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PROVAS DE CARGA EM ESTACÕES NA BAIXADA

SANTISTA E SUA INTERPRETAÇÃO

Frederico Fernando Falconi


ZF & Engenheiros Associados S/S fred@zfsolos.com.br

Waldemar Coelho Hachich


Escola Politécnica da Universidade de São Paulo whachich@usp.br

Virgínia Lucchesi Maset


ZF & Engenheiros Associados S/S zftecv@zfsolos.com.br

RESUMO

Neste trabalho são apresentados os resultados de treze provas de carga estáticas executadas em estacas
escavadas de grande diâmetro, com fluido estabilizante, na região da Baixada Santista. São apresentadas as
características geotécnicas da região, as características de cada uma das provas de carga, e as respectivas
curvas carga-recalque. Com uma única exceção, esses ensaios não atingiram a ruptura franca. Tendo em
vista o interesse em estimar uma carga de ruptura do conjunto solo-estaca, procura-se fazê-lo utilizando
diversos processos consagrados de ajuste. A comparação dos resultados do ajuste, tanto entre si quanto com
a única carga de ruptura efetivamente observada no campo, permite destacar o processo de Massad (1986)
como um dos mais adequados para a interpretação das curvas carga-recalque dessas estacas.

ABSTRACT

This study presents the results of thirteen static pile load tests in large diameter drilled piles, with
stabilizing fluid, in the Baixada Santista region. The geotechnical characterization of the region is presented,
along with the characteristics of each pile load test, and its load-settlement curve. With one exception, those
pile load tests did not reach a well-defined failure condition. Given the interest in estimating a failure load of
the soil-pile ensemble, several commonly accepted adjustment procedures are tried. Comparison of the
results among themselves and with the only failure load actually observed in the field, the procedure
proposed by Massad (1986) can be singled out as one of the most adequate for interpreting load-settlement
curves of those piles.
1. INTRODUÇÃO

A prova de carga estática é o único ensaio que permite a comprovação direta do comportamento "in
situ" de uma estaca, antes de ela ser colocada em carga na edificação. Em que pese o seu custo elevado, a
NBR 6122:2010 (ABNT, 2010) admite que, em certas condições, resultados favoráveis de provas de carga
sejam incorporados ao projeto, de modo que o resultado final acabe sendo vantajoso para o empreendedor.

Na prova de carga estática macacos hidráulicos aplicam cargas ao topo da estaca, apoiando-se em uma
estrutura de reação. Para cada estágio do carregamento registram-se a carga no macaco e os deslocamentos
da cabeça da estaca, indicados em medidores de deslocamento. O arranjo geral, instrumentos e procedimento
de ensaio estão especificados na NBR 12131:2006 (ABNT, 2006). As provas de carga descritas neste
trabalho utilizaram o carregamento lento especificado nessa norma.

A análise e interpretação da curva carga-recalque obtida permite prever o comportamento da estaca em


condições de trabalho. Em particular, se a prova de carga puder ser levada até a ruptura franca
(deslocamentos incessantes sem acréscimo de carga), fica conhecida a resistência do conjunto solo-estaca.
Conhecer essa resistência é importante para muitos tipos de fundação, pois é a ela que se devem aplicar os
coeficientes de segurança contra estados limites últimos da Norma. No entanto, para alguns tipos de estacas,
particularmente aquelas de grande diâmetro, torna-se impraticável levar a estaca até a ruptura, em razão das
elevadas cargas que a estrutura de reação teria que suportar, além dos riscos associados a cargas tão elevadas.
Nessas situações a curva carga-recalque pode não chegar a atingir uma curvatura indicativa de tendência
clara de ruptura, sendo necessário proceder a uma extrapolação caso a estimativa da carga de ruptura seja
considerada indispensável.

Foram utilizados quatro processos de extrapolação. Três deles baseiam-se na hipótese de que a curva
carga-recalque é uma exponencial: Van der Veen (1953), Mazurkiewicz (1972) e Massad (1986). O quarto
(Chin, 1970) admite que a curva seja hiperbólica.

