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O ESTADO COMO SUJEITO DE DIREITO DAS GENTES

De entre os vários sujeitos de Direito Internacional, o Estado soberano é o principal no


modelo de Vestefália. O Direito Internacional tem sido, ao longo dos séculos, um direito
construído pelo e para os Estados soberanos.
O Estado tem associado caraterísticas como a complexidade de organização e de atuação,
a institucionalização do poder e a natureza jurídica da autonomia. Jorge Miranda acrescenta ainda
a interdependência com o fator nacional, a secularização e a conceção do poder em termos de
soberania.
Maquiavel utilizava a terminologia Estado para significar a “despersonalização do
poder”. Dentro da organização jurídica do Estado pode ser individualizada a existência de uma
constituição, a relação entre os diversos poderes públicos, a relação entre os poderes públicos e
os cidadãos, os direitos e deveres dos cidadãos e a sua participação no poder.
Porque é que o Estado moderno só surge no século XVII?
Até ao século XVII vigorava a ideia de que os territórios eram propriedade de quem
detinha o poder político. O vínculo que liga a pessoa à terra não está no detentor do poder político
mas na própria terra logo, quando o território mudava de “dono”, as pessoas permaneciam no
território a que estavam vinculadas. Assim, os detentores do poder político servem o território e
o povo, não o usam em benefício próprio.
O Estado atuava na esfera internacional ao abrigo do princípio do equilíbrio europeu, de
modo a evitar a guerra e cumprindo, a nível interno, a doutrina da razão de Estado, isto é, a
políticas que permite ao Estado fazer tudo o que for necessário para se fundar, desenvolver e
crescer. O grande defensor desta teoria é Giovanni Botero – página 16 dos Livro dos Textos de
Apoio - que alega que os Estados, na esfera jurídica interna, podem fazer tudo o que for necessário
para o seu engrandecimento mesmo que para isso seja preciso cometer o ilícito. A doutrina da
razão de Estado (século XVII) permite que, no limite, se possam adotar política que possam pôr
em causa o comportamento lícito – os fins (o crescimento do Estado) justificam os meios. A Igreja
também defende esta ideia, rejeitando, no entanto, que a prática do ilícito seja admissível.
Só se pode começar a falar em Estado moderno como Jean Bodin que defendia que o
Estado tinha como elementos a população, o poder político e o território, ou seja, ter de ter uma
sociedade capaz de subsistir por si mesma, uma autoridade pública organizada e o
estabelecimento num determinado espaço territorial.
A conceção dominante na primeira metade do século XIX quanto à natureza jurídica do
Estado foi a corrente contratualista defendida por Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. Segundo esta
teoria, o poder político e o Estado tinham a sua origem num contrato, mesmo que fictício,
celebrado entre a sociedade civil e aqueles por ela escolhidos para governar.
Atualmente, os Estados são entendidos como associações políticas de indivíduos ou de
comunidades de pessoas, de homens livres, que se reúnem sob a mesma autoridade e obedecendo
à mesma lei. Os Estados podem classificar-se em dois grupos:
- Estados soberanos: têm capacidade internacional plena;
- Estados semissoberanos: têm capacidade internacional limitada.
Hoje temos como sujeitos de Direito Internacional os Estados, as pessoas, as organizações
internacionais. Esta construção é muito recente, datada do fim da 1ª Guerra Mundial: até aí,
apenas os Estados eram sujeito de Direito Internacional pelo que este era o direito aplicado nas
relações entre Estados e criado de Estados para Estados. Tem consequências porque vai fazer com

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que todas as comunidades não organizadas em Estados não sejam tidas como sujeitos de Direito
Internacional.

A SOBERANIA COMO ESSÊNCIA DO ESTADO


A soberania constitui a essência do Estado na medida em que lhe permite não reconhecer
nenhum superior nem na ordem externa nem na ordem internacional, permitindo negar ao Estado
qualquer limitação ou subordinação a outro poder.
Jean Bodin define soberania como sendo o poder perpétuo e absoluto de uma República,
o elemento organizador e estruturante de uma comunidade política, conferindo-lhe autonomia
interna e externa, pelo que o Estado soberano não reconhece qualquer poder superior. A soberania
significa assim superioridade e independência de uma comunidade política. Deste modo, é
possível dizer que as relações internacionais são o conjunto de relações entre entidades que não
conhecem um poder superior.
A soberania interna baseia-se no monopólio da coerção legítima de um Estado exercida
nas fronteiras do seu território. O Estado tem assim competência em território nacional sobre os
nacionais e também os estrangeiros.
A soberania externa permite ao Estado o direito de exclusão de interferência de outros
Estados no seu território nacional, o direito de participar na construção de Direito Internacional e
de defender os seus direitos e interesses face às demais potências. Está intimamente ligada ao
princípio da soberania, isto é, o facto de os Estados não terem nenhum superior na ordem externa.
Assim, a soberania é a afirmação da personalidade jurídica do Estado pela constituição
do poder político, ou seja, o exercício do poder necessário para governar uma nação. Deste modo
ela é indivisível e inalienável: indivisível pela ausência da partilha do poder e inalienável por ser
delegada não sendo, por isso, objeto de um contrato.
Os Estados soberanos são assim todas as Nações que se governam a si próprias, sobre
qualquer forma, sem dependência de nenhum Estado estrangeiro para governar-se em direção ao
seu fim. A nível internacional, um Estado é soberano quando tem direito a celebrar tratados (ius
tractuum), quando envia e recebe de forma livre missões diplomáticas (ius legationes) e quando
tem direito de fazer a guerra (ius belli).
Para Rousseau, a soberania passa a constituir um exercício da vontade geral que é
indivisível e inalienável. O autor defende a ideia de Estado de Natureza, isto é, o estágio evolutivo
anterior à passagem do Homem para o Estado atual. Tal como Locke e Hobbes, Rousseau é
contratualista e, deste modo, defende que o Homem escolheu viver em sociedade através do
contrato e, assim, limitou parte da sua liberdade em detrito da maioria. Nessa altura não existia
qualquer lei positiva devido ao facto de não haver um órgão que a emanasse: o que existia era a
lei natural pois é da natureza racional o Homem obedecer a um conjunto de regras ainda que não
haja uma autoridade para as impor. Esta mesma lei natural é inspirada pela justiça e racionalidades
aceites nesse mesmo Estado de Natureza.
A Comunidade Internacional é uma sociedade integrada? Esta ideia não existe nas
relações internacionais devido ao facto de serem sempre os interesses dos Estados que levam a
melhor; se algum dos Estados enfrenta algum tipo de problema, a lógica nesta situação é de
egoísmo e autocentro.

A ESCOLA ESPANHOLA DO DIREITO DAS GENTES

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Surge a Escola Peninsular do Direito Natural ou Escola da Paz (pertencente à Segunda
Escolástica - século XVI) que vai aplicar o pensamento da Primeira Escolástica (o pensamento
de São Tomás de Aquino) à realidade da época. O direito internacional tem como pioneiros os
teólogos desta escola como Francisco Vitoria, Luís de Molina e Francisco Suarez.
A chegada à América constitui uma mudança de paradigma. Até então o Direito das
Gentes era aplicada às potências cristãs (inter se) e às relações entre as potências cristãs e as
potências não cristãs (intra se).
A) VITORIA
Vitoria concebe a sua teoria aquando esta mudança de paradigma e a sua teoria acaba por
cair por terra dado que, devido a Maquiavel, existe a conceção de Estado vigente que não é
abordada por Vitoria dado que ninguém falava em Estados mas em povos organizados - a ideia
de Estado como o autor a descreve apenas tem relevância no século XX quando verdadeiramente
se começa a falar em Estados - e porque a mesma não correspondia aos interesses espanhóis
quanto à ocupação dos territórios espanhóis. No entanto, esta tinha como objetivo o fim da guerra
e a promoção da paz.
Vitoria é considerado pela doutrina internacionalista como o pai do ius gentium moderno.
Foi um frade dominicano e professor de direito canónico da Universidade de Salamanca que fazia
as lições que apresentava aos seus alunos (relectio), sendo a mais importante a Relectio des Indis.
A sua grande preocupação nessa obra era saber como é que os espanhóis estavam a ocupar
a América. Será que podem ocupar o território do novo mundo sem consentimento dos índios e
fazer guerras aos mesmos ou até impor-lhes a prática comercial?
Surge ainda a dúvida de saber qual era a natureza jurídica dos índios uma vez que não
são europeus nem cristãos. Assim, os índios são homens ou animais? Ser homem é ser cristão
porque o Direito que se conhece é europeu. Deste modo, os restantes povos são infiéis que são
menorizados por se considerarem primitivos, logo o Direito aplicava-se apenas às pessoas, à
relação de umas com as outras enquanto comunidade.
Vitoria vai ser disruptivo nalgumas partes da sua obra porque na Idade Média havia um
conceito, o de “guerra justa”, onde cabia a ideia de que contra infiéis a guerra era sempre justa. A
figura do infiel pode ser definida como aquele que tendo sido evangelizado, recusa Cristo.
Atendendo a esta ideia, será que os índios serão mesmo infiéis? Não, estes são pagãos dado que
nunca tiveram contacto com Deus e por isso os espanhóis não lhe podem fazer guerra.
Os povos das Américas eram donos dos seus bens, pelo que os cristãos, pelo único motivo
de os índios serem bárbaros, não podiam ocupar-lhes os bens. Assim, o território dos índios não
poderia ser considerado res nullius – um continente vazio/desabitado para a ocupação europeia -
e, com os Descobrimentos, adquiriu-se um conhecimento da sua existência e não um direito de
os ocupar pelo que a colonização só se devia constituir sobre os povos que não tivessem
capacidade social e política para se governarem. O continente Americano foi objeto de uma
conceção exclusivamente estadual do Direito Internacional porque as tribos foram divididas sem
ter em consideração o facto de tribos inimigas passarem a coabitar no mesmo território apenas
devido ao fato de não serem consideradas como sujeitos de Direito Internacional por não estarem
organizadas em Estados com soberania.
Os índios podem impedir que os espanhóis se estabeleçam no continente Americano e
realizem trocas comerciais com eles? O ius communicationes é o direito de estabelecer relações
com alguém. Este direito é natural e inerente a cada pessoa e povos enquanto organização política
logo, daí decorre que o Homem tem o direito de estabelecer relações comerciais com outros e só
pode recusá-lo se tiver um motivo. O ius peregrinandandi é o direito de migração logo, o Homem

