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Elisa Terezinha Bettega RA:

21000117

A revolução do Blockchain e como essa tecnologia pode


impactar o setor público

RESUMO

Blockchain é um dos maiores avanços da última década. Uma tecnologia distribuída que permite
um grande grupo de pessoas e/ou organizações chegarem em um consenso e gravarem a
informação permanentemente, sem intermediários. Para o Estado, tal avanço pode significar
maior transparência, controle de gastos, eficiência e uma oportunidade de entregar serviços
melhores, fornecendo uma infraestrutura para instituições digitais, seguras e democráticas. Com
isso, o presente artigo busca compreender o funcionamento do blockchain e investigar o caráter
disruptivo dessa tecnologia. Por fim, investigar, a partir das experiências da Estônia no
desenvolvimento de plataformas digitais em blockchain, quais oportunidades disponíveis para
aproveitar esse avanço tecnológico com o objetivo de melhorar a informação, a credibilidade das
instituições e a prestação dos serviços, incentivando a participação dos cidadãos no processo de
tomada de decisão.

Palavras-chaves: Blockchain. Políticas públicas e tecnologia. Governo Digital. Serviços digitais.

ABSTRACT
Blockchain is one of the biggest breakthroughs of the last decade. A distributed technology that
allows a large group of people and / or individuals to obtain a consensus and record the
information permanently. For the State, significant increase in transparency, cost control,
efficiency and the opportunity to obtain best practices, the ability to generate digital, security and
democratic information. With this, it is tried to understand if the blockchain can become more
governmental, transparent and effective. This article tries to understand the functioning of the
chain and investigate the disruptive nature of this technology. For example, explore the
opportunities available for access to technological progress from Estonia's experiences in the
field of block formation with the aim of improving information and service delivery by
encouraging citizen participation in the decision-making process decision-making.

Keywords: Blockchain. Public policies and technology. Digital Government. Digital services.

1
INTRODUÇÃO
Em termos de crescimento e potencial de mercado, a maioria das estimativas projeta uma
taxa de crescimento robusta para o mercado blockchain nos próximos anos. Espera-se que o
mercado global de tecnologia de blockchain cresça a um ritmo de crescimento anual composto
de 62,1% entre 2015 e 2025, alcançando um valor de 16,3 bilhões de dólares. O potencial de
impacto nos negócios é ainda mais otimista, de acordo com o Gartner, o valor agregado do
blockchain crescerá para mais de 176 bilhões até 2025 e excederá 3,1 trilhões até 2030
(DELOITTE, 2018)
De fato, os experimentos de blockchain no setor público estão se acelerando globalmente.
Em 2017, estimou-se 117 projetos em 26 países utilizando blockchain no setor público. No
começo de 2018, esse número saltou para 202 aplicações em mais de 45 países, segundo estudo
divulgado pelo Observatório de Inovação do Setor Público (OPSI). O OPSI é um fórum para o
compartilhamento de práticas de inovação na escala governamental que fornece recursos
coletivos para identificar, coletar e analisar novas formas de fazer e entregar políticas públicas e
serviços1.
Blockchain é um sistema de registros de transações que surgiu, inicialmente, como
ferramenta para garantir a segurança das transações financeiras feitas por bitcoins. Do ponto de
vista técnico, blockchain é uma rede capaz de processar e armazenar informações de forma
distribuída em uma rede peer-to peer2. É a materialização do slogan da empresa SUN
Microsystems3 “the network is the computer” (a rede é os computadores, tradução nossa).
Entretanto, além de armazenamento e processamento distribuído, o blockchain permite também
um consenso compartilhado, sendo possível realizar operações sem intermediários (LEMOS;
ALEIXO, 2018).
Os benefícios do blockchain - transparência, segurança, confiança e desburocratização -
podem ser prontamente aplicáveis às organizações do setor público. A expectativa em relação ao
potencial disruptivo da tecnologia ajuda a explicar por que tantos governos estão explorando
seus usos (WHITE et al, 2017), alguns especialistas a consideram o quinto paradigma disruptivo

1
Cf: https://oecd-opsi.org/about-observatory-of-public-sector-innovation/.
2
do inglês peer-to-peer, que significa par-a-par, é um formato de rede de computadores em que a principal
característica é descentralização das funções convencionais de rede, onde o computador de cada usuário conectado
acaba por realizar funções de servidor e de cliente ao mesmo tempo.
3
adquirida pela Oracle Corporation em 2009, a SUN era fabricante de computadores, semicondutores e software.

2
da computação, que poderá trazer uma experiência ubíqua de internet do valor4. De acordo com
The Economist, a tecnologia blockchain é a próxima geração da World Wide Web e facilitará as
operações entre pessoas e instituições, potencialmente catalisando novos mercados,
descentralizados e digitais, que criará novos negócios e uma fonte contínua de inovação.
A transformação digital influencia diretamente em a maneira como se pensa as
instituições econômicas, políticas e sociais. Portanto, é natural surgirem novos desafios à atuação
do governo, no que se refere a modernização desse sistema vigente, da regulação à infraestrutura.
Neste contexto, defende-se o conceito do governo digital como uma alternativa para acompanhar
a transformação digital. O governo digital (e-Gov) é a modernização da administração pública e
da forma como os serviços de governo são entregues, oferecendo serviços com o que realmente
agrega valor ao cidadão (LIMA, 2017).
E, nesse sentido, pergunta-se como o blockchain pode transformar o setor público e
fortalecer o conceito de governo digital. Para tanto, busca-se analisar como o blockchain pode
ser utilizada no setor público como um caminho para serviços mais democráticos e inclusivos.
Na primeira parte, busca-se entender o surgimento e o funcionamento desta tecnologia; na
segunda, elucidar como o blockchain é uma tecnologia disruptiva e seus pilares; na terceira,
demonstrar como blockchain pode ser utilizado no setor público, através da experiência da
Estônia; e na quarta, como esta tecnologia se aplica no cenário atual de crise da legitimidade das
instituições.

