Williamson, 1996, p. 116).
A pergunta que surge aqui é: como todas essas questões afetam a magni-
tude dos custos de transação de um arranjo cooperativo? Por conseqüência,
como elas podem influenciar a busca de vantagens competitivas por parte de
agentes que escolhem a estratégia “cooperar”? A Figura 2 ilustra essas ques-
tões.

Figura 2
Questões contratuais e custos de transação

COORDENAÇÃO
a) Quase-renda Modo de
b) Assimetrias Custos de Vantagem
c) Incentivos Transação Competitiva
d) Monitoração Adaptação
e) Outras

Sem dúvida, a resposta a essas questões está relacionada ao modo de


adaptação das formas híbridas. Porém autores como Ménard (1996, p. 160-
-161) partem do princípio de que, se muita análise tem sido feita no sentido de
se entender a natureza dos arranjos contratuais nas formas híbridas, pouco tem
sido feito sobre seu específico modo de adaptação. Existem deficiências aqui,
que, segundo o autor, podem ser superadas a partir da colaboração de estudos
empíricos, mas não somente. Novos desenvolvimentos teóricos são necessá-
rios também.20

20
Segundo Ménard (1996), a adaptação em formas híbridas tem muitas explicações (cláusu-
las de compromissos críveis, por exemplo) que ainda necessitam ser integradas dentro de
uma explicação coerente (Ibid.). Esse ponto será retomado a seguir.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 61

É necessário entender como o modo de adaptação de uma forma híbrida


evolui. Porém sabe-se que Williamson possui uma abordagem que precisa ainda
ser aprimorada para permitir o pleno entendimento dos contratos, quando se
considera a passagem do tempo. Assim, uma certa redefinição de sua teoria
dos contratos é necessária, tornando a mesma capaz de levar em conta tam-
bém como evoluem os comportamentos dos agentes no decorrer de uma rela-
ção cooperativa.21
De certa forma, tal redefinição já vem sendo proposta na literatura de
business, por autores como Dyer (1997) e Parkhe (1993). Estudando, respecti-
vamente, redes de subcontratação e alianças estratégicas, esses autores mos-
tram (inclusive com evidências empíricas) como podem ser integrados teorica-
mente os temas relativos a compromissos críveis (notadamente o “comprome-
timento mútuo de ativos específicos”)22 e a comportamentos dos agentes (opor-
tunista e de confiança), considerados de fundamental importância para o en-
tendimento da busca de eficiência e de competitividade por parte de qualquer
arranjo cooperativo.
Em termos teóricos, isso significa que, ao mesmo tempo em que utilizam
elementos da abordagem dos Custos de Transação, esses autores a integram
com a Teoria dos Jogos. No caso desta, o ponto de partida é o “dilema do
prisioneiro” com repetições infinitas. Como é notório, a lógica implacável de tal
dilema e a inerente instabilidade introduzida dentro da relação cooperativa pela
incerteza de cada parceiro avaliando o próximo movimento do outro podem
levar a estratégias deliberadas, que não necessariamente aceitam as circuns-
tâncias como dadas, mas, em vez disso, buscam reformatar a estrutura da
aliança para criar as condições para uma cooperação robusta. É a noção de
“sombra do futuro”. Ver também Axelrod (1984). Com isso, a Teoria dos Jogos
permite visualizar os contratos e a cooperação de forma dinâmica, incluindo os
comportamentos de confiança e oportunista, cuja evolução ao longo do tempo
passa a ser melhor entendida.23

21
Para mais detalhes sobre como a noção de formas híbridas de Williamson pode ser refinada
nesse sentido, ver Grassi (2003).
22
A partir do “modelo de refém” de Williamson (1985).
23
E aqui o próprio Williamson reconhece que a literatura sobre a Teoria dos Jogos avança em
relação à sua exposição sobre o assunto. Citando os trabalhos de Kreps, Williamson
reconhece que esse autor está realmente preocupado com a evolução das relações
comerciais — estas sendo produto do aprendizado, do condicionamento social, da cultura
corporativa, etc. —, e, por isso, os mecanismos intertemporais são a questão-chave
(Williamson, 1996a, p. 265-266). O autor não se diz somente simpático com essa linha de
argumento, mas chama atenção para o fato de que o esquema estático de sua análise
simplifica demasiadamente a questão, no sentido de que toma esses tipos de efeitos
intertemporais como dados (Williamson, 1996a, p. 266).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


62 Robson Antonio Grassi

O resultado dessa integração entre a abordagem dos Custos de Transação


e a Teoria dos Jogos acaba sendo um melhor entendimento de como, respecti-
vamente, compromissos críveis criados a partir do comprometimento de ativos
específicos e alguns tipos de comportamento podem conjuntamente influen-
ciar a magnitude dos Custos de Transação ao longo do tempo em um relaciona-
mento cooperativo e, portanto, a eficiência e as chances de criação de vanta-
gem competitiva do mesmo.
As principais conclusões dos trabalhos de Dyer (1997) e Parkhe (1993)
podem ser resumidas da seguinte forma:24 um nível de confiança maior (ou
menor risco de oportunismo) está correlacionado a um maior comprometimento
de ativos específicos, e ambos (juntos) se constituem em causa de menores
custos de transação e, portanto, de maiores chances de criação de vantagem
competitiva. Obviamente, a relação entre ativos específicos e vantagem com-
petitiva também pode ser direta, dadas as características desse tipo de ativo. A
Figura 3 ilustra essas observações.
Pode-se concluir que contribuições como as da Teoria dos Jogos e do
“modelo de refém” de Williamson avançam em pontos importantes no sentido de
refinar a abordagem dos Custos de Transação, quando a mesma trata da ques-
tão das formas híbridas, permitindo, inclusive, um melhor entendimento da no-
ção de “modo de adaptação”.
Assim, esta análise de elementos teóricos como compromissos críveis e
tipos de comportamento, além de sua importância em si, é interessante, porque
complementa, de forma decisiva, a análise daquele grupo de questões vistas no
início da seção (repartição da quase-renda, assimetrias, monitoração, etc.), quan-
do se procura entender a busca de redução de custos de transação por empre-
sas que cooperam. Em outras palavras, pode-se considerar que, se os integran-
tes de um arranjo cooperativo possuem altos níveis de confiança e de compro-
metimento de ativos específicos, com a resultante queda nos custos de
transação, é porque questões como a repartição da quase-renda gerada, dos
diversos tipos de assimetria, da monitoração, etc. estão encaminhadas de ma-
neira satisfatória na percepção dos agentes, significando uma adaptação com
boa aceitação das partes.
Tal constatação serve também para concluir que já existe uma forma factível
de se analisar como um arranjo cooperativo se comporta no que se refere à
magnitude dos custos de transação, revelando uma maneira interessante de se
avaliar sua eficiência e possibilidades de criação de vantagens competitivas
para os integrantes do mesmo.

24
Maiores detalhes podem ser encontrados nos próprios textos dos autores ou em Grassi
(2004).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico”
Figura 3
Compromissos críveis, comportamentos e custos de transação

Custos
↑ Confiança de
Vantagem
Compromissos Competitiva
ou
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007

Críveis Transação
↓ Oportunismo
(ativos específicos)

63
64 Robson Antonio Grassi

5 Conclusão: uma proposta de redefinição


do debate
Como visto, este artigo parte do princípio de que o tema da cooperação
interfirmas precisa ser melhor entendido, dada sua relevância para a explicação
do comportamento das firmas nos mercados atuais.25 Foi mostrado que um
melhor entendimento desse tema exige, de início, a sua separação em dois
grupos de questões: as relativas à cooperação enquanto uma rede de firmas e
as relativas à cooperação como estratégia da firma individual. Centrando a aná-
lise neste último grupo de questões, viu-se que, para o entendimento da firma
que coopera, é necessária a separação da análise em mais dois grupos de
questões: as referentes à eficiência do arranjo cooperativo e as referentes à sua
coordenação.
Para o entendimento dessas questões, foi proposto que as abordagens
das Capacitações Dinâmicas e dos Custos de Transação (nesse caso, junta-
mente com elementos da Teoria dos Jogos) permitem a elaboração de um
paradigma teórico que inclua as principais questões relativas à cooperação
interfirmas. Baseando-se nessas visões da cooperação, pode-se agora explicá-
-la, com a ajuda da Figura 4 (que é uma combinação das três anteriores com
algumas modificações), da seguinte forma.26

25
Uma breve avaliação dos principais manuais de organização industrial existentes é sufici-
ente para se concluir que os autores ainda precisam avançar bastante, para chegarem a
um entendimento mais aprofundado dos acordos de cooperação. Nos livros de Tirole
(1988, p. 413-414) e de Milgrom e Roberts (1992, p. 575 e seguintes), por exemplo, a
questão das alianças estratégicas aparece de forma apenas superficial.
26
Fatores relacionados com o mercado relevante no qual ocorre o arranjo cooperativo, como
o padrão de concorrência, a estrutura de mercado, o padrão e a trajetória tecnológicos, o
ambiente institucional, etc., não serão tratados aqui apenas por razões de simplificação da
análise, que se concentra na questão da firma individual.

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico”
Figura 4
Questões relevantes sobre cooperação interfirmas

Capacitações/ Eficiência
INOVAÇÕES
↑ APRENDIZADO /Competências
(lato sensu) Dinâmica
e Ativos
Complementares

Vantagem
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007

Competitiva

COORDENAÇÃO
a) Quase-renda Modo de Compromissos ↑ Confiança Custos de
b) Assimetrias Críveis ou
c) Incentivos Transação
(ativos ↓ Oportunismo
d) Monitoração Adaptação específicos)
e) Outras
Eficiência
Estática

Economias de Custos de
Escala e de Produção
Escopo

65
66 Robson Antonio Grassi

Supõe-se que as firmas cooperam porque, procedendo dessa maneira,


aumentam suas chances de obter vantagens competitivas (ou ampliar as exis-
tentes). Para isso, levam em consideração vários fatores, que podem ser agru-
pados em duas categorias:27
- eficiência dinâmica - considera-se que as firmas cooperam em busca,
em última instância, de inovações. A cooperação interfirmas é entendida
como uma estratégia que visa, a partir de complexos processos de apren-
dizado, à aglutinação e ao desenvolvimento de capacitações/competên-
cias complementares, permitindo, juntamente com a presença de ativos
complementares, maiores oportunidades de aprendizado conjunto e re-
forçando mutuamente a capacidade de geração de inovações e de
competitividade dos integrantes de um arranjo cooperativo. Vale ressaltar
que inovação, aqui, é definida no sentido schumpeteriano do termo (lato
sensu). Assim, a própria busca de economia de custos de transação
pode-se tornar uma “inovação organizacional”, transformando-se de efici-
ência estática em eficiência dinâmica. Isso pode ocorrer, por exemplo,
pela própria característica de criação de valor dos ativos específicos, ou
na resolução de problemas relacionados com a coordenação da coopera-
ção;28
- eficiência estática - inclui questões relativas à coordenação dos arranjos
(sob a forma de economia de custos de transação) e à economia de
custos de produção (por exemplo, economias de escala e de escopo).
Parte-se do princípio de que uma teoria dos contratos permite lidar com
agentes que usam contratos (formais ou informais) para superar proble-
mas causados pela presença de racionalidade limitada, oportunismo e
incerteza, comuns nas economias capitalistas. Assim, questões impor-
tantes referentes à coordenação dos agentes, como a repartição da qua-
se-renda gerada, os diversos tipos de assimetrias (de informação,
capacitação, poder, tamanho, etc.), incentivos, monitoração, compor-
tamentos, etc., podem ser tratadas e ter dimensionadas suas implica-
ções em termos da eficiência dos arranjos cooperativos.

27
Conforme pode ser notado na Figura 4, as questões da eficiência e da coordenação foram
reorganizadas, separando-as em eficiências dinâmica e estática, apenas para se visualizar
melhor a cooperação como fonte de vantagem competitiva.
28
Neste último caso, Ménard (1996), em estudo sobre a cadeia produtiva da indústria de
frangos francesa, ilustra como isso pode ocorrer. O autor mostra que a instituição da
“sociedade classificadora”, que visava economizar custos de transação no relacionamen-
to entre os agentes, alterou completamente a estrutura e o desempenho da indústria em
questão.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 67

Como visto, essas questões estão relacionadas com a noção de “modo de


adaptação”. Isso significa uma abordagem mais completa de como os contra-
tos evoluem no tempo, levando a uma análise dinâmica dos mesmos, principal-
mente quanto à forma como são criados e recriados ativos específicos (tal
fato, inclusive, podendo se revelar uma inovação organizacional) e como isso é
negociado entre os parceiros no decorrer da relação de cooperação, com vistas
à criação de vantagens competitivas.
Por último, não pode ser esquecida a importância dos custos de produção,
que é mantida nessa visão “redefinida” da abordagem de Williamson, a partir da
Teoria dos Jogos (Dyer, 1997; Parkhe, 1993) ). Assim, ao escolher a forma de
governança “cooperação” para a realização de suas atividades, a firma sabe que
o tamanho de suas economias de escala e de escopo se alterará,29 em compa-
ração com “fazer internamente” ou por meio dos mercados. Portanto, continua
valendo, no caso desse esquema teórico, a taxa de substituição entre custos de
transação e produção do modelo standard de Williamson (1985).
Do exposto até aqui, conclui-se que uma visão abrangente da cooperação
interfirmas implica uma avaliação da eficiência total de um arranjo cooperativo.
Levar em conta requisitos de eficiência dinâmica (o aprendizado, as capacitações
e competências, as inovações lato sensu, etc.), juntamente com os requisitos
de eficiência estática (as economias de custos de transação e produção), signi-
fica uma análise abrangente da possibilidade de geração (ou de ampliação) de
vantagens competitivas das empresas de um arranjo cooperativo. Com isso, o
esquema sugerido acima, centrado na obtenção de vantagens competitivas,
abre um caminho interessante de pesquisa, por representar, de forma análoga à
análise clássica de M. Porter (1989) — ele divide as causas da vantagem com-
petitiva basicamente naquelas relativas a custos e à diferenciação —, uma
tentativa de identificar as principais razões para o sucesso ou o fracasso dos
acordos de cooperação no processo de concorrência.
Esta análise, essencialmente partindo da firma individual, é útil também
porque pode ser vista como uma espécie de “microfundamentação” da análise
da cooperação a partir da noção de “rede de firmas”. Ou seja, pode-se sugerir
que uma maior organização teórica no nível da firma, como proposto neste
trabalho, permite entender melhor o modus operandi de cada tipo de rede, no
sentido de se tentar explicar o que possuem em comum os diferentes tipos de
cooperação, seja uma rede de subcontratação japonesa, seja um distrito industrial
na Itália, seja uma aliança estratégica entre empresas norte-americanas de
biotecnologia.

29
Tanto as internas como as externas. Neste último caso, pode-se, por exemplo, incluir o
Just-in-Time compartilhado pelas firmas que participam de uma rede de subcontratação.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


68 Robson Antonio Grassi

Outra conclusão importante é que, na cooperação voltada para a inovação,


mesmo no caso de o potencial inovativo do arranjo não se realizar — e não há
nenhuma possibilidade de se garantir isso a princípio —, a eficiência e a
competitividade do mesmo acabam sendo decididas por meio de requisitos
estáticos de eficiência. Com isso, mostra-se também como a busca da eficiên-
cia estática pode ser integrada (inclusive no sentido de poder tornar-se dinâ-
mica) a uma abordagem na qual a firma, em muitos casos, obtém vantagens
competitivas predominantemente por meio de inovações, como nos setores de
mais alto dinamismo tecnológico. Assim, o esquema acima proposto permite a
análise de redes inovativas (como distritos industriais, alianças estratégicas e
redes de fornecedores) e também de outros tipos de cooperação, não tão com-
plexos. Ou seja, o esquema proposto é suficientemente flexível para levar em
conta os diferentes graus de eficiência dinâmica e estática, que são decisivos
para a busca de vantagens competitivas em cada setor industrial.
Por exemplo, o franchising e a terceirização pura e simples podem ser
analisados pelo esquema teórico acima delineado, bastando, para isso, despre-
zar-se a parte de eficiência dinâmica do mesmo, já que esses tipos de coopera-
ção não costumam ser inovativos (nem no sentido organizacional). Procedendo
dessa forma, tem-se, de forma aproximada, o modelo de Williamson (com as
redefinições feitas a partir da Teoria dos Jogos), autor que vem analisando tais
tipos de acordo mais simples em vários de seus textos — por exemplo, Williamson
(1985; 1996).
É importante também ressaltar que trabalhos sobre cooperação na linha
proposta por este artigo, de integrar diferentes visões teóricas, já vêm sendo
realizados. Mas ainda falta aprofundar uma abordagem do tema que leve em
conta, ao mesmo tempo, a importância da eficiência dinâmica e estática e, no
campo da estabilidade necessária a qualquer tipo de acordo, uma abordagem
contratual abrangente (que inclua elementos da Teoria dos Custos de Transação
e da Teoria dos Jogos). Atualmente, o máximo que se pode encontrar seguindo
essa orientação teórica são trabalhos como os de Dyer (1997) e Parkhe (1993),
que integram a Teoria dos Jogos e a dos Custos de Transação, e os de autores
como Langlois e Robertson (1995) e Pisano (1990), que integram Custos de
Transação e Capacitações Dinâmicas.
Pisano, por exemplo, em seu texto de 1990, examina de que maneira fon-
tes de custos de transação, como questões relacionadas com apropriabilidade,
podem afetar as escolhas de firmas estabelecidas entre fontes internas e exter-
nas de P&D, quando mudanças tecnológicas alteram o locus da especialização
em P&D das firmas estabelecidas para as entrantes, e as empresas
estabelecidas têm que enfrentar uma decisão de make-or-buy para projetos em
P&D. Utilizando dados sobre projetos de P&D em biotecnologia que grandes

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Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 69

companhias farmacêuticas têm realizado, os resultados do estudo de Pisano


sugerem que problemas de custos de transação motivam as firmas a
internalizarem o P&D (Pisano, 1990).
Mas contribuições como essas não esgotam as possibilidades de análise
que a integração entre Capacitações Dinâmicas, Custos de Transação e Teoria
dos Jogos pode apresentar. Portanto, há muito por avançar aqui, tanto em ter-
mos teóricos como de pesquisa empírica. Um avanço fundamental, sem dúvi-
da, surgirá com novos desenvolvimentos na área de mensuração de ativos in-
tangíveis. Como visto, o esquema acima proposto ressalta a importância de
vários tipos de ativos para a busca de vantagens competitivas por meio da
cooperação, sejam ativos específicos, complementares, sejam ativos relacio-
nados com a inovação (aprendizado, P&D, capacitações, etc.), que, pelo menos
no caso destes últimos, se revelam ativos essencialmente intangíveis. Com
isso, o esquema proposto já teria um grande potencial de aplicação empírica, se
todos esses ativos fossem mensuráveis. Mas, infelizmente, constata-se que,
enquanto, no caso dos ativos específicos, já existem tentativas de mensuração
(Dyer, 1997), no caso de ativos intangíveis, como os acima mencionados, ainda
há muito por fazer tanto no que se refere à ciência econômica (Freeman, 1994)
como também em outra área do conhecimento diretamente interessada nesse
tipo de mensuração, a contabilidade (Schmidt; Santos, 2002).
Porém, mesmo ainda sem os avanços sugeridos, o esquema teórico aci-
ma proposto já se revela útil para uma análise das deficiências dos diversos
enfoques existentes atualmente sobre cooperação interfirmas. Pelo menos três
exemplos podem ser apresentados nesse sentido:
a) com o esquema acima proposto sobre cooperação e juntamente com
uma análise da evolução recente do fenômeno, pode-se olhar com mais
cuidado abordagens de autores que tentam mostrar que o capitalismo
estaria entrando atualmente numa fase “mais cooperativa”, como são
os casos de Best (1990), que trata de uma “new competition”, ou Dunning
(1998), que fala no surgimento de um “alliance”, ou mesmo “collaborative”
capitalism. Para este último autor, por exemplo, a característica distin-
tiva do alliance capitalism é a crescente extensão para a qual, a fim de
atingir seus respectivos objetivos, os principais atores no processo de
busca de ampliação da riqueza estão colaborando mais ativamente e
propositadamente com os concorrentes (Dunning, 1998). Porém sabe-
-se que, em muitos setores, a onda de novos acordos em rede é consi-
derada um fenômeno transitório de adaptação à difusão das novas
tecnologias genéricas, e, quando as firmas se tornam mais familiares
com essas tecnologias, elas tendem a mudar as áreas estrategicamen-
te sensíveis sob o seu controle, para internalizar algumas das redes

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


70 Robson Antonio Grassi

que agora são objeto de arranjos cooperativos. Ou seja, em tais setores,


essa onda de novos acordos pode ser passageira (Teece, 1988). Além
disso, é notório que o processo de globalização dos mercados vivido
atualmente altera as condições concorrenciais em muitos setores, re-
querendo, com isso, a divisão de esforços em busca do sucesso com-
petitivo. Portanto, o aumento do número de acordos de cooperação, em
muitos casos, pode ser decorrência do acirramento da concorrência
vivido atualmente. Assim, numa visão da cooperação como subordina-
da à busca de vantagens competitivas por parte das firmas, como é a
deste trabalho, seria melhor falar que, em alguns setores industriais, o
capitalismo se encontra atualmente mais “concorrencial” e, por isso,
mais “cooperativo”;
b) nota-se também que autores importantes vêem a cooperação como um
assunto no qual “[...] a contribuição dos economistas é vital, mas que
não pode ser deixada somente aos economistas, por causa de muitas
questões sutis de natureza política e sociológica, em relação tanto com
redes formais como informais” (Freeman, 1991, p. 512). Considera-se,
por exemplo, que relações pessoais de confiança mútua (e, algumas
vezes, de respeito e obrigação) são importantes tanto no nível formal
como no informal, e, por essa razão, fatores culturais, tais como lingua-
gem, educação, lealdades regionais, ideologias e experiências compar-
tilhadas, continuam a desempenhar um importante papel nas redes.
Assim, “[...] uma apreciação desses fatores sociológicos em redes for-
mais e informais é um complemento necessário para explicações
‘econômicas’ mais restritas e ajuda de forma significativa a entender a
importância das redes regionais, a proximidade geográfica e os ‘siste-
mas nacionais de inovação’” (Freeman, 1991, p. 503). É importante res-
saltar que não se está aqui negando a importância de tentativas de
integração com abordagens de outras áreas do conhecimento. O pro-
blema dessa estratégia é que, em muitos casos, ela pode significar o
abandono de tentativas de se entender a cooperação com instrumen-
tais teóricos que a própria ciência econômica vem oferecendo. Ou seja,
pode levar a uma subutilização dos recursos de que essa ciência dis-
põe para explicar o fenômeno, como, por exemplo, a integração de vi-
sões teóricas complementares, como as tratadas no presente artigo.
Além disso, em muitos casos, tal estratégia pode significar simples-
mente o abandono de tentativas de incorporar princípios teóricos
econômicos à análise. É o caso, por exemplo, da utilização de um
conceito oriundo da Sociologia, o de embeddedness. Autores como
Grabher (1993, p. 23) consideram que o embeddedness social em re-

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 71

des de firmas regionais é percebido como a maior razão para sua incon-
testável responsabilidade e habilidade para gerar inovações incrementais
(nas grandes inovações, o autor considera que o seu papel não é claro).
O problema de análises como essa é que, ao mesmo tempo em que
ressaltam o embeddedness, se mostram bastante críticas no sentido
de se incorporarem elementos teóricos da abordagem dos Custos de
Transação no estudo da cooperação interfirmas — é o caso específico
desse texto de Grabher (1993) —, o que acaba prejudicando a análise
da eficiência de um arranjo desse tipo e de sua capacidade de geração
de vantagens competitivas;
c) analisando as várias vertentes teóricas que estudam a cooperação
interfirmas na ciência econômica a partir do esquema teórico acima
proposto, verifica-se algum tipo de deficiência em praticamente todas
elas. Um exemplo significativo refere-se à abordagem dos Custos de
Transação e suas limitações na análise das formas híbridas de organi-
zação econômica, devido ao seu foco centrado na economia de custos.
Como visto, essas formas híbridas, tal como as joint ventures, são
analisadas meramente em termos comparativos com outras formas de
governança (mercados e hierarquias), no contexto das decisões make
or buy. Conseqüentemente, o aspecto de custo (de transação) das for-
mas híbridas é superestimado, e a perspectiva de longo prazo dos im-
pactos estratégicos sobre relações verticais e horizontais entre com-
panhias é, em grande parte, negligenciada. Ver também Hagedoorn e
Schakenraad (1990). Podem ser incluídas também nessa perspectiva
da cooperação análises que procuram integrar elementos da aborda-
gem dos Custos de Transação com a Teoria dos Jogos, como nos ca-
sos de Parkhe (1993) e Dyer (1997), que não enfatizam aspectos impor-
tantes da mudança tecnológica. Por outro lado, no que se refere à abor-
dagem das capacitações dinâmicas, nota-se que aspectos importan-
tes da coordenação de arranjos cooperativos, como a distribuição da
quase-renda gerada, a questão dos incentivos, da monitoração, os vá-
rios tipos de assimetrias existentes (de tamanho, poder, capacitação,
informação), etc., ainda não encontraram tentativas abrangentes de ex-
plicação em teorias da firma neo-schumpeterianas de modo geral
(Brousseau, 1996). Essa corrente teórica, apesar de levar em conside-
ração a importância das instituições para a explicação das economias
capitalistas — Dosi e Orsenigo (1988) por exemplo —, no caso mais
específico da instituição “contratos”, ainda precisa avançar bastante.
Embora certos autores até estudem algumas questões contratuais — é
o caso de Teece (1988) e Pisano (1990) — não se chega a nada que se

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


72 Robson Antonio Grassi

aproxime de uma teoria dos contratos. Além disso, alguns dos integran-
tes dessa corrente teórica se mostram bastante críticos de abordagens
contratuais como a de Williamson, sendo esse o caso de Freeman (1991),
de Grabher (1993), de DeBresson e Amesse (1991) e de Lundvall (1988;
1993).30
Todos esses exemplos mostram a utilidade que a integração teórica pro-
posta neste artigo pode ter na busca do aprimoramento do debate sobre coope-
ração interfirmas. Mas existem problemas teóricos e metodológicos a serem
superados aqui. Muito se tem mencionado na literatura pertinente sobre a possi-
bilidade de integração entre as abordagens das Capacitações Dinâmicas e dos
Custos de Transação, e autores como Foss (1994), Brousseau (1993; 1996),
Pondé (1993; 2000), Nooteboom (1992), Langlois (1992), etc. procuram mostrar
a existência de uma certa compatibilidade teórica e metodológica entre essas
duas abordagens da firma.
Brousseau (1996), por exemplo, reconhecendo que uma união entre as
duas abordagens é problemática, propõe uma “fertilização cruzada” entre ambas.
Isto porque a abordagem dos Custos de Transação é baseada numa visão
superficial da natureza do processo de seleção e das conseqüências do apren-
dizado, enquanto a das Capacitações Dinâmicas não aprofunda a questão das
instituições, notadamente as relacionadas com contratos. Como resultado, o
desenvolvimento analítico de cada uma dessas duas teorias parece implicar um
certo nível de integração. E tal integração analítica é possível, dado que as
duas teorias são construídas com alguns pressupostos básicos comuns, como
as questões da racionalidade limitada e da incerteza.
Para Foss (1994), por sua vez, a economia dos Custos de Transação de
Williamson pode ser reconstruída como um programa de pesquisa lakatosiano,
como também a economia evolucionária, sendo os hard cores a racionalidade
limitada/oportunismo e a racionalidade processual respectivamente. Os “cinturões
protetores” consistiriam em, por exemplo, teorias sobre vários graus de
especificidade dos ativos influenciando a organização econômica (dados o opor-
tunismo e a racionalidade limitada) no que se refere ao caso dos Custos de
Transação; ou de como a intensidade do processo de “busca” influencia a estru-
tura de mercado no caso evolucionário (Foss, 1994).
Assim, tal integração seria importante, no mínimo, para se aumentar o
potencial explicativo das duas teorias da firma para várias questões, sendo a
estratégia cooperação interfirmas uma delas. O elevado volume de pesquisas

30
No caso de Lundvall, no seu texto de 1993, a crítica à abordagem dos Custos de Transação
já fica clara no título do artigo.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 41-78, jul. 2007


Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um “paradigma teórico” 73

de ambas as visões teóricas sobre o tema demonstra — inclusive com tentati-


vas de integração, como é evidente nos trabalhos de Pisano, (1990) e de Langlois
e Robertson (1995) — a importância de esforços nesse sentido. E, no caso da
abordagem dos Custos de Transação, não esquecendo, nesse processo de
integração, da utilização da Teoria dos Jogos, que, como visto nos artigos de
Dyer (1977) e Parkhe (1993), se mostra fundamental para um melhor entendi-
mento por parte dessa abordagem da firma de como os contratos evoluem no
tempo, num arranjo cooperativo.
Em conclusão, este artigo procura mostrar que, no estágio atual de pesqui-
sa, não há a possibilidade de surgimento de uma teoria unificada da cooperação
interfirmas, que inclua, de forma abrangente, questões relacionadas tanto com
a coordenação como com a eficiência dos arranjos cooperativos.31 Porém, mesmo
com a presença das dificuldades relacionadas com os problemas teóricos
e metodológicos acima mencionados, pode-se afirmar que o esquema teórico
proposto neste artigo — longe de pretender esgotar o assunto — se revela um
primeiro passo para que o tema cooperação interfirmas possa vir a ter, em breve,
pelo menos um status teórico parecido com o que John Dunning (1993) propôs
para o tema “multinacionais”: o de um “paradigma teórico”.
Partindo do princípio de que uma simples teoria não seria capaz de expli-
car as muitas questões que envolvem o comportamento e o desempenho das
empresas multinacionais (o que também foi constatado neste texto a respeito
do tema cooperação interfirmas), Dunning (1993) propôs um paradigma (por ele
denominado “paradigma eclético”) que inclui visões teóricas, que, a princípio,
seriam difíceis de ser integradas, mas que, no seu conjunto, se vêm mostrando
úteis para o entendimento de várias questões importantes sobre aquele tipo de
empresa.
O artigo procura mostrar, ainda, que, no caso da cooperação interfirmas,
um tema de reconhecida complexidade, tal procedimento de se construir um

31
Note-se que este artigo se está restringindo apenas ao âmbito da firma e abstraindo ques-
tões importantes relacionadas à dimensão “rede de firmas” da cooperação, como as
relacionadas com o seu modus operandi e com o padrão de concorrência e a trajetória
tecnológica do(s) setor(es) no(s) qual(is) a cooperação ocorre. É interessante notar que
um trabalho que discute, de forma detalhada, questões como essas, o de Britto (1999), não
se dedica à discussão de alguns aspectos centrais sobre a firma que coopera, como os
abordados aqui (é o caso, por exemplo, de questões que precisam da integração entre a
teoria dos Custos de Transação e a Teoria dos Jogos). Essas constatações, antes de
revelarem qualquer limitação analítica do presente artigo ou do trabalho de Britto, eviden-
ciam, de forma clara, o caráter complexo do tema cooperação interfirmas, cuja plena
explicação mais se assemelha à montagem de um “quebra-cabeça” que requer extremo
cuidado na escolha das “peças”.

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74 Robson Antonio Grassi

paradigma teórico pode ter o mesmo êxito alcançado por Dunning (1993) na
discussão sobre as diversas questões relacionadas com o tema das empresas
multinacionais. As várias tentativas de integração teórica mencionadas ao lon-
go do texto exemplificam esforços bem-sucedidos, inclusive em termos de apli-
cação empírica, nessa direção.
Como visto, os principais textos das diversas correntes anteriormente apre-
sentadas foram escritos, em alguns casos, há mais de 10 anos, o que revela
uma certa estagnação no surgimento de idéias para explicar a cooperação. E
isso apesar da relevância que o tema continua a apresentar, fato facilmente
verificável tanto em termos acadêmicos (Hagedoorn, 2002), como também pela
presença constante no noticiário econômico dos jornais. Isso tudo sugere que o
próximo passo para se avançar na explicação da cooperação interfirmas pode
ser a construção de um paradigma teórico (ou seja, montar o “quebra-cabeça”).
Foi assim com o tema multinacionais e pode também ser com a questão da
cooperação interfirmas. Tal paradigma, conforme o esquema teórico apresenta-
do procurou mostrar, pode ser útil para, pelo menos, se organizarem melhor os
diversos enfoques e as tentativas de integração teórica que já vêm sendo feitas.

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 79

Economia clássica e novo-clássica versus


Keynes e pós-keynesianos: um debate
ontológico*
Bruno Moretti** Doutorando do Programa de Pós-Graduação
do Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília
Marcos T. C. Lélis*** Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Economia da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul

Resumo
Neste artigo, tem-se por objetivo defender o argumento de que o debate Keynes
e pós-keynesianos “versus” (neo)clássicos e novos-clássicos remete a
considerações ontológicas, isto é, à convenção sobre qual a natureza do sistema
econômico a analisar, ainda que tal comprometimento não seja explícito, mas
resulte do modo como é formulada a teoria econômica. De um ponto de vista
mais geral, afirma-se que todo método da ciência pressupõe uma ontologia e
que, portanto, a ciência deve afirmá-la explicitamente — uma investigação a
respeito da natureza de seu objeto, para a qual se valerá do realismo crítico,
corrente que afirma uma ontologia específica para o domínio social, esboçando
suas relações com Keynes e os pós-keynesianos.

Palavras-chave
Keynes; novo-clássica; ontologia.

* Artigo recebido em 18 out. 2004 e aceito para publicação em dez. 2006.


** E-mail: bmoretti@domain.com.br
*** E-mail: mcaputi@uol.com.br
Os autores agradecem ao colega Carlos Aguedo Nagel Paiva os comentários apresenta-
dos com respeito a este trabalho. Valem as observações habituais quanto a erros e pro-
blemas que porventura persistam, os quais são de inteira responsabilidade dos autores.

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80 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

Abstract
The purpose of the paper is to defend the argument that the controversy Keynes
and pós-keynesian versus (neo)classical and new classical goes by in ontology’s
foreword, that is, the convention about the nature of the economic system in
analysis. Notwithstanding this committal doesn’t be explicit, it comes from the
way the economic theory is formulated. From a more general point of view, all
science method predicate one ontology and, therefore, the science must include
clearly one ontology — investigation about the object’s nature, for this we utilize
the critical realism, school that expose the specific ontology for the social
dominion, sketching its relation with Keynes and the pós-keynesian.

Key words
Keynes; new classical; ontology.

Classificação JEL: E12, B41.

Introdução
Não constitui qualquer novidade a hegemonia de que desfrutam as teorias
de inspiração neoclássica no interior da Economia. Se os economistas
heterodoxos são aqueles que buscam construções teóricas, fundadas em outros
princípios — que não os do mainstream — que possibilitem explicações diversas
para as causas dos fenômenos econômicos —, se esperam que suas críticas
possuam alguma validade cognitiva, então, necessariamente, eles têm que
pretender que estas sejam mais realistas, isto é, que representem a realida-
de — o sistema econômico — de modo mais acurado. Entretanto, se esse é o
caso, o debate entre economistas ortodoxos e heterodoxos deve, em certa
medida, migrar para o campo da ontologia, isto é, para o debate sobre as
propriedades dos sistemas econômicos, seus modos de ser e de se reproduzir,
bem como sobre o papel dos agires e das escolhas humanas. Em outros termos,
deve estar subjacente às análises heterodoxas o fato de que seu objeto de
estudo — categorias, conexões, elementos, etc. econômicos — possui existência
objetiva, independente das teorias que buscam sua apreensão. Dessa maneira,

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 81

indagar sobre tais propriedades parece uma condição de possibilidade para as


construções teóricas heterodoxas. No caso da Economia, essas indagações
são ainda mais relevantes: se as tradições teóricas subentendem determinado
método e formato para as leis científicas, então é porque se vindica, embora
implicitamente, que o objeto possua determinadas propriedades, em razão das
quais são cognoscíveis ao modo requerido. Isto é, toda tradição teórica pressupõe
um método; todo método requer uma ontologia. No caso da Economia, a ontologia
subentendida ampara construções teóricas em nome das quais se aplicam
políticas, se reproduzem instituições, etc., com efeitos sobre a vida econômica
e social. Logo, se a hegemonia de determinada tradição teórica implica a
predominância de determinada ontologia, à qual estão predicados, por exemplo,
resultados, predições, explicações e, conseqüentemente, derivações políticas
das teorias, então, negligenciar a ontologia constitui grave equívoco para aqueles
que pretendem formular construções teóricas alternativas.
Nessa perspectiva, procurar-se-á apresentar o realismo crítico, corrente da
filosofia da ciência que busca oferecer uma ontologia para as ciências que
investigam objetos do domínio social (inclusive do domínio econômico). Nesse
sentido, investigar-se-ão as conexões entre uma construção teórica particular
no interior da heterodoxia econômica — a de Keynes e dos pós-keynesianos —
e o realismo crítico. Antes, entretanto, será elaborada uma síntese da Economia
novo-clássica, bem como de seus pressupostos ontológicos, com base na qual
se demonstrará que o debate entre pós-keynesianos e a Economia novo-clássica,
assim como entre Keynes e a Economia clássica1, se desloca para o campo
ontológico. Finalmente, deve-se salientar que, visto que o interesse aqui reside
na afirmação da necessidade do debate ontológico para a ciência econômica,
não há, no artigo, uma caracterização completa sobre as escolas de pensamento
da Economia mencionadas. Apenas interessa sua caracterização em seus traços
mais gerais, para que se demonstre como o debate remete necessariamente às
considerações ontológicas.

1
Desde já, deve-se salientar que Keynes (1973) entende como Economia clássica a produção
teórica de um conjunto de autores, que, segundo o próprio, investigam a economia enquanto
um sistema no qual não existe o fenômeno do desemprego involuntário. Contudo é evidente
que há diferenças substantivas entre os autores que Keynes designa como clássicos,
como, por exemplo, Pigou e Ricardo.

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82 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

O sistema econômico da Economia novo-


-clássica
A teoria novo-clássica surge no cenário do debate macroeconômico, na
década de 70, na busca pela racionalização teórica do fenômeno, que data dessa
mesma época, da coexistência de inflação e estagnação em algumas economias.2
Segundo os formuladores da teoria, a racionalização teórica da referida
coexistência, se admitido o paradigma keynesiano, seria impossível, já que
este pressuporia uma Curva de Phillips negativamente inclinada a curto e a
longo prazos, isto é, com um trade-off permanente entre inflação e desemprego.
Por outro lado, ainda segundo a perspectiva novo-clássica, a teoria de formação
de expectativas do monetarismo de Friedman (1968) deveria ser descartada e
substituída por outra supostamente mais consistente, a hipótese das expectativas
racionais (HER), segundo a qual, em sua versão fraca, na formação de
expectativas sobre o futuro de uma variável, agentes econômicos racionais
farão o melhor uso possível de toda informação disponível sobre os fatores que,
em sua concepção, a determinam, de maneira que o valor esperado de uma
variável não necessariamente seja função estável de seus valores pretéritos,
como quer a teoria das expectativas adaptativas. Já a versão forte da HER,
além de admitir a proposição anterior (a versão fraca), afirma que as expectativas
subjetivas das variáveis econômicas coincidirão com suas expectativas
condicionais objetivas (Snowdon, 1994, p. 190). Convém salientar que, subjacente
à HER, em qualquer das duas versões, se encontra a definição sobre o que são
os sujeitos da economia: agentes maximizadores de funções-objetivo, que
respondem, de forma ótima, às informações extraídas, do mundo.3 Assim, a
HER pode ser apresentada de modo formal como segue:

 P 
Pt e = E  t  (1)
 I t −1 

onde Pt ( z ) é a expectativa da taxa de inflação de t; e E (Pt I t −1 ) represen-


R

ta a esperança da taxa de inflação condicionada a um conjunto de informações


disponíveis ao agente no tempo t - 1.

2
Para uma síntese teórica do debate macroeconômico no interior do qual emerge a economia
novo-clássica, ver Ferrari (2003).
3
Adiante, será fundamental levar em consideração esse fato.

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 83

Há ainda mais duas hipóteses que caracterizam a teoria novo-clássica:


(a) a economia está em contínuo market clearing, o que representa a vindicação
de que os preços se ajustam instantaneamente, garantindo o contínuo equilíbrio
do mercado, resultado, por sua vez, do comportamento dos agentes, mais
precisamente, da resposta ótima às suas percepções dos preços; e (b) as decisões
racionais tomadas pelos empresários e pelos trabalhadores refletem o
comportamento otimizador de sua parte, podendo ainda levar em conta o fato
de que a oferta de trabalho (produção) pelos trabalhadores (empresários) é
realizada com base em preços relativos. Por exemplo, se o salário real se encontra
maior do que aquele compatível com o equilíbrio, trabalhadores ofertarão mais
trabalho. Isto é, mudanças no nível de emprego são uma função da resposta
dos trabalhadores a variações no salário real. A segunda versão da hipótese (b)
requer que, se agentes erram suas expectativas de preços, o salário real varia,
do que resulta mudança no nível de emprego e, conseqüentemente, de produto.
Logo, diferenças entre o produto potencial e o efetivo são uma função da
discrepância entre o nível de preços efetivos e o esperado. Compreende-se
essa construção, alternativamente, como apresentada a seguir:4
  P 
Yt ( z ) − Ynt = γ . Pt ( z ) − E  t  (2)
 I 
  t ( z ) 
 P 
Sendo Pt (Rz ) o preço relativo da firma z no tempo t,a expressão E  t 
 It(z) 
derivada da equação (1), especificada para z; Yt ( z ) é o produto dessa firma;
Ynt , definido como o produto natural ou potencial da firma z (em equilíbrio ge-
ral); e, por fim, γ é um parâmetro que relaciona variações nos preços e sua
resposta na produção. Com efeito, a equação (2) deriva da idéia já caracterizada
de que os agentes econômicos reagem a variações dos preços relativos. Além
disso, transpondo a concepção da firma individual para a economia como um
todo, nota-se que, se o preço geral da economia for igual ao preço esperado
pelos agentes econômicos, o produto total será igual ao produto potencial. Des-
se modo, a Economia novo-clássica, embora incorpore a noção de que proces-
sos econômicos são estocásticos, não se desvincula da estrutura determinística
oriunda do que Keynes (1973) denominava Economia clássica.5

4
Não é o escopo deste trabalho uma exposição completa da concepção novo-clássica sobre
o comportamento da curva de oferta da economia. Para uma melhor compreensão dessa
mecânica, ver Lucas (1973).
5
Logo, as críticas que Keynes dirige à Economia clássica podem ser estendidas às constru-
ções teóricas dos economistas novo-clássicos.

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84 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

Portanto, caracteriza-se, com as observações até aqui feitas, a teoria


novo-clássica em seus traços gerais. Contudo há que se salientar que essa
teoria subentende definições sobre o que são sistema econômico e seus agentes
e sobre como estes tomam decisões, etc. Nessa perspectiva, a economia, em
essência, consistiria em indivíduos atômicos que respondem a estímulos
otimizando uma função-utilidade com base em suas expectativas racionais,
motivados pelas suas percepções do movimento das variáveis. Logo, agentes
econômicos são definidos como seres que processam informações, e não como
agentes que produzem os eventos, bem como suas funções de distribuição, do
que se deriva que à ciência cabe produzir descrições, sob bases lógico-deduti-
vas, dos comportamentos dos agentes como meros processadores de estímu-
los. A rigor, o próprio sistema econômico não consistiria na ação intencional de
indivíduos econômicos, mas na reação a condições, cuja produção não caberia
à Economia indagar. Com isso, o sistema econômico perde a característica
distintiva dos sistemas sociais: o fato de serem produzidos pelo ser humano e
por suas escolhas, razão pela qual a subjetividade (e, com ela, as crenças, os
juízos de valor, etc. que informam as escolhas) fica velada.
Intensifica-se o banimento do papel do sujeito na construção do mundo
social, na Economia novo-clássica, com a admissão da validade da HER en-
quanto teoria geral para a formulação de expectativas sobre as variáveis
econômicas. Na interpretação de Davidson (1982), agentes só acertam (na média)
as distribuições de probabilidade objetivas dos eventos se essas mesmas dis-
tribuições são ergódicas, o que pressuporia sua estacionariedade. Em outros
termos, a condição de possibilidade para que expectativas subjetivas sobre
eventos coincidam com suas distribuições efetivas é que o conjunto de informa-
ções disponíveis até o momento seja um “bom guia” para as distribuições futu-
ras. Isto é, o presente deve ser uma representação razoável do futuro. Com isso,
agentes econômicos não são os responsáveis pela produção do mundo social.
Ao contrário, os agentes processam estímulos emanados pelo sistema
econômico, aos quais respondem maximizando uma função-utilidade. As distri-
buições de probabilidade do sistema econômico são exógenas aos agentes,
tendo, em relação a eles, “vida própria”. O resultado, se o futuro jamais difere
qualitativamente do presente, é sempre a reprodução das distribuições vigentes
dos eventos. O mundo social é imutável. A ação humana é sempre aquela que
reproduz o existente, sendo o domínio social caracterizado pela ubiqüidade de
regularidades empíricas, razão pela qual fica suprimida, a priori, a escolha
humana.
Em conseqüência, um traço fundamental da Economia novo-clássica, ain-
da que não definido explicitamente por seus formuladores, é a representação do
sistema econômico subjacente a suas hipóteses, a seus resultados e a suas

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 85

leis. Se realmente a vida econômica para os novos-clássicos é caracterizada


pela ausência do poder real de escolha, de subjetividade, pela repetição inces-
sante do presente, etc., então, a crítica heterodoxa deve salientar não apenas
métodos, leis e resultados alternativos, mas, fundamentalmente, uma represen-
tação mais realista do sistema econômico, que contemple a abertura do mundo
social, isto é, o fato de que, se o mundo social é produzido por sujeitos com
poder real de escolha, então, o futuro, em geral, traz o “novo” como resultado
das ações, restituindo-se aos agentes a “competência” pela produção do sistema
econômico. Se os críticos da Economia ortodoxa (aqui, em particular, da Eco-
nomia novo-clássica) realmente devem se ater a uma ciência que subentenda
uma outra visão do que seja a vida econômica, então, são fundamentais para o
desenvolvimento da Economia heterodoxa as perspectivas teóricas que bus-
cam indagar sobre as características dos sistemas sociais, seu modo de fun-
cionamento, seus elementos, bem como sobre sua articulação. E justamente
nesse aspecto reside a vindicação da importância do realismo crítico, corrente
da filosofia da ciência, para os debates entre os economistas heterodoxos. O
que segue é uma síntese do realismo crítico, sucedida da sua relevância, em
particular, para Keynes e para os pós-keynesianos (Lawson, 2003).

O realismo crítico e a crítica ontológica


O realismo crítico6 constitui-se fundamentalmente pela proposição de uma
ontologia (uma definição sobre o modo de ser, para os propósitos deste trabalho,
do domínio social, em particular do econômico) sobre a qual a ciência
(econômica) deve ser construída. Em outros termos, pode-se dizer que toda
ciência envolve um método e uma concepção de como são as leis científicas.
Por outro lado, afirmar que leis têm determinada forma requer uma admissão,
ainda que implícita, de que o objeto da ciência é de determinada natureza, de
modo que pode ser conhecido à maneira requerida. A investigação sobre a natu-
reza do objeto da ciência é designada, conforme afirmado, como ontologia.
O realismo crítico, por um lado, envolve “o desvelar” de qual mundo social
é pressuposto para que leis da ciência tenham a forma de regularidades empíricas,
antiga demanda dos lógico-positivistas. Por outro, apresenta-se como uma
ontologia (tanto para o domínio natural quanto para o social) radicalmente opos-

6
Há muitos autores que vêm tratando do tema com variações, algumas vezes, substantivas.
Salvo quando são dos outros autores, está-se aludindo basicamente aos escritos de Tony
Lawson (2003). Além disso, para uma síntese teórica do realismo crítico, ver Baert (1996).

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86 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

ta àquela pressuposta pelos mesmos. Na primeira dimensão — a crítica —, ele


se debruça sobre a vindicação de que leis da ciência têm a forma “uma vez
evento x, então, evento y”, proposição interpretada da forma mais ampla: x pode
ser um ou mais eventos, enquanto a relação entre x e y pode ser determinística
ou probabilística. Se leis têm a forma de regularidades empíricas, então, a cau-
sa dos fenômenos iguala-se à sucessão de eventos no tempo, motivo pelo qual
o mundo (se se está tratando de leis da economia, pode-se dizer o sistema
econômico) é entendido como um conjunto de eventos atomísticos, uma di-
mensão plana na qual eventos ocorrem uns após os outros. No caso das ciências
da sociedade, em particular a Economia, o acordo com a tese das regularidades
empíricas envolve ainda uma teoria social sobre o agir e a escolha humanos: se
regularidades empíricas ocorrem na economia, isto é, se são válidas leis que
postulam determinada sucessão de eventos, então, os sujeitos devem agir para
validar as leis. Sob condições x, os agentes necessariamente reagem com y, o
que implica o compromisso com a tese de que os sujeitos são processadores
de estímulos, reproduzindo as regularidades empíricas que vigem no sistema
econômico. Decorre disso, ainda por conta da admissão de leis como regularida-
des empíricas, que o sistema econômico é imutável, já que os agentes jamais
o transformam, antes o ratificando pelas suas ações. Com isso, dá-se uma
espécie de independência do sistema econômico frente aos agentes, que ape-
nas reagem às condições por aquele postas.
Segundo Lawson (2003), o acordo com a tese das regularidades empíricas
é generalizado na ciência econômica ortodoxa. Nesta, proposições da ciência
só podem ser de dois tipos: ou são empíricas, ou são tautológicas. A rigor, a
teoria consistiria na dedução de determinados resultados, uma vez estabelecidas
(ao menos) uma lei geral (por exemplo, agentes maximizam sua utilidade) e
determinadas condições iniciais. Para se tomar a Economia novo-clássica, sen-
do os agentes substantivamente racionais e valendo algumas condições iniciais
(como a existência de informação imperfeita e aquelas já referidas, como market
clearing e a HER), a teoria deduz que, se os agentes são induzidos ao erro, por
exemplo, sobre a inflação, haverá variação da oferta de trabalho numa
determinada direção; isto é, sob determinadas condições, deduzem-se, em bases
lógico-dedutivas, o comportamento dos agentes e o resultado de sua interação.
As teorias, “impregnadas” do empirismo do positivismo lógico, estão circunscri-
tas a proposições tautológicas (deduções lógico-dedutivas) e empíricas (sobre
comportamentos dos agentes).7

7
Para maiores detalhes, ver Duayer, Medeiros e Painceira (2001).

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 87

O realismo crítico apresenta uma ontologia em tudo oposta à subjacente


ao positivismo lógico. Para o realismo crítico, o mundo social, em particular, é
estruturado e não plano. A dimensão do empírico não pode esgotar o mundo. Há
ainda o domínio do efetivo (o dos eventos, independentemente de sua percep-
ção) e o real, conjunto de estruturas, mecanismos, tendências e poderes so-
ciais (transempíricos) generativos dos eventos. A especificidade dos sistemas
sociais reside em que os domínios da realidade não podem existir senão pela
ação humana. Por outro lado, essa ação pressupõe a existência objetiva desse
domínio, razão pela qual o conjunto de mecanismos, estruturas, etc. pode ser
interpretado como possuindo o poder de favorecer determinados fenômenos.
Entretanto, dada a complexidade do mundo social, a existência de múltiplas
forças torna o mundo aberto, isto é, sem resultados determinísticos, razão sufi-
ciente para que se recuse a existência de regularidades empíricas. Leis na ciên-
cia seriam proposições sobre o poder de determinados mecanismos e estrutu-
ras causarem efeitos, que podem, ou não, se efetivar, já que a multiplicidade de
forças pode cancelar determinados eventos.
Resulta dessa concepção que teorias da Economia não devem ser descar-
tadas por testes empíricos. Se leis denotam a existência real de determinadas
estruturas, não necessariamente estas se manifestam a todo tempo, já que a
economia é compreendida como uma totalidade complexa, composta de tantos
outros complexos, muitas vezes antitéticos. O resultado da interação desses
complexos é sempre indeterminado, ainda que seja possível à Economia desig-
nar tendências. A reprodução desses complexos não pode ser independente
dos atos humanos e de suas escolhas, amparadas nesses mesmos comple-
xos. Para dar exemplos triviais, não pode haver troca sem um sistema monetá-
rio, não pode haver produção sem relações de produção, bem como não se fala
na ausência de uma linguagem. Entretanto deve-se observar que a fala, a troca,
a produção, etc. não são estabelecidas a priori, em razão de sua possibilidade
dever-se à existência de determinados mecanismos e estruturas. Estes apenas
as possibilitam, entretanto a escolha dos agentes é sempre real; isto é, em
geral, há sempre múltiplas possibilidades que se põem aos agentes. Suas esco-
lhas, por sua vez, repercutem sobre a reprodução dos complexos sociais, moti-
vo pelo qual podem transformá-los. Logo, a Economia é composta de ações
humanas que reproduzem e transformam mecanismos, estruturas e poderes
econômicos transempíricos; por outro lado, esses mesmos mecanismos, estru-
turas e poderes são as condições reais das ações. Sua existência real não
implica uma economia estática, dada de uma vez por todas. Pelo contrário,
como sua existência pressupõe a ação e a escolha humanas, então, sua repro-
dução é sempre processual, com mutações ao longo do tempo, razão pela qual

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88 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

jamais o conhecimento do presente pode representar uma condição suficiente


para previsões sobre o futuro econômico.

Os pós-keynesianos, Keynes e o realismo


crítico
Por mais evidentes que sejam as relações entre o realismo crítico e a
Economia heterodoxa, é preciso explicitá-las. Em particular, tratar-se-á dos pós-
-keynesianos e do próprio Keynes, ainda que algumas das vindicações dos
autores contemplados possam coincidir com as de outras correntes da Econo-
mia heterodoxa.
Logo no primeiro capítulo da Teoria Geral, Keynes (1985), referindo-se
aos dois postulados fundamentais da teoria clássica do emprego — (a) o salário
é igual ao produto marginal do trabalho e (b) a utilidade do salário, quando se
emprega determinado volume de trabalho, é igual à desutilidade marginal do
trabalho —, questiona:
Será verdade que as categorias anteriores abrangem todo o problema,
considerando que, de modo geral, a população raramente encontra tanto
emprego quanto desejaria ao salário corrente? Deve-se, pois, admitir que,
se fosse maior a procura de mão-de-obra, maior quantidade de trabalho
seria oferecida ao nível do salário nominal vigente. A escola clássica concilia
este fenômeno com seu segundo postulado, argumentando que, se a
procura de mão-de-obra ao salário nominal vigente se acha satisfeita antes
de estarem empregadas todas as pessoas desejosas de trabalhar em
troca dele, isso se deve a um acordo declarado ou tácito entre os operários
de não trabalharem por menos, e que, se todos eles admitissem uma
redução dos salários nominais, maior seria o volume de emprego atendido.
Sendo este o caso, tal desemprego, embora aparentemente involuntário,
não o seria estritamente falando, devendo incluir-se na categoria do
desemprego “voluntário”, em virtude dos efeitos dos contratos coletivos
de trabalho, etc. (Keynes, 1985, p. 19).

Sob tal ótica, o desemprego involuntário não é um fenômeno típico das


economias com propriedade privada. O desemprego só pode existir devido à
disposição dos trabalhadores de só trabalharem por um salário maior. Portanto,
só pode ser desemprego voluntário.8 É justamente contra essa concepção que
Keynes (1973) dirige suas críticas. Para a teoria clássica, empresários e traba-

8
É claro que a teoria clássica chega a esse resultado pressupondo preços e salários flexíveis.