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tem o direito de habitar os territórios do mundo e os povos não podem proibi-lo. Assim, os
espanhóis têm o direito de migrarem para os povos americanos e estes têm o dever de os acolher
se não houver motivo forte que imponha o contrário.
Segundo Vitoria, os povos que se organizam em Estados encontram-se unidos entre si
pela natureza humana, constituindo um obre, caracterizado por ser uma família de Estados.
Vitoria funda o seu pensamento numa vertente comunitária e não individualista logo o Direito
Natural não era aplicável ao Homem enquanto indivíduo, mas sim aos povos, ou seja, as
comunidades europeias que eram orientadas por esses mesmos princípios comuns.
O orbe não tem origem num contrato pelo que a ligação entre as comunidades se faz pelo
ius gentium que se transforma em direito positivo através da celebração de contratos e convenções
entre os homens. Este não é uma criação da vontade humana, mas sim uma decorrência da
natureza racional do Homem. Para Vitoria, o Direito das gentes “é aquele que a razão natural
estabeleceu entre todas as gentes”.
Gaio defende a razão natural aplicada a todos os Homens. Trata-se de um conceito
individualista e que tem em vista o Direito Internacional Privado. Vitoria seguiu de perto a
definição de Direito das Gentes de Gaio - “quod naturalis ratio inter omnes homines constituit,
voctur ius gentium” - que se traduz numa ideia de um direito comum universal aplicado às
relações entre seres humanos como indivíduos. Apesar da influência de Gaio, Vitoria alterou a
sua definição ao substituir o termo “homines” por “gentes”, integrando no conceito de ius gentium
todos os povos e nações porque a razão natural é aplicada às relações entre as comunidades e,
assim, todos os povos minimamente organizados são sujeitos de Direito das Gentes, tendo dado
origem a um conceito moderno de Direito Internacional onde os Estados são considerados como
sujeitos exclusivos desse mesmo direito. Logo, enquanto os índios habitarem em comunidades
são sujeitos de Direito das Gentes.
Na sequência da definição, Vitoria admitiu um Direito das Gentes positivo criada pelo e
para o orbe que uma vez criado era obrigatório para todos os Estados porque tal decorre da sua
existência. A comunidade europeia (orbe) é constituída por todos os povos organizados e, por
isso, os índios das Américas são membros de uma comunidade internacional, ou seja, o ius inter
gentes assumiu um caráter mais amplo do que um “Direito entre Estados”, uma vez que a
categoria de “gentes” integrava também organizações políticas mais rudimentares como as
formadas pelos índios americanos. Assim, Vitoria admitiu a personalidade jurídico-internacional
das comunidades políticas não-cristãs e considerava-as em igualdade jurídica com as cristãs,
fundadas no Direito Natural, logo os direitos que os povos europeus têm uns em relação aos outros
têm de ser respeitados de igual forma no que toca aos índios.
Sinteticamente, Vitoria vai olhar para o Direito das Gentes como sendo um direito
preexistente e natural que decorre da constituição da humanidade e numa orbe. Existem princípios
jurídicos que pautam os povos e as relações entre eles que preexistem também e, por isso, não
integram as relações bilaterais entre povos, nomeadamente acordos internacionais e tratados, pelo
que Vitoria não admite a existência de um direito convencional.
B) SUÁREZ
Para Suárez, o Direito das Gentes era um complexo de normas válidas por decorrerem da
lei natural e elaboradas e impostas pelos povos, com o objetivo de eliminar a guerra, promover a
paz e dar garantia às relações económicas e comerciais estabelecidas entre os vários povos.
O Direito das Gentes situava-se entre o Direito Natural e o Direito Humano, encontrando-
se mais próximo do primeiro, mas sem se identificar com ele, uma vez que é criado pelo homem

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por força do seu arbítrio e era aplicado às relações entre comunidades organizadas pelo que, por
exemplo, o costume pode ser considerado como fonte de Direito Internacional.
O fundamento do Direito das Gentes, ou seja, a razão pela qual os Estados cumprem o
Direito Internacional, encontra-se na ideia de que estes o cumprem porque decorre da sua
existência, mas em razão da sua própria vontade, isto é, em razão do consensus gentium - o
consentimento dos povos em cumprir o Direito Internacional, não havendo qualquer sanção se
não o cumprirem.
O Direito das Gentes não apresenta assim um caráter de necessidade com o Direito
Natural pelo que não é imutável e comum a todos os Homens, mas sim mutável, comum e evidente
para apenas alguns porque como parte do seu núcleo é oriundo da produção humana, uma parte
pode ser afastada porque a sociedade evoluiu. Suárez distingue assim dois tipos de preceitos:
- Preceitos primários - decorrem do Direito Natural e impõe-se aos Estados;
- Preceitos secundários - decorrem da sociabilidade do Homem e da interação dos Estados
uns com os outros e, por isso, podem ser afastados por tratados ou costumes, por exemplo.
Quais são as regras do Direito das Gentes para Suárez?
- Divisão dos povos em reinos:
- Direito de fazer a guerra;
- Regras de delegação (enviar e receber diplomatas);
- Celebração de tratados;
- Regras de relações comerciais.

A ESCOLA DE GRÓCIO
Já no século XVII, surge um outro autor: Grócio. Considerado um dos fundadores do
Direito Internacional moderno por ter tido um papel fundamental na laicização deste ramo de
Direito: até Grócio, a guerra era trabalha pelos teólogos e avaliada em termos de pecado ou justa
realizá-la; posteriormente, é avaliado se a guerra é legítima ou não através do Direito.
As suas teorias não constituem uma novidade dado que são inspirada nos autores acima
referidos embora não seja nem teórico nem professor, mas sim diplomata, o que fez com que a
sua obra não fosse escrita em latim pelo que poderia ser lida por quem não era estudante
universitário.
Grócio, na obra “De Jure Belli ac Pacis” (1625) que se divide em duas partes - Direito
das Gentes em tempo de guerra e Direito das Gentes em tempo de paz - pretende dar respostas
claras e concretas às dúvidas que se pudessem suscitar nas relações entre os Estados (que era a
sua grande preocupação). Assim, o Direito das Gentes tinha como finalidade determinar as
relações jurídicas existente entre os vários Estados em tempo de paz e de guerra pelo que deveria
ser algo útil ao Estado.
A descoberta do Novo Mundo, o desenvolvimento comercial, o fim da Respublica
Christiana1 provocada pelas divergências religiosas e a emergência de novos Estados, exigiam
que se criasse um mecanismo de prevenção da guerra e manutenção da paz. Grócio entendeu que

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Construção política medieval em que a Europa está subordinada ao poder temporal do Papa e
ao poder do Imperador.
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a forma de ultrapassar o fim do poder do Papa e do Imperador na Europa era através do
fortalecimento de um Direito superior a cada povo, que vigorasse mesmo em estado de guerra.
Grócio olha para o Direito das Gentes como um direito natural aplicado às relações entre
as comunidades políticas organizadas, isto é, às nações (futuros Estados). O autor não nega o
direito das gentes voluntário que decorre das práticas dos Estados, seja ele costumeiro ou
convencional.
Porque é que os Estados cumprem o Direito das Gentes? O Estados cumprem-no porque
é necessário, embora também exista direito voluntário onde cumprem porque o Direito das Gentes
decorre do consentimento dos povos. A este propósito Grócio vai teorizar o princípio pacta sunt
servanda: a boa fé aplicada ao Direito Internacional onde os Estados cumprem aquilo a que
comprometeram.

DOUTRINA DO MARE LIBERUM E DO MARE CLAUSUM


A disputada liberdade de navegação nos mares descobertos por espanhóis, portugueses,
holandeses e ingleses constitui uma questão do Direito Internacional dos finais dos séculos XVI
e XVII. Na base da controvérsia estava a defesa de Portugal e de Espanha à propriedade das terras
descobertas e dos mares que uniam às respetivas metrópoles.
A) MARE LIBERUM
A doutrina do mare liberum assenta no ideal do Direito Romano que considerava o mar
como uma res communis omnium, ou seja, uma coisa comum à humanidade. O mar, ao não poder
ser apropriado, não era propriedade de ninguém a não ser o mar adjacente à costa em benefício
de algumas pessoas particulares em função da pesca e de qualquer orla marítima que lhe
conferisse esse direito (como preferem os glosadores).
Hugo Grócio vai defender o direito de todos os povos à utilização das rotas marítimas e
a retirada das rotas comerciais de todos os povos. Acredita também que a propriedade da
descoberta não é mais que isso mesmo, não confere aos povos que a detém nenhum título
aquisitivo e as rotas não são apropriáveis e por isso não se pode exercer posse sobre as mesmas.
Para o autor, não é admissível que, após uma reforma protestante, a bula papal possa restringir a
propriedade do mar dado que esta apenas se limitou a resolver o problema entre os portugueses e
os espanhóis e, por isso, apenas existiu para pôr fim a uma causa bilateral, não tendo qualquer
relevância para os restantes povos.
B) MARE CLAUSUM
A doutrina do mare clausum é defendida por Portugal e Espanha através de Frei Serafim
de Freitas e Inglaterra por Selden. Para esta parte da doutrina, o mar pertence a quem detém a
exclusividade de navegação e de rotas comerciais devido à propriedade da descoberta como título
aquisitivo de direito de propriedade, ou seja, aquele que tivesse chegado primeiro às terras, sendo
estas habitadas ou desabitadas por povos não civilizado, tinha direito à posse desse território.
Esta ideia vai ser aplicada também às rotas comerciais (quem primeiro navegou aquele
mar tem direitos de comercialização sobre ele) sendo necessário que estas se reiterem para que
delas se possam retirar benefícios e, deste modo, é necessário o reconhecimento papal (Nicolau
V) através de bulas para que a propriedade e a posse das rotas possam ter eficácia erga omnes.
Princípios que decorrem desta discussão

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No século XIX vai-se iniciar o processo de internacionalização dos rios assente na
premissa de que os rios são uma via de comunicação entre Estados e por isso, devem ser livres
(de taxas e de impostos e de circulação) pelo que neste âmbito surge o princípio da liberdade dos
rios (internacionais) que se aplica precisamente aos rios que servem de fronteira ou atravessam
dois ou mais Estados.
As primeiras organizações internacionais que surgiram tinham como objetivo de gerir os
rios internacionais (Tratado de Viena de 1815 - regulação da circulação nos rios Reno e Escalda).
O Direito Internacional da época distinguia, quanto aos rios:
- os que atravessavam como navegáveis mais de um Estado;
- os que tinham importância para o comércio de outras Nações (quer atravessassem ou
não mais de um Estado);
- os que eram unicamente navegáveis nos limites de um Estado ou nação.
Assim, fixou-se que as potências cujos Estados fossem separados ou cortados por um
mesmo rio navegável se obrigariam a regular de comum acordo tudo o que dissesse respeito à
navegação desse rio ou rios, devendo-se para tal fim nomear comissários.
A propósito da soberania plena, existem dois princípios:
1) Princípio da indivisibilidade da soberania - a soberania não é divisível internamente,
ou seja, o soberano não pode partilhar a soberania com outras instituições do Estado, nem
externamente com outro Estado;
No século XVIII é impossível haver organizações internacionais porque o Estado não
pode aceitar participar com outro Estado para decidir sobre uma coisa que é comum por abdicar
de parte da sua soberania para tal.
2) Princípio da inalienabilidade - não é possível um Estado vender parcelas da uma
soberania quanto ao seu território, mas pode alienar colónias por não fazerem parte do seu
território.

OS NEGADORES DO DIREITO DAS GENTES


O século XVII vai trazer modificações. Com a emergência do Estado Moderno, alguns
autores vão olhar para o Estado numa conceção hiperbólica - o Estado é o único produtor de
Direito. Negam que o Direito seja geral e obrigatório para todos porque não há um poder
supraestadual que o controle nem produza, embora não neguem que as relações entre Estados
existam: o Direito das Gentes é um direito aplicado apenas aos Estados que o produziram.
A) HOBBES
Hobbes, defensor de um “estado de natureza” como um constante “estado de guerra” em
que os homens são iguais, sustentou a ausência de vínculo jurídico entre as nações.
Era o medo da morte, de perder os bens que possuía, que fazia com que o Homem
procurasse a paz porque o Homem é um ser social e mau por natureza e, por isso, tem capacidade
de autodestruição. A única forma de prosseguir a paz era através da constituição da sociedade. O
objetivo da sociedade e o fim do Direito era assegurar a existência de segurança através da
imposição de um superior autoritário. Para esta fosse alcançada era necessário que o Estado usasse
sanções que constituíssem a essência do Direito.