O QUE É BLOCKCHAIN E COMO ELE FUNCIONA?


Em 2008, Satoshi Nakamoto5 apresentou, ao grupo cypherpunks - um movimento que
tem por objetivo popularizar o uso de criptografia além dos domínios de grandes empresas e
governos (LIMA, 2017), um artigo contendo os princípios do funcionamento de uma
criptomoeda e a chamou de Bitcoin. A ideia central da proposta era a criação de uma moeda
online que permitisse transações entre desconhecidos de forma totalmente segura, sem o
envolvimento das instituições financeiras. A primeira criptomoeda, apesar de não ser
completamente popularizada, trazia em si uma ideia poderosa, o blockchain, um livro de

4
possibilita a troca de qualquer ativo com valor (ações, votos, pontos de avaliação, valores mobiliários, propriedade
intelectual, música, descobertas científicas e muito mais), como hoje é feito com a informação.
5
é o pseudônimo utilizado pela pessoa ou pessoas que criaram a moeda virtual bitcoin.

3
registros distribuídos, que soluciona o problema de gasto duplo e da necessidade de
intermediário nas transações (WHITE et al, 2017).
Por exemplo, ao enviarmos uma foto para outra pessoa por e-mail (ou outro mecanismo
de compartilhamento), o arquivo original continua com o dono e cria-se uma cópia para o
destinatário. Se isso acontecesse com dinheiro ou outro objeto com valor, a cópia perderia o
valor. Para isso, ao transferirmos dinheiro via internet, por exemplo, o banco atua como a
terceira parte que verifica e valida a operação, confirmando que o valor transferido realmente
existe e impedindo que o valor seja duplicado.
O princípio de funcionamento de tecnologia blockchain, é um banco de dados distribuído
(distributed ledger), no qual todos os dados de transações são compartilhados entre os
computadores da rede, chamados de nós, e, se algo for adicionado, excluído ou modificado em
qualquer computador, essa informação se refletirá nos demais (TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
As transações - concluídas e pendentes - são agrupadas e armazenadas em um estrutura
fixa chamada de bloco. E quando grande parte dos computadores autenticarem essas transações
visíveis, por meio do consenso entre os pares, monta-se um bloco completo . Por fim, este novo
bloco é adicionado matematicamente a corrente pelo nó “minerador”, que verifica os históricos
de transações com a finalidade conferir a veracidade do conteúdo. No caso do Bitcoin, se quem
transfere as moedas realmente as possui (TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
“Assim como nós temos a íris, o DNA e a digital, o blockchain trabalha com um sistema
de identificação unívoca, a hash6” (DANTAS, 2018) - chave calculada com base no conteúdo
das transações do bloco. Se mesmo uma ínfima parte do conteúdo do bloco for alterada, essa
chave hash é alterada e torna-se inválida, apontando a adulteração imediatamente. Quando o
novo bloco é publicado para o livro de registros, ele está ligado ao anterior através de suas
respectivas chaves hash, formando um encadeamento de blocos ou corrente de blocos - daí o
nome blockchain, “corrente de blocos” em tradução livre. E quase simultaneamente é enviada, a
cada membro da rede, uma versão atualizada do registro. Isso forma um registro totalmente
rastreável e verificável, é possível acessar, de qualquer bloco, todos os blocos anteriores ou
subsequentes na cadeia de blocos. Portanto, um banco de dados blockchain mantém o histórico
completo e indelével de todas as transações, ativos e instruções executadas desde o primeiro

6
uma função de criptografia que converte qualquer entrada (texto, imagem, etc.) em um código de tamanho fixo -
bem menor que o original.

4
bloco (WHITE et al, 2017). Com isso, o blockchain permite às partes participantes da rede - e
somente essas partes - compartilharem informações acessíveis e transparentes e confiáveis.
A pessoa que consegue montar e adicionar um novo bloco a rede é chamado de
minerador. No caso do bitcoin, os mineradores que conseguem montar blocos recebem bitcoins
recém-criados. Esse sistema de recompensa garante que as operações com bitcoins sejam
validadas pela rede, dado o poder do consenso. Como cada nó possui o mesmo poder de
transmissão quanto qualquer outro, não há privilégios, apenas alguém com, no mínimo, 51% da
capacidade computacional dos mineradores seria capaz de provocar fraude e alterar o consenso
para benefício próprio, pois seria preciso alterar as chaves hash que ligam os blocos
(TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
As características da rede variam de acordo a como está permissionada. Existe redes
públicas e privadas, o acesso às redes públicas é “sem permissão”- isto é, aberto para qualquer
pessoa participar da rede e visualizar suas transações, que são totalmente públicas. A rede
normalmente possui um mecanismo de incentivo para angariar mais participantes à sua rede. Por
outro lado, as redes privadas requerem permissão para ler as informações. “Elas podem limitar as
partes que podem fazer transações e definir quem pode estar presente na rede e escrever novos
blocos na cadeia” (GUSSON, 2018). Quanto maior a rede, mais trabalho é necessário para
garantir a confiança, portanto mais robusto e exigente é o protocolo de consenso (WHITE et al,
2017).
Entretanto, a mineração requer um grande esforço computacional para validar essas
informações pois, na realidade, a mineração é um processo puramente matemático. Em que o
objetivo é encontrar um sequência de dados (blocos) que produza um padrão de hash e adicioná-
lo à corrente.
Dessa forma, hoje, as pessoas que conseguem minerar de forma lucrativa
são aquelas que possuem acesso a hardwares e energia elétrica com um
baixo custo. Essas condições são encontradas principalmente na China,
razão pela qual o país é onde se encontram a maior parte dos
mineradores, cerca de 2/3 a 3/4 dos mineradores do Bitcoin. Além disso,
muitos mineradores não trabalham dentro dos grandes centros chineses,
mas em regiões afastadas das cidades, nas quais a energia é
extremamente barata, de forma que eles não são facilmente encontrados
(TAVARES; TEIXEIRA, 2018, p.121).