Embora quatro das 13 provas de carga tenham sido instrumentadas em profundidade com
extensômetros, foge ao escopo deste trabalho a interpretação desses resultados, que serão objeto de estudo
específico.

2. CARACTERÍSTICAS DOS ENSAIOS

2.1. CARACTERÍSTICAS GEOTÉCNICAS DA REGIÃO

Todas as provas de carga apresentadas neste relatório foram executadas em obras na cidade de Santos,
no litoral do estado de São Paulo. São apresentados perfis de sondagem nas proximidades de cada uma das
estacas ensaiadas.

De maneira geral, o perfil típico dessa região é constituído por uma camada superficial de areia fina,
com 8 a 12 metros de espessura e NSPT variando entre 8 e 35; apoiada em uma camada de argila marinha
muito mole, de espessura bastante variável (entre 3 e 20 metros) e NSPT muito baixo (entre 0 e 4), camada
essa que é a principal responsável pelos elevados recalques observados nos edifícios apoiados em fundação
direta. Em profundidades maiores há uma alternância entre camadas de areia fina ou média com NSPT similar
ao da camada superficial, e camadas de argila marinha mole com NSPT superior a 5 mas raramente excedendo
10, um pouco mais resistente, portanto, do que a camada mais superficial de argila marinha. As sondagens
são usualmente interrompidas entre 50 e 70 metros de profundidade, em virtude da ocorrência de camada de
solo residual impenetrável à ferramenta de percussão.

2.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS ESTACAS ENSAIADAS

A Tabela 1 identifica as obras e as treze provas de carga nelas executadas.


Tabela 1. Identificação de obras e provas de carga.

Obra Prova de carga Identificação


Av. Conselheiro Nébias, 701 CN
Av. Cel. Joaquim Montenegro, 117 CJM
Rua Mal. Deodoro, 16 PçaFP
Rua Senador Cesar Lacerda de Vergueiro, 71 PC 50 Terr_50
PC 54 Terr_54
Av. Epitácio Pessoa, 495 PC 1 VdF_1
PC 2 VdF_2
Rua Guaiaó x Rua Professor Pirajá da Silva PC 1 Corp_1
PC 2 Corp_2
Av. Ana Costa, 473 PCE.01 Leg_1
PCE.02 Leg_2
Av. Senador Feijó, 576 PCE.01 TB_1
PCE.02 TB_2

A Figura 1 indica a localização de cada uma das obras nas quais foram realizadas provas de carga.

Figura 1. Localização das obras em vista aérea da cidade de Santos, SP.

A Tabela 2 reúne as características de todas as estacas ensaiadas.


Tabela 2. Características das estacas das provas de carga.

Distância até
Data de Diâmetro Compriment Cota do Cota de Cota da Sondagem
a sondagem
Obra execução da Estaca da estaca o da estaca terreno arrasamento ponta da mais
mais próxima
PC (cm) (m) (m) (m) estaca (m) próxima
(m)
CN 22/03/2010 P12-13 B 100 54 0 -2 -56 SP-02 11,7
CJM 19/10/2012 P 24 C 100 53,4 0 -1,7 -55,1 SP-05 3,7
PçaFP 10/08/2010 P 03 B 100 51 0 -1,12 -52,12 SP-07 3,5
PC 50 26/04/2012 P19 + P18 B 100 55 100,49 98 43 SP-03 23,1
Terr
PC 54 23/06/2012 P39 + P38 E 100 55 100,59 98 43 SP-06 5,9
PC1 18/06/2011 P32 B 100 57,5 0 -2,5 -60 SP-03 6,7
VdF
PC2 21/10/2011 P69 B 100 57 0 -3,07 -60,07 SP-08 7,4
PC1 29/08/2012 - 100 60 100,31 100,31 40,31 SP-01 -
Corp
PC2 31/08/2012 - 100 60 100,31 100,31 40,31 SP-01 -
PCE.01 05/01/2013 P12 A 80 51,27 -1,6 -2,4 -53,67 SP-08 8,05
Leg.
PCE.02 06/05/2013 P27 B + P22 C 80 51,11 0 -3 -54,11 SP-02 22,91
PCE.01 02/01/2012 P33 + P30 + P34 80 52,4 0 -3,65 -56,05 SP-07 9
TB
PCE.02 05/01/2012 P81 + P83 + P84 80 52,4 0 -3,65 -56,05 SP-05 10,2
3. RESULTADOS DAS PROVAS DE CARGA

As figuras 2 a 13 apresentam as doze curvas carga-recalque obtidas, juntamente com o perfil da


sondagem mais próxima à estaca ensaiada.

