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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS

TRABALHO DE GREGO GENÉRICO II

Letícia Macedo Figueiredo

Rio de Janeiro
2018
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LETÍCIA MACEDO FIGUEIREDO


(TURMA LEP – DRE: 118067601)

OS MITOS GREGOS E A PSICANÁLISE

Trabalho entregue ao Prof. Vinícius Chichurra, como


requisito parcial para obtenção da média na disciplina de
Grego Genérico II (LEC115).

RIO DE JANEIRO
2018
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INTRODUÇÃO
Os mitos da cultura grega foram muito usados na psicanálise para compreender a psique
humana e o inconsciente do indivíduo. Sigmund Freud e Carl Jung foram pioneiros ao mesclar
ambos, criando diferentes interpretações para os mitos e seus arquétipos correspondentes.
Complexo de Édipo’ e ‘Narcisismo’ foram temas desenvolvidos através de mitos gregos para
explicar boa parte do funcionamento e constituição da psique e personalidade, por exemplo.
Neste trabalho, serão mostrados os mitos e determinada interpretação destes, relacionando-o
com a psicanálise e o comportamento humano.

OS MITOS GREGOS E A PSICANÁLISE

Na Grécia Antiga, havia um conjunto de mitos e narrativas, que foi criado e adotado como
religião e crença dos povos gregos, e se espalhou através da tradição oral. Esse conjunto de
mitos e narrativas constitui a mitologia grega, era muito importante para reflexão e também
para explicação de tudo, desde a origem do mundo até os acontecimentos corriqueiros. Os
poetas contavam os mitos em forma de poesias e contos, transmitindo-os de geração em
geração, servindo para guiar suas ações e suas vidas, dando um significado para tudo que era
conhecido e desconhecido. Tudo que era explicado pelos mitos naquele tempo era seguido e
incorporado no cotidiano. A mitologia grega também mostrava o lado poético e interpretativo
dos mitos e deuses cultuados.
A psicanálise foi criada por Sigmund Freud, visando tratar desequilíbrios psíquicos. O
inconsciente passou a ser abordado, com o objetivo interpretá-lo e mapear seus mecanismos.
Também analisa o comportamento humano, buscando decifrar a organização da mente e curar
doenças carentes de causas orgânicas.
Observa-se nas obras freudianas que as teorias psicanalíticas se relacionam com o conteúdo de
um determinado mito, criando uma analogia entre os dois, fazendo com que seja mais fácil
entender a subjetividade humana, permitindo diferentes interpretações. Além da teoria
analítica, a psicanálise foi e tem sido muito utilizada para comparar os mitos com a vivência da
humanidade e seus conteúdos psíquicos. Freud foi o primeiro a utilizar a mitologia grega em
seus conceitos e estudos, mas foi o psicanalista Jung quem se interessou mais pela mitologia
com base da psicanálise. Diferente de Freud, Jung possuía uma visão mais esotérica da psique
humana e acreditava que era possível analisar os arquétipos através dos mitos.
Jung considerava o inconsciente coletivo, complemento do inconsciente pessoal, a camada mais
profunda da psique humana, que era dividida em Ego (consciente), inconsciente pessoal
(camada intermediária) e inconsciente coletivo (camada mais profunda). É no inconsciente
coletivo que se encontravam os arquétipos, traços herdados e comuns a todos os seres humanos,
manifestados nos sonhos. Na perspectiva “junguiana”, o estudo dos mitos era muito importante
para compreender a psique humana. Jung observou que os temas que apareciam nos mitos eram
repetidos nos sonhos de seus pacientes.
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MITO DE NARCISO E NARCISISMO