Como os mineradores encontram-se dispersos territorialmente e a operação demanda um


grande performance computacional, a tentativa de fraudar o sistema tem um gasto maior do que,

5
ao invés disso, converter os esforços para a mineração e, por consequência, receber bitcoins pelo
sistema de incentivo.
Além disso, a segurança é garantida pela criptografia. Mas não é só isso, os alemães, na
Segunda Guerra Mundial, conseguiram resolver criptografia com o passar do tempo. No caso do
blockchain, para fraudá-lo seria preciso quebrar a criptografia em um determinado prazo. “Hoje,
a cada dez minutos surge um novo bloco por meio das transações que estão sendo realizadas
dentro do blockchain. O novo bloco acopla-se ao anterior, formando assim uma cadeia”
(AMORIN Apud VENTURA, 2018).
Tradicionalmente, a maneira de confiar em um conjunto de operações foi estabelecida
através de uma instituição intermediária, ou outro arranjo, com o objetivo de mitigar o risco das
contrapartidas. O blockchain cumpre a função de fornecimento de confiança estabelecendo
consenso entre todos os participantes (WHITE et al, 2017), possibilitando que negócios sejam
realizados de forma automática e com custo reduzido entre pessoas, empresas e países (LIMA,
2017).
Analisando blockchain, no caso do Bitcoin, aponta seis características da estrutura: (i)
todas as transações ocorrem pela internet, diferente de outras plataformas de pagamento que
utilizam redes privadas; (ii) banco de dados público e distribuído, que recebe, envia e registra
valores - ou informações - com criptografia para proteger o conteúdo que transita pelo protocolo;
(iii) criação de valor dentro do blockchain, que, no caso do Bitcoin, é a própria moeda; (iv)
recompensa para pessoas que contribuírem com trabalho, poder computacional e recursos - essas
pessoas são chamadas de mineradores; (v) software livre7; e (vi) sistema de governança para
determinar os princípios operacionais, adoção mudanças de protocolo e outros recursos.
Após 10 anos de seu surgimento, a blockchain ganhou novas formas e finalidades, mas
ainda utiliza-se o mesmo modelo de arquitetura técnica descentralizada da criptomoeda
(SWAN, 2015). Diante das diferentes atividades que o blockchain pode desempenhar, Swan
propõe a divisão em três gerações. No entanto, para Gates (2017) a divisão é em duas categorias,
sendo que a segunda geração engloba a terceira geração de Swan.
A Blockchain 1.0, primeira geração, é marcada pelas moedas digitais e o surgimento do
protocolo. A segunda geração, chamada de Blockchain 2.0, surgiu com o lançamento da

7
é o software que concede liberdade ao usuário para executar, acessar e modificar o código fonte, e redistribuir
cópias com ou sem modificações.

6
plataforma da Ethereum, uma é uma plataforma descentralizada capaz de executar contratos
inteligentes (smart contracts) e aplicações descentralizadas usando a tecnologia blockchain, que
utiliza sua moeda virtual Ether como pagamento pelos serviços prestados (GATES, 2017). Para
Swan, é necessário fazer essa distinção de fases, pela segunda geração englobar apenas a área
econômica. A terceira geração, portanto, recebe o nome de Blockchain 3.0 e é marcada pelo uso
das ciências de forma geral, como saúde, artes e, inclusive, governos (SWAN, 2015).

POTENCIAL DISRUPTIVO DO BLOCKCHAIN


Contratos inteligentes baseados em blockchain (também chamados de contratos de
autoexecução ou contratos digitais) utilizam um algoritmo “capaz de facilitar, executar e forçar o
cumprimento de um acordo, por meio da blockchain” (TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
Esses contratos inteligentes são códigos em meio digital8, capazes de se autoexecutarem e
autoverificarem, a lógica imputada (se x, então y) define as regras e as consequências, assim
como um documento legal faria, com a diferença de ser automaticamente executada pela rede. O
objetivo principal dos smart contracts é “possibilitar que duas partes anônimas troquem e façam
negócios entre si, normalmente pela Internet, sem a necessidade de um intermediário”
(TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
A origem e a história dos contratos inteligentes são mais antigas que o bitcoin e
remontam aos anos 90. O termo 'contrato inteligente' foi cunhado pela primeira vez em 1994 por
um dos supostos criadores do bitcoin, Nick Szabo, e referiu-se ao exemplo da máquina de
refrigerante automática, programada para transferir certa quantidade de bebida mediante ao
pagamento de uma quantia estipulada (TAVARES; TEIXEIRA, 2018).
A blockchain é a grande revolução tecnológica que faz do bitcoin ser uma tecnologia
única e disruptiva. Ao permitir que a informação digital seja distribuída, e não apenas copiada, a
tecnologia blockchain criou os alicerces para um novo tipo de internet (TURNER et al, 2014). A
partir de 2013, surgiram as novas gerações da tecnologia blockchain, as plataformas de
desenvolvimento evoluíram e permitiram a inserção de transações mais complexas, através dos
smart contracts. Essa evolução tecnológica, fez com que aumentasse o interesse em torno do
blockchain, para além dos serviços financeiros.

