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Maira Guimarães
Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos
(maira-guimaraes@ufmg.br)
Resumo:
Introdução
Os homens e as mulheres que encontramos na rua ou com os quais vivemos não são
nunca como os das revistas, e, no entanto, resquícios de homens e mulheres de
revistas se encontram em toda parte, em todas as lojas, em todas as academias, em
todas as conversas, em todos os sonhos. Logo, e paradoxalmente, são os únicos
reais. É bem provável que não há correlação direta entre o mundo e os textos, que
ler os textos não é igual a ler o mundo, mas é certamente, ainda mais verdadeiro que
em nenhum lugar esta correlação é mais estreita. Dito de outra forma, a realidade
pode não corresponder aos discursos (...) mas a questão verdadeira não é bem essa: a
verdadeira questão é a da correlação entre discursos e as ideologias, ou seja, entre os
discursos e o mundo como os sujeitos ‘pensam’ que é. Ou, vendo as coisas mais de
perto, quais as relações entre o que se diz e o conjunto de práticas que os sujeitos
assumem ou que se submetem.
Desse modo, concatenamos com a referida autora ao considerarmos que tanto as revistas femininas
quanto as revistas masculinas participam das práticas sociais reproduzindo aquilo que a mídia
impressa considera um padrão de comportamento, corpo e beleza.
Tendo em vista a bipartição mencionada acima para a retratação do mundo feminino e
masculino, buscamos analisar a transgressão dos imaginários sociodiscursivos sobre o corpo do
homem na mídia impressa, a partir das imagens icônica e etótica (ethos) presentes em um ensaio
sensual fotográfico.
1. O arcabouço teórico
1Tradução livre da profa. Dra. Emília Mendes para o curso intitulado: “Seminário de Tópico Variável em linguística do texto e do
discurso: Discurso da imagem” fornecido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguístico da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais durante o primeiro semestre de 2013.
na noção de imaginário sociodiscursivo proposta por Charaudeau (2007) e nas abordagens de
Nicolas (2012) no que diz respeito à transgressão.
O conceito de ethos foi cunhado pelo filósofo Aristóteles e, de modo superficial, pode ser
entendido como a imagem que o orador produz de si no e pelo discurso. Ao revisitar esse conceito,
Kerbrat-Orecchioni (2010, p. 125) nos assegura que: “Por outro lado, mesmo se quisessem, os
locutores não poderiam mudar radicalmente de ethos porque ele está ligado ao corpo: por mais
trabalhada que possa ser a comunicação, sempre ficará algo de irremediavelmente pessoal no timbre
da voz, nas mímicas, na postura.” Portanto, consideramos que, ao realizarmos uma análise da
corporalidade do modelo-personagem presente no ensaio sensual fotográfico, estamos nos pautando
nas estratégias argumentativas utilizadas para a construção de sua imagem. Para Lima (2013, p. 03):
Assim, tanto o discurso do corpo quanto o discurso icônico se definem como ferramentas para a
compreensão e a expressão de um sujeito através da exteriorização de apreciações, condutas e
valores sociais. Ainda no que concerne o conceito de ethos, Auchlin considera que (2001, p. 209):
2. O corpus
O ensaio sensual fotográfico intitulado “Sem Fantasia” foi publicado em outubro de 2010 na
revista Tpm2e apresenta em sua composição seis imagens em preto e branco e uma entrevista com o
apresentador Rodrigo Faro. Assim sendo, abarcaremos tanto o discurso verbal quanto o discurso
icônico, uma vez que acreditamos que estes dois elementos possibilitam uma maior compreensão
do gênero. Anteriormente à análise do corpus selecionado para o nosso estudo, julgamos
conveniente elaborar algumas ponderações sobre o discurso erótico.
A noção de erótico nos é apresentada inicialmente pelo filósofo Platão em sua obra O
banquete (380 a.C.), cujos temas principais são a natureza, o amor e as suas qualidades. Segundo o
autor, antes do surgimento de Eros, deus do amor na mitologia grega, existiam três tipos de seres: o
masculino, o feminino e o andrógeno. O corpo dos andrógenos era composto por quatro pernas,
quatro braços, quatro mãos, duas faces, dois genitais e uma cabeça. Ao desafiar Zeus, deus-rei do
Olimpo, estes seres são partidos em dois como forma de castigo. Após esta divisão, os andrógenos
sentiram a necessidade de procurar a sua metade correspondente e, é quando as duas partes se
encontram, que surge Eros: o desejo de se recompor e reestruturar a antiga formação.