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 89

lhadores, ao decidirem, respectivamente, quanto investem e quanto oferecem


de trabalho, estão olhando para a quantidade de bens que recebem em troca. No
caso do trabalho, sua remuneração deve equivaler à desutilidade marginal do
trabalho. Com preços plenamente flexíveis, os salários sempre se ajustam de
forma a se manterem no nível de equilíbrio, que preenche as condições para que
haja pleno emprego de fatores.
Então, a teoria clássica pressupõe uma economia na qual o nível de em-
prego é definido no mercado de trabalho. Se o salário real está no nível de
equilíbrio, então, oferta e demanda de trabalho são iguais, com conseqüente
equilíbrio no mercado de bens. Isto é, a um determinado salário real, os empre-
sários contratam certa quantidade de mão-de-obra, gerando um nível de produ-
ção que iguala oferta e demanda de bens. Como conciliar esse modo de operar
descrito pela teoria clássica, que, salvo rigidez nos preços, resulta em equilíbrio
e pleno emprego de fatores, com a constatação de que, nessa economia, as
decisões são tomadas de maneira não planejada? O modo de conciliar os dois
passa pelo estabelecimento de uma economia que Keynes (1973) denomina
empresarial neutra9, na qual as decisões são tomadas de forma privada, mas há
um mecanismo que garante, no agregado, a equivalência entre o valor de troca
das rendas monetárias dos fatores de produção e a proporção da produção
agregada relativa ao fator, no caso de ser esta uma economia que opere de
forma centralizada, isto é, uma economia cooperativa. Destarte, haveria igual-
dade entre a renda auferida pelos fatores de produção e os custos da produção.
Portanto, a oferta agregada determinaria a demanda agregada. Para Keynes
(1973), esse seria um caso limite da economia, que verdadeiramente funciona
por decisões privadas de empresários que investem determinada soma monetá-
ria em busca, ao fim do processo, de uma soma maior de dinheiro. No entanto,
“[…] a teoria clássica, como exemplificado na tradição do professor Ricardo até
Marshall e o professor Pigou, parece presumir que as condições para uma eco-
nomia neutra são, em geral, substancialmente satisfeitas” (Keynes, 1973, p. 79).
Com a premissa de que essas condições estão geralmente presentes, a econo-
mia caracteriza-se pelo “axioma dos reais”, segundo o qual os agentes econômicos
tomam suas decisões com base em bens, descanso, esforço, etc., e a moeda
não importa (Davidson, 2003, p. 18). Os valores efetivamente importantes são
os reais, por exemplo, a taxa de juros real (determinada pela tecnologia) e os
salários reais (com base nestes, os trabalhadores tomam suas decisões de

9
E aqui se salienta novamente que, na concepção de Keynes, a Economia clássica é consti-
tuída por aqueles autores que compreendem a economia como economia empresarial neutra.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 79-98, jul. 2007


90 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

oferta de trabalho). A moeda, pois, é neutra. Políticas de demanda não têm


efeitos reais, apenas nominais.
A crítica de Keynes (1973) às posições da teoria clássica necessaria-
mente suscita indagações ontológicas, já que se dirige à visão de economia
compartilhada pela teoria clássica. Keynes pretende demonstrar a absurdidade
dessa concepção, substituindo-a por uma outra forma de entendimento dessa
economia. A autoridade da crítica adviria do caráter mais realista de sua
teorização.10 Esse caráter da crítica estaria indicado já quando Keynes (1973)
aponta como ponto de partida da teoria clássica o entendimento da economia
como empresarial neutra, na qual pressupostos válidos para um caso limite são
generalizados. Para Keynes, tal generalização não procede, visto que, na eco-
nomia “em que vivemos” — a economia monetária de produção —, as deci-
sões de produção são tomadas de forma privada, não havendo qualquer meca-
nismo que garanta automaticamente a determinação da demanda agregada pela
oferta agregada. Portanto, o nível de produção não pode ser determinado no
mercado de trabalho, mas através dos gastos que os capitalistas realizam, que,
por sua vez, são uma função de suas expectativas em termos de possibilidades
de realização da produção e de obtenção, ao fim do processo, de uma soma
monetária superior à inicial. O nível de produto é determinado pela demanda
efetiva, cuja magnitude de forma alguma equivale, a priori, ao produto potencial
de pleno emprego.
O princípio da demanda efetiva sustenta que o nível de emprego e renda
da comunidade é determinado pelas decisões de gastos dos capitalistas,
que (dado o estoque de equipamento) são tomadas a partir de avaliações
efetuadas isoladamente por cada empresário sobre as quantidades que
antecipam vender a um determinado preço (de oferta). O conjunto das
decisões de gasto determina em cada momento qual será o nível de renda
da comunidade. Portanto o que os empresários estão decidindo gastar
agora na produção de bens de consumo e de bens de investimento será a
renda da comunidade (Almeida; Belluzzo, 2002, p. 65).

Nessa economia em que as decisões de produção têm de ser tomadas


levando em conta um futuro estatisticamente imprevisível (futuro aberto e incer-
to), é perfeitamente inteligível a posição de reter moeda, ao invés de investir em
ativos reais, que resultaria em uma demanda efetiva inferior ao produto poten-
cial (correspondente ao pleno emprego de fatores de produção). Logo, diante de
um futuro incerto, os contratos emergem como redutores dessa incerteza, ser-
vindo como base sobre a qual podem ser calculadas as rentabilidades futuras

10
Ao longo do texto, ficará mais clara a relação da crítica de Keynes à teoria clássica com a
reivindicação de um maior realismo nas construções teóricas keynesianas.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 79-98, jul. 2007


Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 91

(Carvalho, 1994, p. 42). E à moeda cabe o papel de unidade que possibilite os


cálculos. Por conseguinte, no curto e no longo prazo, a moeda é essencial,
diferentemente do que prescreve a teoria clássica (e, em particular, para a teoria
novo-clássica). Keynes (1985) tentou estabelecer um vínculo entre o papel da
moeda, a incerteza e o desemprego.11 Diante da incerteza, Keynes (1985) cita a
possibilidade de se demandar moeda como reserva de valor, isto é, de os agen-
tes exercerem sua preferência pela liquidez, que significa justamente a propen-
são a reter ativos líquidos, sobretudo moeda. A demanda por segurança aumen-
ta, na medida em que as expectativas com relação ao futuro se tornam piores.12
A preferência por liquidez tem um papel importante na determinação da taxa de
juros monetária, já que a demanda por moeda se altera em sua função. Porém,
se a preferência pela liquidez altera a taxa de juros, ela pode repercutir também
sobre o investimento e, portanto, sobre a demanda efetiva.
Desaparece, dessa maneira, a dicotomia clássica entre o lado real e o
monetário (e a causa não reside na rigidez de preços). Os dois pólos estão
relacionados via taxa de juros e, em parte, pela preferência pela liquidez. A
moeda não é neutra, bem como a economia não tende, no longo prazo, para um
estado de equilíbrio walrasiano. A moeda não constitui mero meio de circulação
de mercadorias. Pelo contrário, numa economia monetária de produção, ela ser-
ve como reserva de valor, devido ao fato de que o futuro não pode ser previsto,
isto é, de que há incerteza (irredutível a risco). Logo, se à moeda é conferido um
outro papel, muda o significado da eficácia da política monetária. Na perspecti-
va de Keynes, a política monetária expansiva busca fazer a riqueza deslocar-se
da esfera financeira para a esfera real (Carvalho, 1994, p. 43). As variações no
estoque de moeda têm efeitos sobre a taxa de juros dos ativos líquidos, produ-
zindo mudanças nas carteiras dos investidores, que deslocarão parcela maior
de sua demanda para ativos reprodutíveis, com efeitos sobre a renda e o empre-
go. A eficácia da política monetária dependerá do comportamento dos bancos
(sua preferência pela liquidez), que, com o aumento de suas reservas, podem
comprar ativos do setor privado, consolidando a eficácia das políticas. Não há,

11
Em outros termos, pode-se afirmar que Keynes busca conectar o lado real e o lado finan-
ceiro da economia.
12
“Preferência pela liquidez é sinônimo de propensão por reter ativos líquidos, especialmente
a moeda. Keynes argumentou que o futuro econômico é incerto, no sentido que não pode
ser conhecido com antecedência nem ser estatisticamente prognosticado por meio de
tábulas de probabilidades. Quando as expectativas são pessimistas, os agentes deman-
dam segurança no presente para enfrentar o futuro incerto. Keynes mostrou que a moeda
é o ativo mais seguro, aquele capaz de acalmar nossas inquietudes em relação ao futuro
desconhecido e imprevisível [...] quanto mais incerto é considerado o futuro, maior é a
preferência pela liquidez no presente” (Sicsú, 1999, p. 93).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 79-98, jul. 2007


92 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

nessa perspectiva, qualquer alusão à neutralidade da moeda, que só pode ser


requerida numa economia centralizada ou numa economia com propriedade pri-
vada, com um mecanismo de supressão da incerteza, mas não numa economia
empresarial.
Vê-se, pois, que o traço fundamental da economia empresarial diz respei-
to ao caráter aberto do futuro e, portanto, à incerteza no que se refere aos
acontecimentos que podem estar por vir. Desse modo, não há qualquer tendên-
cia, seja no curto, seja no longo prazo, para um estado de equilíbrio walrasiano,
no qual vale a neutralidade da moeda, a dicotomia monetário versus real, o
pleno emprego, etc. Nessas condições, correspondentes ao equilíbrio geral
walrasiano, não há a possibilidade de alguma função para moeda senão a de
mera facilitadora de trocas. Não há, pois, possibilidade de retenção de moeda
como comportamento derivado da incerteza com relação ao futuro. Em outras
palavras, os agentes podem prever, de forma razoavelmente acurada, os
fenômenos futuros. No entanto, se isso ocorre, necessariamente distribuições
de probabilidade de eventos no presente constituem o guia adequado para a
previsão das distribuições de probabilidade para o futuro — esse é o axioma da
ergodicidade.
Em um mundo ergódico, as observações de uma especificação de
determinada série temporal, isto é, dados históricos, são informações úteis
sobre a distribuição de probabilidades de um universo de especificações
que existe em qualquer ponto de tempo, como hoje; e esses dados são,
ainda, informações úteis sobre a futura distribuição de probabilidades dos
eventos. Conseqüentemente, ao estudar cientificamente o passado como
se tivesse sido gerado em condições ergódicas, os eventos presentes e
futuros podem ser previstos em termos de probabilidade estatística.
(Davidson, 2003, p. 22).

Com essas observações, retorna-se ao objetivo último do tópico: as rela-


ções entre realismo crítico e Keynes e os pós-keynesianos. Numa economia
como a concebida (ainda que implicitamente) pela teoria que Keynes (1973)
denomina “clássica” (e, é claro, tais críticas valem para os economistas novos-
-clássicos), a ausência de incerteza leva a uma possibilidade de tratar o futuro
nos moldes do presente. Torna-se nítida a relação entre essa teoria e a tese das
regularidades empíricas. Num ambiente de incerteza, é claro que não valem leis
que signifiquem conjunções constantes de eventos. Em outras palavras, uma
vez que o futuro é aberto, existem várias possibilidades que, na terminologia
dos realistas críticos, podem ser tomadas como tendências derivadas da parti-
cular constituição estrutural da economia. O realismo crítico denomina retrodução
o método segundo o qual, dos fenômenos observados, se descobrem condi-
ções de possibilidades para que esses fenômenos existam; isto é, as estruturas
e os mecanismos que devem existir para que determinados comportamentos

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Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 93

sejam observados. Keynes (1973), ao tratar de uma economia na qual predo-


mina a incerteza, isto é, a imprevisibilidade ontológica de determinados fenô-
menos, com todas as repercussões relativas a políticas econômicas, de alguma
forma, está utilizando-se do método em questão, já que busca explicar qual a
“racionalidade” do comportamento baseado na incerteza, isto é, quais mecanis-
mos vigentes na economia (monetária de produção) possibilitam determinado
tipo de comportamento (reter moeda como reserva de valor, em particular), que,
por sua vez, repercute sobre o sistema econômico (a economia monetária de
produção) e sobre seus mecanismos e estruturas. Tal comportamento só é pos-
sível numa economia monetária de produção, forma particular de estruturação
da economia, na qual, por conta de a produção social decorrer de ações priva-
das movidas pelo lucro econômico, há incerteza relativa ao futuro, tendo como
conseqüência a preferência pela liquidez, a não-neutralidade da moeda, a possi-
bilidade de desemprego, a realização de políticas de demanda bem-sucedidas,
etc. Porém leis são sempre tendências. Tendências, vale repetir, são possibilida-
des que decorrem da existência de certos mecanismos e poderes sociais,
irredutíveis ao empírico, às suas formas de manifestação. A questão é que tais
mecanismos só se reproduzem pela atividade humana. Como esta não é prede-
terminada, mudanças nas estruturas também são possíveis. Logo, a econo-
mia — suas estruturas e poderes — deve ser entendida como um processo
dinâmico, com tendências, porém sem uma direção prévia, ou, pode-se assim
dizer, sem teleologia (por exemplo, uma tendência ao estado de pleno emprego).
A tese de Shackle das decisões cruciais13 está em pleno acordo com a
noção realista crítica de escolha humana. Para Shackle (Crocco, 2002), decisões
cruciais envolvem a mudança das distribuições de probabilidade existentes
decorrentes da própria escolha, o que é perfeitamente compatível com a noção
de ação humana como reprodutora e/ou transformadora de estruturas sociais.
Se o que objetivamente existe pressupõe a atividade humana, então, pelo poder
real de escolha, o existente tem caráter dinâmico — muda a todo tempo. A
economia não é estática, não tende a um ponto no qual estaciona, também não
possui um futuro dado a priori. O futuro (que, para os realistas críticos, se cons-
titui no modo como as estruturas serão reproduzidas e/ou transformadas) é
produto das escolhas realizadas pelos agentes econômicos. Com efeito, ela
lhes é endógena. Uma tendência ao pleno emprego, ao equilíbrio geral walrasiano
no longo prazo, implica uma economia exógena aos agentes, já que sua ação
apenas leva a um futuro que já está dado. A rigor, não há escolhas. E é por essa
razão que essa concepção é inconciliável com uma economia empresarial, na

13
Para maiores detalhes, ver Davidson (1982).

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94 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

qual há incerteza quanto ao futuro. Se não existe incerteza com relação ao


futuro, é porque é possível deduzi-lo a partir das distribuições de probabilidade
dos eventos presentes, o que implica uma economia estática, isto é, com dis-
tribuições de probabilidade que não mudam no tempo. Reforça-se o caráter
exógeno da economia: a escolha humana não é efetiva, pois nada faz senão
reproduzir um futuro dado. Em particular, pós-keynesianos consideram a possi-
bilidade de várias taxas de desemprego associadas a vários estados de expec-
tativas e de preferência pela liquidez. Por outro lado, as políticas de demanda
buscam alterar esses estados de expectativa, com possibilidade (ou não) de
sucesso. Não há qualquer determinismo, já que o futuro (incerto) resulta da
objetivação das ações humanas. Cada ponto associado às expectativas e à
preferência pela liquidez constitui uma possibilidade. É claro que o inverso
ocorre, por exemplo, com os defensores da taxa natural de desemprego, pois,
nesse caso, necessariamente as ações humanas resultam nesse ponto, salvo
erros de expectativas, que, se admitida a hipótese de expectativas racionais,
não ocorrem com freqüência.14

Conclusão
Dessa forma, realismo crítico e Economia pós-keynesiana parecem ter
relações importantes. Talvez, o maior mérito do realismo crítico seja o de explicitar
as conseqüências ontológicas (ainda que implicitamente pressupostas) da for-
ma como os economistas do mainstream tratam a economia, inclusive suas
contradições. Por exemplo, a aceitação da tese das regularidades empíricas, o
caráter exógeno da economia e a necessidade, enquanto cientistas econômicos,
de darem conta da escolha dos agentes. A partir da absurdidade desses pressu-
postos, emerge o caráter propositivo do realismo crítico: leis como tendência,
economia como conjunto de estruturas, mecanismos e poderes, agentes

14
“Na visão de Keynes e dos pós-keynesianos, é a presença da moeda desempenhando o
papel do ativo mais seguro em uma economia com incerteza knightiana que pode explicar
a possibilidade de existência de diversos níveis de desemprego, cada um desses níveis
sendo capaz de persistir por longos períodos, até que haja uma modificação no estado
expectacional da economia e/ou uma intervenção governamental. Diferentemente da eco-
nomia novo-clássica, para Keynes e os pós-keynesianos não existe uma taxa única de
desemprego capaz de vigorar na ausência de erros expectacionais. A economia pode
alcançar infinitas posições de desemprego, cada uma correspondente a um estado
expectacional que, por sua vez, está associado a um determinado estado de preferência
pela liquidez. A política monetária antidesemprego de inspiração keynesiana visa à altera-
ção desses estados.” (Sicsú, 1997, p. 92).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 79-98, jul. 2007


Economia clássica e nova-clássica "versus" Keynes e pós-keynesianos: um debate ontológico 95

reprodutores das estruturas, futuro aberto, etc. Todos esses pontos parecem
amparar uma visão de economia que considera o futuro incerto, um mundo não
ergódico, a existência de decisões cruciais e de preferência pela liquidez, a
não-neutralidade da moeda no curto e no longo prazo, a inexistência de
dicotomia entre o lado real e o monetário, a incerteza, etc. Logo, o debate
entre pós-keynesianos e novos-clássicos naturalmente se desloca para o plano
ontológico. Neste, pós-keynesianos, críticos do irrealismo que caracteriza as
teorias de inspiração neoclássica, podem sustentar (ontologicamente) suas pres-
crições teóricas no realismo crítico, cujo foco reside em como caracterizar o
objeto das Ciências Sociais, inclusive Economia, isto é, que propriedades as
sociedades (e economias) possuem para que possam se tornar objeto de nosso
conhecimento. Em outras palavras, o objeto de análise reside na forma mais
acurada de apreender, no pensamento, aspectos da realidade econômica, isto
é, momentos do modo de funcionamento do sistema econômico. O movimento
inverso parece ser feito pelas teorias de inspiração neoclássica. A pergunta
fundamental dessa tradição seria: que características podemos imprimir ao
objeto para que ele se torne adequado às nossas teorias? Nesse particular, são
relevantes as palavras de Carvalho (1994, p. 41):
O debate em torno da eficácia de instrumentos de política econômica só
tem sentido quando se explicita o modelo de economia — seus agentes,
seus móveis, suas regras — com que se trabalha. Não é possível derivar
conclusões de validade geral sobre resultados ou implicações de política
senão em relação a uma concepção definida de como é, na sua essência,
a economia objeto da política econômica. A nova economia clássica, por
exemplo, deriva seus polêmicos resultados não de características da
realidade, cuja descrição é inevitavelmente ambígua, mas da forma peculiar
como interpreta os postulados que definem uma determinada visão de
mundo e, em particular, de sua visão de que economias capitalistas podem
ser concebidas como sistemas de equilíbrio geral, onde a posição de
equilíbrio existe, é única e estável.

Por fim, a passagem citada expressa que o debate Keynes e pós-


-keynesianos versus clássicos e novos-clássicos não pode escapar às indaga-
ções ontológicas, isto é, às reflexões sobre o modo como é tratada a natureza
do objeto — a própria vida econômica (suas estruturas, seus mecanismos, suas
relações, etc.) — fundamentalmente ligada a tomadas de posições no campo
das políticas. Entretanto, assinalado o caráter ontológico da crítica keynesiana
ao mainstream da Economia — verdadeira ilustração de como as questões
ontológicas estão presentes nos debates da Economia —, não resulta daí o
esgotamento do debate no interior da tradição heterodoxa, caracterizado por
uma diversidade de posições, que não constitui o tema deste trabalho.

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96 Bruno Moretti; Marcos T. C. Lélis

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 99

Economia política do moderno sistema


mundial: as contribuições
de Wallerstein, Braudel
e Arrighi*
Wagner Leal Arienti** Professor do Departamento de Ciências Econômicas
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Felipe Amin Filomeno*** Mestre em Economia e Pesquisador do Grupo
de Pesquisa em Economia Política dos
Sistemas-Mundo da UFSC

Resumo
O primeiro objetivo do trabalho é modesto, o segundo é ambicioso. O objetivo
modesto é apresentar as principais contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi
para a abordagem do moderno sistema mundial. O sistema capitalista mundial
como unidade de análise e os conceitos de economia-mundo e sistema interestatal
são contribuições de Wallerstein. Fernand Braudel, além da contribuição
metodológica da noção de longa duração, enriquece a análise com o esquema
tripartido, que permite a articulação diferenciada do capitalismo com a econo-
mia de mercado e com as estruturas do cotidiano. O conceito de ciclo sistêmico
de acumulação, proposto por Arrighi, permite analisar a história do sistema mun-
dial com diferenças qualitativas ao longo do tempo. Uma tentativa de síntese da
abordagem do moderno sistema mundial é apresentada no final do trabalho.
Finalmente, o objetivo ambicioso é estimular análises críticas sobre o capitalis-
mo contemporâneo baseadas nessa abordagem.

* Artigo recebido em dez. 2004 e aceito para publicação em jun. 2006.


** E-mail: warienti@cse.ufsc.br
*** E-mail: aminfilomeno@hotmail.com
Os autores agradecem a todos que participaram do grupo de estudo do Labor e da disci-
plina Capitalismo e História, da área de concentração Transformações do Capitalismo
Contemporâneo, do Mestrado em Economia da UFSC. A contribuição de todos pode ser
percebida ao longo do texto. Os erros e omissões porventura existentes também podem
ser percebidos, mas são de responsabilidade dos autores.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


100 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

Palavras-chave
Economia-mundo capitalista; sistema interestatal; ciclo sistêmico de
acumulação.

Abstract
The paper has two aims, the first is modest and the other is ambitious. The first
objective is to introduce the main contributions of Wallerstein, Braudel and Arrighi
in the formation of the World-System Approach as a research program. The
notion of world capitalist system as unit of analysis and world-economy and
inter-state system as basic elements of world-system are all Wallerstein´s
contributions (section 2 and 3). The tripartide scheme is a main contribution of
Braudel to world system analysis (section 4). Arrighi´s proposal to analyse the
history of capitalism through the concept of systemic accumulation cycle is also
a major contribution, section 5. A summing up of World-System Approach is
presented in the section 6. Finally, the ambitious aim is to stimulate both the
study of critical theories of development and analysis on contemporary capitalism
based on World-System Approach.

Key words
Capitalist world-economy; inter-state system; systemic accumulation cycle.

Classificação JEL: B25.

1 Introdução
A proposta deste trabalho é, ao mesmo tempo, modesta e ambiciosa.
Modesta, porque tem o objetivo de fazer uma introdução da abordagem do
moderno sistema mundial, com a apresentação dos principais elementos
metodológicos e teóricos orientadores das análises históricas da mesma. A
hipótese do trabalho é que as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi
podem ser encadeadas para formar o núcleo duro dessa abordagem, encarada
como um programa de pesquisa de teorias e análises críticas ao desenvolvimento
do capitalismo. O trabalho não tem a pretensão de fazer um histórico das

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 101

proposições dos diversos autores que contribuíram para essa abordagem,1 nem
recapitular a controvérsia com o marxismo ortodoxo,2 como no debate entre
produtivistas e circulacionistas.3 Acredita-se que a seleção das contribuições
desses autores seja um passo inicial para apresentar o potencial de análise
dessa abordagem, não somente para análises históricas da formação do sistema
capitalista, como as dos autores selecionados, mas também para análises do
desenvolvimento contemporâneo. O destaque dado aos conceitos deve-se à
proposição de que a abordagem do moderno sistema mundial tem um arcabouço
teórico-analítico para explicar tanto a acumulação primitiva e sua apropriação
desigual na formação da economia capitalista mundial quanto a acumulação
diferenciada do excedente nos ciclos de expansão capitalista, inclusive em sua
fase contemporânea. A proposta ambiciosa é que este trabalho incentive a
retomada de estudos de teorias críticas do desenvolvimento capitalista e de
formulação de análises históricas que lidem com o contemporâneo em uma
perspectiva sistêmica e de longa duração. O conhecimento da abordagem do
sistema capitalista mundial pode ser um primeiro passo.
Este trabalho vai na contramão do método de apresentação utilizado pelos
autores resenhados. O objetivo deles era fazer uma análise da formação e do
desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial. A apresentação deu
destaque à análise histórica. O caráter inovador de suas análises estava em ser
orientado por novos métodos e conceitos sobre o capitalismo. Por exemplo, para
Wallerstein (1979, p. 489), “[…] o teorizar não é uma atividade separada da
análise dos dados empíricos. As análises só podem ser feitas em termos de
proposições e esquemas teóricos”. Braudel (1995, v. 1, p. 13) é avesso à
teorização a priori e a seus conceitos orientadores, como o esquema tripartido;
para ele, esse “[…] tornou-se o índice de referência de uma obra que eu
deliberadamente concebera à margem da teoria, de todas as teorias,
exclusivamente sob o signo da observação concreta e da história comparada”.
Arrighi (1996, p. 37) considera que segue o método de Philip McMichael de
“comparação incorporada”. Os conceitos propostos “não são presumidos, mas
construídos, factual e teoricamente”. Isso ilustra que as análises eram orientadas
por novos conceitos, que procuravam reunir consistentemente as evidências

1
Isso implicou fazer exclusões e cometer injustiças, principalmente sobre autores que deram
contribuições, primeiro, para a Teoria da Dependência e, posteriormente, para a análise do
sistema-mundo. Dentre esses autores, devem ser destacados André Gunder Frank e Rui
Mauro Marini. Para um conhecimento das contribuições desses autores, ver Blomstrom e
Hettne (1985), Larrain (1989), Kay (1989), Palma (1978) e Santos (2000).
2
Essa crítica está em Brenner (1977).
3
Uma discussão dessa controvérsia está em Blomstrom e Hettne (1985, cap. 8).

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102 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

em uma nova interpretação da história do capitalismo. O método de apresenta-


ção era a análise histórica, sendo que os conceitos eram apresentados conjun-
tamente com a análise e, por vezes, não explicitados. De acordo com o objetivo
do presente trabalho, o método utilizado é o de apresentação dos principais
conceitos, a partir da contribuição dos autores, sem haver a intenção de reproduzir
a análise histórica.
As seções seguintes perseguem o modesto objetivo do trabalho. A seção
2 apresenta a definição do sistema mundial como objeto de estudo da mudança
social, como proposto originalmente por Wallerstein. Na seção 3, são
apresentados os principais conceitos auxiliares que permitem a análise do
funcionamento da economia-mundo capitalista e do sistema interestatal,
elementos que compõem o sistema mundial. A contribuição de Braudel é o
esquema tripartido da economia, o qual é apresentado na seção 4. O conceito
de ciclo sistêmico de acumulação, contribuição de Arrighi, é apresentado na
seção 5. Uma tentativa de resumo e síntese da abordagem do sistema capitalista
mundial é feita na seção 6.

2 A definição do sistema mundial como uni-


dade de análise: a primeira contribuição
de Wallerstein
Os conceitos de moderno sistema mundial, economia-mundo capitalista e
sistema interestatal surgem no bojo de uma nova abordagem sobre a história do
capitalismo, que emergiu em meados dos anos 70 do século XX, com a publicação
do artigo seminal The Rise and Future Demise of the World Capitalist System:
Concepts for Comparative Analysis4 e do volume The Modern World-System
I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in
the Sixteenth Century, ambos de autoria de Immanuel Wallerstein. 5
O objetivo declarado era analisar a mudança social em sua totalidade.
Essa pretensão implicava definir um sistema social que superasse a dicotomia

4
Republicado em Wallerstein (2000).
5
Wallerstein (1979) utiliza essas noções na análise histórica da origem do capitalismo euro-
peu, embora apresente-as, rapidamente, em um pequeno capítulo introdutório. Posteriormen-
te, elas foram expostas com maior clareza em Wallerstein (1991), especialmente no Capítulo
10, The Inventions of Time Space Realities: Towards an Understanding of our
Historical System (p. 135-148), e no Capítulo 17, Historical System as Complex System
(p. 229-236).

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 103

fatores internos e externos na explicação de sua dinâmica. Centro e periferia


deveriam ser conceitos dentro de um mesmo sistema. Em uma análise sistêmica,
os elementos estão em interdepedência, não havendo sentido em considerar
elementos autônomos, de um lado, e elementos dependentes, de outro. Essa
era uma crítica à Teoria da Dependência que a unidade de análise proposta por
Wallerstein (1979) procurou superar.
Na análise de Wallerstein (1979), o foco é a formação histórica do sistema
capitalista a partir da expansão do capitalismo europeu no século XVI, com
integração de novos territórios como partes de seu sistema. Como primeira
contribuição, será vista a definição do sistema-mundo capitalista como unidade
de análise; como segunda contribuição, a teoria do desenvolvimento desigual
que orienta a análise histórica.
Os sistemas sociais são sistemas históricos complexos. São complexos
por consistirem em múltiplas estruturas: cada um deles representa uma rede
integrada de processos econômicos, políticos e culturais, que, de um lado, têm
dinâmica própria e potencial de diferenciação e, de outro, relações entre processos
e estruturas que os mantêm unidos. Wallerstein (1979) inova ao propor que o
caráter orgânico que permite unidade a esses processos e estruturas é a divisão
do trabalho, que, no capitalismo, ultrapassa barreiras locais dadas pelas estruturas
culturais e barreiras nacionais dadas pelas estruturas políticas.6
Seguindo na caracterização de sua unidade de análise, Wallerstein (1991)
define que os sistemas sociais podem ser de dois tipos: minissistemas ou
sistemas-mundo. Os minissistemas dizem respeito a economias tribais
integradas através da reciprocidade e que envolvem uma única divisão de trabalho
efetiva, uma única entidade política e uma única cultura. Para Wallerstein (1991,
cap.17), os minissistemas que existiram até agora foram absorvidos pela
expansão de sistemas-mundo. Atualmente, portanto, os únicos sistemas sociais
possíveis são os sistemas-mundo. Um sistema-mundo, como qualquer sistema
social, é definido como uma unidade espaço-temporal, cujo horizonte espacial é
co-extensivo a uma divisão de trabalho que possibilita a reprodução material
desse “mundo”. Sua dinâmica é movida por forças internas, e sua expansão
absorve áreas externas e integra-as ao organismo em expansão. Sua abrangência
espacial, determinada pela sua base econômica-material, engloba uma ou mais
entidades políticas e comporta múltiplos sistemas culturais. No caso que
interessa, o sistema-mundo capitalista reúne uma economia-mundo capitalista
e um conjunto de Estados nacionais em um sistema interestatal com múltiplas
culturas.
6
A tipologia de Wallerstein assemelha-se aos três modos básicos de organização econômica
propostos por Karl Polanyi (2000) — recíproco, redistributivo e de mercado —, que
correspondem, respectivamente, a minissistemas, impérios-mundo e economias-mundo.

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104 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

A auto-reprodução material e a larga abrangência espacial fazem esse tipo


de sistema social parecer, em si, um “mundo”, no sentido de que é maior do que
a jurisdição territorial de um Estado nacional, daí o nome “sistema-mundo”. É
um “mundo” no sentido de que tem sua reprodução material viabilizada dentro de
seus próprios limites, mas, no início da sua expansão, como no caso do
capitalismo, era apenas um fragmento do universo que ocupava uma parte do
globo. A relevância da definição do sistema-mundo como unidade de análise
está em sua referência para interpretar o capitalismo histórico como um sistema
surgido na Europa, a partir do longo século XVI, que expandiu sua organização
social do trabalho para as demais regiões geográficas e as integrou em sua
economia.
Nesse ponto, apresenta-se, de forma mais clara, a crítica de Wallerstein
(1979) às abordagens que utilizam o Estado nacional (ou a economia nacional)
como unidade de análise. Como se viu, ele propôs que a unidade de análise
utilizada deve abranger toda uma divisão de trabalho. Na história da expansão
do capitalismo, os interesses de acumulação organizaram uma divisão mundial
do trabalho, superando uma divisão local do trabalho típica das economias de
trocas não sistemáticas. O comércio comandado pelo interesse do capital não
deve ser visto como comércio internacional unindo economias nacionais
autônomas, que soberanamente decidem ter mais ou menos comércio com outras
economias nacionais, mas, sim, como comércio mundial que organiza uma
divisão mundial do trabalho de acordo com os interesses capitalistas de lucro
monopolista e acumulação incessante de capital e que, com essa força
unificadora, reúne regiões com política e cultura diferenciadas. Logo, a unidade
de análise apropriada para a compreensão das transformações do mundo moderno
é o sistema-mundo (o moderno sistema-mundo, como será visto adiante), isto
é, um sistema complexo, com múltiplas estruturas, mas com uma unidade
orgânica determinada pela divisão de trabalho organizada por interesses
capitalistas, e histórico, que ocorreu a partir da modernidade do longo século
XVI e que passou por vários ciclos e mudanças qualitativas.
Afirmou-se, acima, que um sistema-mundo pode abranger uma ou mais
entidades políticas, podendo transcender suas fronteiras. Nesse sentido,
Wallerstein (1991) divide os sistemas-mundo em dois tipos: impérios-mundo e
economias-mundo. Os impérios-mundo envolvem dois ou mais grupos
culturalmente distintos, que dependem de um sistema de governo único, vinculado
à elite de um centro, que mantém limites geopolíticos específicos, dentro dos
quais controla a divisão do trabalho e estabelece a apropriação forçada de
excedente, através de uma redistribuição de tributos feita por burocracia e
exército extensos.

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 105

Uma economia-mundo, ao contrário, é constituída por uma divisão de tra-


balho integrada através do mercado e não por uma entidade política central.
Nesse tipo de sistema social, duas ou mais regiões cultural e politicamente
distintas são interdependentes economicamente. Assim, há uma unidade
econômica dada pela divisão do trabalho, por isso uma economia-mundo, e não
há uma unidade política central, por isso não é um império-mundo e sim um
sistema interestatal, como se verá adiante.
As economias-mundo, segundo a análise de Wallerstein (1979), tendiam,
historicamente, a ser dominadas por uma única unidade política e a ser
incorporadas em impérios-mundo. A economia-mundo capitalista, no entanto,
apresentou-se como uma força superior a essa tendência. “Os impérios políticos
são meios primitivos de dominação econômica.” (Wallerstein, 1979, p. 3). “O
que faz o capitalismo é oferecer uma fonte alternativa e mais lucrativa de
apropriação do excedente (ao menos mais lucrativa no longo prazo).” (Wallerstein,
1979, p. 25). Estão aí postos novos conceitos para Wallerstein fazer sua análise
histórica da mudança social no capitalismo. O moderno sistema-mundo é, por
definição do autor, uma economia-mundo capitalista combinada com múltiplos
Estados nacionais, que, juntos, formam o sistema interestatal.

3 A economia-mundo capitalista e o sistema


interestatal: a segunda contribuição
de Wallerstein
Como colocado acima, o capitalismo expandiu-se territorialmente para
integrar novas áreas sob seu domínio. Essa expansão realizou-se por meio de
capitais respaldados pelos Estados nacionais. Paralelamente à formação da
economia-mundo capitalista, havia também a manutenção e o acirramento da
rivalidade entre os Estados nacionais, não mais movidos apenas pela pilhagem
ou pela conquista territorial para arrecadação de tributos, como era esperado na
expansão de um império, mas para apoiar os seus capitais, organizar uma divisão
do trabalho mais ampla, garantir condições de monopólio para seus capitais e,
com isso, gerar maiores rendas e arrecadar tributos. A economia-mundo capitalista
e o sistema interestatal formaram o moderno sistema mundial. Os conceitos
que enriquecem a análise da formação histórica das duas faces do sistema
mundial serão vistos nas próximas subseções.7

7
Essas subseções seguem os conceitos destacados por Goldfrank (2000).

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106 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

3.1 A economia-mundo capitalista


O caráter que dá unidade à economia-mundo é, como visto acima, a divisão
mundial do trabalho. Tem-se, assim, uma noção de divisão social do trabalho
que se importa não apenas com seu caráter funcional, mas também com sua
dimensão espacial. Essa extensão da análise aplica-se, inclusive, à distribuição
regional do produto que é gerado por essa divisão do trabalho. A teoria marxista
explica a distribuição desigual do produto do trabalho entre classes sociais. A
abordagem do moderno sistema mundial capitalista estende essa preocupação
da divisão do produto para a distribuição desigual entre as regiões que participam
da produção mundial. Há, assim, na produção e na distribuição do excedente do
sistema-mundo capitalista, desigualdades sociais e regionais que se entrecruzam.
Paralelamente à divisão social do trabalho, há também uma divisão mundial do
trabalho, com assimetrias na distribuição do excedente e, por isso, definindo
uma divisão axial do trabalho com capitais, concentrados espacialmente em
regiões, conceituadas como centrais, como se verá a seguir, e apoiados por
Estados nacionais, que absorvem o excedente não só gerado pelos seus
trabalhadores, como na explicação marxista, mas também parcela do excedente
gerado pelos trabalhadores concentrados em outras regiões, conceituadas como
periféricas.
Novos conceitos são necessários para dar mais conteúdo para a divisão
social e axial do trabalho que domina a economia-mundo capitalista, os quais
são apresentados a seguir.

As cadeias de mercadorias
Geralmente, estão relacionadas ao comércio de longa distância, que engloba
várias regiões e perpassa fronteiras de territórios de Estados nacionais. São
cadeias produtivas e comerciais que compõem a produção de mercadorias,
desde a extração de suas matérias-primas — em geral, feita nas regiões de
periferia — até sua transformação em produtos de alto valor agregado,
normalmente realizada no centro (a estrutura centro-periferia será apresentada a
seguir).
Uma cadeia mercantil engloba as diversas etapas dos processos produtivo
e comercial necessárias para a colocação de um produto final no mercado. O
valor de uma dada mercadoria é gerado pelo trabalho realizado nos diversos
elos da cadeia, como esperado em qualquer teoria do valor trabalho. A novidade
da análise está em considerar que a distribuição do valor não é feita de forma
eqüitativa com o valor trabalho gerado em cada elo. Alguns capitalistas que

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 107

controlam determinada etapa do processo produtivo e comercial recorrem a meios


diversos para absorver o valor gerado em outros segmentos. A situação de
monopólio em algum segmento da cadeia de mercadorias é um modo tradicional
de obter uma proporção mais larga do valor. Esse monopólio pode ocorrer por
causa de alguma vantagem tecnológica ou organizacional, tal como formulado
por Schumpeter (1982), ou graças a alguma restrição politicamente forçada da
concorrência.
O que se costuma chamar de mercantilismo, para Wallerstein (1979) foi o
resultado da ação de capitalistas locais que usaram estruturas estatais para
organizar o comércio de longa distância e, como corolário, formar uma divisão
do trabalho entre várias regiões da economia-mundo capitalista em expansão.
Isso envolvia integrar novas regiões produtoras e consumidoras às cadeias
mercantis por eles lideradas, de modo a absorver grande parte do excedente
gerado nessa cadeia. Para ter essa liderança, era necessário minar rivais
economicamente mais fortes, situados em outros Estados e que poderiam ser
concorrentes. Era necessário estabelecer monopólios para garantir lucros
extraordinários, e, para isso, contaram com o apoio dos seus Estados nacionais.
Em geral, os Estados nacionais, em busca de maior poder frente a seus cidadãos
e a outros Estados, procuraram garantir, para suas burguesias locais, o controle
sobre as etapas mais rentáveis das cadeias de mercadorias (o que se relaciona,
especialmente, com os conceitos de hegemonia e imperialismo expostos a seguir).

A relação centro-periferia
Baseia-se numa divisão axial do trabalho entre as várias regiões da
economia-mundo capitalista, onde são desenvolvidas as etapas das cadeias
mercantis. Essa divisão do trabalho entre regiões é manipulada pelos Estados
nacionais mais fortes, de modo a garantir aos seus capitalistas locais o controle
sobre as etapas dos processos produtivo e comercial que proporcionam a maior
absorção do excedente gerado em uma cadeia mercantil. Essa assimetria no
controle das atividades produtivas e comerciais entre burguesias nacionais é
continuamente reproduzida, na medida em que passa a operar uma força centrípeta
de concentração do excedente nas mãos da burguesia do centro, através de
mecanismos de troca desigual (explicados adiante), que tende a dar continuidade
à diferenciação entre as regiões. Vista dessa forma, a distribuição do excedente
gerado numa cadeia mercantil é determinada não apenas pela distribuição desigual
de vantagens econômicas (isto é, dotação desigual de fatores, diferenças
tecnológicas e organizacionais, como normalmente é tratado na teoria de comércio
internacional), mas, principalmente, pela relação de forças em que se confrontam

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108 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

as burguesias nacionais e seus respectivos Estados. O conceito centro-perife-


ria explica a transferência de excedente gerado pela produção de determinadas
atividades para outras atividades que fazem parte da cadeia mercantil e estão
concentrados em uma dada região. Os capitais utilizam vários expedientes
monopolistas, sejam econômicos e/ou políticos, como o apoio de seu Estado
nacional, para garantir a absorção da maior parte do valor gerado na cadeia
mercantil.
Centro e periferia devem ser vistos mais como conceitos da economia-
-mundo capitalista do que como regiões geográficas, isto é, só têm significado
em uma análise sistêmica. Como um processo da economia-mundo capitalista,
a divisão mundial do trabalho e a distribuição desigual do excedente geram
atividades centrais e periféricas conforme a capacidade de a aliança capital e
Estado absorver excedentes dos vários elos das cadeias mercantis, por meios
econômicos e extra-econômicos. Historicamente, capitalistas e Estados
organizam o processo de produção mundial entre várias regiões geográficas, de
forma que haja uma concentração de atividades monopolistas em determinada
regiões, tornando-as regiões centrais (que podem coincidir com territórios de
Estados nacionais), e atividades sem condições de escapar da concorrência de
seus competidores e da troca desigual dos monopolistas em outras regiões,
tornando-as regiões periféricas (da mesma forma, podendo coincidir com territórios
nacionais ou mesmo continentais).8

A semiperiferia
A relação centro-periferia não é dicotômica; expressa, sim, um processo
contínuo de atividades em elos da cadeia de mercadorias, que, conforme os
mecanismos econômicos e políticos disponíveis, são capazes de absorver (ou
de transferir) valor das (ou para) atividades dos demais elos. Regiões que
participam das cadeias mundiais de mercadorias podem ter, simultânea e
paralelamente, atividades centrais e periféricas, ou atividades que absorvem
valor de atividades periféricas, de um lado, e transferem valor para atividades
centrais, de outro. Amplia-se, assim, a classificação que se pode fazer de zonas
geográficas da produção mundial, como os territórios dos Estados nacionais,

8
Para uma boa descrição da evolução e da diferenciação da noção de periferia, como propos-
to por Prebisch, e sua nova conceituação na abordagem do sistema mundial, ver Wallerstein
(1987).

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 109

que podem ser classificadas, nesse continuum, como zonas centrais,


semiperiféricas e periféricas.9

A troca desigual
Diz respeito aos mecanismos da divisão de trabalho entre centro e periferia,
que resultam na transferência sistemática de excedente de atividades produtivas
periféricas para atividades centrais, gerando uma distribuição desigual do valor
da produção mundial, o que provoca, por sua vez, uma diferenciação entre as
unidades do sistema interestatal, na medida em que Estados nacionais se
beneficiam do maior excedente apropriado por suas burguesias locais, ao
concentrarem atividades centrais no seu território nacional.
Mecanismos econômicos e extra-econômicos são utilizados pelas
burguesias e por seus Estados nacionais para distorcer o mercado a seu favor,
através da manutenção de relações monopolistas. O capitalismo tem-se utilizado
de vários meios para transferir excedente gerado na atividade periférica, onde
prevalece uma taxa de lucro baixa, para os capitais monopolistas, onde prevalece
uma taxa de lucro extraordinária dada pela troca desigual. Isso significa que os
capitalistas utilizam o mercado para fazer a circulação de mercadorias, mas
evitam que o mesmo os levem a uma concorrência e a uma troca pelo valor
correspondente ao gerado exclusivamente pela sua participação produtiva na
cadeia mercantil. Eles utilizam o mercado para fazer a troca desigual e para
absorver o excedente gerado pelo trabalho em outros elos da cadeia de produção
de mercadorias. Para que a troca desigual não seja esporádica, como pode
acontecer no mercado, os capitalistas têm que garantir seu monopólio de forma
mais protegida e duradoura em alianças com o Estado. Por isso, Arrighi (1996, p.
25) coloca que, para desvendar os segredos do capitalismo histórico, é preciso
entender não apenas o que se passa na esfera ruidosa e transparente da
“economia de mercado”, mas também no “domicílio oculto”, onde o dono do
dinheiro, isto é, o capitalista, se encontra com o dono do poder político.

9
Arrighi (1997) fez uma análise, classificando Estados nacionais nas categorias centro,
semiperiferia e periferia. O interessante de sua análise está em mostrar como, em termos
individuais, Estados-nação podem mudar de classificação, se, nas várias cadeias de merca-
dorias em que participam, concentrarem mais atividades centrais do que periféricas e, com
esse movimento, se deslocarem, ao longo do tempo, de periferia para semiperiferia e para
o centro. O estudo também mostra que esses deslocamentos individuais são raros e que há
persistente gap separando essas categorias ao longo do período 1938-83.

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110 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

A acumulação de capital
É o conceito marxista de utilização do excedente, que está na forma
monetária, em capital, para voltar ao início do processo de geração de valor e
mais-valia de forma ampliada. A dinâmica do capitalismo está baseada, como é
tradicionalmente colocado pela análise marxista, na incessante acumulação de
capital. Cabe mencionar que os autores da análise do sistema-mundo, como
Wallerstein e Arrighi, utilizam mais o termo “excedente” do que “mais-valia”.
Muito mais do que uma preferência semântica, está a opção em destacar que o
excedente, que é trabalho não pago ao trabalhador, é centralizado pelos
capitalistas não apenas na relação capital-trabalho direta na produção tipicamente
capitalista, o que seria a mais-valia, mas de várias formas e por vários meios
pelos capitalistas, o que inclui a troca desigual.
Na análise do moderno sistema mundial, o conceito de acumulação de
capital é fundamental para dar o caráter capitalista à economia-mundo que estava
em formação a partir do século XVI, mas que ainda não se baseava
predominantemente na relação social de produção capitalista. Como colocado
acima, a acumulação de capital é considerada na sua forma mais geral e não
especializada, isto é, D - D’, como um valor procurando a sua multiplicação.
Como um processo que ocorre em escala mundial, a acumulação de capital
deve ser entendida conjuntamente com a divisão desigual do excedente entre
centro e periferia. Envolve a apropriação do excedente extraído dos trabalhadores
e dos produtores diretos do centro e da periferia, mas há também uma
transferência de excedente da periferia para o centro, o que implica,
historicamente, uma acumulação de capital mais concentrada no centro do que
na periferia, de um lado, e uma maior exploração dos trabalhadores da periferia
em relação aos trabalhadores do centro, de outro. Isso permite entender a
possibilidade de desenvolvimento desigual, porém combinado, entre centro e
periferia. Permite também entender não somente conflitos competitivos entre
classes, como previsto na teoria marxista, mas também entre regiões e entre
Estados-nação, como proposto nessa visão de economia-mundo capitalista.

3.2 O sistema interestatal


Como colocado acima, o moderno sistema mundial é formado por uma
economia-mundo capitalista combinada com múltiplas entidades políticas,
formadas, principalmente, por Estados nacionais juridicamente soberanos. O
sistema interestatal indica que não há nenhum Estado nacional com poder para
fazer uma centralização política e estabelecer um império-mundo. Todavia cabe

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 111

um importante papel para os Estados nacionais, em aliança com os capitais


baseados em seu território, ao interferirem na divisão axial do trabalho da
economia-mundo capitalista, com o intuito de trazerem atividades centrais para
o seu domínio. Com uma concentração maior do excedente mundial em suas
fronteiras, o Estado nacional pode garantir a reprodução de sua burocracia e de
seus interesses políticos com a tributação sobre parte do excedente internalizado.
O sistema de Estados nacionais que atuam na economia-mundo capitalista
também tem forças assimétricas, que permitem que Estados nacionais individuais
utilizem mecanismos políticos, diplomáticos e militares para concentrarem
atividades centrais captadoras da maior parte do excedente da produção mundial
para seus territórios. Estados com força para concentrar atividades centrais em
seu território são também Estados com força no balanço de poder do sistema
interestatal e com influência na organização da economia mundial. As políticas
estatais podem, portanto, afetar a relação centro-periferia da economia-mundo,
mas a capacidade de um Estado individual está restringida pelo balanço de
forças do sistema interestatal, em que, historicamente, há momentos de
hegemonia de um Estado central e, em outros, rivalidade e disputa entre eles
(Wallerstein, 1987, p. 554).
O sistema interestatal também precisa de conceitos adicionais para melhor
explicar seu funcionamento.

O imperialismo
Refere-se à dominação de regiões periféricas, onde as estruturas estatais
são fracas ou inexistentes (Estados, colônias ou áreas externas), por parte de
Estados centrais mais fortes. Decorre disso que, embora Estado nacional se
refira comumente a jurisdições politicamente independentes, há uma diferença
entre a soberania de facto (real, limitada e relativa) e a soberania de jure (teórica)
de um determinado Estado. Imperialismo abrange os vários meios econômicos,
políticos e militares nas relações interestatais que promovem a transferência de
excedente para as regiões centrais.

A hegemonia
Para Wallerstein (1984, p. 38-39, apud Arrighi; Silver, 2001),
[...] a hegemonia no sistema interestatal refere-se à situação em que a
rivalidade permanente entre as chamadas grandes potências é tão
desequilibrada, que uma potência é realmente primus inter pares, ou seja,
uma potência pode impor suas regras e desejos [...] nas arenas econômica,
política, militar, diplomática e até cultural.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


112 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

Como esperado, na utilização do conceito gramsciano de hegemonia para a


relação interestatal, a hegemonia de um Estado nacional deve garantir uma
relação assimétrica entre centro e periferia, de tal forma que, de um lado, não
haja contestações violentas nem por parte dos rivais do centro, nem pelos
Estados periféricos e, de outro, que haja uma perspectiva, real ou ilusória, de
melhoria por parte dos seus membros dentro da organização vigente do sistema.
Nas análises históricas feitas por Wallerstein (1979) e, principalmente, por
Arrighi (1996), as hegemonias têm uma dimensão temporal restrita. Seu
surgimento é tipicamente precedido por guerras mundiais, e seu declínio está
geralmente associado ao aumento da luta de classes no seu interior, à difusão
de suas vantagens técnicas e, por fim, ao aumento da rivalidade entre as
potências nacionais centrais e a uma disputa pela hegemonia. Há, historicamente,
um processo cíclico de transição de hegemonias.

A luta de classes
É o conflito entre as classes sociais, tradicionalmente “trabalhadores” e
“capitalistas”, decorrente da oposição de interesses econômicos e políticos. É
considerada pelo marxismo a principal força motriz da história e encarada, na
abordagem do sistema-mundo, como um processo que ocorre em escala global,
abrangendo toda a economia-mundo e atravessando os limites dos Estados
nacionais. A noção de economia-mundo capitalista abre espaço para uma
interpretação mais ampla da luta de classes, não só ao considerá-la em escala
mundial, mas ampliando-a para além de conflitos entre capitalistas e trabalhadores
assalariados dentro de uma jurisdição política, como o Estado nacional. Por
exemplo, a idéia de que, numa cadeia mercantil, as partes mais rentáveis do
processo produtivo e comercial se concentram nas mãos de uma burguesia
estrangeira, vinculada ao centro, coloca o capitalista da periferia numa situação
de dualidade e o trabalhador em uma situação de superexploração10. O capitalista
em atividade periférica e integrado ao sistema mundial é, ao mesmo tempo,
explorador e explorado, na medida em que parte do excedente que ele extrai de
seus trabalhadores é transferida aos capitalistas do centro. Para garantir uma
taxa de lucro compatível com a sua sobrevivência no sistema, deve recorrer à
superexploração dos seus trabalhadores, mesmo quando estão em uma relação
de produção tipicamente capitalista.

10
A superexploração é um conceito formulado por Marini (2000), que pode ser aplicado
apropriadamente na abordagem do sistema mundial, apesar de Wallerstein, Braudel e
Arrighi não utilizarem esse conceito explicitamente.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 113

4 O esquema tripartido do sistema capitalista:


a contribuição de Braudel
A abordagem do moderno sistema mundial incorpora o método da longa
duração proposto por Braudel (1958) como referência para suas análises que
tinham não só hipóteses inovadoras de interpretação histórica, mas, sobretudo,
pretensões globalizantes e estruturantes no sentido de articular determinações
de várias estruturas na explicação da história do sistema.11 Cada estrutura tem
seu próprio tempo e, se se considerar que o sistema é complexo, devem-se
respeitar as continuidades de estruturas em meio a mudanças de outras
estruturas. Nesse sentido, a longa duração é a dimensão temporal adequada
para análises da mudança em sistemas históricos complexos. Se os autores
da abordagem conseguem aplicar com êxito tal método, isso é uma questão em
aberto, mas o método da longa duração é uma referência.
Fernand Braudel, um historiador já famoso pelas inovações da Escola dos
Annales e pelo método da longa duração, deu uma contribuição à abordagem,
ao incluir o conceito de economia-mundo, como proposto por Wallerstein, na
análise do terceiro volume de Civilização Material, Economia e Capitalismo
(Braudel, 1995). Sua contribuição conceitual, à qual se dará mais destaque mais
adiante, está na forma de sintetizar o caráter heterogêneo do capitalismo histórico,
ao propor analisar as diferenças regionais com um esquema tripartido. Braudel
(1985) divide a vida econômica, no capitalismo, em três conjuntos de atividades,
em três “andares”. A camada inferior dessa estrutura tripartida é denominada
“vida material” e se refere às atividades cotidianas, rotineiras, habituais e
inconscientes, em que a relação do homem com as coisas é orientada pelo seu
valor de uso, não pelo seu valor de troca. O andar subseqüente é chamado de
“economia de mercado” e diz respeito à vida econômica em si, às trocas rotineiras
(e não apenas às trocas esporádicas), à produção para o mercado (e não
simplesmente à troca de excedente do auto-consumo) e à relação entre pessoas
e coisas baseada no valor de troca. Braudel (1985) distingue dois níveis da
“economia de mercado”: um inferior, composto por mercados, lojas e vendedores

11
Fernand Braudel, historiador com contribuições para a Escola dos Annales, propôs o
método da longa duração para analisar as descontinuidades e as descontinuidades que
fazem a mudança lenta das estruturas sociais. Wallerstein (1979), de forma não revelada,
e Arrighi (1996), de forma explícita e elogiosa, utilizam o método da longa duração em suas
interpretações da mudança social no capitalismo histórico. Para uma rápida e boa análise
da Escola dos Annales e do papel de Braudel como historiador dessa escola, ver Burke
(1997), Reis (2000) e coletânea de artigos em Lopes (2003). Sobre o método de longa
duração, ver Rojas (2001).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


114 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

ambulantes; e um superior, formado por feiras e bolsas, onde o volume


transacionado e a complexidade institucional são maiores. Esse andar é marcado
pela transparência das trocas e pela concorrência entre os agentes.
Entretanto, há processos no sistema capitalista que não cabem incluir na
“economia de mercado”, pois se baseiam numa forma específica de conduzir os
jogos da troca, em que mecanismos de mercado e extramercado são utilizados
para obter a maior parte do excedente. Esses processos e essa forma de conduzi-
-los dizem respeito à camada superior da estrutura tripartida, ocupada pelo que
Braudel (1995) chamou, especificamente, de capitalismo. Constitui uma esfera
de circulação diferenciada, que fica no topo da hierarquia das trocas. É onde se
encontram as trocas desiguais, em que a concorrência (característica essencial
da “economia de mercado”) tem um reduzido lugar. Nesse sentido, Braudel (1985)
distingue dois tipos de troca:
[...] uma troca terra-a-terra, concorrencial, pela sua transparência; outra,
superior, sofisticada, dominante. Não são os mesmos mecanismos, nem
os mesmos agentes, que regem estes dois tipos de atividade, e, aliás, não
é o primeiro, mas, sim, o segundo que constitui a esfera do capitalismo
(Braudel, 1985, p. 67).

Nesse momento, cabe apresentar a crítica de Caillé (1989) a Braudel (1995),


pois permite uma melhor compreensão do esquema tripartido. Não se deve
entender a “economia de mercado” braudeliana como experiência histórica do
modelo de circulação simples de mercadoria de Marx, na fórmula M - D - M. Em
termos conceituais, a referência é a fórmula D - M - D’ de Marx tanto para a
“economia de mercado” quanto para o “capitalismo” de Braudel (1995). Caillé
(1989) faz uma crítica e uma interpretação de Braudel (1995), exigindo dirimir
ambigüidades que a retórica braudeliana por vezes permite. Nessa interpretação,
o esquema tripartido de Braudel refere-se ao capitalismo histórico e pode ser
útil para analisar a formação e o desenvolvimento do capitalismo. As esferas de
“economia de mercado” e “capitalismo” são estruturas de uma economia onde a
produção é predominantemente de mercadorias, a troca nos mercados é
sistemática, e o trabalho também é predominantemente assalariado; trata-se,
portanto, do modo de produção capitalista.
[...] se o “pequeno produtor” realmente se submete à contabilização de
inputs ou outputs, é porque ele já está sistematicamente orientado para o
mercado, do qual depende para a sobrevivência ou o qual conta tornar
local de seu enriquecimento. Nesses casos, a fórmula M - D - M torna-se
inadequada para ele. Não a simples mercadoria, mas realmente o dinheiro
que está na origem do processo e que constitui sua finalidade no mínimo
imediata. Grande ou pequeno, dir-se-ia que ele já se tornou capitalista,
mesmo que ainda continue sendo para si mesmo seu único assalariado?
Isso não é conceitualmente insustentável. Mas há uma repugnância em

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 115

colocar-se debaixo do mesmo rótulo de capitalista o artesãozinho de aldeia


e o grande capitalista de indústria. Aliás, é essa repugnância que confere à
distinção braudeliana do mercado e do capital o mais claro de sua afirmativa
categórica. (Caillé, 1989, p. 127).

Caillé orienta a leitura de Braudel (1985) para a análise histórica do modo


de produção capitalista e não apenas para uma leitura da história da relação
entre estruturas capitalistas e pré-capitalistas, embora esta última modalidade
possa ser utilizada para interpretar períodos de afirmação e expansão do
capitalismo como sistema histórico, como no caso da relação entre o capitalismo
comercial e a escravidão. A orientação de Caillé é que a contribuição do esquema
tripartido enriquece a análise principalmente do sistema capitalista em seus
períodos de ampliação e difusão da relação social capitalista, como no período
contemporâneo. Acatada essa orientação, a leitura de Braudel (1985) pode ficar
mais rica, ao se procurar a explicação para o caráter diferenciador do capitalismo,
no sentido marxiano de modo de produção, nas relações em que as estratégias
da esfera capitalista dominam as demais esferas da economia de mercado e da
vida material, no sentido braudeliano. Na análise do capitalismo histórico, o
interesse é explicar as diferentes estruturas que o modo de produção capitalista
produz ao longo de sua formação, de sua consolidação e do seu desenvolvimento
histórico. Como a preocupação é explicar o capitalismo histórico e seu
desenvolvimento diferenciado nas várias regiões, as relações entre as estruturas
da vida material, da “economia de mercado” e do capitalismo permitem conceituar
as diferenças espaciais e históricas do capitalismo como modo de produção.
Na explicação do desenvolvimento desigual do capitalismo histórico, Braudel
insiste no caráter diferenciador da estrutura superior do capitalismo. Afinal,
considerar o artesãozinho que produz para o mercado e o grande capitalista da
indústria como igualmente capitalistas impediria de perceber seus diferentes
potenciais de acumulação e suas diferenças efetivas. Na busca dessa
diferenciação, Braudel (1995) identifica o capital pela sua dinâmica de acumulação
e não pela sua forma concreta. Assim, ele identificou o grande capital pela sua
flexibilidade, por suas várias especializações e pelas múltiplas formas de acumular
e expandir.
Permitam-me identificar aquilo que me parece ser um aspecto essencial da
história geral do capitalismo: sua flexibilidade ilimitada, sua capacidade de
mudança e de adaptação. Se há, segundo creio, uma certa unidade no
capitalismo, da Itália do século XIII até o Ocidente dos dias atuais, é aí,
acima de tudo, que essa unidade deve ser situada e observada. (Braudel
apud Arrighi, 1996, p. 4).

