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Técnico em

Arte Dramática
© Senac-SP 2010

Administração Regional do Senac no Estado de São Paulo

Gerência de Desenvolvimento
Ana Paula Agostini Leal El Khouri

Coordenação Técnica
Roberta Lotti de Souza Lima

Apoio Técnico
Dulcinéia Aparecida Lopes

Elaboração do Recurso Didático


Augusto Rocha, Cris Borrego, Cynara Machado Coppola, Gerson
Praxedes, Ivon Mendes, Mariza Bicudo, Stela Fischer e Val Bellei

Editoração e Revisão
Globaltec Editora Ltda.

Versão 2013
Técnico em
Arte Dramática

S e n a c S ã o P a u l o – S ã o P a u l o – 2 0 1 3
Técnico em Arte Dramática

SUMÁRIO
1. História do teatro / 5
O Teatro Antes dos Gregos / 5
O Nascimento / 6
Teatro Grego / 6
Tragédia / 10
As Três Unidades / 11
Teatro romano / 14
Teatro Medieval / 15
Commedia Dell’Arte / 18
Renascimento / 22
O Século de Ouro na Espanha / 24
Teatro Elisabetano / 27
Classicismo Francês / 31
Classicismo Francês / 32
Romantismo / 35
O Melodrama / 39
Simbolismo / 44
Teatro Contemporâneo / 45
Existencialismo / 47
O Teatro Pobre / 49
Teatro do Absurdo / 50
Outras manifestações teatrais do século XX / 53
Referências bibliográficas / 55
2. TEATRO BRASILEIRO / 59
Breves anotações sobre o teatro brasileiro / 59
O moderno Teatro brasileiro / 65
O TBC e o Arena / 66
OFIcina e Opinião / 67
O teatro do absurdo nasceu no Brasil? / 69
Referências bibliográficas / 71
3. FONOAUDIOLOGIA / 72
Fonoaudiologia aplicada a voz profissional / 72
Voz / 72
Treinamento vocal / 74
Higiene Vocal / 74
Referências bibliográficas / 76
4. MAQUIAGEM TEATRAL / 77
Maquiagem x Anatomia / 77
Maquiagem x Personagem / 78
Maquiagem x Estética / 78
Maquiagem x Indumentária / 79
Maquiagem x Espaço cênico/luz / 79
Maquiagem na Prática / 80
Materiais para Maquiagem Teatral / 82
Referências bibliográficas / 84
anotações / 85

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CaPÍtULO 1
HIStóRIa dO teatRO

O Teatro Antes dos Gregos


O teatro ocidental, propriamente dito, nasceu na Grécia, mas suas origens remontam
a mais longínqua antiguidade da cultura humana em todos os lugares onde esta se
manifestou.
desde que o homem percebeu que estava cercado de forças que desconhecia, pas-
sou a desenvolver rituais mágicos com o objetivo de propiciar melhoria de qualidade
nas suas atividades cotidianas, tais rituais consistiam em representações mímicas e
sonoras realizadas pelos xamãs com a utilização de máscaras, trajes, pinturas corpo-
rais e faciais, fogueiras, instrumentos musicais, cantos e danças.
Os documentos mais antigos apontam o egito antigo como berço de um teatro to-
talmente ligado à religião, sendo O Drama da Paixão de Osíris,o deus do sol egípcio,
filho de atón o rei dos deuses, a primeira obra ou peça da qual temos notícia.
O Teatro existiu também na roma antiga, antes do domínio sobre os gregos, sabe-
mos da existência de três gêneros de comédia popular:
1. O Mimo, representação de puros gestos com algumas falas explicativas sobre
piadas populares;
2. a Atellana, peça curta semelhante à farsa: história rápida, linear e de fácil com-
preensão, com grande liberdade para a sátira política;
3. a Satura Lanx, uma espécie de revista, com piadas, música, danças, etc.
em todos esses gêneros o improviso teve uma importância capital, mas o Mimo, ao
ver dos estudiosos, deve ter sido o mais importante.
no Mimo desenvolveu-se a tradição das máscaras, isto é, de um tipo fixo, incumbido
de resumir determinada característica humana e apresentando sempre a mesma apa-
rência física.
as máscaras mais antigas do Teatro romano foram: Pappus (velho ridículo paquera-
dor de mocinhas), Maccus (o avarento), Baccus (o bêbado), Baldus (o fanfarrão).

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O Nascimento
Oficialmente, o Teatro nasceu na Grécia, do culto ao deus Dioníso, deus das árvores
e dos frutos, da uva e do vinho, da vindima e da embriaguez.
As adoradoras de Dioníso, as Bacantes, se reuniam à noite sob a luz das tochas e ani-
madas por uma música de flautas pastorais sacrificavam um cordeiro, cujo corpo des-
pedaçavam, devorando em seguida sua carne palpitante, o que produzia uma espécie
de frenesi religioso, chamado em grego entusiasmo, que as fazia correr pelos campos
entre gritos e movimentos desordenados até acabar em toda sorte de excessos. O
entusiasmo acabou organizando-se em um desfile que se repetia quatro vezes por
ano diante do templo de Dioníso. Um indivíduo do coro se destacava dos demais na
dança e recitava o ditirambo, hino em louvor à divindade festejada.
Téspis, jovem natural de Icaria, na Ática, é considerado o criador do Teatro, quando,
audaciosamente se fez passar pelo próprio Dioníso durante um de seus festejos. Tés-
pis transformou o exarconte, o condutor do coro, em um dialogante ao introduzir o
primeiro ator, criação sua, chamado hipocrites, respondedor em grego, destinado a
dar resposta ao corifeu, líder do coro, em um diálogo interrompido pelas interven-
ções do coro. Depois deste passo foram introduzidos outros personagens nas tramas,
heróis e reis, cujas façanhas se tornaram assunto dos ditirambos, o que contribuiu
para que os temas abordados nas peças se tornassem mais próximos de um teatro
menos religioso.

Teatro Grego
Por ter sua origem intimamente ligada ao culto do Deus Dioníso, O Teatro Grego era
realizado durante os festivais periódicos em homenagem à essa divindade. Nesses
festivais eram apresentados dez ditirambos, três tetralogias (conjunto de três tragé-
dias e um drama satírico), e, mais tarde, de três a cinco comédias.
As tragédias eram apresentadas logo ao despontar do dia, fator que foi aproveitado por al-
guns dramaturgos (Ex.: Sófocles em Electra). Depois de um grande intervalo, em que os
espectadores aproveitavam para descansar indo até suas casas, eram apresentadas,
no final da tarde, as comédias.
O preço dos ingressos era muito barato, dois óbolos, embora os pobres não fossem
obrigados a pagar. As mulheres podiam assistir às tragédias, porém era vedado assis-
tir às comédias.
Antecessor de nossos estádios de esportes, as arquibancadas dos teatros eram amplamen-
te espaçosas, permitindo aos espectadores recostar-se e esticar as pernas folgadamente.
Costume era que cada espectador levasse uma almofada para seu maior conforto.
Em alguns teatros o público chegava a ser de quarenta mil pessoas, sendo que nos
teatros menores nunca foi inferior a dezoito mil.

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Conhecedores dos enredos das tragédias, os espectadores podiam manifestar-se li-


vremente em relação aos espetáculos, com aplausos ou vaias. Dependendo do quan-
to uma peça desagradasse ao público, podia o seu autor ser punido com a morte.
O palco, skene, consistia em uma plataforma de blocos de pedra unidos sem arga-
massa, em uma altura de 1,50 m, medindo 2,50 m de profundidade por 46,50 m de
comprimento. Nesse enorme corredor os atores representavam os papéis masculi-
nos e femininos, sendo que não havia atrizes na Grécia, à sua frente, em um semi-
círculo de 19,50 m de diâmetro, o coro fazia suas evoluções, com cantos, danças e
comentando a ação da peça.
O palco era provido de um telhado, decorado com duas ordens de colunas, que ser-
viam de fundo para a ação. Este cenário estava dotado de três portas: uma ao centro,
indicando quem vinha do interior do palácio; uma à direita para quem vinha de locais
da pátria; uma à esquerda para quem vinha de um país estrangeiro. Posteriormente,
vários outros elementos foram incorporados à cenografia: os periaktoi, prismas gira-
tórios e que figuravam diferentes locais para o desenvolvimento da ação; o ekiklema,
praticável com rodas que servia para a representação de cenas de interior; a karonian
klimakes, escada subterrânea com um alçapão empregada para aparições sobrenatu-
rais; o tealogeion, uma plataforma elevada de onde falavam os deuses. Havia outros
dispositivos ainda, os mais variados, alguns dos quais se desconhece o uso, outros
utilizados para aparições divinas, personagens voadoras e os mais diversos efeitos.
Os figurinos utilizados nas tragédias eram bastante diferentes das roupas usadas pe-
los gregos no seu cotidiano. Três motivos justificavam esse fato:
1. Sendo o teatro um ato religioso, os sacerdotes do culto de Dioníso e os atores
deviam ter seu corpo totalmente coberto (somente as mãos ficavam visíveis),
para que o seu “eu” fosse totalmente anulado;
2. Dadas as dimensões do Teatro Grego, era necessário, para que o ator vencesse
a distância entre o público e o palco, o uso de um figurino que aumentasse suas
proporções;
3. Como os temas das tragédias versavam, em sua quase totalidade, sobre deuses
e heróis mitológicos, seres superiores ao homem comum, era necessário que os
atores se apresentassem com uma estatura elevada em relação a estes.
O principal traje do figurino grego era o quiton, uma ampla túnica com mangas largas
que ia até os pés, podendo ser de várias, presa por um cinturão na altura do peito do
ator, que levava sobre o ombro direito um longo e largo manto, chamado himátion
e sobre o ombro esquerdo um manto curto, chamado clâmide, que ia até a altura da
cintura. Estas roupas tinham cores simbólicas, por exemplo, as roupas dos reis eram
purpúreas, a das personagens enlutadas escuras; os grandes heróis usavam uma co-
roa, os estrangeiros enfeites característicos de sua pátria, os deuses as suas armas ou
símbolos. Para aumentar a proporção de suas figuras os atores usavam os coturnos,
sapatos com sola plataforma altíssima (mais tarde substituído pelos crépis de sola bai-

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xa) e o onko, penteados elevados, em forma de torre. Completava o traje a máscara,


que além de definir os caracteres das personagens, era equipada com um dispositivo
que projetava a voz dos atores por todo o enorme teatro, com o auxílio da concha
acústica natural e de engenhosos vasos metálicos distribuídos pelos degraus das ar-
quibancadas que funcionavam como alto-falantes, recolhendo as vozes dos atores e
devolvendo-as amplificadas. Se as personagens das tragédias eram deuses, semideu-
ses, reis, heróis, o coro representava quase sempre grupos definidos de pessoas do
povo (coro dos anciães, coro de mulheres, etc). A exceção ocorria nos dramas satí-
ricos, que recebiam este nome justamente por causa do coro representar os sátiros,
figuras meio bode, meio homem, ligadas ao culto de Dioníso.
Dois autores gregos, Quérilos e Frínicos, dos quais nos chegam apenas poucos frag-
mentos de suas peças, foram homens importantes para a evolução da Tragédia Gre-
ga. Frínicos, do qual se tem mais informações, foi o criador das máscaras femininas,
realizadas em cores claras para contrastar com as máscaras escuras dos homens e
acrescentou a presença das personagens femininas no coro.
O Ésquilo, o primeiro dos três grandes trágicos gregos, atribui-se, segundo Aristóte-
les, o mérito de ter incluído em cena o segundo ator (até então o ator dialogava com
o coro e consigo mesmo, trocando de máscaras). Ésquilo escreveu mais de setenta
peças, das quais somente sete se encontram inteiras, salvo uma ou outra palavra não
decifrada. Suas tragédias se assentam no princípio de uma fé inabalável na ordem
justa e grandiosa sem a qual o mundo dos homens não poderia subsistir. O indivíduo
inexiste: o poder dos deuses se sobrepõe totalmente a ele, a vontade do herói se
submete à ordem suprema das coisas e por meio do sofrimento ele adquire o saber.
Inúmeras foram as melhorias que Sófocles introduziu na Tragédia: a ampliação do
coro de doze para quinze coreutas; a inclusão de um terceiro ator em cena; a subs-
tituição dos coturnos pelos crépis, (tentativa de vencer a imobilidade das tragédias
esquilianas); a rejeição à tetralogia, passando a escrever suas peças com autonomia
dramática; a invenção da skenographia ou pintura cênica. Ao lado disso foi autor de
cerca de cento e vinte e três a cento e trinta tragédias, vencendo vinte e três concur-
sos dramáticos, sem jamais ficar abaixo da segunda posição. Dos cento e catorze tí-
tulos conhecidos, apenas sete chegaram aos nossos tempos. Suas peças também são
permeadas pela fé inabalável que havia em Ésquilo; porém sua visão é mais humana:
seu herói argumenta, ergue a voz, exibe suas razões e luta contra o destino, mesmo
sabendo ser esta uma luta antecipadamente perdida.
Eurípides, ao contrário de Ésquilo e Sófocles, era de origem humilde. Poucas foram
as suas inovações no teatro: foi o criador dos mecanismos para aparição dos deuses
e dividiu a tragédia em quatro partes: prólogos, párodos, episodion e exodos, muito
embora esta última inovação seja atribuída a Sófocles por alguns estudiosos. Nas
tragédias de Eurípides, os homens também são subordinados aos deuses, mas sua fé
não é inabalável: os deuses não têm autoridade moral para castigar os homens, pois
também erram e não dão sequer mostras de arrependimento. Ligado aos sofistas, ora

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se mostrava como um cético dando crédito apenas ao acaso, ora crente na existência
de um deus único. Utilizava-se abundantemente de aparições divinas em suas peças
para fugir à perseguição dos governantes, tal recurso muitas vezes, nada tinha a ver
com a peça e interferia na harmonia do conjunto. O grande mérito de Eurípides está
realmente na criação de suas personagens femininas; abominando a condição sub-
missa da mulher perante a sociedade grega, suas heroínas representavam os anseios
de justiça e os lamentos contidos nas vozes das mulheres atenienses. A indignação
contra as injustiças sociais, porém, não se estendeu somente à condição da mulher;
os escravos, os estrangeiros e os cidadãos menos privilegiados também foram abor-
dados em suas peças. As personagens de Eurípides antecipam ora o realismo, pelo
traçado psicológico, ora o romantismo, pela exacerbação de suas paixões.
A Comédia (de comos, desfile, e ode, canto) também se originou das festas dionisía-
cas, deus do vinho e da fecundidade. Em sua estrutura definitiva, a comédia firmou-
se no século V a.C., cem anos depois da Tragédia. Em sua evolução tiveram grande
importância os fliacos e as falofóricas. Os fliacos eram atores ambulantes, da Magna
Grécia, que em toscos palcos de madeira, representavam cenas da vida cotidiana de
gente humilde, tendo sido os primeiros a escrever textos cômicos, dando origem à
comédia falada. As falofóricas eram procissões dionisíacas, nas quais se transportava
como estandarte um enorme falo, símbolo da procriação. Após o ritual, que incluía
cânticos e sacrifícios de bodes, a procissão saía cantando alegremente e provocando
a multidão que assistia à celebração. Segundo Aristóteles, é dessas procissões que
nasce a comédia.
De fato, esse ritual era relembrado no palco: os espetáculos iniciavam-se com o
desfile dos coreutas, ao todo vinte e quatro que sob a direção do corifeu, cantavam
e dançavam em torno do falo, sempre presente. Ao contrário do coro trágico, os co-
reutas cômicos, em geral mascarados de animais, intervinham diretamente na ação
da peça. Após a ruidosa e até, às vezes, obscena entrada do coro, uma personagem
apresentava o assunto que seria exposto no desenrolar da peça. Depois disto, co-
meçava a ação propriamente dita, tumultuada e cheia de gritaria, em uma espécie de
duelo em que vence aquele que falar por último. Em dado momento, havia um in-
terlúdio: os coreutas e o corifeu se dirigiam ao público, como porta-vozes do autor,
expondo o pensamento do dramaturgo e quais foram os seus objetivos ao escrever a
peça. Por fim, retomava-se a ação da peça que terminava, às vezes, subitamente sem
muitas explicações.
Apesar de toda esta aparente confusão, a comédia tinha suas regras e obedecia a certas
convenções: o figurino indicava a classe social e o sexo das personagens. por exemplo:
os cidadãos livres usavam uma túnica longa; os escravos um traje que tinha apenas a
manga esquerda; os pobres um manto curto; as mulheres uma túnica amarela.
A comédia teve em Epicarmo seu precursor: suas peças satirizavam os heróis mitoló-
gicos, o que deu passagem ao surgimento de personagens grotescas, tendo todo o
espetáculo se adaptado a essa nova concepção.