8
códigos como C++, Go, Python e Java.

7
A primeira geração da revolução digital trouxe a Internet da Informação, a segunda
geração - impulsionada pela tecnologia blockchain - está trazendo a Internet de Valor: uma
plataforma nova e distribuída que pode remodelar o mundo dos negócios e a transformar a antiga
ordem dos assuntos humanos para melhor (TURNER et al, 2014).
A Internet de Valor pode ser considerada a segunda era da internet. De acordo com Carl
Amorin9, hoje é possível enviar arquivos, informação ou conhecimento. Faltava algo que
realmente transmitisse um ativo dentro da rede. Com blockchain é possível mandar um ativo
para alguém e garanta que esse ativo não seja duplicado, sem a necessidade de intermediários.
Isso serve para um título imobiliário, uma identidade, um voto, música, uma obra de arte.
Outra revolução que essa tecnologia pode permitir é o senso de cooperação. Apesar dos
humanos colaborarem entre si para grandes feitos coletivos, como as pirâmides, agricultura e
desenvolvimento científico. A sua organização social baseia-se em “um bando de indivíduos alfa
competindo o tempo todo para controlar o trabalho dos demais, isto é, pelo poder” (FEDER,
2016 Apud TAVARES; TEIXEIRA, 2018). Logo, essa disputa por dominância, mesmo que
contribua para a evolução, desperdiça uma parte dos esforços individuais em torno da disputa.
Outros animais, como formigas, abelhas e pássaros se organizam em sistemas complexos para
atingir um bem comum,
A blockchain seria a primeira vez na história em que os humanos se
unem, de uma maneira tecnológica, para fazer algo em conjunto, sem a
presença de qualquer competição. Além disso, ela torna possível que as
pessoas se coordenem sem o envolvimento de qualquer autoridade
central, de forma que tal organização, criada pelo senso acerca da rede
como um todo, não é imposta por qualquer entidade. Portanto, tem o
potencial de modificar de forma revolucionária o modo como os
humanos se organizam, aproximando-o de mecanismos complexos como
o de formigas, pássaros e peixes (TAVARES; TEIXEIRA, 2018, p.119).

O ensaio de Pierre Dardot e Christian Laval, afirma o sentido dos movimentos


contemporâneos tem a ver com transformar as próprias relações políticas, sair da representação à
participação. Isso é o que significa unir a demanda do comum ao seu maior ponto de expressão.
Nesse sentido, entra em campo o paradigma do Bem Comum. Segundo Esposito (2015), “Em
termos etimológicos (cum-munus, literalmente ‘co-obrigação’ e ‘co-atividade’)” mas não tende

9
country executive do Blockchain Research Institute no Brasil.

8
olhar para trás, ao invés disso recolhe o desafio da sociedade liberal sobre seu próprio terreno da
competitividade.
Pressionado entre os bens de propriedade privada e os bens do Estado, a categoria de
"comum" abre espaço a partir do princípio da inalienabilidade dos recursos destinados ao uso
compartilhado de todos. Segundo Porto (2018), “O comum prima pela expressão das
subjetividades e se opõe à centralização do poder e à concentração da responsabilidade da gestão
em um único ente, seja ele o Estado, seja ele a iniciativa privada”. E completa: “O comum é a
capacidade de cooperação coletiva articulada para melhorar a qualidade de vida de todos”.
Nessa nova plataforma organizacional, sai de cena um modelo centralizador, em que o
detentor da mão de obra, informação e recursos era o agente principal, e surge uma rede
descentralizada que vai ser implantada por meio de plataformas tecnológicas que participam da
economia. Há a possibilidade, portanto, de surgir, a partir dessa nova concepção, uma sociedade
mais colaborativa, distributiva em que todos passam a ter acesso à informação, sem a intervenção
de terceiros.
Por exemplo, qual é a diferença entre uma ferrovia do interior de São
Paulo e uma estrada romana de 2 mil anos? A ferrovia tem dono. Se for
abandonada, seja porque o governo mudou as prioridades, seja porque a
empresa gestora faliu, ninguém mais pode assumi-la se não comprá-la. Já
uma milenar estrada romana continua preservada, mesmo depois de
tantos séculos do fim do Império Romano. Isso porque outras
civilizações se sucederam e tomaram conta dela, como um bem comum
(SANDE, 2018).

Segundo a Agência Brasil, economia digital é “a alteração da lógica de atividades


econômicas para uma nova visão baseada em dados e calçada em tecnologias digitais”. Portanto,
a produtividade e o desempenho econômico estariam ligados a capacidade de coletar, processar e
extrair valor da extensa quantidade de dados gerados pela sociedade, intensificados pelo
ambiente online. Vale ressaltar que o volume de dados cresce progressivamente e estima-se que,
até 2020, haverá mais de 16 zetabytes ou 16 trilhões de gigabytes de dados úteis armazenados.
(TURNER et al, 2014). E as cinco empresas10 gigantes da tecnologia atuam na coleta e uso de
dados arrecadaram, juntas mais de 25 bilhões de dólares em lucro líquido apenas no primeiro
trimestre de 2017, segundo o The Economist11.

10
Alphabet (holding do Google), Amazon, Apple, Facebook e Microsoft.
11
Cf: https://economia. estadao.com.br/noticias/geral,uma-regulacao-para-as-gigantes-da-internet,70001765621.