É praticamente inviável debater sobre a noção de erotismo sem citar a pornografia, posto
que, para alguns estudiosos, há uma demarcação tênue entre o que é erótico e o que é pornográfico
cabendo, portanto, aos aspectos culturais a definição de tal limite. Nos estudos de Maingueneau
(2010, p. 28):
Para esse autor, erotismo e pornografia separam-se por meio de conceitos rígidos e estanques, como
indireto versus direto; civilizado versus selvagem; artístico versus comercial. No entanto, não
podemos deixar de sublinhar que um conceito se vale da oposição do outro para existir.
2A revista pertence à Trip Editora e desde 1986 está presente no mercado editorial na área de conteúdos especiais e comunicação. A
Trip Editora se qualifica no seu próprio site como uma das maiores esclarecedoras sobre comportamento e comunicação para
públicos especiais no Brasil, tendo como slogan a frase: “Refletir a sua verdade com os nossos olhos.” Atualmente, a Trip Editora
publica cerca de 40 milhões de exemplares por ano distribuídos em 14 títulos. http://www.tripeditora.com.br. (Acesso em 20 de
fevereiro de 2015)
Grosso modo, podemos classificar o erotismo como um jogo de insinuação, visto que ele se
dá pelo via do “mostra, mas esconde”. Ao contrário do discurso pornográfico, no discurso erótico
não encontramos a exibição explícita dos órgãos sexuais ou do ato sexual. Na maioria dos casos, o
discurso erótico possui o caráter do cotidiano que se erotiza de acordo com o seu contexto, como é
o caso das imagens de pin-ups em que notamos a erotização da cena através de pequenos acidentes
domésticos.
No que concerne ao erotismo nos ensaios sensuais fotográficos vinculados em revistas
impressas, consideramos pertinente ressaltar que o ato de fotografar pessoas nuas ou seminuas teve
início no século XX na França com o desenvolvimento da impressão e com a reprodução em grande
escala da fotografia. A partir desse período, o erotismo e a pornografia atingiram um grande número
de admiradores passando a se tornar um mercado bastante acessível e, principalmente, lucrativo. Na
esteira dos estudos de Del Piore (2011, p. 120):
Nos dias atuais, é mais comum encontrarmos revistas com ensaios eróticos femininos do que
masculinos. Uma hipótese para esse fato pode ser a difusão do discurso patriarcal dominante no
qual a mulher não se excita, tanto quanto o homem, com o visual, cabendo a ela, portanto, as
percepções sensoriais relativas aos outros sentidos, como o olfato e o tato.
Consideramos importante ressaltar que, no decorrer de nossa pesquisa3, não encontramos
nenhum ensaio erótico masculino que apresentasse a exibição da nudez – como é corriqueiro nos
ensaios femininos, posto que, na totalidade dos casos analisados, o modelo-personagem é retratado
com o corpo coberto e fragmentado, ou seja, há uma exploração maior do plano americano – aquele
que focaliza o fotografado do joelho para cima.
3. Análise do corpus
3O período de coleta das revistas Tripe Tpm se deu entre janeiro de 2012 e janeiro de 2013.
mulher. Por razões metodológicas de análise, em um primeiro momento, iremos analisar o discurso
verbal, para em seguida, fazermos um estudo das imagens icônicas, aliando assim texto e imagem.