A flexibilidade e a mobilidade levaram o capital a assumir especializações


em determinados períodos, dada a possibilidade de auferir lucros extraordinários
na atividade. Mas Braudel sempre ressaltou que a especialização na forma

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


116 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

industrial não foi “[...] o desabrochamento final, que teria dado ao capitalismo
sua ‘verdadeira’ identidade” (Braudel apud Arrighi, 1996, p. 4), mas uma de suas
múltiplas formas, que, por sua vez, se apresentou de forma concentrada no
período imediato pós-revolução industrial. O capital industrial permite a geração
de mais-valia relativa, mas pode-se questionar se consegue reter esse excedente,
se estiver em condições de concorrência e outros capitais estiverem em
condições monopolistas. Braudel percebeu que capitalismo e “economia de
mercado” tiveram várias relações e formas ao longo da história do capitalismo
histórico.
O erro seria imaginar o capitalismo como um desenvolvimento por fases
em saltos sucessivos: capitalismo mercantil, capitalismo industrial,
capitalismo financeiro. [...] O leque mercantil, industrial, bancário, isto é, a
coexistência de várias formas de capitalismo, abre-se já em Florença no
século XIII, em Amsterdam no século XVII, em Londres já antes do século
XVIII. No princípio do século XIX, o maquinismo decerto fez da produção
industrial um setor de grande lucro, e o capitalismo aderiu, portanto,
maciçamente. Mas não ficará estacionado aí [...].Por outro lado, a despeito
de tudo o que se tem dito do capitalismo liberal e concorrencial dos séculos
XIX e XX, o monopólio não perdeu seus direitos. Simplesmente assumiu
outras formas, toda uma série de outras formas, desde os trusts e as
holdings até as famosas multinacionais americanas, que, durante os anos
60, triplicaram o número de filiais no estrangeiro. (Braudel, 1995, v. 3,
p. 577).

Não só na diferenciação entre capitalismo e “economia de mercado”, mas


nas relações entre essas duas esferas, é que Braudel (1995) esteve interessado,
principalmente no Volume 3 de Civilização Material, Economia e Capitalismo.
Essa camada superior é a força organizadora e dinâmica do sistema, que
prospera, manipula e extrai excedentes dos andares inferiores:
[...] acima e não abaixo da vasta superfície dos mercados, ergueram-se
hierarquias sociais ativas: falseiam a troca em proveito próprio, fazem
vacilar a ordem estabelecida; voluntária e até involuntariamente, criam
anomalias, turbulências [...]. Foi assim que grupos de atores privilegiados
entraram em circuitos e cálculos que a maioria das pessoas ignora (Braudel,
1995, p. 12).

Na esfera capitalista, a concorrência é contornada através de instrumentos


econômicos, quando é possível impor o monopólio pelas próprias forças de
mercado, e não econômicos (o monopólio legal, o privilégio, a coerção militar, a
diplomacia), colocados normalmente, pelo Estado, à disposição do capitalista.
“O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado.”
(Braudel, 1985, p. 70). O capitalismo é, nesse sentido, o contra-mercado, onde
o monopólio — e todo esforço para prolongar essa situação temporária — e a
troca desigual são possibilitados pelo amparo do Estado e permitem aos

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 117

capitalistas auferirem o lucro extraordinário que buscam incessantemente. A


troca pelo valor é típica da esfera da “economia de mercado” braudeliana, onde
a concorrência uniformiza e reduz a taxa de lucro. Para uma análise do capitalismo
histórico, torna-se necessário incorporar conceitos que iluminem as diferenças
nas estruturas concretas do capitalismo.
A aliança entre capital e Estado permitiu que o monopólio e os lucros
extraordinários não fossem uma condição esporádica ou temporária, como
inúmeras vezes ocorre na esfera das “economias de mercado”. Essa aliança se
consolidou, primeiramente, na Europa e em várias experiências de Estados
nacionais na rivalidade européia. A esfera superior do capitalismo, com a aliança
capital e Estado que se realizou na Europa, a partir do século XVI, transformou-
-se no “monstruoso modelador da história mundial” (Braudel apud Arrighi, 1996,
p. 11). Braudel (1995) escreveu o terceiro volume de Civilização Material,
Economia e Capitalismo sob influência da proposição de Wallerstein para a
economia-mundo, como ele próprio reconhece.12 Mas sua análise histórica
manteve-se atenta às relações entre as três camadas da economia capitalista.
Sua contribuição à abordagem do sistema mundial está em analisar a expansão
do sistema capitalista tanto em um movimento de expansão horizontal de
conquistas de novos territórios e mercados e de colocá-los sob domínio da
camada capitalista quanto em um movimento de integração vertical, ao dominar
os demais andares da vida econômica, mas com diferenças na articulação entre
eles, o que permite a diferença regional e o caráter heterogêneo do capitalismo
histórico.

5 Os ciclos sistêmicos de acumulação:


a contribuição de Arrighi
Arrighi, assim como Wallerstein e Braudel, estava interessado em apresentar
uma descrição e uma interpretação das estruturas de longa duração do capitalismo
histórico. Contudo, ao realizar estudos nesse sentido, percebeu que o processo
de formação e expansão do capitalismo histórico não se deu por uma trajetória
linear dentro de estruturas imutáveis e relações permanentes. Há uma dinâmica
com continuidades de estruturas e de relações — daí a longa duração — e

12
“As considerações que se seguem neste capítulo (Cap.: ‘As divisões do espaço e do tempo
na Europa’, seção: Espaço e economias: as economias-mundos) vão de encontro às teses
de I. Wallerstein (1979), embora nem sempre eu esteja de acordo com ele.” (Braudel, 1995,
v. 3, cap. 1, p. 589, nota 5).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


118 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

descontinuidades com inovações nas estruturas e com novas relações entre


elas — daí a mudança. Ao longo da história do capitalismo, houve mudanças
sistêmicas, caracterizadas por processos de reorganização radical do moderno
sistema-mundo, que alteraram substantivamente a natureza dos integrantes do
sistema, sua maneira de se relacionar uns com os outros e o modo como o
sistema funciona e se reproduz (Arrighi; Silver, 2001, p. 30).
No entanto, uma característica essencial do capitalismo permaneceu nas
mudanças, que, por isso, foram analisadas como mudanças cíclicas. Para Braudel
e Arrighi, o capital tem flexibilidade ilimitada, com ampla capacidade de mudança
e de adaptação. A dinâmica cíclica do capitalismo histórico, embora se apresente,
a cada época, sob formas concretas aparentemente mais complexas ou
sofisticadas, em diferentes tempos e lugares, possui uma lógica subjacente e
repete essencialmente as mesmas contradições sistêmicas do capitalismo, que
são resolvidas apenas temporal e parcialmente. Essa interação entre os aspectos
essenciais do capitalismo histórico, que se reproduzem, e suas formas concretas,
que se transformam, é comentada por Arrighi da seguinte forma:
[...] os ciclos sistêmicos de acumulação [...] apontam para uma continuidade
fundamental nos processos mundiais de acumulação de capital nos tempos
modernos. Mas também constituem rupturas fundamentais nas estratégias
e estruturas que moldaram esses processos ao longo dos séculos (Arrighi,
1996, p. 8).

Na proposição de Arrighi (1996), a expansão do moderno sistema-mundo


até suas dimensões atuais deve ser compreendida através de uma série de
reorganizações fundamentais que o colocaram em diferentes etapas de
desenvolvimento. Foi ao procurar as semelhanças e as diferenças entre cada
uma dessas etapas, seguindo a abordagem do sistema mundial e a perspectiva
da longa duração (considerada por ele o único arcabouço temporal adequado
para seu trabalho), que Arrighi (1996) percebeu que, em cada uma delas, um
determinado bloco ou comunidade de agentes governamentais e empresariais,
ou, como colocado anteriormente, uma dada aliança capital e Estado, era
hegemônico no sistema-mundo. Esse bloco exercia sua hegemonia através de
inovações nas estruturas existentes e de novas estratégias de combinação de
estruturas, mediante as quais promoviam, organizavam e regulavam a expansão
da economia-mundo capitalista. Arrighi (1996) denominou esse conjunto
específico de inovações e estratégias que conquistaram a liderança do sistema-
-mundo “regime de acumulação em escala mundial” e percebeu que cada um
desses regimes apresentava um comportamento cíclico.
Esse autor procurou compreender os processos de mudança sistêmica,
com reorganização radical do sistema-mundo, como transições hegemônicas,
definidas como momentos de mudança no agente principal dos processos

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 119

mundiais de acumulação de capital e das estruturas político-econômicas em


que tais processos estão baseados. Para interpretar essa trajetória histórica,
Arrighi (1996) propôs o conceito de ciclos sistêmicos de acumulação: ciclos
de ascensão e queda de hegemonias políticas e dos respectivos regimes de
acumulação de capital e poder que lhes são subjacentes, intervalados por períodos
de transições sistêmicas. Trata-se, portanto, de um novo conceito proposto na
abordagem para analisar a dinâmica e a mudança de dinâmica da economia-
-mundo capitalista e da hegemonia no sistema interestatal.
Em cada estágio do capitalismo histórico, um determinado Estado
hegemônico e os agentes capitalistas a ele relacionados (“complexos particulares
de órgãos governamentais e empresariais” ou aliança capital e Estado) estão na
liderança do “andar superior” da economia. O Estado hegemônico lidera o sistema
interestatal, e seus agentes capitalistas lideram as principais cadeias de
mercadorias, tornam-se os líderes dos processos sistêmicos de acumulação de
capital e poder na escala do sistema-mundo. Esses agentes hegemônicos
governamentais e empresariais possuem estratégias combinadas de acumulação
de capital em escala global, de concentração do excedente em novas atividades
centrais, de constituição de novos centros e novas periferias e de nova
hegemonia no sistema interestatal. Assim, o ciclo sistêmico de acumulação é o
ciclo de vida desses agentes, de suas estruturas e estratégias que constroem,
transformam e caracterizam cada estágio do desenvolvimento capitalista.
Arrighi (1996, p. 10) coloca que o principal objetivo do conceito de ciclos
sistêmicos de acumulação é descrever e elucidar a formação, a consolidação e
a desintegração desses sucessivos regimes pelos quais a economia capitalista
mundial se expandiu desde o “longo” século XVI até a atualidade. Os ciclos
apresentam caráter “sistêmico”, pois dizem respeito a um modo de
desenvolvimento do moderno sistema-mundo em um determinado período. Isso
significa, seguindo a definição de moderno sistema-mundo, que abarca tanto os
processos de transição e consolidação de hegemonias de um Estado nacional
sobre o sistema interestatal quanto as transformações de larga escala nos
processos de acumulação de capital ocorridas na economia-mundo capitalista.
O conceito de ciclos sistêmicos de acumulação orienta a descrição da
ascensão e queda das hegemonias e dos regimes de acumulação. Orienta também
a análise da alternância entre fases de expansão material e expansão financeira
dentro de um mesmo ciclo. Para Arrighi (1996), o conceito de ciclo sistêmico de
acumulação é superior ao ciclo de Kondratieff na explicação da dinâmica do
sistema mundial capitalista. Os ciclos de Kondratieff são constatações empíricas,
que expressam a alternância de períodos mais refreados e mais intensos da
competição intercapitalista, mas nada relacionam com o regime de acumulação
organizado pela potência estatal hegemônica para orientar o sistema mundial.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


120 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

Cada ciclo sistêmico de acumulação constitui-se de uma fase inicial, de


expansão material, seguida de uma fase final, de expansão financeira. Nas fases
de expansão material, os capitalistas usam seu capital monetário para mover
uma crescente massa de produtos (o que inclui força de trabalho e outros fatores
de produção transformados em mercadoria), esperando, através da posterior
comercialização dos produtos finais (realização da mais-valia), ampliar ainda
mais a liquidez de que dispunham quando converteram seu capital monetário
em mercadorias, antes de iniciar propriamente a produção e o comércio. Nessa
fase, a introdução de inovações no processo de acumulação e no sistema
interestatal pelos novos agentes hegemônicos faz com que as atividades
produtivas e comerciais proporcionem, em relação às demais atividades
econômicas, maior lucratividade, ou seja, apresentem maior potencial enquanto
meios para a valorização do capital. O investimento produtivo é o meio capaz de
garantir aos capitalistas a reprodução de seu capital a taxas de lucro
extraordinárias. A acumulação de capital dá-se predominantemente sob a forma
produtiva.
De acordo com Wallerstein (1984, apud Arrighi; Silver, 2001), durante as
expansões do sistema-mundo ocorre a disseminação da capacidade tecnológica
via imitação entre nações e empresas rivais, que procuram seguir a mesma via
de desenvolvimento do bloco hegemônico, minando, paulatinamente, sua posição
privilegiada nos processos mundiais de acumulação de capital. Além disso, o
desenvolvimento econômico, cujos benefícios se concentram, primordialmente,
no centro da economia-mundo capitalista, durante as expansões materiais, causa
uma elevação furtiva da renda real das camadas trabalhadoras e dos quadros
dirigentes situados na nação hegemônica, em detrimento das taxas de lucro
das empresas capitalistas a ela vinculadas. Configura-se, com o tempo, uma
superacumulação de capital no âmbito do comércio e da produção, de um lado,
e uma diminuição do retorno sobre o capital investido nessas atividades, de
outro. Arrighi faz referência a esse processo: “Enquanto uma parte desse capital
excedente não era empurrada para fora [do processo produtivo e comercial], a
taxa global de lucro tendia a cair, e a concorrência entre os locais e os ramos de
negócios — bem como dentro de cada um deles — se intensificava” (Arrighi,
1996, p. 232).
Após certo tempo de expansão material, a superacumulação de capitais
concretiza-se, isto é, a acumulação de capital é muito superior à que pode ser
investida com lucro, no comércio e na produção, nas estruturas vigentes do
regime de acumulação mundial. As organizações e os indivíduos capitalistas
reagem a essa situação, retendo, em forma líquida (monetária), uma proporção
crescente de seus rendimentos, aumentando a disponibilidade de capital
circulante em nível mundial. Cria-se uma massa de liquidez excessivamente

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 121

abundante. A mudança de percepção por parte dos agentes capitalistas


hegemônicos faz com que o capital-mercadoria (M) — capital investido numa
dada combinação de insumo-produto, visando ao lucro — passe a reconverter-
-se em capital-dinheiro (D) — capital monetário. Arrighi (1996) denomina esse
momento crise sinalizadora do ciclo sistêmico de acumulação. O capital deixa
progressivamente a rigidez, a concretude, a perda de flexibilidade, em direção
à liquidez, à liberdade de escolha, à flexibilidade. Quando os agentes capitalistas
percebem que o comércio de moedas, a especulação e as operações de crédito,
especialmente com os Estados que disputam o capital circulante, podem
proporcionar maior capacidade de reprodução a seu estoque de capital, eles
passam a desviar, em volumes crescentes, seus excedentes para os mercados
financeiros.
Os ciclos sistêmicos de acumulação podem ser sumarizados com a
utilização da formulação marxista DMD’: a fase de expansão material é uma
fase DM, enquanto a fase de expansão financeira é uma fase MD’. Nas fases de
expansão financeira, observa-se não só o deslocamento de capital da forma
produtiva para a forma financeira, mas também se constata uma abreviação da
fórmula DMD’ para DD’: o capital passa a prescindir do processo produtivo para
se reproduzir, concentrando as atividades centrais, isto é, aquelas que geram
uma maior transferência de valor para seus capitais, na valorização na esfera
financeira.
A fase de expansão financeira indica que as bases materiais do regime de
acumulação de capital e poder do Estado hegemônico encontram-se esgotadas,
isto é, não proporcionam mais expectativas de lucros extraordinários nas suas
estruturas produtivas. Um volume crescente de capital, na sua forma líquida e
mais flexível, vai procurar sua valorização na esfera financeira. É um período de
crise hegemônica, de transformação estrutural do moderno sistema de Estados
nacionais soberanos, de surgimento de novos regimes de acumulação, de novos
modos de governo, de reorganização do sistema-mundo sob nova liderança,
durante o qual são lançadas as bases para a superação da crise financeira e
para o início de um novo ciclo sistêmico de acumulação, com transformações
nas estruturas de produção e nas formas de hegemonia política. Essa é a crise
terminal de um dado ciclo sistêmico de acumulação.
O conceito de ciclo sistêmico de acumulação permitiu que Arrighi (1996)
propusesse uma periodização do capitalismo histórico. Tais ciclos são
identificados pelas suas potências hegemônicas, e cada um apresenta uma
fase de expansão material e financeira. Para uma visualização dos ciclos
sistêmicos, ver Arrighi (1996, p. 219). O primeiro ciclo é o genovês e abrange o
longo século XVI, isto é, de cerca de 1450 a 1630. O segundo ciclo é o holandês,
aproximadamente de 1630 a 1780. O terceiro ciclo é o britânico, alcançando o

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


122 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

período de 1780 a 1930. O quarto ciclo sistêmico é o norte-americano, com os


Estados Unidos como potência hegemônica e tendo como primeira fase o período
de 1930-45 até a década de 70. Em sua análise histórica, Arrighi (1996) identifica,
na década de 70, a crise sinalizadora do ciclo norte-americano, o que indicaria
que, a partir, daí o capitalismo mundial orientado pela hegemonia norte-americana
estaria na sua fase de expansão financeira e de declínio do ciclo sistêmico.
Sem entrar na controvérsia da análise histórica de considerar que o ciclo norte-
-americano está na fase descendente — ver as críticas de Fiori (1996) e Gowan
(2002) —, ressalta-se apenas a contribuição do conceito de ciclo sistêmico de
acumulação para a abordagem do sistema capitalista mundial e para a
interpretação da história e das fases com mudanças qualitativas do capitalismo
mundial.

6 Uma tentativa de síntese da abordagem


do moderno sistema mundial
Em uma tentativa de síntese da abordagem do moderno sistema mundial,
com todos os problemas de uma síntese, podem-se não só resumir as
contribuições dos três autores, mas, sobretudo, destacar o encadeamento de
suas contribuições. Apesar de os autores se preocuparem em fazer uma análise
histórica do sistema capitalista, eles construíram um objeto de estudo e
propuseram conceitos orientadores da análise que constituem a própria ontologia,
no sentido de visão de mundo, da abordagem do sistema-mundo. A contribuição
pioneira de Wallerstein foi a de superar a dicotomia fatores internos e externos
presentes nas análises das sociedades nacionais e, da mesma forma, superar
as diferenças entre capitalismo central, como autônomo, e capitalismo periférico,
como dependente. A proposição de um sistema mundial baseado em uma divisão
do trabalho que une as diversas atividades espalhadas, espacialmente, em uma
economia-mundo e uma distribuição desigual do excedente entre atividades
centrais e periféricas, com concentração também diferenciada em regiões,
permitiu uma análise sistêmica do capitalismo histórico. Essa proposição de
analisar o desenvolvimento desigual do capitalismo através da formação de
estruturas dentro do sistema baseadas na troca desigual, no monopólio gerador
de lucros extraordinários e na transferência do excedente suscitou críticas de
marxistas ortodoxos sobre a falta de atenção às características do modo de
produção capitalista e da luta de classes como central na mudança social.
Essa é a controvérsia entre marxistas ortodoxos (ou abordagem do modo de
produção) e marxistas heterodoxos, ecléticos ou indisciplinados, ou mesmo

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Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi 123

não marxistas, que formam a abordagem do sistema mundial. Essa controvér-


sia entre “produtivistas” e “circulacionistas” criou um rico debate, que exigiu
novos conceitos e novos argumentos. As contribuições de Braudel e Arrighi
reforçaram o potencial de análise e coerência da abordagem do sistema-mundo,
mas não resolveram a controvérsia. Wallerstein (2001), por sua vez, argumenta
que a abordagem do moderno sistema mundial é uma análise do capitalismo
histórico, com suas múltiplas estruturas e relações ao longo do tempo e não
mais uma teoria sobre o capitalismo como modo de produção.
Braudel contribuiu conceitualmente para a abordagem, ao destacar o caráter
diferenciador do capitalismo histórico na expansão de seu domínio territorial.
Ao fazer uma análise baseada em um esquema tripartido, Braudel (1995) permitiu
diferentes combinações das três esferas, embora sempre sob o domínio da
camada capitalista. Paralelamente à expansão horizontal da economia-mundo
capitalista, houve também a integração vertical entre as esferas “capitalismo”,
“economia de mercado” e “vida material”. Considera-se que essa visão de Braudel
permite analisar a expansão diferenciada do grande capital monopolista para
várias regiões e a sua integração com a “economia de mercado” e com a “vida
material”, que estão, por sua vez,mais ligadas à cultura local do que o capital
cosmopolita e flexível. O capital expandiu a economia-mundo capitalista para
várias regiões, mas, longe de uma ação uniformizadora, gerou diferenças regionais
tanto pela distribuição espacial de atividades centrais e periféricas quanto pelas
várias formas de integração entre as três esferas. Braudel defende a idéia de
que o esquema tripartido é útil para analisar o capitalismo histórico não apenas
nos seus primórdios, mas também no contemporâneo.
Arrighi (1996) renovou a abordagem do moderno sistema mundial em O
Longo Século XX. Como colocado por ele mesmo, sua análise concentrou-se
na camada superior, onde “[...] o dono do dinheiro encontra-se com o dono, não
da força de trabalho, mas do poder político” (Arrighi, 1996, p. 25). Como colocado
anteriormente, a expansão do capitalismo tem padrões de repetição e de evolução.
Os ciclos sistêmicos de acumulação permitem entender a trajetória do capitalismo
em evolução devido à passagem de um regime de acumulação comandado por
uma dada aliança capital e Estado para um novo regime liderado por uma nova
aliança capital e Estado, que rivaliza e contesta a hegemonia anterior. Permitem
entender também os padrões recorrentes nas fases de expansão material da
prosperidade dos ciclos sistêmicos de acumulação e nas fases de expansão
financeira, no longo declínio do ciclo e da hegemonia. O capitalismo como sistema
expandiu suas fronteiras até atingir a globalização, mas essa expansão não foi
apenas em extensão, houve mudanças qualitativas. Dentro da permanente relação
capitalista que dá unidade à história do longo período, houve mudanças de regime
de acumulação, de políticas de hegemonia, de formas de contestação e

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 99-126, jul. 2007


124 Wagner Leal Ariente; Felipe Amin Filomeno

rivalidades, de promessas de prosperidade e de políticas para lidar com as


crises cíclicas.
Por fim, uma rápida pergunta e apenas uma indicação de resposta. Por que
a abordagem do sistema mundial é tão marginal, em termos de discussão
acadêmica e de divulgação para o grande público, entre os programas de pesquisa
que são referências para a análise do capitalismo contemporâneo e da condição
periférica de algumas economias e Estados nacionais? As seções anteriores
mostraram que se acredita no realismo de sua ontologia, na inovação e na
consistência de seu arcabouço metodológico e teórico, na preocupação em
construir conceitos para orientar a análise histórica e, principalmente, no poder
analítico de suas hipóteses, o que não significa concordar com algumas de
suas previsões13. A resposta pode ser que a hegemonia política, sempre presente
no ciclo sistêmico de acumulação, estabeleceu também uma hegemonia
acadêmica. Não cabe mais discutir a economia política do desenvolvimento e
do subdesenvolvimento, do centro e da periferia como unidades interdependentes
de um mesmo sistema, mas, sim, receitar e adotar a política econômica da
hegemonia da hora. Por isso, incentivar análises baseadas na abordagem do
moderno sistema mundial é uma objetivo ambicioso.

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BRAUDEL, F. A dinâmica do capitalismo. Lisboa: Teorema, 1985.

13
Refere-se à previsão de fim do capitalismo contido em Wallerstein e Hopkins (1996).

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 127

Novos arranjos institucionais na renovação


da política industrial brasileira*
Jackson De Toni** Economista, Técnico em Planejamento licenciado da
Secretaria Estadual do Planejamento e Gestão do RS
e Coordenador Técnico da Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI)

Resumo
O Governo Federal brasileiro lançou as Diretrizes de Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior em 2003. A política industrial, em um
contexto de forte restrição fiscal, internacionalização econômica e privatização
dos instrumentos de atuação direta do Estado nacional no aparelho produtivo,
exigiu elaborada e inédita engenharia institucional. A criação de uma agência
específica foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2004: a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Com natureza jurídica híbrida e funções
coordenadoras centrais, a solução inovou em relação às experiências anteriores
de política industrial. Este artigo analisa esse processo à luz da trajetória das
questões teóricas que envolvem a política industrial, da conjuntura econômica
atual e dos desafios institucionais para a nova política.

Palavras-chave
Política industrial; políticas públicas; industrialização.

Abstract
In 2003, the Brazilian government announced the Guidelines for Industrial,
Technological and Trade Policies. The purpose of these guidelines was to develop
a new set of industrial policies that were supposed to be implemented in a
context of strong fiscal restriction, economic internationalization and privatization

* Artigo recebido em jul. 2006 e aceito para publicação em 31. out. 2006.
** E-mail: jackson.detoni@uol.com.br.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


128 Jackson De Toni

of the instruments of intervention of the national State in the productive sector.


The implementation of these new Guidelines demanded a new institution
environment; therefore, by the end of 2004, the National Congress approved the
creation of the Brazilian Agency of Industrial Development. With a hybrid juridical
nature and central coordinating functions this institutional solution innovates as
compared to the previous experiences of industrial policies. The purpose of this
article is to describe and analyze this process in the context of the theoretical
trajectory that involves the industrial policy, in the current economic conjuncture
and the institutional challenges for the new policies.

Key words
Industrial policy; public policy; industrialization.

Classificação JEL: L98.

A política industrial, um tema aberto


A possibilidade de realização da política industrial concebida como política
pública não é um debate novo na teoria econômica, muito menos conclusivo.
Smith e Ricardo, fundadores da economia clássica, ao trabalharem com os
conceitos de “divisão do trabalho” e “especialização produtiva”, conceitos
que foram aperfeiçoados com a análise de Marx sobre o processo de concentração
fabril e a manufatura em larga escala, já colocavam em cena argumentos para
uma política industrial. A noção de que as economias externas (que dependem
do tamanho do mercado) são complementares às economias internas (de escala)
pode justificar, por exemplo, a intervenção da “mão visível” do Estado para
estimular “ambientes” favoráveis à industrialização. Modernamente, as
políticas industriais visam: (a) compensar ou minorar as falhas de mercado na
otimização das principais variáveis econômicas (políticas mais clássicas); (b)
recuperar o atraso econômico em regiões deprimidas; ou (c) aumentar a

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 129

competitividade das empresas via capacidade de inovação1, esta última abor-


dagem organiza as políticas públicas mais modernas.
A reconciliação dos interesses de mercado com os interesses públicos,
decorrência das falhas de funcionamento do livre mecanismo de preços, seria
viabilizada através de um conjunto de decisões de política econômica, mudando
os preços relativos de setores industriais específicos. Assim, uma série de
medidas, por exemplo, nos subsídios a segmentos industriais, isenções tributá-
rias ou diluição do risco privado, poderiam, eventualmente, corrigir imperfeições
resultantes das decisões privadas. Problemas de assimetria no acesso a infor-
mações, externalidades inerentes a certos tipos de negócios e condições natu-
rais de monopólio são alguns exemplos que oportunizam a intervenção gover-
namental. Embora, como lembra Castro (2002), o Estado tenha suas próprias
“falhas” (captura dos órgãos públicos pelo interesse privado, decisões baseadas
no clientelismo ou pela tecnocracia, etc.) ao intervir no mercado, muitas vezes,
superiores àquelas que deveria teoricamente corrigir. É preciso dizer também
que o mercado não possui atributos naturais vinculados ao desenvolvimento
crescente ou de bem-estar. Essa visão do mercado como locus do equilíbrio e
da otimização de fatores decorre de uma visão particular e quase idílica de
organização, o mercado competitivo neoclássico, inviável no mundo contempo-
râneo. As “falhas” do mercado, antes de anomalias, seriam, portanto, atributos
intrínsecos à sua própria funcionalidade.2
Uma outra vertente das políticas industriais reconhece em referências
históricas e comparativas a inspiração para a adoção de medidas que produzam
rapidamente os resultados esperados. Essa estratégia, na tentativa de produzir
“saltos históricos”, recoloca como tema central a viabilidade de adaptação de
modelos desenvolvidos em economias mais avançadas. Os “atalhos históricos”
clássicos já conhecidos e estudados, como o Japão, Cingapura, a Coréia do Sul
e, mais recentemente, a China, parecem demonstrar que, em todo exemplo
histórico, há condições peculiares, mas também condições mais universais de

1
O conceito de “inovação” é trabalhado neste texto como a melhoria de produtos, processos
produtivos ou serviços que são parte da estrutura econômica e resultam de trabalho
permanente e intensivo de pesquisa e desenvolvimento realizado pelas firmas, normalmente
através da percepção de oportunidades do mercado, parcerias em redes de cooperação e
perspectivas de retorno econômico. Conforme a conhecida definição schumpeteriana,
inovação não se confunde com “invenção”, esta última mais vinculada às pesquisas científica
e acadêmica (Schumpeter, 1982).
2
As “falhas” de mercado mais comuns assinaladas pela literatura que legitimariam a intervenção
do Estado e a alteração “dirigida” dos preços relativos seriam a assimetria de informação,
as estruturas de mercado ou condutas não competitivas, os direitos de propriedade mal-
-definidos e os problemas decorrentes da ação coletiva.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


130 Jackson De Toni

política industrial. Alguns traços característicos de economias avançadas


simplesmente não se reproduzem sustentavelmente em economias atrasadas,
porque não dependem exclusivamente dos automatismos do mercado.3
Outra forma de entender a política industrial é colocada por Chang (1994),
em termos de “custos de transação” e “falhas de coordenação”. No conceito
clássico de custos de produção, devem-se considerar os custos nem sempre
tangíveis das transações econômicas, derivados da racionalidade limitada dos
atores e da incerteza de mercado. A definição de direitos de propriedade implica
custos de transação; os custos de obtenção de informação também. A decisão
econômica deveria ponderar sobre qual é a melhor relação benefício/custo,
comparando-se os custos de transação na alocação de recursos via mercado
com aqueles gerados pela intervenção estatal. Caberia ao Estado minorar os
custos de transação, garantindo estabilidade econômica; por exemplo,
estimulando o adensamento de cadeias produtivas, onde a escala mínima de
operação não tenha sido atingida, impulsionando o sistema educacional ou
construindo regras e espaços formais para a pactuação de consensos sociais.
Como assinala Chang (1994), a coordenação ex post do mercado pode ser
ineficiente, pois falhas de coordenação que envolvem certos ativos (tecnologia)
geram uma redução líquida no montante de recursos disponíveis para todo o
sistema.
A prospecção das fronteiras tecnológicas, por exemplo, nas políticas que
envolvem o uso e a difusão de nanotecnologia requer algum tipo de coordenação
extramercado, capaz de sincronizar ex ante as possibilidades de êxito, diante
dos riscos que os cenários de incerteza costumam carregar. No jogo de mercado,
essa coordenação ocorre ex post, punindo os fracassos e recompensando os
vitoriosos, integrando milhares de decisões privadas. Os investimentos em
inovação são quase especulativos, simplesmente porque é impossível apropriar
com segurança todos os custos envolvidos nos resultados incertos e nas
externalidades geradas pela pesquisa básica e aplicada.
O debate sobre a aplicabilidade de direitos de propriedade, a discussão
sobre patentes, por exemplo, ainda não resolveu totalmente esse imbróglio.
Atribuir ao setor privado a responsabilidade pela expansão do setor traria como
resultado o subinvestimento, dado que o mercado é incapaz de apropriar todos
os custos e de capturar todos os benefícios. O mercado de tecnologia é
tipicamente imperfeito; daí, inclusive, a maior flexibilidade que a Organização

3
Há vários casos, citados por Alem, Barros e Giambiagi (2002) — o da Intel, na Costa Rica; o
da empresa Saint Gobain, na Índia; o programa irlandês de encadeamentos; o programa de
modernização industrial em Cingapura —, cujo maior traço comum é a competência
governamental na coordenação de atores heterogêneos, públicos e privados.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 131

Mundial do Comércio (OMC) tem adotado nos casos de subsídios (renúncia


fiscal, doações, fundos, crédito, etc.).
O que a história dos casos de sucesso parece demonstrar exatamente é a
grande capacidade de coordenação estatal e não estatal (grandes empresas)
em áreas sensíveis (como o são aquelas da economia do conhecimento), cuja
capacidade de articulação prévia de decisões interdependentes foi fator-chave
para explicar o rápido crescimento das últimas décadas.
Em economias com estruturas industriais mais modernas e já consolidadas,
ainda que atrasadas em relação aos países líderes, um conjunto de políticas
industriais, baseadas na capacidade de inovação, tem surgido. Nessas
economias,
[...] não se trata de corrigir sinais de mercado (preços), para que os
agentes privados reencontrem (como na visão centrada no combate às
falhas de mercado) a assignação ótima dos recursos existentes na
economia [...] [mas] a capacidade para introduzir variações — seja nos
produtos levados ao mercado, seja na própria forma de inserção no
mercado. Desponta assim, como objetivo, um novo tipo de mudança
(Castro, 2002, p. 262).

Nessa perspectiva, caberia ao Estado garantir algum tipo de proteção


temporária e localizada às empresas, para cultivar capacidade de inovação,
que, de outra forma — expostas às imperfeições do mecanismos de preços —,
não resultaria em aproveitamento de todo o potencial existente nos recursos
produtivos disponíveis. Nessa vertente de políticas, ganham relevância maior
aquelas que souberem desenvolver o potencial de diversidade de processos,
ritmos e enfoques empresariais. É por isso que os formuladores devem trabalhar
simultaneamente em diversos planos, fiscal, tributário, marcos regulatórios,
desenvolvimento de pessoas, parcerias público-privadas, etc., num ciclo sem
fim de decisões interconexas. Se antes o foco das políticas era estimular grandes
plataformas de produção industrial padronizáveis, comercializáveis no mercado
externo, a baixo custo e preço competitivo, agora se trata de estimular novos
nichos, novos mercados, com maior liderança dinâmica, para empresas
intensivas em conhecimento.
Nesses comentários sobre aspectos mais teóricos da política industrial,
fica evidente que aqueles instrumentos clássicos de intervenção não são mais
possíveis: crédito subsidiado, criação de estatais, proteção cambial, etc. Uma
primeira e razoável explicação para isso é a reduzida poupança fiscal destinada
ao investimento direto estatal no parque produtivo; nem a sociedade
contemporânea chancelaria essa escolha política diante de outras prioridades
relacionadas ao provimento de serviços tipicamente públicos e essenciais. Além
das atuais restrições fiscais, a integração econômica irreversível ao padrão

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


132 Jackson De Toni

mundial de competição comercial mudou completamente a configuração dos


instrumentos clássicos, porque os atuais parâmetros que regulam a concorrên-
cia global nos segmentos de maior valor agregado, geração de renda4 e criação
de novos postos de trabalho (no Setor Terciário, por exemplo), se localizam,
cada vez mais, em segmentos de conhecimento técnico intensivo, bens indus-
triais padronizados, com arranjos de governança produtiva mais privados ou
paraestatais. As categorias centrais, atualmente, parecem organizar-se em
torno dos conceitos de coordenação de atores (criação de sinergias), seletividade
e horizontalidade dos instrumentos regulatórios (novas institucionalidades) e
modernização dos incentivos para os setores mais sensíveis, particularmente
as áreas estratégicas e portadoras de futuro (redução de risco).
Ou seja, a formulação mais moderna de política industrial passou a ser
presidida por uma concepção mais sistêmica; mais do que aumentar a renda
média ou alavancar esta ou aquela indústria ou firma, ela visa incrementar a
produtividade das empresas, das cadeias produtivas inteiras e do próprio País
(Cassiolato, 1996). Trata-se, portanto, de trabalhar a empresa em sua
totalidade e integralidade, com todo o seu potencial e não só para os setores
high-tech, mas também para a grande massa heterogênea de empresas que
compõem o tecido industrial brasileiro, conforme propugnam Castro e Avila
(2004)5.

A política industrial brasileira


No Brasil, o peso da indústria, de fato, só ganhou relevância na fase que
iniciou após a Segunda Guerra Mundial. As intervenções do Estado no período
precedente limitaram-se a casos pontuais de governos locais ou regionais,
particularmente no provimento de infra-estrutura básica (transportes) para
iniciativas localizadas de enclaves empresariais voltados ao mercado externo,
quando a atividade econômica estava ainda concentrada em poucos centros

4
Renda que inclui salários, pois as firmas que inovam e diferenciam produto remuneram seus
trabalhadores 23% a mais do que as firmas que não o diferenciam e têm produtividade
menor, isto é, uma política de incentivos com seletividade, critério e transparência tende a
produzir efeitos positivos sobre os salários (Bahia, 2005).
5
No texto citado, apresentado em janeiro de 2004, os autores chegam a propor a criação de
uma agência brasileira de desenvolvimento industrial (ou atribuir funções àquela proposta
pelo Governo Federal em novembro de 2003), para supervisionar a execução de Planos de
Desenvolvimento Industriais — uma ampliação do conceito de Programas de Desenvolvimento
Tecnológico e Industrial (PDTI) e PDTAs do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 133

urbanos, o modelo primário exportador já havia entrado em crise na década de


30 do século XX, e a demanda interna estava atrelada ao comportamento da
renda gerada pelas vendas externas. Apesar dos estímulos provocados pela
Primeira Guerra Mundial e de eventuais apoios governamentais, a incipiente
indústria nacional dependia, basicamente, dos ciclos externos (Suzigan, 1988).
A política de proteção à indústria nacional iniciada na década de 50 prolongou-
-se até o período mais recente dos anos 80 e já é bem conhecida: desvalorização
cambial, restrições tarifárias às importações, estímulos fiscais aos exportadores,
socialização dos prejuízos, etc.6
O evento mais significativo de planejamento industrial, no período que
vai do pós-guerra até o fim do regime militar, com certeza, foi a elaboração
do Plano de Metas (1956-61) no Governo Kubitschek (Governo JK). Pelo menos
três fatores fizeram desse processo um ponto notável: (a) estabilidade
institucional e contexto democrático favorecendo a participação; (b) amplo
consenso sobre o tema do desenvolvimento nacional; e (c) acertos de políticas
externa e interna viabilizando recursos econômicos. O Governo JK notabilizou-
-se pelo sincretismo político, garantindo a permanência de uma coalizão partidária,
durante todo o mandato, que começava no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
de João Goulart, e o controle do Ministério do Trabalho, passando pelo Partido
Social Democrático (PSD) dele mesmo, com fortes vínculos rurais, até o apoio
parlamentar da União Democrática Nacional (UDN). Essa estratégia política
flexível, por vezes dúbia, apoiada na fragilidade da estrutura partidária, garantiu
viabilidade para o Plano. Juscelino Kubitschek optou por montar uma rede de
órgãos paralelos à Administração Direta, com base na avaliação de que executar
uma reforma administrativa seria custoso demais (Lafer, 1997). A capacidade
de governo repousava, basicamente, na natureza ágil e flexível da estrutura
administrativa (as “ilhas de eficácia”), na autonomia financeira e orçamentária
dos órgãos envolvidos na execução das metas setoriais e na neutralização da
interferência parlamentar no processo.7

6
O ciclo de substituição de importações praticamente já havia sucumbido nas sucessivas
crises de estabilização dos anos 80. Na verdade, a fase mais intensa de substituição de
importações esgotou-se nos anos 60, por vários motivos: crescimento do processo
inflacionário que acontece em períodos de rápida industrialização, baixa relação entre
investimentos e geração de emprego, rápida expansão do gasto público e estagnação da
produtividade agrícola. Além disso, a cada onda do ciclo substitutivo, produziam-se
desequilíbrios na balança comercial, crise cambial e novos gargalos (Tavares, 1974).
7
A notável construção institucional-burocrática de Juscelino Kubitschek, que produziu resultados
efetivos na política econômica, foi detalhada por Nunes (1999).

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134 Jackson De Toni

A base industrial mais dinâmica (automobilística, de material elétrico, pe-


trolífera, metalúrgica, siderúrgica, química, de papel e celulose) iniciou sua con-
solidação nessa época, quando os setores tradicionais (alimentação, bebidas,
vestuário, mobiliário, etc.) já estavam implantados. Cabe destacar a criação
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, que passou
a investir em praticamente todos os setores da indústria de transformação,
incluindo a infra-estrutura de transportes e energia. Assim, o Brasil terminou
os anos 60 com uma forte, diversificada e complexa base industrial, tanto de
bens de consumo duráveis como de bens de capital.
Durante os governos militares (1964-84), a política industrial assumiu o
viés da intervenção direta do Estado no setor produtivo, aprofundando e
radicalizando práticas políticas já existentes no período varguista.8 A prioridade
ao combate à inflação, um conjunto de reformas institucionais e regulatórias
(tributária, trabalhista e financeira, sobretudo) e a disponibilidade de fundos
externos resultaram em taxas de crescimento muito altas na primeira metade
dos anos 70. Foi a época dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) — o I
PND é de 1972-74, e o II PND, de 1975-79 (Brasil, 1971; 1974) —, com elevação
da demanda por bens duráveis (cresceu, em média, 23% ao ano), ancorada na
forte expansão do crédito e do mercado de capitais para segmentos de maior
renda, envolvidos em forte propaganda nacionalista.9 O II PND foi, praticamente,
a última tentativa de planejamento industrial convencional. Cabe mencionar,
ainda, por zelo ao registro histórico, o pioneirismo do Programa Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PNDCT), criado por decreto-lei, em
julho de 1969, sob a liderança de Reis Velloso e restabelecido em janeiro de
1991, para dar apoio financeiro a programas e projetos prioritários de
desenvolvimento científico e tecnológico nacionais. O principal instrumento da
política foi a criação de um fundo público (o FNDCT), que começou a operar em

8
Para exemplificar, a Fábrica Nacional de Motores foi inaugurada em 1943, no Rio de Janeiro;
o primeiro alto forno da CSN começou a operar em 1946; e a Petrobrás foi criada em 1953;
todas empresas estatais.
9
Desde a década de 30, pode-se dizer que a orientação predominante da política industrial foi
desenvolvimentista, nacionalista e basicamente estatal. Schneider (1994), analisando o
comportamento da burocracia pública durante os megaprojetos dos anos 70, afirma que um
dos traços marcantes do período foi a rápida circulação de quadros burocráticos, o que
enfraqueceu a lealdade para com as organizações e aumentou a dependência de laços
pessoais. Ele explica que, apesar do quadro de fraca institucionalidade, o País construiu um
parque industrial de porte considerável, exatamente porque as carreiras e a alta mobilidade
de burocratas tecnicamente bem preparados permitiram acesso aos decisores políticos e
aos grupos de pressão. A explicação é verdadeira, ainda que limitada; obviamente, outros
fatores históricos e macroeconômicos devem completar o entendimento sobre o tema.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 135

1971, sob a direção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), criada em


1967 como empresa pública, hoje vinculada ao MCT. Até hoje, todos os recur-
sos dos fundos setoriais — única fonte de dinheiro estável para ciência e tecnologia
prevista em lei no País — estão alocados dentro do FNDCT.
O Brasil chegou ao final do século XX com um parque industrial sólido,
embora atrasado em relação à mudança do paradigma metal-mecânico e químico
para o paradigma da economia do conhecimento (microeletrônica, software,
semicondutores, etc.). Alguns instrumentos de política industrial utilizados no
passado tornaram-se inoperantes, especialmente aqueles referentes à proteção
pela via da política comercial (tarifas e cotas) e de forte integração para trás,
conforme alertou Nassif (2000). Segundo esse autor, as políticas substitutivas
de importações — mesmo se competitivas — podem não ser razoáveis, se
restringirem o comércio intra-industrial (ou intrafirmas), tendência crescente
na economia globalizada.
O grande dilema na trajetória do desenvolvimento econômico do Brasil
tem sido, pelo menos durante as últimas duas décadas, a relação entre
crescimento e estabilidade macroeconômica. Nos países menos desenvolvidos,
mesmo naqueles de faixa média de renda como o Brasil (que tem uma das
maiores desigualdades sociais), as políticas de corte keynesiano predominaram
no pós-guerra até os anos 70. No caso do Brasil, como se sabe, um
“keynesianismo tortuoso”, sustentado pela concentração de renda e por quase
nenhuma proteção social ou serviços públicos universais. Se a inflação deixou
de ser um obstáculo ao crescimento com estabilidade em meados dos anos 90,
não se pode dizer o mesmo da situação fiscal e externa. A manutenção de
taxas reais de juros passou a incorporar definitivamente a política monetária,
e a valorização cambial persistiu até o final da década. A crise asiática, nesse
mesmo período, provocou forte retração de investimentos externos diretos
(IED)10. O câmbio flutuante adotado praticamente por todos os países que
sofreram ataques especulativos foi medida imposta pelas circunstâncias, porém
com graves efeitos colaterais. A flexibilização do câmbio que se seguiu conduziu
à adoção da política de metas inflacionárias, fazendo da política monetária
praticamente a única estratégia para o controle inflacionário pela redução da
demanda agregada.

10
A recessão mundial do início dos anos 80, a crise financeira de 1987 e a instabilidade
monetária na América Latina concentraram os IED nos países da Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE); a participação dos países em desenvolvimento
despencou para 14% em 1989. Nos anos 90, o cenário mudou: foi desregulamentado o
mercado acionário e de capitais, a política cambial tornou-se flutuante, as privatizações
ofertavam ativos subvalorizados, novos fundos e títulos proliferaram e facilitaram a retomada
dos IED.

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136 Jackson De Toni

A conclusão mais importante do quadro macroeconômico recente é a gran-


de limitação para desenvolver políticas públicas que estimulem a demanda. A
verdade é que a combinação da âncora cambial no início da fase de estabiliza-
ção, a aceleração da abertura comercial, o encolhimento de diversas cadeias
produtivas nacionais, juros altos e aumento da carga tributária criaram um qua-
dro perverso para políticas industriais no sentido mais convencional. Essa linha
de raciocínio não deve diminuir ou desconstituir o esforço de manutenção da
estabilidade de preços levado a cabo pela política econômica desde o Plano
Real. Ao contrário, as experiências das décadas de 80 e 90 geraram um consen-
so sobre a impossibilidade de sustentar investimentos e ganhos reais de
competitividade em ambientes de instabilidade monetária e cambial. Alerta-se,
entretanto, que a estabilidade monetária, por si mesma, é condição necessária,
porém claramente insuficiente, para o crescimento sustentável, inclusive do
setor industrial.
A memória coletiva de política industrial lembrada pelos atores envolvidos
é fortemente influenciada pelas políticas desenvolvidas nos anos 50 e 70
(Salerno, 2004). Esse imaginário coletivo tem como referência uma época em
que a criação de capacidade física para o processo de substituição de importações
era o centro das prioridades do grande investimento estatal do período. Proteção
externa via política cambial, reserva de mercado, atuação direta de grandes
empresas estatais e um grande número de incentivos (fiscais e de crédito)
foram os fatores mais importantes na consolidação do parque industrial brasileiro
na fase “desenvolvimentista”. O lado positivo foi uma grande base industrial
diversificada, particularmente nos setores de menor conteúdo tecnológico. O
lado “ruim”, decorrente da própria política de proteção e de substituição de
importações, foi a baixa competitividade internacional, a fraca inserção em
setores de alta tecnologia e de conhecimento intensivo e um brutal
endividamento público. Outros fatores intervenientes, como a mudança de
paradigma tecnológico em vários setores industriais, uma cultura pouco
empreendedora e dependente de benesses estatais em grande parte do
empresariado, as restrições da política cambial e a fragilidade da política
governamental (que oscilou entre a desnacionalização pura e a proteção
burocrática), contribuíram para a baixa competitividade externa da indústria
brasileira. Além disso, uma série de instrumentos e incentivos para conquistar
mercados específicos para o desenvolvimento industrial, como as áreas de
serviços, marketing, design, logística, política de marcas e patentes, pesquisa
e desenvolvimento, por exemplo, estiveram deslocados da agenda
governamental.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 137

A política industrial do Governo Lula


As bases da política industrial do Governo Lula foram divulgadas em junho
de 2003, através do texto Roteiro para Agenda de Desenvolvimento (s. d.)11,
ainda rudimentar, praticamente mapeando os principais pontos. Logo depois
(em novembro de 2003), um grupo de trabalho específico produziu o documento
chamado Diretrizes de Política Industrial,Tecnológica e de Comércio Exterior
(2003)12, tratado aqui simplesmente como Diretrizes. A Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi anunciada publicamente somente
em março do ano seguinte, em solenidade na Confederação Nacional da
Indústria, em Brasília, com a presença do Presidente da República e de vários
ministros da área. O documento é simples e direto, apresenta uma
caracterização conceitual da política industrial, define suas características
básicas e detalha mais a implementação de programas e ações.13
O Governo Federal desenvolveu ainda duas outras ações relevantes que
se relacionam com a retomada do debate nacional sobre política industrial. A
primeira delas é a iniciativa do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES)14, que instituiu um grupo de trabalho, em 2003, intitulado

11
Disponível em:<http://www.federativo.bndes.gov.br/destaques/planorc_estudos.htm>.
12
O documento está assinado pela Casa Civil da Presidência da República, pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), pelo Ministério da Fazenda, pelo
Ministério do Planejamento, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pelo Instituto de Pesquisa
Aplicada, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, pela Financiadora
de Estudos e Projetos e pela Agência de Promoção das Exportações. Disponível em:
<www.federativo.bndes.gov.br>.
13
Um ano após esse evento, a Confederação Nacional da Indústria lançou o Mapa Estratégico
da Indústria — 2007-2015 (CNI, 2005), com total convergência às propostas do Governo
Lula. No Capítulo 2, Ambientes Institucional e Regulatório, a ênfase é colocada em
aspectos convencionais da melhoria do ambiente de investimentos e da produção de bens
públicos ou meritórios: defesa da concorrência, propriedade intelectual, redução da carga
tributária, adequação da legislação trabalhista, segurança jurídica dos contratos, segurança
pública, saneamento, educação, etc. Naturalmente, o documento não enfatiza o papel
regulador e coordenador do Estado na PITCE; ele reflete o alto grau de coesão do
empresariado e a inegável modernização metodológica no planejamento estratégico do
setor, portanto, contribui para qualificar o debate com as agências governamentais.
14
Criado em 1º de janeiro de 2003, pela Medida Provisória nº 103, já convertida na Lei nº
10.683, em 28 de maio de 2003, com o objetivo de cumprir o papel de articulador entre
governo e sociedade, para viabilização do processo de concertação nacional, tem como
função assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes
específicas. Além dos 12 representantes do Governo Federal, o CDES é integrado por 90
membros da sociedade. Outros países adotam estruturas semelhantes: Espanha, Itália,
Alemanha e Holanda são exemplos. Disponível em:<http://www.cdes.gov.br>.

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138 Jackson De Toni

Fundamentos Estratégicos do Desenvolvimento. Os resultados ainda estão sendo


debatidos no Conselho, mas já apontam a necessidade de uma “agenda nacional
de desenvolvimento”, identificando uma visão de futuro, valores orientadores
e âmbitos problemáticos a serem enfrentados. A outra iniciativa é o projeto
chamado Brasil em 3 Tempos (2006), elaborado pelo Núcleo de Assuntos
Estratégicos (NAE), vinculado à Presidência da República. O projeto,
simplificadamente, pretende identificar quais seriam os objetivos estratégicos
nacionais de longo prazo, apontar as soluções e subsidiar o processo de pacto
social (ou concertação social).15 Tais iniciativas, embora ainda tímidas em
relação aos seus próprios objetivos, contribuem para fomentar o debate e o
diálogo entre os atores com capacidade de formulação estratégica nos setores
público e privado.
O texto Diretrizes (2003) estabelece, inicialmente, que a estabilização
das variáveis macroeconômicas, a redução das taxas de juros, a retomada dos
créditos interno e externo e a redução do Risco-Brasil são “aspectos centrais
para a retomada do investimento privado e do crescimento econômico”
(p. 01). Entre as iniciativas que cabem ao Governo estariam: (a) o
aprimoramento dos diversos marcos regulatórios dos setores de infra-estrutura;
(b) as medidas de “isonomia competitiva”, como as desonerações tributárias
para exportações, dos bens de capital e do custo do crédito: e (c) a viabilização
dos instrumentos para a expansão do comércio exterior, objetivando a redução
da razão dívida/exportações e, logo, a vulnerabilidade externa.
O foco da política industrial é a criação de condições para o aumento da
competitividade sistêmica, definida como aumento da eficiência econômica e
melhoria da competição no comércio internacional. Outra sinalização importante
é o link estabelecido com a política de infra-estrutura e de desenvolvimento
regional, este último abordado como fator-chave para a integração físico-
-econômica do território, aspecto particularmente importante num país que
ainda concentra quase metade do seu Produto Interno bruto (PIB) em menos de
3% do seu território. Para coordenar o conjunto de ações, a PITCE previa também
a criação de uma agência executiva e de uma instância de diálogo permanente
com a sociedade civil, como um conselho ou câmara colegiada, sob coordenação
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.16

15
Para maiores informações, ver <www.presidencia.gov.br/secom/nae/>.
16
Uma das inspirações para a agência é o papel que o Centro de Gestão e Estudos Estraté-
gicos (CGEE) tem desempenhado em relação às políticas de ciência e tecnologia desenvol-
vidas pelo MCT. Ele nasceu no bojo da Conferência Nacional de C&T realizada em 2001,
envolvendo os setores público e privado, fundado por 262 pesquisadores, empresários e
gestores públicos. Estrutura-se legalmente como organização social e tem contrato de
gestão com o MCT. A agência, entretanto, deveria ter papel mais executivo.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 139

O documento Diretrizes (2003), ao abordar quais seriam as funções da


política industrial, inequivocamente coloca no centro das atenções o tema da
inovação como elemento-chave para o crescimento da competitividade.17 Os
principais instrumentos da política respondem a essa premissa: direcionamento
dos fundos públicos para projetos com conteúdo de inovação tecnológica (é o
caso dos Fundos Setoriais (FNDCT-MCT)), criação de marcos regulatórios
adequados (como é o caso da Lei de Inovação ou do projeto de lei que dispõe
sobre a proteção da propriedade intelectual de topografias de circuitos
integrados)18 e reorganização das linhas de crédito de bancos oficiais (o FUNTEC-
-BNDES, por exemplo). Daí decorrem repetidas sinalizações para a importância
do estímulo aos novos processos para a conjuntura mundial que demanda
produtos de baixo custo, diferenciados e com qualidade, e para a necessidade
de estimular pesquisa e desenvolvimento (P&D). O texto constata que a indústria
brasileira não se modernizou, nem aumentou sua competitividade, nos anos
90, para ampliar sua base exportadora (a participação na corrente de comércio
teria caído de 1,39% para 0,79%). A baixa qualidade da pauta exportadora
(produtos de baixo conteúdo tecnológico, preços instáveis e baixo dinamismo
da demanda externa) também é registrada para lembrar que há um grande
potencial de crescimento em setores específicos. Tais setores, nomeados pelo
documento como “opções estratégicas”, foram priorizados, porque são áreas
representativas dos novos negócios associados à “economia do conhecimento”
(tecnologia da informação, semicondutores, fármacos, software) e a bens de
capital, mas, sobretudo, porque representam elevados déficits na balança
comercial.
Outros setores, nominados “portadores de futuro”, são escolhidos porque
representam janelas de oportunidade de médio e longo prazos, como a
nanotecnologia ou a biotecnologia.19 Nesta parte introdutória, ainda é impor-

17
Em recente estudo, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) demonstrou que
as empresas que inovam e diferenciam produto têm probabilidade 16% maior de exportarem
(De Negri; Salerno, Org., 2005). Num país em que menos de 2% das empresas inovam, a
pauta de exportação é dominada por commodities e produtos de baixa tecnologia e quase
não há pesquisa no setor privado, essa constatação adquire dramaticidade evidente.
18
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-06/2004/Lei/L10.973.htm>
e em <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/pl1787.htm>.
19
A priorização de setores “estratégicos” não é propriamente novidade do atual Governo. Em
1988 (Decreto Lei nº 2.433, de 19.05.88, e Decreto Lei nº 2.434, de 19.05.88), o Governo
Sarney já promovia uma reforma tarifária para proteger alguns setores (informática), criando
os Programas Setoriais Integrados e os Programas de Desenvolvimento Tecnológico
Industrial. No Governo Collor, o eixo da política industrial deslocou-se definitivamente da
preocupação em expandir a capacidade produtiva para o tema da competitividade

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


140 Jackson De Toni

tante assinalar que o documento observa a importância de constituir grandes


grupos empresariais, com inserção internacional, capazes de liderar o processo
de modernização industrial nacional.20 Além disso, registra que a construção de
espaços de negociação permanente com todos os atores envolvidos é uma
exigência da própria natureza das políticas públicas que trabalham com a
inovação, com redes permanentes de cooperação e construção coletiva do
conhecimento.
Uma síntese das características gerais da PITCE seria a orientação para
aumentar a capacidade de inovação das empresas, particularmente naquelas
cadeias produtivas e nos setores voltados para exportação. Seus quesitos
principais são: (a) estímulo à competitividade voltada para o mercado externo
e geração de saldos superavitários na balança comercial; (b) abordagem seletiva
de cadeias produtivas e setores específicos com alto conteúdo tecnológico
(abordagem vertical); (c) combinação de incentivos fiscais e tributários para
setores específicos e medidas regulamentadoras, segurança jurídica dos
contratos e melhoria do ambiente de negócios (abordagem horizontal); e (d)
contribuição para o desenvolvimento regional.
Seguindo essas diretrizes gerais, as linhas de ação definidas pela PITCE
(Diretrizes..., 2003) são as apresentadas a seguir.