O mito de Narciso se relaciona com a teoria do Narcisismo. Na mitologia grega, Narciso era
admirado e reconhecido por sua beleza única, até as ninfas se apaixonavam por ele. Segundo o
profeta Tirésias, Narciso teria uma longa vida contanto que não admirasse sua beleza. A ninfa
Eco se apaixonou por ele, mas ao demonstrar seu amor, foi desprezada. Para vingar a ninfa, a
deusa Nêmesis atraiu Narciso para um lago, fazendo com que se apaixonasse por sua imagem,
permaneceu contemplando-a sem deixar o lugar, até que com o tempo, morreu. Há também a
versão de que Narciso se afogou ao tentar se aproximar de sua imagem.
Na psicanálise, Narcisismo é a teoria criada por Freud que explica uma forma de sexualidade
(libido) ou amor que um indivíduo sente por si mesmo. Relacionando o mito a teoria: as ninfas
que se apaixonavam por Narcisos eram desprezadas, e similar a teoria, o personagem não se
interessa por objetos externos (pessoas ou não) e passa a escolher seu próprio Ego como objeto
de amor e investimento. Uma pessoa narcisista ama muito a si própria sem conseguir perceber
tal valor no mundo externo, tendo apenas relações ego centradas. Para encontrar um equilíbrio,
é preciso amar o mundo externo como a si mesmo, sem depreciar nem valorizar apenas o Ego
ou o mundo externo.

ÉDIPO REI E COMPLEXO DE ÉDIPO


A tragédia Édipo Rei, obra clássica de Sófocles, conta sobre Édipo que se casa e tem quatro
filhos com sua mãe, Jocasta, após assassinar o próprio pai, Laio, inconsciente do parentesco
com os dois. Ao descobrir a verdade, ele cega a si mesmo enquanto a mãe se suicida.
Na psicanálise, assim como no mito, o Complexo de Édipo fala sobre um conflito entre pai e
filho visando o amor da mãe. Inconscientemente, a criança passa por um período em que, deseja
a mãe só para si, querendo também ser o único objeto de desejo desta, percebendo o pai como
rival. Ao mesmo tempo que o menino é hostil com o pai, ambiciona ser como ele, já que este
conseguiu ter o amor da mãe. Percebe-se o desejo incestuoso do filho pela mãe, que é proibido,
como no mito. “O complexo começa a se manifestar quando o menino começa a manifestar de
forma exagerada a preferência pela mãe. O menino passa a desejar que a mãe exista somente
para ele, torna-se ciumento em relação ao pai e faz tudo para eliminá-lo de sua convivência com
a mãe. Ao mesmo tempo, ou posteriormente, sente-se culpado de uma falta grave, experimenta
remorsos em relação ao pai. A mesma coisa acontece com a menina: ela passa a desejar o pai e
a repelir a mãe. Nesse caso o nome que se dá ao complexo é o de Complexo de Electra”
(FREUD, 1996).

MITO DE CRONOS

No mito, o pai de Cronos, Urano, tinha medo de ser destronado pelos filhos e assim que
nasciam, os devolvia ao seio materno. Gaia libertou os filhos, buscando vingança para que
pudesse se libertar do esposo, mas apenas Cronos aceitou. Com uma foice que Gaia o havia
dado, Cronos cortou os testículos de Urano enquanto este dormia e os jogou ao mar. Depois de
expulsá-lo, toma seu lugar. Da mesma forma que o pai, Cronos teme que os filhos o tirem do
poder por causa de uma profecia, então sempre os devora ao nascerem. Conseguiu comer todos
seus filhos, exceto Zeus que foi salvo por Reia. Por fim, Zeus consegue derrotar o próprio pai,
tornando os deuses imortais pois Cronos representava o tempo.

Na psicanálise, o arquétipo de Cronos representa a passagem do tempo, a velhice, as tradições.


