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SEED, Patrícia. Cerimônias de posse na conquista européia do Novo Mundo.

(1492-
1640). SP: Edunesp/Cambridge, 1999, p.26-61.

A posse inglesa do Novo Mundo, diferentemente da posse espanhola, não foi


marcada por cerimônias e rituais. Baseou-se antes em questões mundanas de ordem
pratica, e não em “afixar símbolos da autoridade européia”.
Justificativas legais para a posse do Novo Mundo como a “descoberta” foram
pouco utilizadas pelos colonizadores. Os ingleses do século XVI e início do XVII
baseavam seu direito de ocupar o Novo Mundo em termos mais familiares, histórica e
culturalmente: eles queriam construir casas e cultivar jardins e lavouras. Dessa forma,
entende-se como preocupação primordial dos colonizadores recém chegados: mais
importantes que rituais era construir a moradia, culturalmente símbolo de estabilidade e
permanência.
“A característica central da sociedade inglesa foi, e ainda é, a aldeia”, estrutura
que remonta o milênio passado. Assim sendo, para o inglês, estabelecer uma casa
significa assumir um assentamento fixo, sinal claro da intenção de fixar.
As casas estabeleciam direito legal da posse da terra na qual são construídas na
lei inglesa. Outros sistemas europeus exigiam permissão legal ou registros escritos.
Construir uma casa também dava direitos semelhantes na legislação inglesa, bem com o
realizar alguma atividade na terra ou demonstrar intenção de fazê-lo (limpar a terra, por
exemplo). Para os ingleses, o objeto comum – casa, cerca – significa propriedade.
A construção de cercas era ordenada pelos oficiais da coroa por seu sentido
também político: “cercas e divisas criavam a suposição de propriedade no direito
medieval inglês; sua presença visível na paisagem indicava fisicamente a efetiva
ocupação inglesa, e comunicava direitos ingleses”.
Alem da construção de cercas, os oficiais da coroa também ordenavam outra
ação: a agrimensura, pois esta iria avaliar formalmente os limites da propriedade
privada, e, portanto legitimar a posse. O ato de fixar símbolos da propriedade privada
era chamado de improvement ou melhoria. To improve ou melhorar significava
reivindicar a terra para o próprio uso agrícola ou pastoril.
Os ingleses, mesmo antes de se estabeleceram na America, estavam predispostos
a ver o Novo Mundo como um jardim, e foi isso que os atraiu para o ultramar. Eles se
referiam às atividades da colonização como “plantar o jardim”. O motivo para que essa
metáfora tivesse um apelo tão forte é que o jardim, ao ser cercado, diferenciava e
separava aquilo que é wild (selvagem) do que é cultivated (cultivado), portanto, o
jardim simboliza a posse. Logo depois de erigir uma casa, o colonizador inglês plantava
um jardim no Novo Mundo.
“Plantar”, metaforicamente, significa afixar-se no solo. Sendo assim, o
colonizador inglês era uma planta, e a colonização, era uma plantação. “Plantar”, é
estabelecer posse efetiva da terra.
“Não era uma lei que dava aos ingleses o direito de possuir o novo mundo, era
uma ação que estabelecia esses direitos”
Construir casas, cercar a terra, criar animais e plantar um jardim são ações que
simbolizam a posse.
Assim como a expressão “assentar cultura e criação”, outros dois verbos eram
usados com freqüência para representar a posse da terra: “encher” e “sujeitar”. Ambos
são métodos europeus de trabalhar o solo. O primeiro significa para os ingleses adubar
com esterco, e o segundo, usar arado puxado por bois. Os dois termos são bíblicos
(Gênesis 1:28) e são interpretados pelos ingleses de maneira singular: como justificativa
para possuir terras desocupadas da America.
No entanto, a suposição que as ações evidentes indicam propriedade baseava-se
na existência de pessoas que partilhavam os mesmos valores culturais, mas isto só
ocorria entre os ingleses.
Apesar da especificidade dessa suposição, os colonizadores utilizavam a
ausência dela entre os nativos – que não cercavam suas terras, não criavam animais.
Não tinham habitação fixa, etc. – para negar o direito de posse dos nativos sobre suas
terras.

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