Inovação e desenvolvimento tecnológico


A proposta é consolidar um sistema nacional de inovação capaz de articular
organicamente empresas, universidades e centros de pesquisa. A estratégia
passa por: recomposição da base legal; garantia de fluxos orçamentários e do
setor privado; reestruturação dos institutos de pesquisa; organização de
conferências periódicas sobre temas estratégicos (produzir consenso nacional);
e aumento da transparência do processo decisório governamental. Principais

(Guimarães, 1996). A atual política, entretanto, escolheu os mesmos fins e mudou


completamente os meios: não se trata mais de isenções fiscais, mas de um conjunto
articulado de medidas centradas no crédito, no fomento de P&D e na melhoria do ambiente
institucional e da governança.
20
Apesar da relativa imprecisão sobre meios e instrumentos para promover essa diretriz, fica
evidente que os exemplos da Petrobrás, da Gerdau, da CVRD, da Embraer e da Marcopolo
produziram transbordamentos com ganhos de aprendizagem, especialização e escala que
ultrapassaram muito seus mercados específicos. Somente em setembro de 2005, o BNDES,
após mudar seu estatuto, aprovou a primeira operação (a Friboi, que comprou a Swift
Armour argentina, num empréstimo de US$ 80 milhões). A avaliação de desempenho está
condicionada ao incremento das exportações líquidas da empresa beneficiada.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 141

ações atualmente em curso nessa linha: (a) a Lei de Inovação, que aprofunda a
relação entre institutos de pesquisas e empresas privadas, foi aprovada pelo
Congresso Nacional em 11.11.04 — atualmente o Governo Federal debate a
regulamentação dos incentivos previstos na Lei —; (b) a reestruturação do
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), para agilizar a concessão de
marcas e patentes21; (c) modernização e implantação de laboratórios (Metrologia
Química, Metrologia de Materiais) para pesquisa em áreas estratégicas, como o
Centro de Nanociência e Nanotecnologia em estudo; e (d) apoio às Empresas de
Base Tecnológica (EBTs), com o desenvolvimento do setor de venture capital
(capital de risco) — há vários estudos em andamento no Governo Federal.22

Inserção externa
Propõem-se a ampliação sustentada das exportações e a ampliação da
base exportadora, pela incorporação de novos produtos, empresas e negócios.
A gama de ações é variada, desde a desoneração tributária até a criação de
centros logísticos no exterior, passando pela consolidação de marca associada
ao País nos mercados compradores. O documento governamental faz referência
particular ao dinamismo de agronegócio, onde o Brasil já lidera as exportações
em diversos mercados. Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a)
desenvolvimento do Programa Brasil Exportador, coordenado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio; simplificação e modernização do Serviço
de Informação para Comércio Exterior (Sicomex) (sistema gerencial); difusão
de informações, defesa comercial e acesso a novos mercados; (b) criação de
centros de distribuição e logística no exterior, inaugurado o primeiro em Miami
(Flórida, EUA), com previsão dos próximos em Frankfurt, Emirados Árabes,

21
Segundo a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) e a Associação Brasileira
dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), há 500.000 pedidos de registro de marcas
e 24.000 pedidos de registros de patentes aguardando aprovação do INPI. No Brasil, a
espera para obtenção de marca é de quatro anos e a de patente chega a sete anos,
enquanto, no plano internacional, os prazos são de um e três anos respectivamente.
Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br>. Acesso em: 19 mar. 2004.
22
Esse segmento é pouco desenvolvido no Brasil; em 1994, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) autorizou os Fundos de Investimentos em Empresas Emergentes (FIEE), mas a
participação no PIB não passou de 0,002%, quando, nas economias mais desenvolvidas,
o setor chegou até a 1,3% do PIB. Algumas iniciativas pioneiras merecem destaque: o
Programa Criatec, do BNDES/Finep, em fase de reestruturação, que trabalha com seed
capital (capital semente); e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPE), da
Finep. Há grande potencial para o setor, articulando fundos de pensão, reformulação de
marcos legais e participação de fundos públicos.

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142 Jackson De Toni

China, Polônia e África do Sul, sendo que a Agência de Promoção de Exporta-


ções (Apex), organização não estatal, coordena a implantação dos centros23; e
(c) reforço da imagem do Brasil no exterior e prospecção de novos mercados,
ação articulada com o Ministério das Relações Exteriores.

Modernização industrial
Esse tema é tratado a partir de três abordagens combinadas. A primeira
delas orienta a ação governamental para ações de capacitação produtiva. A
segunda é a prioridade para arranjos produtivos locais em direção ao
adensamento do tecido produtivo. A terceira é a orientação para evitar a
atomização empresarial, atuando de forma concentrada espacialmente.
Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a) programas de incentivo
à modernização de equipamentos, como o Modermaq, do BNDES, criado em
setembro de 2004, tendo financiado R$ 2,3 bilhões em mais de 5.000 operações
até dezembro de 2005 — o BNDES reduziu em 80% o valor do spread desse
programa —; (b) incentivos tributários para importação de bens de capital sem
similar nacional, tendo ocorrido, até março de 2005, redução do Imposto de
Importação para 335 produtos, incluindo as áreas de informática e
telecomunicações; (c) apoio aos arranjos produtivos locais (APLs), focado em
extensão empresarial para exportação — Projeto Extensão Industrial Exportadora
(Peiex) do MDIC —, certificação de consórcios, incentivo tecnológico (via fundos
setoriais da Finep24); e (d) fundos constitucionais para o desenvolvimento regional
gerenciados pelo Ministério da Integração Nacional, para a Região Centro-Oeste
(operados pelo Banco do Brasil), para a Região Norte (operados pelo Banco da
Amazônia) e para a Região Nordeste (operados pelo Banco do Nordeste).

23
Maiores informações podem ser encontradas em <www.apexbrasil.com.br/>.
24
Em 2004, os recursos dos fundos setoriais vinculados às prioridades da política industrial
atingiram o percentual de 60%, estimativa que ultrapassou 70% em 2005. Os fundos
setoriais remontam às experiências do final dos anos 60; foram implantados em 1999, com
fontes vinculadas e permanentes de recursos destinados à inovação e ao financiamento
de longo prazo (com taxas sobre empresas privatizadas). Recentemente, o MCT reformulou
o modelo de gestão para focar as prioridades governamentais e evitar duplicidade de
iniciativas. Em 2005, estimou-se um investimento de R$ 722 milhões em 15 fundos. A esse
respeito, consultar artigo de Valéria Bastos (2003) .

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 143

Capacidade e escala produtiva


O objetivo aqui é atacar especificamente o problema de limitação da
capacidade instalada dos setores mais intensivos em capital, cujo gap entre a
decisão de investimento e a retomada da produção é relativamente longo.
Colocam-se os problemas das fontes de financiamento, da mudança do perfil
das garantias, da promoção de consórcios e de novos arranjos competitivos e
do estímulo à fusão de empresas. Principais ações atualmente em curso nessa
linha: (a) desoneração tributária, através de ampliação do prazo de arrecadação
e redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e depreciação ace-
lerada para bens de capital, modernização portuária (Programa Reporto),
desoneração de impostos federais para empresas exportadoras, incentivos
fiscais à inovação (dedução das despesas no Imposto de Renda); (b) medidas
de incentivo ao investimento, à poupança e ao crédito, através de estímulo ao
crédito consignado e ao microcrédito, estudo sobre a criação de um “cadastro
positivo”, novos instrumentos de crédito para a agroindústria, inclusão bancária
(contas simplificadas); (c) melhoria do marco legal, através de nova Lei de
Falências (Lei nº 11.101), reforma do Código de Processo Civil, reforma do
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (em estudo)25, parcerias público-
-privadas (Lei nº 11.079), aprimoramento das agências reguladoras (Projeto de
Lei nº 3.337/04), Lei de Inovações (Lei nº 10.973), reforma do mercado de
resseguros (em estudo); (d) melhoria do ambiente de negócios, através de
projeto de lei para simplificação de registro e fechamento de empresas, em
consulta pública no site da Presidência da República durante o mês de junho;26
(e) diversos projetos na área de infra-estrutura portuária, de transportes, energia
e telecomunicações; e (f) criação de uma “sala do investidor”, ligada diretamente
à Presidência da República, para coordenar institucionalmente a atração de
investimentos nacionais e externos.

25
Uma política de defesa da concorrência compatível com políticas industriais de raiz neo-
-schumpeteriana é viável, desde que não se encare, por exemplo, o estímulo à cooperação
interempresarial para aprendizagem coletiva como abdicação do controle sobre condutas
nocivas anticoncorrenciais. Na área de P&D, talvez seja necessária a criação de “zonas
de exceção” para setores industriais prioritários, com regras mais flexíveis de prevenção
e controle.
26
O Banco Mundial, em estudo intitulado Doing Business in 2004 — disponível em
<http://www.doingbusiness.org/Main/DoingBusiness2004.aspx> —, demonstrou que, em
média, se gastam 150 dias para abrir uma empresa no Brasil. Além disso, outros fatores,
como a regulamentação trabalhista, a eficiência do Judiciário, o acesso ao crédito e o
processo de falência, contribuem para a baixa eficiência empresarial no País.

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144 Jackson De Toni

Opções estratégicas
As opções estratégicas foram escolhidas pelo potencial de dinamismo,
pela capacidade de atração de investimentos, pelas novas oportunidades de
negócios, intensivas em inovação, pelo adensamento do tecido produtivo e por
apresentarem vantagens comparativas dinâmicas. Nesses requisitos, estão os
setores de semicondutores, software, fármacos e medicamentos e bens de
capital. Sinaliza-se a clara relação entre essas prioridades e as políticas públicas
setoriais, como são as políticas de saúde relacionadas com o tema dos fármacos.
A pesquisa agropecuária é lembrada como causa central da competitividade do
agronegócio como exemplo de conexão entre o investimento em P&D e o impacto
em políticas públicas. As principais ações atualmente em curso nessa linha
referem-se a incentivos ao setor de semicondutores (a balança comercial, nesse
setor, apresenta déficit de US$ 6 bilhões/ano), software (BNDES), bens de
capital (Modermaq e Finame, do BNDES) e fármacos (Profarma do BNDES).
Além dos setores ditos “estratégicos”, a política sinaliza os setores “portadores
de futuros”, cuja realidade na cadeia produtiva ainda é precária e que apresentam
as maiores tendências de alteração de processos e produtos. São eles: a
nanotecnologia e a biotecnologia. Em relação à biotecnologia, as ações estão
concentradas na implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia, em fase
de implantação, na criação de um fórum de Competitividade no Governo Federal,
na modernização dos marcos legais (Lei de Biossegurança) e no programa
brasileiro de biocombustíveis (biodiesel), dentro do quadro internacional,
estimulado pelo protocolo de Quioto. Relacionada ao desenvolvimento da
nanotecnologia, o Governo Federal vem atuando na criação de um sistema
nacional de P&D. Através dos fundos setoriais da Finep, já foram alocados
recursos para fortalecer a pesquisa básica, as redes de pesquisa e o
desenvolvimento de projeto, para a criação do laboratório nacional de micro e
nanotecnologia.27

27
A escolha de setores e os instrumentos propostos não devem se confundir com a opção
polêmica e criticável conhecida como “escolha dos vencedores” (Alem; Barros; Giambiagi,
2002). No caso da PITCE, os incentivos são de natureza creditícia ou em P&D; não há
qualquer tentativa de reeditar as “reservas de mercado” dos anos 80, ou uma política de
subsídios que seria insustentável no âmbito da OMC. Além disso, o critério-chave de
elegibilidade, além da escala e do potencial de inovação, é a redução seletiva dos déficits
na balança de pagamentos.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 145

Um novo arranjo institucional


O escopo da proposta de política industrial apresentado pelo Governo
Federal, capaz de associar ações horizontais (ou transversais) com ações
verticais (industrial targeting), exige uma ampla coalizão de forças políticas
para ser executado. Como toda coalizão supõe convergência de interesses
materiais e uma compreensão comum de uma visão de futuro, o papel do
Governo é crítico. O Estado deve ser capaz de estimular a formação dessa
coalizão e de garantir sua virtuosidade, isto é, fazer a mediação entre interesses
particulares potencialmente divergentes — de setores que perdem e de outros
que ganham — e constituir, afinal, os interesses nacionais de um projeto de
desenvolvimento mobilizador.28 Esse poder de arbitragem terá mais eficiência
quanto mais flexibilidade possuírem os instrumentos disponíveis (de política
econômica, por exemplo) e quanto maior for a capacidade de análise estratégica
para a percepção das janelas de oportunidade que estão se abrindo e fechando
na economia globalizada.
Essa forma de intervenção supõe, grosso modo, um padrão mais indireto
e complexo de atuação, por vezes mais sutil, afinal de contas, quem investe e
gera renda e emprego é o capital privado. A interação de múltiplos atores em
cenários de grande incerteza requer persistência e perseverança, como lembra
Gadelha (2001). A criação de uma organização pequena, focada e enxuta, do
tipo “agência”, tenta responder exatamente a esses requerimentos. Combinada
com uma arena de diálogo sistemático, onde o exercício do lobby é legítimo e
transparente, a arquitetura institucional completa-se com os atores sociais, que
têm, inclusive, amparo na experiência internacional.29

28
O exemplo coreano é paradigmático, o sucesso da política industrial na década de 60 teve
como fator-chave a grande articulação entre as instituições encarregadas da política
econômica de curto e longo prazos sob coordenação governamental direta, como
demonstrou a Professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Alice Amsden
(1989), especialista em economias asiáticas. Ainda sobre o debate do tamanho do Estado,
perguntada sobre as recentes crises cambiais nos países asiáticos e em Taiwan (outro
exemplo de sucesso), a Professora Amsden, respondeu: “Em Taiwan não houve crise.
Não tinha como acontecer: o Governo garante os empréstimos e controla o mercado
financeiro. Os próprios bancos são estatais. Os taiwaneses têm quatro tipos de empresas
estatais de diferentes origens: japonesa, porque foram invadidos pelos japoneses; chinesa,
porque importaram as indústrias da China continental; os militares têm um grande parque
industrial; e indústrias privadas falidas, que foram encampadas pelo governo”(Carta Capital,
1998).
29
Os lobbies são manifestações de pluralismo em sociedades democráticas e, em muitos
países, são regulamentados por dispositivos constitucionais; nesse contexto (e só aqui!),
são formas legítimas de pressão. A esse respeito, ver Graziano (1997).

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146 Jackson De Toni

Uma das primeiras dificuldades de formulação da política industrial num


cenário onde o Estado interventor não é mais viável e o Estado regulador ainda
não se consolidou não é, paradoxalmente, a ausência crônica de fontes de
financiamento. O primeiro e mais grave problema reside na construção de
capacidade de governo30 para gestar a política nessa nova conjuntura,
radicalmente diferente do ciclo desenvolvimentista dos anos 60, quando a
solução mais simples teria sido elaborar um clássico plano de desenvolvimento,
resolvendo problemas de pesquisa operacional e programação econômica, quem
sabe, encomendado pelo Presidente da República ao Ministro do Planejamento
ou ao IPEA.
A capacidade de governo nessa área sempre foi difusa, precária e ineficaz,
objeto de intermináveis conflitos entre capitães da indústria, burocratas
fazendários e desenvolvimentistas. A administração dos instrumentos de política
industrial sempre foi partilhada de modo caótico e descoordenado entre vários
ministérios. Para exemplificar e ilustrar o problema, havia, no passado recente
(até meados dos anos 90), uma divisão de funções entre o então MDIC, que
administrava a política de incentivos, o INPI e o Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), administrando a política de
transferência de tecnologia e a normatização, o Ministério da Fazenda cuidando
da política de comércio exterior — através da Carteira de Comércio Exterior
(Cacex) — e do controle de preços — através da Comissão Interministerial de
Preços (CIP). Em 1985, a política de tecnologia passou para o MCT, o Ministério
do Interior administrava os incentivos regionais, e o BNDES vinculava-se à
Secretaria do Planejamento da Presidência da República, que ainda não era
Ministério.
A superposição anárquica das várias reformas administrativas — quase
todas inconclusas — mudou constantemente o lugar institucional dos
instrumentos de política industrial. O que parece ser constante é o despreparo
das agências governamentais envolvidas, pela falta de quadros e de inteligência
estratégica, pela carência material, pela confusão do quadro legal e, finalmente,
pela baixa autoridade política. Durante o Governo Sarney, conforme Rua e
Aguiar (1995), na segunda metade dos anos 80, a multiplicidade das agências
burocráticas envolvidas e os conflitos gerados produziram, de forma ambígua,
a política industrial.

30
O conceito de “capacidade de governo” é aquele derivado de Matus (2000), um conjunto de
habilidade e perícia da direção das organizações que depende do grau de governabilidade
e da exigência em recursos imposta pela natureza do seu projeto de governo.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 147

[A] [...] esta fragmentação de poder, de natureza organizacional,


acrescentava-se a multiplicidade de objetivos, freqüentemente conflitantes,
entre as agências burocráticas. De fato, o MIC assumia como seu objetivo
primeiro incentivar a indústria, tendo que desembolsar, para tanto,
volumosos recursos financeiros. Este curso de ação, todavia, contrariava
a prioridade do MF, de controle do meio circulante e de redução do déficit
público. Já o MME insistia em restringir quaisquer projetos de abertura do
mercado que não estabelecessem claras garantias de incentivo à indústria
nacional, pois temia que as empresas estatais fossem prejudicadas pela
competição externa descontrolada (Rua; Aguiar, 1995, p. 255).

A dificuldade de construir consensos e de impor coerência ao conjunto das


decisões, indicando a ausência de um espaço institucional de caráter político,
com regras claras para resolver os conflitos de opinião, foi o traço marcante da
política industrial nos primeiros governos pós-regime militar, os de Sarney e
Collor. Entre as causas dessa dificuldade estão a completa ausência de pactuação
com os setores populares e a baixa participação da comunidade científica.
Bom exemplo desse quadro lamentável foi o último plano de política industrial
após o Plano Nacional de Desenvolvimento, a Política Industrial e de Comércio
Exterior (PICE), divulgada em 26 de junho de 1990, ancorada na exposição
progressiva da economia à competição internacional.31 Durante o Governo Collor,
a formulação dos diversos planos da política industrial32 ficou subordinada
praticamente ao Ministério da Economia e aos escalões burocráticos, excluindo,
por exemplo, a participação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Nos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso (entre 1995 e 2002), a elaboração da política industrial ficou totalmente
subordinada aos objetivos da política de estabilidade monetária, apesar das
iniciativas marginais de incremento das exportações e de apoio ao sistema de
ciência e tenologia, como já foi abordado anteriormente.
A política atualmente em vigor começou a ser elaborada em 2003, com a
formação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) no âmbito da Câmara de
Política Econômica (uma das várias câmaras do Conselho de Governo ligadas
diretamente à Presidência da República). O GTI, coordenado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, elaborou o documento Diretrizes
(2003) e sugeriu a criação de uma agência nacional para coordenar o conjunto

31
Para aprofundar a análise institucional da formulação e da execução da política industrial
nos anos 80 e 90, consultar Guimarães (1996).
32
Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira (PACTI, 1990), Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP, 1990) e o Programa de Competitividade
Industrial (PICE, 1991).

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148 Jackson De Toni

amplo e complexo das medidas horizontais e verticais propostas pela política.


Deve-se ressaltar que o Ministério da Fazenda protagonizou o trabalho de
elaboração com o mesmo empenho e compromisso que os demais ministérios.
Esse detalhe é importante, porque há no senso comum do debate sobre política
industrial um viés de raciocínio que associa sempre a implementação de tal
política com incentivos e benefícios, muitas vezes cartoriais e injustificáveis,
lesivos ao erário público e, por isso mesmo, com enorme resistência e até
oposição da área fazendária. Este não parece ser o caso da PITCE, que resultou
de intenso processo de pactuação de pelo menos sete Ministérios (do
Desenvolvimento, da Fazenda, da Ciência e Tecnologia, do Trabalho e Emprego,
da Saúde, da Integração Nacional, da Casa Civil, além do BNDES, do IPEA e
da Apex).
Desde o início, o conceito que presidiu a construção institucional da
proposta foi a necessidade de articulação e coordenação dos vários projetos e
ações propostas, sabendo-se já que a experiência histórica de dispersão e de
fragmentação das várias organizações federais explica, em parte, a quase-
-totalidade dos insucessos nessa área. Além disso, parte do fracasso vem da
existência de estruturas burocráticas fracas, o que produz o que Schneider
(1994) chamou de “capitalismo político”: Segundo esse autor,
Essa dependência do Estado e da volatilidade de suas políticas mobiliza
todos os atores políticos no sentido de procurar influenciar a burocracia
econômica. Os capitalistas se mobilizam naturalmente para influenciar
as decisões que mais os afetam. Os políticos e outros atores políticos
reconhecem que as funções normais de um legislativo fraco (ou mesmo
as funções tradicionais de um Estado liberal) são menos relevantes que
os enormes poderes arbitrários nas mãos da burocracia econômica.
Esses atores buscam o poder nessa burocracia e assim politizam a
administração, o que por sua vez torna mais provável que as políticas
sejam temporárias e negociáveis (Schneider, 1994, p. 347-348).

A busca de sinergia e de efeitos horizontais capazes de unificar e de dar


potência à ação governamental, priorizando áreas, hierarquizando elementos
de um sistema a ser consolidado, criando ambientes institucionais para geração
de consensos duradouros (dentro do Governo e com o setor privado), enfim,
evitando a volatilidade das regras, foi internalizada como categoria básica
para construir uma nova política pública para a indústria brasileira.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 149

Criação da Agência Brasileira de Desenvolvi-


mento Industrial (ABDI)
A ABDI foi criada por lei aprovada no Congresso Nacional brasileiro, em 30
de dezembro de 2004 (Lei nº 11.080), e regulamentada por decreto presidencial
em 24 de janeiro de 2005 (Decreto nº 5.352). Textualmente, a Lei estabelece
que a finalidade da Agência é promover a execução de políticas de
desenvolvimento industrial em sentido amplo, especialmente os programas
que contribuam para a geração de empregos, em consonância com as políticas
de comércio exterior e de ciência e tecnologia. A ABDI define-se juridicamente
como um “serviço social autônomo”,33 pessoa jurídica de direito privado sem
fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com regime de
contratação funcional baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A estrutura da Agência é simplificada: uma Diretoria Executiva com três
diretores, com funções técnicas específicas, um Diretor de Inovação (gestão da
inovação e desenvolvimento), um de Desenvolvimento Industrial (complexos
produtivos e desenvolvimento produtivo local) e um Diretor-Presidente. O
Conselho Deliberativo é composto por 15 membros com representação de
entidades da indústria (sete) e do Governo (oito) e um Conselho Fiscal. Entre
os representantes da sociedade civil, encontra-se a Central Única dos
Trabalhadores. Os representantes do Poder Executivo são o MDIC, a Casa Civil
da Presidência da Republica, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério
da Fazenda, o Ministério do Planejamento, o Ministério da Integração Nacional,
o BNDES e o IPEA. Pelo setor privado, estão presentes a Confederação Nacional
da Indústria, a Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil),
serviço social autônomo, a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Central Única dos
Trabalhadores, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)
e a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos

33
Essa figura jurídica foi criada na vigência da Constituição de 1946, quando não havia
normas específicas sobre a Administração Indireta, daí a dificuldade na definição da sua
natureza jurídica e do seu enquadramento legal entre as entidades da Administração
Indireta. Naquela circunstância, o Governo Federal agiu muito mais para fomentar a iniciativa
privada através da subvenção compulsória do que para repassar a prestação de um
serviço público. É uma atividade privada de interesse público. Isso significa que a
participação do Estado no ato de criação ocorreu para incentivar a iniciativa privada, por
meio de subvenção garantida através da instituição compulsória de contribuições parafiscais
destinadas especificamente a essa finalidade.

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150 Jackson De Toni

Inovadores (Anprotec). A previsão inicial é de um corpo técnico especializado


em torno de 50 a 60 funcionários definidos em seleção pública.
Os diretores são nomeados pelo Presidente da República, para o exercício
de um mandato de quatro anos. Um dos aspectos que merecem destaque é a
obrigatoriedade legal de firmar um “contrato de gestão” entre a Agência e o
ministério responsável, no caso o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, com acompanhamento do Ministério do Planejamento. No
contrato de gestão, deverão constar metas, objetivos, prazos e responsabi-
lidades para a avaliação dos recursos públicos eventualmente repassados. Além
disso, o decreto regulamentador prevê que o contrato de gestão explicite os
critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados pelos órgãos
supervisores e controladores. Outro instrumento de controle é a obrigatoriedade
de análise das contas anuais pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão
vinculado ao Poder Legislativo, que também deverá fiscalizar o cumprimento
do contrato de gestão, determinando medidas corretivas, quando for o caso.
A Agência é financiada pelo adicional de contribuição social que incide
sobre os gastos de pessoal das empresas e é recolhido pelo Ministério da
Previdência Social, assim como nos demais serviços sociais autônomos, além
de receber verbas orçamentárias da União mediante condições fixadas no
contrato de gestão.34
Em abril de 2005, a ABDI realizou o seu primeiro planejamento estratégico,
estabelecendo como visão de futuro a “[...] mudança do patamar da Indústria
pela inovação e diferenciação de produtos e serviços, com inserção e
reconhecimento nos principais mercados do mundo” (ABDI, 2005).35 As restrições
identificadas para o alcance da visão de futuro localizam-se nos âmbitos
temáticos da educação, na carga tributária, na infra-estrutura, no financiamento
para a atividade produtiva e nos marcos regulatórios.
Os macrobjetivos propostos são: (a) o fortalecimento e a expansão da
base industrial, implicando os desafios do fortalecimento das cadeias
produtivas, da estrutura regional (APLs), a inserção internacional ativa e o
apoio às ações estratégicas e portadoras de futuro (PITCE); (b) o aumento da
capacidade inovadora das empresas, implicando os desafios de incentivar
processos de inovação, desenvolver ambiente inovador e instrumentos de
pesquisa, desenvolvimento e inovação (P, D&I), realizar prospecção tecnológica

34
A repartição das receitas a essas entidades (Sebrae, Apex, etc.) é regulada pela Lei
Federal nº 8.029, de 1990.
35
O workshop realizado em abril de 2005 (ABDI, 2005) contou com a participação de 41
organizações públicas e privadas e gerou 296 projetos e/ou iniciativas em todos os âmbitos
da PITCE.

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 151

e acompanhar os projetos de inovação. A cada desafio sinalizado correspondem


programas de ação específicos. Por exemplo, o desafio de estimular e
desenvolver atividades de P, D&I em micro e pequenas empresas (MPEs)
será trabalhado por um programa de fomento (P, D&I nas MPEs), envolvendo
ações em relação a compras externas, compras governamentais, financiamento,
proteção à propriedade intelectual, encomendas e instrumentos fiscais, a partir
de várias parcerias entre os setores público e privado. O plano estratégico
prevê a execução de 11 grandes programas. Atualmente, a Agência está
detalhando a estratégia de implementação dos programas, bem como aspectos
táticos e operacionais relacionados. Cabe registrar que uma das funções mais
estratégicas da Agência, que é estabelecer a articulação permanente entre
todos os atores envolvidos na execução da PITCE, foi formalizada pelo plano
estratégico no Programa 10 (Articulação com o Ambiente Externo). Segundo o
enunciado
[...] a articulação institucional é fundamental na consolidação dos
objetivos da ABDI e na implementação da PITCE. Essa articulação deverá
privilegiar a parceria, a concertação de interesses públicos e privados
e a consistência e viabilidade técnica e institucional dos programas e
projetos [...] (ABDI, 2005, p. 50).

Uma das ações finalísticas da agência é exatamente construir e desenvolver


o diálogo com o setor privado, os empresários e os trabalhadores, atuando quase
como “órgão executivo” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial
(CNDI), com as agências de desenvolvimento regionais e internacionais e
especialmente com os Ministérios da Administração Direta da União.
Um espaço privilegiado para a articulação institucional da ABDI são os
“fóruns de competitividade”, criados no governo de Fernando Henrique Cardoso
e coordenados pelo MDIC, retomando um conceito antigo das “câmaras
setoriais”. Os “fóruns” são organizados com base no conceito de cadeia
produtiva, o que permite visualizar todos os elos e gargalos do negócio. O
mecanismo funciona como sistematizador e organizador das demandas
empresariais e dos trabalhadores, hierarquizando prioridades e definindo
consensos. Os critérios para seleção das prioridades consideram os ganhos de
competitividade, o aumento do nível de emprego, ocupação e renda e a
desconcentração produtiva. Os projetos finais são encaminhados à Câmara de
Política de Desenvolvimento Econômico; atualmente, estão em operação 15
“fóruns”, em vários estágios de funcionamento e organização.36 A seguir,
apresenta-se um diagrama que esquematiza as principais relações institucionais
da Agência (Figura 1).

36
Para mais informações, consultar o documento Brasil (2004).

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152 Jackson De Toni

Figura 1
Modelo institucional

FONTE: AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL — ABDI.


FONTE: Plano de Desenvolvimento Industrial, Tecnológico e de Comércio Exte-
FONTE: rior — horizonte 2008, Brasília, 2005. (Workshop, mimeo).

Criação do Conselho Nacional de Desenvol-


vimento Industrial
A criação de um conselho capaz de articular o debate entre o setor industrial
e as autoridades públicas não é nova. Nos anos 40 e 50, durante o Plano de
Metas, diversos conselhos e grupos executivos tiveram natureza e função
semelhante, alguns, inclusive, obtiveram sucesso em suas atribuições. No
Governo Sarney, por exemplo, foi criado o Conselho de Desenvolvimento
Industrial (Decreto nº 96.056, de 19.05.88), com colegiado interministerial,
porém sem representação dos trabalhadores e com participação empresarial

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 127-158, jul. 2007


Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 153

pequena. Mais recentemente, o próprio setor empresarial propôs a criação de


um conselho para debater o desenvolvimento industrial (IEDI, 2000).37 O atual
conselho é vinculado diretamente à Presidência da República e presidido pelo
Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior e tem como
atribuição a proposição de políticas nacionais e medidas específicas destinadas
a promover o desenvolvimento industrial do País. A grande maioria das medidas
de desoneração tributária sobre investimentos, exportações ou bens de capital
encaminhadas ao Congresso Nacional em 2004 e 2005, na forma de projetos de
lei ou de medidas provisórias, foram debatidas nesse conselho.38
O CNDI é composto por 13 ministros, pelo Presidente do BNDES e por 14
representantes da sociedade civil, empresários e trabalhadores. As primeiras
atividades iniciaram, informalmente, em abril de 2004, realizando cinco reuniões
até a data de instalação oficial, no dia 17 de fevereiro de 2005. O regimento
interno do Conselho prevê reuniões bimensais e enuncia expressamente que
cabe ao CNDI propor medidas para o desenvolvimento do País e acompanhar e
avaliar as medidas da PITCE. A natureza de participação colegiada
interministerial e a participação de personalidades representativas do setor
empresarial e dos trabalhadores conferem ao Conselho uma natureza político-
-corporativa fundamental para legitimar as ações governamentais.

Conclusões
A formulação da política industrial brasileira quase sempre foi um
subproduto marginal da política macroeconômica. A sua constituição como objeto
de pesquisa e política pública específica veio só depois que se consolidou a
indústria básica no País. Até mais ou menos meados dos anos 70, a política
industrial não passava de um conjunto de subsídios desordenados e marcos

37
O IEDI propôs um conselho bem menor, com nove membros e com representação dos
governos estaduais. Os objetivos seriam “[...] constituir um locus de discussão empresarial,
independentemente de associações de classe e de setores de atuação das suas empresas
e contribuir para o estabelecimento da cooperação e de iniciativas coordenadas entre o
setor público e o setor privado [...] encaminhar propostas de desenvolvimento industrial e
acompanhar e avaliar a execução das políticas na perspectiva empresarial “ (IEDI, 2000,
p. 7).
38
São exemplos ocorridos em 2004 e 2005: Programa Reporto, depreciação acelerada de
bens de capital, plataforma de exportações, lei complementar para microempreendedores,
diminuição do IPI, programa “PC Conectado”, etc.; muitas medidas ainda tramitavam no
Legislativo nacional, no momento em que este artigo foi escrito, junho de 2005.

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154 Jackson De Toni

legais insuficientes, muitos deles estimulando distorções e ineficiências, políti-


cas setoriais muito localizadas e quase sempre cartoriais e de proteção à expo-
sição competitiva dos mercados externos. O cenário transformou-se, como se
tentou descrever ao longo do texto, num ambiente de alta exposição externa,
abertura financeira, mudança do paradigma tecnológico e gerencial e, sobretu-
do, alteração brutal nas condições de intervenção do Estado nacional, da inter-
venção desenvolvimentista para a regulação sob a égide da globalização.
A atual política industrial do Governo Lula, anunciada em março de 2004,
parece repetir diretrizes e instrumentos presentes em outros planos dos anos
90, com ênfase, por exemplo, no aumento da competitividade das empresas,
no mercado externo ou na melhoria de qualidade da força de trabalho, e nisso
não há demérito, antes o contrário. Entretanto há pelo menos três conceitos
essencialmente diferentes: (a) a sinergia buscada entre política industrial, em
senso estrito (seja ela vertical, seja horizontal), com a política de comércio
exterior e a política tecnológica, (b) o foco na inovação e, particularmente, (c) a
construção de um novo instrumento de coordenação e construção de consensos,
a ABDI e o CNDI. Não será preciso refletir em demasia para perceber que a
estabilidade relativa da economia brasileira (mesmo com as altas taxas de
juros reais) e as condições externas favoráveis também diferenciam o
momentum atual das experiências anteriores.
Embora a ABDI tenha a função de executar a PITCE, efetivamente tende a
se construir como um centro de policy-making da política industrial, na medida
em que poderá reunir um conjunto de quadros técnicos altamente qualificado.
Não se trata de estabelecer novamente uma competição entre agentes
burocráticos, insulados em centros de excelência, com os decisores políticos,
os ministérios ou o Legislativo, mas de tentar uma nova arquitetura funcional,
capaz de vencer a fragmentação e a entropia organizacional sistemática do
Estado brasileiro.39
Poder-se-ia objetar que há um risco de “descolamento” da performance
da Agência com o centro de decisão política do Governo, de autonomia burocrática
ou mesmo de “captura” por interesses setoriais ou singulares de segmentos
industriais eventualmente credores de medidas governamentais. Há vários
argumentos para negar essa possibilidade. O primeiro é a própria constituição

39
Um grupo burocrático pode assumir funções políticas, se possuir os pré-requisitos de
formular intenções políticas, ajustar suas intenções a procedimentos governamentais,
competir pelo preenchimento de cargos governamentais, ocupar posições centrais no
Governo, possuir qualificação para comando ou gerenciamento de atividades
governamentais e capacidade de controlar a implementação das decisões públicas (Peters,
1981).

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Novos arranjos institucionais na renovação da política industrial brasileira 155

da Agência e sua natureza jurídico-institucional. A ABDI não é uma agência


reguladora, autônoma e independente do Governo; o mandato dos seus
dirigentes é revogável a qualquer tempo pelo Presidente, assim como os
representantes governamentais no Conselho Deliberativo. Além disso, a Agência
surgiu como parte de uma política industrial já concebida e desenhada pelo
Governo na suas principais diretrizes e ações, isto é, com foco estratégico já
desenhado. A política da Agência está subordinada também a duas Câmaras do
Conselho de Governo, à Câmara de Políticas de Desenvolvimento Econômico
(CPDE) e à Câmara de Política Econômica (CPE). A criação de uma agência
coordenadora e executiva representa uma inovação institucional
qualitativamente superior em relação às experiências passadas, em que pese
a necessária avaliação e o monitoramento de sua operação efetiva nos próximos
anos.

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 159

Liberalização comercial e desigualdade


salarial na indústria brasileira — 1981-02*
Marina Silva da Cunha** Professora Adjunta do Departamento de Economia
da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
Doutora em Economia Aplicada pela Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
da Universidade de São Paulo

Resumo
Neste trabalho, é apresentada uma análise empírica dos impactos da liberalização
comercial sobre a desigualdade salarial brasileira, considerando-
-se, em especial, os diferentes níveis de qualificação (anos de escolaridade)
dos trabalhadores da indústria de transformação. Os dados abrangem o período
1981-02 e têm como base as informações das PNADs do IBGE. Encontram-se
evidências de que, a partir da abertura comercial, ocorreu uma redução da desi-
gualdade salarial na indústria de transformação e no salário real médio. Porém
tal redução da desigualdade salarial mostra-se pouco expressiva. Também é
observada uma diminuição da desigualdade salarial entre os níveis educacio-
nais, durante o período de abertura comercial. Por fim, é possível verificar-se
uma relação estatisticamente significativa entre a redução da desigualdade
salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualificados e a liberalização
comercial.

Palavras-chave
Liberalização comercial; indústria; desigualdade salarial.

Abstract
In This work is presented an empirical analysis of the impacts of the trade
liberalization on the Brazilian wage inequality, considering, in special, the different

* Artigo recebido em dez. 2005 e aceito para publicação em dez. 2006.


** E-mail: mscunha@uem.br

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160 Marina Silva da Cunha

levels of skill (years of schooling), of the workers of the industry. The data include
the period 1981-2002 and have as base the information of the PNADs of the
IBGE. This work finds evidences of that from the trade opening occurred a reduction
of the wage inequality in the industry and of the average real salary. However,
such reduction of the wage inequality reveals little expressive. Also a reduction
of wage inequality is observed between the educational levels during the period
of trade opening. Finally, it is possible verify a relation statistically significant
between the reduction of the wage inequality between skilled and unskilled workers
and the trade liberalization.

Key words
Trade liberalization; industry; wage inequality.

Classificação JEL: J31.

1 Introdução
Nas últimas décadas do século XX, diversos países em desenvolvimento
passaram por processos de liberalização comercial. Evidências empíricas têm
sugerido que essas reformas estão associadas a um aumento da eficiência e da
produtividade nas economias desses países. Entretanto inexiste consenso em
relação ao impacto da liberalização comercial sobre a desigualdade salarial.
Experiências como a observada no México apontam uma coincidência cronoló-
gica entre as reformas de liberalização comercial e as ampliações dos prêmios
salariais pagos a trabalhadores qualificados e da desigualdade salarial. Tais
observações frustram aqueles que esperavam que a abertura externa pudesse
concorrer para a redução da desigualdade e da pobreza nos países em desen-
volvimento (Attanasio; Goldberg; Pavenik, 2003). Em diversos países da Améri-
ca Latina e do Caribe, esse processo também tem levado a um aumento nos
diferenciais salariais entre trabalhadores menos e mais qualificados, paralela-
mente a um crescimento da desigualdade salarial (Taylor; Vos, 2001).
No entanto, no Brasil, alguns trabalhos indicam um aumento dos diferen-
ciais salariais entre trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas acom-
panhado por uma relativa estabilidade da desigualdade (Barros; Corseuil; Cury,
2000; Green; Dickerson; Arbache, 2001; Arbache; Dickerson; Green, 2004). Nes-

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 161

se sentido, o Brasil tem-se constituído em um caso atípico, justificando a rele-


vância de novas pesquisas dentro do tema. Buscando contribuir para essa dis-
cussão, o objetivo deste trabalho é realizar uma investigação empírica dos
impactos da liberalização comercial na desigualdade salarial brasileira, em
especial entre os trabalhadores com diferentes níveis de qualificação. Em parti-
cular, examina-se a desigualdade salarial na indústria de transformação, setor
mais dinâmico da economia e que sofreu, de maneira intensa, os impactos das
reformas comerciais.
A análise é realizada em três etapas. Inicialmente, apresenta-se uma bre-
ve revisão teórica e empírica acerca do tema, fundamentada na teoria de co-
mércio internacional que pressupõe que uma maior abertura comercial de paí-
ses em desenvolvimento provocaria redução da desigualdade salarial entre tra-
balhadores com maior e menor qualificação. Em seguida, é caracterizada a de-
sigualdade salarial interindustrial brasileira. Por fim, analisa-se o comportamen-
to da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualifica-
dos. Dessa forma, procuram-se responder três questões ao longo do trabalho.
Primeiro, se ocorreu uma redução da desigualdade salarial após o início da
abertura comercial na indústria brasileira; segundo, se o comportamento da de-
sigualdade salarial está associado a uma queda ou a um aumento da desigual-
dade salarial entre trabalhadores com maior e menor qualificação; e, terceiro, se
existe alguma relação entre a liberalização comercial e a desigualdade salarial
desses trabalhadores.

2 Aspectos teóricos e empíricos


Conforme o teorema de Hecksher-Ohlin, um país tende a exportar bens
que são intensivos no fator de produção abundante, dado este apresentar relati-
vamente menor custo que o fator mais escasso. Assim, países com o fator
capital mais abundante dever-se-iam concentrar na produção de bens intensi-
vos em capital, enquanto os com fartura do fator trabalho se concentrariam nos
intensivos em mão-de-obra.
O teorema de Stolper-Samuelson, que generaliza o modelo de Hecksher-
-Ohlin, foi a primeira formulação teórica a explicar os efeitos da liberalização
comercial sobre a distribuição de renda entre os países. Segundo tal teorema,
os efeitos da liberalização comercial para o mercado de trabalho de países
desenvolvidos e em desenvolvimento seriam diferentes. Nos primeiros, haveria
um aumento das exportações dos bens intensivos em mão-de-obra qualificada,
provocando um aumento da dispersão salarial; nos segundos, ocorreria um

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162 Marina Silva da Cunha

aumento das exportações de produtos intensivos em mão-de-obra com baixa


qualificação, acarretando uma redução da dispersão salarial.
A combinação dos dois teoremas, denominada HOS, indica que, nos
países em desenvolvimento, o aumento das trocas internacionais, propiciado
por uma mudança na política comercial, conduziria a uma alta nos preços rela-
tivos dos produtos intensivos em mão-de-obra com baixa qualificação e, por
conseguinte, a uma elevação dos salários relativos dos trabalhadores de menor
qualificação. De outro lado, o salário relativo da mão-de-obra qualificada diminui-
ria, já que o país ampliaria a importação de bens intensivos nesse fator de
produção. Como resultado final, a liberalização comercial melhoraria os indica-
dores de desigualdade de renda em um país em desenvolvimento.
As predições do teorema HOS encontraram suporte empírico em países
que passaram por um processo de liberalização comercial nas décadas de 60 e
70, tais como os Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong
Kong), conforme Wood (1997). Por sua vez, a crescente abertura econômica
dos EUA tem sido apontada como uma das causas do aumento da sua desi-
gualdade salarial nas últimas décadas, dado que a elevação da competição
frente aos países com salários menores tem reduzido a demanda por trabalha-
dores menos qualificados nos EUA e, conseqüentemente, provocado redução
salarial no País (Feenstra; Gordon, 1996).
No entanto, experiências recentes de países em desenvolvimento não têm
obtido resultados tão favoráveis para o teorema HOS. No México, por exemplo,
Hanson e Harrison (1999) concluíram que o processo de abertura econômica
ampliou o diferencial salarial entre os trabalhadores menos qualificados e os
qualificados. Segundo eles, o Governo mexicano decidiu abrir a economia do
País em 1985 e, nos três anos seguintes, reduziu a maioria das barreiras comer-
ciais.1 Concomitantemente, porém, o diferencial salarial aumentou, depois de
duas décadas com uma tendência de queda. Os autores explicam esse fato
argumentando que o México dispõe de uma intermediária abundância de traba-
lhadores qualificados na comparação com o resto do mundo. Assim, antes da
abertura comercial, os setores com trabalhadores menos qualificados eram pro-
tegidos pelas barreiras comerciais, e a redução das mesmas afetou mais que
proporcionalmente esses trabalhadores, expondo-os à competição de países
como a China.
Como mostram Beyer, Rojas e Vergara (1999), o início do processo de
abertura econômica do Chile ocorreu no ano de 1973, com a queda do governo

1
Em 1985, a tarifa média para a importação era de 23,5%, e 92,2% da produção nacional
possuíam licença-importação. Já em 1987, esses percentuais estavam em 11,8% e 25,4%
respectivamente.

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 163

socialista do Presidente Allende e o começo do governo militar. Naquele ano, a


tarifa média de importação era igual a 105%, variando de 0% até 750%. Por sua
vez, ao final da década de 70, a tarifa média estava em 10%. Nesse período,
ocorreu um aumento da desigualdade salarial no Chile, em função da redução
dos preços relativos dos produtos intensivos em trabalho ou dos setores com
trabalhadores menos qualificados, o que, para os autores, se mostrou inconsis-
tente com o previsto pelo modelo HOS.
A Colômbia, onde o processo de abertura comercial teve início no final da
década de 70 e ganhou intensidade no começo dos anos 80, também experi-
mentou um aumento dos prêmios salariais para os trabalhadores mais qualifica-
dos. Segundo Attanasio, Goldberg e Pavenik (2003), a ampliação dos prêmios
salariais esteve associada, de um lado, às mudanças tecnológicas intensivas
em trabalho qualificado e, de outro, à redução das barreiras tarifárias nos setores
intensivos em trabalho menos qualificado. Dessa forma, a liberalização comer-
cial teria tido um efeito limitado na distribuição salarial. Segundo os autores, o
processo de abertura afetou o setor informal do País, que se expandiu nesse
período, contribuindo para o aumento da desigualdade salarial observada.
Dessa forma, os resultados observados na América Latina parecem não
estar de acordo com o postulado pelo teorema HOS, ou seja, a liberalização
comercial surge associada a um aumento tanto dos diferenciais salariais entre
os trabalhadores qualificados e os menos qualificados quanto da desigualdade
salarial.
É importante ressaltar que alguns autores fornecem algumas possíveis
explicações para o fato de várias experiências de abertura comercial de econo-
mias latino-americanas não seguirem as predições do teorema HOS. Davis (1996),
por exemplo, formulou um modelo no qual o aumento dos prêmios salariais para
os trabalhadores mais qualificados, em países em desenvolvimento, é explica-
do pelo fato de que, embora tais países não tenham abundância em termos
mundiais do fator de produção trabalho qualificado, eles possuem uma abundân-
cia local ou relativa desse fator de produção, como sugerem, para o México,
Hanson e Harrison (1999). Outras explicações, segundo Wood (1997), seriam a
entrada de países como a China no mercado mundial, reduzindo a demanda por
mão-de-obra menos qualificada nos países em desenvolvimento, e a geração e
a disseminação de novas tecnologias com viés contra trabalhadores menos
qualificados.
No Brasil, o processo de abertura comercial teve início a partir do final dos
anos 80 e foi acompanhado por uma maior flexibilização no mercado de trabalho
e por reformas no setor financeiro. Em 1988 e 1989, foram diminuídas as tarifas
mais excessivas e cancelados alguns regimes especiais. A partir de 1990, de
forma gradual, as barreiras não tarifárias e todos os regimes especiais, com

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164 Marina Silva da Cunha

exceção dos da Zona Franca de Manaus e da indústria de computadores, tam-


bém foram postos abaixo. Em 1994, a política tarifária subordinou-se ao objetivo
de estabilização do nível dos preços. Com isso, as alíquotas de vários produtos
com participação importante no nível de preços internos foram reduzidas. Se-
guindo o mesmo propósito, foi antecipada, para setembro de 1994, a Tarifa
Externa Comum do Mercosul, prevista para o início de 1995. Conforme Moreira
e Correa (1998), a experiência brasileira pode ser comparada com a da Coréia
do Sul, onde o processo de liberalização ocorreu em cinco anos (1979-83) e foi
mais intenso no final do período, mas foi mais rápida que a do Chile,
onde a redução das barreiras tarifárias e não tarifárias foi mais uniforme
(1973-78).
Para Green, Dickerson e Arbache (2001), que analisaram a desigualdade
salarial na economia brasileira, no período 1981-99, após a abertura comercial
ocorreu um aumento da demanda por trabalhadores qualificados e, conseqüen-
temente, um aumento dos prêmios salariais por eles recebidos. No entanto,
esse trabalho apontou uma relativa estabilidade da desigualdade salarial no Bra-
sil. Tal resultado foi corroborado por Barros, Corseuil e Cury (2000), que mostra-
ram que, ao longo do período 1977-99, a desigualdade de renda foi “surpreen-
dentemente” estável, uma vez que o nível de desigualdade, em 1999, era seme-
lhante ao observado no final da década de 70, apesar de algumas oscilações ao
longo do período.

3 Descrição dos dados


Este trabalho tem como base a População Economicamente Ativa (PEA)
da indústria de transformação, e são utilizados os dados das Pesquisas Nacio-
nais por Amostra de Domicílios (PNADs) publicadas pelo IBGE no período
1981-02. No ano de 1981, existiam 47.488.526 pessoas economicamente ativas
no Brasil, conforme a Tabela 1.2 Dessas, um total de 45.465.410 pessoas esta-
vam ocupadas, sendo 6.810.647 na indústria de transformação, o correspon-
dente a 14,98% da PEA total ocupada, conforme o Gráfico 1.

2
São consideradas pessoas economicamente ativas as que tinham trabalho durante todo ou
parte do período da pesquisa, as pessoas que não exerceram o trabalho remunerado que
tinham no período especificado por motivo de férias, licença, greve, etc. e aquelas que
tomaram alguma providência efetiva de procura de trabalho na semana de referência da
PNAD.

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 165

Tabela 1

Evolução da população e da amostra, após a aplicação cumulativa das restrições,


no Brasil — 1981-2002

PEA PESSOAS OCUPADAS


ANOS População População
Amostra Amostra
(1) (1)
1981 47 488 526 187 450 45 465 410 178 854
1982 49 884 736 202 932 47 925 851 194 426
1983 50 940 700 203 724 48 466 493 193 231
1984 52 443 112 206 344 50 208 765 196 921
1985 55 636 014 215 691 53 760 739 208 121
1986 56 816 215 119 023 55 435 973 115 964
1987 59 542 958 126 743 57 409 975 122 023
1988 61 047 954 127 282 58 728 534 122 095
1989 62 513 176 129 084 60 621 934 124 885
1990 61 915 995 132 400 59 673 644 127 386
1992 69 969 210 151 081 65 395 491 140 605
1993 70 965 378 152 915 66 569 757 142 559
1995 74 138 441 161 512 69 628 608 151 118
1996 73 120 101 155 900 68 040 206 144 294
1997 64 907 667 142 865 59 503 139 130 290
1998 76 885 732 166 745 69 963 113 151 002
1999 79 315 287 173 634 71 676 219 155 953
2001 83 243 239 184 821 75 458 172 166 913
2002 86 055 645 192 049 78 179 622 173 506
(continua)

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166 Marina Silva da Cunha

Tabela 1

Evolução da população e da amostra, após a aplicação cumulativa das restrições,


no Brasil — 1981-2002

INDÚSTRIA DE INFORMAÇÃO
TRANSFORMAÇÃO DECLARADA
ANOS
População População
Amostra Amostra
(1) (1)
1981 6 810 647 25 345 5 028 688 18 723
1982 7 029 497 27 029 5 113 629 19 731
1983 6 774 786 25 581 5 049 137 18 947
1984 7 136 181 26 643 5 376 680 19 933
1985 7 906 948 28 951 5 924 118 21 561
1986 8 986 445 17 345 6 560 521 12 541
1987 9 005 076 17 631 6 563 332 12 744
1988 8 985 990 17 162 6 486 339 12 245
1989 9 647 143 18 243 7 158 414 13 377
1990 8 913 506 17 724 6 381 947 12 662
1992 8 376 998 17 409 6 898 960 14 322
1993 8 539 323 17 617 7 129 454 14 713
1995 8 548 400 17 791 7 042 345 14 611
1996 8 407 147 17 033 7 018 971 14 173
1997 7 161 822 15 073 5 853 118 12 306
1998 8 230 597 16 940 6 918 752 14 187
1999 8 278 798 17 337 6 956 500 14 555
2001 9 300 279 19 357 7 922 885 16 485
2002 10 568 997 22 282 9 010 276 18 949
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD
1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE,
1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.
(1) A estimativa da população é obtida, utilizando-se o fator de expansão
disponibilizado pelo IBGE.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 167

Gráfico 1

Participação do pessoal ocupado na indústria de transformação, em relação à PEA


total ocupada, e taxa de desemprego no Brasil — 1981-2002

(%)
18,0
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Legenda: Ocupação
Ocupação na indústria de transformação
da Indústria
Taxa de desemprego
Desemprego

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/


/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993,
1997/1999,
2002/2003.

O nível de ocupação da indústria de transformação em relação à PEA total


reduziu-se na década de 90, em comparação com a de 80, apresentando sinais
de recuperação apenas em 1999. No Brasil, contrariando as recomendações de
políticas macroeconômicas, o processo de liberalização comercial foi acompa-
nhado por um movimento de apreciação cambial, em especial a partir da
implantação do Plano Real, no início de 1999. A valorização da moeda nacional
deixou o setor produtivo doméstico exposto à competição com os produtos
importados mais baratos, embora, conforme Moreira e Correa (1998), esse com-
portamento do câmbio tenha possibilitado um progresso tecnológico à industria
local, dado que ampliou o acesso dos produtores nacionais aos bens de capital
e aos insumos internacionais, combinado com um processo de concentração e
especialização da indústria brasileira. Após 1999, com a desvalorização cam-
bial, os produtores industriais nacionais ficaram mais competitivos, o que favo-
receu o setor e gerou alguma recuperação dos postos de trabalho.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


168 Marina Silva da Cunha

Ainda no Gráfico 1, nota-se, como esperado, a correlação negativa entre a


taxa de desemprego para a economia brasileira e a ocupação na indústria, con-
firmando a importância do setor para a geração de postos de trabalho em toda a
economia.3
Buscando uniformizar as informações de forma a permitir uma análise
adequada do tema, as próximas seções têm como base as pessoas com infor-
mações declaradas sobre anos de escolaridade, idade, sexo, setor de atividade,
filiação a sindicato, carteira de trabalho, região e condição da ocupação do
conta-própria e dos empregados com rendimento positivo e com idade entre 18
e 65 anos. Dessa forma, em 2002, existiam 9.010.276 pessoas ocupadas na
indústria de transformação brasileira com informações declaradas, conforme a
Tabela 1. A seguir, analisar-se-á o comportamento da desigualdade salarial
nesse setor.

4 Evolução da desigualdade salarial


Conforme a Tabela 2, no período 1981-02, ocorreu uma redução no salário
real médio da indústria da transformação brasileira, que apresentou uma taxa
de variação negativa igual a 38,09%, caindo de R$ 961,82 em 1981 para
R$ 595,44 em 2002.4 Subdividindo-se esse período em duas fases, antes e
depois do início do processo de abertura comercial, nota-se que, tanto no
primeiro período, 1981-87, quanto no subseqüente, 1988-02, os salários médios
tiveram tendência de queda.
Porém tal uniformidade de tendência nos dois subperíodos não é observa-
da nos índices de desigualdade salarial.5 Eles aumentaram no primeiro período,
mas inverteram essa tendência no segundo. Deve-se ressaltar que os resulta-
dos para 1988-02, além de captarem os reflexos das medidas de implementação
do processo de liberalização comercial, também espelham, em especial,
a estabilização econômica obtida com o Plano Real.
No período, o Índice de Gini apresentou uma variação negativa de 0,47%, e
o Índice T de Theil, uma variação positiva de 7,17%, o que corrobora os resultados
de trabalhos anteriores que realizaram uma análise para toda a economia brasilei-
ra, indicando poucas modificações na desigualdade salarial da indústria brasileira.

3
A taxa de desemprego foi obtida nas PNADs, assim como a diferença percentual entre a PEA
com 10 anos ou mais e a PEA com 10 anos ou mais ocupada na semana de referência.
4
Neste trabalho, para se obterem os valores reais, foi utilizado o deflator para rendimentos das
PNADs, com base em setembro de 2002, disponibilizado no site <http://www.ipea.gov.br>.
5
O cálculo das medidas de desigualdade segue Hoffmann (1998).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 169

Tabela 2

Salário real médio, Índices de Gini e T de Theil e taxa de variação


na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO SALÁRIO (R$) ÍNDICE DE GINI ÍNDICE T


1981 961,82 0,497 0,469
1982 925,45 0,497 0,469
1983 758,80 0,502 0,484
1984 747,98 0,507 0,494
1985 832,71 0,507 0,497
1986 1 117,58 0,490 0,457
1987 861,82 0,503 0,484
1988 872,82 0,533 0,552
1989 836,07 0,545 0,608
1990 734,20 0,507 0,488
1992 669,18 0,496 0,481
1993 670,13 0,525 0,644
1995 768,33 0,499 0,496
1996 746,97 0,482 0,439
1997 738,97 0,495 0,483
1998 736,53 0,488 0,479
1999 657,78 0,474 0,454
2001 630,28 0,474 0,471
2002 595,44 0,495 0,503
Taxa de variação (%)
1981-87 -10,40 1,18 3,20
1988-02 -31,78 -7,28 -8,96
1981-02 -38,09 -0,47 7,17
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD
1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE,
1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Complementando a análise da desigualdade salarial, pode-se obter o des-


vio-padrão dos diferenciais salariais entre os setores industriais, o qual fornece
a dispersão salarial na indústria.6 Esse indicador sugere, conforme exposto no

6
Segue-se a metodologia de Haisken-DeNew e Schmidt (1997), utilizando como variável
dependente o salário real por hora trabalhada e como variáveis independentes a escolarida-
de, a experiência, o gênero, a região, a região metropolitana, o sindicato, a carteira de
trabalho, o ramo industrial e a condição da ocupação. Foram considerados 17 setores
industriais.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


170 Marina Silva da Cunha

Gráfico 2, que, ao longo das duas últimas décadas, a dispersão salarial na


indústria se reduziu no Brasil, embora de forma não contínua. No entanto, pode-
-se notar que, a partir do início da abertura comercial, a queda aparenta ter sido
mais acentuada, principalmente após o Plano Real.

