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TEXTO

Na primeira, o opressor é um Estado por assim dizer anti-


utilitarista, ou seja: inteiramente dedicado à prossecução do
maior mal do maior número. Burgess faz notar, na sua
crítica a Orwell, que um Estado assim nunca existiu nem
pode existir. Mesmo os regimes que mais se aproximam
deste modelo são intrinsecamente instáveis: Calígula acabou
assassinado, e o Império nazi, que era para durar mil anos,
durou doze. Reconhece Burgess, contudo, que Orwell tem
bons modelos para a sua terrível invenção: o franquismo
contra o qual lutou, o estalinismo que assassinou na
Catalunha os seus camaradas anarco-sindicalistas, ou o
nazismo, de cujos horrores se começava a tomar
conhecimento quando o livro foi escrito. Bastou a Orwell
absolutizar e levar ao extremo do concebível estas realidades
históricas, et voilà: aí temos o Ingsoc, abreviatura de English
Socialism, ou seja: Socialismo Inglês.Burgess nota, com a
indulgência a que as suas próprias contradições o obrigam, a
ironia de um socialista chamar socialismo ao regime mais
monstruoso que consegue imaginar; mas não precisa de
explicar, e não explica, as razões óbvias desta opção. Nós,
habitantes do Século XXI, habituados pela propaganda
vigente a equacionar "esquerda" com "estatismo", também
podemos ver ironia na escolha deste nome. As razões de
Burgess para notar esta ironia são, contudo, um pouco
diferentes das nossas. Burgess não era um anti-estatista
doutrinário, mas sim um conservador na tradição burkeana,
a quem a ideologia anarco-capitalista e revolucionária
representada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan
repugnaria tanto como a qualquer militante da esquerda dita
radical. Não acredita que o Estado seja a emanação do Mal,
mas exige dele essa coisa fora de moda que é a
responsabilidade moral.

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