9
Uma transformação vem ocorrendo em todo o mundo e alcançará a cada
um de nós. A economia do futuro é digital e cresce a um ritmo 2,5 vezes
superior aos demais setores. Globalmente, deve representar US$ 23
trilhões em 2025 e, localmente, atingir 25% do PIB Brasileiro já em 2021
(BRASIL, 2018 p. 3).

Assim, a internet apoia-se em instituições funcionando como terceiros confiáveis ou


responsáveis. Entretanto, mesmo com um intermediário, é impossível criar transações
irreversíveis e evitar tentativas de fraudes, fazendo com que comprovar a identidade online, exija
uma série de informações pessoais. No caso do Bitcoin, o blockchain é como se fosse “máquina
de confiança”, que dá credibilidade à própria máquina, extinguindo o terceiro ente e, numa
estrutura sem intermediários, garante que as transações sejam realizadas com transparência e
credibilidade, reduzindo a necessidade de confiança entre os agentes, e consequentemente os
custos e o tempo de resposta às transações. (TAVARES; TEIXEIRA 2018).
Alexandre Van de Sande (2018), ao descrever os benefícios de uma rede descentralizada,
explicou: “Quando a gente fala da nuvem, pode se iludir com a metáfora”. A nuvem é uma
central de servidores física12, na qual dados pessoais, fotos, contatos, amigos, gostos etc das
pessoas estão armazenados, isso significa que eles estão no computador de alguém “e esse
computador tem dono, alguém pode desplugar e apagar os dados”. Alexandre citou o caso do
Facebook, que tem 2 bilhões de usuários ativos (maior do que a população de qualquer país). “O
direito da pessoa de se expressar, de rezar, de acreditar, de se organizar, passa pelo Facebook. E
tudo o que passa por ali está nas mãos de uma única pessoa”.

BLOCKCHAIN PARA O SETOR PÚBLICO


Em resumo, o que faz do blockchain uma tecnologia tão promissora são as
características de um sistema seguro (imutável e inviolável), distribuído (as transações são
confirmadas por diversas pessoas), compartilhado (é a rede que valida o sistema e as transações)
e transparente (as regras são claras e aplicadas a todos).
O setor público, por vezes referido como setor estatal, é uma parte do Estado que lida
com a produção, entrega e distribuição de bens e serviços por e para o governo ou para os seus
cidadãos. A transformação digital é fundamental uma reforma e adequação do setor público,
ajudando a fornecer melhores serviços a um custo muito menor e melhorando a relação entre o

12
Cf: https://www.tecmundo.com.br/google/104430-conheca-estrutura-monstruosa-utilizada-google-
servidores.html.

10
cidadão e o estado e porque não aproveitar os benefícios potenciais da tecnologia
verdadeiramente distribuída?
O protocolo é adequado para fornecer ao governo novas ferramentas para reduzir
fraudes, erros e o custo de processos burocráticos intensivos utilizando três valores de negócio de
blockchain - manutenção de registros, transferência de valor, e contratos inteligentes (WHITE et
al, 2017). Também tem o potencial de fornecer novas formas de garantir a propriedade e bens;
armazenamento e integração de dados públicos; registros de terras; plataformas de votação;
licitações; plataformas de execuções orçamentárias e etc. propriedade intelectual
Além disso, há uma melhora considerável na segurança com o gerenciamento de
identificação através do blockchain, com as chamadas identidades digitais que, devido sua
descentralização, evita modificações maliciosas de informações da identidade “ou até a restrição
da população aos próprios documentos de identificação, sobretudo o passaporte, como ocorrido
em países sob regime ditatoriais ou em situação de guerra civil” (ECHEVERIA, 2018). O
blockchain, ao atuar como uma base de dados que permite o cidadão o poder de consentimento,
este poderá escolher por quem e como seus dados serão utilizados. “Este conceito é conhecido
como identidade auto-soberana” (WINDLEY 2018 Apud BATISTA et al 2018).
Outro campo fértil para o blockchain é o da transparência das receitas e gastos
públicos. Uma criptomoeda, por exemplo, poderia representar recursos públicos, sendo imutável
e abertamente auditável espelharia do que já fica registrado nos sistemas de execução
orçamentária. A criação dessa moeda não seguiria regras como as de bitcoin ou de ether. Ao
invés disso, estaria vinculada à comprovação de receitas e controlada por perfis e sistemas
pertencentes ao governo. E as despesas seriam refletidas na transferência dessas unidades para
outras contas no blockchain que representariam cada um dos recebedores de recursos (KOCK,
2017).
O ex-presidente da Estônia, Toomas Hendrik Ilves que presidiu o país entre 2006 e
2016 foi uma das lideranças do processo de implementação de blockchain na Estônia, ressalta
alguns pontos para a construção de um país digital: (i) a existência de uma identidade digital
segura, forte e legalmente eficaz; (ii) serviços digitais relevantes aos negócios e aos cidadãos,
não só a burocracia; (iii) uma arquitetura de sistema segura na qual cidadãos e setor privado
possam confiar; (iv) e a garantia da integridade dos dados públicos (REDE JUNTOS, 2018).