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Aristófanes foi o principal representante da Comédia Grega, o único que o tempo


permitiu a leitura de suas peças, salvo fragmentos quase completos de algumas peças
de Menandro. Com Aristófanes o plano da comédia elevou-se; embora sua lingua-
gem fosse, às vezes, indecente, soube aliá-la à poesia e, principalmente, com uma crí-
tica autêntica e construtiva. Seu teatro é um retrato vivo e autêntico, cheio de gracejo
mordaz, do povo ateniense.
Menandro é o representante do último grande momento do Teatro Grego. Pelo que
se conhece de algumas de suas peças, quase completas, sua comédia deixou de ser
uma sátira para fixar-se como um espelho da vida cotidiana dos gregos.
Nessa época, as máscaras cômicas tiveram sua maior diversidade, chegando ao nú-
mero de 44: 9 de velhos, 11 de jovens, 17 de mulheres e 7 de escravos.
A Comédia alcançou grande popularidade, em parte, devido ao fato de o povo gre-
go possuir um sentido cívico muito grande, gostando de ver retratados e criticados
aqueles que fossem merecedores disto. Por ser considerada uma brincadeira e não
ser levada a sério, a comédia pôde fazer a sua crítica com ampla liberdade, tornando-
-se muitas vezes libertina e injusta.
Os atores gregos eram profissionais e possuíam até um sindicato, Artistas de Dioníso.
Gozavam de grande prestígio, desempenhando até missões diplomáticas; não tinham
obrigação de prestar serviço militar e mesmo em épocas de guerra não eram obriga-
dos a alistar-se. O sonho de todos os atores era apresentar-se no Teatro Dioníso, o
mais importante de toda a Grécia.

Tragédia

A Tragédia é a imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa exten-


são, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas
por suas diversas partes que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que
suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções.

Baseado na observação crítica das tragédias, Aristóteles (384/322, a.C.) construiu a


primeira estética da arte dramática: A Poética.
Nessa obra, Aristóteles discorre sobre a arte da imitação e define as três formas sobre
as quais o homem pode fazer a imitação:

O imitar é congênito no homem e por imitação aprende as primeiras noções. Sinal


disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens
mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância. Efetivamente
tal é o motivo por que se deleitam peran­te as imagens: olhando-as aprendem e dis-
correm sobre o que seja cada uma delas. Sendo, pois, a imitação própria de nossa

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natureza, os que a princípio foram mais naturalmente propensos a tais coisas, pou-
co a pouco, deram origem à Poesia. A Epopéia, a Tragédia e a Poesia Ditirâmbica
diferem umas das outras, por três aspectos: ou porque imitam por meios diversos,
ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da
mesma maneira.

Ao falar em modos, Aristóteles refere-se à forma por que se pode fazer a imitação, ou
seja, pela Epopéia, pela Poesia Ditirâmbica ou pela Tragédia ou Comédia. Em relação
ao objeto, Aristóteles refere-se ao tipo de ação a ser imitada e, em relação ao meio
por qual se imita, se refere aos tipos de versos, incluindo a prosa.
Em relação à Tragédia, Aristóteles definiu em sua Poética o que viria a ser chamado
posteriormente de Regra das Três Unidades (ação, tempo e espaço) e os Seis Elemen-
tos Principais da Obra Teatral:

São portanto seis as partes da Tragédia que constituem a sua qualidade: o mito, o
caráter, o pensamento, a linguagem, a melodia e a encenação; e além destas, não há
mais nenhuma.

As Três Unidades
–  Tempo: Procura a Tragédia, o máximo possível, caber dentro de um período solar,
ou, pouco excedê-lo.
De fato, nenhuma das Tragédias Gregas até hoje conhecidas ultrapassam essa
medida de tempo.
– Espaço: Na Tragédia não é possível representar muitas partes da ação que se de-
senvolvem ao mesmo tempo, mas tão somente aquela que na cena se desenrola
entre os atores.
Em outro trecho, referindo-se em particular à Epopéia, Aristóteles fala da van-
tagem desta sobre a Tragédia em valer-se da possibilidade de transportar a
ação por vários lugares, ainda que não simultaneamente. Das tragédias por
nós conhecidas apenas uma, Ajax, de Sófocles, se vale do uso de dois cenários
diferentes.
–  Ação: Uno é o mito (ação), mas não por se referir a uma única pessoa, pois
muitas são as ações que uma pessoa pode praticar. O mito deve imitar ações
que sejam unas e completas, e todos os acontecimentos se devem suceder em
conexão tal que, uma vez suprimido ou deslocado um deles, também se con-
funda ou mude a ordem do todo, pois não faz parte do todo o que não altera
esse todo.

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Nas Tragédias Gregas não existem enredos paralelos. Para narrar as desventuras de
Édipo e de sua filha Antígona, Sófocles escreveu três peças, Édipo Rei, Édipo em Co-
lono e Antígona.
Tal conceito é mais fácil de ser compreendido se tivermos em mente as seguintes
palavras de Aristóteles: “Sem ação não poderia haver Tragédia, mas poderia havê-la
sem personagens”.
Compreende-se daí que os gregos não estavam preocupados com a individualidade
de suas personagens, mas com o fato. Daí o mito ser considerado como o elemento
principal da Tragédia, como veremos a seguir.
Os Seis Elementos Principais da Obra Dramática.
–  Mito: Por mito entende-se a composição dos atos. O elemento mais importante
da Tragédia é a trama dos fatos, pois a Tragédia não é a imitação de homens, mas
a imitação de ações e de vida e a própria finalidade da vida é uma ação, não uma
qualidade. Na Tragédia não agem as personagens para imitar caracteres, mas assu-
mem caracteres para efetuar certas ações. Por isso, as ações e o mito constituem a
finalidade da Tragédia. É necessário que os mitos bem compostos não comecem
nem terminem ao acaso, mas devem ter uma extensão bem apreen­sível pela me-
mória: desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto mais bela
será quanto mais extensa. Não é ofício do poeta narrar o mito tal qual aconteceu,
mas o de representar o que poderia acontecer; os mitos tradicionais não devem
ser alterados, mas o poeta deve achar e usar artisticamente os dados da tradição,
conforme a verossimilhança e a necessidade. Os mitos podem ser simples ou
complexos. O mito complexo é aquele em que a mudança se faz por meio do
reconhecimento e da peripécia. Reconhecimento é a passagem do ignorar ao co-
nhecer e peripécia é a mutação dos sucessos no contrário, e esta mutação deve
produzir-se de forma verossímil e necessária. A terceira parte do mito é a catás-
trofe: uma ação perniciosa e/ou dolorosa. Em todo mito há o nó e o desenlace. O
nó é constituído por todos os casos que estão fora e muitas vezes, dentro da ação
desde o princípio da Tragédia até o ponto em que se dá o passo para a boa ou má
Fortuna. O desenlace é a parte que vai do início da mudança até o fim.
–  Caráter: A Tragédia é a imitação de uma ação que se executa mediante persona-
gens que agem e que diversamente se apresentam conforme o pensamento e
o caráter. Por caráter, entende-se o que nos faz dizer das personagens que elas
possuem tal ou tal qualidade; é o que revela certa decisão ou, em caso de dúvi-
da, o fim preferido ou evitado: não tem caráter o indivíduo em que, de qualquer
modo, não se revele o fim para que tende ou o qual repele. Como a composição
das tragédias mais belas não é simples, mas complexa, e, além disso, devem imi-
tar casos que suscitam a piedade e o terror, não devem ser representados nem
homens muito bons que passem da boa para a má fortuna (caso que não suscita
nem piedade nem terror, mas repugnância); nem homens muito maus que pas-

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sam da má para a boa fortuna, ou da felicidade para a infelicidade: o primeiro


caso não é conforme com os sentimentos humanos e o segundo caso, embora
satisfaça os sentimentos de humanidade, não provoca terror nem piedade. Res-
ta, portanto, a situação intermediária: é a do homem que não se distingue muito
pela virtude e pela justiça: se cai no infortúnio, tal acontece não porque seja vil e
malvado, mas por força de algum erro; e esse homem há de ser algum daqueles
que gozam de grande reputação e fortuna. Assim, há quatro pontos importantes
a visar: primeiro, e mais importante, o caráter deve ser bom; segundo, deve ser
conveniente (não convém a um caráter feminino ser viril); terceiro, é a seme-
lhança; e quarto, é a coerência: ainda que a personagem a representar não seja
coerente nas suas ações, é necessário que ela seja incoerente coerentemente.
Assim também, imitando homens violentos ou fracos ou com tais outros defeitos
de caráter, devem os poetas sublimá-los, sem que deixem de ser o que são.
–  Pensamento: Terceiro elemento da Tragédia é o pensamento; por pensamento
entendo tudo quanto dizem as personagens para demonstrar o que quer que
seja ou manifeste a sua decisão; convém em dizer sobre um assunto o que lhe é
conveniente e inerente. O pensamento inclui todos os efeitos produzidos me-
diante a palavra: dele fazem parte o demonstrar e o refutar, suscitar emoções e
ainda majorar ou minorar o valor das coisas.
–  Linguagem: Denomino linguagem o enunciado dos pensamentos por meio de
palavras, enunciado este que tem a mesma efetividade em verso e prosa. Qua-
lidade essencial da linguagem é a clareza sem baixeza. É elevada a poesia que
se afasta da linguagem vulgar, mas a linguagem composta apenas de metáforas
será enigmática. É necessário portanto misturar, porque as metáforas elevam a
linguagem acima do vulgar, enquanto os termos correntes lhe conferem clareza.
–  Melodia e Encenação: Melodia é o principal ornamento da Tragédia. Diga-se or-
namentada a linguagem que tem ritmo, harmonia e canto e o servir-se separada-
mente de cada uma das espécies de ornamentos. A encenação, decerto é a mais
emocionante das partes da Tragédia, mas a menos artística e a menos própria da
poesia. A realização de um bom espetáculo depende mais do encenador do que
do poeta.
E discorre Aristóteles ainda sobre a formação dos vocábulos e das sílabas gregas,
demonstrando sua preocupação com a linguagem falada, daí, portanto, não se ater
muito à encenação por considerá-la alheia à poesia.
Aristóteles se dedicou a um longo estudo sobre a Comédia em sua Poética. Infeliz-
mente, essa parte se perdeu e o que nos resta são as poucas passagens nas quais se
refere a ela durante sua explanação sobre a Tragédia:

Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação, necessariamen-
te também sucederá que os poetas imitem os homens iguais, melhores ou piores do

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que nós. Essa diferença separa a Tragédia da Comédia: procura esta imitar os homens
piores, e aquela os melhores, do que ordinariamente são. A Comédia é, como dis-
semos, imitação de homens inferiores; não todavia, quanto a toda espécie de vícios,
mas só quanto aquela parte do torpe que é o ridículo. O ridículo é apenas certo de-
feito, torpeza anódina e inocente; que bem o demonstra, por exemplo, as máscaras
cômicas, que, sendo feias e disformes, não têm expressão de dor. Se as transforma-
ções da Tragédia e seus autores nos são conhecidas, as da Comédia, pelo contrário,
estão ocultas, pois que delas não se cuidou desde o início: só passado muito tempo é
que o arconte concedeu o coro à Comédia, que outrora era constituído por meio de
voluntários. E também só depois que teve a Comédia alguma forma é que achamos
memória dos que se dizem autores dela. Não se sabe, portanto, quem introduziu
máscaras, prólogo, número de atores e outras coisas semelhantes. A composição dos
argumentos é a prática oriunda da Sicília e os primeiros poetas cômicos teriam sido
Epicarmo e Fórmide.

Teatro romano
Quando a Grécia foi dominada pelos romanos, estes assimilaram o Teatro Grego to-
talmente. Entretanto, as tragédias romanas não passam de arremedo das tragédias
de Eurípides, quando não de grotescas traduções. Nem mesmo Sêneca, o principal
escritor de tragédias romanas, conseguiu fazer uma obra que não desaparecesse to-
talmente comparada às tragédias gregas. A comédia romana, porém, voltada para a
crítica social, aprendeu com o modelo grego sem copiar sua temática, adaptando-a à
sua realidade sem desprezar o legado de seu teatro antes do contato com os gregos.
Seus principais tipos são: BUCCO, personagem da fabula atellana cujas principais ca-
racterísticas eram ser beberrão e falador; DOCENUS, personagem da fabula atellana,
tipo glutão e parasita. O nome da personagem, provavelmente, deriva de dorsum,
dorso, em uma sugestão a uma possível corcunda; PAPPUS, a mais famosa persona-
gem da fabula atellana, a julgar pelo número de peças em que aparece. Trata-se do
velho caduco ou simplesmente ingênuo que é vítima da esperteza dos mais jovens.
A máscara correspondente incluía a careca e uma barba rala. MACCUS, personagem
da fabula atellana cujas características eram a rusticidade no linguajar e no compor-
tamento, além da estupidez.
FABULA ATELLANA é um gênero dramático. Uma forma popular de farsa, também
cantada e dançada. A origem do nome vem da cidade de Atella, perto de Nápoles,
onde provavelmente foi criada. Sua popularidade já era grande antes de 240 a.C., data
que marca o início do período de influência da literatura grega em Roma. Era estru-
turada a partir de uma personagem fixa, sendo algumas das mais famosas: BUCCO,
MACCUS, PAPPUS, DOCENUS. A ação oferecia ocasião para disfarces e equívocos,
origem para a intriga da peça. Aliás, tais recursos recebiam em latim o nome de trice
atellane, que é a origem da palavra intriga. Os escritores Pomponius e Novius deram
forma literária ao gênero, originalmente escrito em dialeto Osco. Apenas alguns frag-

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mentos dessas fábulas chegaram até nós. As personagens, contudo, deram origem
mais tarde aos da Commedia Dell’Arte.
Outros tipos de fabula: fabula palliata, tratava-se na verdade de traduções e adapta-
ções da Comédia Nova Grega. Embora conservando a ambientação na grécia, o nome
deriva do uso do pallium um tipo muito comum de manto grego. Esse gênero é tam-
bém conhecido como fabula crepidata, provavelmente pelo uso da crepida, um tipo
de sapato que acompanhava o pallium. Os únicos exemplares de fabula palliata que
sobreviveram são comédias de Plauto ( 254? a 184 a.C.?) e de Terêncio (190 a 159 a.C.);
fabula praetexta, surgida no fim do séc III a.C., tratava-se de peça de conteúdo sério,
inspirada em fato histórico recente com ambientação em Roma. O termo deriva do
uso da toga praetexta, um tipo de traje característico de juizes: o único exemplar so-
brevivente é Otavia de autor desconhecido; fabula togata consistia na comédia com
ambientação em Roma. O seu surgimento é posterior ao período áureo da fabula
palliata e é provável que tenha sido mesmo em decorrência da necessidade do pú-
blico de ver discutidos no palco problemas e situações locais. Os temas deste tipo
de comédia concentravam-se em torno das classes menos favorecidas, tanto urbanas
quanto rurais. A sátira social foi uma constante. O tom era farsesco e a linguagem
geralmente indecente. O nome deriva do uso da toga, traje típico romano. Nenhum
exemplar da fabula togata chegou até nós; fabula riciniata, termo latino para designar
a mímica; fabula saltica, termo latino para designar a pantomima, que no teatro ro-
mano consistia na representação através de gestos e movimentos de pequenas cenas
baseadas na história e na mitologia. Essas cenas eram acompanhadas por um coro
que descrevia os acontecimentos. O ator de pantomima era chamado pantomimus,
vestia traje semelhante ao da tragédia e usava máscara sem abertura na boca.
Desta forma, a Comédia Romana, além de ser a base das comédias modernas, nos for-
neceu dois grandes autores, Terêncio e, principalmente, Plauto, este um homem de
teatro completo, dramaturgo, ator, diretor e empresário, que soube, com a linguagem
coloquial e com a força de sua intuição psicológica, aliadas a uma prodigiosa técnica
dramática de intrigas e surpresas, dar à comédia, pela primeira vez, uma forma esté-
tica definida.
Em geral, se houve alguma contribuição romana para o teatro, sem dúvida foi uma
contribuição negativa: enquanto as comédias eram representadas para o povo nos
teatros públicos, as tragédias, tão populares entre os gregos, eram lidas somente para
a aristocracia e a intelectualidade de Roma.