Esse arquétipo mostra que muitas vezes a condição mortal do ser humano não é aceita por este,
evitando-a a todo custo, fazendo com que a sabedoria não seja obtida ao longo da vida.
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MITO DE DIONÍSIO

Na mitologia grega, Dionísio era o deus do vinho, possuía conhecimentos e segredos do plantio,
da colheita e da produção da uva e vinho. Era também associado às festas e atividades
relacionadas ao prazer material. Dionísio era um dos doze deuses olímpicos (habitava o Monte
Olimpo), portanto era um dos mais importantes da mitologia e religião grega.
Como arquétipo na psicanálise, Dionísio representa a intensidade emocional que dissolve os
limites do ego, promovendo harmonia e acabando com as diferenças. Dionísio também se
aproxima da figura do eterno adolescente, aquele que é intenso e emotivo, não conseguindo
encontrar objetividade em meio as suas paixões, sendo consumido por suas emoções. A pessoa
que possui esse arquétipo torna-se muito temperamental, vive em busca de fortes emoções.
No mito, a mãe biológica de Dionísio morreu, sendo então cercado por amas de leite e
cuidadoras. Essa separação faz com que Dionísio sempre procure mulheres que sejam mães e
amantes ao mesmo tempo, como uma forma de suprir a falta que sente da mãe. Tanto que
Dionísio, desce ao submundo, ou seja, ao inconsciente para se relacionar com sua mãe divina,
Perséfone. Dionísio está ligado ao mundo materno e ao inconsciente.

MITO DE ATENA

Em seu mito mais famoso, ela é filha de Zeus e não conheceu sua mãe, Métis. Atena nasceu da
cabeça do pai e logo se engajou ao lado do mesmo na luta contra os Gigantes. Era invencível
na guerra e manteve-se virgem. Diferente do irmão Ares, é muito sábia e conhece todas as artes
da estratégia. Atena é complexa e cheia de nuances e evoluiu, de mãe ctônica a uma mulher que
inspira os homens na luta.

Ao observar esse mito em conjunto com a psicanálise, percebe-se que Atena é o arquétipo da
Anima, aquela que inspira o homem. É inspiradora por ter protegidos heróis como Aquiles,
Héracles e outros, fazendo com que se transformassem e consequentemente alcançassem à
vitória. Representa a curiosidade intelectual e a necessidade de socialização e realização no
mundo. O problema é que o indivíduo que se identifica com este arquétipo, da mesma forma
que Atena, pode ser comedido, reprimindo suas emoções. É um mecanismo de defesa do ego
que busca evitar o máximo de sofrimento possível de qualquer tipo.

A sombra de Atena se apresenta no mito de Medusa, a deusa usava em seu escudo a cabeça da
Medusa, que transformava vida em pedra apenas com olhar. Ao encarar, com a ajuda de Perseu,
as emoções reprimidas, é que Atena enfim passa a controla-las. A cabeça de Medusa escudo é
como um espelho da verdade, que obriga seus adversários a contemplarem sua própria imagem.
Esse arquétipo faz com que o indivíduo, em meio aos conflitos, consiga perceber as situações
de cunho emocional com clareza.

ANTÍGONA E A LEI DA ÉTICA DA PSICANÁLISE


Na tragédia, o rei Creonte decreta que só irá realizar os jogos fúnebres de Etéocles, por
considerar Polinice um traidor. Antígona, sem conseguir obter ajuda de sua irmã Ismênia,
decide contrariar a lei do tio e seguir a lei divina, querendo dar ao irmão o jogo fúnebre
adequado.
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Segundo Lacan, “Antígona é o modelo máximo daquela que arca com os custos do seu desejo,
mesmo que isso lhe custe a vida. É aquela que rompe com o discurso da lei e da ordem para
surgir como um indivíduo que deseja e paga para ver! Por isso, seu brilho chega a ser quase
intolerável, dado o seu primitivismo e contato com o real. ” Mesmo lamentando, ela sabe que
está pagando pela sua audácia. Como Antígona, o ser humano deve sempre se responsabilizar
por aquilo que deseja, arcando com as consequências disso. Relacionando com a psicanálise,
ao procurar ser analisado, o indivíduo entra em contato com a ética da vida, de que é melhor
buscar autoconhecimento do que não se conhecer nem um pouco, deve-se arcar com o que o
destino (inconsciente) reserva. O ser humano deve se responsabilizar por seus desejos, até os
desconhecidos, por isso a importância do autoconhecimento. De forma radical, não há destino,
já que a vida é consequência de escolha (podendo ser inconscientes ou não).