11
Conforme o secretário de Fiscalização de Tecnologia da Informação do Tribunal de
Contas da União, Márcio Braz, o conceito de governo eletrônico está relacionado à
disponibilização de serviços públicos no mundo virtual. Já o governo digital é a modernização da
administração pública e da forma como os serviços de governo são entregues, oferecendo
serviços com o que realmente agrega valor ao cidadão. Simplificando e desburocratizando a
administração e o serviço para o cidadão e trabalhar com essa tecnologia faria parte de uma
inovação do planejamento estratégico de um governo digital (SERPRO, 2016).
É possível elencar diversos benefícios do governo digital, dentre eles, redução de
custos, rapidez, maior transparência e controle, melhora do acesso à informação por parte dos
cidadãos, maior participação cidadã, possibilidade de efetuar pagamento eletrônico de impostos,
a possibilidade de promoção do turismo, agilidade na prestação dos trâmites dos processos, mais
capacidade para os governos cumprirem as demandas, menos burocracia etc. (LANGNER;
ZULIANI, 2015).

SOCIEDADE DIGITAL EM CONSTRUÇÃO: ESTÔNIA


A Estônia, localizada no Mar Báltico, no norte da Europa, é um país pequeno, porém
totalmente digital. “Carros autônomos trafegam pelas ruas, políticos eleitos pela internet,
consultas do sistema de saúde ficam hospedadas em nuvem” (PUJOL, 2007). Todos os serviços
públicos e bancários podem ser acessados online, através do Digital ID. Um cartão de identidade
digital com chip reconhecível por leitores nos computadores, misto de RG com cartão de crédito.
Em 2007, a Estônia foi o primeiro país no mundo a experimentar um ataque
cibernético em todo o país. Embora nenhum dado tenha sido comprometido, os invasores
enviaram grandes quantidades de tráfego da Web para sobrecarregar os sistemas, na tentativa de
colocá-los offline. Isso causou uma interrupção temporária em um país que já investia
pesadamente em uma economia digital. Desde sua independência, em 1991, com o fim da União
Soviética. O país contava com cerca de 1,3 milhões de habitantes e uma extensão equivalente ao
espírito santo, 45,3 mil km²; sem pessoal para girar a economia e nem recursos naturais a serem
explorados, a saída foi apostar na tecnologia. (PUJOL, 2018).
As inovações estonianas são impulsionadas por um sistema de dados que unifica as
informações dos cidadãos. O X-Road, concebido em 2001, integra mais de 900 organizações de
todos os setores da economia. Estima-se que 99% dos serviços do governo sejam entregues

12
eletronicamente através desse sistema. Resumidamente podemos dizer que o X-Road é um
sistema de troca de informações descentralizado, com dados separados em compartimentos
virtuais interconectados. O X-Road é guiado pelo conceito "one time", em que, uma vez
registrada no banco de dados, a informação não será mais pedida ao usuário e ficará disponível
para todos os órgãos conectados ao sistema. As áreas como educação, segurança, legislação,
saúde e impostos são cobertas pela ferramenta (PUJOL 2018).
Os votos online, também são facilitados pelo sistema em conjunto com a identidade
virtual estoniana. A votação online ocorre por um software baixado no computador – um método
parecido ao utilizado pelos brasileiros para declarar o Imposto de Renda (PUJOL 2018).O i-
Voting permite que os eleitores votem de qualquer computador conectado à internet, em
qualquer lugar do mundo. Basta estar cadastrado e possuir a identidade digital segura universal
(REDE JUNTOS, 2018).
Inaugurado em 2005, alcançou naquele ano, 1,9% dos eleitores. Em âmbito nacional
estreou no legislativo de 2007, representando 5,5% do total de votos. O sistema político
estoniano é parlamentarista, no qual o chefe de governo é o presidente do Parlamento. Tanto ele
quanto os demais políticos podem ser eleitos pela internet. Nas últimas eleições de 2017, um em
cada três eleitores optou pelo serviço online (PUJOL, 2018)
Vale destacar que tecnologia tem sido uma aliada para inovação democrática no país.
Em menos de 30 anos o país transformou um modelo político enfraquecido, que sofria com
ocupações e forte vulnerabilidade a influência externa da Rússia, Dinamarca, Suécia, Finlândia e
Alemanha, em uma grande referência de inovação digital (REDE JUNTOS, 2018).
A abrangência da estrutura virtual da Estônia acende o alerta quanto à privacidade das
pessoas e à proteção dos dados. Contudo, entre as nações da Europa, ela ocupa o primeiro lugar
em segurança cibernética, segundo a União Internacional de Telecomunicações. Após o ataque
cibernético, acendeu-se um alerta para como a infraestrutura digital do país poderia ser mais
protegida por meio de novas tecnologias. Naquele mesmo ano, o governo da Estônia em
conjunto com o setor privado, formou uma equipe de criptógrafos, arquitetos de rede,
desenvolvedores de software e especialistas em segurança da Estônia e projetou o sistema de
assinatura digital que eventualmente levaria, em 2012, ao KSI (Keyless Signature Infrastructure -
em tradução nossa, Infraestrutura de assinatura sem chave), o blockchain próprio da Estônia
(PUJOL, 2018).