Para facilitar a comparação, todas as curvas são apresentadas aproximadamente na mesma escala.

Nos casos em que são apresentados ciclos de descarregamento e recarregamento, a interpretação foi
feita considerando somente o primeiro carregamento.

No caso de VdF_2, a única prova de carga com carga de ruptura mais bem caracterizada, observou-se
o esgotamento do atrito lateral na passagem para o estágio de carregamento de 7600 kN, fato que causou
surpresa por ser diferente de todos os resultados de provas de carga anteriores na região, além de a carga de
ruptura ter ficado aquém daquela prevista pelos métodos semi-empíricos mais utilizados na literatura. Pode-
se informar que a partir de 5200 kN ocorreu excentricidade na aplicação da carga, tendo o recalque máximo
atingido cerca de 21 mm, com um recalque residual da ordem da metade (10 mm).

No caso de TB_2 houve ruptura de duas barras Dywidag no estágio de 3650 kN, forçando a
interrupção do ensaio. Os resultados da interpretação, quanto à adequação à carga de projeto, parecem não
diferir muito da TB_1, executada na mesma obra, que não teve dificuldades em atingir a carga de 5000 kN
prevista na especificação do ensaio. Os recalques observados foram, porém, bastante distintos, não tendo
sido encontrada explicação para essa diferença de comportamento, além da variabilidade do terreno ou de
pormenores da execução.
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 2000 4000 6000 8000 10000
Carga (kN)

Figura 2. Sondagem SP-05 e curva carga x recalque da prova de carga CN (54m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 3. Sondagem e curva carga x recalque da prova de carga CJM (53,4m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 4. Sondagem SP-07 e curva carga x recalque da prova de carga PçaFP (51m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 5. Sondagem SP-03 e curva carga x recalque da prova de carga Terr_50 (55m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 6. Sondagem SP-06 e curva carga x recalque da prova de carga Terr_54 (55m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 7. Sondagem SP-03 e curva carga x recalque da prova de carga VdF_1 (57,5m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
-22
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 8. Sondagem SP-08 e curva carga x recalque da prova de carga VdF_2 (57m de comprimento).
0

-5
Recalque (mm)

-10

-15

-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 9. Sondagem SP-01 e curvas carga x recalque da prova de carga Corp_1 (60m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 10. Sondagem SP-08 e curvas carga x recalque da prova de carga Leg_1 (51,27m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 11. Sondagem SP-02 e curva carga x recalque da prova de carga Leg_2 (51,11m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 12. Sondagem SP-5A e curva carga x recalque da prova de carga TB_1 (52,4m de comprimento).
0
-2
-4
-6
Recalque (mm)

-8
-10
-12
-14
-16
-18
-20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000
Carga (kN)

Figura 13. Sondagem SP-07 e curva carga x recalque da prova de carga TB_2 (52,4m de comprimento).
4. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

O ajuste de curvas às provas de carga foi feito pelos processos de Chin (1970), Van der Veen (1953),
Mazurkiewicz (1972) e Massad (1986).

Um dos objetivos desse ajuste é a estimativa daquela que poderia ser a carga de ruptura, nas provas de
carga nas quais não se configurou ruptura nítida. Para casos similares, ainda que não exatamente iguais, a
NBR 6122:2010 (ABNT, 2010) preconiza que a carga de ruptura seja dada pelo cruzamento entre a curva da
prova de carga e a reta que, a partir do ponto e , tem declividade em que P é a carga
aplicada, L o comprimento da estaca, E o módulo de Young do material da estaca, A a seção transversal, e D
o diâmetro da estaca. Isso equivale a caracterizar a ruptura como um deslocamento do topo da estaca
representado pela deformação elástica do fuste (admitido uniformemente comprimido) acrescida de um
deslocamento de 3,3% do diâmetro da base. Pensou-se em aplicar também esse procedimento, mas em
nenhuma das provas de carga analisadas foi atingido tal valor de recalque.