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A sociedade, no pensamento de Hobbes, era constituída por m pacto através do qual cada
um transferia todos os seus direitos para o homem ou grupos de homens que a maioria escolhesse.
Após a celebração do pacto, o conjunto dos homens que transferiram os direitos constituía-se
numa “pessoa” denominada Estado, a quem os homens deviam a paz e a proteção. No Estado,
cada membro da sociedade sujeitava-se à vontade do chefe como se fosse a sua.
O Direito positivo só podia estabelecer-se através de uma autoridade superior. A
inexistência de uma autoridade supraestadual implicava a inexistência de um Direito das Gentes
positivo, razão pela qual os Estados estavam constantemente em Estado de guerra.
Hobbes considerou que o Direito Natural se dividia em Direito Natural do Homem e
Direito Natural dos Estados: o primeiro era aplicado às relações interna de uma Nação, entre
governantes e governados e o segundo era aplicado às relações entre Nações.
Um dos preceitos fundamentais de Direito Natural no pensamento de Hobbes era o de
fazer tudo o que fosse necessário para a prossecução da paz. Como corolário deste preceito,
Hobbes individualizou o princípio pacta sunt servanda, através do qual defendia a ideia de justiça
e o princípio de que enquanto não houver pacto, interno ou internacional, não podia haver atos
injustos.
Em Hobbes, o Direito residia no Estado. Ao lado ou acima do Estado não se podia falar
em Direito, pelo que o Direito Internacional era algo vão, por não poder existir nada superior aos
Estados. Os vários Estados viviam uns com os outros num “estado de natureza”, pelo que para
não se ameaçarem, podiam celebrar pactos entre si. O Direito das Gentes, que podia ser
secundário ou positivo, era o resultado dos tratados e convenções escritas que as nações
celebrassem entre si.
B) Hegel
Hegel, apesar de não ser um negador do Direito Internacional, redu-lo a um Direito
estadual externo, dado a ausência de um poder supraestadual.
Hegel considerou também, tal como Hobbes, que um verdadeiro Direito das Gentes só
seria possível baseado num poder supraestadual. Hegel negou, no entanto, a existência de uma
entidade supraestadual, uma vez que o Estado era uma realidade moral e poder absoluto sobre a
Terra.
A soberania do Estado era total, pelo que não reconhecia nenhum ordenamento jurídico
superior capaz de o limitar. O Direito Internacional para Hegel não radicava numa vontade
supraestadual, mas em “vontades soberanas diversificadas” ou, dito de outro modo, em vontades
particulares. A coexistência pacífica entre os Estados, que se encontrava dependente da vontade
individual de cada Estado, residia no dever de respeitar os tratados existentes. Assim, as relações
entre Estados soberanos são relações privadas pelo que o Direito das Gentes é Direito privado.
Quando a vontade particular de um Estado não se entende com as restantes, o único meio de
resolução do problema é a guerra: esta pode ocorrer porque houve violação dos tratados ou uma
ofensa à honra e à soberania.

ESCOLAS JUSNATURALISTAS DO DIREITO DAS GENTES


A partir do século XVII desenvolveu-se uma corrente no estudo do Direito Internacional
denominada de Direito Natural que negava ou a existência ou o valor de um Direito das Gentes
positivo.
A) PUFENDORF

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É o primeiro grande jurista que se dedica ao Direito Internacional e apresenta a sua
definição – o Direito das Gentes é o Direito Natural aplicado às relações entre os Estados - que
marca a diferença relativamente ao século XVI por ser o primeiro autor que fala em Estados
(como sujeitos de Direito Internacional). Assim, povos não organizados em Estados não são
sujeitos de Direito das Gentes pelo que se vai impor a conceção de direito civilizacional – apenas
se aplicava às sociedades independentes que se constituíssem como Estados.
Pufendorf escreveu uma obra, “De jure naturae et gentium”. Por quê “Direito natural
das gentes” (nome da obra)? É o direito natural aplicado às pessoas que vai servir de modelo para
os Estados. Tal como as pessoas têm direitos naturais que lhe são inerentes, também os Estados
têm direitos naturais que lhe são inerentes, chamado Direito das Gentes. Assim, para o autor, o
Direito Natural e o Direito das Gentes constituíam uma e a mesma coisa. A mesma lei que se
denomina de “Natural” quando se refere aos deveres dos particulares, denomina-se Direito das
Gentes quando se aplica aos Estados.
Pufendorf considerou o Direito Internacional como Direito Natural aplicado às
sociedades independentes que se constituem em Estados, pelo que negava a existência de um
Direito das Gentes positivo/convencional, fundado no consentimento das nações, baseado numa
vontade superior e distinto do Direito das Gentes natural. A inexistência de um Direito positivo
justificava-se pela ausência de uma entidade superior que o criasse e impusesse, pelo que os
tratados e os costumes não tinham um caráter normativo por serem análogos aos contratos de
Direito privado porque apenas vinculava os Estados que lhe davam origem. O Direito das Gentes
é sempre obrigatório porque é Direito Natural.
B) VATTEL
Vattel escreveu a sua obra “Le droit de gents” que marca o Direito Internacional do século
XIX não por ser uma obra inovadora, mas por ser uma obra útil para aplicação aos Estados,
respondendo a todas as questões existentes até ao século XX relativamente ao Direito
Internacional de forma muito clara, de forma a generalizar e tornar acessível esse mesmo ramo
de Direito.
Este autor ultrapassa o pensamento de Pufendorf e aproxima-se mais do pensamento de
Grócio. Vattel considerou o Direito das Gentes como não sendo mais do que o Direito Natural
aplicado às nações, a uma sociedade de nações. O fundamento de existência do Direito das Gentes
encontrava-se no Direito Natural: se os Homens estavam submetidos ao Direito Natural e
correspondendo a vontade (soberana) das Nações às vontades reunidas de todos os Homens,
lógico é que a Nação se submetesse ao Direito Natural.
Assim, Vattel divide o Direito das Gentes em três ramos:
- Direito das Gentes necessário: é o Direito Natural aplicado aos Estados sendo, por isso,
obrigatório sob pena de pôr em causa a existência dos Estados e provocar uma guerra entre eles.
É imutável por se fundar na natureza do Homem e não pode ser alterado nem dispensado através
de convenções, costumes ou tratados. É constituído por princípios inalienáveis e imutáveis –
princípio da soberania, da igualdade e da independência;
- Direito das Gentes convencional: não era considerado um direito universal, mas sim
particular – vincula apenas as partes contratantes;
- Direito das Gentes costumeiro: o costume internacional – usos estabelecidos entre
nações particulares – é obrigatório apenas entre os Estados que lhe deram origem.
O Direito das Gentes é mutável? Sim, mas apenas relativamente ao Direito das Gentes
convencional e o Direito das Gentes costumeiro.

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O SÉCULO XIX: A ERA DO POSITIVISMO
O século XIX vai seguir muito de perto a obra de Vattel e vai dominar o pensamento
internacionalista na primeira metade. Já a segunda metade vai assistir a uma nova realidade: o
positivismo jurídico, que fica marcado pela emergência das codificações, ou seja, só é Direito
aquilo que estiver escrito (trata-se de um sistema esférico).
Blunstchli queria, através da sua obra “Droit International codifié”, elaborar um código
de Direito Internacional para aplicar aos Estados que unificasse as práticas internacionais até
porque, sendo este um Direito fragmentado, carecia de um legislador supraestaduale um tribunal
para aplicar as decisões judiciais. No entanto, tal não chegou a ser concretizado dado que o Direto
Internacional não tem fundamentos estáveis nem definidos que suportassem a construção de um
código que se desejava imutável e de aplicação universal. Os Estados consideravam tal ideia uma
violação do seu direito de soberania até porque o Direito Internacional não tem o mesmo
desenvolvimento que o Direito Interno.
Já no século XX surgem duas correntes:
1) Corrente normativista (Kelsen e Karl Schmidt) – tentativa de construção de sistemas
internacionais cada vez mais ligados ao direito positivo. Os Estados cumprem o Direito
Internacional porque se obrigaram a tal devido ao princípio pacta sunt servanda;

Costume
internacional

Princípio pacta
sunt servanda

Tratados internacionais
Direito aplicado aos
Estados (Pirâmide Kelsiana)

2) Corrente voluntarista (Truyol y Serra) – o fundamento do Direito Internacional não


reside em princípios, mas nas vontades do Estado em cada momento. Os Estados cumprem o
Direito Internacional porque querem e na medida em que sirva a sua vontade soberana.

RESPUBLICA CHRISTIANA
Na Idade Média não existiam Estados porque, para que estes pudessem existir, era
necessário que houvesse soberania externa, ou seja, não existissem superiores na ordem externa
que lhes imponham regras, deveres e obrigações. Deste modo, para que os Estado pudessem
adquiri-la foi necessário destruir a ordem jurídica medieval e com ela a Respublica Christiana que
consistia na organização de territórios independentes que tinham dois superiores na ordem
externa: o Papa e o Imperador. Deste modo, a sua independência era apenas aparente uma vez
que o Papa se arrogava como descendente dos Imperadores e, por isso, era o detentor do poder
temporal e político, o que lhe permitia nomear reis, impedir a guerra e delimitar fronteiras. O
Imperador, por seu lado, teve um grande papel no centro da Europa – para lá dos Pirenéus – mas
os reis portugueses nunca se consideraram seus vassalos por nunca ter colaborado na conquista
do território português.
A Respublica Christiana termina devido às novas culturas, ideologias e mentalidades
associadas aos Descobrimentos impulsionados pelos portugueses e castelhano que permitiram aos

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reinos terem riqueza suficiente para criarem um aparelho de Estado e centralizarem o poder nas
mão do Rei que muitas vezes eram ameaçado por nobres com grande poder político e monetário
que tentavam controlar as suas decisões. Assim, deixa de ser um “primus interpares” e passa a
sentir-se verdadeiramente como um Rei, tornando-se independente dos outros que o sustentavam.
Também na origem do fim da Respublica Christiana se encontram as reformas
protestantes que representam um golpe no poder temporal do Papa porque existiram territórios
que se desvincularam deste e que vão considerar que a sua legislação tem de ser alterada. Por fim,
a Guerra dos Trinta Anos foi outro golpe na medida em que concretizou a aquilo que a
reforma já havia começado, tirando efetivamente todo o poder temporal do Papa.