13
O KSI fornece em tempo real autenticação para todos os ativos digitais da rede e é
usado para verificação independente de todos os processos do governo, proteção dos serviços
eletrônicos e das informações dos cidadãos. Cada serviço online possui um mecanismo
específico de segurança. No caso da eleição, o software exige uma assinatura digital para
confirmar o voto. Já as atividades realizadas através do celular requerem um SIM card com
certificado digital (KORJUS, 2017). O X-Road também conta com camadas seguras de
reconhecimento e gerenciamento de dados. "Toda a infraestrutura é baseada em tecnologia de
criptografia avançada", explica Sandra Roosna13. Ou seja, a integridade das operações da Estônia
são mantidas pelo blockchain.
Como a Estônia aposta na tecnologia open source, as soluções estão todas em um
GitHUB - repositório de código usado pelas comunidades de desenvolvimento em rede. A
Estônia exportou seu sistema para a Finlândia e apresentou-o a países, como Argentina, Uruguai,
México, Canadá e Japão. O X-Road também inspirou a criação de programas semelhantes em
outros países (REDE JUNTOS, 2018), segundo o governo local, pelo menos 130 nações já se
valeram de algum benchmark estoniano (PUJOL, 2018).
Seu blockchain, o KSI, já foi replicado pela OTAN e pelo Departamento de Defesa
dos Estados Unidos. A principal característica do KSI é a descentralização segura das
informações. Ou seja, o usuário sabe quando e por quem seus dados estão sendo acessados.
Assim, ele pode denunciar invasões. Em um caso famoso no país, uma policial foi punida por
acessar informações particulares de seu namorado. Outro episódio semelhante ocorreu durante a
campanha eleitoral de 2011, quando um candidato leu informações pessoais sobre potenciais
concorrentes. O governo reconhece certo risco de invasão à privacidade, mas não a manipulação
das informações – seja por hackers ou administradores de sistema (PUJOL, 2018).

DESAFIOS E LIMITAÇÕES DESTE MODELO


Existem dois desafios no uso de blockchain: O primeiro é tecnológico, tentando
entender como gerar escala e aprimorá-la. O segundo, está relacionado ao fato de absorver a
noção de descentralização e suas implicações sociais.

13
analista da e-Governance Academy, um think tank estoniano que treina governos e empresas para implementar
estratégias virtuais.

14
Embora existam inúmeras vantagens de tornar um governo mais digital, existem
também inúmeras barreiras ao seu desenvolvimento. Entre essas barreiras pode-se citar os riscos
implantação de uma nova tecnologia que é ainda pouco conhecida; desperdício de recursos
públicos pela falta de know-how; e a exacerbação de desigualdades no acesso aos serviços
públicos, favorecendo apenas para o reforço do status quo e um maior controle do que
propriamente o empoderamento do cidadão.
Outra questão que merece relevo trata-se do custo de acesso à internet pelos usuários
do governo digital, além de o acesso à banda larga ser restrito ou inexistente em várias regiões,
bem como a falta de conhecimento da disponibilidade dos serviços e de educação para seu uso.
Esses fatores estão relacionados, em parte, à exclusão digital ou ao nível de educação e condição
socioeconômica do cidadão, são fatores que geram entraves na disseminação do uso do serviço
eletrônico (SANTOS; REINHARD, 2012).
Do lado da tecnologia, há questões de escalabilidade de plataforma, imutabilidade,
integridade e padronização de dados e integração de sistemas. Os problemas como o alto
consumo de energia e a escalabilidade com plataforma de blockchain são os mais sinalizados, os
custos iniciais mais elevados a uma tecnologia ainda emergente impedem seu uso generalizado
(ROCHA, 2018). A escalabilidade também é comprometida pela velocidade das transações em
blockchain. Enquanto grandes redes, como Visa/MasterCard processam cerca de 4.000
transações por segundo, o Bitcoin tem capacidade de sete transações por segundo (WILSON,
2018). Logo, torna-se ainda mais complicado em grandes organizações como os governos, que
são menos ágeis e têm custos mais elevados devido ao seu tamanho. Portanto, os benefícios
deverão ser muito superiores ao custo dessa mudança sistemática.
A integridade, em redes novas, com poucos participantes, mineradores desonestos
poderiam alterar os dados dos blocos, quando dotados de grande da capacidade computacional
dessa rede. A imutabilidade é um grande benefício dessa tecnologia, porém também uma
limitação, é uma lista somente de adição. Depois que os dados são adicionados, eles não podem
ser removidos, não sendo uma alternativa quando há necessidade de atualização ou exclusão de
dados.
Outra limitação sinalizada seria o problema de integração restrita, na qual a
tecnologia distributiva não se integra de forma simples e direta às plataformas e sistemas já
existentes. Distribuir os bancos de dados valiosos como os governamentais e de grandes

15
empresas, por meio de uma nova tecnologia, não se mostra tão simples quanto soa (WILSON,
2018).
Os blockchains são conhecidos por eliminar a necessidade de autoridade central, mas
isso não é inteiramente verdade. Eles devem ser codificados e governados por pessoas
encarregadas de funções-chave. Os governos devem construir uma base de conhecimento técnico
para garantir que essas decisões sejam bem feitas (mesmo que a codificação real seja
terceirizada). Além disso, organizações ou empresas não necessariamente se comportam de
forma democrática, requerem controle de seus sistemas, negócios e políticas, viés desta
tecnologia é transparência.
Por fim, por se tratar de uma tecnologia nova e pouco conhecida, ato de explicar
blockchain para funcionários públicos e para os cidadãos torna-se uma tarefa árdua. É preciso
uma educação prévia que permita desvincular o blockchain do Bitcoin e discutir como ele pode
melhorar a eficiência e fortalecer a eficácia da missão. Portanto, onde uma transação é simples, a
confiança é alta e poucas são partes envolvidas, os benefícios do blockchain podem ser
insignificantes demais para garantir seu uso (WHITE et al, 2017).