Gráfico 2

Desvio-padrão dos diferenciais salariais no Brasil — 1981-2002

0,26

0,24

0,22

0,20

0,18

0,16

0,14

0,12

0,10

0,08
0,00
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD


1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro,
IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Dessa forma, a primeira pergunta levantada ao final da Introdução já pode


ser respondida afirmativamente, uma vez que as informações sugerem uma
redução da desigualdade salarial concomitante com o período da liberalização
comercial brasileira, com uma variação negativa dos Índices de Gini e T
de Theil, no período 1988-02, respectivamente, de 7,28 e 8,96, conforme a
Tabela 2. Ademais, nota-se também uma redução dos diferenciais salariais
interindustriais mais intensa nesse período.
Resta agora verificar se essa redução da desigualdade salarial esteve
associada a uma redução da desigualdade entre os trabalhadores de maior e
menor qualificação, bem como a sua relação com a liberalização comercial.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 171

5 Desigualdade educacional e liberalização


comercial
Para analisar a evolução da desigualdade entre trabalhadores qualificados
e menos qualificados, optou-se por utilizar os anos de escolaridade formal de
cada indivíduo como proxy para qualificação. Dessa forma, as pessoas ocupa-
das na indústria de transformação foram subdivididas em seis níveis educacio-
nais7. Inicialmente, é apresentada a composição do mercado de trabalho segun-
do esses níveis educacionais. Posteriormente, é analisada a desigualdade entre
trabalhadores mais e menos qualificados, através da análise da evolução dos
respectivos salários médios reais, das estimativas dos prêmios salariais e dos
desvios-padrão entre os níveis educacionais, obtidos através da metodologia
de Haisken-DeNew e Schmidt (1997) aplicada às dummies educacionais, e,
também, por meio da decomposição do índice de desigualdade T de Theil.
Em seguida, a estratégia empírica para testar a relação entre a desigualda-
de salarial e a liberalização comercial é estimar regressões salariais agrupando
todos os anos da amostra, incluindo variáveis que refletem o comportamento da
abertura comercial: uma variável binária que assume valor igual a um a partir de
1988, denominada abertura, e a tarifa legal média para as importações.8 Seguin-
do o modelo HOS para países em desenvolvimento, a tarifa legal média deveria
estar associada positivamente aos salários médios dos trabalhadores mais qua-
lificados e negativamente aos salários médios daqueles menos qualificados.
Na Tabela 3, pode-se observar a composição da ocupação do mercado de
trabalho em função dos seis níveis educacionais, ao longo do período 1981-02.
O fato mais relevante apontado pela análise dessas informações é o aumento
da ocupação das pessoas mais qualificadas em detrimento daquelas menos
qualificadas, sugerindo um aumento da demanda por trabalhadores mais qualifi-
cados. Uma consequência desses resultados foi o aumento na média de anos
de estudo, que passou de 5,75 em 1981 para 7,55 em 2002.

7
A saber: nível 1, referente a analfabeto ou com menos de um ano de estudo; nível 2, referente
a alguma educação elementar (um a três anos de estudo); nível 3, referente à educação
elementar completa ou ensino fundamental incompleto (quatro a sete anos de estudo); nível
4, referente a fundamental completo ou médio incompleto (oito a 10 anos de estudos); nível
5, referente a ensino médio completo ou superior incompleto (11 a 14 anos de estudos); nível
6, referente a superior completo ou mais (15 anos ou mais de estudos).
8
A tarifa legal foi obtida no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) —
<http://www.ipea.gov.br>. Essa tarifa legal começou a reduzir-se a partir do ano de 1988,
quando foi de 26,4% para 9,4% em 2002.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


172 Marina Silva da Cunha

Tabela 3

Participação percentual de cada grupo educacional no total das pessoas


ocupadas na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

MÉDIA DOS
DISCRIMI-
NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6 ANOS DE
NAÇÃO
ESTUDO
1981 9,02 18,56 41,51 14,49 12,31 4,11 5,75
1982 9,84 17,80 41,00 14,60 12,86 3,89 5,75
1983 8,95 17,14 41,03 15,19 13,19 4,49 5,90
1984 8,62 16,57 40,48 16,15 13,18 4,99 6,02
1985 8,16 16,07 41,16 16,11 14,09 4,42 6,06
1986 7,38 14,71 41,06 17,96 14,17 4,73 6,27
1987 8,28 14,86 39,89 16,97 14,73 5,28 6,28
1988 7,40 14,25 39,39 17,21 15,78 5,34 6,46
1989 7,95 13,69 40,57 18,10 15,22 4,48 6,35
1990 7,57 13,74 39,60 17,32 16,31 5,46 6,40
1992 8,55 14,68 39,21 17,90 15,13 4,52 6,21
1993 7,48 13,33 40,61 18,25 15,86 4,47 6,36
1995 7,02 12,59 39,64 19,22 16,64 4,90 6,55
1996 6,93 11,49 38,20 21,04 18,23 4,11 6,68
1997 6,16 11,31 35,31 21,04 20,79 5,39 7,03
1998 6,12 10,98 35,78 21,08 20,97 5,07 7,01
1999 5,92 10,08 34,94 21,48 23,04 4,55 7,14
2001 5,79 9,29 31,68 21,61 27,18 4,45 7,42
2002 5,15 9,44 31,21 20,97 28,24 4,99 7,54
Taxa de va-
riação (%)
1981-87 -8,26 -19,96 -3,90 17,15 19,64 28,40 9,22
1988-02 -30,40 -33,75 -20,78 21,87 78,93 -6,47 16,78
1981-02 -42,96 -49,13 -24,82 44,76 129,42 21,42 31,12
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/
/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

No entanto, para o período subseqüente a 1987, tal elevação foi observada


para as pessoas com ensino fundamental completo ou médio incompleto (nível
4) e ensino médio completo ou superior incompleto (nível 5). Para as pessoas
com o curso superior completo ou mais (nível 6), ocorreu uma redução de 6,47%,
com algumas oscilações ao longo do período.
Deve-se notar que, conforme indica o Gráfico 3, após 1988, houve um
aumento das pessoas ocupadas, em termos absolutos, em quase todos os
níveis educacionais, com exceção dos níveis menos qualificados (níveis 1 e 2).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 173

Contudo, para os níveis 3 e 6, essa elevação não foi suficiente para acompa-
nhar a expansão da ocupação na indústria, o que resultou na taxa de variação
negativa observada na Tabela 3.

Gráfico 3

Número de pessoas ocupadas na indústria de transformação,


por grupo educacional, no Brasil — 1981-2002
Pessoas
10 000 000
9 000 000
8 000 000
7 000 000
6 000 000
5 000 000
4 000 000
3 000 000
2 000 000
1 000 000
0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Legenda: Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4


Nível 5 Nível 6

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD


1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE,
1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Ao longo desse período, os salários médios correspondentes a cada


nível educacional sofreram uma redução do seu poder aquisitivo, conforme o
Gráfico 4, com os salários médios reais a valores de setembro de 2002 e por
nível educacional. Considerando-se a taxa de variação, as pessoas com ensino
médio completo ou superior incompleto (nível 5) foram as que tiveram as maio-
res perdas (-59,04%) ao longo de todo o período, seguidas por aquelas com
ensino fundamental completo ou médio incompleto (nível 4), elementar comple-

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


174 Marina Silva da Cunha

to9 ou fundamental incompleto (nível 3) e elementar incompleto (nível 2), cujas


taxas foram, respectivamente, -49,16%, -46,13% e -45,27%.

Gráfico 4

Salários médios reais, por grupo educacional, na indústria da transformação,


no Brasil — 1981-2002

(R$)
5 000,0
4 500,0
4 000,0
3 500,0
3 000,0
2 500,0
2 000,0
1 500,0
1 000,0
500,0
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Legenda: Nível 1 Nível 2 Nível 3


Nível 4 Nível 5 Nível 6

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS —


PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de
Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.
NOTA: Os dados têm como base set./02 = 100.

9
Por educação elementar, entendem-se os quatro primeiros anos do ensino fundamental.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 175

Por outro lado, as pessoas analfabetas ou com menos de um ano de instrução


foram as que obtiveram uma menor perda em seus ganhos reais, com uma taxa
de variação de -35,85%. Uma possível explicação para esse ganho relativo dos
trabalhadores menos qualificados pode estar no fato de que seus salários já
estavam em um patamar muito baixo, o que não permitiu, por razões até
institucionais, uma redução ainda maior ao longo do período. As pessoas
pertencentes ao nível 6, com superior completo ou mais, também tiveram uma
perda relativamente menor (-43,27%). Esses resultados sugerem uma redução
da desigualdade entre o nível menos qualificado (nível 1) e os demais, como
pode ser visualizado no Gráfico 4.
Conforme a Tabela 4, a redução do salário real em todos os níveis educa-
cionais é também captada através da estimativa dos prêmios salariais em rela-
ção ao nível 1 (analfabetos ou com menos de um ano de estudo).10 As estimati-
vas tanto sem controles quanto com controles (as variáveis incluídas nas equa-
ções, além do nível de escolaridade, são experiência, gênero, região, região
metropolitana, sindicato, carteira de trabalho, ramo industrial e condição da ocu-
pação) sugerem que as pessoas com nível superior completo ou mais (nível 6)
estiveram entre as que menos perderam durante o período 1981-02, em relação
àquelas do nível 1, corroborando as informações anteriores, sendo que as taxas
de variação mostram que essas mudanças ocorreram durante a abertura co-
mercial. Deve-se salientar que os prêmios salariais por níveis educacionais,
com a inclusão de variáveis individuais ou controles, são mais confiáveis, já
que estão sendo comparados trabalhadores com características semelhantes.
Quanto maior a importância dessas variáveis na explicação dos diferenciais
salariais, maior será a diferença entre as estimativas com e sem os controles.
A dispersão entre esses diferenciais pode ser melhor visualizada através
das estimativas dos desvios-padrão entre os níveis educacionais, também sem
e com a inclusão de controles, dispostas no Gráfico 5, as quais mostram tam-
bém uma redução nas duas séries. Pode-se notar que o nível desses
desvios-padrão se aproxima na década de 90, o que sugere uma importância
relativa maior da variável educação em detrimento das demais, tanto na expli-
cação dos diferenciais salariais quanto na queda na desigualdade salarial.

10
Os coeficientes das variáveis binárias estão apresentados como a diferença percentual
entre o salário esperado na categoria tomada como base (nível 1) e o salário da categoria
para o qual aquela variável binária assume valor um. Por exemplo, se o coeficiente
da variável binária associada à variável nível 2 for b, então, a diferença percentual no
salário esperado da variável nível 2 em relação à nível 1 (tomada como base) será igual a
100[exp(b) - 1]%.

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176 Marina Silva da Cunha

Tabela 4

Prêmios salariais em relação às pessoas analfabetas ou com menos de um ano de estudo


(nível 1) na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002
(%)
SEM CONTROLE
DISCRIMINAÇÃO
Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6
1981 64,1 118,9 166,1 346,5 888,7
1982 64,4 131,9 203,8 395,7 1 336,3
1983 79,4 140,1 187,1 404,4 1 357,2
1984 66,1 123,8 178,3 379,7 1 269,6
1985 69,4 131,5 186,8 397,0 1 370,3
1986 58,1 104,1 151,2 324,0 1 094,5
1987 76,3 130,7 186,7 397,5 1 257,6
1988 82,6 138,4 204,0 415,0 1 565,8
1989 54,1 102,3 146,6 312,3 1 160,2
1990 80,8 134,2 186,6 388,4 1 264,5
1992 40,0 80,3 129,5 249,0 833,2
1993 45,0 84,8 133,3 268,1 996,9
1995 38,4 75,5 119,8 231,1 948,1
1996 28,0 60,0 103,4 206,4 715,2
1997 23,6 58,0 95,0 191,4 657,6
1998 31,0 60,5 93,3 195,9 807,5
1999 20,4 54,4 86,0 168,8 749,2
2001 23,5 61,4 90,8 163,5 845,8
2002 31,0 68,9 94,7 171,8 857,5
Taxa de variação (%)
1981-87 19,0 10,0 12,4 14,7 41,5
1988-02 -62,5 -50,2 -53,6 -58,6 -45,2
1981-02 -51,7 -42,0 -43,0 -50,4 -3,5
(continua)

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 177

Tabela 4

Prêmios salariais em relação às pessoas analfabetas ou com menos de um ano de estudo


(nível 1) na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002
(%)
COM CONTROLE
DISCRIMINAÇÃO
Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6
1981 29,1 74,5 154,3 328,3 799,8
1982 28,6 77,0 168,9 347,4 920,8
1983 38,5 84,6 160,8 355,2 940,7
1984 28,2 70,4 149,6 335,5 917,3
1985 34,9 80,0 158,8 346,1 969,2
1986 30,3 72,3 147,5 318,2 902,9
1987 42,3 82,4 157,6 335,9 942,0
1988 40,2 81,3 162,7 346,4 1 071,7
1989 34,0 81,1 154,5 350,4 1 076,0
1990 44,3 87,6 162,1 347,1 1 010,9
1992 17,2 48,7 100,6 209,5 598,0
1993 24,9 57,0 119,4 243,8 752,1
1995 20,9 53,6 104,3 225,9 764,1
1996 15,2 46,0 96,5 205,1 609,6
1997 12,1 41,9 92,0 193,7 562,1
1998 17,9 44,5 88,8 197,8 648,7
1999 12,1 41,6 84,9 176,2 636,3
2001 15,5 46,6 87,6 172,5 704,0
2002 23,3 53,1 92,3 175,1 693,1
Taxa de variação (%)
1981-87 45,2 10,6 2,2 2,3 17,8
1988-02 -42,1 -34,6 -43,3 -49,5 -35,3
1981-02 -20,1 -28,7 -40,2 -46,7 -13,3
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990,
1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 997/1999,
2002/2003

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178 Marina Silva da Cunha

Gráfico 5

Desvio-padrão entre os níveis educacionais, com e sem controle


no Brasil — 1981-2002

0,85

0,80

0,75

0,70

0,65

0,60

0,55

0,50

0,45
0,00
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Legenda: Com
Comcontroles
controle Sem
Semcontroles
controle

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD


1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro,
IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002, 2003.

Por fim, o índice de desigualdade T de Theil foi decomposto em uma por-


ção que mostra a desigualdade intragrupos e outra com a desigualdade entre
grupos educacionais, conforme o Gráfico 6 e a Tabela 5.
A desigualdade intragrupos mostra sinais de queda apenas no segundo
período, o que resultou em uma taxa de variação positiva de 12,74% ao longo de
todo o período. O aumento da desigualdade intragrupos pode ser explicado pela
elevação da desigualdade dentro dos grupos dos trabalhadores mais qualifica-
dos dos níveis 5 e 6, que apresentaram um aumento da desigualdade, ao longo
do período, de 12,65% e 56,05% respectivamente. Os demais grupos tiveram
uma redução da desigualdade. A fonte desse aumento de desigualdade foge ao
escopo deste trabalho, que tem como foco a desigualdade entre grupos, e deve
ser buscada entre os demais determinantes salariais, tais como: sexo, cor,
posição na ocupação, região, etc.

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 179

Gráfico 6

Desigualdade intragrupos e entre grupos educacionais


no Brasil — 1981-2002

(%)
70,3

60,3

50,3

40,3

30,3

20,3

10,3

0,3
0,0
1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Legenda: Desigualdade intragrupos


Desigualdade entre grupos

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS —


PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de
Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


180 Marina Silva da Cunha

Tabela 5

Índice de desigualdade, por nível educacional, intragrupos e entre grupos,


no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6

1981 0,292 0,231 0,261 0,296 0,316 0,199


1982 0,362 0,240 0,258 0,334 0,302 0,215
1983 0,350 0,261 0,248 0,305 0,322 0,252
1984 0,368 0,288 0,275 0,313 0,313 0,237
1985 0,347 0,265 0,247 0,299 0,343 0,256
1986 0,318 0,250 0,251 0,321 0,305 0,217
1987 0,348 0,257 0,254 0,305 0,295 0,253
1988 0,362 0,275 0,282 0,304 0,355 0,271
1989 0,366 0,339 0,347 0,378 0,465 0,382
1990 0,348 0,268 0,245 0,308 0,315 0,251
1992 0,325 0,279 0,265 0,304 0,367 0,307
1993 0,321 0,298 0,287 0,295 0,360 0,709
1995 0,284 0,238 0,250 0,264 0,314 0,312
1996 0,314 0,263 0,268 0,283 0,324 0,281
1997 0,280 0,247 0,254 0,269 0,321 0,321
1998 0,259 0,256 0,228 0,247 0,315 0,320
1999 0,240 0,222 0,220 0,259 0,367 0,279
2001 0,258 0,211 0,204 0,258 0,326 0,340
2002 0,267 0,239 0,239 0,262 0,355 0,310
Taxa de variação (%)
1981-87 19,15 11,23 -2,81 2,87 -6,44 27,52
1988-02 -26,39 -13,15 -15,17 -13,79 0,09 14,59
1981-02 -8,67 3,41 -8,56 -11,44 12,65 56,05
(continua)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 181

Tabela 5

Índice de desigualdade, por nível educacional, intragrupos e entre grupos,


no Brasil — 1981-2002

INTRAGRUPOS ENTRE GRUPOS


DISCRIMINAÇÃO
Índice % Índice %

1981 0,264 56,37 0,205 43,63


1982 0,274 58,46 0,195 41,54
1983 0,277 57,31 0,207 42,69
1984 0,285 57,73 0,209 42,27
1985 0,283 57,01 0,214 42,99
1986 0,270 59,16 0,186 40,84
1987 0,274 56,65 0,210 43,35
1988 0,302 54,63 0,251 45,37
1989 0,388 63,73 0,221 36,27
1990 0,278 56,95 0,210 43,05
1992 0,306 63,70 0,175 36,30
1993 0,399 62,05 0,244 37,95
1995 0,281 56,67 0,215 43,33
1996 0,289 65,86 0,150 34,14
1997 0,290 59,96 0,194 40,04
1998 0,278 58,00 0,201 42,00
1999 0,283 62,40 0,171 37,60
2001 0,282 59,97 0,189 40,03
2002 0,298 59,30 0,205 40,70
Taxa de variação (%)
1981-87 3,72 0,51 2,52 -0,66
1988-02 -1,17 8,55 -18,33 -10,29
1981-02 12,74 5,20 -0,03 -6,72

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/


/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993,
1997/1999, 2002/2003.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


182 Marina Silva da Cunha

Pode-se observar que a desigualdade entre grupos educacionais caiu a


partir do início do processo de abertura comercial (-18,3%.), mas, como no
primeiro período ocorreu uma elevação da desigualdade (2,5%), durante todo o
período observa-se uma redução de apenas 0,03%. Em relação à desigualdade
total, a desigualdade entre grupos caiu de 43,63% em 1981 para 40,70% em
2002, atingindo o menor nível em 1996, cujo valor foi igual a 34,14%. Nota-se,
no entanto, que essa queda já vinha ocorrendo antes do início do processo de
abertura comercial, porém foi mais intensa nesse período.
Dessa forma, analisando as diferentes abordagens adotadas (a análise
dos salários médios, dos prêmios salariais, dos desvios padrões e da decompo-
sição do Índice T de Theil), pode-se dizer que ocorreu uma redução da desigual-
dade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualificados durante o
processo de abertura comercial, embora essa queda já viesse acontecendo, no
período anterior, de forma menos intensa.
Assim, resta ainda se verificar se a redução da desigualdade salarial este-
ve associada à liberalização comercial. Considerando-se a metodologia propos-
ta, as estimativas obtidas estão expostas na Tabela 6. Foram estimados cinco
modelos: o primeiro não incluiu nenhuma proxy para a abertura comercial; o
segundo incluiu a variável binária; o terceiro, a tarifa legal média; o quarto e o
quinto, a interação dessas duas variáveis com os níveis educacionais. A tarifa
legal média está associada positivamente à variável dependente log do salário
real por hora trabalhada, e a variável binária, negativamente, ambas indicando
uma redução do salário real por hora trabalhada após a abertura comercial.
Além disso, quando se analisa o impacto dessa variável por nível educa-
cional, observa-se uma relação inversa para o nível menos qualificado, indican-
do que ocorreu um aumento do salário relativo para esse nível educacional,
como já constatado anteriormente, sugerindo que a abertura comercial pode ter
afetado diferentemente os níveis educacionais e provocado uma redução da
desigualdade salarial entre os grupos educacionais.
Deve-se notar que, no Brasil, houve apenas um aumento relativo dos salá-
rios dos trabalhadores menos qualificados (nível 1), o que justifica os resultados
obtidos. Em termos absolutos, observou-se uma redução salarial em todos os
níveis educacionais analisados.
Assim, os resultados não rejeitam a presença de uma relação entre a aber-
tura comercial e a desigualdade entre trabalhadores mais e menos qualificados.
Portanto, a terceira questão apresentada no início deste trabalho pode ser res-
pondida afirmativamente, ou seja, a abertura comercial parece ter reduzido,
embora de forma não acentuada, a desigualdade salarial entre trabalhadores
qualificados e menos qualificados na indústria brasileira.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 183

Tabela 6

Equações de salários estimadas para as pessoas ocupadas na indústria de


transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO MODELO I MODELO II MODELO III


Intercepto ............................. -1,363 -1,568 -1,276
Experiência .......................... 0,052 0,053 0,053
(Experiência)2 ....................... -0,001 -0,001 -0,001
Educação
Nível 2 ................................... 0,241 0,246 0,247
Nível 3 ................................... 0,511 0,528 0,536
Nível 4 ................................... 0,825 0,857 0,871
Nível 5 ................................... 1,286 1,328 1,341
Nível 6 ................................... 2,214 2,247 2,260
Gênero (masculino) ............. 0,433 0,431 0,431
Posição na ocupação
Conta-própria ......................... (1) -0,011 (1) -0,005 0,065
Carteira assinada ................. 0,278 0,259 0,275
Região Metropolitana........... 0,159 0,146 0,140
Regiões
Nordeste ................................ 0,246 0,263 0,271
Sudeste ................................. 0,485 0,477 0,474
Sul ......................................... 0,402 0,403 0,405
Centro-Oeste ......................... 0,262 0,243 0,236
Abertura ................................ -0,205
Tarifa ..................................... 0,011
Nível 1 × abertura ................
Nível 2 × abertura ................
Nível 3 × abertura ................
Nível 4 × abertura ................
Nível 5 × abertura ................
Nível 6 × abertura ................
Nível 1 × tarifa .....................
Nível 2 × tarifa .....................
Nível 3 × tarifa .....................
Nível 4 × tarifa .....................
Nível 5 × tarifa .....................
Nível 6 × tarifa .....................
R2 ........................................... 0,319 0,322 0,326
N ............................................ 262.657 262.657 262.657
(continua)

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184 Marina Silva da Cunha

Tabela 6

Equações de salários estimadas para as pessoas ocupadas na indústria de


transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO MODELO IV MODELO V


Intercepto ............................. -1,401 -1,245
Experiência .......................... 0,054 0,053
2
(Experiência) ....................... -0,001 -0,001
Educação
Nível 2 ................................... 0,305 0,080
Nível 3 ................................... 0,636 0,262
Nível 4 ................................... 1,030 0,468
Nível 5 ................................... 1,582 0,763
Nível 6 ................................... 2,454 1,745
Gênero (masculino) ............. 0,429 0,429
Posição na ocupação
Conta-própria ......................... 0,066 (1) -0,005
Carteira assinada ................. 0,272 0,257
Região Metropolitana........... 0,138 0,144
Regiões
Nordeste ................................ 0,264 0,256
Sudeste ................................. 0,477 0,480
Sul ......................................... 0,408 0,406
Centro-Oeste ......................... 0,239 0,246
Abertura ................................
Tarifa .....................................
Nível 1 × abertura ................ (1) 0,019
Nível 2 × abertura ................ -0,088
Nível 3 × abertura ................ -0,175
Nível 4 × abertura ................ -0,268
Nível 5 × abertura ................ -0,386
Nível 6 × abertura ................ -0,329
Nível 1 × tarifa ..................... -0,006
Nível 2 × tarifa ..................... 0,002
Nível 3 × tarifa ..................... 0,007
Nível 4 × tarifa ..................... 0,014
Nível 5 × tarifa ..................... 0,024
Nível 6 × tarifa ..................... 0,020
R2 ........................................... 0,328 0,324
N ............................................ 262.657 262.657
FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD
1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE,
1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.
NOTA: As regressões incluíram também variáveis binárias para cada setor industrial.
(1) Coeficientes não estatisticamente significativos a um nível de 5%.

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Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02 185

6 Considerações finais
Neste trabalho, investigaram-se os efeitos da liberalização comercial
ocorrida no Brasil, a partir do final dos anos 80, sobre a desigualdade salarial na
indústria de transformação, notadamente entre trabalhadores qualificados e
menos qualificados. O objetivo foi testar a validade do que preconiza o teorema
HOS para a experiência brasileira de abertura comercial. Segundo esse teorema,
em países em desenvolvimento, uma abertura comercial diminui a desigualda-
de entre os trabalhadores menos qualificados e os qualificados.
Inicialmente, verificou-se que, a partir da abertura comercial, ocorreu uma
redução tanto da desigualdade salarial quanto do salário real médio na indústria
de transformação. Em seguida, mostrou-se que a desigualdade salarial entre os
níveis educacionais também diminuiu durante o período de abertura comercial.
Por fim, encontrou-se uma relação estatisticamente significativa entre a redu-
ção da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualifica-
dos e a liberalização comercial, de acordo com o teorema HOS.
No entanto, esses resultados merecem algumas ressalvas. Pelo teorema
HOS, a redução da desigualdade salarial entre trabalhadores com maior e me-
nor qualificação ocorreria devido ao aumento relativo dos salários dos trabalha-
dores menos qualificados, decorrente do aumento da demanda por esses traba-
lhadores. Porém, no Brasil, observou-se apenas um aumento relativo dos salá-
rios dos trabalhadores do primeiro nível educacional — os analfabetos ou com
menos de um ano de escolaridade — em um cenário em que, em termos abso-
lutos, houve redução do salário real médio em todos os níveis educacionais. De
fato, o nível de ocupação dos trabalhadores menos qualificados caiu, sugerindo
que a demanda por eles se tenha reduzido também, ao contrário do que postula
o teorema HOS. Não obstante, esse fato está de acordo com outras experiên-
cias internacionais, tais como a do México, a do Chile e a da Colômbia, mas,
nesses países, foi notado aumento da desigualdade.
Dessa forma, os resultados deste trabalho sugerem que o Brasil é um
caso especial, pois, mesmo com um aumento da demanda dos trabalhadores
qualificados na indústria brasileira, ocorreu uma redução da desigualdade, ainda
que pouco expressiva.
Assim, longe de serem definitivos, esses resultados demonstram que a
abertura econômica teve um impacto significativo no comportamento da desi-
gualdade entre os trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas tam-
bém que outros fatores devem ter contribuído para esse comportamento, tais
como os planos econômicos, a desregulamentação dos mercados, as inova-
ções tecnológicas, etc. O estudo desses fatores constitui-se em um desafio
para trabalhos futuros.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007


186 Marina Silva da Cunha

Referências
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188 Marina Silva da Cunha

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O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 189

O padrão de localização e de difusão da


mão-de-obra na Região Sul
do Brasil (1991-00)*
Jandir Ferrera de Lima** Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université
du Québec (UQAC), no Canadá, Professor Adjunto do
Curso de Economia na Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (Unioeste)/Campus de Toledo e Pesquisador
do Grupo de Estudos em Desenvolvimento
Regional e Agronegócio (Gepec)
Lucir Reinaldo Alves*** Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/
/Campus de Toledo, Mestrando em Desenvolvimento
Regional na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)
e Pesquisador Associado do Gepec
Moacir Piffer**** Doutorando em Desenvolvimento Regional na Unisc,
Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR), Professor Assistente do Curso de
Economia na Unioeste/Campus de Toledo e
Pesquisador do Gepec
Carlos Alberto Piacenti***** Doutorando em Economia Aplicada na Universidade
Federal de Viçosa (UFV), Professor Assistente do
Colegiado de Economia na Unioeste/Campus de
Toledo e Pesquisador do Gepec

Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a localização da mão-de-obra nas atividades
produtivas das mesorregiões da Região Sul do Brasil, no período de 1991 a
2000. Para isso, utilizou-se o método de análise regional através das medidas
de especialização e localização. Os resultados apontaram uma concentração
das atividades secundárias e terciárias nas mesorregiões com maior densidade
populacional. Outrossim, verificou-se que a dinâmica da Região está pautada

* Artigo recebido em 25 ago. 2005 e aceito para publicação em 31 out. 2006.


** E-mail: jandirbr@yahoo.ca;jandir@unioeste.br
*** E-mail: lucir_a@hotmail.com
**** E-mail: mopiffer@yahoo.com.br
***** E-mail: piacenti8@yahoo.com.br

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190 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

nas atividades secundárias e terciárias, com destaque para o comércio e para o


setor público.

Palavras-chave
Análise regional; economia regional; difusão espacial.

Abstract
The objective of this paper was analyzing the localization of the handwork in the
productive activities of the regions of the South region of Brazil, in the period
from 1991 to 2000. For this, the method of regional analysis was used, through
the measures of specialization and localization. The results had pointed a
concentration of the secondary and tertiary activities in the regions with bigger
population density. Moreover, it was verified that the dynamics of the region is
leashed in the secondary and tertiary activities with prominence for the commerce
and public sector.

Key words
Regional analysis; regional economy; spatial diffusion.

Classificação JEL: O18, R10, R12.

1 Introdução
O objetivo deste artigo é analisar o padrão de localização da mão-de-obra
e a dinâmica regional das atividades produtivas nas mesorregiões dos Estados
do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, no período de 1991 a
2000. A Região Sul do Brasil é um “terreno fértil” para esse tipo de análise,
dadas as suas características de ocupação e desenvolvimento econômico. Isso
sem contar que sua fronteira agrícola se esgotou no final dos anos 70, caracte-
rizando uma transformação mais intensiva do seu espaço.
No Paraná, por exemplo, de 1920 a 1960, ocorreram duas frentes de
expansão da fronteira agrícola: ao norte, a expansão cafeeira, a partir de

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O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 191

São Paulo; a oeste/sudoeste, a migração originária do extremo sul do Brasil,


organizada na pequena propriedade e na produção de grãos (milho, soja e trigo)
e carnes (suínos e frangos). Esses dois fluxos migratórios consolidaram a
ocupação espacial do Estado e definiram seu perfil primário-exportador. Porém,
a partir dos anos 70, o Paraná passou por um processo de modernização agrí-
cola intenso, transformando-se em um dos principais exportadores de grãos do
País. Nesse processo, desenvolveu-se a agroindústria, bem como um moderno
complexo metal-mecânico centrado na Região Metropolitana de Curitiba. Tais
transformações tecnológicas e econômicas causaram profundas mudanças na
estrutura espacial do Estado, o que acabou consolidando grandes centros, como
Curitiba e Londrina, e centros secundários, como Foz do Iguaçu, Cascavel,
Maringá, Guarapuava e Ponta Grossa (IPARDES, 1996).
Já Santa Catarina teve uma formação marcada por um grande contingente
de imigrantes de origem européia (alemães e italianos). As características des-
ses imigrantes possibilitaram a formação de empreendimentos industriais no
Estado. Atualmente, sua economia baseia-se na atividade industrial, no
extrativismo de minérios e na agropecuária (Lima, 2004a).
No caso do Rio Grande do Sul, os imigrantes alemães e italianos chega-
ram no século XIX. Como em Santa Catarina, a conquista do espaço territorial e
os fluxos migratórios estimularam mudanças no perfil da economia do Estado,
tanto que a Região Metropolitana de Porto Alegre e a Nordeste Sul-Rio-Grandense,
que receberam uma boa parte dos imigrantes, formam o eixo básico de indus-
trialização do Estado. Esse eixo tornou-se vital para as transformações
econômicas do Rio Grande do Sul no século XX. Dentre estas, podem-se citar a
diversificação agrícola (arroz, soja, milho e trigo), a produção metal-mecânica
(autopeças e siderurgia), as indústrias calçadista e agroalimentar e o pólo
petroquímico, que acabaram substituindo a agropecuária como atividade
econômica de maior relevância (Lagemann, 1998).
Inicialmente com base primário-exportadora, a economia da Região Sul do
Brasil desenvolveu, nas últimas décadas, um importante parque industrial, cujos
centros polarizadores se encontram nas áreas metropolitanas das Cidades de
Porto Alegre (Rio Grande do Sul) e Curitiba (Paraná). Nesse sentido, este estudo
vem contribuir para a compreensão da dinâmica das atividades produtivas no
espaço dessa região. De certa forma, é uma análise alternativa do perfil locacional
do emprego e de sua distribuição nas atividades que compõem a estrutura pro-
dutiva. Assim, ela será uma base de informações sobre a dinâmica econômica
do emprego da Região Sul do Brasil.

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192 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

2 O padrão de localização: elementos


teóricos e metodológicos
Para analisar a dinâmica regional, é preciso conhecer a estrutura setorial-
-produtiva e verificar a dinâmica da localização dessa estrutura no decorrer do
tempo, que traz impacto ao seu padrão de crescimento e de desenvolvimento
econômico. Nesse tipo de análise, a região está relacionada à idéia de que áreas
geográficas podem estar ligadas como um conjunto único, em virtude de suas
características. Essas características podem ser estruturas de produção,
padrões de consumo, distribuição da força de trabalho e elementos culturais,
sociais e políticos.
Por isso, esta análise tem a mesorregião geográfica como objeto de estu-
do, pois ela é conceituada como a área individualizada em uma unidade da
Federação, apresentando formas de organização do espaço definidas pelas se-
guintes dimensões: as características sociais e a localização das atividades
produtivas como elementos de articulação espacial. Esses elementos são
construídos num processo histórico e na dinâmica regional das atividades pro-
dutivas. Eles dão à mesorregião uma identidade regional (Piacenti et al., 2002).
Essas características não se formam ao acaso, pois nelas impactam a
organização do espaço, que, por sua vez, reflete a estrutura de produção
(agropecuária, industrial, de extrativismo e prestação de serviços). É nesse sen-
tido que esta análise busca compreender, através dos métodos de análise
regional, o comportamento das atividades produtivas e como elas influenciam
a dinâmica regional. De acordo com Rippel e Lima (1999), os critérios conside-
rados na análise da região tornam-se mais amplos, em virtude da inserção da
estrutura produtiva na economia nacional, com todas as suas relações e impac-
tos no crescimento econômico.
Nesse sentido, Paviani (1994) argumenta que, ao analisar uma região, se deve
levar em consideração, além do fator demográfico, os fatores históricos e geográfi-
cos, pois estes assumem características importantes no processo e são instru-
mentos de articulação das sub-regiões especializadas num espaço econômico.
Mesmo com essa articulação, as regiões são heterogêneas: elas possuem dinâmi-
cas diferentes quanto a tamanho, função, posição espacial relativa, hierarquia, etc.
No entanto, a atração do pólo regional pode ser entendida como uma síntese do seu
entorno de crescimento. Nessa linha de pensamento, a teoria da centralidade, tanto
na versão de Christaller (1966) como na de Lösch (1954), afirma que as cidades,
enquanto centros regionais, são essencialmente prestadoras de serviços para as
populações do seu entorno. Elas são espacializadas dentro de um padrão hierárqui-
co, a partir dos bens que têm a oferecer.

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O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 193

Segundo Christaller (1966), a organização do espaço regional dá-se atra-


vés de uma hierarquia dos lugares e está representada na Figura 1.
No modelo de Christaller (1966), o sistema da hierarquia é composto por
um conjunto espacial, que engloba populações urbanas, comércio e produção
de bens e serviços. Assim, as regiões pouco representativas e as cidades pe-
quenas disponibilizam serviços mais simples, servindo a uma população mais
restrita. Nas regiões-pólo, os serviços são mais sofisticados, e a zona de
abrangência é maior. Para Christaller (1966), existem três características bási-
cas nesse sistema: há uma relação comercial entre as hierarquias, sendo as
regiões periféricas subordinadas abastecidas pela região central; há uma rede
de transporte que interliga os centros subordinados, complementando o merca-
do; e há um papel administrativo dos centros, que faz com que um determina-
do grupo de centros subordinados formem uma região de atuação do pólo. Isso
constitui um hexágono composto por cidades maiores (maior hierarquia) e me-
nores (menor hierarquia), ou seja, os pontos maiores e os menores apresenta-
dos na Figura 1 respectivamente. Dessa forma, Christaller (1966) demonstra
uma distribuição regular das funções entre todos os níveis de cidades e regiões,
constituindo uma hierarquia formada por uma junção entre a hierarquia urbana e
a dos serviços.
Ressalta-se que existe diferença entre os modelos de Christaller e de Lösch.
O primeiro destaca que existe um número fixo de centros subordinados a cada
centro. Já para o segundo, o número de centros subordinados é variável, confor-
me mostra a Figura 2.
Segundo Lösch (1954), os fatores comerciais, de transporte e administra-
tivo também fazem parte do modelo. No entanto, o número de centros que a
região-pólo vai “dominar” não é fixo, logo, não forma um hexágono. Assim, as
funções de cada cidade, no espaço regional, são distintas. Os maiores níveis
possuem mais funções que os níveis menores, ou seja, para Lösch, há uma
distribuição irregular das funções de cada cidade e, conseqüentemente, de
cada região.

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194 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
FONTE: HAGGETT, P. L'analyse spatiale en géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1973.
Hierarquia de centralidade de Christaller
Figura 1
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Figura 2
Hierarquia de centralidade de Lösch
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

FONTE: HAGGETT, P. L'analyse spatiale en géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1973.
Legenda: A - Setores ricos e pobres na cidade.
B - Distribuição das grandes cidades.

195
C - Distribuição dos centros dentro de um setor.
196 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Benko (1999) complementa, afirmando que, no modelo de Lösch (1954), o


espaço regional se divide em áreas de mercado por tipos de produto. O seu
modelo agrega os fatores da distância, da produção em grande escala e da
concorrência. Para Lösch (1954), os produtores de um determinado setor delimi-
tam seu raio de atuação comercial em função da distância. Quanto mais distan-
te for um centro, maiores os custos de transporte. Assim, quando se chega ao
limite máximo dos custos de transporte, atinge-se a área extrema de atuação
comercial. Nessa mesma linha, segue a análise de Krugman (1991). Para ele, a
polarização crescente é o resultado da interação entre baixos custos de trans-
porte e de relações interindustriais de cooperação e concorrência em regiões
específicas. Por isso, as regiões periféricas aliam custos expressivos de trans-
porte com uma relação de dependência nas atividades de transformação e
serviços. Isso faz com que as regiões periféricas tenham um custo maior de
produção e distribuição aliado a problemas com retorno de escala. Portanto,
custos moderados de produção associados a retornos de escala e custos de
serviços pouco significativos geram tendências à concentração geográfica dos
agentes econômicos e, conseqüentemente, no padrão de localização das
atividades produtivas e na organização espacial da economia.

2.1 O instrumental e o quadro da análise


O período de análise inicia em 1991 e termina em 2000, sendo os anos-
-pólo a base de comparação. Para a análise dos dados, serão utilizadas medi-
das de especialização e de localização. Conforme Haddad (1989), Piacenti e
Lima (2002) e Costa (2002), essas medidas são úteis para o conhecimento dos
padrões do crescimento econômico dos estados e de suas mesorregiões. Deve-
-se salientar que a análise desses indicadores tem uma outra vantagem: ela
permite a comparação de regiões com tamanhos diferentes. Nesse aspecto,
Pumain e Saint-Julien (1997), ao analisarem a localização no espaço, chamam
de “efeito tamanho” as perturbações introduzidas nos estudos comparativos
pelas disparidades de dimensões das regiões. Assim, um coeficiente de corre-
lação será sempre elevado e positivo. A solução para evitar que o “efeito tama-
nho” prejudique a análise consiste em comparar não os valores brutos, mas os
valores relativos. Por isso, os indicadores de análise regional são ferramentas
cômodas para o tratamento de variáveis distribuídas em unidades espaciais de
tamanhos diferentes. No geral, eles dão uma medida da importância relativa de
uma modalidade ou de uma categoria numa região, comparando o seu “peso” ou
sua participação nas demais regiões.

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O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 197

A variável a ser utilizada no modelo de análise regional será a mão-de-obra


ocupada por atividades produtivas. Pode-se pressupor que as atividades produ-
tivas mais dinâmicas empregam mais mão-de-obra no decorrer do tempo. Por
outro lado, a ocupação da mão-de-obra reflete-se na geração e na distribuição
da renda regional, o que estimula o consumo e, conseqüentemente, a dinâmica
da região. Os dados sobre a mão-de-obra foram coletados dos Censos
Demográficos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
escolha que se deu pela confiabilidade dos mesmos (Anu. Estat. Brasil, 1993;
IBGE, 2003; 2005).
Com a definição da variável a ser utilizada, as atividades serão agrupadas
da seguinte forma: agropecuária, indústria de transformação (minerais não-me-
tálicos, madeira, couros, têxteis, vestuário, produtos alimentares, metalúrgica,
dentre outras), indústria de construção civil, outras atividades industriais (extração
mineral e serviços industriais de utilidade pública), transportes e comunicações,
comércio, serviços e setor público.
Para o cálculo das medidas de especialização e localização, as informa-
ções serão organizadas em uma matriz que relaciona a distribuição das atividades
produtivas no espaço. No presente estudo, utilizar-se-á a mão-de-obra ocupada
por atividades produtivas como variável-base. As colunas mostram a distribui-
ção da mão-de-obra entre as mesorregiões, e as linhas, a distribuição da mão-
-de-obra por atividade de cada uma das mesorregiões. Assim, definem-se as
seguintes variáveis:
∑ MOij= mão-de-obra na atividade produtiva i da mesorregião j (1)
j

∑ MOij = mão-de-obra na atividade produtiva i de todas as


j
mesorregiões (2)

∑ MOij = mão-de-obra em todas as atividades produtivas da


i
mesorregião j (3)

∑∑ MOij = mão-de-obra em todas as atividades produtivas e todas as


i j
mesorregiões (4)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


198 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

A partir das equações (1), (2), (3) e (4), organizou-se o Quadro 1, que
apresenta as medidas de localização, especialização e associação. As medidas
de localização — quociente locacional (QL), coeficiente de localização (CL) e
coeficiente de associação geográfica (Cag) — são de natureza setorial e preo-
cupam-se com a localização das atividades produtivas entre as mesorregiões,
ou seja, procuram identificar padrões de concentração ou dispersão da mão-de-
-obra num determinado período. Já as medidas de especialização concentram-
-se na análise da estrutura produtiva de cada mesorregião, objetivando analisar
o grau de especialização das economias mesorregionais num determinado perí-
odo. Dentre essas medidas, utilizar-se-á o coeficiente de especialização (CE).
O quociente locacional é utilizado para comparar a participação percentual
da mão-de-obra de uma mesorregião com a da Região Sul do Brasil. Ele pode
ser analisado a partir de ramos específicos ou no seu conjunto. A importância
da mesorregião no contexto do universo regional, em relação ao ramo de atividade
estudado, é demonstrada quando QL > 1. Nesse caso, há representatividade do
ramo em um município específico. Além disso, é um consenso na análise regio-
nal que os valores iguais ou maiores que a unidade indicam os ramos de atividade
que são de exportação, ou seja, os ramos básicos (exógenos) (Haddad, 1989;
Costa, 2002; Souza, 2005). Ao contrário, quando QL < 1, as atividades são não
básicas ou endógenas. Assim, são também localizados, através desse quoci-
ente, os ramos de atividade exógenos e os endógenos. Ressalta-se que o setor
agropecuário é básico (de exportação) por definição, conforme estudos
de North (1956), retomados por Haddad (1989), Piffer (1999) e Pedralli et al.
(2004).
Vollet e Dion (2001), analisando a contribuição potencial da concepção dos
setores básicos e não básicos, afirmam que os setores básicos de uma região
representam o motor da economia regional. Historicamente, em um primeiro
momento, eles são os responsáveis pelo quadro de crescimento regional, mas,
num segundo momento, as atividades terciárias atraem “rendas exógenas”, o
que difere da análise clássica de North (1956). Os autores insistem também no
papel das populações para estimular um mecanismo de crescimento econômico
regional. Esse crescimento distingue as regiões que possuem setores dominan-
tes das regiões que possuem setores fracos, determinando a forma de
hierarquização do espaço econômico. Essa contribuição a respeito da visão
clássica da base de exportação renova as possibilidades de análise do papel
das atividades de exportação nos espaços econômicos.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Quadro 1

Descrição das medidas de localização, especialização e associação geográfica

INDICADORES EQUAÇÕES INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

MO ij ∑ MO ij QL > 1 = significativo (básico/exportação)


Quociente QL =
j
0,50 < QL < 0,99 = médio
locacional (QL) ∑ MO ij ∑ ∑ MO ij QL < 0,49 = fraco
i i j

   
Coeficiente de ∑  MOij ∑ MOij  −  ∑ MOij ∑ ∑ MOij  Próximo a 0 = dispersão significativa
localização (CL) j  j   i i j  Próximo a 1 = concentração significativa
CL =
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2
   
Coeficiente de ∑  MOij ∑ MOij  −  ∑ MOij ∑ ∑ MOij  Próximo a 0 = diversificação significativa
especialização i  i   j i j  Próximo a 1 = especialização significativa
(CE) CE =
2
 setor i setor k 
   
Coeficiente de ∑   MOij ∑ MOij −  MOij ∑ MOij   0,7745 < Cag = fraca associação
associação j 
 i   i   0,5162 < Cag < 0,2582 = associação média
Cag ik =  
geográfica (Cag) 0,2581 < Cag < 0,0001 = associação significativa
2
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200 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Já o objetivo do coeficiente de localização é relacionar a distribuição


percentual da mão-de-obra numa dada atividade produtiva entre as mesorregiões
com a distribuição percentual da mão-de-obra do Estado como um todo. Se o
coeficiente de localização for igual a zero, significa que a atividade produtiva i
estará distribuída regionalmente da mesma forma que o conjunto de todas as
atividades produtivas. Se for igual a um, demonstrará que a atividade produtiva
i apresenta um padrão de concentração regional mais intenso do que o conjunto
de todas as atividades produtivas.
Já o coeficiente de especialização é uma medida regional. As medidas
regionais concentram-se na estrutura produtiva de cada mesorregião, fornecen-
do informações sobre o nível de especialização da economia num período. Atra-
vés do coeficiente de especialização, compara-se a economia de uma mesorregião
com a economia do Estado como um todo. Para resultados iguais a zero, a
mesorregião tem composição idêntica à do Estado. Em contrapartida, coeficien-
tes iguais ou próximos a um demonstram um elevado grau de especialização
ligado a uma determinada atividade produtiva, ou uma estrutura de mão-de-obra
totalmente diversa da estrutura de mão-de-obra estadual.
Já o coeficiente de associação geográfica apura a equivalência de
mão-de-obra entre dois setores, demonstrando a associação geográfica entre
duas atividades produtivas (i e k). Assim, compara-se a distribuição percentual
da mão-de-obra entre as mesorregiões. Seus valores variam de zero a um. Valo-
res próximos a zero indicam que a atividade produtiva i está distribuída
mesorregionalmente, da mesma forma que a atividade produtiva k, mostrando
que os padrões locacionais das duas atividades produtivas estão associadas
de forma mais significativa. Valores próximos a um representam uma fraca
associação.
No caso da associação geográfica, vale lembrar os estudos de Furtado
(1987). Para ele, a importância e o impacto de um ramo industrial dão-se pela
sua capacidade de associar-se e de gerar os encadeamentos produtivos
estimuladores dos processos de crescimento e desenvolvimento econômico.
Essa capacidade é demonstrada pela crescente ocupação de mão-de-obra e
pelo adensamento de determinadas empresas, ou seja, as economias de aglo-
meração, que caracterizam as vantagens que as empresas auferem ao estarem
próximas uma das outras. Nessa mesma linha, Dumais, Malo e Raefflet (2005)
assinalam que a dinâmica econômica, e com ela o desenvolvimento, se estrutu-
ra em torno de dois elementos essenciais: as empresas, com suas potencialidades
e limites, e o Estado, com suas estratégias de intervenção, planejamento e
desenvolvimento. No caso das empresas, os estudos do seu perfil aglomerativo,
da sua capacidade de associação no conjunto do ramo de atividade e da sua
capacidade competitiva são elementos essenciais de inserção no mercado

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O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 201

globalizado e na expansão a longo prazo. No caso da intervenção estatal, o


conhecimento dos elementos mencionados é a diretiva básica para o planejamento
do desenvolvimento econômico regional. Nesse sentido, é necessário analisar
onde se localizam os ramos produtivos mais significativos, seu perfil
aglomerativo/associativo e a sua capacidade de alocar mão-de-obra nos setores
mais competitivos. Para isso, a análise regional proposta neste artigo fornece
um quadro do padrão de localização e do efeito alocação da vantagem compe-
titiva nas mesorregiões do Sul do Brasil, fornecendo subsídios às políticas públi-
cas de emprego e renda.

2.2 Quadro de análise


A partir dos resultados do QL, é possível identificar as atividades produti-
vas básicas e não básicas, ou seja, aquelas que possuem atividades de expor-
tação, ou não. No entanto, resta saber se essas atividades produtivas são res-
ponsáveis pelo crescimento econômico das mesorregiões. Para isso, é neces-
sário analisar a variação e o deslocamento da mão-de-obra ocupada no período
estudado entre as atividades básicas e as não básicas. Assim, utilizando-se a
matriz da distribuição espacial da mão-de-obra por atividades produtivas,
chega-se à equação a seguir.

 Ano 2  Ano 1    
Ano 1 Ano 2 Ano 1
VLTij =  MO ij − MO ij  − MO ij   ∑∑ MOij ∑∑ MO  − 1
 
   i j ij
 i j  
Onde:

VLT = variação líquida total da mão-de-obra (MO);

Ano 1 = 1991;

Ano 2 = 2000;

MO = mão-de-obra ocupada por atividades produtivas.

A VLT indica a diferença entre o valor real da mão-de-obra entre o início


(1991) e o fim do período (2000). Quando seu valor é positivo, significa que há
um incremento relativo da ocupação mesorregional de mão-de-obra face à
ocupação estadual. Ao contrário, quando o valor da VLT é negativo, representa

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


202 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

uma perda de posição relativa. Com isso, a magnitude do valor positivo demons-
tra o “peso” significativo da atividade produtiva na dinâmica da mão-de-obra, nas
mesorregiões. Dessa forma, se as atividades produtivas básicas têm os valores
positivos mais significativos, o que corresponde a uma estrutura de exportação
dinâmica, então, os fatores exógenos são os responsáveis pelo crescimento
econômico mesorregional.
Vale lembrar que a VLT é a diferença entre a parcela regional e a parcela
estrutural. A primeira refere-se aos fatores diferenciais ou locais, ou seja, reflete
a especialização regional de uma determinada atividade produtiva (endógena).
A segunda representa os fatores estruturais, ou seja, reflete a composição
regional da ocupação (exógena). A dinâmica acarretada pelos fatores estrutu-
rais demonstra que a mesorregião acompanha o dinamismo da Região Sul do
Brasil. Quando a Região avança no crescimento econômico, a mesorregião acom-
panha-a de forma significativa. Os fatores diferenciais representam a autonomia
da dinâmica da mesorregião, que cresce indiferente aos movimentos da Região.
A diferença entre a composição regional e a estrutural recebe o nome de efeito
total, ou seja, variação líquida total.

3 A localização e a especialização da
mão-de-obra ocupada na Região Sul
do Brasil
A seguir, são apresentados os resultados obtidos com a aplicação da
metodologia de análise regional, através das medidas de especialização e loca-
lização. Na Figura 3, verificam-se as atividades produtivas que apresentaram
maiores possibilidades para atividades de exportação, através dos indicadores
do quociente locacional.
Nota-se, pela Figura 3, algumas particularidades nos estados da Região
Sul do Brasil. No caso dos três estados, as atividades primárias são as mais
difusas. Porém, no Paraná, a agropecuária é a atividade produtiva mais signifi-
cativa, cabendo às mesorregiões Noroeste-PR, Centro-Ocidental-PR,
Norte-Pioneiro, Oeste-PR, Sudeste-PR, Sudoeste-PR e Centro-Sul os maiores
valores. O inverso dá-se nas mesorregiões com maior urbanização, que é o
caso da Norte-Central-PR, da Centro-Oriental-PR e da Metropolitana de Curitiba.
No entanto, outras atividades produtivas destacam-se no Estado, as atividades
industriais concentrando a mão-de-obra ocupada fundamentalmente entre
as mesorregiões Norte-Central e Metropolitana de Curitiba. A mesorregião
Oeste destaca-se na atividade de outras atividades industriais. As atividades

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 203

comércio e serviços apresentam localização significativa nas mesorregiões


Oeste, Norte-Central e Metropolitana de Curitiba, em 1991 e 2000. Isso pode ser
explicado, em parte, por essas três mesorregiões serem formadas pelas princi-
pais metrópoles do Estado, por terem um adensamento populacional mais
expressivo e por apresentarem características particulares no Setor Secundá-
rio. No caso da Norte-Central e da Metropolitana de Curitiba, o parque de trans-
formação é especializado nos ramos metal-mecânico, agroindústria de grãos e
transformações intermediárias. Na Oeste-PR, a agroindústria de grãos, carnes e
embutidos é a mais importante. Em ambos os casos, há forte dependência da
infra-estrutura de transportes e serviços superiores, em função do seu perfil
básico (exógeno).
Outra particularidade ocorre no Estado de Santa Catarina. A atividade da
agropecuária não é significativa na maioria das mesorregiões. Nessa atividade
produtiva, a ocupação da mão-de-obra destaca-se apenas nas mesorregiões
Oeste e Serrana. Nas demais, predominam as atividades produtivas de trans-
porte e comunicação, da indústria da construção civil, de comércio e serviços.
A mesorregião Grande Florianópolis é significativa na maioria das atividades
produtivas analisadas. De acordo com o IPEA (2000), essa mesorregião tem-se
beneficiado de sua condição de capital administrativa e pólo turístico nacional e
tem constituído uma atividade terciária mais complexa, passando a acumular
vantagens locacionais, com indicativos para atividades de alta tecnologia. Por
outro lado, a particularidade de Santa Catarina é a homogeneização do padrão
de localização. No caso da indústria de transformação, as mesorregiões Vale do
Itajaí, Norte-SC, Grande Florianópolis e Sul-SC integram-se ao corredor indus-
trial que começa na Norte-Central-PR. Em especial, na Vale do Itajaí e na
Norte-SC, localizam-se as indústrias dinâmicas. Nas mesorregiões Oeste-SC,
Serrana-SC e Sul-SC, estão localizadas as indústrias tradicionais e as não tra-
dicionais. Num estudo elaborado por Lima (2004), as mesorregiões Oeste-SC e
Oeste-PR surgem como emergentes, em função das características do seu
parque agroindustrial e do papel das cooperativas na infra-estrutura de transfor-
mação. Comparando-se os resultados dessa pesquisa com os resultados desta
análise, nota-se que há convergência no tocante ao papel periférico que um
grupo de regiões vem assumindo — no caso, a Norte-Pioneiro-PR, a Sudoeste-
-PR, a Centro-Sul-PR, a Noroeste-RS, a Centro-Ocidental-RS e a Sudoeste-
-RS —, as quais vêm ficando cada vez mais periféricas em relação à dinâmica
das mesorregiões localizadas à leste da Região Sul do Brasil. Com exceção das
mesorregiões Norte-Central-PR, Oeste-SC e Oeste-PR, as mesorregiões do
interior estão acentuando sua dependência do Setor Primário e das atividades
industriais complementares, de baixo valor agregado.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


204
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
a) agropecuária b) indústria de transformação

1991 2000 1991 2000

1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 5 2 5
6 6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17 16
18 18 18 18
19 21 19 21 19 20 21 19 21
20 20 20
22 22 22 22
23 23 23 23
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

c) indústria de construção civil d) outras atividades industriais

1991 2000 1991 2000


Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 2 5
5
6 6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17 16
18 18 18 18
19 21 19 20 21 19 21 19 20 21
20 20
22 22 22 22
23 23 23 23

205
206
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
e) transporte e comunicação f) comércio

1991 2000 1991 2000

1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 2 2 5
5 5 6
6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 10 8 9 10
9
7 7 7 7
12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 17 17 16
18 18 16 18 16 18
19 21 19 19 19 20 21
20 20 21 20 21
22 22 22 22
23 23 23 23
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

g) serviços h) setor público

1991 2000 1991 2000

1 3 4 1 3 4 1 3 4 1 3 4
2 5 2 5 2 5 2
6 5
6 6 6
8 9 10 8 9 10 8 9 10 8 9 10
7 7 7 7
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

12 12 12 12
11 14 11 14 11 14 11 14
13 15 13 15 13 15 13 15
17 16 17 16 17 16 17
18 18 18 18 16
19 20 21 19 20 21 19 20 21 19 20 21
22 22 22 22
23 23 23 23

Mesorregiões
9 - Sudeste Níveis de Quociente Locacional
Paraná
10 - Metropolitana de Rio Grande do Sul
1 - Noroeste
Curitiba 17 - Noroeste Significativo/Básico
2 - Centro-Ocidental
Santa Catarina 18 - Nordeste
3 - Norte-Central Médio/Não Básico
11 - Oeste Catarinense 19 - Centro-Ocidental
4 - Norte Pioneiro Fraco/Não Básico
12 - Norte Catarinense 20 - Centro-Oriental
5 - Centro-Oriental
13 - Serrana 21 - Metropolitana
6 - Oeste
14 - Vale do Itajaí 22 - Sudoeste
7 - Sudoeste 0 291,056 km
15 - Grande Florianópolis 23 - Sudeste
8 - Centro-Sul
16 - Sul-Catarinense

207
FONTE: Resultados da pesquisa.
208 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Noroeste, Centro-Ocidental, Cen-


tro-Oriental e Sudeste são as que apresentam os maiores valores de localiza-
ção da mão-de-obra no Setor Primário. Na atividade da indústria de transforma-
ção, somente as mesorregiões Nordeste, Centro-Oriental e Metropolitana apre-
sentam localização significativa. As demais atividades produtivas concentram-
-se nas mesorregiões Centro-Ocidental, Metropolitana, Sudoeste e Sudeste. No
caso da Noroeste-RS, o valor significativo do QL nas outras atividades indus-
triais apresenta uma particularidade: a base industrial dessa mesorregião está
localizada em Passo Fundo, Ijuí, Santa Rosa e Panambi. Assim, apesar da
expressão regional da estrutura de transformação, as plantas de transformação
são geograficamente concentradas no interior das mesorregiões. O mesmo ocorre
nas mesorregiões Oeste-SC e Oeste-PR, onde os Municípios de Chapecó (SC),
Maravilha (SC), Toledo (PR), Cascavel (PR), Medianeira (PR) e Palotina (PR)
possuem as maiores plantas de transformação agroindustrial.
Cabe ressaltar que os resultados do quociente de localização convergem
também para o estudo de Souza (2005) elaborado para o Rio Grande do Sul.
Apesar de apresentar uma desagregação setorial e espacial mais ampla que a
utilizada neste artigo, no seu conjunto, os resultados apresentaram o mesmo
padrão locacional das atividades produtivas.
Um fato que chama atenção na Figura 3 é a formação de um corredor de
ocupação da mão-de-obra da indústria de transformação, notando-se que o mesmo
liga as mesorregiões Noroeste-PR, Norte-PR, Centro-Oriental-PR com as
mesorregiões catarinenses e gaúchas situadas no litoral. A ocupação da mão-
-de-obra na indústria de transformação encontra-se bem difusa nesse corredor,
mas pouco representativa na Sudoeste gaúcha. Por outro lado, as outras atividades
industriais encontram-se espacialmente melhor distribuídas pelo território. Já a
indústria da construção civil distribui-se nas mesorregiões de maior densidade
populacional.
Nos Gráficos 1, 2 e 3, observam-se os coeficientes de localização das
atividades produtivas em destaque das mesorregiões dos Estados do Paraná,
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul respectivamente.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Gráfico 1
Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões
do Estado do Paraná — 1991 e 2000
CL
0,3000
0,2500
0,2000
0,1500
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

0,1000
0,0500
0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária

Serviços
transformação

comunicação

Comércio
atividades
Indústria de

Setor público
industriais

Transporte e
construção
Indústria de

Outras

Legenda: 1991 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.