PAZ DE VESTEFÁLIA
Tudo se inicia com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) que começa por ter uma génese
religiosa – opondo os católicos aos protestantes – que posteriormente se alarga para uma guerra
política. Nesta época (século XVII) a casa dominante era de Habsburgo (Áustria).
Filipe II – rei de Espanha e pertencente à casa dominante – tenta impor a religião católica
aos boémios (atuais checos) que não vêm com bons olhos a sua pretensa porque consideravam
que os seus direitos, querendo continuar a ser protestantes.
Já seu pai Carlos V - imperador do Sacro Império Romano-Germânico e Carlos I de
Espanha - havia tido alguns conflitos com os príncipes protestantes que terminam com a Paz de
Augsburgo em 1555, resultando numa tolerância oficial dos luteranos no Sacro Império. Assim,
cada príncipe poderia escolher a religião que se aplicaria no seu império; aqueles que não
quisessem seguir a religião do príncipe poderiam mudar de território sem qualquer tipo de
consequência. No entanto, esta solução revela-se insuficiente porque começam também a surgir
calvinistas que se pretendem igualmente afirmar como uma religião tolerada no Sacro Império,
pelo que este tratado apenas resultou numa acalmia religiosa.
Assim, a revolta inicia-se na Boémia porque Fernando II – rei da Hungria e da Boémia,
irmão de Carlos V -, católico fervoroso, vai, à semelhança do seu sobrinho, impor a religião cristã
ao seu povo, violando novamente os seus direitos. Atendendo às proporções da revolta civil que
se gera, pede apoio ao seu sobrinho-neto Filipe IV de Espanha (III de Portugal) que entra na
disputa quando esta já havia começado, nomeadamente com a França – liderada pelo Cardeal
Richelieu (primeiro-ministro francês) - que procurava quebrar a hegemonia de Espanha na Europa
uma vez estavam “entalados” entre membros da Família Habsburgo (Portugal, Espanha, Itália e
Ilhas Cecílias).
Assim, a França tinha ainda como interesse criar uma rede de alianças cruzadas para
erodir o povo da Família Habsburgo através do financiamento das guerras rebeldes (boémios,
suecos, portugueses e italianos) e enfraquecer os Estados alemães, fragilizando o Sacro Império
e separando a Espanha e a Áustria – “vizinhos fracos, fronteiras estáveis” (Cardeal Richelieu).
A Guerra dos Trinta Anos termina com o Congresso de Paz (1643-1648) onde são
assinados tratados em Osnabruque (onde se reúnem os católicos) e em Münster (onde se reúnem
os protestantes). Participam nas negociações todos os países exceto a Inglaterra e a Polónia.
Portugal participa nas negociações mas como integrado nas comitiva francesa e não como Estado
soberano porque Filipe IV não o aceita senão como Estado rebelde, recusando ratificar o tratado
se Portugal se tornasse parte dele.
Os Tratados de Paz, em conjunto com o Tratado dos Pirenéus (1659) que põe fim à guerra
entre França e Espanha, representam um ruir do modelo medieval das relações internacionais que

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existia na Respublica Christiana, não havendo agora o poder do Imperador ou o poder temporal
do Papa, surgindo então, em 1649, as relações internacionais modernas. Assim, estes trouxeram
inovações no sentido das negociações multilaterais, a figura do mediador e a codificação do
direito de legação, isto é, o direito de enviar e receber diplomatas nem como o segredo de
negociação.
1) Consequências políticas
- Reformulação do Mapa Europeu: o fim da Respublica Christiana leva ao surgimento de
novos Estados. Assim, surgem os Estados-tampão, aos quais lhes é reconhecida a sua
independência: a Suíça (pelo Império) e a Holanda (por Espanha). Têm esta designação porque
tendem a ser Estados de proteção em relação a outros territórios assumindo, no entanto, um papel
de neutralidade, para que sejam uma porta fechada à passagem de exércitos. A França recebeu os
territórios dos Três Bispados bem como o direito de voto na Dieta Alemã – assembleia de
príncipes alemães que decidiam o dia-a-dia dos seus territórios - juntamente com a Suécia que se
instalara nos estuários dos grandes rios alemães. É proclamada a liberdade de circulação no rio
Reno que ligava a Suíça ao Mar do Norte
O mapa da Europa é refeito em Viena de acordo com o princípio da legitimidade,
preconizada por Talleyrand, representante do governo francês tornando-se uma arma de
diplomacia francesa porque permitia à França derrotada:
- ficar com a garantia da intocabilidade das suas fronteiras territoriais
- limitar a possibilidade de ganhos territoriais da Rússia e da Prússia
- não desagradava à Áustria;
- Princípio do equilíbrio: princípio não jurídico que vai permitir aos Estados manter uma
posição de equidistância nas suas relações uns com os outros sem abdicar dos seus objetivos de
desenvolvimento e crescimento, sem provocar a guerra; realiza-se através da diplomacia,
celebração de acordos e tratados internacionais e políticas de casamento;
- Princípio do equilíbrio do poder: a segurança do Estado depende da estabilidade das
suas fronteiras (tal como defendia o Cardeal Richelieu).Tem consagração escrita no Tratado de
Utrecht (1713) que põe fim à sucessão espanhola para que a coroa francesa e espanhola não
estivessem nas mãos da mesma pessoa e não pôr em causa o equilíbrio. Este princípio reduz as
possibilidades de utilização da força, sensibiliza para o sentido de justiça comum e balança os
poderes entre vários Estados;
- Os calvinistas foram reconhecidos internacionalmente.
2) Consequências jurídicas
- Princípio da independência: o poder político de um Estado é independente do poder
político do território vizinho;
- Princípio (vestefaliano) de igualdade: os Estados são formalmente iguais porque são
soberanos e independentes uns dos outros;
- Princípio da soberania: os Estados não têm superior na ordem externa (ou interna);
- Princípio “cada rei sua religião”: a religião oficial de cada reino é aquela que o seu rei
praticar;
- Princípio da não intervenção: os Estados não podem intervir na esfera jurídica alheia
porque põe em causa o princípio da soberania;

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- Laicização do Direito: a Paz de Vestefália, juntamente com Grócio, vai afastar o
profundo punho teológico que estava associado ao Direito. Assim, emerge uma nova ordem
política de superação do modelo teocrático que existia para uma ordem laica.
Do ponto de vista jurídico há igualdade dos Estados, mas do ponto de vista fáctico tal já
não se verifica na medida em que existe uma posição hegemónica que antes de Vestefália
pertencia à Espanha (e por isso à Família Habsburgo) mas que, por ter perdido a guerra, passa
esse “título” para a França e posteriormente para a Inglaterra (devido ao seu poder económico
oriundo do domínios dos mares no século XVIII).
Surge também a doutrina da razão de Estado que vai conceber um princípio onde os
Estados devem prosseguir apenas os seus interesses e aumentar a sua glória pessoal, pensamento
que põe em causa a balança que se tentava criar. Existe assim uma dessacralização que se traduz
no pragmatismo das relações internacionais nomeadamente através de guerras diplomáticas.

OS TRATADOS DE VIENA 1815


A) Santa Aliança
O Tratado de Paris, assinado a 30 de maio de 1814, recoloca as fronteiras da França nos
limites de 1792.
A 26 de setembro de 1815, a Rússia, a Áustria e Prússia assinaram o pacto da Santa
Aliança visando restabelecer o princípio da origem divina do poder real e a legitimidade divina
do seu exercício e, assim, colocar certos princípios do Evangelho de acordo com o tratamento
doutrinário acolhido na tradição da Igreja. No entanto, não se pode ligar o Tratado da Santa
Aliança à conceção da Igreja sobre a comunidade internacional e o seu direito: apenas a Áustria
era católica (a Prússia era protestante e a Rússia ortodoxa).
Esta síntese das complexas negociações havidas na tentativa de encontrar um equilíbrio
entre potências com interesses tão divergentes é enganadora. De facto, o príncipe-regente francês,
por entender que os princípios constitucionais impunham o afastamento do texto do tratado, não
o assinou.
Acabou a Santa Aliança por se limitar a uma resposta contra Napoleão que retomara o
poder proclamando-se de novo imperador e iniciando o Governo dos cem dias - após ter estado
exilado na Ilha de Elba por ter sido derrotado na Campanha da Rússia -, que terminou a 29 de
junho de 1815, pois foi derrotado novamente na Batalha de Waterloo, tendo sido deportado para
Ilha de Santa Helena (no Atlântico Sul) após a assinatura da Paz de Paris a 20 de novembro de
1815 com a Santa Aliança. Nesse tratado ficou esclarecido que a França:
- destruiria as suas bases militares nas fronteiras;
- pagaria indemnizações de guerra;
- entregaria os territórios que anexara à Sabóia e à Suíça;
- cumpriria o acordo após a derrota de Waterloo a 18 de junho de 1815, na Bélgica.
B) O Conselho de Viena
Em Setembro de 1814 abre o Conselho de Viena presidido por Metternich (primeiro-
ministro austríaco). Com ele restaura-se o princípio da legitimidade monárquica: um princípio
político através do qual se defende que os reis europeus espoliados dos seus tronos pela Revolução

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Francesa deveriam ser repostos exercendo a mesma política que exerciam quando foram afastados
dos seus tronos.
Desta forma garantir-se-ia que os movimentos nacionalistas não teriam efeitos na Europa
porque iriam ser silenciados. Tal vai ocorrer de duas formas:
- criação do Concerto Europeu - uma organização política informal que funciona como
um Governo das relações internacionais que é constituído pelos cinco grandes Estados - Rússia,
Prússia, França, Áustria e Reino Unido. Emerge juntamente com o Tratado de Paris e tem como
objetivo discutir, analisar e avaliar todos os acontecimentos europeus que pudessem pôr em causa
a paz e estabilidade da Europa, nomeadamente através de uma política de combate que permitia
que as Potências se imiscuíssem nos assuntos internos de outros países;
- criação da Santa Aliança - tem este nome pois a ideia do Czar Alexandre I era a união
do Cristianismo contra os nacionalismos. O grande objetivo era criar um exército dos três reis -
Rússia (ortodoxos), Império Austro-húngaro (católicos) e Prússia (protestantes) - que se poria à
disposição dos monarcas europeus para defender a fé e os seus ideais políticos, nomeadamente o
princípio da legitimidade monárquica.
Os ingleses não aceitaram participar porque tinham um sistema político diverso do
sistema continental e não querem lutar para vigorar o princípio da legitimidade democrática
porque os movimentos nacionalistas podem dar lugar à existência de novos Estados que se
transformarão numa nova oportunidade para estabelecer novas relações comerciais. No entanto,
quando se tenta criar um império no México e a Santa Aliança percebe que perderia a guerra se
enviasse para lá tropas, os ingleses decidem aliar-se criando-se a Quádrupla Aliança.
No entanto, fica de fora a França que, após a adesão do Reino Unido, com receio de que
este pudesse alterar o mapa europeu, em 1818, com o Congresso de Aix-La-Chapelle decide aderir
à Santa Aliança, sendo criada a pentarquia militar ou o governo dos cinco.
O Conselho de Viena foi sustentado por dois pilares:
1) Acabar com a revolução – o medo da França revolucionária era o denominador comum
e que unia as principais coroas europeias;
2) Superar as divergências e fazer uma coligação contra a França.
Entre 1815 e 1822 o domínio da Santa Aliança foi total. A entrada em cena, como ministro
dos negócios estrangeiros, de George Canning, em 1822, mudou a unidade de atuação existente:
a Inglaterra iria enfrentar problema internos se a aristocracia não fizesse concessões à burguesia.
Assim, para evitar uma revolução, a Inglaterra deveria apoios todos os movimentos
revolucionários nacionalistas e para isso demarcar-se da Santa Aliança, o que faz nesse mesmo
ano.
William Pitt define interesses que iam de encontro aos interesses dos Estados alemães,
reforçando-os. Deste modo, segundo o ensinamento do Cardeal Richelieu, “vizinhos fracos,
fronteiras estáveis” e por isso passam-se de 300 Estados para apenas 30 de modo a dar-lhes força
suficiente para crescerem mas não ao ponto de serem uma ameaça.
Discute-se também quem fica com que território e quem fica com o poder militar.