Teatro Medieval
No início do Século IV d.C. o Cristianismo não só deixava de ser perseguido como
também se tornava a religião oficial de todo o Império Romano. Os povos bárbaros
que invadiriam os domínios romanos, a partir de então, não seriam os únicos icono-
clastas a violentar e lesar o legado artístico greco-romano.

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Já no século VI d.C., quando as principais cidades do Império ainda não haviam sido
dominadas, a Igreja havia destruído grande parte da obra dramática greco-romana,
e os teatros achavam-se fechados por determinação sua. As representações estavam
rigorosamente proibidas e quem o fizesse em público corria sério risco de vida. Os
atores, excomungados, passaram a vagar, errantes, fazendo tímidas representações,
em terras que o poder eclesiástico não os pudesse alcançar.
O motivo de tal perseguição é, de certa forma, óbvio: tendo o Teatro Ocidental se
originado dentro da religião grega e desde então estar povoado de deuses pagãos,
sincretizados facilmente com os deuses romanos e diante da necessidade da nova
religião oficial de se firmar, não era conveniente que o teatro, um veículo das antigas
ideias religiosas, continuasse a se manifestar livremente para a gente do povo. Do
mesmo modo, as críticas destiladas pela Comédia eram perigosas à nova ideologia,
já bastante distanciada dos ensinamentos de Jesus Cristo. É a época em que os concí-
lios, mais do que a Bíblia, ditam os preceitos religiosos a serem seguidos.
Neste período surgem os menestréis, artistas dotados de grande versatilidade, que
eram ao mesmo tempo músicos, cantores, dançarinos, acrobatas, atores e palhaços,
acumulando ainda, simbolicamente, as funções de dramaturgo e diretor, já que atua­
vam de improviso. Foram imediatamente descobertos, perseguidos, e, nos séculos
VIII e IX estavam praticamente extintos.
Somente no século XII, período historicamente denominado de Baixa Idade Média
(que se estende em alguns países até a metade do século XV, em outros até meados
do século XVI), é que a Igreja, incapaz de conter totalmente as manifestações artísti-
cas profanas, resolve pôr o Teatro a seu serviço.
Assim como os gregos extraíam os temas de suas tragédias da tradição de seus mitos,
esse teatro religioso tinha como fonte para sua dramaturgia as sagradas escrituras.
Esses espetáculos, a princípio, eram representados no interior das igrejas, passando
depois às portas das mesmas e os atores eram os próprios padres, que representavam
em latim. Com o tempo, os espetáculos se transferiram para as praças públicas, sen-
do representados na língua corrente do país, com atores voluntários arregimentados
entre a população.
A Idade Média não construiu um edifício teatral. Nas praças erguia-se um palco pro-
visório, espalhavam-se bancos para o povo, cobertos por uma tela imensa fixada por
cordas, e para os mais ricos construíam-se camarotes alegremente decorados, que
após as representações eram fechados à chave.
Os espetáculos que essa plateia assistia não respeitavam nenhuma das regras de uni-
dade descritas por Aristóteles: quanto ao tempo, podiam durar vários dias, tanto a
ação da peça como o próprio espetáculo; em relação ao espaço, a ação se transpor-
tava, literalmente, pelos diversos lugares onde se passavam as cenas da peça e o pú-
blico seguia os padres atores como em uma procissão; quanto à unidade de ação, o
drama litúrgico não somente se valia de enredos paralelos e de sermões que nada

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tinham a ver com a peça, como também misturava, indistintamente, cenas de profun-
da tragédia com cenas cômicas dignas da mais alta farsa.
Com o passar do tempo esse teatro foi sendo dotado com diversos aparatos. Tal como
no Teatro Grego, foram criados mecanismos para a aparição de santos e demônios
e para a realização de milagres. Com a complicação dos cenários, o espaço teatral
adquiriu uma certa unidade, que por sua vez influenciou também no tempo da ação
e da representação, pois sem a mobilidade e a correria que as antigas encenações
exigiam, a duração dos espetáculos deixou de ser tão extensa. Juntamente com esses
progressos, os figurinos medievais foram se tornando extremamente luxuosos.
Tudo isso serviu para tornar o Teatro Medieval bem mais ao gosto do público, que se
deleitava com os “efeitos especiais” proporcionados pelos maquinismos e fogos de
artifício. A maioria dos estudiosos e pesquisadores costumam dividir o teatro medie-
val em quatro gêneros. Alguns apontam como sucessivos e outros como coexisten-
tes; mesmo assim não existe uma ordem clara que determine qual desses gêneros
apareceu primeiro.

Os Milagres

São textos que relatam a vida da Virgem, dos santos e dos heróis de cavalaria para
ilustrar princípios cristãos, por meio da encenação de um fato maravilhoso produzi-
do pela intervenção de um santo, na maior parte dos casos por Nossa Senhora. Para
que uma personagem repugnante seja salva, é mostrado que não há crime ou pecado
impossível de ser redimido pela fé na Virgem Maria.

Os Mistérios

Era a encenação de episódios bíblicos. Começavam e terminavam quase sempre


com um sermão. Sem nenhuma preocupação com a verossimilhança, estes textos
narravam histórias de Adão e Eva, Caim e Abel, e de outros personagens menos
afortunados.
De certa forma, é o gênero que mais se aproxima da Tragédia Grega, pois seus perso-
nagens são homens nem muito bons nem muito maus, que por algum erro caem no
desagrado da Divindade, o que equivale dizer, em desgraça.

As Moralidades

Como diz o nome, as pretensões destes textos eram didáticas e moralizantes. Seus
personagens são anjos, que figuravam as virtudes, em luta contra os demônios, re-
presentantes dos vícios, em especial os sete pecados capitais. No final, a virtude sem-
pre vencia, mas o público era mais afeito aos demônios, mais engraçados e que se
expressavam numa linguagem mais popular e obscena. Afinal, neles estava o gérmen
dos personagens bufões das comédias de costumes (Ex.: o Falstaff de Shakespeare).

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Os Autos

Embora o termo auto seja usado genericamente para designar os textos medievais, os
Autos eram um gênero distinto dos Milagres, dos Mistérios e das Moralidades.
Os Autos são textos que narram a vida de Cristo, dos santos e dos mártires que mor-
reram em nome da fé. Destes espetáculos, os mais grandiosos do Teatro Medieval,
participavam centenas de atores, em numerosas sequências de cenas que duravam
vários dias, deslocando-se por vários locais.
As representações mais famosas que foram registradas relacionam-se ao Natal, à Pai-
xão e à Ressurreição de Cristo.
Um novo gênero nasceu, quando o sol do renascimento fazia brilhar timidamente
no horizonte seus primeiros raios: a Sotie. Tipo de comédia, mais para o profano que
para o religioso, a Sotie era uma sátira em que todos os seus personagens eram lou-
cos, portanto, podiam dizer verdades não religiosas.
Os textos medievais na maioria são de autores anônimos, em geral escritos por padres.
Um autor de teatro que soube trabalhar o gênero foi Gil Vicente, embora seus autos já pos­
suam uma organização teatral que o aproxima mais do Renascimento que do Medieval.
Gil Vicente não escreveu somente autos. Sua peça A Farsa de Inês Pereira é considera-
da por alguns a primeira peça de teatro renascentista. De qualquer forma, é inegável
o resquício do Teatro Medieval nas obras, não só de Gil Vicente, como também dos
dramaturgos do Século de Ouro Espanhol, Lope de Vega, Calderón de La Barca e Tir-
so de Molina.

Commedia Dell’Arte
Enquanto os espetáculos litúrgicos eram representados pelos padres, os atores
profis­sionais vagavam pelas feiras e estradas, longe dos olhos vigilantes da Igreja, fa-
zendo suas encenações sobre carroções. Diante do perigo de fornecer alguma prova
escrita à Igreja, os atores clandestinos não ousavam atuar com textos, representando
de improviso, sem saber que estavam desenvolvendo um tipo de teatro popular que
floresceria no século XV e brilharia até o século XVIII, quando em decadência, seria
imortalizado por um dos maiores comediógrafos de todos os tempos, Carlo Goldoni.
A Commedia Dell’Arte será um produto italiano que influenciará toda a Europa. Gra-
ças à sua tradição (o teatro romano antes da conquista da Grécia era basicamente um
teatro de improviso e de máscaras), os italianos souberam transformar o que era uma
medida de segurança, adotada por todos os atores da Idade Média, num dos estilos
mais importantes e influentes na História do Teatro.
Com o Renascimento, o duelo já não se estabeleceria mais entre teatro religioso e
teatro profano, mas entre teatro erudito (literário) e teatro popular (improviso). A

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vantagem que este teatro de improviso levava sobre o literário estava no fato de que
o primeiro se deixava influenciar pelo segundo, pois era livre do preconceito que,
afinal de contas, sempre atinge mais o erudito em relação ao popular, do que o po-
pular em relação ao erudito.

A Commedia Dell’Arte aproveitou tudo o que o teatro literário podia lhe oferecer:
seus enredos não são mais do que disfarces romanescos de tragédias gregas e ro-
manas, poemas épicos, etc. Versam quase exclusivamente sobre o mesmo tema: um
casal de namorados em luta contra a proibição dos pais (romanesco) em meio às
confusões e acrobacias dos criados (farsesco), mas não é a temática, não são os enre-
dos que importam num teatro que só os aproveita como pretexto para a fertilidade
criadora do ator.

Durante os séculos XV e XVI d.C, as companhias de Commedia Dell’Arte se apresen-


tavam em pequenos vilarejos, porém, no século XVII essas companhias ganharam
acesso aos palácios reais.

No século XVII a mão da Igreja se faz sentir sobre o Teatro novamente: são proibidas
as representações das comédias escritas. Nesta época, segunda metade do século,
Moliére e Shakespeare já estavam mortos, os teatros ingleses fechados, mesmo para
a representação de tragédias.

Apesar dessa nova medida da Igreja ter durado pouco tempo, foi o suficiente para
que a Commedia Dell’Arte, o teatro de improviso, tomasse conta da Europa. A convite
dos reis ela invade as cortes, viaja o mundo, se torna popular na França, na Alemanha
e na Rússia. É o auge, mas que traz embutido o seu declínio.

As consequências desse fenômeno são gravíssimas:

1. A Commedia Dell’Arte não ousa mais enfrentar assuntos de sua atualidade, te-
mendo que alusões e sátiras políticas desagradassem a parte mais seleta de sua
plateia, impedindo sua penetração nas cortes reais;

2. Os pares amorosos, em especial o elemento feminino, passam a ser escolhidos


na base da beleza física e não do talento;

3. E o principal: perdeu sua própria razão de ser; um espetáculo pobre e inteli-


gente, confiado ao talento do ator exclusivamente; este agora é sufocado pelo
luxo da parte visual e externa do espetáculo, pelo excesso de trechos cantados
e dançados.

A Commedia Dell’Arte sobrevivia graças aos grandes intérpretes, que conservavam


para si os papéis cômicos, porém, com o passar do tempo, esses especialistas foram
morrendo, não deixando substitutos à altura. A consequência deste fato foi a mais
desastrosa para a Comédia Dell’Arte: tornou-se demasiado pornográfica, recurso cô-
mico fácil para quem é dotado de pouco talento e criatividade.

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Nesse momento, entra em cena Carlo Goldoni (1707/1793). Goldoni era um fã ardoro-
so de Moliére, para quem escreveu em homenagem uma comédia chamada Moliére.
Como o seu ídolo, exerceu todas as funções dentro do teatro, a não ser a que para
ele era a principal, a de ator, por considerar-se sem espontaneidade, dado seu feitio
intelectual de advogado.
Goldoni começou escrevendo canovacci (roteiros) para a improvisação dos cômicos;
em seguida, passou a escrever uma ou outra cena para cada canovacci, em particular
cenas sérias e de amor; depois passou a escrever quase toda a peça, reduzindo o im-
proviso apenas às máscaras; mais tarde, escreveu peças inteiras e, por fim, aboliu as
máscaras de suas comédias.
Este processo, que levou cerca de vinte anos, não significa, de forma alguma, um
despreza o pela Comédia Dell’Arte. Goldoni soube traduzir o valor social das másca-
ras, observando como elas constituíam uma síntese da sociedade de seu tempo. Ao
abolir as máscaras de seu teatro, ele não aboliu as personagens; apenas humanizou-
-as. Assim, vemos que a personagem Mirandolina nada mais é do que Colombina,
sem máscara e humanizada. La Locandiera ou Mirandolina como é conhecida no Bra-
sil, será a principal de suas comédias de costumes, mas a mais importante de suas
peças, senão artisticamente, pelo seu valor histórico dentro do teatro, é Arlequim,
Servidor de Dois Patrões. O enredo da peça não é criação de Goldoni, que a escreveu
a pedido do ator Antonio Sachi. Nesta primeira versão todos os papéis eram escritos,
reservando o direito de improviso apenas ao Arlequim. Quando Sachi morreu, a pri-
meira providência de Goldoni foi escrever no papel.
Se não fosse por esta peça, hoje a Commedia Dell’Arte não seria mais do que um
amontoado de lendas, informações e roteiros que nada dizem sobre a encenação da
peça. É por meio dela que se tem uma ideia mais precisa do que seriam na verdade o
Arlequim, a Colombina e o Pantaleão.