PORQUE ENTÃO USAR BLOCKCHAIN: ENTRE A CRISE DE LEGITIMIDADE E


UMA NOVA DEMOCRACIA
Cada vez mais as pessoas têm perdido a confiança nas instituições, no setor privado e
até mesmo na democracia. Existe uma demanda novas formas de se estabelecer confiança, em
governos, empresas e até mesmo nas relações pessoais (LEMOS; ALEIXO, 2018),
principalmente no que se refere à falta de confiança nas instituições e exigências da população
por mais transparência e participação social. A pesquisa Emergências Políticas - América
Latina14, do Instituto Update, aponta que a apatia política, a baixa confiança das instituições e a
polarização política são resultados de desigualdades sociais, tendências autoritárias e
consequentemente as democracias frágeis e a crise de representatividade da democracia indireta.
A história de Bolsonaro é a história da vitória de Donald Trump; do
Brexit; da rejeição ao processo de paz da Colômbia; do triunfo do
ultradireitista Matteo Salvini e do populista Movimento 5 Estrelas na
Itália; da consolidação de Marine Le Pen na França (LAFUENTE, 2018).

14
Cf: https://emergenciapolitica.org/america-latina/

16
Com aparecimento de líderes de extrema-direita, observa-se um crescimento de
movimentos autoritários concomitantes com a crise de confiança institucional da democracia
moderna.
Ao buscarmos a substituição da forma democrática que temos hoje
simplesmente incluindo a possibilidade do uso de ferramentas digitais
para o exercício do voto a distância para captar a vontade da maioria na
definição das ações do Estado, isso construiria uma ditadura da maioria
ao invés de promover a expansão da democracia. Nesse sentido, existe
mais uma contribuição conceitual que a blockchain pode aportar neste
debate. Se pensarmos modelos de democracia que possam se espelhar
nas redes públicas de blockchain para trocas econômicas, podemos
vislumbrar o modelo de democracia com distribuição radical do poder
em torno dos membros que compõem a rede (KONOPACKI, 2018).

“Hoje, somos cidadãos do séc. XXI, lidando com instituições desenhadas no séc. XVII,
feitas com a tecnologia da informação do séc. XV (imprensa)” (EVELLE; BERMAN, 2018). A
população acaba se sentindo frustrada por não poder ter segurança dos resultados das eleições,
por não ter certeza do cumprimento das promessas políticas ou não acompanhar de forma
transparente como seu imposto é utilizado, por exemplo.
Quando falamos de blockchain e política, essa tecnologia que poucos ainda conhecem é
extremamente promissora em sua capacidade de resgatar a confiança da sociedade. A tecnologia
oferece um voto incorruptível e permanente, onde o resultado é transparente e de fácil acesso a
todos. Além de ser mais baratos e mais eficiente, permite o voto de qualquer computador.
Portanto, por que não utilizar a tecnologia para mudar as instituições democráticas e,
consequentemente, dar uma cara nova para o sistema eleitoral?
Esse novo modelo de se estabelecer confiança permite começar a pensar em novos
modelos de representação e participação social. Uma alternativa é a democracia líquida, um
modelo que se encaixa entre a democracia direta e a representativa, que possibilita o voto
diretamente no que se quer ou delegar voto nas decisões a outra pessoa. Em contraste com a
democracia representativa que “frequentemente promove personalidades (que mais chamam
atenção ou sabem jogar bem o jogo político e midiático) (EVELLE; BERMAN, 2018), esse
modelo permite que o foco esteja nas ideias e promove inserção e maior participação da
população nas decisões políticas do país.

17
A Democracy Earth Foundation (DEF)15, desenvolve programas pilotos de Democracia
Líquida. Nessa plataforma é possível criar propostas, debater, votar e delegar os votos. “Nesse
caso, ambas as democracias estão juntas em um só modelo. O representante está ali apenas
consolidando a resposta que a população expressa nas plataformas” (EVELLE; BERMAN,
2018). Transformar completamente a democracia passa por repensar as bases em que ela está
assentada e a tecnologia deverá ser uma variável importante nessa equação. Há a oportunidade
de redesenhar as instituições e criar sistemas mais eficientes e a blockchain pode ser o meio para
resgatar a confiança das pessoas na política, “impulsionando outras inovações políticas que vão
desde governos abertos à criação de novas tecnologias cívicas de participação cidadã”
(EVELLE; BERMAN, 2018).

CONCLUSÃO
O propósito deste artigo foi investigar a tecnologia disruptiva, que possibilitou a
criação do Bitcoin, Blockchain. E demonstrar como sua aplicação em um modelo de governo
completamente digital, além de apontar os desafios a serem enfrentados. Através do paralelo
com a Estônia, apesar de apresentar uma realidade social e econômica distante da maioria dos
países do globo, mostra-se que é possível otimizar os serviços públicos, possibilitando um novo
modelo colaborativo baseado em dois pilares: a transparência, que será gerada através da
criptografia, e a confiança.
Entretanto, não se pode descartar as problemáticas de se generalizar esse modelo para
todo o setor público. O avanço tecnológico não tem, por si só, capacidade de promover
mudanças substanciais, faz-se necessário um esforço para o desenvolvimento de tecnologias, que
melhorem a qualidade do serviço prestado, e políticas para a inclusão digital da população.
A implantação de um sistema em Blockchain com o objetivo de melhorar a
informação e a prestação de serviços, incentivando a participação dos cidadãos no processo de
tomada de decisão não passa apenas por uma alteração de sistemas, mas por uma alteração
cultural da sociedade.
No mais, o que está acontecendo agora, com o blockchain, é muito semelhante com o
que se viu na internet pré-browser. Segundo a fala de Lemos (2018), no Blockchain Festival:
“Quando entrei na Unicamp, em 1993, um professor veio me mostrar o primeiro browser, o

15
Cf: https://www.democracy.earth/

18
Mosaic. Era o começo da web como a gente conhece hoje. A internet já existia, mas o browser
teve um papel fundamental para popularizar a rede.” Portanto, qual será o browser do
blockchain? O sistema capaz de levar a tecnologia para as pessoas comuns?

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