209
210
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Gráfico 2

Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões


do Estado de Santa Catarina — 1991 e 2000

Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
CL
0,3500
0,3000
0,2500
0,2000
0,1500
0,1000
0,0500
0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária

Serviços
transformação

comunicação

Comércio
atividades
Indústria de

Setor público
indústriais

Transporte e
construção
Indústria de

Outras

Legenda: 1991 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Gráfico 3
Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões
do Estado do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

CL
0,3500
0,3000
0,2500
0,2000
0,1500
0,1000
0,0500
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

0,0000 Atividades
produtivas
Agropecuária

Serviços
transformação

Comércio
Indústria de

comunicação

Setor público
atividades
industriais

Transporte e
construção
Indústria de

Outras

Legenda: 1991 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.

211
212 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Nota-se, pelo coeficiente de localização, que o Estado do Paraná possuía,


em 1991, a melhor distribuição da mão-de-obra nas atividades de serviços, setor
público, indústria de construção, comércio e em outras atividades industriais. As
atividades da agropecuária e de transporte e comunicação estavam mais con-
centradas. Já no ano 2000, as atividades que apresentavam uma distribuição
mais significativa eram a indústria de transformação, a indústria de construção,
o comércio, os serviços e o setor público. As atividades da agropecuária e de
transporte e comunicação continuavam sendo as mais concentradas, mas nota-
-se que a atividade produtiva de outras atividades industriais teve seu coeficien-
te de concentração elevado nesse período. No geral, a ocupação da mão-de-
-obra na atividade do setor público é a mais distribuída, e a atividade agropecuária,
a mais concentrada. O quociente de localização apontou a formação de um
corredor industrial ligando as mesorregiões Norte-Central-PR, Centro-Oriental-
-PR, Metropolitana de Curitiba e a emergência da Oeste-PR, o que atesta que a
espacialização do emprego industrial tem convergido para essas regiões.
No caso das atividades agropecuárias, elas possuem um perfil particular
no Paraná: o peso considerável das pequenas propriedades e das cooperativas
de transformação agropecuária na economia do Estado. No caso das
mesorregiões Oeste-PR, Sudoeste-PR, Norte-Central-PR, Norte-Pioneiro-PR e
Centro-Ocidental-PR, as pequenas e as médias propriedades, integradas com a
agroindústria capitaneada pelas cooperativas, têm um papel preponderante
na economia local, isso sem contar a sua capacidade de ocupação da
mão-de-obra.
No Estado de Santa Catarina, as atividades produtivas que apresentaram
uma concentração regional da mão-de-obra ocupada mais intensa nos anos de
1991 e 2000 foram: outras atividades industriais, agropecuária, indústria de trans-
formação e setor público. As atividades de transporte e comunicação, comércio
e serviços foram as que apresentaram um coeficiente de distribuição mais ele-
vado. No período analisado, outras atividades industriais foram as mais concen-
tradas, e as atividades do transporte e comunicação, as mais distribuídas. Nes-
se caso, a análise regional confirmou os resultados dos estudos feitos por Lima
(2004). O Estado de Santa Catarina caminha para uma maior espacialização do
Setor Secundário ao longo do seu território. É certo que a especialização das
duas regiões divergem, mas ambas estão convergindo para o mesmo “peso”
locacional no emprego industrial. Assim, Santa Catarina é o estado da Região
Sul do Brasil que mais se tem beneficiado da dinâmica econômica dos
últimos anos.
No Rio Grande do Sul, a atividade agropecuária foi a mais concentrada, e
as atividades industriais, as mais distribuídas. As atividades de serviços, co-
mércio, indústria da construção e setor público também apresentaram uma dis-

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 213

tribuição significativa no período analisado. No geral, as atividades secundárias


apresentaram uma tendência à descentralização. No caso do RS, esse é um
sinal positivo. Na análise feita por Lima (2004), a tendência à descentralização
beneficiava a mesorregião Centro-Oriental-RS. Nesse caso, a difusão espacial
das atividades produtivas segue uma tendência de expansão a partir da perife-
ria mais próxima a Porto Alegre. Enquanto, no Paraná, o processo de difusão se
dá por percolação, o RS apresenta uma tendência a incorporar mesorregiões na
área de influência direta da metrópole estadual. Para isso, é necessário que os
serviços e o comércio se propaguem no espaço regional, como apontaram os
resultados do quociente locacional e do coeficiente de localização, tendência
que só poderá ser confirmada por estudos futuros.
No Gráfico 4, são apresentados o coeficiente de especialização — ou seja,
o comportamento da especialização das mesorregiões em relação ao Estado —
e também o coeficiente de reestruturação.
Pelo Gráfico 4, observa-se que as mesorregiões Sudoeste e Sudeste do
Paraná (PR7 e PR9) apresentavam um grau de especialização da mão-de-obra
ocupada mais intenso que as demais, ou seja, estão com um grau de especia-
lização em atividades ligadas a uma ou mais atividades produtivas mais eleva-
do. No ano 2000, as mesmas mesorregiões apresentaram essas característi-
cas. As mesorregiões Norte-Central, Centro-Oriental e Oeste foram as que apre-
sentaram o menor CE, ou seja, uma diversificação mais significativa.
No Estado de Santa Catarina, tanto em 1991 quanto em 2000, as
mesorregiões Oeste-Catarinense e Grande Florianópolis (SC1 e SC5) foram as
que apresentaram os maiores valores no coeficiente de especialização da mão-
-de-obra ocupada. As mesorregiões Serrana (SC3) e Sul-Catarinense (SC6) eram
as mais diversificadas em 1991 e 2000.
No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Noroeste (RS1) e Centro-Oriental
(RS4) eram as mais especializadas, e as mesorregiões Centro-Ocidental (RS3)
e Sudeste (RS7), as mais diversificadas.
Pelo Quadro 2, é possível verificar como foi o comportamento da associa-
ção geográfica entre as atividades produtivas em destaque.
Nesse sentido, observou-se que, no Paraná, nos anos de 1991 e 2000, as
atividades agropecuárias obtiveram uma associação média com as demais
atividades produtivas. As outras atividades apresentaram associação significa-
tiva tanto em 1991 quanto em 2000. Nota-se que houve uma interação entre as
atividades urbanas (do Secundário e do Terciário) no período analisado. Essas
atividades foram as mais representativas na absorção da mão-de-obra entre as
mesorregiões deste último estado.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


214
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Gráfico 4
Coeficiente de especialização (CE ) da mão-de-obra ocupada das mesorregiões dos Estados do Paraná,
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000
CE
0,30

0,25

Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
0,20

0,15

0,10

0,05

0,00 Mesorregiões
Mesorregião
1

2
3
4

6
7
8

9
10

2
3
4

6
S1

2
S3

4
5
6
S7
RS

RS

RS
RS
PR

PR
PR

PR
PR

PR
PR

PR
PR

SC

SC
SC

SC
SC

SC
PR

R
Legenda: 1991 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.


FONTE: Resultados da pesquisa.
NOTA: PR1 - Noroeste; PR2 - Centro-Ocidental; PR3 - Norte-Central; PR4 - Norte-Pioneiro; PR5 -Centro-Oriental;
NOTA: PR1 - Noroeste; PR2 - Centro-Ocidental; PR3 - Norte-Central; PR4 - Norte-Pioneiro; PR5 - Centro-Oriental; PR6 -
PR6 - PR7
Oeste; Oeste; PR7 - Sudoeste;
- Sudoeste; PR8 - Centro-Sul;
PR8 - Centro-Sul; PR9 -PR10
PR9 - Sudeste; Sudeste; PR10 - Metropolitana
- Metropolitana de Curitiba;
de Curitiba; SC1 SC1 - Oeste
- Oeste catarinense; SC2 -
Catarinense; SC2
corte Catarinense;
Norte - Norte Catarinense; SC3 - Serrana; SC4 - Vale do Itajaí; SC5 - Grande Florianópolis;
catarinense; SC3 - Serrana; SC4 - Vale do Itajaí; SC5 - Grande Florianópolis; SC6 - Sul-Catarinense; RS1 SC6--Noroeste;
Sul-
-Catarinense;
RS2 - Nordeste;RS1
RS3- -Noroeste; RS2 - Nordeste;
Centro-Ocidental; RS3 - Centro-Ocidental;
RS4 - Centro-Oriental; RS4 - Centro-Oriental;
RS5 - Metropolitana; RS6 - Sudoeste;RS5 - Metropolitana;
e RS7 - Sudeste.
RS6 - Sudoeste; e RS7 - Sudeste.
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Quadro 2
Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000
a) Paraná

INDÚSTRIA INDÚSTRIA OUTRAS TRANSPOR-


AGROPE- DA CONS- ATIVIDADES TE E COMU- SETOR
DE TRANS- COMÉRCIO SERVIÇOS
DISCRIMINAÇÃO CUÁRIA TRUÇÃO INDUSTRIAIS NICAÇÃO PÚBLICO
FORMAÇÃO
CIVIL
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
Agropecuária ♦ ♦
Indústria de
♦ ♦
transformação
Indústria da cons-
♦ ♦
trução civil
Outras atividades
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦

215
216
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007
Quadro 2
Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000
b) Santa Catarina

INDÚSTRIA INDÚSTRIA OUTRAS TRANSPORTE


AGROPE- DE CONS- ATIVIDADES SETOR
DE TRANS- E COMU- COMÉRCIO SERVIÇOS
DISCRIMINAÇÃO CUÁRIA FORMAÇÃO TRUÇÃO INDUSTRIAIS NICAÇÃO
PÚBLICO
CIVIL
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000

Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti
Agropecuária ♦ ♦
Indústria de
♦ ♦
transformação
Indústria de
♦ ♦
construção civil
Outras atividades
♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦
O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)
Quadro 2
Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000

c) Rio Grande do Sul

INDÚSTRIA INDÚSTRIA OUTRAS TRANSPOR-


AGROPE- DE CONS- ATIVIDADES TE E COMU- SETOR
DE TRANS- COMÉRCIO SERVIÇOS
DISCRIMINAÇÃO CUÁRIA TRUÇÃO PÚBLICO
FORMAÇÃO INDUSTRIAIS NICAÇÃO
CIVIL
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
Agropecuária ♦ ♦
Indústria de
♦ ♦
transformação
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Indústria de cons-
♦ ♦
trução civil
Outras atividades
♦ ♦
industriais
Transporte e
♦ ♦
comunicação
Comércio ♦ ♦
Serviços ♦ ♦
Setor público ♦ ♦

Legenda: Associação significativa


Associação média
Fraca associação
♦ Associação total
FONTE: Resultado da pesquisa.

217
218 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Com relação ao Estado de Santa Catarina, observou-se que as atividades


do setor público, de serviços e de comércio foram as que mais obtiveram asso-
ciação significativa com as demais atividades produtivas. Verificou-se que a
agropecuária e outras atividades industriais não alcançaram associação signifi-
cativa com nenhuma outra atividade produtiva.
No Estado do Rio Grande do Sul, com exceção da agropecuária e da
indústria de transformação, as demais atividades produtivas apresentaram as-
sociação expressiva no período analisado. A indústria de transformação asso-
ciou-se significativamente com as outras atividades industriais, com a indústria
de construção civil, com transporte e comunicação e com serviços. Já a atividade
agropecuária não obteve associação significativa com nenhuma atividade pro-
dutiva. No caso do Setor Secundário gaúcho, isso demonstra que ele necessita,
cada vez mais, de atividades complementares, em especial de uma estrutura
de compra e venda (distribuição) bem difusa no território.

4 A variação total da mão-de-obra ocupada


nas atividades produtivas, na Região Sul
do Brasil
A análise da variação total da mão-de-obra ocupada auxilia na compreen-
são da dinâmica das atividades produtivas, ao indicar as que são responsáveis
por essa dinâmica. Na Figura 4, verifica-se o resultado da variação líquida total
positiva das mesorregiões em análise.
Através da VLT (Figura 4), verificam-se as atividades produtivas que mais
se dinamizaram no período: as atividades do comércio e do setor público. Essas
atividades apresentaram os valores mais significativos para todas as
mesorregiões da Região Sul do Brasil.
No Estado do Paraná, as mesorregiões Metropolitana de Curitiba, Norte-
-Central e Oeste apresentaram os maiores valores para a VLT, agregando mais
mão-de-obra no período de 1991 a 2000. No Estado de Santa Catarina, as
mesorregiões Grande Florianópolis e Vale do Itajaí foram as que mais agrega-
ram mão-de-obra. No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Metropolitana de Por-
to Alegre e Noroeste Sul-Rio-Grandense foram as mais representativas na ab-
sorção de mão-de-obra.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 219

Figura 4
Variação líquida total positiva da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná,
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991-00

Norte-Central
Paranaense

Norte-Pioneiro
Noroeste Paranaense
Paranaense

Centro-Ocidental
Paranaense Centro-Oriental
Paranaense
Oeste
Paranaense
Centro-Sul
Paranaense
Sudeste Metrop.
Sudoeste Paranaense de Curitiba
Paranaense

Norte
Catarinense

Oeste
Catarinense
Vale do
Itajaí

Grande
Serrana Florianópolis
Catarinense
Noroeste
Riograndense
Sul
Nordeste Catarinense
Riograndense

Centro-Ocidental Centro-Oriental
Riograndense Riograndense
Metropolitana
de Porto Alegre

Sudoeste
Riograndense

Sudeste
Riograndense

15.000 ≤ VLT
14.999 ≤ VLT ≤ 10.000
9.999 ≤ VLT ≤ 5.000
VLT ≤ 4.999 0 67,72 km

Agropecuária Transp. e Comum.


Ind. de transf. Comércio
Ind. Const. Civil Serviços
Outras Ativ. Ind. Setor Público 0 67,72 km

FONTE: Resultados da pesquisa.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


220 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

A Figura 4 confirma a formação do corredor de transformação industrial


entre a Norte-Central e as mesorregiões do litoral. Nota-se a emergência de
algumas mesorregiões, dentre elas, a Oeste Paranaense, a Centro-Oriental do
RS e a Oeste-Catarinense. A particularidade na confrontação desses resultados
é que o dinamismo da distribuição espacial do emprego confirma um processo
de difusão particular: a formação de um corredor e a percolação.

5 À guisa de conclusão
O objetivo deste artigo foi analisar o padrão de localização da mão-de-obra
e a dinâmica regional das atividades produtivas das mesorregiões dos Estados
do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul no período de 1991 a 2000.
Com a aplicação dos métodos de análise regional, por meio dos
coeficientes de localização e especialização, verificou-se que a atividade da
agropecuária é mais distribuída entre as mesorregiões da Região Sul do Brasil.
As demais atividades, secundárias e terciárias, concentram-se principalmente
num corredor que se inicia na mesorregião Norte-Central Paranaense, passando
pela Centro-Oriental Paranaense e pelas outras mesorregiões litorâneas da
Região Sul do Brasil. Outrossim, a mesorregião Oeste Paranaense também se
destaca nessas atividades produtivas e é a única que se localiza fora do
“corredor”.
A análise da variação total da mão-de-obra mostrou, através da variação
líquida total, que as atividades produtivas que mais se dinamizaram nas
mesorregiões da Região Sul do Brasil foram as do comércio, do setor público, do
transporte e comunicação, da indústria da construção civil e da indústria da
transformação. Esses dados confirmam os demais coeficientes de análise
regional, ao mostrarem que a dinâmica econômica da Região Sul do Brasil está
pautada nas atividades secundárias e terciárias.
No contexto das atividades da indústria de transformação, no Rio Grande
do Sul, os resultados da análise convergem para os estudos de Souza (2005).
Nesses estudos, o padrão de localização industrial do RS orienta-se pela fonte
de matérias-primas e dá-se pelas atividades básicas (exportação). Por isso,
elas demandam uma estrutura de serviços e comércio capaz de lhes dar sus-
tentação, o que favorece uma maior associação geográfica entre as atividades
secundárias e as terciárias ao longo do território.
Por fim, os resultados desta análise apontam algumas particularidades. A
primeira é a reestruturação espacial, que se mostrou como mais um processo
de reorganização do espaço econômico. Nessa reorganização, não há nenhuma

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007


O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00) 221

garantia de que os espaços periféricos vão avançar, tanto que apenas as


mesorregiões Oeste-PR, Norte-Central-PR, Oeste-SC e Centro-Oriental-RS con-
seguiram emergir numa região de dinamismo fortemente concentrado nas áreas
metropolitanas. A segunda particularidade é a questão da especialização ou da
diversificação econômica. O fortalecimento da especialização não garante um
peso significativo na localização do emprego, tanto que o nível de dinamismo
das mesorregiões é diferente, apesar de apresentarem o mesmo nível de espe-
cialização. Assim, para uma mesorregião, é mais interessante aproveitar os
movimentos do espaço regional para avançar em atividades dinâmicas ligadas
às suas vantagens comparativas. A terceira e última particularidade é a existên-
cia de um fenômeno de difusão espacial deveras interessante na Região Sul do
Brasil, confirmando os estudos de Lima (2004): a existência de um corredor e de
um processo de percolação. Nesse caso, apesar de as mesorregiões avança-
rem no crescimento da ocupação da mão-de-obra, seu dinamismo não é sufici-
ente para garantir sua inserção num corredor de transformação que começa na
mesorregião Norte-Central-PR, passa pela mesorregião Centro-Oriental-PR e
integra todas as mesorregiões litorâneas até o extremo sul do Brasil. Fora do
corredor, a exceção fica por conta da Oeste-SC e da Oeste-PR, que se mostram
cada vez mais emergentes.

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224 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

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As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 225

As Leis de Kaldor na economia gaúcha:


1980-00*
Luciano Moraes Braga** Mestre em Economia e Tecnologista do IBGE

Adalmir Antonio Marquetti*** Doutor em Economia e Professor do PPGE-PUCRS

Resumo
Este trabalho testa as Leis de Kaldor para o Rio Grande do Sul no período 1980-
-00. Kaldor considera a indústria como o setor-chave do crescimento econômico,
devido à presença de retornos crescentes de escala no mesmo, o que não se
verificaria nos demais setores. Os resultados foram consistentes com seus
argumentos. O próprio desempenho diferenciado entre as regiões é explicado
pela desigualdade do crescimento industrial e não por diferenças exógenas na
dotação de recursos. Os resultados mostram evidências de que as Leis de
Kaldor se verificaram no Rio Grande do Sul, no período em estudo. A validade
de suas proposições no contexto regional de uma economia em desenvolvimento,
num período de grandes transformações, mostra a relevância de fomentar a
produção industrial nas regiões de menor renda, para promover seu crescimento
econômico.

Palavras-chave
Leis de Kaldor; indústria; Rio Grande do Sul.

Abstract
This paper tests Kaldor´s Law to Rio Grande do Sul for the period 1980-00.
Kaldor considers the industry as the engine of economic growth due to the
presence of increasing returns to scale in this sector. The same is not true for

* Artigo recebido em 07 dez. 2005 e aceito para publicação em out. 2006.


**E-mail: lucianobraga@ibge.gov.br
***E-mail: aam@pucrs.br

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226 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

other economic sectors. In this conception, the unequal development between


regions is explained by diverse industrial growth between them. The empirical
results are consistent with Kaldor´s Law. The validity of his propositions in the
regional context in a developing economy shows the relevance of fomenting the
industrial production in low income regions to promote their economic growth.

Key words
Kaldorís Laws; increasing returns; Rio Grande do Sul.

Classificação JEL: O11, R11.

1 Introdução
As linhas de crédito para o financiamento da reconversão produtiva das
áreas de menor industrialização da economia gaúcha são evidências de que a
distribuição espacial da atividade industrial no Estado é concentrada. A
justificativa para a oferta de crédito encontra-se no pressuposto de que a
industrialização é fundamental para o crescimento das regiões com menor renda
per capita.
Essa realidade inspira a utilização do referencial proposto por Nicholas
Kaldor para a compreensão do processo de crescimento econômico. Seguindo a
tradição keynesiana, a proposta de Kaldor assume que a explicação para as
diferentes taxas de crescimento entre regiões decorre de fatores de demanda.
No centro da questão, está o papel desempenhado pelas atividades com retornos
crescentes de escala. Mais especificamente, o setor industrial é considerado
por Kaldor o “motor” do crescimento econômico, por apresentar tais retornos.
Thirlwall (1983, p. 341) considera que a divisão entre regiões caracterizadas
pela predominância de atividades primárias e regiões mais industrializadas traz
implicações para o crescimento e para o processo de desenvolvimento da
economia como um todo, justamente em função dos retornos crescentes no
Setor Secundário. O conjunto de fatos estilizados apresentados por Kaldor ganhou
status de lei na generalização proposta por Thirlwall.
Neste trabalho, são testadas, na economia gaúcha, as relações
evidenciadas nas Leis de Kaldor, no período 1980-00. Nesse período, a economia
gaúcha interrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial era

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 227

acompanhado pelo aumento do nível de emprego e da produtividade da indús-


tria. A instabilidade da década de 80 acabou por se refletir em estagnação tanto
na produção industrial quanto no nível de emprego. O processo de abertura e de
sobrevalorização cambial nos anos 90, ao intensificar o processo concorrencial,
levou à falência as empresas de menor produtividade e capacidade financeira,
bem como estimulou o aumento da produtividade por parte das demais. O resultado
frente ao pequeno aumento da produção foi a redução do nível de emprego
industrial. Nesse contexto, as Leis de Kaldor mostraram-se adequadas para a
análise do processo de crescimento econômico no âmbito regional de uma
economia em desenvolvimento, cuja distribuição da atividade industrial não é
homogênea em seu território.
Os resultados revelaram a importância do crescimento do setor industrial
para o aumento da produção e da produtividade da economia gaúcha no período
em estudo, especialmente naquelas regiões formadas por municípios
relativamente mais desenvolvidos. Além desta breve Introdução, este artigo
apresenta uma revisão do debate em torno das proposições iniciais de Kaldor.
Após, segue uma seção na qual serão apresentados os testes empíricos para
as especificações das Leis de Kaldor. As Considerações finais são
apresentadas na última seção, com a síntese dos principais pontos discutidos.

2 O processo de causação acumulativa


e o crescimento econômico
Preocupado com o baixo crescimento da economia britânica, Nicholas
Kaldor (1994) apresentou, em 1966, um estudo empírico relacionando as diferentes
taxas de crescimento de 12 economias capitalistas avançadas1 no período 1953/
/54-1963/64. As evidências empíricas encontradas no estudo da performance
dos países passaram a ser reconhecidas como Leis de Crescimento de Kaldor.
Thirlwall (1983, p. 345) discute um catálogo de proposições que representam o
modelo de Kaldor sobre as diferentes taxas de crescimento das economias
avançadas, apresentando-o na forma de “leis”, descritas a seguir. 2

1
Os países considerados no estudo são o Japão, a Itália, a Alemanha Ocidental, a Áustria, a
França, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Noruega, o Canadá, o Reino Unido e os
Estados Unidos.
2
As mesmas proposições aparecem em McCombie e Thirlwall (1994, p. 164-166).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


228 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

“Primeira Lei de Kaldor: existe uma forte relação entre a taxa de cresci-
mento da produção na indústria de transformação e a taxa de crescimento do
PIB” 3 (Thirlwall, 1983, p. 347).
Pode-se testar como a variação da produção industrial influi na taxa de
crescimento da produção total utilizando uma regressão na qual a taxa de
crescimento dos demais setores depende da taxa de crescimento do setor
manufatureiro. Ou seja,

g nm = α + βqm + ε (1)

onde g nm é a taxa de crescimento dos demais setores da economia, q m é a


taxa de crescimento da produção de manufaturas, somadas a um termo de erro
ε que atenda às hipóteses do modelo clássico de regressão linear.
Essa relação é explicada pela existência de economias de escala, ou
retornos crescentes, que provocam o aumento da produtividade em resposta ao
crescimento da produção total. Kaldor procurou evidenciar empiricamente essa
explicação, dando origem a mais uma lei. Thirlwall define a “Segunda Lei de
Kaldor: existe uma forte e positiva relação entre a taxa de crescimento da
produtividade na indústria de transformação e o crescimento da produção nessa
indústria” 4 (1983, p. 350).
Na especificação de Kaldor5, a lei é escrita como
pm = a + bqm + ε (2)

onde p é a taxa de crescimento exponencial de produtividade, q é a taxa de


crescimento exponencial da produção, a é a taxa autônoma de crescimento da
produtividade, e o coeficiente b é chamado de Coeficiente de Verdoorn. O subscrito
m indica que os dados se referem ao setor de manufaturas.
Existe um problema na especificação da equação 2, porque, por definição,
pm = qm − em (3)

onde e é a taxa de crescimento do emprego.

3
No original: “Kaldor’s first law: there exists a strong relation between the growth of manufacturing
output and the growth of GDP” (Thirlwall, 1983, p. 347).
4
No original: “Kaldor’s second law: there is a strong positive relation between the rate of growth
of productivity in manufacturing industry and the growth of manufacturing output” (Thirlwall,
1983, p. 350).
5
Essa relação empírica é conhecida como Lei de Kaldor–Verdoorn, porque já havia sido
demonstrada em Verdoorn (1949).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 229

Desse modo, q aparece nos dois lados da equação, o que caracteriza uma
correlação espúria entre p e q. O problema é evitado com uma nova especificação,
preferida por Kaldor, para a Lei de Verdoorn. Substituindo a taxa de crescimento
exponencial de produtividade na equação 2 pela equação 3, chega-se a

em = a * + b *q m + u (4)

sendo b * = 1 − b e a = − a
*

*
O que deve ser testado é se b é, do ponto de vista estatístico,
significativamente diferente de 1, ou, de forma equivalente, se b é
significativamente diferente de zero. As duas especificações devem conduzir à
mesma conclusão.
Segundo McCombie e De Ridder (1984, p. 268), a importância da Lei de
Kaldor-Verdoorn é que ela fundamenta um modelo de causação circular e
acumulativa do crescimento econômico, tal qual o apresentado por Myrdal (1960,
p. 28). Kaldor (1989, p. 315) assegura ser o processo de causação circular
acumulativa essencial para a compreensão das diversas tendências de
desenvolvimento entre as regiões. O crescimento da demanda por produtos
industriais é um fator importante na determinação do crescimento das economias.
Primeiramente, porque quanto maior for a taxa de crescimento do setor industrial,
maior será a taxa de crescimento do total da produção na economia. Em segundo
lugar, porque quanto maior for a taxa de crescimento da produção industrial,
maior será a taxa de crescimento da produtividade nesse setor. Mais do que
isso, o crescimento da produção industrial também influencia o aumento da
produtividade nos demais setores da economia. Fortalecendo esse argumento,
o autor criou mais uma generalização empírica, que passou a ser reconhecida
como a Terceira Lei:
Terceira Lei de Kaldor: quanto maior o crescimento da produção da indústria
de transformação, maior a taxa de transferência de trabalhadores dos
demais setores para este setor. Assim, a produtividade total é positivamente
relacionada com o crescimento da produção e do emprego na indústria de
transformação e negativamente associada com o crescimento do emprego
nos demais setores (Thirlwall, 1983, p. 354).6

6
No original: “Kaldor’s third law: The faster the growth of manufacturing output, the faster the
rate of labour transference from nonmanufacturing to manufacturing, so that overall productivity
growth is positively related to the growth of output and employment in manufacturing and
negatively associated with the growth of employment outside manufactoring” (Thirlwall, 1983,
p. 354).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


230 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

A transmissão do aumento da produtividade do setor de manufaturas para


os demais setores pode ser captada na especificação proposta por Mamgain
(1999, p. 298) e reproduzida na equação 7.

p nm = α + βq m − γe nm + ε (7)

onde o subscrito nm representa os demais setores da economia, exceto o setor


de manufatura, que é representado pelo subscrito m.
As proposições de Kaldor sobre os determinantes do crescimento
econômico podem ser testadas para as regiões que compõem um país.7 De um
modo geral, os trabalhos que testaram as Leis de Kaldor em economias regionais
comprovaram a capacidade destas em associar o crescimento da produção e
da produtividade nas regiões dos países pesquisados com o crescimento de
suas produções industriais.8 Neste artigo, pretende-se utilizar esse referencial
para acompanhar o desempenho das regiões de uma economia em
desenvolvimento9, num período de grandes transformações econômicas e sociais
no capitalismo mundial.

3 Os testes para as Leis de Kaldor


no Rio Grande do Sul
Nesta seção, são realizados os testes para as Leis de Kaldor na economia
gaúcha, no período 1980-00. Inicialmente, são necessários alguns comentários
sobre a estrutura e o desempenho da indústria do Rio Grande do Sul nesse
período.

7
O próprio Kaldor (1989, p. 311-312, grifo do autor) apresenta essa possibilidade: “A primeira
questão que precisa ser considerada é o que causa diferença nas taxas regionais de
crescimento — se o termo regional é aplicado para diferentes países (ou mesmo grupos de
países) ou diferentes áreas dentro de um mesmo país. Evidentemente, as duas questões
não são idênticas; mas até certo ponto. Eu estou certo de que seria esclarecedor considerar
como se assim fossem e aplicar a mesma técnica analítica para as duas”. No original: “The
primary question that needs to be considered is what causes these differences in regional
growth rates — whether the term regional is applied to different countries (or even groups of
countries) or different areas within the same country. The two questions are not, of course,
identical; but up to a point, I am sure that it would be illuminating consider them as if they were,
and apply the same analytical technique to both” (Kaldor, 1989, p. 311-312, grifo do autor).
8
São exemplos de testes para economias regionais os trabalhos de McCombie e De Rider
(1984), Hildreth (1988-89), Harris e Lau (1998) e León-Ledesma (2000).
9
São exemplos de testes para economias em desenvolvimento os trabalhos de Feijó e
Carvalho (1997), Felipe (1998), Mamgain (1999) e Wells e Thirlwall (2003).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 231

A economia gaúcha carateriza-se por apresentar um forte vínculo entre as


atividades industriais e a agropecuária. A fabricação de produtos alimentícios e
bebidas representava quase 15% do Valor da Transformação Industrial (VTI) no
ano 2000.10 Da mesma forma, a atividade coureiro-calçadista representou cerca
de 13% do VTI. Esses dois setores são os maiores empregadores de mão-de-
-obra industrial no Rio Grande do Sul e ajudam a caracterizar a indústria gaúcha
como intensiva em mão-de-obra. Por outro lado, na atividade de preparação de
couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, que
apresenta o maior número de pessoas ocupadas, a produtividade do trabalho é
das mais baixas.
Deve-se também destacar a forte integração da economia gaúcha com a
economia brasileira, especialmente a da Região Sudeste. Ao mesmo tempo,
existe uma articulação com o mercado internacional, pois o Rio Grande do Sul
possui um segmento exportador formado por setores agroindustriais. Com essa
característica, fica evidente que a ocorrência de taxas câmbio sobrevalorizadas
são uma importante restrição ao crescimento econômico do Estado. Esse foi o
caso do período imediatamente posterior ao lançamento do Plano Real, no qual
o câmbio se manteve sobrevalorizado, e as taxas de crescimento da economia
gaúcha foram baixas (Alonso, 2003, p. 100).
Como componente da economia brasileira, a economia gaúcha acompanhou
as linhas gerais do processo de crescimento no qual estava inserida. O período
compreendido por este estudo caracterizou-se pela redução nas taxas de
crescimento tanto da economia nacional como da gaúcha. Simultaneamente,
ocorreu uma queda na participação da indústria na geração do produto e do
emprego, a qual ocorreu de maneira mais intensa na economia brasileira do que
na gaúcha.11
No período 1980-00, a indústria gaúcha enfrentou uma situação adversa,
tendo mantido como uma de suas características fundamentais o forte vínculo
com o complexo agroindustrial. As mudanças tecnológicas que ocorreram no
período e o reduzido crescimento fizeram com que o número de trabalhadores
empregados em 2000 fosse menor do que o de 1980.12 Apesar das inovações
tecnológicas, a indústria gaúcha manteve sua característica de ser intensiva
em mão-de-obra.

10
Dados da Pesquisa Industrial Anual (2000).
11
Esse movimento veio ao encontro da tendência evidenciada na trajetória das economias
desenvolvidas (Bonelli; Gonçalves, 1998).
12
A desverticalização da produção pode ter propiciado um aumento da produção industrial,
com aumento do emprego no setor serviços. A base de dados utilizada neste estudo não
permite avaliar esse efeito. No entanto, Feijó e Carvalho (1997, p. 254) não consideram que
esse efeito seja responsável pelo aumento da produtividade na indústria.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


232 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

É nesse cenário que os testes para as Leis de Kaldor podem contribuir


para uma melhor compreensão do desempenho da indústria e de seus reflexos
nas taxas de crescimento da produção e da produtividade na economia gaúcha.

3.1 Banco de dados


Para testar o conjunto de fatos estilizados sugeridos por Kaldor sobre os
determinantes do crescimento de uma economia são necessárias informações
sobre o PIB da região e sobre o número de pessoas ocupadas, discriminadas
por setor de atividade econômica.13 Na construção do banco de dados, o primeiro
passo foi tornar as informações homogêneas geograficamente, pois o número
de municípios, ao longo do período em estudo, mais que dobrou. A solução
encontrada foi reagrupar os novos municípios aos seus municípios de origem.
Desse modo, foram obtidas informações para um total de 136 Áreas Mínimas
Comparáveis (AMC).14
Como medida do PIB municipal, em 1980 foi utilizada a renda interna dos
municípios calculada por Maia Neto (1986). O PIB de 1980, a preços constantes
do ano 2000, foi distribuído de acordo com a participação dos municípios na
composição da renda do Rio Grande do Sul, mantidas as respectivas estruturas
das rendas internas municipais. As séries do PIB do Rio Grande do Sul foram
encadeadas, considerando-se a diferença entre os dois valores para o ano de
1985 e reproduzindo-se essa diferença relativa no valor do PIB de 1980. A partir
dos valores do PIB por regiões, foram calculadas as taxas geométricas de
crescimento.
Os dados referentes ao número de pessoas ocupadas foram obtidos dos
resultados das amostras dos Censos Demográficos de 1980 e de 2000,
compatibilizando-se os conceitos de ocupação. Desse modo, foi possível calcular
as taxas geométricas de crescimento, por setor de atividade, do total de pessoas
ocupadas no Rio Grande do Sul, no período 1980-00.
A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das taxas de crescimento
das variáveis em estudo. Observa-se que a indústria apresentou médias mais
elevadas e maior desvio-padrão nas taxas de crescimento do produto e do emprego

13
A substituição de trabalho por capital na estrutura produtiva pode incorrer em resultados
viesados, e, por isso, alguns autores incluíram estimativas sobre o estoque de capital em
seus trabalhos. Ver, por exemplo, McCombie e De Ridder (1984), Harris e Lau (1998) e
Leon-Ledesma (2000).
14
Os municípios que compõem cada uma das Áreas Mínimas Comparáveis e a base de
dados utilizada estão disponíveis mediante solicitação.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 233

do que os demais setores. Esse é um primeiro indicador de que as Leis de


Kaldor se verificaram no Rio Grande do Sul, no período em estudo. Contudo
parcela significativa das AMC apresentou taxas negativas de crescimento do
produto industrial. Ou seja, as médias mais elevadas para o setor industrial
podem estar associadas a um grupo mais restrito de AMC, o que justifica a
utilização de variáveis dummy, para testar as variações nos coeficientes da
primeira lei.

Tabela 1
Estatísticas descritivas das taxas de crescimento de variáveis
selecionadas nas AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
(%)
PIB EMPREGO
DISCRIMINAÇÃO Demais Demais
Total Indústria Total Indústria
Setores Setores
Média ...................... 1,67 2,57 1,35 1,67 2,81 1,53
Mediana .................. 1,19 3,06 1,23 1,20 2,68 1,27
Desvio-padrão ........ 2,51 6,73 1,73 2,50 2,53 1,41
FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-
-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno
Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-
ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil,1980, v. 1, t. 4, n. 22).
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janei-
ro, [s. d.].

3.2 A importância do crescimento da produção


industrial para o crescimento econômico
dos municípios
A Figura 1 apresenta a dispersão das taxas geométricas de crescimento
do PIB e da produção industrial no período 1980-00. A AMC formada pelo
Município de Triunfo, com crescimento do PIB de 21,79% a.a. e da produção
industrial de 38,76% a.a., apresenta comportamento diferenciado das demais,

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


234 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

muito provavelmente em decorrência da implantação do Pólo Petroquímico. Uma


variável dummy foi acrescentada na análise para evitar a influência dessa AMC
nos resultados estimados.
O teste de White comprovou a presença de heteroscedasticidade, o que
era esperado, na medida em que foram utilizados dados de corte temporal e que
as AMC são diferentes quanto ao tamanho e ao comportamento das variáveis
analisadas. A Tabela 2 apresenta as regressões, obtidas já com
heteroscedasticidade corrigida pelo método de White, para a Primeira Lei de
Kaldor.
Como visto anteriormente, uma das críticas à regressão na forma
especificada por Kaldor foi o fato de relacionar a variação de uma parte com a
variação do todo. Todas as regressões relacionaram a taxa de crescimento dos
demais setores com a taxa de crescimento do setor manufatureiro.15
A regressão 1 confirma que a taxa de crescimento do setor industrial mantém
relação positiva e significativa estatisticamente a 5% com o crescimento do
PIB. A regressão 2 separa os efeitos da AMC que inclui Triunfo com a utilização
de uma variável dummy (DTRI). O coeficiente de declividade reduziu-se em
magnitude, significando que o incremento da produção industrial teve um efeito
menor sobre o aumento da produção total das demais AMC.
Vale lembrar que a interpretação de Kaldor foi além da relação evidenciada,
ao afirmar que o crescimento do PIB é mais elevado onde o incremento da
indústria frente ao dos demais setores for maior (Kaldor, 1994, p. 284). Ou seja,
as economias com maiores taxas de crescimento seriam aquelas em que a
indústria estaria aumentando a sua participação, como seguramente foi o caso
de Triunfo. Porém essa interpretação não está completa. Como apontam Feijó e
Carvalho (2002, p. 61), a influência do incremento da produção de um setor no
crescimento do PIB é determinada pela taxa de crescimento e pelo peso desse
setor, sendo que o impacto é dado pelo produto desses dois fatores.
Nesse sentido, uma variável dummy foi empregada para verificar os efeitos
sobre as Leis de Kaldor quando são separadas as AMC menos desenvolvidas
das mais desenvolvidas. O critério utilizado para separar as AMC foi ordená-las
em função do PIB per capita, nos dois períodos. Assim, foram considerados
menos desenvolvidos os municípios que pertenciam ao primeiro quartil em 1980
e permaneceram nessa posição, no ano 2000.

15
Como assinalam Wells e Thirwall (2003), para considerar a indústria como o “motor do
crescimento”, é necessário que o mesmo exercício seja realizado para os demais setores.
No entanto, nem todos os autores que trabalharam o tema realizaram os testes para os
demais setores, o que também não foi feito neste trabalho.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00
Figura 1
Dispersão das taxas geométricas de crescimento do PIB e da produção industrial
nas 136 regiões do Rio Grande do Sul – 1980-00

PIB (%)
25

20

15

10
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

5 Indústria
de
0
transformação
-15 -5 5 15 25 35
-5 (%)

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986. FUN-
DAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto
per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE,
2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortalidade: Rio
Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t . 4, n. 22).
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].

235
236 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

Tabela 2
Resultados das regressões para a Primeira Lei de Kaldor aplicadas
para as 136 AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 1 REGRESSÃO 2 REGRESSÃO 3
α ......................................... 1,13 1,17 0,90
(1) (8,40) (1) (9,08) (1) (7,70)
β ........................................... 0,09 0,06 0,05
(1) (2,93) (1) (2,87) (1) (2,72)
DTRI ....................................... - 5,61 6,02
- (1) (7,55) (1) (8,22)
DAD ........................................ - - 2,12
- - (1) (4,80)
DAD* β ................................. - - -
2
R ........................................ 0,12 0,18 0,35
R 2 ....................................... 0,11 0,16 0,34
White (F-stat) ……………….… 7,74 1,55 2,26
DW …………………….………. 1,79 1,84 2,02
Reset (F-stat) ……………….… 5,32 0,45 0,37
n ............................................ 136 136 136
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 4 REGRESSÃO 5
α ............................................ 1,09 0,91
(1) (7,61) (1) (7,74)
β
.......................................... 0,04 0,05
(1) (1,92) (1) (2,50)
DTRI ....................................... 6,29 6,12
(1) (8,15) (1) (8,12)
DAD ........................................ - 1,95
- (1) (4,22)
DAD* β ................................ 0,33 0,06
(1) (2,42) (1) (0,95)
R 2 ....................................... 0,26 0,35
R 2 ....................................... 0,24 0,33
White (F-stat) …………….…... 2,45 2,31
DW ………………………….…. 1,86 2,01
Reset (F-stat) …………………. 8,09 0,48
n ............................................ 136 136
FONTE DE DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-
FONTE DE DADOS BRUTOS-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro,
[s. d.].
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno
Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-
ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t. 4, n. 22).
(1) Estatísticas t.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 237

Na regressão 3, portanto, utiliza-se uma variável qualitativa para testar os


efeitos do grau de desenvolvimento dos municípios nos resultados obtidos. Uma
variável dummy foi empregada para as AMC mais desenvolvidas, chamada de
DAD.
Os coeficientes de intercepto e de declividade para a variável dummy são
estatisticamente significativos a 5%. Isso indica que o resultado para as AMC
mais desenvolvidas é diferente daquele para as AMC menos desenvolvidas.
Mais importante, a relação entre a taxa de crescimento da indústria e a taxa de
crescimento do PIB dos demais setores nas AMC de maior desenvolvimento é
mais intensa.
Dado que o coeficiente encontrado para o crescimento do setor industrial
continua significativo e inferior à unidade, a conclusão de Kaldor é válida para
as AMC mais desenvolvidas do Rio Grande do Sul.
A especificidade da indústria gaúcha tem de ser ressaltada na interpretação
dos resultados. Sua trajetória no período em estudo indica um processo de
adaptação frente aos desequilíbrios que a economia nacional enfrentou na década
de 80 e à abertura econômica da década de 90. O resultado foi um menor
crescimento da indústria de transformação frente aos demais setores. Contudo
as evidências de ocorrências similares às previstas na Primeira Lei indicam
que, nas AMC nas quais a produção industrial cresceu acima dos demais setores,
houve um melhor desempenho econômico.

3.3 O aumento da produção industrial e os


efeitos sobre a produtividade e o
emprego no setor
Uma primeira aproximação da Segunda Lei de Kaldor pode ser obtida na
visualização das Figuras 2 e 3. Na Figura 2, estão relacionadas as taxas de
crescimento da indústria de transformação nas AMC do Rio Grande do Sul,
entre 1980 e 2000, e as taxas de crescimento do emprego naquele setor. Assim
como em Pieper (2001), uma linha com inclinação igual a um e intercepto zero
foi adicionada para representar a hipótese de retornos constantes de escala,
caso em que o emprego e a produção cresceriam com a mesma taxa. A estimativa
por regressão local mostra a presença de retornos crescentes, pois, em média,
nas regiões em que a produção industrial cresceu, o emprego cresceu a taxas
menores. Esse resultado é similar ao obtido por Pieper (2001).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


238 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

Figura 2
Relação entre a taxa de crescimento do produto industrial (gX)
e a taxa de crescimento do emprego na indústria (gN)
do Rio Grande do Sul – 1980-00

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal


RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE.
Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per
capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Gran-
de do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em:
<http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias:
migração: instrução: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do
Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do
Brasil, 1980, v. 1, t. 4, n. 22).
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio
de Janeiro, [s. d.].

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00
Figura 3
Dispersão das taxas geométricas de crescimento da indústria de transformação
e da produtividade da indústria do Rio Grande do Sul — 1980-00

(%)
40

30

20

10
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

0 (%)
-20 -10 0 10 20 30 40
-10

-20

-30

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto
per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande d0o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000.
Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.

239
240 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

A Figura 3 mostra a relação entre as taxas anuais de crescimento da in-


dústria de transformação e a sua produtividade. A visualização indica que há
uma relação positiva entre as variáveis. As duas regiões com comportamento
diferenciado são compostas pelos Municípios de Triunfo e Dona Francisca, cujas
taxas de crescimento da indústria foram muito influenciadas pela respectiva
implantação do Pólo Petroquímico e de uma usina hidroelétrica. Outra região
que se destaca das demais é aquela formada pelo Município de Herval, com
taxas muito negativas, tanto para o crescimento da indústria quanto para a
evolução da produtividade.
Seguindo as especificações de Kaldor (1994), considera-se a taxa de cres-
cimento da produção industrial uma variável independente, determinada pela
demanda, e a taxa de crescimento da produtividade industrial, uma variável
dependente. Utilizando-se essa especificação, foram estimadas as equações 2
e 4, cujos resultados estão apresentados, respectivamente, nas regressões 6
e 7.
Como esperado, uma regressão é praticamente o reflexo da outra. Os
resultados são similares aos encontrados na literatura e sugerem que o
crescimento da produtividade industrial está associado ao aumento da produção
desse setor (Tabela 3).
É preciso lembrar que, no período em estudo, a economia gaúcha enfrentou
situações distintas, como as altas taxas de inflação da década de 80 e o processo
de abertura econômica, empreendido mais intensamente ao longo da década de
90. Ainda que as mudanças ocorridas não tenham alterado substancialmente o
perfil da indústria gaúcha, a redução do emprego industrial é evidenciada pelas
pesquisas que tratam do assunto. Marca-se, assim, uma ruptura com o padrão
de crescimento que vigorava até o final da década de 70, quando o crescimento
da produção industrial era acompanhado pelo crescimento do emprego industrial.
Esse movimento estava de acordo com as proposições de Kaldor (1994), uma
vez que o rápido crescimento da demanda agregada proporcionava ao setor
industrial os ganhos de economias de escala e os aumentos da produção, do
emprego e da produtividade do trabalho (Feijó; Carvalho, 1997, p. 261).
Ao longo dos anos 80, a produção industrial, o emprego e a produtividade
mantiveram-se basicamente constantes. Foi a partir dos anos 90 que a
produtividade industrial passou a aumentar. Apesar da redução no nível de
emprego, Carvalho e Feijó (2000, p. 246) apontam que, mesmo sob o novo
padrão industrial, os aumentos da produtividade na indústria brasileira estão
mais associados à variação na produção do que à variação do emprego.
Portanto, verificam-se evidências de que o aumento da produção industrial
levou à expansão da produtividade, mesmo em um período no qual a indústria
teve crescimento econômico reduzido.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 241

Tabela 3

Resultados das regressões para a Segunda Lei de Kaldor aplicadas


para as AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 6 REGRESSÃO 7
α ............................... -2,30 2,29
(1) (-9,06) (1) (10,99)
β ............................. 0,78 0,20
(1) (18,87) (1) (5,53)
R 2 ............................ 0,73 0,19
R 2 ............................ 0,73 0,18
F ............................. 356,06 30,83
n .............................. 134 133
FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda inter-
na municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE,
1986.
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA —
FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto In-
terno Bruto per capita, a preços de mercado,
dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000.
Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em:
<http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da
amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].
IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais:
famílias: migração: instrução: fecundidade: morta-
lidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,
v. 1, t. 4, n. 22).
NOTA: Na regressão da produtividade pelo crescimento da indústria, foram
suprimidas as regiões formadas pelos Municípios de Triunfo e Dona Francisca.
Além dessas duas, na regressão do emprego na indústria pela produção industrial,
também foi retirada a região formada pelo Município de Herval.
(1) Estatísticas t.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


242 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

3.4 O incremento da produção industrial


e o aumento da produtividade nos demais
setores
A terceira Lei de Kaldor considera que a produtividade da economia como
um todo crescerá à medida que a produção industrial aumentar. Isso ocorreria
por força do acréscimo na produtividade da indústria que o crescimento da
produção industrial propicia e, também, porque a transferência de trabalhadores
para esse setor aumenta a produtividade dos remanescentes nos demais setores.
Espera-se, portanto, que a produtividade da economia como um todo esteja
positivamente relacionada com o aumento da produção industrial e negativamente
relacionada com o do emprego nos demais setores.
A Tabela 4 apresenta os resultados para a Terceira Lei de Kaldor segundo a
especificação proposta por Mamgain (1999). Os coeficientes estimados possuem
o sinal esperado e são estatisticamente significativos a 5%. A produtividade
dos demais setores da economia foi relacionada positivamente com o crescimento
da produção industrial e negativamente com o crescimento do emprego fora do
setor manufatureiro.
No entanto, não existem evidências de que a indústria tenha absorvido
mão-de-obra dos demais setores. Ao contrário, há indicações de que é o setor
serviços que tem aumentado sua participação no total de pessoas ocupadas
tanto no Rio Grande do Sul quanto no Brasil. Assim, a validade da Terceira Lei
deve ser recebida com ressalvas, pois não se pode afirmar que a produtividade
dos demais setores tenha aumentado devido ao emprego, na indústria, de recursos
subutilizados nos demais setores. Pode-se apenas considerar a validade da
Terceira Lei como mais um indicativo de que o aumento na produção industrial,
induzido pelo aumento da demanda, torna a economia mais produtiva.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 243

Tabela 4
Resultados da regressão para a Terceira Lei de Kaldor,
na especificação proposta por Mamgain para as
AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00
DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 8
α .................................................................... 0,43
(1) (2,31)
β ................................................................ 0,07
(1) (2,39)
γ ................................................................ -0,50
(1) (-5,59)
R 2 ............................................................... 0,23
R 2 .............................................................. 0,22
F ................................................................ 19,84
n ................................................................ 136
FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda inter-
FONTE DOS DADOS BRUTO na municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE,
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FONTE DOS DADOS BRUTOS: dos da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].
FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais:
FONTE DOS DADOS BRUTOS: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortali-
FONTE DOS DADOS BRUTOS: dade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,
FONTE DOS DADOS BRUTOS: v. 1, t. 4, n. 22).
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Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em:
<http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.
(1) Estatísticas t.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


244 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

4 Considerações finais
O período escolhido para os testes realizados neste trabalho pode ser
considerado como um ponto de inflexão na trajetória da economia brasileira.
Ainda que contenha suas especificidades, a economia gaúcha também
interrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial era
acompanhado pelo aumento no nível de emprego e na produtividade da indústria.
A instabilidade da década de 80 acabou por resultar em estagnação tanto na
produção industrial quanto no nível de emprego. Nos anos 90, houve um aumento
da produtividade, ao mesmo tempo em que o nível de emprego industrial sofreu
redução. Nesse contexto, as leis de Kaldor (1994) foram utilizadas para explicar
a trajetória de crescimento da produção e da produtividade na economia gaúcha.
Os testes para a Primeira Lei apontaram a existência de uma relação entre
os crescimentos da produção industrial e do PIB dos demais setores no período
1980-00. No entanto, separando-se as AMC em dois grupos, de acordo com o
grau de desenvolvimento, percebe-se que a validade da Primeira Lei se restringe
ao grupo formado pelas regiões mais desenvolvidas. Ou seja, a importância da
indústria como “motor” do crescimento econômico dar-se-ia mais intensamente
nas regiões em que o setor industrial já compunha uma parcela relevante de
suas rendas.
A Segunda Lei de Kaldor (1975, p. 891; 1994) põe em evidência o papel
relevante da demanda por produtos industriais no aumento da competitividade e
do próprio crescimento de uma economia. Uma vez verificado que o crescimento
da produção proporciona um acréscimo da produtividade na indústria — o teste
realizado neste trabalho apontou nesse sentido —, abre-se a possibilidade de
um círculo virtuoso de crescimento da produção industrial e, pelos efeitos
descritos na Primeira Lei, do conjunto da economia gaúcha. A questão relevante,
cuja resposta foge ao escopo deste estudo, seria como expandir a demanda
agregada, o que proporcionaria o espalhamento dos efeitos do aumento da
produção industrial para o restante da economia.
Os testes para a Terceira Lei indicaram que o aumento da produção industrial
eleva a produtividade dos demais setores da economia. No entanto, há que se
ter ressalvas quanto à validade, para a economia gaúcha, no período 1980-00,
do argumento original de Kaldor. No período em estudo, o nível de emprego
industrial sofreu redução, e, portanto, não teria sido por aproveitar mão-de-obra
subempregada nos demais setores que se explicaria a validade da Terceira Lei.
Ainda assim, uma vez mais, a relevância do aumento da produção industrial
ficou evidenciada.

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As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 245

Portanto, os testes para as Leis de Kaldor (1994, p. 303) revelaram indícios


de validade das hipóteses, ressaltando a importância do aumento da produção
industrial para o crescimento econômico das AMC do Rio Grande do Sul no
período 1980-00. No entanto, muito ainda deve ser feito, no sentido de elucidar
os determinantes do crescimento econômico dos municípios gaúchos. A nova
série de dados para todos os municípios brasileiros, a partir de 1999, poderá ser
utilizada em estudos posteriores, bem como o mesmo referencial poderá ser
testado para os estados. Por hora, pode-se considerar como desejável o estímulo
à produção industrial, de maneira equilibrada, em todo o território do Rio Grande
do Sul.

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248 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 249

A estrutura produtiva da economia


brasileira na década de 90: o comércio
exterior como uma lente privilegiada
de análise*
Wellington Pereira** Economista pela Universidade Estadual Paulista
(Unesp), Mestre em Desenvolvimento Econômico pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Membro do Grupo
de Estudos em Economia Industrial (Geein) e Analista do
Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE)

Resumo
As transformações por que passou a economia brasileira na última década
tiveram forte destaque nos debates acadêmico e político. Abertura comercial e
financeira, sobrevalorização e desvalorização cambial e estabilização monetária
foram alguns dos diversos fatores que deram impulso às discussões. Os anos
90 foram marcados pela reversão do saldo comercial favorável, após mais de
10 anos de grandes superávits. A partir de 1994, as exportações passaram a
ser muito inferiores às importações, conseqüência e reforço das diversas
alterações na dinâmica, na estrutura e na competitividade do parque produtivo
nacional, mas também de mudanças agressivas na política econômica, com
forte abertura comercial e apreciação cambial. Ancorado nesse contexto, este
trabalho apresenta o comércio exterior como uma lente que possibilita ver as
transformações dos vários segmentos produtivos, no que cabe às fragilidades e
às eficiências do País. Assim, o artigo traz elementos caracterizadores da relação
do comércio exterior com a estrutura produtiva brasileira na década de 90.

* Este artigo apresenta resultados de pesquisa realizada com o apoio financeiro da Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no âmbito do Grupo de Es-
tudos em Economia Industrial (<http://geein.fclar.unesp.br>).
Artigo recebido em 28 mar. 2005 e aceito para publicação em out. 2006.
** O autor agradece a João Furtado, Rogério Gomes, Ionara Costa e Eduardo Strachmann por
colaborações importantes, isentando-os de possíveis equívocos presentes no trabalho.
Registra, também, as contribuições feitas por dois pareceristas anônimos.
E-mail: wdspereira@yahoo.com.br

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


250 Wellington Pereira

Palavras-chave
Comércio exterior; abertura comercial; estrutura produtiva.

Abstract
The transformations on the Brazilian economy in the nineties had strong
prominence on the academic and political scenario. Commercial and financial
opening, both overvaluation and depreciation on the exchange rate and monetary
stabilization were factors that boosted some of the debates. The nineties were
marked by the reversion of the positive trade balance after more than ten years
with surplus. After that 1994, the total value of exports turned out to be lower
than the imports, as consequence and reinforcement of several alterations in
the dynamics, in the structure and in the competitiveness of the national productive
park, in addition to forceful changes in the economic policy with strong trade
opening and valorization of the exchange rate. Settled in this context, this work
presents the foreign trade as an instrument, which enables us to see
transformations on some productive segments as to the country frailties and
efficiency. Thus, this paper raises some possible elements, which demonstrate
the relationship between foreign commerce and the Brazilian productive structure
during the nineties.

Key words
Foreign trade; trade opening; productive structure.

Classificação JEL: F14; F41; L60.