As Máscaras

A Commedia Dell’Arte, embora se apresente como um teatro de improviso, possui


certos esquemas fixos, que possibilitam que ela se transforme em um espetáculo. Já
falamos dos canovacci, ou seja, os roteiros que deviam ser seguidos. Os lazzi eram
os achados cômicos, as piadas, que de certa forma se repetiam de espetáculo para
espetáculo, mais uma ou outra fala decorada que tinha obrigatoriamente de ser dita
para que a história do canovacci não se perdesse.
Ao lado desses referenciais, havia o principal de todos que eram as máscaras. Cada
máscara possuía seus próprios movimentos tradicionais, padrões gestuais e qualida-
des vocais. Cada ator ao iniciar-se na Comédia Dell’Arte tinha sua aptidão testada para
saber em qual papel melhor se encaixaria. A partir de então, ele se especializava na
personagem ou na máscara escolhida, a qual representaria até o fim de sua carreira.
Os galãs (1º e 2º) e as ingênuas (1ª e 2ª), eram os únicos papéis que não usavam más-
cara. As máscaras mais importantes são:

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– Arlequim: Foi a máscara mais popular dentre todas, devido ao seu caráter es-
sencialmente cômico. O traje típico do Arlequim consistia, originalmente, em
uma roupa comum de criado, com remendos de várias cores. Mais tarde, esses
remendos se estilizaram em losangos de duas ou mais cores diferentes. Suas
características são as de um criado ignorante, mas inteligente, hábil, endiabrado,
capaz de embrulhar o mundo inteiro, porém sempre fiel ao seu patrão, ainda
que mais de um, como no caso da peça de Goldoni. Representante da cidade
de Bérgamo, a tradição requeria que todo Arlequim fosse um grande bailarino.
Ao longo de sua carreira, o Arlequim foi batizado com outros nomes: Arlequim
Truffaldino, Arlequim Scapino, Arlequim Trivelino, etc.
– Colombina: Assim como o Arlequim, esta personagem teve outros nomes (Esme-
raldina, Coralina, Diamantina, etc.). Sua personalidade seria tipo um Arlequim
de saias: ingênua, ignorante, assanhada, mas inteligente, esperta e casta. Com o
tempo foi se tornando astuciosa, procurando pretendentes ricos, chegando, às
vezes, a arranjar um bom partido, tornando-se duquesa ou marquesa. Goldoni
devolveu-lhe o traço original em que ela, assediada por pretendentes ricos, re-
pudia a todos em nome de seu amor ao Arlequim.
– Polichinelo: Polichinelo é a personagem mais antiga da Comédia Dell’Arte, des-
cendente direto de Maccus da Antiga Comédia Romana. Natural de Nápoles,
tinha todas as características convencionais que o humor costuma atribuir aos
napolitanos: sentimentalismo, gulodice, pouca vontade de trabalhar e um cer-
to fatalismo na concepção da vida. Polichinelo recebeu um tratamento variado,
conforme os atores e escritores que o interpretaram; às vezes, foi apresentado
unicamente como um palhaço, outras como uma figura dramática, grotesca, víti-
ma do sofrimento. Futuramente será o nosso conhecido Pierrot, que completa o
triân­gulo amoroso com o Arlequim e a Colombina. Pertencente também à galeria
dos criados, seu traje é todo branco, para indicar a fundamental candura e ino-
cência de alma da personagem. Assim como o Arlequim, é ingênuo nas questões
sexuais; porém, quando a Comédia Dell’Arte descambou para a pornografia, Po-
lichinelo tornou-se um maníaco sexual, carregando sempre consigo um enorme
pênis de pano. Portanto, a figura do Pierrot, mais conhecida por nós, é a mais
próxima do Polichinelo primitivo. A tradição exigia que todos os Polichinelos
fossem ótimos cantores.
– Briguela: O oposto do Arlequim. Um criado que não é tão trapalhão, mas que
não tem as virtudes daquele, revelando-se muitas vezes velhaco e infiel.
– Pantaleão: Veneziano, Pantaleão dos Bisonhos, representa a burguesia. Hábil ne-
gociante, enriquece às custas da aristocracia, por meio de empréstimos e juros. É
um ótimo exemplo da luta da burguesia pelo poder. Pantaleão é avarento e adora
dinheiro. É cheio de ternura e dedicação para com os filhos. Seu traje é preto
e vermelho, relacionado diretamente à figura do Demônio Tentador do Teatro
Medieval.

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– Doutor: Esta máscara representa o lado intelectual da sociedade. Pode ser mé-
dico ou advogado. Impressiona seus clientes falando latim, frases empoladas e,
às vezes, incompreensíveis. É o aliado natural de Pantaleão, com quem costuma
combinar o casamento entre seus filhos. O seu traje é sempre preto para subli-
nhar a austeridade e dignidade de que a personagem se reveste, às vezes, possui
um nome, Doutor Lombardi, natural da Lombardia, ou doutor Balanção, natural
de Bolonha, cidade tradicional da cultura universitária.
– Capitão: Representante da classe militar, possui todos os estereótipos atribuídos
a esta classe. Ele aparece às vezes, como um conquistador, acreditando que to-
das as donzelas irão se apaixonar por sua farda, noutras vezes, aparece como um
covarde metido a valentão.

Renascimento
A passagem do ano 1000 de nossa era é o marco das transformações pelas quais pas-
saria a humanidade. A principal pregação da Igreja durante a Alta Idade Média era o
fim do mundo, que deveria acontecer por volta desse ano. Como podemos deduzir
tal não se deu, e a Igreja para manter seu poder teve de se tornar mais tolerante ao
longo dos séculos seguintes.
Estamos ainda em plena Baixa Idade Média, quando são lançadas as bases do que
viria a ser o Humanismo.
O Humanismo, em sua filosofia, enfatizou a individualidade do ser humano, em opo-
sição à fé religiosa que colocava Deus como o princípio e o fim de todas as coisas.
Para os humanistas o Homem era o centro do Universo.
O Humanismo, a princípio, se propôs a resgatar da literatura e filosofia greco-roma-
nas os valores coerentes com os ensinamentos cristãos, mas criou em seus seguido-
res uma paixão pelo que havia de profano na cultura clássica.
Por meio do pensamento humanista, a arte começou a se livrar do domínio eclesiásti-
co. Acompanhando as mudanças sociais e políticas, uma nova mentalidade, baseada
nos princípios estéticos da antiguidade greco-romana, foi substituindo as fontes es-
pirituais e cavalheirescas da Idade Média.
O surgimento da Imprensa, o declínio do feudalismo, tudo colaborava para o fim do
poderio da Igreja.
Também sob influência da cultura greco-romana, reaparecem os protetores da arte,
chamados de Mecenas, nome de um bem-feitor dos artistas da antiguidade. Os Me-
cenas eram ricas famílias italianas, banqueiros, comerciantes, bispos e papas que,
com seu elevado poder aquisitivo, estimulavam o trabalho intelectual e artístico.
O Renascimento nasce na Itália, e no século XVI Roma é considerada a capital do
movimento.

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Nicolai Maquiavel, autor de A Mandrágora, uma sátira mordaz da sociedade renas-


centista de Floresça, será o principal escritor e filósofo da Renascença com seu livro
O Príncipe, tratando de ciência política e também de absolutismo. Como historiador,
escreveu História Florentina, em que exclui as interpretações teológicas e tenta des-
cobrir as leis que governam a vida de um povo. Sua filosofia baseada no princípio os
fins justificam os meios é alvo de controvérsia até os dias de hoje.
O primeiro vulto da pintura renascentista italiana foi Giotto que introduziu a pai-
sagem na pintura, usando-a como fundo e dando uma perspectiva mais perfeita às
imagens, porém o mais importante pintor do Renascimento será Leonardo da Vinci,
pintor, escultor, músico, matemático, cientista e filósofo, homem símbolo do Renas-
cimento, autor da Monalisa, quadro considerado o retrato mais perfeito de todos os
tempos. Outros grandes expoentes das artes plásticas, dentre tantos outros, são Bot-
ticelli, Rafael, Donatello e Michelangelo.
Centro cultural do Velho Mundo, a Itália recebeu vários estudantes estrangeiros que
acabaram por estender o Renascimento por quase toda a Europa.
Na França, o desenvolvimento renascentista deu-se mais a nível literário, com dois
grandes escritores, Rabelais e Montaigne. O destaque espanhol será El Greco, na
pintura; na Alemanha também a pintura e a gravura merecem destaque. Na Holanda
teremos dois gênios: Erasmo de Roterdã na literatura, autor de O elogio da Loucura,
e Rembrandt na pintura, mestre do claro-escuro.
Pois bem, onde entra o teatro nisso tudo? É de supor-se que diante da efervescência
artística e cultural pela qual passava a Europa, o teatro vivesse um de seus momentos
mais gloriosos.

Lamentável engano

O Teatro Medieval foi sobretudo um teatro popular, sua ausência de regras estéti-
cas, sua necessidade catequizante o caracterizou dessa forma. O Teatro Renascentista
precisava criar (ou recriar) novas regras que o elevasse acima da característica popu-
laresca e inartística medieval, sem, contudo, atentar, que o Teatro da Idade Média, se
era ineficiente literariamente, era eficiente teatralmente.
O novo teatro, como todas as artes e filosofias do Renascimento, foi beber na fonte
clássica. Os modelos gregos e latinos, levados ao pé da letra, eram distantes do cor-
rente momento; se encaixavam bem à literatura e às artes plásticas e arquitetônicas,
de certa forma, artes mais eruditas, mas o teatro, desde a Grécia, sempre foi uma arte
popular. O resultado dessa discrepância é o de que o Teatro Renascentista não conse-
gue ultrapassar os limites da literatura, e, consequentemente, não alcança resultados
teatrais.
A predileção desse teatro pelas tragédias nos dará algumas peças boas, como A Cas-
tro, de Antônio Ferreira, em Portugal, e Orfeu, de Ângelo Poliziano, na Itália, mas em

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geral a tragédia renascentista se arrastará em uma eloquência vã, mais literária do que
teatral, e em uma impotência criadora. A comédia será um pouco mais feliz, graças
à sua maior receptividade aos elementos cômicos de cunho popular, especialmente
nas peças A Mandrágora, de Maquiavel, e A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.
O teatro só ganhará realmente valor durante o período Barroco.

O Século de Ouro na Espanha


O Barroco, ligado ideologicamente à Contra-Reforma, foi uma reação contra o espí-
rito da Renascença.
A Contra-Reforma foi uma resposta da Igreja Católica à reforma protestante pro-
movida no século XVI por Lutero, um padre dissidente. Lutero rejeitou tudo o que
a Igreja pregava sem estar escrito na bíblia, combatendo principalmente a venda
das indulgências, ou seja, vender perdão para os pecados, prática comum da Igreja
na época. Para ele, a verdadeira religião deveria se basear somente nas escrituras
sagradas.
Com a Contra-Reforma a Igreja procurou coibir seus abusos e envolvimentos po-
líticos, concentrando-se numa pregação mais voltada para as questões espirituais,
procurando incutir no homem o horror do mundo, o medo da morte, o pavor do
inferno, conquistando-o para o céu pela captação de sua imaginação e de seus sen-
tidos.
Essa ideologia comunicou à época e à arte uma fisionomia trágica, dilacerada entre
os polos celestial e terrestre.
A arte barroca se vale do ornamental e do espetacular, do exagero de detalhes, reve-
lando a contradição do homem dividido entre o prazer da carne e as aspirações do
espírito, entre o pensamento humanista e a pregação católica.
Se compararmos uma típica obra renascentista com outra barroca, a impressão que
da primeira emana é de calma e tranquilidade, enquanto a segunda é perturbada e
vívida. Contra a tensão e a força clássicas, opõe-se a agitação e a violência barrocas; o
renascentista é estático, o barroco dinâmico, como se fossem duas fotos: a primeira
posada e a segunda tirada em movimento.
No Barroco as formas são a explosão de uma vivência em ebulição, não mais vincula-
das às ordens estéticas da Renascença. As formas barrocas ajeitam-se numa plástica
espiral, de contorção e acrobacia extravagantes.
A literatura barroca, da qual o teatro é uma parte, possui algumas características que
vale destacar: o fusionismo (união dos detalhes em um todo orgânico), claro-escuro
(contraste entre os detalhes), a união do racional com o irracional, a ambiguidade, o
caráter grandioso e ornamental, expresso por meio do exagero estilístico em figuras
de linguagem que traduzem o estado de conflito e tensão espiritual.

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O Barroco, levado às suas extremas consequências, resultará no Rococó, estilo contra


o qual reagirá o Classicismo no século XVII.
Os dramaturgos do Século de Ouro Espanhol manifestam essa tendência. Haja vista
alguns aspectos da vida de seu escritor mais fecundo, se não em qualidade, em quan-
tidade, Lope de Vega.
Lope de Vega, que foi membro dos tribunais da inquisição, tinha uma vida sexual
bastante agitada. Essa contradição entre o religioso e o profano fazia com que ele se
penitenciasse chicoteando suas próprias costas até as paredes de seu quarto ficarem
salpicadas de sangue.
Autor de cerca de 2.200 peças, das quais apenas 500 nos são conhecidas, Lope de Vega
deu também sua contribuição teórica ao teatro, escrevendo uma estética à qual deu
o nome de Comedia Nueva. Nela o autor nos diz:

“... a comédia tem suas finalidades estabelecidas, e essas têm sido sempre a de imitar
as ações dos homens e pintar os costumes de sua época. ...que o assunto das comé-
dias seja escolhido e não estranhem se acontecer de ele tratar de reis. Tenham em
mente que o assunto só pode conter uma única ação; falo de coisas fora do objetivo
principal. Que ele se passe no mínimo possível de tempo, a não ser que o poeta es-
teja escrevendo História, na qual alguns anos têm de se passar. Uma vez escolhido
o assunto é melhor escrevê-lo em prosa, e dividir a matéria em três atos de tempo,
providenciando se possível, para que cada ato não ultrapasse o espaço de um dia. É
preciso que haja ligação entre a matéria desde o início até o término da ação; mas é
preciso que o enredo não se resolva antes da última cena. Muito raramente deve-se
deixar o palco sem alguém falando, porque a multidão torna-se irriquieta durante
tais intervalos e a ação custa muito para se desenvolver. A linguagem da comédia
deve ser pura, clara e flexível, tirada das usagens do povo, que são diversas da socie-
dade polida. No primeiro ato que se apresente o caso. No segundo, que sejam entre-
laçados os acontecimentos, de tal modo que até a metade do terceiro ato seja difícil
adivinhar-se qual será o resultado. Sempre se deve armar a expectativa. Enganar o
público com a verdade é coisa que tem parecido bem. O equívoco e a incerteza,
nascidos da ambiguidade, têm sempre tido grande favor com as multidões, pois cada
um julga que só ele está entendendo o que os outros dizem.” Essas observações de
Lope de Vega dividiram as opiniões: Tirso de Molina, pseudônimo sob o qual estava,
não oculto, o Frei Gabriel Téllez, foi seu entusiasta amigo e defensor. Sua obra apre-
senta um duplo aspecto: um profundamente religioso e outro profano, beirando a
licenciosidade. Era um amante das comédias de capa e espada, que usava seu teatro
para a crítica social, em especial de seus confrades e de parasitas religiosos. A obra
de Tirso de Molina expressa a contradição do homem barroco por um lado positivo.

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Já Miguel de Cervantes não aceitava as propostas inovadoras de Lope de Vega, “des-


leais” aos modelos aristotélicos, chegando a ridicularizá-lo em seu D. Quixote. Sua
crítica só é válida porque não ficou apenas na teoria: Cervantes é autor de uma das
mais belas tragédias espanholas: Numância.
Completa o quadro dos grandes dramaturgos espanhóis, Calderón de La Barca, o
melhor tragediógrafo do Século de Ouro Espanhol. Sua linguagem é mais rica que
a de seus contemporâneos, suas tragédias, embora sejam mais fantásticas e menos
calcadas na realidade, atingem uma grandiosidade não encontrada em Lope de Vega.
Afinal, não seria realisticamente possível que o príncipe Segismundo, protagonista
de sua obra-prima A Vida é Sonho, encarcerado durante toda a vida, sonhasse com
coisas as quais nunca havia visto. Mas isto torna suas peças mais teatrais, completa-
mente entregues ao jogo da ilusão artística, elevando o conflito barroco do individual
para o coletivo.
Cabe ainda uma nota esclarecedora e importante para se entender a teoria estética
de Lope de Vega, ou quaisquer outras até o século XVIII: a palavra drama quando
usada neste período, refere-se genericamente à dramaturgia. Os gêneros teatrais se
dividiam basicamente em dois tipos: tragédia e comédia, ou seja, tudo o que não se
encaixava nos moldes rígidos da tragédia, era considerado comédia. Assim, das 500
peças conhecidas de Lope de Vega, que levam o rótulo de comédia, muitas seriam o
que modernamente chamamos de drama, e outras que pelo ponto de vista moderno,
podem ser encaradas como tragédias. Tal se dá na obra de todos os dramaturgos até
o século XVIII, inclusive Shakespeare: grande parte de suas comédias na verdade são
dramas e o maior exemplo disto é a belíssima A Tempestade, que muito mais comove
do que faz rir.
Resta-nos descrever um pouco dos aspectos exteriores do Teatro no Século de Ouro.
As representações que duravam cerca de duas ou três horas, eram realizadas a céu
aberto, nos pátios das hotelarias, com um pequeno palco e um cenário simples nem
sempre existente. As funções eram repetidas três vezes por semana, tendo que ter-
minar sempre antes do pôr do sol. Os atores desse período eram mistos entre padres
e profissionais e revezavam conforme a temática da peça. Curiosa nessa época é a
riqueza dos figurinos, que não condiziam à peça encenada: turcos com roupas de
cristãos, gregos e romanos com calças justas, escravas com ricos vestidos, etc... As
mulheres por sua vez ainda não tinham acesso ao palco, exceção feita à Comédia
Dell’Arte.
O teatro espanhol, apesar de sua boa qualidade, no entanto, não será o Teatro mais
importante do período Barroco. Talvez por ter sido menos influenciada nas artes eru-
ditas, a Inglaterra será o grande palco desse período, considerado como o Segundo
Grande Momento da História do Teatro.