DOUTRINA MONROE
Quando George Canning, chefe de governo de Londres, consegue vencer a crise interna
provocada pela diplomacia de Metternich, com a cumplicidade do rei George IV, no sentido de o

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levar à demissão, por causa da sua política de aberta oposição à Santa Aliança, propõe aos norte-
americanos uma aliança estratégica que afaste a Santa Aliança de intervir nas colónias da América
do Sul.
Canning escreve uma carta ao embaixador dos Estados Unidos em Londres, Rache
afirmando que como a Espanha não conseguia controlar as suas colónias na América do Sul, era
melhor reconhecer a sua independência que deixava caminho aberto a uma outra potência
europeia, legitimada a intervir pela invocação dos acordos constituintes da Santa Aliança. Rache
pede a opinião dos dois anteriores presidentes dos EUA, Jefferson e Madisson que se mostram
favoráveis com o ponto de vista de Canning, afirmando ser do interesse dos EUA fazer uma
aliança com a Inglaterra contra a Santa Aliança.
Mas, o secretário de Estado, John-Quincy Adams, compreendendo que a estratégia de
Canning visava legitimar uma intervenção da Inglaterra nos territórios das colónias hispânicas da
América, propõe um iniciativa unilateral dos EUA, conseguindo evitar uma aliança com a
Inglaterra pois os países haviam estado em guerra uma década antes e seria prematuro que estes
se aliassem.
A proposta de Adams é aceite pelo presidente Monroe, que fixa a doutrina a seguir na
política externa norte-americana numa mensagem dirigida a Congresso a 2 de dezembro de 1823,
que tem por mote “a América para os americanos” e como princípio fundamental que a Europa
não tem de intervir nas questões ligadas à América, isto é, o hemisfério ocidental. Assim, o
continente americano não pode ser palco das disputas coloniais entre as potências europeias
porque são uma zona de influência dos EUA.
A Santa Aliança com as tentativas de apoiar a manutenção da soberania de Espanha na
América Central e do Sul, independentemente do resultado obtido, estava com o apoio a encorajar
a Inglaterra obter apoios idênticos para uma solução de força em relação às suas antigas colónias
na América do Norte.
A doutrina anglo-saxónica e os autores que a seguem têm discernido três princípios
diferentes no conteúdo da doutrina Monroe: o princípio da não-colonização, o princípio da não-
intervenção e o princípio do isolamento.
O princípio da não-colonização assentava na igualdade de organização política entre os
continentes europeus e americano. A doutrina abrangia apenas as aquisições territoriais
originárias, não se aplicando a transferência voluntárias de territórios ou aquisições resultantes de
tratados assinados após a realização de guerra ou compras, constituindo assim uma doutrina
antieuropeia.
O princípio da não-intervenção destinava-se a marcar uma posição do que a fazer frente
a uma ameaça real. Os EUA ficava excluído da intervenção das potências europeias, com a
contrapartida dada pelo governo norte-americano de que não interferiria nos assuntos internos da
Europa. As três principais consequências deste princípio eram que os estados europeus:
- não podiam procurar implantar na América os seus sistemas políticos;
- não podiam restaurar a sua soberania perdida;
- não podiam atentar contra a liberdade e independência dos novos estados e dos seus
povos.
O verdadeiro fundamento desta doutrina era o de proteger os EUA e dar-lhe a
possibilidade de expandir o seu território transformando o continente numa zona exclusiva de
influência dos norte-americanos.

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O princípio do isolamento tem como objetivo preservar e fortalecer o continente através
de uma política que evite as relações permanentes alianças com qualquer outro país e estabeleça
o mínimo de laços políticos possíveis com os europeus.

A POSIÇÃO DA RÚSSIA
Nos acordos e vontades que se geram no Congresso de Viena, estabelece-se que a
expansão russa não é Oriente-Ocidente, mas sim Ocidente-Oriente, abdicando assim da expansão
na Europa.
Tal não significa que esta não tivesse políticas expansionistas indiretas. Quando a seita
“Philiké Hétairia” organiza os cristãos ortodoxos gregos, iniciando a guerra pela independência
da Grécia, a Rússia apoia a Grécia. A Rússia tinha interesses estratégicos na região e
responsabilidades históricas, por isso a posição russa insere-se na sua estratégia de expansão para
o Mediterrâneo. Tal serve de resposta à França e à Inglaterra.
Três anos depois, depois dos compromissos de Viena, no Congresso de Aix-la-Chapelle
(1818), Luís XVIII consegue a retirada das tropas aliadas do território francês antes da data
prevista, uma diminuição das indemnizações de guerra e a admissão na Santa Aliança.
Em 1828, a Rússia declara guerra à Turquia. De início os exércitos russos são derrotados
e a situação nos Balcãs torna-se difícil. No entanto, ao tomar Constantinopla, o sultão turco rende-
se e procura negociar a Paz que se concretiza em 1829 com o Tratado de Adrianópolis que
reconhece a independência da Grécia e cede à Rússia o Delta do Danúbio e o Sul do Cáucaso.

A POSIÇÃO DA INGLATERRA FACE AO EXPANSIONISMO RUSSO


A Inglaterra, sem interesse direto nos territórios turcos no Oriente europeu, intervinha por
forma a impedir uma hegemonia russa e obstar aos crescente poderio territorial russo. Procurava,
assim, o apoio da Áustria e da França na mobilização de sentimentos nacionalistas nas pequenas
burguesias como a Grécia para que não houvesse uma substituição imediata dos turcos pelos
russos e para enfraquecer os grandes impérios europeus especialmente por razões de ordem
económica: os novos estados nacionais iriam precisar de financiamento, mercadorias e transportes
marítimos para comerciar e a Inglaterra alargaria os seus mercados.
Nessa estratégia insere-se a declaração de Canning, feita em Londres em 1823, de que a
Inglaterra considerava haver uma guerra entre os turcos e os gregos, logo implicando o
reconhecimento da Grécia como parte beligerante. Significava isto que a Inglaterra apoiava o
nacionalismo grego, considerava legítima a rebelião contra os turcos e reconhecia a independência
de um estado grego nos territórios controlados pelos nacionalistas.
Em 1826, a Rússia e a Inglaterra celebram o protocolo de São Petersburgo em que
reconhecem a pela autonomia da Grécia em relação à Turquia e se comprometem a apoiar os
nacionalistas gregos. A 1827, com o Tratado e Conferência de Londres, junta-se a estes países a
França. Esta tripla aliança representa um fracasso da diplomacia austríaca.

A BÉLGICA
Outras das determinações do Conselho de Viena era o facto da Bélgica ficar ocupado pela
Holanda e submetido à casa real de Orange o que gera alguns conflitos porque o território belga,
que era um católico, por um país cuja religião que é maioritariamente protestante.

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Esta determinação é derrogada em 1831 na Conferência de Londres, onde as potências
europeias reconhecem a Bélgica como Estado independente e declaram-no neutro. Leopoldo I,
alemão, é tornado rei belga.

REVOLUÇÕES DE 1848
As revoluções que assolaram a Europa em 1848 não podem consideradas revoltas
nacionais, mas um conjunto de movimentos de rebelião contras certas consequências da
organização política e social dos regimes monárquicos vigentes. Com motivações muito diversas,
o traço que as une em causa é o fracasso de todas elas devido sobretudo à falta de apoio externo.
O motivo que levou ao eclodir de todas estas revoltas foi a revolução francesa de
Fevereiro que fez acreditar que a França poderia reassumir a sua “missão de libertadora dos povos
oprimidos”. Foi um engano porque a França nada fez por nenhuma destas revoluções: só mais
tarde, Napoleão III, por interesses puramente estratégicos na política externa, retoma,
parcialmente, a defesa do nacionalismo.
a) Consequências
- Enfraquecimento da Áustria e fortalecimento da Prússia;
- Alargamento do sufrágio;
- Unificação alemã (que ainda não era possível);
- Aparecimento do império de Napoleão III.

OS NACIONALISMOS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA EXTERNA


A ideia de França - Estado-Nação: cada Nação deveria constituir um Estado soberano -
era forçada e implicava impor, pela força, a unidade nacional em territórios divididos, ou seja,
com problemas de afirmação autonómica: Córsega, Sabóia, País Basco e Lorena, por exemplo.
Deste modo, como a França era a maior Nação Europeia, tornar-se-ia o maior Estado e,
consequentemente, a maior potência da Europa.
Se a França defendesse o nacionalismo, os novos estados-nacionais ficariam a dever-lhe
a sua existência, o que se refletiria numa política externa de apoio e solidariedade às posições da
diplomacia francesa.
Por isso, a política externa da França é determinada pelo apoio aos nacionalistas europeus
para assim conseguir:
- Criar um cordão à volta da Rússia para não permitir o seu expansionismo imperial;
- Enfraquecer o Império Austro-Húngaro;
- Fazer frente à Inglaterra.
Assim, entre 1852 e 1870 os nacionalismos poderão ser usados como instrumentos de
política externa. No entanto, os nacionalismos internos foram vencidos pelas forças
conservadoras pelo que a França, moderado e não revolucionária ou expansionista regressa ao
convívio internacional, como parceiro em tratados.
O que é uma nação? É um conjunto de pessoas que têm associado um sentimento de
pertença, língua, história, cultura que são comuns, habitam dentro de um mesmo território e têm

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símbolos nacionais. Têm consciência de que fazem parte de uma nação - “nascor”: sentimento de
pertença a algo que as individualiza.
Qual é a relação entre a nação e o Estado? Podem existir Estados territoriais onde
coexistem várias nações (ex.: Impérios Russo e Austro-húngaro) e Estados-nação onde o Estado
tem um estrutura política que coincide com a nação.
Durante todo o século XIX, nação e Estado eram sinónimos.
GUERRA E DIREITO
A noção contemporânea de guerra assenta em dois pressupostos: constitui uma forma de
luta armada e trata-se de um conflito entre Estados soberanos. Deste modo, excluem-se do
conceito os conflitos internos entre Estados não soberanos (guerra civil). Trata-se de um conflito
de Estado motivado por divergências sobre quem/como se deve governar o território.
No início do século XXI, a guerra constitui um modo ilegítimo de proceder dos Estados,
exceto nas situações de legítima defesa ou da guerra sanção (prevista pelos órgãos competentes
internacionais a qual constitui um meio de preservar a paz) tendo, no entanto, sempre de respeitar
o ius in bellum - os fins a atingir justificam os meios utilizados pelo Estado na guerra? Trata-se
da foram de condução da guerra (ex.: proibição de ataques a civis).
1) Tipos de guerras e as suas causas
1) Guerra pública (entre Estados ou Internacional)
- não solene
- solene (implica uma regularidade formal dos seus efeitos):
i) os efeitos deve estar investidos de poder soberano;
ii) a guerra deve ser declarada (publicamente e diretamente de uma parte para a outra)2.
2) Guerra privada
3) Guerra mista
🡺 Ius in bellum – forma como se conduz a guerra. É o direito da guerra na própria guerra,
ou seja, é humanitário e, por isso, vem criar mecanismos de defesa dos homens em
situação de conflito armado. A guerra deve ser adequada/proporcional a atingir o fim que
é pretendido;
🡺 Ius ad bellum - motivação que leva a declarar a guerra e como é que ela se inicia –
atualmente através do cumprimento do capítulo VII da CNU, podendo haver
consequência se tal não acontecer;
🡺 Ius post bellum - análise do comportamento dos Estados após o término da guerra.