MITO DE HEFESTO E A ACEITAÇÃO INCONDICIONAL

Zeus e Hera tiveram Hefesto, mas por ter nascido deformado, foi considerado feio por muitos
e Hera decidiu atirá-lo do monte Olimpo para se livrar do filho. Tétis o salvou e o menino
passou anos de sua vida escondida. Tendo grande habilidade como forjador e querendo se
vingar de sua mãe, fez um trono de ouro que continha mãos invisíveis que agarrariam quem
sentasse no trono e só largariam diante das ordens de Hefesto. Graças ao seu trono, Hefesto
conseguiu morar no Olimpo e ter uma esposa.

O mito de Hefesto, relacionado com a psicanálise, mostra a rejeição que alguns indivíduos
sofrem ao não corresponderem às expectativas de outros ou apenas por serem diferentes do
considerado “normal’. No entanto, cada pessoa possui e pode surpreender a todos com
a sua capacidade de produzir grandes obras usando de seu talento próprio. Daí pode-se
observar, na sociedade atual, o quão comum são essas rejeições que se transformam em
preconceito. Há uma grande intolerância. Os indivíduos que se enxergam nesse arquétipo
devem tentar reconhecer que o preconceito apenas os afasta dos outros, é preciso respeitar e
aceitar as diferenças.

CONCLUSÃO

Observa-se, então, que sempre há mitologia em diferentes povos, isto porque a importância e a
influência dos mitos nas sociedades são enormes. O mito é muito simbólico para toda a
sociedade, podendo mostrar sua organização e quais são os tipos comportamentos que mais
ocorrem. Os indivíduos reformulam seus padrões de comportamento de acordo com as ações
dos personagens mitológicos, procurando fazer o que é considerado mais adequado e mais
aceito pela sociedade. Culturalmente, o mito é importante para o desenvolvimento individual e
coletivo, é como um modelo comportamental. Em conjunto com os aspectos culturais dos
mitos, as tradições de um povo também podem ser observadas. Através do modo de interação
do grupo, é possível encontrar como uma sociedade se organiza, seus padrões, os processos de
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vinculação uns com os outros e a forma como cada indivíduo é visto diante de sua formação
social

Os mitos perpassam pela psicanálise. Graças a Freud a interpretação dos mitos foi reorientada,
tornando-se muito mais do que uma recordação ancestral de situações culturais e históricas.
Assim, acredita-se que os mitos produzidos pelos gregos eram um reflexo de arquétipos
inconscientes produzidos a partir da psique humana facilmente encontrados e enraizados em
sua sociedade. Na obra "O Poder Do Mito", Joseph Campbell considera o "mito como um
sonho coletivo e o sonho, um mito privado". A partir dessa visão, pode se interpretar que os
mitos são como proporções coletivas de um determinado povo. Campbell também diz que
quando um mito permanece na memória de um indivíduo, ele foi "capturado" pelo mito. As
narrativas mitológicas proporcionam a busca de compreensão das verdades psíquicas, cada
indivíduo de uma sociedade carrega arquétipos transgeracionais e através da psicanálise é
possível extrair conhecimento destes.

Na visão de Jung, a mitologia é fundamental para olhar mais profundamente o ser humano, uma
vez que, o mito expressa estórias simbólicas que transmitem imagens significativas em que é
possível identificar as verdades dos homens de todos os tempos. Na Psicologia Analítica, Jung
vislumbra que através do inconsciente coletivo (herança psicológica) é possível observar o que
é comum à humanidade nos mitos. O mito do herói, presente até na sociedade contemporânea,
que contam sobre as diferentes provações que os heróis precisam passar para alcançar um
objetivo heroico, como a história do Super-Homem.
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REFERÊNCIAS
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