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Os Três Mal Amados

Por Aline Alli

Personagens
FRANCISCA - Ama livremente
ANTÔNIO - Alimentado de flores e amores imaginários
SERENA - Apaixonada pelo mar e pelo canto das sereias

Os Mal Amados estão aglomerados de costas para o público. Cada um pega sua mala e se
viram para o público. A mala de Francisca ganha vida e cai aberta no centro do palco.

FRANCISCA
Eita que tem gente a vista!

SERENA
Que mala danada, Francisca!

ANTÔNIO
Anda, Serena, vá se aprumar que o espetáculo já vai começar.

FRANCISCA
Ô Antônio, então a gente tem que ser ligeiro.
Toca uma canção que isso aqui tá um formigueiro.

(Eles tocam e cantam "É Proibido Amar Ali" enquanto vestem acessórios que estavam em suas
malas.)

FRANCISCA
O sol anuncia:
Ainda é dia!
Que bom seria,
mas sou uma forte madrugada.
É lua fria
quem me guia.
Amores eu queria!
Mas têm de ser plural ou nada.

ANTÔNIO
Entrego mil flores
imaginando amores.
Minh’alma são cores.
Já apanhei da vida e de homens gris.
Sobrevivi a horrores.
Aprendi com as dores
a responder dissabores
com minha perene resistência queer.

SERENA
Canta teu encanto!
Águas em pranto.
Eu choro quebranto.
Saí fugida do que era um lar.
Da cama levanto.
Apanhei um tanto.
Quebrei o santo
da família que era um altar.

TODOS
Viemos contar das querências e do amor.
Somos os três mal amados de alma doída, mas cheia de cor.

ANTÔNIO
Minha paixão é longe, longe, cheia das distâncias.
Imagino desabestado todo o tipo de namorâncias.
Acontece que com ele eu bem que quis me aprochegar,
mas se eu sentava, até que fosse jeitoso, do meu lado é que ele não queria sentar.

SERENA
No forró eu fui pra procurar um bem.
Encontrei paixões vistosas, mas comigo ficou ninguém.
Foi no mar que avistei,
podia ser Janaína, mas foi Irene qu’inda quero beijar que não beijei.

FRANCISCA
Amei mais do que podia.
Amei João, José e Maria.
Meu amor é plural e corre livre entre os trilhos desse mundão.
Tenham medo não. Me solte, Maria. Me solte, João.

ANTÔNIO
Comprei batom vermelho.
Me enfeitei todinho no espelho.
Saí cheiroso que nem dama
e com a boniteza de gente de grana.
Passei por ele devagar com andar sedutor.
Mirei dend’os olhos dele que nem cinema, mas sem diretor.
FRANCISCA E SERENA
Ah! E adiante?

ANTÔNIO
Ele riu de mim, que malvadeza!
Os comparsas riram também sem gentileza.
Eu chorei, chorei e ainda tenho chôro.
Pulei em cima dele e ele gritou: SOCORRO!
Fiquei ali no chão sozinho.
Por isso vim de lá assim tristinho.

SERENA
De Irene eu tenho fome e sede.
Pra pescar essa mulher até usei rede.
Ela me falava das belezas do fundo do mar.
Ostras e den'delas pérolas e dend'das pérolas o luar.
Aaaaaah!
Irene era água, de um azul vibrante.
E eu querendo beber ela inteira, fazê-la de amante.
Até que um dia eu desabafei tudo de coração pra coração:
que a gente podia juntar eu mais ela e nossa solidão.
De repente do sol se fez tempestade.
Ela disse não, perdi minha majestade.
Nunca mais vi Irene e toda minha alegria ela levou.
Que golpe duro foi esse, só entende quem amou.

FRANCISCA
Entendo de amor, o amor eu sei de cor.
Amo amar e ser amada mas sem corrente e sem nó.
Acontece que meus benzinhos não aceitam me dividir com ninguém.
Saudade do cafuné, e de um cheirinho também.
Sem adeus partiram sem despedida.
Agora sou só tristeza e passarinho com a asa partida.
Me soltaram, mas me soltaram assim:
Longe, longe de mim.
Quase seca vou murchando.
Espero a chuva cair me recriando.
Mas esse sol vem e me lembra à mente
que é dia, mas a dor anoitece a gente.

(Se entristecem e começam a guardar na mala os acessórios que haviam vestido antes.
Cantam "É Perigoso amar aqui".)
TODOS
Nas querências nascemos,
nas querências nos criamos
Há quem seja feliz e tenha mais sorte.
Mas é nas querências que está a nossa morte.

ANTÔNIO
Eu amo como ama qualquer amante.

SERENA
Eu vivo como vive qualquer vivente.

FRANCISCA
Eu danço como dança qualquer dançante.

TODOS
A gente nasce levante.
A gente morre semente.

SERENA
Com a alma chorando, mas com esperança
os três mal amados seguem na sua andança.

FRANCISCA
Adeus, amigos, que o amor prevaleça!
Grite ele aos quatro ventos caso ele aconteça.

ANTÔNIO
Há perigo na esquina, nas praças e por onde eu for.
Mas há esperança na luta, nos abraços e aonde houver flor.

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