A Tabela 3 reúne os resultados das interpretações de todas as provas de carga de acordo com os quatro
processos supracitados. A comparação gráfica está apresentada na Figura 14.

Tabela 3. Cargas de ruptura (em kN) estimadas por diferentes processos de ajuste de curvas às provas de carga.

Carga de
Chin
Van der Veen (1953) Mazurkiewicz (1972) Massad (1986) ruptura
(1970)
observada
CN 14290 - 11700 10620 -
CJM 12500 11000 - 10170 -
PçaFP 12500 14000 - 9930 -
Terr_50 10000 - - 8480 -
Terr_54 10000 - - 9230 -
VdF_1 7140 6500 - 6630 -
VdF_2 10000 7700 8100 8080 7600
Corp_1_2 9090 11000 9500 9020 -
Leg_1 7140 6500 4800 6240 -
Leg_2 9090 - 5500 6050 -
TB_1 7140 6500 5650 5800 -
TB_2 11110 5500 - 5500 -
16000

14000

Carga última (kN) 12000

10000
Chin
8000
Van der Veen
6000 Mazurkiewicz
4000 Massad

2000

Figura 14. Comparação entre os resultados das interpretações das provas de carga.

Segundo Massad (1986), tanto o processo proposto pelo próprio autor naquele artigo quanto os
processos de Mazurkiewicz (1972) e de Van der Veen (1953) deveriam, em princípio pelo menos, levar ao
mesmo resultado. Há, no entanto, várias lacunas na Tabela 3. As lacunas na coluna correspondente ao
processo de Van der Veen (1953) correspondem a dificuldades de identificação subjetiva do melhor ajuste.
As lacunas na coluna correspondente ao processo de Mazurkiewicz (1972) devem-se à extrema sensibilidade
do ajuste a pormenores tais como a escolha do incremento constante de recalque e a escolha dos pontos a
serem utilizados, do que resulta que pequenas diferenças podem levar a resultados muito distantes da
realidade. O processo de Massad (1986) não padece dos mesmos defeitos e este exemplo deixou clara a sua
superioridade em relação aos demais.

A Tabela 3 e a Figura 14 deixam claro que o processo de Chin (1970) leva, para essas provas de carga
em estacões, a cargas de ruptura muito superiores às estimadas pelos outros processos, e particularmente a
uma carga de ruptura bastante acima daquela observada em VdF_2.

Em conclusão, ponderadas vantagens e desvantagens relativas dos processos de ajuste, recomenda-se


exclusivamente o processo de Massad (1986) para a estimação da carga de ruptura de estacões na orla de
Santos, SP. Já uma recomendação em termos absolutos exigiria uma quantidade muito maior de provas de
carga com ruptura nítida observada.
REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12131: Estacas – Prova de carga


estática – Método de ensaio. Rio de Janeiro, 2006.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6122: Projeto e execução de


fundações. Rio de Janeiro, 2010.

CHIN, F. K. Estimation of the ultimate load of piles not carried to failure. In: SOUTHEAST ASIAN
CONFERENCE ON SOIL ENGINEERING, 2, 1970.

MASSAD, F. Notes on the interpretation of failure load from routine pile load tests. Solos e Rochas,
São Paulo, v. 9, n. 1, p. 33-38, 1986.

MAZURKIEWICZ, B. K. Test loading of piles according to polish regulations. Royal Swedish


Academy of Engineering Sciences, Commission on Pile Research, Report No. 35, 1972, Stockholm.

VAN DER VEEN, C. The bearing capacity of a pile. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON
SOIL MECHANICS AND FOUNDATION ENGINEERING, 3, 1953, Zurich.

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