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Teatro Elisabetano
Para entender o Teatro Elisabetano é necessário que se tenha uma compreensão da
disputa político-religiosa que se estabelecia na Inglaterra entre católicos e anglicanos
no século XVI.
Elizabeth, não sendo filha do primeiro casamento de Henrique VIII (casamento esse
abençoado pela Igreja) e tendo sobre si o peso da infidelidade de sua mãe, Ana Bo-
lena, era considerada pelos católicos ingleses uma bastarda. Sua subida ao trono foi
uma manobra dos anglicanos, que temiam que a Inglaterra voltasse ao jugo da Igreja
por meio da coroação de Maria Stuart da Escócia, herdeira legítima do trono inglês. A
detentora do título de Rainha Elizabeth I precisava, então, ser defendida, não só pelas
armas, mas também por uma ideologia que unificasse as duas facções que dividam o
povo inglês.
Desenvolveu-se então uma concepção de hierarquia cosmológica, em que cada um
encontra seu lugar bem definido. Deus é o centro do universo, o leão é o rei dos
animais, o ouro o principal entre os metais, o diamante é a principal entre as pedras
preciosas, a rosa é a principal entre as flores, o rei é o principal entre os homens.
A ordem social é reflexo da ordem divina; o desequilíbrio em quaisquer dos níveis
dessa ordem reflete nos outros: se o rei é morto por um plebeu, o chacal destronará
o leão, o cascalho se tornará mais valioso que o diamante, Deus será destronado por
Satanás. Portanto, a rebelião é considerada o pior pecado dentro da Inglaterra, uma
vez que atenta contra a ordem divina.
É nesse momento que o teatro inglês dá um salto sobre todos os outros teatros da
Europa, quando ele passa a interagir com essas ideias. Protegidos e incentivados pela
coroa, os dramaturgos ingleses abandonam os temas clássicos e se concentram na
conturbada história da Inglaterra, repleta de golpes de estado, mostrando em suas
peças o desequilíbrio que cada um desses golpes custou à nação.
A Inglaterra sempre estará presente nas peças elisabetanas. Quando os escritores se
afastam do tema histórico, a Inglaterra se mantém em foco: a Dinamarca de Hamlet,
a Alemanha de Fausto, Grécia e Roma, todas são a Inglaterra; quando o tema da peça
não é o golpe de estado, a preocupação com o desequilíbrio social se mantém.
O herói trágico grego se perde ao desrespeitar uma lei estabelecida pelos deuses;
o herói trágico elisabetano se perde pelas consequências de uma infração contra a
lei da sociedade, infração essa que pode ou não ser cometida por ele. A ambição, a
vaidade, o ciúme, o amor, são todos ingredientes que levam o homem a cometer essa
infração. Se o herói trágico grego se perde pelo excesso de virtudes, o herói trágico
elisabetano se perde pelo excesso de paixões.
O caráter popular do Teatro Elisabetano vem da necessidade de difundir essa moral, sua
preocupação não era a de emitir conceitos intelectuais para o deleite de intelectuais,
mas sua necessidade primeira era a de falar diretamente ao homem comum do povo.

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Popular, alicerçado sobre uma moral, sustentado pela coroa e servido por dramatur-
gos de bons a geniais, o Teatro Elisabetano se compara ao Teatro Grego, daí por ser
considerado o Segundo Grande Momento da História do Teatro.

Histórico

A Inglaterra, em relação às outras artes do Renascimento, bastante atrasada, no teatro


foi o país que alcançou maior explendor: o período Elisabetano em teatro correspon-
de à intensa atividade teatral que vai de 1576, construção do The Theater, até 1642,
quando a revolução puritana, sob influência da Igreja Católica, ordenou o fechamen-
to de todos os teatros londrinos.
A denominação Elisabetano ou Isabelino deve-se ao fato deste teatro ter se desen-
volvido durante o reinado de Elizabeth I (também chamada Isabel) atravessando o
reinado de Jaime I, filho de Maria Stuart.
As primeiras companhias inglesas davam seus espetáculos em vários locais, mas eram
principalmente os pátios de hospedaria que lhes serviam como casa de espetáculos.
Estas hospedagens eram de forma quadrada ou retangular, com um pátio central para
o qual davam janelas e balcões. Ao fundo era montado um palco móvel, que ficava
projetado para o centro do pátio. James Burbage, primeiro ator inglês de sua época,
ao construir o Theater (que depois passou a ser chamar Globe), projetou-o dessa for-
ma. Foram construídos em seguida mais dezessete teatros.
Os teatros eram mais ou menos do mesmo tipo: a construção tinha forma octogonal,
e as filas dos balcões, com a plateia na parte inferior, eram herança dos pátios de es-
talagem. O palco era uma plataforma com 14 metros de largura por 9 metros de pro-
fundidade, que se prolongava para o centro da plateia, onde se passava a maior parte
da ação. Ao fundo havia um palco interior onde se passavam as cenas de localização
definida. Havia uma grande porta ao fundo e uma em cada lateral, sobre o palco inte-
rior havia um balcão e todo o palco era coberto por um teto.
Não podendo arcar com despesas de grandes montagens, os palcos eram destituídos
de cenários, servindo-se de reduzido número de objetos e peças de mobiliário. Em
alguns teatros eram colocadas tabuletas que explicavam o local onde se passava a
cena; outros mais ricos possuíam telões pintados e reposteiros.
A exemplo dos gregos, os teatros eram dotados de alçapões para a aparição de espí-
ritos. Podiam ser utilizados também fogos de artifício, herança do Teatro Medieval.
Outra herança da Idade Média foi a riqueza e o luxo dos figurinos, que contrastavam
com a pobreza cenográfica.
Estes teatros possuíam grande número de salas, para receber cerca de cinco mil pes-
soas, que iam ao teatro na maior balbúrdia. Na plateia tínhamos jogadores, vagabun-
dos, prostitutas, viajantes; nos balcões estudantes, poetas, larápios e parasitas da
corte; nos camarotes ficava a nobreza e até mesmo no palco sentavam-se fidalgos e
nobres, desejosos de ficarem mais visíveis para o público comum.

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Essa plateia bastante heterogênea era abarcada pelas peças elisabetanas, feitas na me-
dida para essa estranha mistura de gente. Era um público que amava o teatro, os ver-
sos ardentes e as ações violentas, vociferando de forma aprovadora ou não conforme
a cena, reagindo furiosamente quando palavra e ação se tornavam demasiadamente
lentas ou monótonas.
Os primeiros dramaturgos tinham como modelo as tragédias de Sêneca, bem mais
ao gosto popular por sua extravagância de sangue e violência, do que as tragédias
gregas.
Dessa fase poucas peças chegaram até nós, pois como eram escritas com o objetivo
primeiro de serem encenadas, muitas delas não chegavam a ganhar impressão.
Ao abandonarem os temas clássicos, os dramaturgos elisabetanos foram prestando
menos atenção à regra das três unidades. Afinal, a dramaturgia elisabetana era muito
grande para se limitar a um período solar ou a um único cenário.
O amor elisabetano pela ação teatral era tal que, não raro, havia uma pantomima que
apresentava de forma visível acontecimentos que no texto eram apenas relatados.
Nesse período foi substituído o verso rimado pelo verso branco.
Embora a tragédia inglesa tenha evoluído muito até chegar aos expoentes do Teatro
Elisabetano, o gosto pela violência não foi perdido, bem como a liberdade, o ímpeto,
a riqueza e o vigor, a extravagância, tudo condensado numa variedade inigualável e
num clímax emocional vivíssimo.

Marlowe

Christopher Marlowe é considerado como um símbolo do Teatro Elisabetano: nin-


guém antes dele conseguiu exprimir os impulsos românticos de sua época de forma
mais direta e singular. Os críticos do período diziam que suas peças possuíam “explo-
sões feitas de ar e de fogo” e uma “fantástica loucura”.
De temperamento apaixonado, ainda universitário, Marlowe já se metia na política e
na intriga da sociedade elisabetana. Ao estrear no teatro o público pode presenciar
uma qualidade inédita. Suas tragédias de paixão e ambição subiam aos céus como
chamas. Nenhum autor invocara tão bem o mundo, a carne, o demônio, ou emprega-
ra versos tão vigorosos e, no entanto, tão cadenciados, tão radiantes. Continha emo-
ção e magia. Em vida, foi considerado o melhor dramaturgo elisabetano.
Marlowe escreveu apenas quatro peças, sendo a principal A Trágica História do Dr.
Fausto, porque foi assassinado prematuramente, aos 29 anos, em uma briga de taber-
na. Talvez, se vivesse mais tempo, seu talento amadurecesse o suficiente para torná-lo
o maior dramaturgo de todos os tempos, mas tal o grande profeta, ele estava abrindo
o caminho para aquele que viria depois e que seria maior do que ele.

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Shakespeare

Dois meses após o nascimento de Marlowe, nascia William Shakespeare. Os primei-


ros anos de sua vida se passaram numa atmosfera de conforto e prosperidade. Rece-
beu educação elementar, um pouco de latim e um pouco de grego até o momento em
se viu obrigado a abandonar os estudos para sustentar a família: aos 18 engravidou
uma jovem e teve de se casar, deste casamento teve três filhos, um dos quais, Ham-
net, morreria em 1596.
Várias são as versões sobre o motivo que teria levado Shakespeare a Londres. O que
importa é que uma vez na capital inglesa, ele arranjou emprego na Companhia de
Lorde Chamberlain, a princípio como guardador de cavalos, depois como copista de
textos, refundidor, ator e por fim, dramaturgo.
Visto com maus olhos, por não saber grego e pouquíssimo latim, portanto, consi-
derado um inculto, segundo atestava um escritor contemporâneo, Ben Johnson,
Shakespeare soube compensar essa “deficiência” com sua experiência de vida e seu
gênio. Thomas Mann observou em um de seus ensaios que o gênio sempre possui
um resíduo de terra que lhe serve de elo com o homem e a realidade cotidiana,
impedindo-o de se perder facilmente entre as nuvens. E nenhum dramaturgo, antes
ou depois, em toda a vasta História do Teatro, conseguiu tão perfeita harmonia entre
esses dois elementos.
Para Shakespeare, a chave da vida é a afirmação da individualidade: o homem luta
contra o homem e não contra o destino. A Tragédia Shakespeariana é a tragédia da
vontade individual. Riso e lágrimas, ambição e a jovial busca do prazer. O gosto da
vida, sentido com tamanha intensidade, em uma época de pleno dinamismo.
Shakespeare viveu a inquietude de sua época, refletiu toda a polifonia metafísica,
desde o Cristianismo até o ocultismo. Ele soube utilizar para um público variado o
que havia de mais recorrente no pensamento humanista e elisabetano: o homem,
formado pelos quatro elementos, contém espíritos vegetais ao lado de sua alma
racional: seu calor vital corresponde ao fogo subterrâneo, suas veias aos rios, sua
respiração aos ventos, a explosão de suas paixões às tempestades e aos tremores
de terra. O homem é considerado um semideus, pois possui a par de seus instin-
tos a razão: se esta for fraca, ele é reduzido a um simples animal. O herói trágico
de Shakespeare é, por essência, solitário, rejeitado como bode expiatório pela
sociedade.
Shakespeare deixou escritas 13 tragédias, 14 comédias e 10 dramas históricos. Dentre
tantas peças, como Romeu e Julieta, Macbeth, Otelo, aquela que é mundialmente
considerada a sua obra-prima é Hamlet, salvo nos E.U.A., onde A Tragédia do Rei Ri-
cardo III é mais apreciada. Hamlet é considerado hoje como a primeira personagem
moderna, com o traçado psicológico mais perfeito de todo o Teatro Clássico. Sobre
ele já se escreveu mais do que sobre qualquer ser vivo, a não ser Jesus Cristo, Napo-
leão Bonaparte, Hitler e o próprio Shakespeare.

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Shakespeare não deixou escrito nenhuma teoria sobre teatro, e o pouco que sabe-
mos de sua opinião sobre os atores e a representação é por meio dessa peça:

Cuidado com os atores, pois são a breve crônica de nosso tempo; melhor ter um
mau epitáfio depois de morto do que em vida cair-lhes na língua. (ato II, cena II)
Rogo-vos que digais o texto como vos ensinei, com língua fácil; mas se encher-
des com ele a boca, à maneira de certos atores que conheço, tanto se me dará
que o pregoeiro público brade as minhas linhas. Nem gesticuleis assim, ser­ro­
tean­do o ar com a mão, mas sede moderado: pois na própria torrente, tempesta-
de e - é lícito que se diga - torvelinho da paixão, deveis conquistar e adquirir um
autocontrole que lhe imponha medida. Não sejais tampouco incaracterístico,
mas deixai que o discernimento seja o vosso guia; ajustai o gesto à palavra, a pa-
lavra ao gesto, com o cuidado específico de não ultrapassardes a natural mode-
ração: pois o exagero foge ao propósito do teatro. O objetivo deste, a princípio
e agora é servir de espelho à natureza, mostrar à virtude seus próprios traços,
à idade e corpo social a sua verdadeira forma e imagem. E aqueles de vós que
se fazem de cômicos não digam mais do que está escrito na parte deles; pois há
alguns deles que se põem a rir, para instigar certa quantidade de espectadores
obtusos a rir também, embora no ínterim algum ponto crítico da peça reclame
atenção. Isso é detestável, e revela, no bobo que assim se comporta, lamentabi-
líssima ambição. (Ato III, Cena II)

Apêndice

Shakespeare morreu em 1616. Os dramaturgos que vieram depois sofreram sob sua
sombra.
Ben Johnson, mais erudito do que Shakespeare, era inferior como autor trágico. Tal-
vez por conhecer demais os clássicos deixasse a teoria interferir na prática. Suas pe-
ças são menos humanas sem atingir nobreza.
John Ford era a busca do sensacionalismo. Em Pena que Ela Seja uma Puta mostra o
tema do incesto de forma audaciosa. A peça atinge momentos de grandeza espetacu-
lar. Falta, porém, a Ford o resíduo de terra, abundante em Shakespeare.
O Teatro não resistiu à perda de seu maior dramaturgo e, em 1642, sob as garras dos
puritanos, os teatros londrinos foram fechados.

Classicismo Francês
Embora o Barroco tenha se espalhado por toda a Europa nos séculos XVI, XVII e início
do XVIII, ele não pode ser considerado como o estilo de uma época: ele coexiste com
estilos renascentistas e classicistas, o que faz com que alguns historiadores conside-
rem os três movimentos como parte do Renascimento. O que importa considerarmos
é que se o Renascimento é resultado de um pensamento contrário às ideologias da

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Idade Média e o Barroco, por sua vez, reage contra à ideologia do Renascimento, o
Classicismo é contraditório apenas quanto à estética barroca: ele não nasce de um
pensamento filosófico, mas tão somente como uma reação ao “mau gosto” da arte
barroca.