GUERRA JUSTA – 1ª ESCOLÁSTICA


- É pecado fazer a guerra?
O Cardeal Bispo Henrique de Susa sistematiza vários tipos de guerra justa:
- guerra contra os infiéis;

2
Também se pode considerar neste plano a pirataria e o corsário (páginas 19 e 20)

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- guerra judicial – autorizada por uma autoridade judicial (ex.: árbitros);
- guerra lícita – quando justa e autorizada pelo príncipe (a guerra pode ser justa no
momento da declaração, mas injusta quanto ao seu fim porque pode representar os interesses
pessoais do príncipe);
- guerra necessária –tem de ser utilizada para proteger os habitantes do território dos seus
inimigos. A guerra tem promover o bem comum e o interesse do todo (do Estado) e não o interesse
de cada um ou do príncipe porque se não tem esta finalidade, esta não pode ser considerada justa,
ou seja, tem de haver utilidade.
Também São Tomás de Aquino (século XIII), após ler Santo Agostinho, se pronunciou
sobre a guerra justa. Este autor tenta também responder a quatro questões:
1. Algum tipo de guerra é lícita? A guerra é sempre um pecado menos quando o comando
da guerra provenha do príncipe que detém a jurisdição máxima e é da sua responsabilidade zelar
pelos povos devendo por isso envolver em guerra que não digam respeito a assuntos privados
seus que deveriam ser resolvidos nos tribunais; é necessária uma causa justa: os atacados merecem
sê-lo por algo injusto praticado pelos mesmos anteriormente (guerra defensiva; os beligerantes
têm de agir com uma motivação certa (honestidade + ius in bellum). A guerra justa é aquela que
tem por objeto a paz e por isso pode haver uma condenação do ius ad bellum justo por o ius in
bellum ser injusto.;
2. Os clérigos podem participar na guerra? Não devido ao derramamento de sangue que
não condiz com os sacerdotes;
3. É permitida a utilização de emboscadas em espaço de guerra? Sim porque o objetivo
destas é iludir os homens e reter informações o que é diferente de enganá-los com acordos, o que
seria considerado injusto;
4. É permitido lutar em dias santos? Tal é permissível desde que cumpra as funções de
paz e saúde.
GUERRA JUSTA – 2ª ESCOLÁSTICA
1. ATÉ AO SÉCULO XVII
Uma das características destacadas na Segunda Escolástica foi a importância atribuída à
teologia e à ética: por um lado, a importância atribuída à ideia de justiça que vai restringir a guerra
lícita a uma guerra travada por uma causa justa e, por outro lado, os teólogos vão levar para o
plano da licitude moral este mesmo tema – constitui um pecado do príncipe travar uma guerra
cujos motivos sejam injustos, como igualmente constituem pecados certos modos e meios de a
combater.
Existem dois planos da moralidade a considerar: a moralidade objetiva, no sentido da
licitude da guerra; e a moralidade subjetiva, no sentido da valoração da conduta individual
daqueles que a combatem.
Perdura uma questão: a guerra deve ser apreciada como um problema de justiça ou como
uma questão relativa à caridade?
- São Tomás de Aquino defendia que a guerra era justa quando fosse permitida pelos
Evangelhos (ética bíblica), pela lei natural e pela lei das gentes;
- Tendo por base o pensamento tomista, Suárez distingui entre um tipo de guerra que é
permitido pelo direito natural – a guerra defensiva – e os restantes tipos de guerra. A guerra é um

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modo de exercício de justiça vindicativa, da mesma forma que o ressarcimento do dano é
formulado como um medida necessária para a restauração da justiça;
-Para Vitória, a guerra é justa em dois casos: em guerra defensiva pois é permitido opor
a força à força e no caso de a guerra ser ofensiva, ou seja, quando constitua ofensa grave a pessoas
inocentes ou a existências de leis tirânicas que o permitam;

2. DEPOIS DO SÉCULO XVII


Grócio sintetiza as teorias dos autores medievais e defende a criação de ideias jurídicas
para a guerra. Recordando o importante contributo do autor para a laicização do Direito, este
defende que a guerra não é mais do que um modo de defesa contra um Estado violador do Direito.
A guerra já não é aferida em função da caridade cristã e, por isso, o Direito decide quando é que
a guerra deve ser feita. Assim, a guerra é legítima ou não se tiver por fim uma paz duradoura (ou
seja se a sua causa também o for).
A guerra tem um caráter jurídico: quando os mecanismos jurídicos se esgotam, a guerra
é a solução por não haver autoridade superior aos Estados, devendo-se sempre respeitar os limites
do ius in bellum.
Causas legítimas de uma guerra externa:
- Defesa contra uma injúria atual ou ameaçadora (não devendo ser antecipatória);
- Recuperação do que é legalmente devido para o Estado prejudicado;
- Punição do Estado injuriado;
- O perigo deve ser certo e atual – se o outro Estado parecer atacar, a guerra é lícita na
mesma.
🡪 Qual é o contributo da Segunda Escolástica para a teorização da guerra? Não há
nenhuma inovação em relação à Primeira Escolástica, apenas aborda as mesmas questões numa
vertente mais prática.
GUERRA INJUSTA E DIREITO DE RESISTÊNCIA
a) Existe um dever de cada cidadão de combater a guerra injusta?
Vitória observa que se ao súbdito constar a injustiça da guerra não lhe é lícito lutar, nem
mesmo por mandato do príncipe ainda que o súbdito esteja em erro. O cidadão convocado
mais do que o direito a não combater, tem o dever de não o fazer.
b) Aquele que combate uma guerra injusta deve ser punido por isso?
Se apesar destes factos, ainda assim o cidadão lutar, pode ser sancionado pelas forças
adversárias (justiça vindicativa).

PIRATARIA E CORSO
A pirataria é caracterizada por um roubo exercido nos mares, em regra de modo violento
pois com o roubo seguia-se quase sempre o homicídio dos navegantes e a destruição do navio
abalroado. Assim, a pirataria é qualificada como um crime e o pirata considerado um criminoso
que qualquer Estado tem o direito de perseguir, julgar e punir. Para o direito das gentes, o pirata
é um salteador e um rebelde ao poder político.

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O corsário beneficia de um carta de corso que lhe é atribuída pelo soberano e atua por
comissão do seu Governo, mas o lucro resulta das presas3 pertence-lhe na maior parte. Constitui,
portanto, um modo privado de exercer a guerra pública. Este é considerado um oficial do príncipe,
um combatente delegado deste.

RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS4


A guerra deve ser entendida com a última ratio que os Estados utilizam para recorrer em
caso de beligerância entre eles até porque se a guerra, a partir do século XVIII, começa a ser
entendida como provocadora da destruição dos Estados que provoca um retrocesso nos mesmos.
Por isso, a guerra deve ser evitada. Como é que se evita a guerra e ao mesmo tempo se resolvem
conflitos internacionais? Através dos meios de resolução pacíficas.

ARBITRAGEM & CONFERÊNCIA DE HAIA DE 1899


A arbitragem é uma forma de resolução pacífica de um conflito entre Estados por
intervenção de uma terceira entidade que, assumindo a função de árbitro, resolve de forma
definitiva o conflito entre os Estados. A arbitragem é vinculativa e tem força obrigatória geral
para as partes porque se exige para a sua realização a celebração de um acordo que assume a
natureza jurídica de tratado internacional entre os Estados beligerantes – acordo arbitral – que, ao
ser assinado pelas partes, vai vinculá-las ao cumprimento da decisão arbitral. Esse acordo está
sujeito ao princípio pacta sunt servanda pois pressupõe a aceitação voluntária das partes ao
submeter o seu diferendo a uma terceira parte.
Há uma consciência por parte dos Estados de que têm um conflito, conflito esse que já
não se consegue resolver através das relações diplomáticas e reconhecem também que sozinhos
não conseguem encontrar uma solução, por isso escolhem uma terceira entidade que funcione
como um Tribunal. As arbitragens foram muito utilizadas para delimitação territorial.
Surgem no final do século XIX (com a Conferência de Haia de 1899) e vigoram até à
atualidade. Durante a monarquia absoluta (século XVIII), em que se defendia o princípio da
inalienabilidade e indivisibilidade da soberania, as arbitragens seriam possíveis? Não, porque se
entendia que a arbitragem era uma cedência a uma outra entidade que ia decidir questões que
acabaria por imiscuir-se nos assuntos internos; só começa a ser utilizada quando a cooperação
internacional pode ser mais benéfica do que iniciar um conflito armado entre os Estados
A primeira grande arbitragem surge entre os EUA e o Império Russo sobre a propriedade
das focas do mar de Behring (que separa o território oriental russo e o Alasca) porque a gordura
das focas era muito utilizada para perfumes bem como na produção de medicamentos e a pele
para roupa. A propriedade acabou ser determinada para os EUA.
É uma conferência sobre resolução pacífica de conflitos que vai ter pela primeira vez um
anexo onde tal se vai discutir. Aquilo que está ser feito pelo juristas dos países presentes é
positivar os costumes internacionais: a prática dos países durante todo o século XIX, por escrito.

3
Presa – tudo aquilo que se tira ao inimigo em ação de guerra como se fosse a tomada das coisas
abandonadas.
4
Para além das enunciadas, a conciliação.

21
É uma conferência de paz no sentido em que vai regular a guerra, nomeadamente é
primeira grande conferência sobre guerra marítima (onde são aplicadas as regras da guerra
terrestre) e a guerra área.
Esta conferência define arbitragem no artigo 15º. Os Estados em Haia decidem pela
expressão “respeito pelo Direito”, não se atender apenas direito positivado, mas como sinónimo
de ordem jurídica internacional. Isto dá autorização aos árbitros para recorrerem ao princípio da
equidade e, se as partes o negociarem, recorrer também ao Direito por elas convencionado, sob
pena de a sentença ser nula e o processo voltar a zero.
A Conferência de Haia vai positivar todas estas regras. No entanto existe uma ideia
importante de enquadramento:
- arbitragem voluntária: ocorre quando dois ou mais Estados entram em conflito e
decidem solucioná-lo através da submissão da situação ao julgamento de um terceiro Estado. O
ato através do qual os Estados convencionam sujeitar a questão à análise de um terceiro é
denominado de compromisso arbitral. Tem início pela mera vontade dos Estados;
- arbitragem obrigatória/necessária: ocorre quando dois ou mais Estados convencionam
a submissão à arbitragem de todos ou de alguns conflitos que possam surgir entre eles. Existe um
tratado internacional anterior que prevê que qualquer questão relativa à interpretação ou aplicação
daquele tratados será resolvida pelo recurso à arbitragem.
Ambas são vinculativas.
Os Estados queriam negociar entre eles uma arbitragem necessária, ou seja, criar um
tratado que determinasse que toda a questão relativamente à interpretação e aplicação de tratados
entre as partes contratantes era resolvida através da arbitragem, bem como a criação de um
Tribunal Internacional para regular as questões entre os Estados.
Não se conseguiu criar uma arbitragem necessária pois as Potências consideraram que
era demasiado cedo, consagrando no tratado a arbitragem facultativa que vai criar normas
supletivas que podem ser usadas pelas partes, se elas assim o entendessem.
No processo arbitral, o Tribunal tem uma vida muito estreita – inicia-se, dá-se a
tramitação e acaba. Quando a arbitragem está a decorrer, é necessário prever todas as questões, o
que significa que o compromisso arbitral não pode, sob pena de os Estados não se entenderam ou
não evitar o conflito, não fazê-lo. O que é que o compromisso arbitral deve ter?
- escolha do árbitro (artigos 32º a 34º): é das questões mais complexas porque o árbitro
porque tem de ser alguém imparcial e ambos os Estados têm de se entender sobre quem deve sê-
lo. Escolhiam-se sempre os Estados como árbitros, nomeadamente o chefe daquele Estado porque
já tinha tido questões semelhantes e só mais tarde é que passaram a haver arbitragem coletiva. A
questão de delimitação de territórios é sempre um árbitro individual e quando se tratava de
questões de incumprimento de contratos, havia arbitragem conjunta de técnicos especialistas na
matéria: em caso de dúvida, escolhia-se a Suíça por ser um Estado neutro;
- delimitação do objeto: muitas vezes, nem os Estados entendem sobre o que é que está
em conflito. O Tribunal está totalmente amarrado ao pedido que dá início ao processo não
podendo decidir para além daquilo que as partes pedem e se elas não sabem delimitar o objeto da
arbitragem, significa que isso não vai pôr fim ao conflito porque a decisão do árbitro não satisfaz
a vontade das partes;
- língua a utilizar: é importante definir qual é a língua de tramitação pessoal e da sentença;