1 Introdução
A vulnerabilidade externa1 da economia brasileira tem sido motivo de grande
polêmica no País, e, no âmbito desse debate, o papel do comércio exterior é

1
Pode-se definir sumariamente a vulnerabilidade externa como um fator indicativo de o quanto
um país pode ser capaz de responder a choques exógenos no que se refere à dependência
de capitais estrangeiros, para o fechamento de seu balanço de pagamentos (com ou sem

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 251

central. O aumento da dependência de capitais externos para fechamento das


contas do balanço de pagamentos e para a manutenção de uma taxa de câmbio
relativamente estável tem contribuído para que a busca por soluções para as
fragilidades macroeconômicas do País passe pelo crescimento do seu superávit
comercial.
O processo de abertura ajudou a intensificar a dependência brasileira de
produtos importados. O cenário macroeconômico da segunda metade da década
de 90, com condições que possibilitaram a apreciação da taxa de câmbio e a
queda expressiva das tarifas nominais de importação,2 auxiliou para que as
compras externas crescessem muito acima das vendas. Esse quadro gerou
crescentes déficits comerciais, os quais se somaram aos já elevados déficits
de serviços, fortalecendo a enorme dependência brasileira por capitais externos.
Primeiramente, este artigo traz, de forma resumida, o acalorado debate
que foi estabelecido, no decorrer dos anos 90, acerca das diversas
transformações por que passou a economia brasileira. A abertura comercial a
partir do final da década de 80 e o processo de estabilização da moeda em 1994
foram as principais bases para as discussões estabelecidas. Muitos consideram
os resultados advindos desses processos como positivos, enquanto outros
apregoam que tais mudanças ocorreram de forma equivocada, trazendo um
aprofundamento das fragilidades produtivas nacionais. Contudo há aqueles que
detêm uma postura mais moderada acerca das conseqüências da política
econômica adotada.
Em seguida, é feito um exame dos fluxos comerciais brasileiros, partindo-
-se do seguinte princípio: o comércio exterior é uma lente que possibilita enxergar
tanto as eficiências como as fragilidades produtivas dos vários setores. Dessa
forma, procura-se realçar os aspectos positivos e negativos da evolução das
exportações e das importações do Brasil nos anos 90. A análise permite observar
a estrutura produtiva de maneira amplificada, pois as compras e as vendas
externas, em certo sentido, são um reflexo e um pedaço importante do “mapa”
expandido da produção. Ao se observar o comércio exterior de um país, visualiza-
-se, concomitantemente, o perfil de sua produção (assim como sua dependência
de importações de insumos e bens finais). Pode-se saber, a partir daí, quais são
as principais atividades em que esse país apresenta maiores (ou menores)

importantes oscilações em sua taxa de câmbio real). Quanto menor for sua independência
para lidar com as alterações dos fluxos de capitais (entrada e saída do país), maior será a
sua vulnerabilidade externa, fazendo com que o país busque divisas através de outras
possíveis formas, entre elas, via aumento das exportações.
2
Ressalva-se que esse processo não foi automático somente via mercado, mas também
resultado das opções adotadas pela política econômica do período.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


252 Wellington Pereira

potencialidades (competitividade), gerando impactos positivos (ou negativos)


nos seus fluxos comerciais com o resto do mundo.

2 A reestruturação produtiva recente e os


reflexos no comércio exterior brasileiro:
uma revisão do debate
A década de 90 foi um período de intensas transformações na economia
brasileira. Um aspecto relevante nesse período coube ao processo de abertura
comercial (e financeira), pautado no quadro internacional de liberalização. Esse
cenário, em grande parte, agiu como uma fonte indutora das mudanças que
vieram alterar o modo de atuação das políticas nacionais nos âmbitos macro e
microeconômico.
O debate acadêmico e dos policy makers desse período discutiu os efeitos
causados pelas diversas mudanças por que passou a economia brasileira,
especialmente a abertura comercial e o processo de estabilização monetária
(Plano Real) com âncora cambial. Nesse contexto, duas visões contrapõem-se
com mais relevância e destaque. Uma visão mais crítica (Coutinho, 1997; Coutinho,
1997a ; Laplane; Sarti, 1997; Laplane; Sarti, 1999; Gonçalves, 2000; Gonçalves,
2001; IEDI, 2000; IEDI, 2000a;) acredita que a abertura e os seus efeitos foram
muito prejudiciais para a economia brasileira, fazendo com que esta última
ocupasse um lugar cada vez mais inferior na hierarquia mundial. A outra corrente
de autores, que defendem uma visão otimista (Moreira; Correa, 1997; Moreira,
1999; Moreira, 1999a; Rossi Júnior; Ferreira, 1999; Pinheiro; Moreira, 2000;
Markwald, 2001), acredita que a abertura comercial e seus efeitos foram muito
benéficos para o País, renovando a inserção brasileira no contexto internacional.
Porém, entre essas duas visões, surge uma intermediária (Castro, 1996;
Barros; Goldenstein, 1997; Barros; Goldenstein, 1997a; Castro, 1999; Miranda;
2001), a qual concorda que, apesar dos possíveis resultados positivos com o
processo de abertura comercial, o País certamente teria, num primeiro momento,
sérios problemas a enfrentar com a apreciação cambial. Entretanto essa
perspectiva discorda dos otimistas, que acreditam nos efeitos benéficos de
uma abertura total da economia ao capital internacional sem nenhuma política
que equilibre os desvios ocasionados, que prejudicam o desempenho da economia
doméstica. A posição moderada (ou intermediária) defende, assim, para um
segundo momento, a elaboração de políticas que abrandem o desempenho
negativo ocorrido no primeiro estágio.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 253

A postura adotada neste trabalho é que as “visões” otimista e crítica não


esgotam por completo a realidade, a qual fornece evidências de apoio a ambas.
Essas visões apresentam importantes contribuições, sem dúvida, mas também
lacunas e eventuais equívocos, principalmente pelo fato de cada uma delas
seguir uma linha única de argumentação, a despeito de fatos óbvios em outra
direção. Contudo nem sempre os portadores de uma postura intermediária
conseguiram conjugar os problemas apontados pelos críticos com as soluções
designadas por otimistas de forma conjunta e equilibrada.
Um ponto adicional deve ser indicado: o peso do aspecto conjuntural das
mudanças das políticas macroeconômicas sobre o debate. Em grande parte, as
controvérsias foram contagiadas pelos humores despertados na época
(principalmente, pós-Plano Real), o que contribuiu para que o cerne das
discussões estabelecidas se restringisse aos fatos do momento, sem uma
reflexão mais apurada das implicações de médio e longo prazos.

2.1 Desenvolvimento e principais pontos


do debate
Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)3
(2000), a abertura, no início dos anos 90, ocorreu de forma abrupta, acarretando
fortes prejuízos à economia brasileira. Foi, sobretudo, a extinção de barreiras
não tarifárias, desde o início da década de 90, que delineou o processo de
abertura (Markwald, 2001). A isso veio se somar, em 1994, a implantação do
Plano Real, que estabilizou a economia via apreciação cambial. As quedas das
tarifas nominais de importação já haviam sido iniciadas no final dos anos 80,
mas foi em 1994-1995 que elas foram fortemente reduzidas, prejudicando
sobremaneira o saldo do balanço de pagamentos (Coutinho, 1997).
Para Coutinho (1997), houve dois resultados bastante desfavoráveis no
processo descrito acima: a desindustrialização de alguns setores e a
desnacionalização de frações da indústria brasileira. O termo desindustrialização
talvez seja inadequado para retratar a reorganização do parque produtivo nacional,
isto porque houve muito mais um processo de reposicionamento (Castro, 1999)
e modernização de empresas de variados setores (Bielchowsky, 1998). Por um
lado, o mercado exigia que as firmas se adequassem a um cenário de
concorrência mais acirrado, fazendo com que elas estabelecessem planos de

3
O IEDI é um órgão privado de estudos sobre a indústria e o desenvolvimento nacionais que
representa cerca de 45 empresários de grandes empresas brasileiras.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


254 Wellington Pereira

focalização de atividades ou mesmo de redução do tamanho das plantas


(downsizing). Por outro lado, a possibilidade de importações mais baratas, graças
ao câmbio apreciado, tornou-se um caminho para que as empresas pudessem,
em uma parte, melhor equiparar seus processos produtivos e, em outra, aproveitar
melhores canais internacionais de fornecimento de insumos/componentes.
Entretanto, para Coutinho (1997) e Laplane e Sarti (1999), a estabilização
obtida através do aumento das importações contribuiu para a fragilização de
partes da indústria nacional e, conseqüentemente, para o desaquecimento de
diversos setores da economia. Assim, de acordo com a visão mais crítica do
processo, a reestruturação produtiva não estaria ensejando um círculo virtuoso
e as bases de um crescimento econômico sustentado, como era aguardado
pelos gestores da política econômica (Laplane; Sarti, 1999).
Já a corrente de postura mais otimista alegou que o novo cenário atuou
positivamente para a renovação da inserção internacional brasileira no contexto
econômico mundial, com maior competitividade e produtividade (Barros;
Goldenstein, 1997; Pinheiro; Moreira, 2000). O caminho mais fácil para uso dos
recursos, ganhos de escala e especialização associados à abertura, passava
inexoravelmente pelo crescimento das importações (Moreira, 1999a). Os
defensores da abertura comercial afirmam que a queda das barreiras comerciais
aumentou o acesso a insumos de melhor qualidade, e o aumento da competição
forçou a indústria nacional a aprimorar seus produtos e seus métodos de produção
(Rossi Jr.; Ferreira, 1999). Além dos sinais positivos nesse sentido, que podem
ser encontrados ao se enfocarem setores ou frações da economia expostas à
abertura (Markwald, 2001), e passada já uma década de seu início, pode-se
ver uma melhora importante também em setores antes protegidos (Markwald;
Puga, 2002).
Um problema de grande importância foi realçado por Castro (1999), ao
tratar do desempenho produtivo no regime caracterizado como de stop and go,
no período pós-fase inicial da estabilização. Com o cenário macroeconomi-
camente travado e as empresas lutando por maiores competitividades, surgia
um fato novo e relevante: a preocupação competitiva das empresas começava
a ganhar caráter endógeno. Segundo Castro (1999), os produtores instalados
localmente estavam mais preocupados em disputar mercado com seus
concorrentes locais do que com as importações. As compras externas, muitas
vezes, eram utilizadas por eles como arma no processo concorrencial.
O lado mais cético do debate considera que os investimentos provenientes
do processo de abertura econômica não contribuíram de forma relevante para o
aumento das exportações brasileiras, mas, sim, na maior parte dos casos, para
a elevação do coeficiente de importação do País (Coutinho, 1997; IEDI, 2000;
Laplane; Sarti, 1997). Para Coutinho (1997), ocorreu uma “especialização

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 255

regressiva” da estrutura produtiva brasileira. A “opção dos investidores


estrangeiros, e consentida pelos gestores de política econômica interna”, não
foi a de investirem em complexos industriais mais sofisticados, com elevada
agregação de valor e maior dinamismo tecnológico, mas, sim, na produção de
produtos de baixo valor agregado e de commodities, provocando, segundo o
autor, um retrocesso local inegável em setores industriais mais intensivos em
tecnologia. Em decorrência disso, o País teria passado a exportar produtos de
baixo valor agregado e com tecnologia relativamente simples e a importar
produtos com maior valor agregado e maior conteúdo tecnológico.
Contudo, para Moreira (1999), a abertura provocou mudanças positivas, e
os aspectos negativos que ainda se apresentam na estrutura econômica do
País são vestígios do antigo sistema de “substituição de importações” da década
de 70. No tocante às empresas estrangeiras que atuam no mercado brasileiro,
há uma forte defesa do argumento de que elas proporcionariam vantagens à
economia local pelo fato de restabelecerem as ligações com o comércio mundial
(Moreira, 1999). Com o reforço proveniente da entrada de outras empresas
estrangeiras, as exportações brasileiras beneficiar-se-iam de facilidades de acesso
à tecnologia. Nesse sentido, os impactos positivos sobre o progresso técnico,
derivado do acesso, a menores custos, a bens de capital de fronteira e dos
maiores incentivos gerados pela concorrência dos importados, parecem ter
garantido, para aquele autor, um saldo claramente positivo em termos de estímulo
ao crescimento econômico (Moreira; Correa, 1997).
Apesar de o crescimento da produtividade média, nos anos 90, dos setores
industriais ter sido maior do que o dos setores agrícolas, Gonçalves (2000)
considera que houve uma “reprimarização”4 do padrão de comércio internacional
brasileiro. Contudo Piccinini e Puga (2001) argumentam que as perdas comerciais
brasileiras, na segunda metade da década de 90, estiveram fortemente marcadas
pela queda das compras mundiais de produtos agrícolas e pelas dificuldades de
financiamento. O comércio exterior brasileiro apresentou uma forte retração em
1998 e 1999, devido ao impacto nos preços dos produtos básicos, que caíram
30% no período 1997-99. A queda na demanda mundial de importantes itens da

4
Houve aumento da competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no cenário internacio-
nal, nos anos 90, com aumento de participação das exportações brasileiras desses produ-
tos em relação ao total. Por outro lado, os produtos manufaturados mostram aumento na
primeira metade da década, mas declínio na outra fase. Assim, para Gonçalves (2000), os
dados indicam a reprimarização da segunda metade dos anos 90, o que parece ser uma
reversão de tendência de longo prazo, isto é, o que se esperava que iria ocorrer — expan-
são superior dos produtos industrializados — não foi verificado. Isso se deve ao fato de que,
entre 1980 e 1998, as taxas de crescimento das exportações de manufaturados e
semimanufaturados foram as mais elevadas.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


256 Wellington Pereira

pauta de exportação brasileira, juntamente com a interrupção dos créditos para


o comércio exterior, adiou os efeitos da depreciação cambial de 1999 para 2000
(Piccinini; Puga, 2001). Além disso, Veiga (2002) considera que há um viés
antiexportador5 na estrutura produtiva brasileira, que dificulta a expansão das
exportações do País. Além disso, a partir da análise do desempenho das cadeias
produtivas na década de 90, Haguenauer et al. (2001) concluíram que os setores
mais competitivos antes da abertura comercial permaneceram sendo os mesmos
ao longo dos anos 90 e, geralmente, estão entre aqueles ligados à disponibilidade
de recursos naturais.
Há um importante fator que é apontado pela literatura relacionada à abertura
comercial (sobretudo pela visão intermediária): a questão dos “dois tempos”.
Num primeiro momento, é necessário que a economia local importe o suficiente
para que possa reestruturar seu parque industrial, o que explicaria os resultados
negativos da balança comercial. Num segundo momento, quando não seria
necessário importar todo tipo de bem, o País poderia chegar até mesmo a uma
situação de exportador de produtos antes importados (Barros; Goldenstein, 1997;
Miranda, 2001).
Muitos dos fatos ocorridos posteriormente ao momento em que esses
escritos foram elaborados derrocaram alguns dos argumentos acima
mencionados, seja de crítica, seja de elogio à abertura. Por um lado, o comércio
de alta tecnologia foi um fator que chamou atenção na década passada. Apesar
de as importações de produtos com elevado conteúdo tecnológico terem crescido,
as exportações desses produtos também apresentaram aumentos significativos
(Furtado et al., 2001; Sarti; Sabattini, 2003; Gomes; Carvalho; Rodrigues, 2004).
Por outro lado, também foram marcantes as importações brasileiras de produtos
com menor valor agregado, nem sempre revelando deficiências ou fragilidades
competitivas setoriais, mas, sim, estratégias dos grandes oligopólios que se
aproveitaram das condições proporcionadas pelo cenário macroeconômico
(Domingues, 1999; Lupatini, 2000).
Os autores que têm uma postura otimista e, em alguns casos, moderada,
em conjunto, procuram mostrar que os caminhos trilhados pela economia brasileira
foram dolorosos, mas necessários. Um dos principais argumentos é que os

5
“A existência de um viés antiexportador decorrente da política comercial pode ser avaliada
pela comparação entre os incentivos à produção para o mercado interno e os que se aplicam
à produção para a exportação: o viés antiexportador existe em uma dada economia quando
os incentivos às vendas domésticas superam os estímulos à exportação. [...] Além da política
comercial e das variáveis a ela associadas tradicionalmente consideradas, ao se avaliar o
viés antiexportador presente em uma economia — a estrutura de proteção e de incenti-
vos —, há um extenso conjunto de outros fatores que podem inibir significativamente a
disposição empresarial para exportar e competir no mercado externo.” (Veiga, 2002, p. 2-3).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 257

impactos imediatos dão respaldo a resultados futuros positivos na economia


brasileira, incluídos aí os investimentos em setores não comercializáveis (infra-
-estrutura por exemplo). A maior diferença entre a visão moderada e a otimista é
que a primeira propõe planos de ação para o médio e o longo prazo, ou seja,
políticas que possam reverter o quadro negativo inicial. Já a segunda visão (de
viés liberalizante) acredita ser necessário deixar o mercado delinear os contornos
e os caminhos a serem seguidos pela economia, pois só assim ela encontraria
o equilíbrio e uma maior competitividade.
Por outro lado, a visão crítica condena os instrumentos utilizados pelos
gestores da política econômica com o objetivo de alcançar a estabilidade de
preços. Ademais, tal corrente adota que, na busca por esse objetivo, a esfera
financeira recebeu, permanentemente, um tratamento diferenciado, em detrimento
da atividade produtiva, que sofreu sérios danos, com fortes impactos sobre o
conjunto da economia brasileira.

3 O comércio exterior do Brasil na década


de 90: uma lente para o exame das trans-
formações do parque produtivo nacional
O padrão de comércio é utilizado neste trabalho como uma lente que permite
enxergar os aspectos intrínsecos à estrutura produtiva de um país. Partindo
desse princípio, esta parte do trabalho tem por objetivo apresentar uma análise
abrangente do comércio exterior brasileiro, das alterações nos fluxos comerciais
e, assim, do padrão produtivo ao longo da década de 90. Em conjunto e
paralelamente ao debate apresentado anteriormente sobre as transformações
recentes da economia brasileira, este item procura mostrar as fragilidades e as
eficiências do comércio exterior brasileiro. Para isso, mapeia os fluxos comerciais
de uma maneira ampla, ou seja, tanto para os setores que têm gerado impactos
negativos sobre a balança comercial brasileira, como para aqueles que vêm
tendo uma boa competitividade internacional.
Além do comportamento da balança comercial, é importante frisar que há
outros elementos que também propiciam condições para a definição de
segmentos produtivos como competitivos ou frágeis e que podem minimizar
resultados obtidos através da análise do comércio internacional somente. Podem
ocorrer situações em que nem sempre os sinais apresentados pelo saldo da
balança de comércio se mostrarão apropriados para a definição de quais
segmentos são, efetivamente, os mais dinâmicos vis-à-vis aos demais.
Problemas advindos de flutuações cambiais tenderão, por exemplo, a alterar o

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


258 Wellington Pereira

quadro de definição do grau de competitividade dos diversos segmentos nas


relações de trocas internacionais.6
A definição de competitividade deve abarcar fatores de ordem empresarial,
estrutural e sistêmica7 (Ferraz; Kupfer; Haguenauer, 1997). No caso dos dois
últimos conjuntos de elementos, as empresas conseguem ter pouco ou nenhum
controle sobre a tomada de decisões. Tal feito pode causar alterações no caráter
dinâmico das relações comerciais de determinados segmentos com o exterior.
Outro indicador que pode aferir a competitividade setorial (ou por produto) é o
índice de vantagem comparativa revelada (VCR). Esse instrumento demonstra
quanta vantagem um país ou uma região detém nas exportações com relação
ao comportamento de outros países ou das exportações mundiais.8

6
Pode ocorrer que um processo de apreciação cambial faça com que setores que vinham
apresentando um bom desempenho no comércio internacional se tornem menos competiti-
vos frente aos seus concorrentes externos. Contudo é importante ressaltar que há muitos
segmentos nos quais o Brasil detém competitividade (por exemplo, os agroindustriais) e que
tendem a continuar a ser assim, apesar de alterações macroeconômicas como a descrita.
Em alguns casos, numa escala menor que a porventura apresentada por outros. Sem dúvi-
da, uma alteração cambial que favoreça as exportações fará com que os dados estatísticos
demonstrem uma margem maior de eficiência em relação ao comportamento a ser apresen-
tado por setores (ou produtos) que não detinham um grau de competitividade prévio, ou
construído ao longo do tempo.
7
Fatores determinantes de competitividade, segundo Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1997),
são de três tipos: empresariais, que se trata daqueles sobre os quais a empresa detém
poder de decisão e controle (inovação, recursos humanos, gestão e produção); estrutu-
rais, que contemplam elementos que vão além da alçada da empresa no processo
concorrencial, de forma que sua capacidade decisória é limitada por influências extramercado,
sejam públicas, sejam privadas, que acabam por impor condições sobre a dinâmica de
concorrência; e sistêmicos, que “[...] são aqueles que constituem externalidades strictu
sensu para a empresa produtiva, sobre os quais a empresa detém escassa ou nenhuma
possibilidade de intervir, constituindo parâmetros do processo decisório” (p. 12). Contem-
plam os fatores sistêmicos elementos de ordem: (a) macroeconômica, (b) político-institucionais,
(c) legais-regulatórios, (d) infra-estruturais, (e) sociais e (f) internacionais.
8
Bela Balassa desenvolveu o primeiro índice VCR em 1965,
onde
VCRi = (Xij/Xi)/(Xwj/Xw)
VCRi = indicador de vantagem comparativa revelada do produto (setor i);
Xij = valor das exportações do país do produto (setor j);
Xi = valor total das exportações do país;
Xwj = valor das exportações mundiais do produto (setor j);
Xw = valor total das exportações mundiais.
Waquil e Barbosa (2001) utilizaram esse índice para observar os impactos das transações
a serem estabelecidas, no âmbito da ALCA, para produtos agrícolas. Maiores detalhes, ver
Balassa (1989).

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 259

Apesar de o exame do comércio exterior num determinado ponto do tempo


trazer uma informação estática, do momento, é importante ressaltar que esses
resultados refletem a tomada de decisões das estratégias competitivas das
firmas. São as empresas que definem a dinâmica e o perfil comercial de um
país. A formação da capacitação industrial ao longo de um determinado período
representa um aspecto de ordem estrutural que se refletirá no grau de
competitividade do comércio setorial. No entanto, a variação de certos fatores
determinantes do comportamento da pauta comercial (reflexos de mudanças de
ordem empresarial, estrutural e sistêmica) pode fazer com que haja alterações
no grau de competitividade internacional de alguns segmentos.

3.1 Procedimentos e conceitos adotados


Na análise realizada, foram utilizados os arquivos contendo os fluxos
comerciais internacionais da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Esses
arquivos são subdivididos por capítulos (conjuntos amplos de produtos), os quais
têm quatro níveis de subdivisão, do nível mais agregado da Nomenclatura Comum
do Mercosul (NCM2) até o mais desagregado, respondendo pelos próprios
produtos (NCM8). O procedimento inicial foi verificar os saldos acumulados de
todos os grupos de produtos contemplados pela Secex (capítulos ou NCM2)
referentes ao período 1994-999. Apesar de a abertura comercial ter-se iniciado
no final da década de 80, foi só a partir de 1994 que houve uma reversão do
saldo comercial positivo do Brasil.
Verificou-se que, de 92 capítulos, 55 foram deficitários, e somente 37,
superavitários, quando acumulados os resultados para todo o período 1994-99.
O déficit acumulado naqueles 55 capítulos foi de US$ 167 bilhões, enquanto o
superávit dos demais 37 capítulos foi de US$ 149 bilhões, resultando em saldo
negativo acumulado de US$ 18 bilhões, no período 1994-99.
Ocorreu um agravamento dos déficits em setores que eram problemáticos10
antes mesmo do processo de abertura comercial (por exemplo, os segmentos
referentes à eletrônica, à metal-mecânica e à química). A maior quantidade de

9
Esse período foi selecionado, devido ao fato de que ele é marcado por um conjunto impor-
tante de mudanças com impactos significativos nos fluxos de comércio exterior e em toda
a economia brasileira: estabilização da moeda via apreciação cambial em 1994 (Plano Real)
e início de um período marcado por fortes déficits e pequenas desvalorizações em 1995 e
1996 e uma outra, muito mais forte, no início de 1999.
10
No sentido de serem possuidores de deficiências, que, muitas vezes, estavam camufladas
por mecanismos restritivos que protegiam parcelas da indústria local da concorrência
estrangeira.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


260 Wellington Pereira

capítulos deficitários poderia não ser um agravamento da situação, se, entre


tais capítulos, não houvesse uma ampla maioria de setores que possuem elevado
valor agregado, ou maior conteúdo tecnológico, em detrimento do comportamento
verificado pelo lado daqueles segmentos nos quais o Brasil é superavitário (Quadro
1). A maior parte desses capítulos refere-se a setores menos intensivos
tecnologicamente ou com menores valores agregados. A exceção mais clara
cabe ao capítulo de aeronaves e aparelhos espaciais, que teve um ótimo
desempenho comercial na década de 90.

Quadro 1

Os 10 capítulos mais superavitários e os 10 mais deficitários


da RVCM2 no Brasil — 1994-99

DEFICITÁRIOS SUPERAVITÁRIOS

Combustíveis minerais (27) Ferro fundido (72)


Máquinas e aparelhos elétricos (85) Minérios (26)
Reatores nucleares, caldeiras e má- Café e chás (09)
quinas (84)
Produtos químicos orgânicos (29) Resíduos e desperdícios da indústria alimentar (23)
Instrumentos e aparelhos de ótica (90) Açúcares e produtos de confeitaria (17)
Cereais (10) Calçados, polainas, etc. (64)
Veículos automóveis (87) Sementes e frutos oleaginosos (12)
Plásticos e suas obras (39) Fumo, etc. (24)
Adubos e fertilizantes (31) Madeira, carvão vegetal e obras de madeira (44)
Produtos farmacêuticos (30) Preparações de produtos hortículas (20)
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.
NOTA: Os números entre parênteses referem-se ao código (a dois dígitos) de cada capítulo.

Dado o cenário acima, procurou-se, inicialmente, confrontar os segmentos


mais competitivos, ou “vencedores”, com aqueles mais deficientes, ou
“perdedores”, na balança comercial brasileira, na década de 90. Para isso, foram
selecionados os 10 capítulos mais superavitários e os 10 mais deficitários, no
período 1994-99. Por último, apresenta-se uma caracterização do comércio exterior
brasileiro por origens e destinos dos fluxos comerciais.
O critério de seleção e corte de, especificamente, 10 capítulos para cada
caso abordado foi ponderado, sobretudo, pelo lado dos segmentos “perdedores”.
Como será possível ver mais adiante, o peso do conjunto de somente 10 capítulos
(no caso dos deficitários) nas importações totais brasileiras foi superior a 60%

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 261

durante todo o período destacado para exame11 (Tabela 4). Pelo lado da
representatividade nas exportações dos “vencedores” (Tabela 2), a participação
percentual alternou-se entre 38,5% e 45,8% — o que não deixou de ser um valor
razoável para análise. E, para que houvesse uma similaridade na quantidade
escolhida de capítulos para cada grupo, optou-se por trabalhar com 10 também
neste último caso — apesar de uma participação relativa inferior a 50% sobre o
total das exportações brasileiras.
A metodologia para a análise das estatísticas comerciais utiliza três
conceitos adotados por Furtado et al. (2001): valores médios, níveis tecnológicos
e blocos de países. O valor médio é definido pela razão entre o valor da transação
em dólares FOB (free on board) e seu peso em quilogramas (Tabela 1). Adota-se
uma hipótese utilizada em numerosos estudos, segundo a qual produtos com
maior conteúdo tecnológico possuem valor médio mais elevado.12
Os três níveis tecnológicos — alta, média e baixa tecnologia — resultam
de um processo composto por duas etapas: (a) a reclassificação dos produtos
na nomenclatura NCM em 12 categorias Commodity Trade Pattern (CTP); (b) o
reagrupamento das categorias anteriores, de acordo com os valores médios das
exportações brasileiras de 1999, em três níveis tecnológicos.
Por fim, os países e as regiões do globo foram agrupados em 10 diferentes
blocos, com o intuito de qualificar e analisar os fluxos de comércio do Brasil
mediante suas origens e destinos: Área de Livre Comércio da América do Norte
(ALCAN); União Européia (UE); Japão e New Industrialized Countries (NICs) —
Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul —; Mercado Comum do Sul
(Mercosul); América Latina e Caribe; restante da Europa; restante da Ásia; África
e Oriente Médio. Os quatro primeiros blocos foram denominados países
desenvolvidos (PD), e os seis últimos, classificados como países em
desenvolvimento (PED), como adotado pela literatura recente.13

11
O ano de 1991 foi uma exceção no período examinado, apresentando uma participação de
40,6%.
12
“Sabe-se, porém, que tal indicador pode, incidentalmente, não representar exatamente o
que se deseja, como nas transações envolvendo produtos cuja escassez — e não a
intensidade tecnológica — torna seus valores médios elevados (pedras e metais precio-
sos, como pérolas, diamantes, ouro e platina, dentre outros). Vale lembrar que, ao longo do
tempo, a difusão e o aprimoramento do processo produtivo tendem a reduzir os valores
médios dos produtos inovadores, freqüentemente de maior conteúdo tecnológico, enquan-
to outros produtos antes inexistentes passam a ser incorporados como inovações mais
recentes.” (Furtado et al., 2001, p. 7-9).
13
Os grupos NICs foram considerados entre os países desenvolvidos, devido ao seu pro-
gresso econômico e às similaridades com o comércio exterior realizado pela UE, pela
ALCAN e pelo Japão.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


262 Wellington Pereira

Tabela 1

Classificação do padrão de comércio de mercadorias e valores médios das exportações


no Brasil — 1999
ABREVIA- VALORES MÉDIOS
CÓDIGOS CATEGORIAS DE PRODUTOS
TURAS (US$)
224 IIP&D Indústrias intensivas em P&D ...................... 7,48
223 FE Fornecedores especializados ...................... 5,65
221 IIT Indústrias intensivas em trabalho ................ 2,13
213 IIRM Indústrias intensivas em recursos minerais 0,76
222 IIE Indústrias intensivas em escala .................. 0,57
110 PPA Produtos primários agrícolas ...................... 0,53
211 IA Indústrias de agroalimentos ......................... 0,35
212 IIORA Indústrias intensivas em outros recursos
agrícolas....................................................... 0,25
214 IIRE Indústrias intensivas em recursos ener-
géticos ......................................................... 0,11
130 PPE Produtos primários energéticos ................... 0,08
120 PPM Produtos primários minerais ........................ 0,02

FONTE: FURTADO, J. et al. Balanço de pagamentos tecnológico e propriedade intelectual. In:


Indicadores de Ciência e Tecnologia e Inovação — 2001. São Paulo: Fapesp,
2002.

Tabela 2

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais superavitários


no comércio global brasileiro — 1989-99
a) valor (US$ bilhões)
FLUXOS
1989 1990 1991 1992 1993
COMERCIAIS
Exportações ........ 15,54 14,25 14,15 14,93 16,05
Importações ........ 0,80 0,78 1,28 0,79 0,70
FLUXOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999
COMERCIAIS
Exportações ........ 18,06 18,88 20,15 22,27 20,80 18,49
Importações ........ 1,02 1,61 1,70 2,15 1,58 1,19

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 263

Tabela 2

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais superavitários


no comércio global brasileiro — 1989-99

b) participação percentual

FLUXOS
1989 1990 1991 1992 1993
COMERCIAIS
Exportações ........ 45,2 45,4 44,8 41,5 41,6
Importações ........ 4,4 3,8 2,6 3,8 2,8
FLUXOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999
COMERCIAIS
Exportações ........ 41,5 40,6 42,2 42,0 40,7 38,5
Importações ........ 3,1 3,2 3,2 3,5 2,6 2,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Tabela 3

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas


importações dos 10 capítulos mais superavitários
no comércio global brasileiro — 1989-99
a) exportações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993


Média tecnologia ............... 84,3 81,4 79,7 83,0 84,6
Baixa tecnologia ................ 15,7 18,6 20,3 17,0 15,4
TOTAL ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999


Média tecnologia ............... 86,2 85,5 85,4 86,3 83,3 84,1
Baixa tecnologia ................ 13,8 14,5 14,6 13,7 16,7 15,9
TOTAL ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


264 Wellington Pereira

Tabela 3

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas


importações dos 10 capítulos mais superavitários
no comércio global brasileiro — 1989-99
b) importações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993


Média tecnologia ............... 49,8 52,1 48,4 63,1 65,2
Baixa tecnologia ................ 50,2 47,9 51,6 36,9 34,8
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999


Média tecnologia ............... 71,3 73,5 77,5 81,0 83,6 73,7
Baixa tecnologia ................ 28,7 26,5 22,5 19,0 16,4 26,3
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100 ,0 100 ,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Tabela 4

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais deficitários


no comércio global brasileiro — 1989-99
a) valor (US$ bilhões)
FLUXOS
COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ............ 8,60 7,27 7,23 9,08 9,95


Importações ............ 11,94 14,45 20,08 14,88 18,21
FLUXOS
COMERCIAIS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ............ 10,99 10,87 11,48 13,78 13,80 12,15


Importações ............ 23,57 33,93 36,71 43,02 40,46 35,54

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 265

Tabela 4

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais deficitários


no comércio global brasileiro — 1989-99

b) participação percentual

FLUXOS
COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ............ 25,0 23,2 22,9 25,2 25,8


Importações ............ 65,4 69,9 40,6 72,4 72,1
FLUXOS
COMERCIAIS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ............ 25,2 23,4 24,0 26,0 27,0 25,3


Importações ............ 71,3 68,1 68,9 69,9 70,3 72,2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Segmentos “vencedores”
Na análise do desempenho do comércio exterior dos segmentos
“vencedores”, foram escolhidos os grupos de produtos que registraram saldo na
balança comercial favorável ao Brasil. Os setores “vencedores” selecionados
são os 10 capítulos mais superavitários no período compreendido entre 1994 e
1999. Esses conjuntos de produtos são aqueles que, destacadamente, têm uma
maior visibilidade em relação às suas eficiências, por serem os mais competitivos
internacionalmente. Há alguns setores que, mesmo antes da abertura comercial,
no início dos anos 90, já eram destaque em termos de desempenho comercial
(por exemplo, os setores de minérios, café e ferro fundido).
Ao se examinarem as participações dos produtos “vencedores” nas
exportações e nas importações brasileiras, verifica-se a forte disparidade que
ocorre entre os fluxos comerciais diversos. Os capítulos selecionados para análise
são amplamente representativos das exportações brasileiras. A diferença
existente entre os fluxos de compras e vendas é bastante elevada, tanto no
começo como no final da década de 90 (Tabela 2). Entretanto, em 1999, a
participação nos fluxos de comércio desses 10 capítulos, tomados de forma
agregada, caiu, em relação a 1989, tanto no total nas exportações (-14,82%)
quanto nas importações (-45,45%), demonstrando uma queda das importações
bastante superior àquela ocorrida nas exportações.
Uma parte desse resultado pode ser explicada pelo aumento e pela
diversificação da gama de produtos exportados e importados. Quando se

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


266 Wellington Pereira

examina a pauta comercial (exportações e importações) de 1989 e 1999, nota-


-se que houve um aumento muito significativo da quantidade e da variedade de
bens comercializados. O forte crescimento das exportações e das importações
brasileiras não ocorreu somente em termos nominais, mas houve também uma
alteração no âmbito qualitativo dos fluxos comerciais.14
Outro fator importante e que deve ser destacado se refere ao efeito do
câmbio no período. Apesar de as exportações e as importações desse conjunto
de segmentos terem crescido com relação a 1989 (cerca de 19% nas vendas e
49% nas compras, em valor), houve uma redução em termos de participação
percentual no comércio global do País. Contudo ocorreu aumento da corrente de
comércio (exportações somadas às importações) para esse conjunto de
mercadorias (em menor proporção do que a ampliação da corrente de comércio
agregada do País), e tudo indica que o efeito câmbio contribuiu para o favorável
estímulo às importações de itens inseridos nesses segmentos.

Gráfico 1
Evolução das exportações e das importações dos 10 capítulos
mais superávitários e da taxa de câmbio
real efetiva no Brasil — 1989-99
(%)
200

170

140

110

80

50

20
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Legenda: Câmbio Exportações Importações

FONTE: Ipeadata.
FONTE: Secex.
NOTA: Os dados têm como base 1999 = 100.

14
Em 1999, houve cerca de 2.000 produtos exportados e 2.500 itens importados que não
tiveram registro na pauta comercial global de 1989.

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 267

No exame das participações dos três níveis tecnológicos nos fluxos


comerciais, pode-se ver que a categoria média tecnologia respondeu pela ampla
maioria das exportações dos 10 capítulos escolhidos para o estudo, e a de
baixo conteúdo tecnológico apresentou participações percentuais que
praticamente não variaram entre 1989 e 1999 (Tabela 3).
Durante toda a década de 90, o peso da categoria média tecnologia
prevaleceu sobre o das demais. O grupo de produtos (no âmbito dos capítulos
selecionados) que define a baixa tecnologia respondeu por cerca de 50% do
fluxo de importações em 1989, mas teve seu percentual reduzido à metade em
1999. No entanto, foi somente a partir de 1994 que a média tecnologia ultrapassou
a casa dos 70%, chegando no final do período destacado com quase três quartos
do total das importações efetuadas pelo conjunto dos 10 capítulos.
A liberalização comercial, somada à apreciação cambial, ocorrida a partir
de 1994, parece ter criado incentivos para que as empresas expandissem suas
importações de produtos que, porventura, apresentassem melhores condições
de compra no exterior. Esse deve ter sido o caso das importações de produtos
de média tecnologia, que cresceram em detrimento das importações dos de
baixa tecnologia.

Segmentos “perdedores”
Dentre os 10 segmentos mais deficitários selecionados, há casos nos quais
o País tem gargalos na cadeia produtiva. A ampla maioria dos capítulos
contemplados nesse conjunto de deficitários diz respeito a segmentos que detêm
alto valor agregado, ou seja, correspondem a produtos que incorporam um maior
grau de industrialização, e boa parte deles responde por elevados valores médios
(indicativos de alto conteúdo tecnológico) e de participação nas importações
totais do País.
As importações dos 10 capítulos mais deficitários vinham crescendo antes
mesmo de 1994-95, mas foi a partir daí que o boom se tornou evidente. A
implantação do Plano Real e, concomitantemente, a apreciação cambial criaram
um ambiente, um momento, propício para que os diversos setores aproveitassem
as vantagens que o quadro macroeconômico oferecia.
Nem sempre o crescimento das importações é sinônimo de reestruturação
produtiva ou de elevação da demanda de insumos produtivos, mas, por vezes,
trata-se apenas de aquisição de bens de consumo duráveis. Exemplo disso foi
o surto de importações referentes ao capítulo 87 (veículos automóveis), em
1994 e 1995, o que levou o Governo a restringir as compras externas.

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268 Wellington Pereira

Os dados da Tabela 4 atestam que a participação dos 10 segmentos mais


deficitários nas importações brasileiras foi fortemente elevada no decorrer dos
anos 90. A participação desses conjuntos de produtos no total das exportações
foi bem menor que a verificada para as importações. Ainda que tenha ocorrido
alguma oscilação pelo lado da participação das compras do exterior (de 65,4%
para 72,2%), isso não alterou significativamente a participação das vendas
externas no total — ao redor de 25%.
Enquanto as exportações desses produtos cresceram 41,28% entre 1989
e 1999, as importações responderam por um aumento avassalador de 197,65%
no mesmo período, ou de 260,3%, se se tomar o ano de pico (1997). Entre 1995
e 1999, as importações dos 10 capítulos mais deficitários corresponderam ao
valor equivalente a três vezes as suas exportações.
A análise por nível tecnológico dos fluxos comerciais desses capítulos
revelou que as categorias de alta e média tecnologia detiveram a maior parcela
das vendas externas, oscilando em níveis acima de 90% no decorrer do período
examinado (Tabela 5).

Tabela 5

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações


dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99
a) exportações
NÍVEIS
TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Alta tecnologia ............... 39,3 43,0 45,7 39,7 41,7


Média tecnologia ............ 50,8 47,6 48,3 53,9 51,8
Baixa tecnologia ............ 9,9 9,4 6,0 6,4 6,5
TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
NÍVEIS
TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Alta tecnologia ............... 42,9 46,2 46,0 43,4 41,6 46,5


Média tecnologia ............ 49,9 50,0 50,3 54,3 55,9 50,2
Baixa tecnologia ............ 7,2 3,8 3,7 2,3 2,6 3,3
TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 269

Tabela 5

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações


dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99

b) importações
NÍVEIS
TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Alta tecnologia ............... 37,8 38,9 26,4 37,6 37,0


Média tecnologia ............ 25,1 24,0 25,3 29,7 35,2
Baixa tecnologia ............ 37,1 37,1 48,3 32,7 27,9
TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
NÍVEIS
TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Alta tecnologia ............... 42,0 43,1 45,9 48,7 49,8 54,0


Média tecnologia ............ 37,8 40,5 35,3 34,9 37,5 30,2
Baixa tecnologia ............ 20,2 16,4 18,8 16,4 12,7 15,8
TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Já no caso das importações, os segmentos de alta tecnologia predominaram


em relação aos das demais categorias. Além disso, esse nível tecnológico teve
sua participação elevada no decorrer dos anos 90, em detrimento dos produtos
de baixa e média tecnologia. No caso desta última categoria, verifica-se uma
maior oscilação em suas participações relativas, com quedas alternadas por
crescimentos. Tal efeito não foi registrado para os produtos de baixa tecnologia,
que apresentaram uma tendência mais definida de queda de seu peso percentual.15
O conjunto de dados dá indícios de uma elevação da dependência tecnológica
do País por produtos mais sofisticados.

15
A queda de participação percentual da categoria baixa tecnologia, em grande medida,
ocorreu devido à queda da dependência de produtos primários energéticos (petróleo), que
se reduziu ao longo da década de 90.

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270 Wellington Pereira

3.2 Comércio exterior brasileiro segundo origem


e destino dos fluxos
O exame dos valores médios dos fluxos comerciais brasileiros totais
corrobora o pressuposto básico de que as importações apresentam valores
médios superiores aos das exportações e reflete o fato de que o Brasil ainda
depende, sobretudo, dos países mais desenvolvidos, para adquirir produtos com
maior conteúdo tecnológico (mais dinâmicos em termos de crescimento de
mercado e de novos avanços tecnológicos).
O comportamento dos valores médios do comércio realizado com os blocos
econômicos União Européia, Área de Livre Comércio da América do Norte e
Mercosul é representativo para o estabelecimento de três tipos de comportamento
(Tabela 6):
a) os valores médios de exportação para a União Européia foram (em todo
o período) bem menores que os de importação;
b) os valores médios das exportações para o Mercosul foram superiores
aos de importação (com exceção dos três anos iniciais da série16);
c) na comparação dos valores médios das exportações com os
apresentados pelas importações da ALCAN, verificou-se uma alteração
de comportamento, uma vez que o valor médio das vendas externas
crescia até meados dos anos 90, contudo, a partir de 1992 e, mais
fortemente, de 1994, começou a apresentar quedas, conduzindo a
valores próximos daqueles verificados no início da série. Em outras
palavras, a maior integração internacional do País com esse bloco não
foi acompanhada por um aprofundamento da densidade tecnológica de
suas vendas externas.17
Já a alteração do comportamento dos valores médios dos fluxos de
importações brasileiras provenientes da ALCAN pode ser explicada,
simultaneamente, a partir das perspectivas macro e microeconômica. Assim, o
processo de abertura comercial iniciado a partir de 1990 e amplamente fortalecido
com a apreciação cambial e a implantação do programa de estabilização da
moeda (Plano Real) criou um ambiente propício — macroeconomicamente —
para que as empresas aumentassem suas compras externas.18 Dessa forma,

16
Registra-se o fato de que, nesse período, o processo de liberalização ainda estava num
estágio inicial e havia uma recessão econômica pronunciada no País.
17
Considera-se, mais uma vez, a relação positiva entre maiores valores médios com maior
conteúdo tecnológico dos produtos. Ver nota de rodapé 12.
18
Verifique-se a evolução da taxa de câmbio real entre 1989 e 1999 no Gráfico 1. Podem-se
observar, assim, o período de maior apreciação e, posteriormente, o crescimento da taxa

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 271

deu-se um impulso — microeconômico — ao ambiente empresarial brasileiro


(muitas vezes, fortemente conectado, via relações intrafirma, principalmente,
ao pólo econômico norte-americano) no sentido de esse usufruir dos mecanismos
facilitadores das exportações advindas dos EUA, favorecendo, assim, além da
aquisição de bens de consumo, um miniciclo de modernização, por meio da
compra de bens de capital e/ou da entrada de novas tecnologias estadunidenses.19
Esse comportamento foi reforçado pelo apresentado pela União Européia nas
suas vendas para o Brasil.

Tabela 6

Valores médios, por origem e destino, do comércio exterior brasileiro — 1989-99


a) exportações
(US$/kg)
BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993
União Européia .................. 0,18 0,15 0,15 0,16 0,17
ALCAN .............................. 0,43 0,41 0,48 0,58 0,57
Mercosul ........................... 0,21 0,24 0,36 0,61 0,58
América Latina e Caribe .... 0,39 0,37 0,34 0,51 0,64
NICs .................................. 0,14 0,12 0,12 0,12 0,12
Restante da Europa .......... 0,14 0,14 0,13 0,18 0,19
Restante da Ásia ............... 0,21 0,17 0,14 0,15 0,16
África .................................. 0,27 0,27 0,25 0,27 0,24
Japão ................................ 0,09 0,08 0,08 0,08 0,08
Oriente Médio ..................... 0,26 0,23 0,20 0,21 0,18
Total .................................. 0,21 0,19 0,18 0,21 0,23

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999


União Européia .................. 0,18 0,18 0,18 0,18 0,17 0,17
ALCAN .............................. 0,55 0,46 0,41 0,44 0,44 0,44
Mercosul ........................... 0,58 0,59 0,64 0,75 0,78 0,68
América Latina e Caribe .... 0,61 0,73 0,66 0,84 0,69 0,56
NICs .................................. 0,16 0,16 0,14 0,15 0,11 0,12
Restante da Europa .......... 0,24 0,22 0,21 0,20 0,12 0,13
Restante da Ásia ............... 0,17 0,18 0,17 0,15 0,12 0,10
África ................................. 0,28 0,24 0,24 0,23 0,23 0,18
Japão ................................ 0,10 0,12 0,11 0,11 0,07 0,08
Oriente Médio .................... 0,16 0,17 0,17 0,16 0,20 0,17
Total .................................. 0,25 0,24 0,24 0,25 0,22 0,21

de câmbio real, apontando o processo de desvalorização, com efeitos sobre a evolução


das exportações e das importações.
19
O trabalho de Bielchowsky (1998) contribui para essa contextualização.

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272 Wellington Pereira

Tabela 6

Valores médios, por origem e destino, do comércio exterior brasileiro — 1989-99


b) importações
(US$/kg)
BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993
União Européia ................ 0,98 1,35 1,04 1,47 1,47
ALCAN ............................. 0,37 0,47 0,24 0,38 0,43
Mercosul ........................... 0,51 0,44 0,33 0,33 0,26
América Latina e Caribe ... 0,33 0,26 0,18 0,23 0,25
NICs ................................. 2,40 3,25 2,66 3,39 8,38
Restante da Europa ......... 0,31 0,28 0,17 0,28 0,31
Restante da Ásia .............. 0,14 0,14 0,17 0,16 0,26
África ................................ 0,11 0,11 0,10 0,12 0,15
Japão ............................... 2,13 3,04 0,68 1,36 3,48
Oriente Médio ................... 0,09 0,09 0,09 0,09 0,09
Total ................................. 0,27 0,26 0,20 0,28 0,33

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999


União Européia ................ 1,90 1,98 1,97 1,99 2,38 2,62
ALCAN ............................. 0,53 0,61 0,73 0,78 0,85 0,85
Mercosul ........................... 0,29 0,33 0,37 0,37 0,44 0,38
América Latina e Caribe ... 0,23 0,24 0,21 0,21 0,23 0,22
NICs ................................. 3,56 5,49 6,27 4,78 2,76 4,13
Restante da Europa ......... 0,32 0,38 0,47 0,47 0,61 0,44
Restante da Ásia .............. 0,32 0,46 0,49 0,53 0,45 0,30
África ................................ 0,15 0,18 0,14 0,13 0,13 0,15
Japão ............................... 3,70 3,83 3,07 4,16 4,64 4,70
Oriente Médio ................... 0,09 0,10 0,10 0,11 0,12 0,13
Total ................................. 0,40 0,51 0,50 0,53 0,62 0,55

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Os demais grupos de países acabaram por se encaixar em um ou outro


dos casos citados acima. Destarte, é interessante frisar que todos os blocos
que agregam países desenvolvidos seguiram a tendência de evolução dos valores
médios registrados para a UE. Inserem-se nesse caso os países integrantes
dos blocos restante da Ásia e restante da Europa. Já os países em
desenvolvimento, tais como os do Oriente Médio, da África e da América Latina
e Caribe, seguiram a linha apresentada pelo comércio realizado entre Brasil e
Mercosul.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 273

A soma das participações desses três blocos mais importantes (União


Européia, ALCAN e Mercosul) destaca-se vis-à-vis à dos demais no decorrer de
toda a década. Assim, tanto nas importações como nas exportações, a União
Européia, a ALCAN e o Mercosul tiveram um amplo destaque, com a liderança
na participação relativa alternando-se entre a UE e ALCAN, por diferenças
pequenas, durante todo o período selecionado (Tabela 7).

Tabela 7

Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior
global brasileiro — 1989-99
a) exportações

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia ................. 32,0 32,5 32,2 30,3 26,5


ALCAN .............................. 27,9 27,4 23,7 23,5 24,1
Mercosul ........................... 4,0 4,2 7,3 11,4 14,0
América Latina e Caribe ... 6,8 6,5 7,6 8,5 9,2
NICs .................................. 4,3 4,8 5,7 4,6 4,5
Restante da Europa .......... 3,5 3,3 2,4 2,0 2,1
Restante da Ásia .............. 8,1 7,2 6,4 6,7 7,7
África ................................ 2,8 3,2 3,3 3,1 2,9
Japão ................................ 7,1 7,5 8,1 6,4 6,0
Oriente Médio ................... 3,5 3,4 3,5 3,6 3,2
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia ................. 28,0 27,8 26,9 27,4 28,8 28,5


ALCAN .............................. 23,9 20,7 21,7 20,2 22,1 25,6
Mercosul ........................... 13,6 13,2 15,3 17,1 17,4 14,1
América Latina e Caribe ... 8,7 9,1 8,0 9,4 9,0 8,0
NICs .................................. 4,0 4,2 4,2 3,6 2,8 3,4
Restante da Europa .......... 2,2 2,6 3,0 2,4 2,5 2,3
Restante da Ásia .............. 8,2 9,6 8,5 8,6 6,7 7,6
África ................................ 3,1 3,4 3,2 2,9 3,2 2,8
Japão ................................ 5,9 6,7 6,4 5,8 4,3 4,6
Oriente Médio ................... 2,5 2,8 2,8 2,8 3,2 3,1
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


274 Wellington Pereira

Tabela 7

Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior
global brasileiro — 1989-99
b) importações

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia ................. 22,8 22,8 19,5 24,0 23,5


ALCAN .............................. 24,8 24,1 23,9 28,0 24,1
Mercosul ........................... 12,0 11,2 11,7 11,0 13,4
América Latina e Caribe ... 6,6 6,8 9,4 7,2 5,3
NICs .................................. 1,5 1,4 1,4 2,1 4,1
Restante da Europa .......... 4,6 3,9 3,6 3,5 3,3
Restante da Ásia .............. 1,5 1,9 2,8 2,5 5,2
África ................................. 2,9 2,8 5,5 2,5 4,6
Japão ................................ 6,6 6,1 4,3 5,6 7,6
Oriente Médio ................... 16,8 19,1 17,9 13,7 9,0
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia ................. 27,1 27,9 26,5 26,6 29,2 30,5


ALCAN .............................. 23,7 24,8 26,1 27,3 27,3 27,0
Mercosul ........................... 13,9 13,9 15,5 15,8 16,4 13,7
América Latina e Caribe ... 5,3 5,5 5,1 4,7 3,9 4,8
NICs .................................. 4,6 5,8 4,9 4,7 4,1 4,2
Restante da Europa .......... 3,1 3,1 2,8 2,7 2,9 2,7
Restante da Ásia .............. 5,4 5,9 6,5 5,7 5,3 5,1
África ................................. 3,2 2,4 3,2 3,4 3,2 4,5
Japão ................................ 7,3 6,7 5,2 5,9 5,7 5,2
Oriente Médio ................... 6,4 4,1 4,2 3,2 2,2 2,2
TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 275

Entre 1989 e 1992, o Oriente Médio manteve-se na frente do Mercosul, no


que tange ao seu peso nas importações locais. Porém essa relação foi fortemente
revertida em favor do Mercosul, no decorrer dos demais anos, sobretudo pela
queda da participação das importações (em grande medida, petróleo) do Oriente
Médio. Deve-se destacar que esse bloco passou efetivamente a existir com
regras comerciais diferenciadas entre os países integrantes somente a partir de
1995, o que também teve influência em seu ganho de participação.
Ao se desagregarem as exportações do Brasil para cada bloco econômico,
segundo o conteúdo tecnológico e referente aos anos de 1989 e 1999, pode-se
ver, por um lado, que os bens com média tecnologia detiveram as maiores
participações percentuais para as várias regiões, a despeito de a participação
dos de alta tecnologia ter evoluído positivamente para todos os grupos de países,
com exceção da África e do Oriente Médio. Por outro lado, ao se analisarem
separadamente as importações, torna-se claro que a categoria alta tecnologia,
além de ser a principal para a maior parte dos grupos de países e para os mais
importantes, ganhou também participação em todos esses grupos, mas
principalmente no dos países mais desenvolvidos (Tabela 8).

Tabela 8

Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos
comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999

EXPORTAÇÕES

BLOCOS ECONÔMICOS Alta Média Baixa


Tecnologia Tecnologia Tecnologia

1989 1999 1989 1999 1989 1999


União Européia ..................... 8,3 11,6 81,5 78,6 10,1 9,9
ALCAN ................................. 22,9 27,6 66,7 67,1 10,4 5,4
Mercosul ............................... 18,1 24,0 68,3 72,7 13,7 3,3
América Latina e Caribe ....... 19,7 29,8 73,6 65,1 6,7 5,1
NICs ..................................... 6,3 7,7 82,5 80,0 11,2 12,3
Restante da Europa ............. 4,1 12,2 85,2 70,0 10,7 17,8
Restante da Ásia .................. 4,3 4,6 78,8 63,6 16,8 31,8
África .................................... 14,3 9,0 77,1 81,3 8,6 9,8
Japão .................................... 2,0 2,3 74,5 76,2 23,5 21,5
Oriente Médio ....................... 12,2 2,1 81,5 88,3 6,3 9,6
TOTAL ................................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
(continua)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


276 Wellington Pereira

Tabela 8

Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos
comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999

IMPORTAÇÕES

BLOCOS ECONÔMICOS Alta Média Baixa


Tecnologia Tecnologia Tecnologia

1989 1999 1989 1999 1989 1999


União Européia ..................... 45,1 58,0 51,3 38,6 3,6 3,4
ALCAN ................................. 46,1 57,5 39,8 35,7 14,1 6,8
Mercosul ............................... 9,6 10,5 87,9 77,2 2,6 12,4
América Latina e Caribe ....... 6,0 6,6 53,1 37,6 40,9 55,8
NICs ..................................... 43,6 54,0 56,0 43,8 0,4 2,2
Restante da Europa ............. 34,3 43,6 50,9 43,3 14,8 13,1
Restante da Ásia .................. 6,3 34,5 39,5 45,7 54,2 19,9
África .................................... 0,4 0,6 16,2 15,6 83,4 83,9
Japão .................................... 61,2 60,3 35,5 38,8 3,3 0,9
Oriente Médio ....................... 0,3 4,4 1,0 8,3 98,8 87,3
TOTAL ................................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

A evolução positiva da participação do nível de alta tecnologia nas


exportações simboliza avanços no que tange às relações comerciais do País.
Entretanto esses pesos ainda são baixos relativamente aos fluxos de média
tecnologia.
Na análise das compras externas brasileiras, os valores médios referentes
à categoria de alta tecnologia fornecem um indício: o fortalecimento da
dependência do País de produtos com maior conteúdo tecnológico enviados
pelos mais desenvolvidos.
Entretanto a evolução positiva das exportações de alta tecnologia para
praticamente todos os blocos econômicos, sobretudo os formados por países
desenvolvidos, permite sugerir que há um elemento contrário, em parte, à hipótese
de especialização regressiva de Coutinho (1997). Essa hipótese sugere que os
investimentos diretos estrangeiros se concentram na produção de produtos de
baixo conteúdo tecnológico, em commodities. Em decorrência, o País tornar-se-
-ia, crescentemente, exportador de produtos de baixo valor agregado e importador
de produtos com maior conteúdo tecnológico (maior valor agregado), não havendo
previsão de mudanças dessa situação no futuro (Coutinho, 1997).
Contudo o volume nominal das exportações da categoria alta tecnologia
continua a ser inferior ao das importações (Furtado et al., 2001; Gomes; Carvalho;

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 277

Rodrigues, 2004). Isso não deixa de ser um fator que pode contestar a posição
dos autores otimistas, ao apontarem que os impactos negativos iniciais, em
termos de comércio exterior, seriam fortemente compensados posteriormente,
tanto no âmbito da produção interna como no da geração de impactos positivos
(qualitativo e quantitativo) sobre as contas externas do País. Registra-se que a
reversão dos saldos negativos da balança comercial brasileira se deu somente
após o término da década de 90, em 2001. Resposta tardia aos efeitos gerados
pela desvalorização em 1999.
Além disso, os anos 90 foram marcados pelo forte aumento do déficit,
principalmente para aqueles blocos econômicos em que a participação de
produtos de alta tecnologia nas compras externas brasileiras é elevada (como
UE, ALCAN, NICs e Japão).