Classicismo Francês
Na França, a vigência das ideias estéticas do Barroco foi muito menor do que em ou-
tros países europeus. Para isso contribuiu a atitude de Classicismo Oficial adotada
pela Monarquia e, principalmente, por Luís XIV, cujo longo reinado (1643/1715) foi
assinalado pela recusa de tudo o que havia de fantasioso e irreal na estética barroca.
O racionalismo impôs-se nas altas esferas da corte.
Luís XIV percebeu o poder da arte para impressionar e dominar. Em seu programa po-
lítico, a exibição e o explendor da realeza foram deliberadamente usados para mos-
trar seu poder e aumentar a ascendência sobre a mente de seus súditos.
O Classicismo se caracteriza pelo domínio da razão sobre a emoção. Não se deve
confundir, porém, no caso do teatro, autor e personagem: no caso da Fedra, a perso-
nagem título é totalmente dominada por sua paixão, mas o estilo de Racine perma-
nece sóbrio e racional por toda a peça, é o autor que não se pode deixar dominar
pela emoção. Esta apaga-se em favor da ordem e do sistema, buscando seus modelos,
novamente, onde a organização social alcançou maior efetividade: Roma e Grécia.
O Classicismo se atém ferreamente às regras Aristotélicas, às unidades de ação, tem-
po e espaço e a uma preciosidade sonora, por meio de rimas riquíssimas em versos
tão perfeitos metricamente que futuramente acabarão redundando em um preciosis-
mo, arduamente ridicularizado por Moliére.
Em 1635, o Cardeal Richelieu cria a Academia Francesa e, em 1648, Mazarin funda a
Academia de Belas Artes. No entanto, a arte submete-se com dificuldade ao acade-
micismo, que tende a sufocar a originalidade e a vitalidade, apesar de permitir uma
organização melhor da vida artística.

Teatro Clássico Francês

O desenvolvimento do teatro na França processou-se a partir do momento em que


houve a união de todas as regiões do país sob o poder régio. Com o enfraquecimento
dos senhores feudais, a sociedade agrupou-se toda em torno do rei, aprazendo-se em
enxugá-lo após o banho ou assisti-lo a fazer a sua higiene íntima. Luís XIV, de instru-
ção rudimentar, na necessidade de divertir esses cortesãos irriquietos, transformou
a corte num perpétuo salão de festas, acabando por se tornar um grande mecenas.
A sociedade francesa, rigidamente hierarquizada, identificou-se com a organização
estilística do Classicismo, que acima de tudo, como já dissemos, preza a ordem, as
leis, as regras estabelecidas.

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Os espetáculos eram apresentados nos salões das cortes. Não havia móveis fixos para
a plateia e horas antes da apresentação criados traziam cadeiras, poltronas, sofás e
até mesas para o público se sentar. Aos poucos, o salão ficava repleto de gente que
passava para um lado e outro, cumprimentando conhecidos, comentando as novida-
des ou discutindo acontecimentos políticos. Em dado instante, um toque de clarim
ou três bastonadas no chão acalmava o burburinho reinante anunciando o início da
representação. Com o tempo, esse sinal foi substituído por uma abertura instrumen-
tal, a qual, em regra, objetivava pedir silêncio à assistência. A novidade nesse teatro
é que pela primeira vez em um recinto teatral, os papéis femininos foram represen-
tados por mulheres.
Os atores imperavam no palco e se agradavam tornavam-se logo ídolos da multidão,
caso contrário, passavam a ser alvo de frutas e legumes vendidos no próprio local.
Essa reação, bastante habitual desde o Teatro Grego, não significava que o público
francês fosse igual ao do resto da Europa. Na verdade, era um público erudito, apre-
ciador dos conceitos estéticos classicistas. Se os atores eram agraciados ou agredidos
não era, como no Teatro Elisabetano, porque o espetáculo se tornara monótono, mas
porque o ator não estava fazendo jus à grandeza do poeta.

Os Três Grandes do Classicismo Francês


Quando o Classicismo se estabeleceu no teatro francês, Shakespeare perdeu seu
prestígio na França. Suas peças foram rejeitadas por não respeitarem as regras aristo-
télicas e sua linguagem foi considerada baixa. A princípio, o autor inglês continuou
a ser montado na França com algumas pequenas adaptações que pudessem tornar a
sua obra mais de acordo com o modelo classicista, tais como a subtração das cenas
cômicas das tragédias, que violentavam a unidade de ação, porém, com o surgimento
de Pierre Corneille, Jean Baptiste Poquelin (Moliére) e Jean Racine, Shakespeare foi
banido dos palcos franceses.
Corneille possuía um espírito heróico e independente, o que fazia com que seu tea­
tro não se encaixasse perfeitamente nas estruturas formais rígidas impostas pelo
Classicismo. Corneille não desrespeitava as regras, o resultado disso é que vemos em
sua tragédia El Cid acontecimentos que seriam impossíveis de se realizarem em único
dia ou em um único cenário, espremidos dentro dos conceitos aristotélicos. Nem por
isso Corneille deixava de ter o aplauso público, dada a beleza de seus versos, dispos-
tos na estrutura lógica e coerente do texto herdado dos gregos.
Racine era de um temperamento dramático e perturbado. Se as personagens de Cor-
neille são vítimas do dever, as de Racine o são de seus sentimentos. O conflito se
estabelece em ambos na luta entre a razão e a emoção, os resultados é que irão va-
riar: Racine considera a vontade humana fraca e joguete das paixões, a falha trágica
de suas personagens está no domínio da emoção irracional sobre a razão. Enquanto
Corneille celebrava a força do homem, Racine dramatizava sua fraqueza. Corneille
não se identificava como cortesão e acima de tudo suas peças contêm um caráter

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moralista. Racine, pelo contrário, embora não fizesse vistas grossas à pobreza das
classes inferiores, era um amante da corte e dos jogos de salão e suas obras não con-
têm qualquer pretensão social. Outra diferença marcante entre Corneille e Racine
está no fato de que Racine se adaptou perfeitamente às restrições do Classicismo.
Sobre qual dos dois foi melhor tragediógrafo as opiniões se dividem, mas uma coisa
é unânime: Racine foi um homem de seu tempo, enquanto que Corneille poderia ter
sido muito melhor se tivesse feito sua obra em uma época em que as regras estéticas
não lhe tolhessem a genialidade.
Mas nem Racine nem Corneille será o principal dramaturgo do Classicismo na França.
Moliére é, sem dúvida, a principal expressão do teatro francês. Sua obra criticou os
abusos da época satirizando os indivíduos. Acarretou sobre si os louvores de uns e o
ódio de outros, mas especialmente a simpatia de Luís XIV, seu eterno protetor.
Moliére foi mais que um autor de teatro: foi ator, diretor e empresário, responsável
pelo lançamento de Racine ao representar a tragédia Thebaide, só rompendo rela-
ções com o tragediógrafo quando este cedeu uma peça à companhia concorrente.
Comenta-se que o sonho de Moliére era o de escrever tragédias, mas o gosto de Luís
XIV pelo seu talento cômico o impedia de realizar este projeto. De qualquer forma, a
pior peça de Moliére é justamente a sua única tragédia, Psyché. No mais, foi um co-
mediógrafo perfeito, não limitando-se a um único tipo de comédia: escreveu farsas,
comédias de costumes, comédias ballet, aproveitou-se da Comédia Dell’Arte, conse-
guiu fazer rir sem baixar o nível de sua poesia.
A obra de Moliére possui a marca das provações que o amadureceram, tornando-o
atento à simples verdade do coração humano. Assim, o enredo mais convencional
carrega-se de substância psicológica a partir da experiência vivida. É difícil encontrar
em sua obra uma piada, um jogo cênico que tenha sido lançado ali gratuitamente. Ele
aprofundou-se no estudo do meio, destacando as reações da disciplina social sobre a
natureza. Nenhum seguimento social escapou à sua crítica: comerciantes, nobres, reli-
giosos, falsos moralistas viam-se o tempo todo denunciados em suas comédias.
Como não podia deixar de convir a um homem de teatro como ele, sua própria morte
foi uma obra de arte: durante a representação da comédia O Doente Imaginário de sua
autoria, Moliére desfaleceu no palco, morrendo pouco tempo depois em sua casa. Mes-
mo após sua morte seus inimigos não cessaram de atacá-lo, não querendo conceder-lhe
o direito de ser sepultado em solo cristão, acusando-o de heresia e apresentando como
prova a peça O Tartufo, em que Moliére na verdade faz exatamente o contrário, ou seja,
denuncia um falso devoto que tenta seduzir a mulher do homem que lhe deu guarida.
Como ator, Moliére também alcançou sucesso: era um tipo engraçado com pernas longas,
tronco curto, olhos arregalados, gestos ligeiros e um poder de sugestão profundo.
Depois de Moliére, destacou-se na cena francesa a obra de François Marrie Arouet,
cognominado Voltaire, que criou uma nova forma cômica a partir das peças de Racine
e consistia em fazer comédia por meio da paródia de tragédias.

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Pierre Carlet de Chamblain de Marivaux foi o principal dramaturgo francês do século


XVIII, autor de numerosas comédias. O termo marivaudage deve-se à linguagem iro-
nicamente maliciosa, característica dos dialogos de Marivaux.
Com a Revolução Francesa, o Classicismo não respondia mais aos anseios da nova
classe dominante, a qual exigia uma espécie de arte que viesse de encontro com a
sua realidade: o Romantismo.

Romantismo

Pré-romantismo e Romantismo

Por volta de 1770, surge na Alemanha um movimento denominado Sturm Und Drang
(Tempestade e Ímpeto), nome que batizou o Pré-Romantismo Alemão, tirado de uma
peça escrita por Maximilian von Klinger.
O Sturm Und Drang foi considerada a primeira corrente ampla romântica da Europa.
Para os adeptos do movimento a arte representava uma necessidade interior do ar-
tista e, por esse motivo, deveria obedecer apenas as leis do impulso, livre de regras
impostas e rígidas.
O modelo estético do movimento era a obra de Shakespeare. Combatendo as regras
clássicas herdadas do teatro francês, achando que os valores da antiguidade não po-
deriam sobreviver em uma sociedade totalmente diversa da greco-romana, o roman-
tismo foi o responsável pela recuperação do teatro do dramaturgo inglês.
A revolta dos pré-românticos contra a literatura tradicional ligava-se basicamente em
protestar contra o Absolutismo, um sistema político que concentra o poder nas mãos
de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. A História está repleta de tiranos e di-
tadores, mas a ideia de Absolutismo tornou-se proeminente na Europa, durante os
séculos XVI, XVII e XVIII, quando monarcas estavam lutando para arrancar o poder
de grupos, tais como a Igreja e senhores feudais, para criar o estado nacional. O mais
famoso absolutista foi Luís XIV da França, por ter declarado que ele próprio era o es-
tado: “L’etat, c’est moi”.
As ideias centrais do Pré-Romantismo eram de que os conflitos entre o indivíduo e a
sociedade, em vez de serem analisados como um fenômeno histórico, deveriam ser
julgados inevitáveis, fatais. Assim, em vez de lutarem em favor de uma ordem mais
justa, passam a exaltar a emancipação anárquica do indivíduo. Este choque perma-
nente entre sociedade e indivíduo foi um tema típico do Pré-Romantismo, tornando-
-se o motivo central do Weltschermz (dor do mundo), dando início ao pensamento
niilista, uma perda total da fé e de quaisquer coisas, pregando que a sociedade só
poderia ser consertada por meio de sua completa destruição.
Outras marcas deste momento dramático são os heróis rebeldes, a luta contra o Ab-
solutismo, contra a Igreja e pela liberdade política. Friedrich Schiller escreve em 1781,

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Os Bandoleiros, em que é glorificada a imagem do criminoso nobre, o subversivo que


lidera um grupo de bandidos que, na verdade, são guerrilheiros lutando contra as
normas da sociedade.
Neste mesmo período surge um movimento denominado Neoclassicismo que ob-
jetiva opor-se ao Pré-Romantismo. Não se trata de uma volta aos conceitos clássi-
cos, mas apenas uma tentativa de disciplinar a fúria desperta pelo Sturm Und Drang.
Este movimento era encabeçado por Goethe e Schiller, os dois principais nomes do
Pré-Romantismo. Em outras palavras, o Neoclassicismo foi a entrada do Sturm Und
Drang na maturidade. Os estilos se misturam, se interpenetram e é difícil saber onde
um começa e onde o outro termina.
Nessa época, surge o pensamento idealista que vai tornar a Alemanha no início do
século XIX o centro universal do pensamento por meio de Kant, Hegel, Schelling e
outros. A grande expressão cênica deste momento é encontrada no Teatro da Corte
de Weimar, dirigido por Johann Wolfgang Goethe.
Uma das mais gratas heranças de Goethe, além de sua obra, é a valorização do ator
perante a sociedade, o que em grande parte se deve ao trabalho por ele desenvolvi-
do na Corte de Weimar, em que o ator era exigido em todas as suas potencialidades.
Segundo o filósofo idealista alemão Hegel:

Chamam-se agora os atores de artistas e tributa-se-lhes toda a honra de uma profissão


artística; ser ator deixou de ser mácula social ou moral. E isso com toda razão; pois
esta arte exige muito talento, inteligência, perseverança, disciplina, exercício e co-
nhecimento. No seu ápice ela exige mesmo um gênio ricamente dotado.

Em oposição ao Teatro da Corte de Weimar estava o Teatro de Manhein, que manti-


nha-se próximo da selvageria do Sturm Und Drang, em que se discutia com grande se-
riedade o problema do desempenho do ator, exigindo deste uma forte identificação
com a personagem, em que a vivência e a emoção do ator tinham que ser totalmente
canalizadas para dar vida ao que estava representando. Embora preconizando de cer-
ta forma o pensamento de Stanislavaski, a escola de Manhein exigia que o ator tivesse
um estilo forte de representação. Em sua concepção, se o ator desejava convencer a
plateia, ele deveria representar em uma medida maior que o mundo real.
De modo geral, o tipo de representação deste período era o esboço de um novo esti-
lo de interpretação, mas ainda sob forte influência francesa, predominando uma mo-
vimentação ondulante e um andar extremamente convencional, quase coreografado.
Uma das características mais importantes do Romantismo é o subjetivismo. É deste
subjetivismo, da exaltação da fantasia (fantasia esta, às vezes, bizarra), do seu altismo
o qual coloca o Eu acima de tudo, que decorre o desprezo pela composição dramática
rigorosa, pela verossimilhança e pelo encadeamento lógico que se exige geralmente
da peça teatral. Os românticos já começavam a brincar com o absurdo, com o jogo da

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ilusão teatral e a sua negação, com a forma aberta, solta, elementos estes que pene-
traram na dramaturgia moderna. A visão teórica romântica se dirige contra o gênero
dramático e, particularmente, a tragédia, como atesta a seguinte declaração de Jacob
Michael Reinhold Lenz, poeta e dramaturgo alemão, autor de peças as quais precede-
ram e influenciaram o drama naturalista e expressionista:

Nossos autores devem escrever ao mesmo tempo de modo cômico e trágico, já


que a comédia não pode ser apenas ridente quando a sociedade tornar-se um
quadro sério (M.R. Lenz).

A sua experiência de fragmentação e alienação, que os românticos atribuem a uma


civilização que perdera a unidade e se dilacerava em antagonismos e especializações,
contrapunham o grande ideal de integração e síntese, que desejavam introduzir nos
gêneros literários, cuja especialização e divergência deveria ser superada pela fusão
da narração, poesia lírica e dramática. Assim, a dramaturgia romântica mostra um for-
te cunho épico-lírico. O fato é que o desejo de conciliação para superar o conflito en-
tre o mundo e o indivíduo, que era o pensamento do homem romântico, faz com que
suas ideias não se coadunem com o trágico, buscando a fantasia e criando o drama.
Outra grande moda romântica foi a Fatalidade, um estilo dramatúrgico muito utiliza-
do para mostrar o homem vivendo sob a determinação férrea de uma fatalidade que
o encaminha necessariamente para um fim sinistro, enfatizando a impossibilidade
de se fugir do destino e a impotência do homem diante da vida, vivendo tal qual um
joguete das vontades divinas.
Ao mesmo tempo que as companhias teatrais estáveis e as construções de teatros se
alastravam, a censura, manipulada por uma facção reacionária da sociedade, também
se desenvolvia, diante de um movimento tão transgressor e tão contestador quanto
foi o Romantismo.
Goethe e Schiller são os principais dramaturgos do Romantismo Alemão.
Goethe era um homem preocupado com a história do povo alemão, sua cultura e seu
folclore. Esse apego às raízes alemãs, Goethe misturou com os mitos gregos e cristãos
e com Shakespeare, compondo seus primeiros textos poéticos. Dessa época é a sua
obra-prima Fausto. Goethe desligou-se do Sturm Und Drang quando eclodiu a Revo-
lução Francesa. Sendo um aristocrata tradicional e elitista, ele não admirava os ideais
revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, considerando-os abstrações
perigosas.
Schiller foi amigo de Goethe, fortemente influenciado pela vivacidade e alegria de
viver deste. Goethe abriu novos horizontes para Schiller, homem voltado para si mes-
mo e para os livros. Por sua vez, Goethe teve em Schiller o estímulo contínuo, o
ouvido atento, as palavras exatas que lhe sugeriam soluções para sua obra. Sob a
influência de Schiller, Goethe escreveu o Fausto – 2ª parte.