Para dar início ao nosso estudo, gostaríamos de salientar que o modelo fotografado, Rodrigo
Faro, apresenta, atualmente, o programa televisivo Melhor do Brasil que é exibido nas tardes de
domingo pela emissora TV Record. No discurso de apresentação do modelo para a leitora da
revista, destacamos o seguinte trecho:
Chamado pela Record, em 2008, Rodrigo começou ganhando R$70 mil, ‘um pouco
mais’ do que ganhava na Globo. Hoje, afirma receber entre 15 e 20 vezes mais do
que quando fazia novela. Se calcularmos que seu salário dobrou ao mudar de
emissora, então hoje ele fatura no mínimo, meio milhão de reais – sem contar
merchandising, campanhas publicitárias e participação em eventos. E está
contratado até 2017. (REVISTA TPM, NÚMERO 103, ANO 09, P.56)
Ao retratar o apresentador como um homem que possui sucesso e êxito na sua carreira profissional,
destacamos a presença de elementos – a quantia recebida e o convite para atividades publicitárias –
que corroboram para a construção de um ethos de um homem que é rico, bem sucedido e que
apresenta a carreira em ascensão. A construção da imagem de um homem que é famoso e que
possui popularidade também se faz presente nas qualidades atribuídas a Rodrigo no decorrer da
entrevista, conforme destacamos:
Diante dessa overdose de imagem, o apresentador, que já foi ator da Globo, está
pensando em contratar seguranças. Ainda mais depois de que teve que ser
resgatado pelo corpo de bombeiros do stand de um dos patrocinadores de seu
programa, na Beauty Fair (Feira Internacional de Cosméticos e Beleza). Isso
porque cerca de 10 mil pessoas pararam o evento para tirar foto, pedir autógrafos e
dançar com ele. (REVISTA TPM, NÚMERO 103, ANO 09, P. 56)
Observarmos então que a imagem do apresentador elaborada pela revista Tpm se baseia no ethos do
homem que é reconhecido e ao mesmo tempo assediado por todos, no entanto, gostaríamos de
enfatizar que a fama de Rodrigo Faro não se caracteriza com algo momentâneo, já que ele foi
considerado por muitos, como um dos ícones masculinos de beleza, principalmente nos anos 1980 e
1990 quando era integrante da banda Dominó. 4
No que concerne à beleza e à popularidade do apresentador com as mulheres, durante a
entrevista, Rodrigo afirma que não se acha lindo, mas que tem virilidade, o que segundo ele é
importante. Sendo então indagado sobre o que é ser viril, o apresentador responde: “Se portar como
homem, que vai desde quando a mulher fala ‘Amor, não tô conseguindo abrir a lata da maionese’
até ser uma figura masculina que protege sua esposa e filhas”. Neste trecho, podemos observar dois
aspectos que merecem destaque. O primeiro aspecto está associado ao imaginário sociodiscursivo
referente à não relação do homem com a beleza física e o segundo aspecto se refere ao imaginário
4Dominófoiuma boy band brasileiraqueteveseuaugenosanos 80 e depois no final dos anos 90. A bandavendeucerca de 6 milhões de
discos no Brasilnosanos 1980. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dominó_(banda). Acessoem 15 de julho de 2014.
que remete à figura masculina como aquele que deve sustentar e proteger a família. De acordo com
Del Priore (2011, p. 156):
Desse modo, notamos que o discurso verbal de Rodrigo Faro sobre a aparência e o comportamento
perante à família endossa os imaginários sociodiscursivos pertencentes ao típico comportamento
masculino.
Na afirmação do apresentador: “Não me acho lindo, mas tenho virilidade, o que é
importante.”, destacamos a presença da conjunção alternativa mas como um indicador de
compensação: Não sou lindo, mas sou viril. Ao retratar a virilidade como uma característica
importante, Rodrigo deixa implícito o julgamento de que, para o homem,é mais importante ser viril
do que bonito, cabendo, portanto, à esfera do feminino a preocupação com a beleza. Segundo Perrot
(2007, p. 49):
A mulher é valorizada por sua aparência, é antes de tudo uma imagem, ela é feita de
aparências. A beleza serve como um capital na troca amorosa. Esta troca é desigual,
pois o homem exerce o papel de sedutor ativo e a sua parceira deve contentar-se
como objeto de sedução. Desta forma, as feias são ‘rejeitadas’ até que o século XX
apareça com a tópica: todas as mulheres podem ser belas. É apenas uma questão de
maquiagem e cosméticos, como dizem as revistas femininas.