4 Considerações finais
O objetivo principal deste trabalho é retratar o desempenho do comércio
exterior brasileiro nos anos 90 e apresentá-lo como uma ferramenta (lente) capaz
de indicar aspectos tanto das fragilidades quanto das eficiências produtivas
setoriais. O comportamento dos resultados obtidos através da balança comercial
sofre influências de vários fatores, que refletem questões de competitividade
setorial por exemplo. É nesse sentido que o retrato dos fluxos comerciais
apresenta, num certo momento, os efeitos da competitividade formada ao longo
do tempo pelas empresas, cuja demonstração será refletida através do comércio
que realizam com o restante do mundo.
A deficiência estrutural da balança comercial do Brasil em diversos setores
nos quais há ainda certo grau de ineficiência, ou mesmo incapacidade produtiva,
foi agravada a partir da segunda metade da década de 90. Os crescentes saldos
negativos em conta corrente, agravados também pelo aumento expressivo das
importações de bens e serviços, foram um dos fatores que aumentaram
sobremaneira a vulnerabilidade externa brasileira no período.
Não obstante terem sido conquistados superávits comerciais nos anos
recentes, esse fato não indica que as restrições que afetam o parque produtivo
nacional já foram superadas com vigor. Existem setores na economia brasileira
que têm sido, estruturalmente, deficitários. E foram esses segmentos que impul-
sionaram, sobremaneira, as importações no período abordado no trabalho, no
contexto favorável de abertura proporcionado pelo câmbio apreciado. Esse cenário
começou a ter condições de ser alterado a partir de 1999, com a desvalorização
cambial.

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278 Wellington Pereira

As mudanças ocorridas na última década geraram diversas alterações na


pauta comercial brasileira, algumas positivas, outras negativas. Ao mesmo tempo
em que se passou a exportar uma quantidade maior de produtos com elevado
conteúdo tecnológico, também aumentaram as importações desses itens, mas
numa velocidade muito superior à das exportações.
Pela análise da evolução dos valores médios, pode-se considerar que há
muitos fatores negativos a serem superados no que cabe às relações comerciais
do Brasil com o mundo desenvolvido ou tecnologicamente mais avançado. Os
dados estatísticos mostram a necessidade de um avanço tecnológico do comércio
exterior brasileiro para uma reversão desse quadro desfavorável. Apesar dos
efeitos positivos que as exportações de commodities ou de produtos agroindus-
triais possam gerar para o desempenho da balança comercial brasileira, na grande
maioria das vezes o desempenho da economia agroexportadora está
condicionado aos desmandos de grandes pólos consumidores (demanda) e do
desempenho instável de seus preços relativos (oferta). Não só é importante
para o País ser dinâmico nos fluxos comerciais da agroindústria, como também
melhorar seu desempenho em âmbito mundial, com crescentes agregações de
valor. Contudo uma atenção especial ao desempenho produtivo de setores mais
frágeis, mesmo com vistas a um incremento exportador, pode ser importante
para uma alteração da inserção nacional na rede da dinâmica produtiva
internacional. Para tanto, é preciso atenção especial, por parte do interesse
privado e público, em relação às deficiências estruturais que agravam as relações
de troca do País.
Apesar das diversas deficiências, o parque produtivo do País conta com
uma gama de setores competitivos internacionalmente e de outros que têm
capacidade para se tornarem mais dinâmicos, o que demonstra o conjunto e a
complexidade da estrutura produtiva brasileira. Porém, muitas vezes, o grau das
fragilidades de segmentos mais “fracos” tende a superar os ganhos advindos
daqueles que são mais “fortes”. Assim, o uso de instrumentos que possam
contornar eficientemente esses problemas pode gerar ganhos positivos para a
indústria nacional e para o dinamismo das exportações brasileiras.

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 279

Anexo
Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos
da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS


1 Animais vivos MTec
2 Carnes e miudezas comestíveis MTec
3 Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos MTec
4 Leite e laticínios; ovos de aves; mel natural; produtos comestí-
veis de origem animal, não especificados nem compreendidos
em outros capítulos MTec
5 Outros produtos de origem animal não especificados nem com-
preendidos em outros capítulos MTec
6 Plantas vivas e produtos de floricultura MTec
7 Produtos hortículas, plantas, raízes e tubérculos comestíveis MTec
8 Frutas; cascas de cítricos e de melões MTec
9 Café, chá, mate e especiarias MTec
10 Cereais MTec
11 Produtos da indústria de moagem; malte; amidos e féculas; inu-
lina; glúten de trigo MTec
12 Sementes e frutos oleaginosos; grãos, sementes e frutos diver-
sos; plantas industriais ou medicinais; palha e forragens MTec
13 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais MTec
14 Matérias para entrançar e outros produtos de origem vegetal
não especificados nem compreendidos em outros capítulos MTec
15 Gorduras e óleos animais ou vegetais; produtos da sua disso-
ciação; gorduras alimentares elaboradas; ceras de origem ani-
mal ou vegetal MTec
16 Preparações de carne, de peixes ou de crustáceos, de molus-
cos ou de outros invertebrados aquáticos MTec
17 Açúcares e produtos de confeitaria MTec
18 Cacau e suas preparações MTec
19 Preparações à base de cereais, farinhas, amidos, féculas ou de
leite; produtos de pastelaria MTec
20 Preparações de produtos hortícolas, de frutas ou de outras par-
tes de plantas MTec
21 Preparações alimentícias diversas MTec
22 Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres MTec
23 Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos
preparados para animais MTec
24 Fumo (tabaco) e seus sucedâneos manufaturados MTec
25 Sal; enxofre; terras e pedras; gesso, cal e cimento MTec
BTec
(continua)

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280 Wellington Pereira

Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos


da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS


26 Minérios, escórias e cinzas BTec
27 Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua desti-
lação; matérias betuminosas; ceras minerais BTec
28 Produtos químicos inorgânicos; compostos inorgânicos ou MTec
orgânicos BTec
29 Produtos químicos orgânicos ATec
MTec
30 Produtos farmacêuticos ATec
31 Adubos ou fertilizantes MTec
Btec
32 Extratos tanantes e tintoriais; taninos e seus derivados; pig-
mentos e outras matérias corantes; tintas e vernizes; másti- ATec
ques; tintas de escrever MTec
33 Óleos essenciais e resinóides; produtos de perfumaria ou de
toucador preparados e preparações cosméticas ATec
34 Sabões, agentes orgânicos de superfície, preparações para la-
vagem, preparações lubrificantes, ceras artificiais, ceras prepa- ATec
radas, produtos de conservação e limpeza, velas e artigos se- MTec
melhantes, massas ou pastas para modelar, ceras para dentis- Btec
tas e composições para dentistas à base de gesso
35 Matérias albuminóides; produtos à base de amidos ou de fécu-
las modificados; colas; enzimas MTec
36 Pólvoras e explosivos; artigos de pirotecnia; fósforos; ligas pi- ATec
rofóricas; matérias inflamáveis MTec
37 Produtos para fotografia e cinematografia ATec
MTec
38 Produtos diversos das indústrias químicas ATec
MTec
39 Plásticos e suas obras MTec
40 Borracha e suas obras MTec
41 Peles, exceto a peleteria (peles com pêlo), e couros MTec
42 Obras de couro; artigos de correeiro ou de seleiro; artigos MTec
43 Peleteria (peles com pêlo) e suas obras; peleteria (peles com
pêlo) artificial MTec
44 Madeira, carvão vegetal e obras de madeira MTec
45 Cortiça e suas obras MTec
46 Obras de espartaria ou de cestaria MTec
47 Pastas de madeira ou de outras matérias fibrosas celulósica MTec
48 Papel e cartão; obras de pasta de celulose, de papel ou de
cartão MTec
(continua)

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 281

Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos


da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS


49 Livros, jornais, gravuras e outros produtos das indústrias MTec
50 Seda MTec
51 Lã e pêlos finos ou grosseiros; fios e tecidos de crina MTec
52 Algodão MTec
53 Outras fibras têxteis vegetais; fios de papel e tecido de fios de
papel MTec
54 Filamentos sintéticos ou artificiais MTec
55 Fibras sintéticas ou artificiais descontínuas MTec
56 Pastas (ouates), feltros e falsos tecidos; fios especiais MTec
57 Tapetes e outros revestimentos para pavimentos, de matérias
têxteis MTec
58 Tecidos especiais; tecidos tufados; rendas; tapeçarias; passa-
manarias; bordados MTec
59 Tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados;
artigos para usos técnicos de matérias têxteis MTec
60 Tecidos de malha MTec
61 Vestuário e seus acessórios, de malha MTec
62 Vestuário e seus acessórios, exceto de malha MTec
63 Outros artefatos têxteis confeccionados; sortidos; artefatos de
matérias têxteis, calçados, chapéus e artefatos de uso seme-
lhante, usados; trapos MTec
64 Calçados, polainas e artefatos semelhantes e suas partes MTec
65 Chapéus e artefatos de uso semelhante e suas partes MTec
66 Guarda-chuvas, sombrinhas, guarda-sóis, bengalas, bengalas-
-assentos, chicotes e suas partes MTec
67 Penas e penugem preparadas e suas obras; flores artificiais;
obras de cabelo MTec
68 Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica ou de matérias
semelhantes MTec
69 Produtos cerâmicos MTec
70 Vidro e suas obras MTec
71 Pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas ou semipre-
MTec
ciosas e semelhantes, metais preciosos, metais folheados ou
chapeados de metais preciosos e suas obras; bijuterias; moe- Btec
das
72 Ferro fundido, ferro e aço MTec
73 Obras de ferro fundido, ferro ou aço MTec
74 Cobre e suas obras MTec
75 Níquel e suas obras MTec
BTec
(continua)

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282 Wellington Pereira

Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos


da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS


76 Alumínio e suas obras MTec
78 Chumbo e suas obras MTec
79 Zinco e suas obras MTec
80 Estanho e suas obras MTec
81 Outros metais comuns; ceramais (cermets); obras dessas ma-
térias MTec
82 Ferramentas, artefatos de cutelaria e talheres e suas partes MTec
83 Obras diversas de metais comuns MTec
84 Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instru- ATec
mentos mecânicos e suas partes MTec
85 Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, e suas partes; ATec
aparelhos de gravação ou de reprodução de som, aparelhos
de gravação ou de reprodução de imagens e de som em tele- MTec
visão e suas partes e acessórios
86 Veículos e material para vias férreas ou semelhantes ATec
MTec
87 Veículos e material para vias férreas ou semelhantes e suas MTec
partes; aparelhos mecânicos (incluídos os eletromecânicos)
BTec
de sinalização para vias de comunicação
88 Aeronaves e aparelhos espaciais e suas partes ATec
89 Embarcações e estruturas flutuantes MTec
90 Instrumentos e aparelhos de óptica, fotografia ou cinemato- ATec
grafia, medida, controle ou de precisão; instrumentos e apa- MTec
relhos médico-cirúrgicos; suas partes e acessórios
91 Aparelhos de relojoaria e suas partes MTec
92 Instrumentos musicais, suas partes e acessórios MTec
93 Armas e munições, suas partes e acessórios MTec
BTec
94 Móveis; mobiliário médico-cirúrgico; colchões, almofadas e
semelhantes; aparelhos de iluminação não especificados
nem compreendidos em outros capítulos; anúncios, cartazes
ou tabuletas e placas indicadoras luminosos e artigos seme-
lhantes; construções pré-fabricadas MTec
95 Brinquedos, jogos, artigos para divertimento ou para esporte,
suas partes e acessórios MTec
96 Obras diversas MTec
97 Objetos de arte, de coleção e antiguidades MTec
BTec
99 Outros -
FONTE: Secex.
NOTA: MTec significa média tecnologia; BTec, baixa tecnologia; e ATec, alta tecnologia.

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 283

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284 Wellington Pereira

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A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:... 285

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


286 Wellington Pereira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007


Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 287

Focalização de políticas públicas:


uma discussão sobre os
métodos de avaliação
da população-alvo*
Ana Lucia Cosenza Faria** Mestre pela Escola Nacional de Ciências Estatís-
ticas (ENCE) do IBGE e Tecnologista do Centro
de Análises de Sistemas Navais (Casnav)
Carmem Aparecida Feijó*** PhD pela University College London, Professora
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e
Pesquisadora do CNPq
Denise Britz do Nascimento Silva**** PhD pela Universidade de Southampton,
Estatística do IBGE e Professora da
ENCE-IBGE

Resumo
Este texto discute métodos estatísticos e os seus custos associados para iden-
tificar a população-alvo de políticas públicas e mostra como a escolha do méto-
do estatístico para a focalização da política social é importante para a eficácia
da sua implementação. Também discute os problemas operacionais, os tipos de
custos e os possíveis erros a serem identificados na focalização, apresenta
uma medida de desempenho e os diversos métodos estatísticos de focalização,
dentre os quais destaca a adequação do Teste de Elegibilidade Multidimensional.

Palavras-chave
Focalização de políticas sociais; métodos de focalização; custo da
focalização.

* Artigo recebido em mar. 2006 e aceito para publicação em out. 2006.


** E-mail: cosenzaana@ig.com.br
*** E-mail: cfeijo@terra.com.br
**** E-mail: denisesilva@ibge.gov.br
As autoras agradecem as contribuições dos pareceristas anônimos. Erros e imprecisões
que porventura persistam continuam sendo de responsabilidade das mesmas.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 287-310, jul. 2007


288 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

Abstract
We discuss in this paper statistical methods and their associated costs to them
to identify the target population to social policies. We show that the choice of the
statistical method to focus the social policy is quite important to guarantee a
high degree of success of the policy. The paper discusses the operational
problems, the type of costs and the possible errors in the identification of the
target population. It presents a measure of efficiency of the targeting process
applied to all methods.

Key words
Targeting of social policies; methods to choose target population; costs on
targeting.

Classificação JEL: I3, I32.

1 Introdução
É consenso entre cientistas sociais que mecanismos de transferência de
renda representam um importante instrumento de política pública no combate à
desigualdade e à pobreza. No entanto, o debate contemporâneo sobre como
progredir no processo de redução da imensa desigualdade de renda e riqueza no
Brasil tem, em grande medida, dividido opiniões entre aqueles que defendem
políticas sociais universais e aqueles que defendem políticas focalizadas —
ver, por exemplo, o dossiê Gasto Público Social no Brasil em Econômica
(2003). Kerstenetzky (2005) avança nessa discussão, argumentando que a
focalização per se não deve ser associada automaticamente à justiça social de
caráter residual, nem tampouco a universalização à garantia de direitos sociais.
São métodos alternativos e, muitas vezes, complementares de uma noção de
justiça social que precisa ser previamente definida.1 Dessa forma, pode-se ar-

1
Nesse sentido, a autora propõe que políticas focalizadas sejam utilizadas como um instru-
mento, mesmo dentro de uma concepção mais espessa de justiça social, das seguintes
maneiras: (a) na busca do foco, para solucionar um problema previamente especificado, em
termos da eficiência do gasto social (ou seja, dada uma quantidade de recursos, determi-
nar qual deveria ser a prioridade dos gastos, com base no conhecimento sobre a realidade

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 287-310, jul. 2007


Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 289

gumentar que, em uma sociedade desigual como a do Brasil, algumas políticas


focalizadas são importantes para a efetividade de direitos ditos universais, que,
na prática, ainda se encontram distantes da realidade do País.
As políticas sociais, no Brasil, têm caminhado na direção da focalização
dos gastos. Draibe (2005) identifica que, a partir de meados da década de 90,
um novo ciclo de mudanças alterou a fisionomia do sistema brasileiro de proteção
social. Em meio às restrições fiscais que acompanharam o programa de estabi-
lização e as reformas pró-mercado, foram realizadas reformas em programas
universais (educação e saúde), nos de emprego e renda (previdência social,
programas de capacitação e inserção produtiva) e nos voltados para a pobreza
(assistência social, programas de combate à pobreza e subsídios monetários
às famílias).
No que se refere à assistência social e aos programas de combate à po-
breza, a autora destaca a instituição, em 1993, da Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS). Por força dessa Lei, teve início o novo programa de transferên-
cia monetária aos idosos carentes e às pessoas portadoras de deficiência físi-
ca. Paralelamente, implantou-se outra frente de ação, voltada ao combate à
pobreza, com o Programa Comunidade Solidária, que, mais tarde, recebeu a
denominação de Comunidade Ativa e passou a coordenar, em parceria com o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), progra-
mas de desenvolvimento local nos municípios mais carentes. Nessa mesma
época, foi iniciado outro programa, em 2000, o Projeto Alvorada (Plano de Apoio
aos Estados de Menor Desenvolvimento Humano).
Ainda de acordo com Draibe (2005), no ano 2000, foi aprovado o Fundo de
Combate à Pobreza, e, nos anos seguintes à aprovação, foram criados os Pro-
gramas Bolsa-Alimentação (na área de saúde), Agente Jovem (na Secretaria de
Assistência Social) e, pouco mais tarde, o Auxílio-Gás (2002), que se uniram
aos anteriores Bolsa-Escola, de 1998, Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), de 1995, e a outros programas de transferência de renda
preexistentes.
Atualmente, o Brasil conta com diversos programas focalizados nos
três níveis do Governo.2 Os principais programas de transferência de renda do
Governo Federal são: o Bolsa-Família (que unificou os programas Bolsa-Esco-

demográfica, social e territorial do País); ou (b) como ação reparatória, para restituir a
determinadas categorias direitos perdidos como resultado de injustiças passadas, o que
implica que, sob esse aspecto, a focalização cumpriria o papel de complementar as políticas
públicas universais.
2
Uma descrição da evolução dos programas de renda mínima no Brasil pode ser encontrada
em Amaral e Ramos (1999).

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290 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

la, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás), o Benefício de Pres-


tação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.3
Propõe-se, neste texto, a realização de uma discussão sobre métodos
estatísticos para a identificação da população-alvo de políticas-públicas. Como
se pode ver a seguir, a identificação não é tarefa trivial, e os métodos estatísti-
cos disponíveis devem ser avaliados de acordo com os objetivos das políticas
e com os custos na identificação da população-alvo. Não se pretende ser exaus-
tivo na exploração dos métodos estatísticos de focalização, mas, ao discuti-
-los, podem-se identificar as vantagens e as desvantagens de cada um. O objetivo
geral deste trabalho é mostrar como a escolha do método estatístico para a
focalização é importante para a eficácia na aplicação da política social. Para
tanto, o texto divide-se em quatro seções, além desta Introdução. Na seção 2,
discutem-se os problemas operacionais da focalização, os seus custos e uma
medida de seu desempenho. Na seção 3, identificam-se os métodos estatísti-
cos de focalização. Na seção 4, faz-se uma breve descrição dos métodos esta-
tísticos empregados para traçar linhas de pobreza, e, na última, apresentam-se
um resumo da discussão e a conclusão.

2 Benefícios e custos da focalização e medi-


da de desempenho
Um dos principais argumentos em favor da focalização das políticas de
combate à pobreza está relacionado à eficiência dos gastos sociais, ou seja,
quanto mais preciso for o método utilizado para alcançar os pobres, menor será
o desperdício, e menores serão os custos envolvidos para se chegar ao objetivo
desejado. Entretanto os potenciais beneficiários das políticas públicas não são
receptores passivos, mas, sim, agentes ativos, que pensam, escolhem, agem
e reagem em resposta a políticas direcionadas ao alívio da pobreza. Ou seja, ao

3
O Bolsa-Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação
de pobreza, com renda per capita de até R$ 100,00 mensais. O Benefício de Prestação
Continuada fornece um salário mínimo mensal a idosos (pessoas com mais de 65 anos) e a
pessoas portadoras de deficiência física incapacitadas para o trabalho, desde que a renda
familiar mensal per capita dos beneficiários seja inferior a um quarto do salário mínimo. O PETI
é um programa de transferência de renda para famílias com crianças envolvidas em trabalho
precoce. A família recebe mensalmente R$ 25,00 por criança (para municípios com menos de
250.000 habitantes) ou R$ 40,00 por criança (para municípios com mais de 250.000 habitan-
tes). O objetivo principal do Programa é manter as crianças e os adolescentes na escola,
através da complementação da renda familiar (Brasil, 2005).

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 291

realizar a focalização, é necessário considerar que as respostas de todos os


atores envolvidos no processo podem influenciar nos seus custos (Sen, 1995).
Uma forma simples de explicar a motivação principal para a utilização da
focalização como ferramenta de alívio à pobreza é admitir, em um primeiro mo-
mento, a hipótese de que seja possível discriminar exatamente quem é pobre e
quem não é pobre.4
Considerando-se que haja interesse em maximizar a redução da pobreza
na presença de um orçamento limitado e também o custo de oportunidade, isso
significa que, diante de um orçamento fixo5, deve ser decidido qual número de
beneficiários será coberto pelo programa e qual será o nível de transferência.
Assim, a argumentação básica é que, nessas circunstâncias, as transferências
focalizadas para domicílios pobres possuem um retorno potencial, ou seja, a
quantidade de orçamento transferido para os domicílios que mais precisam pode
ser aumentada (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004).
A título de ilustração dessa motivação (a eficiência das transferências), é
apresentada a Figura 1, que representa o esquema básico de uma situação na
qual o orçamento para o programa de transferência é fixado e é suficiente ape-
nas para eliminar a pobreza das pessoas que se encontram abaixo da linha de
pobreza, representada, na Figura 1, pela letra Z.
Supõe-se que existam dados de pesquisas domiciliares sobre a renda (ou
sobre o consumo) dos domicílios antes e depois de a transferência de renda ser
realizada e que esses dados sejam dispostos na Figura 1, ordenando os domi-
cílios da menor para a maior renda. No eixo das abscissas, encontra-se a orde-
nação dos domicílios segundo sua renda inicial, e, no eixo das ordenadas, a
renda final após a transferência. As rendas máxima e mínima estimadas com os
dados da pesquisa são representadas pelos pontos Rimáx e Rimin respectiva-
mente. A reta definida pelos pontos Rimin e D, correspondente à bissetriz, repre-
senta o fato de que, antes da transferência, a renda inicial é igual à renda final.
O esquema ótimo de transferência no sentido da eficiência da focalização é
aquele para o qual todos os pobres, e somente os pobres, recebem a transferên-
cia. E, além disso, o nível de transferência para cada domicílio pobre é igual à
distância da renda do domicílio, antes da transferência, até a linha de pobreza

4
Tal hipótese nunca é exatamente alcançada, devido a diversos fatores, dentre os quais se
destacam a subjetividade inerente à escolha do ponto de corte que discrimina pobres de
não-pobres e o fato de que os indivíduos podem mudar de categoria, tornando-se pobres ou
deixando de sê-lo.
5
Aqui está sendo considerado apenas o orçamento para realizar as transferências, e não o
orçamento total, que certamente deve incluir os custos de gerenciamento e distribuição dos
benefícios.

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292 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

(distância da bissetriz até a reta Z para os domicílios com renda antes da trans-
ferência menor que Z). Dessa forma, o programa seria capaz de elevar todos os
domicílios acima da linha de pobreza. E todos os domicílios não pobres teriam
renda final igual à renda inicial. O orçamento do programa é representado pela
área definida pelos pontos Z, A e Rimin e seria o mínimo necessário para elimi-
nar a pobreza.
Ao contrário, se o programa transferir a mesma renda a todos os
domicílios (pobres e não pobres), o orçamento não é mais suficiente para elimi-
nar a pobreza, por duas razões: domicílios não pobres receberiam transferên-
cias, e alguns domicílios pobres receberiam transferências superiores à sua
distância da linha de pobreza. O resultado de uma transferência fixa para todos
os domicílios é representado, na Figura 1, pela reta definida pelos pontos C e E.

Figura 1

Eficiência da focalização na transferência de renda com orçamento fixo

E
Renda após a transferência

B A
Z

Z
RRimin
imin z da tranferência
Renda antes Rimáx

FONTE: COADY, A.; GROSH, M.; HODDINOTT, J. Targeting of


transfers in developing countries: review of lessons and
experience. [S. l.]: Banco Mundial, 2004.

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 293

Como resultado dessas ineficiências, o impacto sobre a pobreza, quando


as transferências são iguais para todos os domicílios, é menor que o impacto
sob o esquema ótimo. A perda em eficiência é representada, na Figura 1, pela
área definida pelos pontos Z, C e B e mostra o nível de pobreza que permanece
após a realização das transferências iguais para todos os domicílios. O vaza-
mento6 é representado pela área definida pelos pontos B, A, D e E, que, para um
orçamento fixo, é igual à área definida pelos pontos Z, C e B (Coady; Grosh;
Hoddinott, 2004).
Entretanto deve-se levar em conta que existem custos diretos e indiretos
relacionados a programas de focalização. Isso significa que parte do orçamento
do programa deve ser utilizada para cobrir esses custos. Exatamente por isso, é
necessário conhecer a natureza desses custos, para que seja possível alcan-
çar os melhores resultados possíveis.

2.1 Custos da focalização


A literatura sobre o tema da focalização dos gastos públicos, de acordo
com Coady, Grosh e Hoddinott (2004), identifica, pelo menos, cinco tipos de
custos: os de incentivo, os sociais, os administrativos, os relacionados à
sustentabilidade política e à qualidade de serviços e os custos privados.
Os custos de incentivo são também conhecidos como indiretos. Ocorrem
porque o critério de elegibilidade pode induzir as pessoas dos domicílios a mo-
dificarem seus comportamentos, de forma a se tornarem beneficiárias. Os exem-
plos são: diminuir o trabalho remunerado para tornar-se beneficiário, consumir
bens para diminuir a renda, migrar para locais eleitos para receber as transferên-
cias (no caso de focalização geográfica) ou declarar rendas irreais. Há, também,
efeitos indiretos positivos, como, por exemplo, quando existem condicionantes,
as pessoas podem modificar seu comportamento e manter as crianças na es-
cola ou freqüentar postos de saúde.
Os problemas relacionados ao incentivo adverso ao trabalho são conside-
rados menos importantes nos países em desenvolvimento do que nos países
da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os
métodos de identificação da população-alvo utilizados nos países em desenvol-
vimento não exigem comprovação de renda e tampouco realizam o cruzamento
de informações de diversas fontes, de forma que não há um incentivo a deixar

6
O vazamento em um programa representa a quantidade de domicílios e/ou pessoas incluídos
que não preenchem os requisitos necessários para tal.

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de receber renda através do trabalho, para receber o benefício. Além disso, os


benefícios, em geral, são valores baixos, o que implica que aqueles que possu-
em alguma chance de conseguir renda através do trabalho irão manter um forte
incentivo para procurar ganhos adicionais, quando tiverem essa escolha.
Os custos sociais referem-se ao fato de que qualquer sistema de identifi-
cação da população-alvo que requeira identificação das pessoas como pobres
tende a possuir alguns efeitos sobre o seu respeito a si próprias e também sobre
o respeito dos outros em relação aos beneficiários. As pessoas podem sentir-se
estigmatizadas (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004; Sen, 1995).
Todos os métodos para focalização, exceto os que utilizam auto-seleção,
envolvem custos administrativos, já que é necessário realizar a discriminação
dos domicílios, trabalho que, em geral, é realizado por funcionários do Governo.
Há o problema de se invadir a privacidade das pessoas, além do custo de inves-
tigar as pessoas. Sen (1995) alerta adicionalmente sobre a possibilidade de
corrupção, sempre que for delegado a funcionários o controle de escolher quem
será beneficiário.
De uma forma geral, os custos envolvidos na obtenção de informações
para realizar a focalização aumentam conforme aumenta a sua precisão. Por
exemplo, aproveitar informações de pesquisas domiciliares para construir ma-
pas de pobreza possui custo administrativo menor do que construir um cadastro
de beneficiários no qual a renda precisa ser comprovada e verificada com a
utilização de diversas fontes de informação alternativas.
Como existem custos administrativos, estes incidem sobre o orçamento
inicial, e, conseqüentemente, menos recursos estarão disponíveis para os
beneficiários. Entretanto é possível que, com a realização de uma boa focalização,
o número de beneficiários e o custo administrativo diminuam em termos absolu-
tos ou como parte do custo total pelo seguinte motivo: um programa bem foca-
lizado pode servir a um número menor de pessoas. Portanto, os custos envolvi-
dos no procedimento de distribuição e os custos administrativos em geral po-
dem diminuir, permitindo, assim, um valor maior de benefício por beneficiário.
Os beneficiários de programas de alívio à pobreza possuem, em geral,
baixo poder de reivindicação e podem perder a força para sustentar os progra-
mas e manter a qualidade dos serviços oferecidos (Sen, 1995). Esses seriam
os custos relacionados à sustentabilidade política e à qualidade dos serviços.
Nesse caso, os benefícios oferecidos exclusivamente aos pobres podem tor-
nar-se benefícios pobres (Salm, 2003).
Entretanto, apesar do risco de diminuição do suporte político por razões
diversas, a eficiência da focalização, assegurando que somente os que mais
precisam receberão os benefícios, pode aumentar o suporte político por aque-
les que enxergam benefícios indiretos advindos da redução da pobreza, tais

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 295

como: sentimento de justiça social, diminuição de mendigos, diminuição da


criminalidade ou redução de impostos (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004).
Por fim, os indivíduos podem ter custos para se inscreverem no programa,
como obtenção de certificados necessários para a inscrição, carteira de identi-
dade, comprovante de residência ou de invalidez e transporte aos locais de
inscrição. Esses são os custos privados. Esses custos precisam ser avaliados,
em particular quando o método de focalização utilizado é a auto-seleção, ou
quando existem contrapartidas para o recebimento do benefício.
A importância relativa dos custos descritos anteriormente depende dos
métodos de focalização e também do ambiente social e político. Por exemplo, é
provável que os custos administrativos sejam mais importantes, quando a ava-
liação individual ou domiciliar é utilizada. Os custos de incentivo são provavel-
mente menos importantes, quando a focalização categórica é utilizada. Os cus-
tos privados são, em geral, mais importantes, quando a auto-seleção é utiliza-
da. A natureza e a importância dos custos sociais podem diferir muito, depen-
dendo da forma de seleção inerente ao programa, porém, o fundamental é que
todos esses custos sejam considerados na avaliação da efetividade da
focalização de programas.

2.2 Uma medida de desempenho da focalização


Na prática, os gerenciadores dos programas sociais não possuem informa-
ção perfeita sobre quem é pobre, porque essa informação é difícil e consome
tempo e recursos para ser produzida. Portanto, considerando que a elegibilidade
do programa é baseada em informação imperfeita, é inevitável a presença de
algum erro de inclusão (também conhecido na literatura como vazamento ou
erro do tipo II, consiste em identificar como pobres pessoas que não o são e
admiti-las no programa) e/ou de exclusão (erro de cobertura ou erro tipo I, con-
siste em identificar como não-pobres pessoas que são pobres e não admiti-las
no programa).
Legovini (1999) descreve três critérios para a avaliação do método de
focalização: a eficiência da focalização, o vazamento do programa e os custos
administrativos envolvidos. Caso os recursos do programa fossem ilimitados,
tais erros poderiam ser minimizados através da coleta de informação adicional.
Entretanto, em um mundo de recursos limitados, os formuladores de políticas e
os gerenciadores dos programas precisam saber se tais custos são justificados
pela real melhoria na focalização. Além disso, os governantes e a sociedade
precisam conhecer o quão efetiva é uma dada intervenção focalizada. Isso re-
quer uma medida de desempenho da focalização.

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296 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

Uma abordagem comum para avaliar o desempenho da focalização de


instrumentos alternativos de transferência é comparar as taxas de erro de co-
bertura (ou exclusão) e de vazamento (erro de inclusão), ou seja, comparar a
proporção de domicílios pobres não incluídos no programa e a proporção dos
domicílios não pobres incluídos no mesmo.
É importante notar que, qualquer que seja o método estatístico escolhido
para identificar a população pobre, ou seja, o método de focalização, ele está
sujeito a esses dois tipos de erro, análogos aos erros do tipo I e do tipo II da
inferência estatística e conhecidos na literatura como erros de focalização,
conforme o esquema do Quadro1 (Cornia; Stewart, 1995).

Quadro 1

Decisão sobre a inclusão ou a exclusão de indivíduos em um programa social

SITUAÇÃO
AÇÃO
Pobre Não Pobre
Incluir no programa Decisão correta Erro tipo II
Excluir do programa Erro tipo I Decisão correta

Um método de focalização é dito eficiente, quando diminui o erro do tipo I,


isto é, minimiza a probabilidade de excluir indivíduos que deveriam ser incluí-
dos. O vazamento relaciona-se ao erro do tipo II, que é a probabilidade de incluir
pessoas que deveriam ser excluídas.
O ponto de equilíbrio desejado entre o custo de vazamento e os custos
administrativos deve ser avaliado, assim como a possibilidade de que progra-
mas com um certo nível de vazamento possuam uma capacidade maior de se
manterem que programas sem nenhum vazamento, devido ao suporte
populacional maior.7
Em um primeiro momento, pode-se entender como óbvio que os benefícios
devem ser reduzidos conforme a renda aumenta. Entretanto algumas experiên-
cias mostram que a possibilidade de perder os benefícios conforme a renda
aumenta pode representar um incentivo adverso ao trabalho. Além disso, ao
reduzir o número de beneficiários, a focalização reduz o suporte político para a
cobrança de impostos e para a redistribuição (De Donder; Hindriks, 1998).

7
Ver custos relacionados à sustentabilidade política e à qualidade dos serviços na seção 2.1.

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 297

De uma forma geral, é desejado que a focalização seja realizada de manei-


ra a minimizar os dois tipos de erros citados. À medida que o programa se
expande, a tendência é diminuir o erro do tipo I e aumentar o erro do tipo II. O
inverso ocorreria com uma redução do programa. A maneira de reduzir os dois
tipos de erros é melhorar a capacidade de discriminação, o que, por sua vez,
aumenta os custos administrativos do programa (Anuatti Neto; Fernandes; Pazello,
2000).
A título de exemplo, é apresentada uma situação na qual existem 100
domicílios e uma linha de pobreza que implica que 40 destes sejam classifica-
dos como pobres. Decide-se, portanto, oferecer benefícios a 40 domicílios. En-
tretanto, como o critério de focalização é imperfeito, após se selecionarem os 40
domicílios para receber o benefício, verifica-se que, de fato, 30 são pobres (têm
renda domiciliar per capita abaixo da linha de pobreza) e 10 não o são (têm
renda domiciliar per capita acima da linha de pobreza). Tanto os 30 domicílios
pobres incluídos no programa quanto os 50 domicílios não pobres excluídos são
considerados como sucesso na focalização. Os 10 domicílios pobres excluídos
são considerados erros de exclusão (erro tipo I), e os 10 domicílios não pobres
incluídos são erros de inclusão (erro tipo II). Portanto, o número de pobres exclu-
ídos é igual a 10, e o número total de pobres é igual a 40, resultando em uma
taxa de falha na cobertura de 25%. Além disso, o número de não-pobres incluí-
dos é igual a 10, e o número total de incluídos é igual a 40, resultando em uma
taxa de vazamento também igual a 25%. O Quadro 2 resume essa situação.

Quadro 2

Cálculo para a inclusão ou a exclusão de indivíduos em um programa social

SITUAÇÃO
AÇÃO
Pobre Não pobre Total
Incluir no programa 30 (decisão correta) 10 (erro do tipo II) 40
Excluir do programa 10 (erro do tipo I) 50 (decisão correta) 60
TOTAL 40 60 100

Considerando que se deseja minimizar os dois tipos possíveis de erros de


focalização — excluir do programa domicílios que deveriam ser incluídos (erro
do tipo I) e incluir domicílios que não deveriam ser incluídos (erro do tipo II) —,
Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000) sugerem o seguinte indicador de
focalização:

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IF = [PI - PE] + (1+ ) [NPE - NPI]


Sendo:
IF o indicador de focalização;
α o fator de ponderação (0 < α < 1);
PI a proporção de domicílios pobres devidamente incluídos no programa;
PE a proporção de domicílios pobres indevidamente excluídos no progra-
ma;
NPE a proporção de domicílios não pobres devidamente excluídos do pro-
grama;
NPI a proporção de domicílios não pobres indevidamente incluídos do pro-
grama.
Trata-se de ajustar um modelo para estimar a probabilidade de um domicí-
lio ser pobre, segundo características familiares e domiciliares. O indicador é
calculado considerando que são incluídos no programa os domicílios para os
quais as probabilidades estimadas pelo modelo ( p̂i ) são maiores ou iguais ao
(1 − α ) POB
ponto de corte, definido por α NPOB + (1 − α ) POB , sendo que POB é o número
de pobres e NPOB é o número de não-pobres, ambos segundo a linha de pobre-
za. Escolhe-se e calcula-se a proporção de domicílios pobres incluídos e a
proporção de domicílios não pobres incluídos.
Observa-se que o indicador possui as seguintes propriedades:
a) varia no intervalo [-1, 1], sendo que, quanto mais próximo de um,
melhor será a focalização e que, se IF for igual a um, a focalização
será perfeita;
b) o termo [PI - PE] representa a eficiência no alcance da política;
c) o termo [NPE - NPI] representa uma medida do vazamento do progra-
ma;
d) α é um fator que pondera esses dois critérios, ou seja, é a pondera-
ção que permite escolher priorizar a eficiência do programa ou o contro-
le do vazamento.
Uma deficiência desse indicador é não considerar a intensidade da pobre-
za, ou seja, a exclusão do programa de um domicílio pobre com renda próxima
à linha de pobreza produz o mesmo impacto no indicador proposto que a exclu-
são de outra família mais pobre. E a inclusão de um domicílio não pobre com
renda próxima à linha de pobreza produz o mesmo impacto no indicador que a
inclusão de um domicílio rico.
Entretanto é possível considerar a intensidade da pobreza realizando-se
uma ponderação baseada na distância entre a renda domiciliar per capita e a

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 299

linha de pobreza, conforme sugerido por Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000,
p. 4). Quanto maior for a distância, maior será o peso.
A construção do indicador de focalização pressupõe a escolha de um
método para se estimar quem é elegível ao programa social. Como se vê nas
seções a seguir, há distintas formas de se identificar a população-alvo de bene-
fícios sociais, de acordo com a disponibilidade de informações estatísticas e
com os objetivos dos programas. Pode-se dizer que parte do sucesso das polí-
ticas focalizadas depende da escolha do método de focalização.

3 Métodos de focalização de políticas


públicas
Nesta seção, são apresentadas as características dos métodos comumente
utilizados para definir o público-alvo de políticas públicas de transferência
de renda: Método Categórico, Método de Auto-Seleção, Teste de Renda
Verificada, Teste de Renda Não Verificada e Teste de Elegibilidade
Multidimensional.

3.1 Método Categórico


Esse método de focalização consiste em fornecer benefícios a todos os
indivíduos de uma determinada área geográfica e/ou de um grupo vulnerável.
Essa focalização requer conhecimento da distribuição geográfica da incidência,
da profundidade ou da gravidade da pobreza (ou outro indicador de interesse).
Comunidades podem ser ordenadas de acordo com o indicador desejado, e os
programas podem ser destinados aos escores que representem as localidades
mais pobres. O mecanismo só funciona bem, quando existe alta concentração
de pobreza (bolsões de pobreza, como favelas urbanas ou áreas rurais especí-
ficas). Nesses casos, o método é eficiente, tem pouco vazamento, e o custo
administrativo é baixo. À medida que o programa se expande a comunidades
com altas percentagens de não-pobres, a eficiência da focalização declina, e o
vazamento aumenta. Os resultados também dependem da escolha da unidade
geográfica (comunidade, município, região, etc.); quanto menor é a unidade,
mais fácil torna-se alcançar bons resultados.

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300 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

O método pode ser utilizado em conjunto com outros, para localizar áreas
prioritárias.8 Um problema desse método é que ele pode induzir a migração de
pessoas de áreas não focalizadas para áreas focalizadas (Legovini, 1999). Ou-
tro problema estaria relacionado à focalização repetida, na qual as transferên-
cias privilegiariam sempre as comunidades ou municípios mais miseráveis. Essa
situação pode introduzir um incentivo perverso para os pobres, se o governante
local tender a manter um grupo de pobres cativos, para justificar o acesso a
novos recursos no futuro. Nesse caso, quanto mais dinheiro for destinado aos
pobres, menos dinheiro chegará a eles (Neri, 2003).
Similarmente, a focalização em determinados grupos de risco (crianças,
idosos, lactantes) requer conhecimento da distribuição demográfica da pobreza.
Grupos com grande incidência de pobreza acima da média do País podem ser
selecionados como alvos dos programas em conjunto com a focalização geo-
gráfica, para melhorar tanto a eficiência da focalização quanto os níveis de
vazamento.

3.2 Método de Auto-Seleção


Esse método de focalização possui baixo custo administrativo e, em ge-
ral, baixo vazamento, já que, muitas vezes, apenas indivíduos com rendas muito
baixas se dispõem a incorrer no custo de participação, que inclui o tempo de
espera para receber o benefício, filas e, em alguns casos, a baixa qualidade do
produto oferecido. O método é conveniente para ajustar a cobertura rapidamen-
te, em períodos de crise. Entretanto o nível de eficiência na focalização não é
claro e precisa ser estimado caso a caso.9

8
Dois exemplos disso são: o mapa de pobreza realizado pelo Banco Mundial utilizando os
dados do censo na Nicarágua, e o Programa de Educación Salud y Alimentación (Progresa)
2002/2003, realizado, no México, para as áreas urbanas (Castañeda, 2003a).
9
Dois exemplos de utilização desse método na América Latina são: (a) o Programa Trabajar, na
Argentina, criado em 1996, cujo objetivo é financiar mão-de-obra para projetos comunitários
dirigidos à população desocupada, abaixo da linha de pobreza adotada no País e que não
receba Seguro-Desemprego; e (b) o Programa de Empleo Mínimo (PEM), criado em 1974, e o
Programa de Ocupación para Jefes de Hogar (POJH), criado em 1982, no Chile, ambos
instituídos como paliativos ao desemprego durante o governo militar do Chile, que foram
extintos em 1988. Um estudo de caso sobre esses dois programas apontando diferenças de
participação em cada um, por sexo, pode ser visto em OIT (2001).

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 301

3.3 Teste de Renda Verificada (Means-Tested)


Esse método consiste em fornecer benefícios aos domicílios com renda
abaixo de um determinado valor estabelecido como referência. Como requer a
coleta e a verificação da informação sobre a renda domiciliar, implica custos
administrativos mais altos que os dos Métodos Categóricos e de Auto-Seleção.
O método é utilizado tanto em países desenvolvidos da OCDE10, para for-
necer benefícios a famílias com crianças, quanto em economias menos desen-
volvidas da América Latina, do Leste Europeu e da Europa Central, para trans-
ferência de renda.11 Idealmente, para utilizar esse método, seriam necessários a
comprovação de renda através de documentação formal e cruzamentos com
informações de diversas fontes.
Segundo Lindert e De la Briere (2004), exemplos de utilização desse méto-
do são encontrados nos programas US Food Stamps e US TANF, utilizados nos
Estados Unidos. Para esses autores, esses programas apresentam bons resul-
tados, isto é, grande parte dos benefícios (80% e 66% respectivamente) é
fornecida aos 20% mais pobres. Entretanto os custos administrativos são altos,
a inscrição é realizada por demanda, e as principais falhas na implemantação
do método, nesse país, são a falta de um banco de dados nacional específico e
a falha na cobertura. Os autores estimam que apenas a metade das pessoas
elegíveis recebe o benefício, porque muitas não se inscrevem.

3.4 Teste de Renda Não Verificada


Esse teste consiste em tornar elegível a população que se encontra abai-
xo de um determinado nível de renda, conforme declaração do interessado. Como
não há qualquer tipo de verificação sobre a renda declarada, os indivíduos têm
um incentivo a declarar rendas inferiores para se tornarem beneficiários. A esse
problema devem ser acrescentados outros na coleta de dados sobre a renda.
Em países com uma proporção muito grande de pessoas trabalhando no setor
informal, ou na agricultura, como é o caso do Brasil, a renda proveniente de
atividades dessa natureza pode variar muito ao longo do ano. Porém a
autodeclaração de renda é o que vem sendo utilizado no Brasil, desde 2001,

10
Austrália, Canadá, Tchecoslováquia, França, Islândia, Itália, Japão, Nova Zelândia, Polônia,
Portugal, Eslovênia, Espanha e Estados Unidos.
11
Para uma descrição dos métodos de focalização utilizados, em diversos programas, nos
países em desenvolvimento, ver Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 27-31).

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302 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

para cadastrar todas as pessoas potencialmente beneficiárias de programas


sociais de renda mínima do Governo Federal.
No caso brasileiro, a renda declarada é informada no Cadastro Único
(CadUnico), criado pelo Decreto nº 3.787, de 24 de outubro de 2001. Até então,
o público-alvo de cada programa era determinado separadamente, também atra-
vés de teste de renda não verificada.12 A criação do CadUnico13 e do número de
identificação social (NIS) melhorou a eficiência e reduziu os custos administra-
tivos, e, sendo que os dados foram coletados por autodeclaração, diversos pro-
gramas sociais passaram a utilizá-los para determinar a elegibilidade.14

3.5 Teste de Elegibilidade Multidimensional


(Proxy Means Test)
Esse método identifica a população pobre com base em características
individuais ou domiciliares correlacionadas com a renda. É um método mais
barato que o Teste de Renda Verificada e menos sujeito a desvios relacionados
a declarações falsas sobre a renda do que o Teste de Renda Não Verificada. Ele
consiste na coleta de dados sobre poucas variáveis correlacionadas com a
renda para a construção de indicadores, através de censos ou pesquisas domi-
ciliares. É desejável que tais variáveis sejam de fácil observação e de difícil
manipulação. As pesquisas domiciliares apropriadas são aquelas que investi-

12
Os dados sobre a renda não são verificados por nenhuma forma de documentação ou por
cruzamentos. Por exemplo, embora seja possível realizar isso com o atual questionário do
CadUnico, as rendas declaradas não são comparadas com as informações de consumo,
nem com as características domiciliares, para se verificarem as inconsistências.
13
O Programa Bolsa-Escola (atualmente incorporado ao Programa Bolsa-Família) utilizou
o CadUnico em conjunto com o Sistema Bolsa-Escola (Sibes) para selecionar seus
beneficiários. Outros programas que utilizaram o CadUnico foram: o Bolsa-Alimentação, o
Auxílio-Gás e o PETI, este último mantendo um critério adicional próprio para a elegibilidade.
14
As principais informações sobre as famílias presentes no cadastro são: características do
domicílio (número de cômodos, tipo de construção, tratamento da água, esgoto e lixo),
composição familiar (número de membros, existência de gestantes, idosos, mães amamen-
tando e deficientes físicos), qualificação escolar dos membros da família, qualificação
profissional e situação no mercado de trabalho, rendimentos e despesas familiares (alu-
guel, transporte, alimentação e outros). Porém a renda é a única variável coletada no
questionário do CadUnico, que é, de fato, utilizada para determinar a elegibilidade da
maioria dos benefícios. O CadUnico possui cinco perguntas sobre a renda: renda proveni-
ente do trabalho, benefícios de aposentadorias, seguro-desemprego, pensão alimentícia e
outras rendas. A informação sobre renda proveniente de atividades de agricultura também
é coletada e incluída no cálculo da elegibilidade (De La Brière; Lindert, 2003).

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 303

gam características variadas sobre as pessoas, tais como emprego e educa-


ção, e características domiciliares, bem como as pesquisas de orçamentos
domiciliares.15
Os indicadores são construídos aplicando-se métodos de modelagem es-
tatística — como, por exemplo, análise de regressão e análise de componentes
principais — aos dados de pesquisas domiciliares. Esses indicadores, após a
ponderação apropriada, são utilizados para classificar um domicílio ou um indi-
víduo na população como pobre ou não-pobre. Trata-se, portanto, de construir
um indicador a partir de características observáveis dos potenciais candidatos,
utilizando dados coletados através de pesquisas domiciliares.16
Castañeda (2003) sugere três passos para o desenho de um programa que
utilize o Teste de Elegibilidade Multidimensional:
a) determinação de variáveis e pesos do indicador, aplicando-se técnicas
estatísticas a dados coletados a partir de pesquisas domiciliares;
b) combinação de duas abordagens com utilização de mapas de pobreza,
para determinar áreas prioritárias, porém permitindo a inscrição de po-
bres de áreas não selecionadas; e
c) avaliação individual e/ou domiciliar dos pontos de pobreza através de
entrevistas às famílias; calcula-se o indicador construído e compara-se
a pontuação da família entrevistada com os limites predeterminados.
Uma decisão importante para a utilização desse método é a da forma
como construir o cadastro para a seleção de beneficiários. Esse cadastro deve
ser atualizado, considerando que algumas variáveis podem perder o poder de
prever a pobreza ou de discriminar pobres de não-pobres.
O Teste de Elegibilidade Multidimensional, diferentemente dos demais,
necessita de cálculos estatísticos. Uma das principais vantagens em utilizar
cálculos estatísticos é tornar o procedimento replicável, isto é, a utilização do
Teste de Elegibilidade Multidimensional torna possível que domicílios seme-
lhantes (pelo menos considerando as variáveis escolhidas) recebam o mesmo
tratamento ou decisão, mesmo se avaliados por membros diferentes do grupo
em dias diferentes e de diferentes formas. Constitui-se, portanto, em ferramenta

15
No Brasil, poderiam ser sugeridas como pesquisas particularmente úteis a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) ou a Pesquisa de Orçamentos Fami-
liares (POF).
16
Melhores estimativas podem ser alcançadas através da estimação separada por região ou
por áreas — urbana ou rural. Esse método foi adotado em vários países da América Latina,
como, por exemplo, Chile (Ficha de Caracterización Socioeconómica (CAS)), Costa Rica,
Colômbia (Sistema de Seleción de Beneficiários de Sistemas Sociales (Sisben)) e México
(Progresa) (Legovini, 1999). Outros países da América Latina que estão desenvolvendo
sistemas de focalização utilizando o Teste de Elegibilidade Multidimensional são Argentina,
Equador, Jamaica, Honduras e Nicarágua.

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304 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

importante para evitar a corrupção ou a politização do programa. Os custos


administrativos são, em princípio, menores que os necessários para implementar
o Teste de Renda Verificada, e, além disso, como não exige comprovação de
renda, esse procedimento é menos suscetível aos incentivos adversos ao tra-
balho que o Teste de Renda Verificada propicia.
A desvantagem desse método é não considerar algumas circunstâncias
especiais do domicílio, pois é recomendado que se utilizem relativamente pou-
cas variáveis sobre os domicílios, de forma a assegurar a validade e facilitar a
interpretação dos métodos estatísticos empregados na população-alvo. Além
disso, ele é, em geral, desenhado para funcionar bem em média, mas não para
categorizar cada domicílio. De qualquer forma, independentemente de quão boa
seja a fórmula estatística, se os pobres não se registrarem para o programa,
haverá grandes erros de exclusão. Portanto, esforços devem ser empreendidos
para que o programa, de fato, alcance os pobres.17
Uma aplicação desse método a partir do ajuste de um modelo de regres-
são logística utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
micílios 2003 identificou como fatores associados à condição de pobreza: o
arranjo familiar, o número de crianças no domicílio, a escolaridade e a idade da
pessoa de referência, a densidade de moradores por cômodo e a razão de de-
pendência, além de características físicas do domicílio (Faria, 2006).

4 Linhas de pobreza e de indigência


Complementam os esforços de identificação da população-alvo de políti-
cas sociais as estimativas de linha de pobreza e de linhas de indigência. Esse
é o procedimento utilizado no Brasil para estimar a quantidade de pessoas e
domicílios em condição de pobreza. Consiste em determinar valores mínimos,
per capita, de renda familiar; abaixo desses valores, as pessoas são considera-
das pobres ou indigentes. Embora existam pontos importantes de consenso,
entre vários especialistas, no que diz respeito ao conceito de pobreza, a esco-
lha da abordagem metodológica para a construção da linha de pobreza pode
conduzir a estimativas diferentes sobre as quantidades de pobres e de indigen-
tes. Os valores conhecidos como linhas de pobreza são, em geral, determina-
dos de uma das três maneiras a seguir:

17
Uma aplicação desse método no Brasil, utilizando os dados da PNAD 1998, é encontrada
no trabalho de Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000).

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 305

a) linhas de pobreza arbitrária - discriminam a população pobre da não


pobre através de um valor arbitrário. Um exemplo de linha de pobreza
arbitrária é a adotada pelo Banco Mundial, que define como pobres as
pessoas com renda abaixo de US$ 2 ao dia e como extremamente
pobres as pessoas com renda abaixo US$ 1 ao dia. No Brasil, o exem-
plo é a utilização do valor de meio salário mínimo mensal, como linha
de pobreza, e, como linha de indigência, a fronteira de um quarto do
salário mínimo mensal;
b) linhas de pobreza absoluta - são calculadas com base no consumo
observado das famílias, considerando-se as necessidades nutricionais
básicas necessárias para a sobrevivência. Combinando pesquisas so-
bre o consumo das famílias da Pesquisa de Orçamento Familiar de
1987-1988 e 1995-1996 e do Estudo Nacional da Despesa Familiar
(Endef)18 de 1974-75, Rocha (2003) elaborou linhas de pobreza absolu-
ta, diferenciadas para 23 regiões. Com as informações sobre consumo
e preços por região, definiu uma cesta básica de alimentos e o seu
custo. Foram consideradas indigentes as pessoas cuja renda familiar
per capita mensal era inferior ao custo da cesta; e foram consideradas
pobres as pessoas com renda familiar per capita mensal inferior ao
custo da cesta básica, acrescido do custo de determinadas despesas
não alimentares, como transporte e moradia. As linhas de pobreza ab-
soluta baseadas no consumo observado de cada região constituem um
exemplo de utilização do Método Categórico;
c) linhas de pobreza relativa - mais empregadas em países desenvolvi-
dos, consideram como valor de referência a renda média, a renda me-
diana ou os percentis de renda da população.
Atualmente, observa-se um crescente interesse pela identificação da po-
pulação mais carente, considerando-se o caráter multidimensional da pobreza,
isto é, levando-se em conta, além da renda, outras características das pessoas
e dos domicílios que indiquem situações de vulnerabilidade de determinados
grupos sociais.19 Essa tendência é observada nos diversos países da América
Latina que utilizam o Teste de Elegibilidade Multidimensional para definir o públi-
co-alvo beneficiário de políticas públicas dirigidas à população sob risco de
pobreza.

18
Detalhes sobre a taxa de adequação de energia como indicador do estado nutricional
das famílias e a utilização do Endef podem ser encontrados em Vasconcellos (2001).
19
Para uma descrição detalhada sobre os conceitos e a elaboração de linhas de pobreza
absoluta, ver Rocha (2003).

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306 Ana Lucia Cosenza Faria; Carmem Aparecida Feijó; Denise Britz do Nascimento Silva

5 Resumo e conclusão
No Brasil, tem-se observado uma tendência crescente a se ampliarem os
gastos sociais focalizados. A adoção de políticas sociais focalizadas demanda
um controle sistemático sobre a população-alvo, sob pena de o gasto perder seu
foco. Políticas sociais mal dimensionadas podem não estar atingindo apenas o
público-alvo e podem excluir os que deveriam ser atingidos. Falhas na
implementação e no controle dos programas sociais geram ineficiência no gasto
e deslocam recursos de outros investimentos públicos. Investimentos em áreas
como educação, que habilita os indivíduos a saírem da pobreza, e em infra-
-estrutura, que contribui para o crescimento econômico e a geração de empre-
gos, por exemplo, têm sido sistematicamente penalizados, no Brasil, nos últi-
mos anos, tornando ainda mais relevante a discussão sobre a eficiência da
focalização das políticas sociais, o que inclui a discussão sobre os métodos de
focalização.
Como todos os métodos de focalização para a identificação da população-
-alvo de benefícios sociais apresentam problemas operacionais, torna-se impor-
tante conhecer as principais características de cada método, seus custos e
benefícios e utilizar uma medida de desempenho para auxiliar na avaliação da
sua efetividade. Nesse sentido, este artigo descreveu os custos e os benefícios
envolvidos nos diferentes métodos de focalização de políticas públicas, sendo
possível observar que, qualquer que seja o método empregado, ele estará sujei-
to a dois tipos de erro. Supondo que há interesse em minimizar esses dois tipos
de erro, propôs-se uma medida de desempenho da focalização.
Observou-se neste texto, ainda, que há uma tendência crescente no mun-
do de uso do Teste de Elegibilidade Multidimensional como método de focalização.
Esse método consiste em investigar qual a população sob risco, com base em
características individuais ou domiciliares correlacionadas à renda, utilizando
informação de pesquisas domiciliares. Assim, a experiência internacional de
focalização aponta no sentido de que, após as famílias serem entrevistadas e
registradas, a elegibilidade para o programa seja determinada através da aplica-
ção do Teste de Elegibilidade Multidimensional aos dados coletados (De La Brière;
Lindert, 2003). Podem-se acrescentar, ainda, quatro recomendações a serem
consideradas, para desenvolver e/ou melhorar um sistema de focalização exis-
tente:
a) inclusão máxima dos pobres com acesso universal e contínuo à inscri-
ção, para que qualquer família que considere necessitar do benefício
possa se inscrever a qualquer momento, ainda que esteja sujeita à
avaliação para recebê-lo;

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodos de avaliação da população-alvo 307

b) eficiência dos custos, ou seja, empreender esforços para minimizar os


custos de entrevistas domiciliares, através de mecanismos auxiliares
como focalização geográfica e auto-seleção;
c) alcance das famílias pobres, isto é, fazer com que as famílias carentes
saibam que são potenciais beneficiárias do programa e evitar o vaza-
mento aos não-pobres; e
d) transparência, tanto no cadastramento das famílias quanto na elegibili-
dade daquelas que entrarão no programa.
No Brasil, muito se tem avançado nos métodos para focalização, principal-
mente a partir da criação do CadUnico. No entanto, seguindo a experiência inter-
nacional e considerando a disponibilidade de boa base de dados estatísti-
cos oriundos de pesquisas domiciliares produzidas pelo órgão oficial de estatís-
tica — o IBGE —, pode-se sugerir o emprego sistemático do Teste de Elegibili-
dade Multidimensional aos dados coletados, o que certamente significaria um
avanço metodológico importante nas estimativas de população-alvo para políti-
cas sociais.
Por fim, deve-se ressaltar que o grau de sucesso na operacionalização de
políticas sociais focalizadas depende, em grande medida, da escolha adequada
dos métodos de focalização e da correta avaliação dos custos envolvidos nes-
sa escolha. Nesse sentido, essa etapa do trabalho deve merecer especial aten-
ção e debate.

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