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Schiller valorizava os assuntos nacionais e sua peça. Os Bandoleiros traz pela primei-
ra vez um herói alemão, mas sua obra principal será Maria Stuart. Nesta peça, Schiller
acaba com os mitos e escreve o que seria considerado o primeiro drama com gran-
diosidade trágica.
“O que pensas pertence a todos. Somente é teu o que sentes”. Esta frase, do próprio
Schiller, é, talvez, a que melhor o defina.
Outro autor importante do Romantismo na Alemanha foi Georg Buchner. Já em seu
primeiro drama, A Morte de Danton, o autor revelava o seu imenso poder intuitivo e
sua força dramática. São surpreendentes a clareza e concisão da obra, que, no entan-
to, comparada às posteriores, Leonce e Lena e Woyzeck, não possui nem a fluência
nem a segurança das outras. Leonce e Lena é uma comédia que foi comparada à mú-
sica de Mozart. Em alusões bem-humoradas, Buchner refere-se aos males sociais,
zomba do governo e escarnece da educação preconizada pela aristocracia. A lingua-
gem de Buchner mistura lirismo, sentenças de verdadeira sabedoria, frases comuns
e absurdos disparates. Woyzeck é considerada a sua obra-prima, embora a morte
tenha impedido-o de completar a peça, que terminou de ser escrita por seu primo.
Nessa peça, Buchner encontrou um estilo personalíssimo, considerada incomparável
a qualquer obra anterior do teatro alemão e que teve influência decisiva sobre todas
as posteriores. Buchner escreveu apenas essas três peças, tendo sua carreira cortada
por uma febre tifóide aos 23 anos quando ele estava se preparando para assumir um
cargo na Universidade de Zurique.
O vigoroso Romantismo Inglês não obeteve igual êxito no teatro. Lord Byron, desta-
cado poeta do movimento na Inglaterra, escreveu algumas peças em que a ação se
arrasta monotonamente.
O Romantismo Italiano se caracteriza pelo seu forte caráter nacionalista, podendo-se
destacar os nome de Vitório Alfierie e Gabrielle D’Annunzio.
Na França, o Romantismo tem certa demora a ganhar os palcos. Estabeleceu-se somen-
te no século XIX, com Victor Hugo (1802-1885) por meio de seu manifesto definitivo
do teatro romântico, no prefácio à sua peça histórica Cromwell, em que foram esta-
belecidas as linhas básicas do movimento na França. O triunfo do drama romântico
nos palcos franceses deu a Victor Hugo as honras de teórico do movimento.
Com Alexandre Dumas – pai –, famoso por romances de capa e espada (Os Três Mos-
queteiros, O Conde de Monte Cristo, O Homem da Máscara de Ferro), o drama român-
tico deixou-se influenciar pelo melodrama e retomou contato com o drama burguês
do século anterior. O drama de Dumas – pai – é romântico apenas no que diz respeito
ao fantasioso, ao domínio da emoção sobre a razão. Edmund Rostand será melhor
dramaturgo, porém terá um fato a concorrer-lhe contra: seus dramas cheios de amor
e sentimentalismo fazem parte de um Romantismo tardio, atrasado no tempo, peças
escritas no final do século XIX e início do século XX que já não correspondem ao
pensamento da época. Dentre as obras de Rostand, destaca-se Cyrano de Bergerac.

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Na primeira metade do século XIX, Alfred de Musset afirmou-se como o melhor dra-
maturgo do Romantismo Francês. Foi ele dentre os seus contemporâneos o que me-
lhor soube compreender e aplicar os conceitos românticos, superando as limitações
do Romantismo, a cujos ideais pertencia de corpo e alma.

O Melodrama
O Drama por sua pretensão às ideias elevadas pelo seu fundo pretensamente
filosófico, pela sua linguagem versificada, pelo tom enfático de seus diálogos, era
considerado o gênero nobre dos séculos XVIII e XIX. Ao lado dele, seu “primo po-
bre” se desenvolvia, o Melodrama. Enquanto o primeiro estava destinado às elites, o
segundo destinava-se ao público maior e menos exigente. Ambos os gêneros, porém,
tinham em comum predileção pelos enredos supostamente históricos, pelos lugares
distantes no tempo e no espaço.
O Melodrama carregava dentro de si todos os ingredientes que hoje nos são familia-
res: tramas simples com a indisfarçável pretensão de fazer o público chorar. Seria este
feitio popular que levaria o Melodrama a dar o primeiro passo em direção ao Realis-
mo. Como já vimos anteriormente, todos os gêneros populares são mais facilmente
influenciáveis. O Melodrama captou no ar a tendência realista que se insinuava quan-
do um espectador reclamava uma maior verossimilhança entre ele e a personagem
que estava assistindo.
A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, é considerada a primeira peça rea­
lista. Mas o que essa peça tem de realista? O Melodrama pretendeu tornar-se Rea-
lismo por meio dessa peça. Para isso, abandonou os temas históricos e os lugares
distantes no tempo e no espaço, utilizou os figurinos de sua atualidade, substituiu os
painéis pintados por móveis de verdade e tudo o que havia de artificialidade quanto
à parte visual do espetáculo, mas a vida de suas personagens continuava idealizada,
os jovens continuavam morrendo de amor e a fatalidade continuava a perseguir os
protagonistas. A interpretação dos atores ainda era romântica, baseada nos princípios
do homem maior do que a realidade.
A esse estilo, intermediário entre o Romantismo e o Realismo, convencionou-se cha-
mar Drama de Casaca, ou seja, romântico no conteúdo e na interpretação e realista
no visual, na roupa de que o espetáculo se vestia.
Contra esse “Realismo” é que o Naturalismo vai insurgir-se, exigindo que não só os
figurinos e os cenários fossem reais, mas que as personagens e a interpretação tam-
bém o fossem. O fracasso do Naturalismo está em querer a cópia absoluta da rea-
lidade no palco, negando que o teatro no fim das contas é um meio de expressão
artística. O exagero chegou a tal ponto que em uma apresentação de Srta Júlia, de
August Strindberg, a cabeça de um passarinho era arrancada de verdade, sem qual-
quer truque. A interpretação era monótona e quase ninguém ouvia o que os atores
diziam, em contrapartida aos urros característicos do Romantismo, mas nem por todo

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esse excesso de verdade o drama de muitos dos naturalistas deixa de ser romântico.
O Naturalismo foi um estilo que não sobreviveu aos bons dramaturgos que lançou. O
austríaco August Strindberg permanece na galeria dos grandes nomes da dramatur-
gia mundial, mas não pelos ideais naturalistas, que ele mesmo acabou por abandonar,
mas pela qualidade de suas peças.
Haveria de vir alguém para desfazer a confusão e codificar o verdadeiro Realismo: Stanis-
lavski. No final do século XIX, prenunciavam-se grandes modificações na Rússia.
Greves nos centros industriais eram apoiadas pelos estudantes das universidades por
meio de ruidosas manifestações, e, paralelamente, um movimento de oposição pres-
sionava o governo pedindo reformas na arcaica estrutura social russa.
Tentando contornar a crise que se avolumava, o governo russo anunciou, a 12 de
dezembro de 1904, a concessão de liberdade de imprensa, independência do poder
judiciário e tolerância religiosa.
Não foi o suficiente e logo reivindicações sindicais foram feitas e na manhã de 9 de
janeiro de 1905 trabalhadores marcharam em direção ao Palácio de Inverno com o
intuito de apresentar as exigências do operariado.
Na frente do Palácio, onde se reunira uma multidão de simpatizantes e curiosos, as
autoridades militares resolveram dispersar os manifestantes a bala. O resultado foi
um terrível massacre e em pouco tempo muitos mortos e feridos jaziam sobre a neve.
Os acontecimentos de 9 de janeiro conhecidos desde então como “o domingo de
sangue”, abreviaram a revolução. Manifestações de rua nas principais cidades foram
acompanhadas por greves nos meios de comunicação e alguns levantes surgiram nas
províncias.
A repressão do governo foi violenta e numerosas sentenças de morte foram executadas.
Neste mesmo ano, porém, foi convocada uma assembleia na qual estariam represen-
tadas as mais diversas tendências políticas. O czarismo cedia, assim, no século XX, ao
regime constitucional e parlamentar que outros governos europeus haviam adotado
no século XIX.
Foi dentro deste clima que o Teatro Russo saiu da sombra dos teatros francês e ale-
mão (teatros estes, até então, sempre voltados para atender aos anseios das classes
dominantes) e desenvolveu um teatro genuinamente russo, que mostrava por um
lado uma aristocracia decadente e por outro a sede de revolução de jovens, operários
e intelectuais, em que os dois lados da moeda que são a essência de seus dois princi-
pais dramaturgos: Tchekov e Górki.
Grandes romancistas e contistas como Pushkin, Tolstoi, Turgueniev, Dostoieveski, Gogol,
que, apesar de incomparáveis no gênero épico, também escreveram algumas peças de
excelente qualidade, as quais contribuíram para formação da dramaturgia russa.
Os teatros começaram a se proliferar com muita rapidez, principalmente em São Pe-
tersburgo e Moscou.

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Em 1898 foi fundado o Teatro de Arte de Moscou por Constantin Stanislavski e Ne-
mirovitch Dantchenko, diretor, professor e teórico de teatro. Resultado de uma con-
versa de dezessete horas, em um restaurante de Moscou, o novo teatro abrigaria o
grupo de amadores de Stanislavski e os alunos de Dantchenko. A esse núcleo inicial
se juntariam atores profissionais de Moscou, São Petersburgo e das províncias.
Stanislavski deu uma unidade e um novo espírito à representação de seu país, bus-
cando um realismo que ele chamou mais tarde de Realismo Espiritual, um despoja-
mento de falsas convenções e a criação sob o palco de uma vida mais verdadeira e
emocionante.
Da experiência de Stanislavski como ator e diretor, resultou o desenvolvimento de
um sistema de trabalho que foi adotado pelos atores de sua Companhia, a princípio
com certa relutância. Essa sistematização não foi um fato isolado, foi o resultado do
interesse e da busca de muitos artistas que tentaram fazer uma revisão sobre os prin-
cípios básicos da arte de representar, não só na Rússia, mas em toda a Europa.
O problema da formação técnica dos atores constituía uma parte relevante na ques-
tão da representação. Os manuais dos séculos XVII e XVIII tinham-se tornado obso-
letos. Neles procurava-se aplicar os princípios da oratória ao trabalho de criação e
interpretação dos atores. A oposição a esse tipo de forma de atuação partiu para o
extremo oposto, em que nada do que se fazia no palco era teatral ou sequer audível.
Coube a ele, Stanislavski, sistematizar os conhecimentos intuitivos de grandes atores
que captaram no ar o que se pretendia do novo estilo, em especial os atores italianos,
Tomaso Salvini e Eleonora Duse.
É importante observar que Stanislavski não criou um método, mas codificou na forma
de um sistema os caminhos percorridos por esses dois atores, considerados geniais,
na criação de suas personagens. Informação não oficial é de que Duse haveria cedido
seu diário de trabalho para Stanislavaski estudá-lo.
Para entender seu Sistema é preciso refletir sobre a seguinte frase de Stanislavski: “A
Arte Dramática consiste em representar a vida do Espírito Humano, em público e de
forma artística”.
Ao contrário da antiga escola, Stanislavski propunha que o mais importante no tea­
tro não eram as formas exteriores, mas a vida do espírito humano, por outro lado,
contrapunha-se aos naturalistas ao pedir aos seus atores que jamais deixassem de
ter em mente que eles deviam representar de forma artística e não esquecer que o
deviam fazer em público.

Casamento Perfeito

Em 17 de outubro de 1896, Anton Pavlovitch Tchekov estreava a sua peça A Gaivota, no


Teatro Alexandre de São Petersburgo. Apesar de possuir um elenco formado por grandes
nomes da cena russa, a encenação foi um enorme fracasso. Até então, Tchekov só havia

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escrito peças curtas, na maioria farsas. Esse insucesso em sua primeira incursão por uma
peça de quatro atos o levou a se decepcionar com o teatro. Dois anos se passaram até
Stanislavski, apaixonado pela leitura do texto, procurar Tchekov disposto a convencê-lo
a lhe conceder os direitos de sua peça. Tchekov a princípio mostrou-se relutante, mas
acabou cedendo ante os argumentos de Stanislavski.
A montagem da peça marcou o verdadeiro alvorecer do Teatro de Arte de Moscou.
A obra de Tchekov ofereceu a Stanislavski todos os elementos para a nova concepção
teatral: exigia um conjunto homogêneo, no qual todos os papéis, sem exceção, deve-
riam merecer a mesma dedicação atenta, obrigando o ator a criar sua personagem da
maneira mais verdadeira possível, a fim de captar a verdade interior, aquilo que se diz
sem ser falado. O que era poesia no texto, em Tchekov passava a ser poesia no silên-
cio: a personagem que diz hoje não está chovendo não se vale de nenhuma metáfora
para dizer algo tão simples, mas quando se conhece melhor essa personagem, vemos
que nenhuma metáfora seria tão bem empregada para mostrar o que ia na alma dessa
mesma personagem: a metáfora em Tchekov é a simplicidade da fala cotidiana. Nada
de extraordinário acontece em suas peças: cada personagem é envolvida e isolada
por uma zona de silêncio. O verdadeiro drama é a inação. É o fim (ainda que tempo-
rário) das divisões protagonista, antagonista e coadjuvante: o homem, produto do
meio, não é mais considerado como bom ou mau, mas ambivalente.
Na primeira apresentação de A Gaivota em 1896, o público ficou entre a indiferença
e o escárnio. Em 1898, quando o mesmo universo estreito e mesquinho foi mostrado
por Stanislavski, foi um sucesso estrondoso. Disse Stanislavski sobre Tchekov:

Tchekov trouxe à arte do teatro aquela verdade profunda que serviu de fundamento
ao que mais tarde veio a se chamar o Método Stanislavski. Ninguém compreendeu
tão lúcida e definitivamente como ele a tragédia das trivialidades da vida, ninguém
antes dele mostrou aos homens, com tão impiedosa verdade, o retrato terrível e ver-
gonhoso de suas vidas no turvo caos da existência cotidiana da burguesia.

Outro dramaturgo que teria grande importância para o Teatro de Arte de Moscou
seria Máximo Gorki. Quando Os Pequenos Burgueses de Gorki foi editado, o sucesso
estrondoso gerou grande expectativa sobre a montagem da peça (graças, em parte, à
proibição de sua leitura em regiões do Império por ordem do Czar). O dia da estreia
da peça causou grande movimentação entre revolucionários e czaristas. Os atores do
Teatro de Arte de Moscou pediram, antes do início, à plateia que se contivesse para
que o espetáculo pudesse chegar ao final. O sucesso deste episódio marcou o início
da linha político-social no teatro russo.
Tchekov escreveu a Gorki sobre a peça Ralé:

Li sua peça Ralé. É nova, e sem dúvida, excelente. Quando eu lia, especialmente
o final, quase dancei de alegria. O tema é escuro e opressivo; talvez a plateia, não

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acostumada com essas coisas, saia do teatro e você tenha que dar adeus à sua repu-
tação de otimista.