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- tipo de processo (artigos 39º a 42º): as partes têm de escolher como é que se tramita o
processo, o prazo para as parte apresentarem as suas pretensões bem como se o processo é escrito
ou se admite uma parte oral (um julgamento). Podem ser dividida na fase instrutória – onde se
apresentam as motivações e se dá conhecimento à parte contrária para se dar o contraditório – e
na fase de julgamento. A regra foi sempre que se o chefe de Estado era o árbitro não havia fase
de julgamento porque não se podia submeter o chefe de Estado a ouvir testemunhas dos Estados
(artigo 33º);
- meios de prova: as partes têm desde o início de definir os meios atendíveis no meio da
arbitragem porque se tivermos um processo meramente instrutório, não há lugar a ouvir
testemunhas ou peritos e, por isso, todo o processo terá de ser reduzido a escrito bem como o
depoimento das partes; se se aceitar uma fase de julgamento, os Estados já podem negociar a
possibilidade de apresentarem provas orais (testemunhas ou peritos). A prática costumeira até à
positivação - na Conferência da Haia - era que se o árbitro fosse um chefe de Estado, não se
admitia testemunhas, logo o processo era meramente documental;
- direito a aplicar: as partes têm de o escolher devido à dinâmica do direito internacional
porque os Estados podem negociar cláusulas. Nas arbitragens internacionais era possível os
Estados negociaram que a sua sentença não teria de seguir o direito da época, podendo recorrer a
cláusula de equidade – a justiça do caso concreto. A equidade só é passível de ser recorrida se as
partes aceitarem: os árbitros não têm legitimidade para recorrer à mesma;
- sentença arbitral (artigos 52º a 56º): há uma hipótese de revisão da sentença que não está prevista
diretamente no direito costumeiro da época, no entanto, é negociada na Conferência de Haia no
artigo 55º. Se depois do fim dos debates ou da fase instrutória, houver um facto importante que
já não pode ser apresentado, mas a parte entende que se o facto tivesse sido atempadamente
apresentado em tribunal isso poderia alterar a decisão do arbítrio, o Tribunal averigua se o facto
é novo e se aceita a sua admissão. No entanto, se o compromisso arbitral – que deve ser o mais
denso e complexo possível para evitar conflitos entre os Estados e para que a arbitragem decorra
da melhor forma - não previr esta hipótese, não há revisão da sentença.

CONFERÊNCIA DE HAIA DE 1907


Com a presença de quase todas as nações do Mundo (44 Estados), houve uma
universalização do Direito das Gentes, deixando de se poder considerar a existência de um Direito
das Gentes europeu e outro americano.
Tem uma importância muito grande porque marca uma viragem no entendimento das
relações externas no sentido de, até ao final do século XIX, se entender que as relações
internacionais e o direito a elas subjacente é essencialmente europeu - ius publicum europaeum.
O Direito Internacional era o produto da civilização europeia que tem como herança a tradição
greco-romana e judaica-cristã, sendo por isso restrito ao Continente Europeu.
Os Estados do Continente Americano regiam-se pelo direito europeu porque eram
herdeiros diretos dos Estados europeus logo partilhavam a mesma tradição jurídica e
civilizacional.
O ius publicum europaeum vai iniciar um processo de universalização que é lento. A
primeira abertura ocorre após a Guerra da Crimeia com a permissão da Turquia poder participar
no Direito Internacional previsto no artigo 7º do Tratado de Paris de 1856 (p.196) tendo de, no
entanto, como compensação, abrir a navegação aos Estados europeus através dos Dardanelos e
do Bósforo - estreitos que ligam o Mar Negro ao Mar Mediterrâneo (artigos 10º a 14º).

23
Teve como trabalhos o estabelecimento de normas de convívio internacional, de solução
pacífica de conflitos iminentes através da criação de um tribunal de justiça arbitral internacional
e a regulamentação da guerra terrestre e marítima. Vai-se rever o texto de 1899.
Como ponto prévio à criação de um Tribunal de Justiça Arbitral, os Estados participantes
deveriam votar o princípio da arbitragem obrigatória. Portugal teve um papel ativo quanto a esta
matéria, tendo apresentado uma proposta que estabelecia a arbitragem obrigatória mas tal foi
chumbada. Consegue-se, no entanto, criar um processo sumário para resolver os conflitos mais
rapidamente.
Os EUA juntamente com a Grã-Bretanha, França e Alemanha propuseram a criação de
um Tribunal com juízes fixos, constituído por 17. No entanto, esses juízes não seriam escolhidos
por todos os Estados: 9 eram escolhidos pelas principais Potências europeias para o mandato de
12 anos; os restantes 8 seriam escolhidos para um mandato de 6 anos sendo nomeados pelas
restantes Potências mundiais. Tal demonstra o princípio da gestão aristocrática das relações
internacionais, ou seja, nas relações externas, existem Estados que valem mais que os outros,
pondo-se em causa o princípio vestefaliano de igualdade.
O Brasil pede a igualdade formal dos Estados e rejeição desta proposta. A ideia deste
acaba por cair e só é retomada na II GM com o Conselho de Segurança.
BONS OFÍCIOS
São a intervenção de uma terceira entidade que, de modo próprio, apresenta uma proposta
de resolução do conflito entre os Estados beligerantes. Isto significa que surgem sempre por
iniciativa de um terceiro Estado, que sem ser a pedido dos Estados em conflito, vai sugerir uma
resolução do diferente (ex.: BENELUX). Carlos Calvo define que os bons ofícios são o recurso à
amizade existente entre as pessoas nas relações entre os Estados (o professor discorda).

MEDIAÇÃO
É a intervenção de um terceiro Estado que, a pedido dos Estados beligerantes, propõe
uma solução para o conflito entre os dois Estados. Já há uma consciência por parte dos Estados
de que têm um conflito, conflito esse que já não se consegue resolver através das relações
diplomáticas e que sozinhos não conseguem encontrar uma solução. O mediador é escolhido pelos
dois Estados para que analise o conflito e ofereça uma solução que não é vinculativa (ex.:
resolução da guerra entre Israel e a Palestina pelos EUA).

NEGOCIAÇÕES DIPLOMÁTICAS
Um dos principais papéis dos agentes diplomáticos é a negociação entre os Estados para
tentar evitar a guerra nos ministérios dos negócios estrangeiros tentando conciliar os dois Estados
em conflito (ex.: Israel e Palestina). Quando as negociações falham, é preciso tomar medidas mais
atuantes.

EMBARGOS
São utilizados com meios de pressão: é a proibição de um determinado comportamento
de um Estado (ex.: os Estados não podem negociar com o Estado encobrido pelo embargo da
matéria determinada). Normalmente abrangem bens necessários para que o Estado possa

24
abandonar a prática lesiva. O grande modelo de embargo é o Bloqueio Continental feito pela
França à Inglaterra.

REPRESÁLIAS
Caíram em desuso histórico (muito utilizadas no século XV até ao século XVII). Se é
provocado um dano que não é reparado a uma parte de constituinte de um Estado, isso vai
prejudicar o todo – o que é feito a um, é feito a todos e o que toca a todos, toca a qualquer um.
(ex.: um espanhol que entrou em dívida com um português, se não pagar a dívida perante esse
português, qualquer cidadão espanhol que vivesse em Portugal poderia ter de pagar essa dívida,
mesmo sendo terceiro à situação).

QUESTÃO AFRICANA
No século XVI existe uma grande disponibilidade financeira, logo existe um esforço da
expansão europeia que abranda nos dois séculos seguintes. É retomado no século XIX devido à
necessidade de mais mercados para a exportação de homens e produtos, à superioridade técnica
e militar europeia (o que permitia uma imposição da sua vontade sem obstrução das potências
locais), mas havia um limite: segundo o princípio do equilíbrio de poderes, a expansão para outro
território terminava quando outra potência já ocupasse o mesmo.
A segunda metade do século XIX pode ser caracterizada como a “segunda” descoberta
de África. O crescimento dos mercados da Europa e o desenvolvimento florescente da América
obrigaram os Estados europeus a procurar novos mercados para os seus produtos (“zonas de
influência”) a partir dos anos 70.
É produto do Direito Público Europeu. Desde 1415 que temos presença europeia em
África com portugueses, espanhóis, ingleses e franceses e haviam princípios que eram aceites nas
relações internacionais e no direito das gentes para garantir a posse soberana de territórios. África
era considerada um território desabitado - res nullius (sem presença humana europeia) – dado
que não tinha Estados e, por isso, não eram sujeitos de direito internacional, não tendo direito à
propriedade da terra que era destinado a Estados civilizados.
Os Estados europeus adotaram e assumiram diversos princípios como legitimadores da
ocupação territorial – princípios/direitos históricos:
- primazia da descoberta: O território daquele Estado porque foram os primeiros a descobrir
aquele território;
- posse seguida da ocupação: não bastava descobrir, é necessário manifestar a intenção de
possuir. Não havia necessidade de uma ocupação física, ou seja, não se obrigava a que se tivessem
de constitui comunidade humanas, mas sim ter uma presença e símbolo de posse que se faz a
partir dos padrões de descobrimentos. Não havia necessidade de uma posse efetiva do território;
- relações comerciais com as tribos: naqueles territórios que eram descobertos, os europeus
mantinham relações comerciais com a criação de feitorias ou portos de forma a que as tribos
reconhecessem os povos europeus como senhores daquele local que tinham aportado e mantinham
relações comerciais. Não havia grande presença no interior da África. Não havia necessidade de
uma posse efetiva do território.
Estes princípios pautam todas as potências europeias na sua relação com o continente
africano, mas esta situação vai mudar a partir da segunda metade do século XIX porque há uma