Posto isso, destacamos que ao afirmar ser um homem viril, Rodrigo Faro atribui as dicotomias
fragilidade versus potência, inércia versus movimento, imanência versus transcendência ao
feminino e ao masculino respectivamente.
No que diz respeito aos imaginários sociodiscursivos referentes à virilidade, salientamos a
construção do ethos de um homem dotado de energia física e moral. Com relação ao vigor físico,
podemos constatar essa qualidade quando o apresentador faz alusão à sua capacidade de “abrir a
lata de maionese”, já no que concerne à vitalidade moral, apontamos o seguinte trecho da entrevista:
“... – e as contas da casa (‘um bolo assim’, diz, fazendo gesto que mostra mais de 5 centímetros),
que Vera paga pessoalmente no banco, com cheques assinados pelo marido”. Observamos,
portanto, que Rodrigo Faro se auto classifica como viril, pois acredita possuir ao mesmo tempo a
força física, financeira e moral para proteger a sua família. O que queremos dizer é que, ao se
apresentar como um homem que pagas todas as contas da casa e que auxilia a sua esposa nas tarefas
domésticas que necessitam de força muscular, Rodrigo endossa o imaginários sociodiscursivos
relativos à virilidade através da ideia de que um homem viril é aquele que demonstra coragem,
energia e hombridade ao se responsabilizar pelos seus “deveres sociais” e zelar pela sua família.
Partindo para a análise dos elementos icônicos, encontramos, nas imagens presentes no
ensaio sensual, objetos referentes ao mundo feminino conforme podemos observar:
A presença do sutiã e da meia 7/8 utilizada pelo apresentador servem para endossar a nossa
afirmação de que o fotografado apresenta uma proximidade e até mesmo um entendimento do
universo feminino, visto que ao ser perguntado sobre como foi a sua criação, Rodrigo responde:
Sou cercado por mulheres. Fui criado pela minha mãe e pela minha avó. Minha
diretora [Rita Fonseca] é mulher, tenho duas filhas [Clara, 5, e Maria, 2] e a Vera
[Viel, esposa dele e repórter do Amaury Jr.Show, na RedeTV!]. Não fui no puteiro
com 13 anos. Minha primeira vez foi com uma namoradinha no banheiro do salão
de festas do meu prédio [em São Paulo]. Minha mãe me explicou como eu deveria
tratar uma mulher. Isso é bom até para apresentar um programa em que a maioria
do público é feminina. Sempre tomo cuidado pra não ser machista, babaca.
É possível destacar que o sutiã e a meia 7/8 funcionam como elementos de fetiche, pois eles
rompem com a dicotomia normal versus anormal no que concerne aos padrões de moda masculina.
O que pretendemos demonstrar é que ao incorporar tais peças femininas mescladas ao vestuário
tipicamente masculino (camisa social com listras pretas e brancas), Rodrigo transgride com o que
seria “padrão” em relação aos imaginários sociodiscursivos do vestuário do homem. Ainda de
acordo com Canevacci (2008), o fetiche negligencia a identidade, portanto é através do uso de peças
femininas que o apresentador transmite a oscilação entre os gêneros masculino e feminino,
“descuidando” da sua identidade de homem e se aproximando da afeminação 5 . Consideramos
conveniente salientar que não é de nossa pretensão julgar tal comportamento como positivo ou
negativo, uma vez que esse não é o nosso objetivo proposto. O que buscamos é demonstrar como os
elementos verbais e os elementos icônicos relacionados ao universo sociodiscursivo da mulher
funcionam como unidades de significação que contribuem para a construção da feminilidade como
um elemento de transgressão dentro do gênero ensaio sensual masculino.
Dando continuidade a análise dos elementos femininos, gostaríamos de evidenciar alguns
aspectos gestuais relacionados à corporalidade de Rodrigo:
Nestas imagens consideramos oportuno o modo como o apresentador puxa a própria camiseta,
desse modo, a presença da oscilação entre os gêneros feminino e masculino se faz mais evidente
quando abordamos tal atitude do apresentador, visto que esse movimento nos traz como referência
as poses tipicamente femininas conforme podemos observar:
Figura 3: A intericonidade
Fonte: Revista Trip, número 193, 2010
4. Considerações finais
Referências bibliográficas