25
necessidade de procurar novos territórios e ocupá-los para escoamento populacional e procura de
novos mercados (porque a Oceânia estava ocupada pela Inglaterra e a Ásia pela França), mas
existem problemas nomeadamente devido ao facto de existir um modelo protecionista destes
Estados.
Havia uma tese de direito internacional que apresentou o princípio da continuidade ou
contiguidade que era igualmente seguido por todos os Estados (sobretudo por Portugal): o país
que tivesse presença física na costa de África teria direito a reivindicar a soberania sobre toda área
territorial do interior que com o litoral constituíssem um todo homogéneo de modo a possuir todas
as partes necessárias à sua segurança, independência e soberania. Quando um Estado se
estabelecia num determinado território pretendia também possuir todas as partes do território
essenciais à sua independência e soberania; é impossível ocupar num curto período toda a área
territorial contígua ao porto de desembarque (dado que o período mínimo era de 25 anos). A
ocupação real5 devia ser progressiva e sucessiva.
Na Conferência de Bruxelas (1876) estabeleceram-se as bases da nova exploração
africana, nomeadamente o estabelecimento de linhas de estações científicas e hospitaleiras como
núcleos de proteção e de irradiação civilizadora6 e criou-se a Associação Internacional de
Exploração e Civilização Africana – tudo isto foram instrumentos para Leopoldo II (rei belga)
controlar e explorar a região do Congo que era rica em borracha, daí Portugal não ter sido
convidado a participar.
Assim se inicia a descoberta de África que se fez através de explorações científicas como
as de Livingstone, Brazza, Stanley e dos portugueses Silva Porto e Serpa Pinto como forma de
ocupar o último espaço mundial que resta dado que as potências tornar-se-iam detentoras dos
territórios se os conhecessem, mandando por isso estes homens cartografar os locais que
pretendiam obter.
Neste empreendimento, vão confrontar-se a Inglaterra, França, Bélgica e o Reich Alemão
contra Portugal que numa concorrência desigual (não só numericamente mas também devido ao
facto de as potências mostrarem um poderio militar e técnico enquanto Portugal se encontrava
atrasado e pobre7), se viu obrigado a defender perante as outras potências os seus direitos
históricos e tradicionais. Tal é denominado de Corrida a África onde estes países vão para África
para ocupar territórios, adquirir matéria-prima e escoar população, mas Portugal vai reclamar
junto dos ministérios dos negócios estrangeiros destes países que parte daquele território lhe
pertencia, reivindicando uma grande parte do interior do continente africano com base nos seus

5
Critério da ocupação real - era necessário ocupar significativamente o território e desenvolvê-lo ou
torná-lo civilizacional (trazer os territórios africanos para as luzes do conhecimento/civilização atual) para
um Estado poder ocupá-lo;

Critério histórico - quem detém a posse do território (mesmo que não fizesse uso da propriedade) pode
constituir um direito de soberania sobre ele (posse como requisito para a aquisição de soberania sobre um
dado território).

6
Procurava-se melhorar o estado social e moral dos indígenas, modificar os seus usos bárbaros e extinguir
o tráfico de escravos. Assim, pretendia-se fomentar a civilização, proteger os europeus e desenvolver o
comércio.

7
Portugal era também ele diferente ao nível geográfico pois embora tivesse um dos maiores impérios
coloniais, tinha uma pequena influência no espaço europeu; ao nível político porque o seu território era
disperso e a sua política interna era instável; ao nível social porque tinha uma densidade populacional baixa
e ao nível militar porque tinha uma deficiente organização a esse nível.

26
direitos históricos (que assentam numa lógica anacrónica do século XVI e considerados refutáveis
pelas restantes potências):
- Portugal assumiu posse conservada dos seus territórios durante séculos;
- houve uma conquista pelas armas;
- português era a língua europeia entendida pelas tribos daquela região;
- havia um reconhecimento do domínio dos portugueses pelos chefes indígenas através
de tratados o que afirma a prioridade da descoberta e demonstra a vontade de permanecer nos
territórios através da vassalagem;
- a prioridade dos novos territórios era autorizada ou sancionada pelas bulas pontifícias
que eram indispensáveis para que um Estados pudesse submeter à sua soberania novos territórios
(do século XIV ao século XVI);
- existência de interpostos comerciais;
- prioridade da descoberta - no século XVI, a descoberta tinha o valor de uma tomada de
posse, no entanto, no século XVIII começou-se a entender que a descoberta não era intemporal,
mas sim algo historicamente delimitado.

QUESTÃO DO CONGO
Portugal reivindica os seus territórios utilizando estes argumentos pois havia sido
invadido por Inglaterra nalguns dos seus territórios (Baía de Lourenço Marques, da ilha de
Balama, Molembo, Cabinda e Ambriz – região do Congo) que acusava os portugueses de utilizar
políticas de repressão do tráfico de escravos e de não ter presença efetiva nos seus territórios, ou
seja, apenas detinha a sua posse (abandono dos mesmos - não exercia direitos de soberania sobre
os territórios que ocupava), logo estes eram considerados res nullius e fora da jurisdição de
qualquer nação civilizada.
Existe uma região em África (região do rio Zaire – Congo) que faz a ligação entre o
interior e a costa do continente, sendo a principal via de comunicação entre os mesmos,
permitindo o contacto entre os locais onde as potências se fixaram (costa) e as tribos do interior
de onde existia ouro e o marfim. Esta região em questão situa-se no Norte do mesmo rio e Portugal
dominava ambas as margens (atuais Angola e República do Congo), sendo que a mencionada era
uma região importantíssima para a comércio dado que todos os países europeus tinham
estabelecimentos comerciais na sua foz, ou seja, tinham empresas que de alguma forma
negociavam os produtos que vinham da Europa e compravam outros produtos às tribos para
vender aos países europeus.
Assim, esta zona era considerada sobre a jurisdição de Portugal que cobrava impostos
altíssimos e fazia patrulha da mesma, o que significava que todas as empresas pagavam impostos
dos produtos que importavam e exportavam, o que constituía um grave problema para os países
europeus pois tornava o comércio menos interessante. Assim, Portugal é acusado de criar
obstáculos económicos ao comércio internacional.
A questão do Congo levou a ponderar duas vias jurídicas de resolução: a criação de um
Estado soberano que levasse à neutralização desses territórios ou a criação de um espaço de
comércio livre para todas as nações. Não chegou a ser ponderado o recurso à arbitragem, nem a
uma conferência; entendeu-se que se deveria proceder através de uma negociação/convenção.

27
Assim, Portugal (Miguel Martins D’Antas) , em 1884, vai negociar com a Inglaterra8
(Lord GranVille) o Tratado do Zaire onde pretende que a Inglaterra lhe reconheça todos os
interesse , soberania e posse em toda a região do Zaire e, em troca, reconhece-lhe a navegação do
Congo e do Zambeze e seus afluentes sem quaisquer concessões exclusivas, isto é, direitos
preferenciais.
O grande objetivo de Inglaterra era criar uma região em África, mais propriamente junto
do rio Congo, onde mesmo que não exercesse soberania sobre a mesma, criasse condições para
impedir o desenvolvimento regional de França, da Associação Internacional e da Alemanha ,
utilizando Portugal para tal. Ela pretendia obter a livre navegação dos rios africanos sem
obstáculos ao comércio e ao livre acesso ao interior.
Assim, Portugal vê reconhecida a sua jurisdição mas, como se trata de um tratado
bilateral, tal não vincula os restantes países (algo que não prevê achando que os mesmos não iriam
pôr o tratado em causa por medo).
Nos anos 70, a França e a Bélgica que tinham enviado missões de exploração do
continente africano, tinham criado duas grande cidades na margem direita do rio Zaire:
Leopoldeville e Brazzaville. Quando souberam do tratado, estes países juntamente com a
Alemanha vão fazer um ultimato aos ingleses e aos portugueses: ou abandonam o tratado ou
fazemos guerra para vos retirar os territórios.

CONFERÊNCIA DE BERLIM (1885)


Inglaterra desiste e Portugal requer ao imperadores alemão e francês que seja feita uma
conferência internacional que é aceite por Bismark. A Conferência tinha como objetivos:
- estabelecer um acordo sobre a liberdade de comércio na bacia e embocaduras do Congo
(artigo 1º/3º);
- civilizar África fornecendo aos seus habitantes os meios para se instruírem (artigo 6º);
- abrir o interior do continente ao comércio;
- divulgar os princípios religiosos (artigo 6º);
- abolir a escravatura e o tráfico de escravos (artigos 6º e 9º).
Participam a Alemanha, a Bélgica, a Espanha, a França, a Holanda, a Grã-Bretanha e
Portugal. É a primeira grande conferência em que os EUA também participam porque tem como
objeto o continente africano e não interesses diretos.
O grande objetivo de Portugal com a conferência era dividir África e sobretudo não
perder os territórios do Congo bem como manter os seus antigos direitos de soberania. No entanto,
as suas pretensões falham, dado que as duas potências que lideram o Congresso não conhecem
África e têm medo de negociar uma divisão do continente, alegando então que o objetivo da
mesma é a criação das regras para o mesmo.
A Conferência de Berlim criou, por sugestão de Bismark, a bacia convencional do Congo
pois entendeu-se que era indispensável juntar ao rio Congo os afluentes, os lagos interiores, as
costas marítimas e estender a bacia até ao Oceano Índico. Assim, foi criada uma comissão

8
O Governo português entendeu que o Tratado deveria ser celebrado com a Inglaterra por esta potência
ser a única que, de forma deliberada e ostensiva, pusera obstáculos à ocupação portuguesa no Zaire. As
restantes pareciam reconhecer a sua soberania.

28
internacional - Comissão Internacional de Fiscalização do Congo - constituída pelas principais
(catorze) potências territoriais para fiscalizar o cumprimento do princípio de liberdade de
comércio em toda a bacia convencional do Congo, como existiam a propósito dos grandes rios da
Europa (ver página 7).
Surge o princípio da ocupação efetiva: só tem direito ao território em África – desde
que res nullius – quem efetivamente o ocupar, criar comunidades humanas, tiver presença humana
real, desenvolver o território e tentar trazer as tribos para a civilização e educá-las (apresentar-lhe
a cultura e a religião europeia), isto é, exercer funções de soberania. Este princípio é imposto a
Portugal (colidindo com os seus interesses) e negociado nas chancelarias régias, sendo positivado
na Conferência de Berlim no artigo 35º do Ato-geral.
Estes requisitos aplicavam-se apenas às costas africanas e não ao seu interior uma vez
que a Conferência decidiu não regular o interior por exigir uma partilha de África para a qual as
Potências não estavam preparadas dado que não era bem conhecido e pouco ocupado, logo não
havia noção da abrangência necessárias para o ocupar pelas potências. Deste modo, este princípio
de Direito Internacional teve pouca eficácia em termos concretos.
Os textos romanos apresentam como requisito da posse: o corpus e o animus. O corpus é
o requisito material e o animus corporiza a intenção. Assim, o sujeito deixa de ter a categoria de
possuidor quando não exercer poder efetivo sobre a coisa.
Assim, na sequência da conferência de Berlim, os internacionalistas consideraram como
requisitos essenciais (e internacionais) para a ocupação de território:
- a posse por um Governo de um território delimitado;
- a notificação oficial da posse.
Surge também o princípio das esferas de influência: a esfera de influência é a zona onde
outros ou outros Estados se comprometem a abster-se de qualquer tentativa de ocupação ou de
estabelecimento de protetorado9, reconhecendo a esse Estado o direito de nele se expandir.
Encontra-se previsto no artigo 34º do Ato-geral.
No entanto, a prática dita que as Potências aplicaram este artigo de forma extensiva para
o interior de África, considerando que o artigo 35º, pelo contrário, não se poderia aplicar no
interior. Assim, vão dividir o interior de África a seu gosto e criar esferas de influência nas
chancelarias régias ou ministérios dos negócios estrangeiros europeus que se mantêm até à
atualidade.
Por fim, nesta Conferência declara-se que toda a região do Zaire é neutra
(internacionaliza-se): Portugal perde toda a jurisdição neste local.

9
Ocorre quando uma Potência não quer aquele território para sua jurisdição, exercendo apenas sobre ele
proteção militar e, em troca, obtém trocas comerciais.

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