De fato, Ralé é a mais negativa das peças de Gorki, talvez, por isso mesmo, a que mais
agradou Tchekov, essa era a grande diferença entre os dois: o pessimismo de Tchekov,
que descrevia a sociedade russa sem esperanças, e o otimismo de Gorki (em que
pese seu nome significar “amargo”) ante a expectativa da Revolução Russa. Porém,
esse otimismo faz de Gorki um autor inferior a Tchekov. Sua visão revolucionária o faz
entrar no discursivo, suas peças não perdem o tom realista, mas caem no panfletário.
Além de A Gaivota (cujo sucesso fez com que o Teatro de Arte de Moscou adotasse
uma gaivota como seu símbolo), Tchekov escreveu mais três grandes sucessos: As
Três Irmãs, O Jardim das Cerejeiras e Tio Vânia.

Conclusões

O objetivo fundamental das pesquisas de Stanislavski era o de estabelecer a total


identificação entre o ator e a personagem. Cada comportamento em cena deveria
visar à reprodução da psicologia da personagem. A ação requerida do ator identifica-
-se ao conceito de intenção, uma norma íntima de atingir determinado fim. E esse fim
era o de mostrar ao público não o ator que representa o papel e seus maneirismos
pessoais, por mais virtuosos que fossem, mas dar ao público a ilusão de ver como age,
pensa e o que sente a personagem. Para Stanislavski uma emoção sincera, porém iló-
gica era tão desprezível quanto os piores clichês. Em suma, o ator nunca poderia apa-
recer mais do que a personagem. Não queria Stanislavski com isso dizer que o ator
deveria desaparecer para dar lugar ao personagem. Ao contrário disso, o ator nunca
deveria esquecer que estava no palco, ele devia apenas pensar, agir e falar como se
fosse a personagem, emprestando a esta suas próprias emoções, dentro do que ele
chamava de circunstâncias propostas, criando situações análogas com a própria expe-
riência vivida pelo ator, porque para Stanislavski, o ator jamais poderia vivenciar no
palco um sentimento que ele não experimentara na vida real, ao mesmo tempo exigia
que esse sentimento fosse expresso de forma artística. Quando a emoção era sincera
e lógica, mas inartística, Stanislavski dizia: Cortem 95%.
Stanislavski foi o homem que soube levar o ideal realista ao máximo de perfectibili-
dade. Suas viagens pela Europa e Estados Unidos acabaram por difundir seu método
por todo o mundo.
A despeito de ter realizado experiências de tipo abstrato junto com o diretor e produ-
tor Meyerhold, um dos homens mais importantes para a revolução do teatro moder-
no, Stanislavski sempre foi um tradicionalista. Seu método de trabalho para o ator, é,
de longe, o mais completo, portanto Stanislavski foi um homem de seu tempo, tempo
em que se buscava o realismo como única verdade realmente artística e Tchekov é
seu parceiro ideal e suas peças o parâmetro perfeito para a aplicação do Método. Sua
concepção de arte não poderia ser diferente.

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Característica, porém, do século XX é a multiplicidade de estilos e os movimentos de


vanguarda, buscando por um lado o novo e por outro revalorizando certos aspectos
esquecidos da tradição teatral.
Eis aí o impasse que levou o velho mestre ao purgatório: associado ao realismo, seu
método foi considerado obsoleto e incompatível com as tendências modernas e ar-
queológicas do século XX.
O resgate do trabalho de Stanislavski surgiria do outro lado do mundo, não só pela
obra fecunda dos dramaturgos norte-americanos, mas pela criação do Actor’s Studio,
adaptando o método à realidade dos Estados Unidos.
O professor Robert Lewis iria ainda mais fundo ao defender que o método, em se
tratando de uma técnica feita para o ator e não de um estilo, poderia ser aplicado a
qualquer estilo teatral, desde Sófocles até Ionesco. Por esses motivos, a melhor dra-
maturgia realista do século XX viria dos Estados Unidos.

Simbolismo
Já no fim do século XIX, prenunciando a polifonia estilística que dominaria o século
XX, um novo movimento veio juntar-se ao Realismo: o Simbolismo.
Filho do impressionismo, o Simbolismo é o ponto de partida do Modernismo.
Enquanto o Naturalismo tentava reproduzir a vida fielmente, o Impressionismo se
perguntava “como eu vejo o objeto?”, sobrepondo a subjetividade à objetividade.
O Simbolismo é a manifestação dessa visão individual ao extremo, buscando em tudo
a evasão da realidade em favor do subjetivo. Para os simbolistas, a verdadeira arte não
deveria expressar ideias, uma vez que elas pertencem ao domínio da ciência, nem
tampouco imagens, uma vez que elas são o aspecto externo da emoção. Para eles, a
arte deveria expressar a emoção em si.
O Teatro Simbolista dá grande importância aos cenários e às cores consideradas trans-
missoras de emoções, relacionadas com a expansão da individualidade subjetiva.
Henrik Ibsen é considerado o melhor dramaturgo simbolista, embora sua obra seja muito
heterogênea: Brand é uma peça romântica escrita em versos, Casa de Bonecas é um Rea-
lismo Social, Os Espectros pertence ao reino do Simbolismo e Peer Gynt é quase Surrea-
lismo, para citar apenas algumas de suas peças dentro de uma vasta produção.
Ibsen foi um diretor de teatro que nunca teve uma palavra de simpatia para com seus
atores, escritor que nunca se fixou em um grupo literário ou político por mais de vinte e
quatro horas, um espírito incapaz de aderir a uma religião; homem arisco como nenhum
outro. Ibsen se mantinha em um impasse: se sua individualidade era um defeito ou uma
qualidade, o dever moral de mostrar aos outros a razão do próprio descontentamento,
os caminhos pelos quais ele acreditava e chegara a ver mais longe e mais profundo que
os outros, não podendo se contentar com entusiasmos superficiais.

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Na obra de Ibsen existe um lado de exigência do absoluto, de outro a insuficiência de


nossos sentimentos e afetos diante desta exigência. Para ele, ou os homens decidem
ir ao fundo das coisas ou pertencerão ao ridículo mundo da mentira: sistemas, insti-
tuições, política.
Merece destaque ainda na cena simbolista de August Strindberg que, ao abandonar
suas concepções naturalistas em defesa do Simbolismo, penetrou tanto no subjeti-
vismo da alma humana que acabou inserindo conteúdos metafísicos (espirituais) em
algumas de suas peças.
No final do século XIX e começo do século XX, mais dois autores ingleses merecem
citação: o realista Bernard Shaw e Oscar Wilde, homem de muitos estilos.

Teatro Contemporâneo
No final do século XIX, o mundo alcançava um explendor cultural e científico poucas
vezes visto em toda a História da Humanidade. Neste mesmo período, surgem Ens-
tein, Freud, Marx, Kardec, Nieztche, Stanislavski, para citar alguns nomes que revolu-
cionaram os caminhos da humanidade. A História encontra-se em um ponto em que
o homem acredita ser vencedor e que nada poderá deter a sua caminhada.
A Primeira Guerra Mundial vem pôr fim à Belle Époque.
O conflito deixa marcas profundas no Velho Mundo, dentre as quais uma incerteza e
descrença quanto aos próximos passos do homem.
O teatro refletirá essa incerteza, essa descrença, com um variado número de tendências
e estilos. Alguns dramaturgos e encenadores vão se engajar politicamente, lutando pela
criação de um teatro que situasse o homem contemporâneo no contexto histórico.
Erwin Piscator será um dos principais encenadores e teóricos dessa nova fase da His-
tória do Teatro, não por seu trabalho em si, mas pela influência decisiva que vai ter
sobre grandes nomes do teatro moderno, como Brecht, por exemplo.
O conceito do Teatro Político ficou associado ao nome de Piscator. Considerava ele
que o teatro deveria servir de veículo para a luta de classes; em sua concepção, a arte
se definiria apenas como meio e não como fim, dando maior importância ao con-
teúdo político do que ao aspecto artístico e suas obras eram proclamações com as
quais queria intervir nos acontecimentos diários politicamente. Piscator subordinava
todo o propósito artístico ao revolucionário, propagando conscientemente a luta de
classes. Acrescentando prólogos e/ou epílogos, uma ou outra alteração, alistava-se
grande parte da literatura mundial na causa proletária:

O teatro atual, como o concebo e ofereço ao público, não pode se limitar a produzir
um efeito puramente artístico, isto é, estético, explorando o sentimentalismo do es-
pectador... Nós não concebemos o teatro apenas como espelho de uma época, mas
como um meio de transformar essa época... se o drama político quer preencher seu fim
pedagógico, ele tem que tomar como ponto de partida o documento e não o indivíduo.

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No teatro político prevalece a intenção do proselitismo e, de acordo com o pensa-


mento marxista, abole-se o conceito de eternidade da arte, a qual se limita a ser uma
arma para utilização imediata na luta social. Em Piscator vamos encontrar o embrião
do Teatro Brechtiniano.

Brecht

Ao ideal Stanislavskiano de fusão do ator com a personagem, opõe-se a teoria de


Bertold Brecht: 31

Em nenhum momento o ator deve entregar-se a uma completa metamorfose, deven-


do contentar-se em mostrar a personagem, o que não implica que permaneça frio.
Apenas seus sentimentos não deverão confundir-se automaticamente com os de sua
personagem, de forma que o público, por seu turno, não os adote automaticamente.
O público deve desfrutar desse ponto a mais completa liberdade.

Mostrar a personagem e não encarná-la, eis o lema de Brecht para o ator. Estão conti-
das aí as premissas didáticas de Piscator: o teatro é um dos instrumentos da revolução.
O que importa para Brecht é isolar o gestus social, aquele ensinamento preciso que
dá a medida dialética da história. Se o ator se confunde com a personagem, mantém
a atmosfera ilusória do espetáculo, prejudicando a instauração da consciência revo-
lucionária.
Brecht elaborou a teoria do Teatro Épico em 1927, acreditando que a narrativa, agindo
por meio de argumentos e não de sugestão, aguçava o espírito crítico, criando o Dis-
tanciamento, essencial à forma épica de teatro.
Em suas peças, a sequência lógica das cenas cede lugar a uma justaposição de episó-
dios. Seu objetivo é fazer do espectador um observador crítico, despertar sua ativi-
dade, obrigá-lo a tomar decisões, mostrar que o homem é um ser que pode e deve
ser mutável.
Para alcançar seus objetivos teatrais, Brecht admitia que o método de Stanislavski fosse
utilizado, mas apenas durante os ensaios, como meio de análise e não de representa-
ção. Para ele, o método seria um primeiro estágio, já que se preocupa com os aspectos
psicológicos, enquanto o distanciamento sublinha os elementos sociais e políticos.
Mas o que Brecht não aceitava era o conceito aristotélico de catarse:

Se o espectador deve ser purgado de certos sentimentos, ele é engolido pelo espetá-
culo, no sentido de que sua atividade é gasta, usada.

Para Brecht o que importa não é aliviar o homem de suas paixões más, mas desper-
tar sua atividade enquanto ser social. Em sua concepção, a catarse torna o homem
pacífico em relação ao mundo e um homem pacífico não é capaz de mudanças.

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O efeito do distanciamento consiste, simplesmente, em quaisquer recursos cênicos


por meio dos quais o espetáculo ou o ator, possam fazer com que o público vença
sua passividade e assuma uma postura crítica do mundo através daquilo que ele está
assistindo.
As ideias de Piscator e Brecht gerarão uma outra proposta que é o Teatro Documento,
que destaca-se pela objetividade de pesquisa, pela linguagem poética e pela rigorosa
fidelidade histórica aos acontecimentos fundamentais da atualidade. Peter Weiss, au-
tor de Mahat-Sade é um de seus mais conhecidos representantes.

Pirandello

Luigi Pirandello, fortemente influenciado pelas ideias de Schopenhauer, promoveu a


convergência entre os planos da ficção e da realidade, a pluralidade do ser e o meta-
-teatro (teatro dentro do teatro):

Creio que a vida é uma peça muito triste; por que temos em nós, sem sabermos o
porquê, nem para quê, nem vinda de onde, a necessidade de nos enganarmos a
nós próprios constantemente, criando uma realidade para cada um de nós e nunca
a mesma para todos, que de tempos a tempos se nos revela como ilusória e vã... A
minha arte está cheia de amarga compaixão por todos os que a si mesmos se iludem.
Mas essa compaixão não pode deixar de ser seguida pela cruel zombaria do destino
que condena o homem à decepção.

Pirandello é o porta-voz da vida como criação de nós próprios, o inimigo dos lugares
comuns e do convencionalismo, propugnador do predomínio da inteligência sobre
os instintos. Seus principais temas são: o necessário e o vão das ilusões, as multifor-
mes aparências do que se presume ser a verdade, a ideia de que cada homem não é o
que ele supõe ser. Daí a catástrofe quando um espelho moral lhe revela subitamente
a imagem que os outros veem dele. A maior parte de suas peças se passa em um am-
biente de pequena classe média, com personagens de cujas modestas vicissitudes ele
tria conclusões de vasta significação humana.
Pirandello mostrou problemas como a angústia da existência humana, a desintegra-
ção da linguagem e a solidão, preconizando, de certa forma, o Teatro do Absurdo e o
Existencialismo.

Existencialismo
Embora não constituísse uma escola filosófica, o Existencialismo deixou marcas pro-
fundas em toda uma ala do pensamento contemporâneo.
Justificável pela atmosfera política e cultural do século XX, essa tendência encontrou
em Jean Paul Sartre e Albert Camus seus principais representantes.

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A principal peça de Camus é Calígula, a qual expressa bem seus conceitos. Para Ca-
mus o homem pode encontrar a liberdade por meio do desprezo pelo mundo, des-
prezo que refugia o homem, configurando sua independência e a expressão de sua
liberdade.
Sartre criou uma obra aberta, nunca fechando os juízos sobre sua dramaturgia. Quan-
do uma gíria existencialista se tornava cansativa, ele surpreendia com uma nova op-
ção em face da realidade.
O Homem sartreano, tal como o próprio teatro, se define pela ação. Daí ser absolu-
tamente válido assimilar-se a ética de Sartre ao conceito de teatro, concluindo que
o palco é o lugar exato para a realização de seu pensamento e de sua arte. A cada
instante, a personagem sartreana fica dividida pela necessidade da escolha e a res-
posta ao dilema se traduz sempre por um ato ou um gesto. O homem se fazendo, se
inventando em face de novas situações.
Impelido muitas vezes por situações forjadas, com o objetivo de mostrar uma con-
cepção própria do homem, o teatro de Sartre nunca deixa por isso de ser teatral.
Sartre definiu o teatro moderno como um teatro de situação:

Se é verdade que o homem é livre em uma situação dada e que se escolhe nesta e
por esta situação, então é preciso mostrar no teatro situações simples e humanas e
liberdades que se escolhem nestas e por estas situações... O que o teatro pode mos-
trar de mais emocionante é um caráter no ato de se formar, o momento da escolha,
da livre decisão que empenha uma moral e toda uma vida.

A premissa de apresentar as personagens em uma situação permite a Sartre resolver


um dos problemas capitais da dramaturgia moderna: definir a complexidade do ho-
mem atual.
A principal peça de Sartre é Entre Quatro Paredes. Sartre aproveitou-se da técnica
pirandeliana de fracionar o herói em imagens isoladas, para colocar nessa peça a sua
teoria do Ser e o Nada: o homem se faz a cada momento, mas se fixa pela imagem que
oferece aos outros, ele é na verdade essa imagem, porque a projeção exterior é o que
o marca irremediavelmente.
Sartre declarou que todo teatro popular não poderia ser senão político e que o que
importava era fixar conflitos humanos em situações históricas e mostrar que eles de-
pendem delas: Nossos temas devem ser sociais, os temas maiores do mundo no qual
vivemos.
Seu teatro pode ser sintetizado na frase: O homem é o seu ato.

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O Teatro Pobre
Jerzy Grotowsky, teórico e encenador, traz uma nova proposta – O Teatro Pobre –, que
ao invés do que diz o nome, acaba enriquecendo as possibilidades do teatro moderno.
Grotowsky diz que se o teatro quer sobreviver ao cinema e à televisão, muito mais
ricos em recursos, deve achar uma razão para sua existência.
Rejeitando a competição com a tecnologia da imagem gravada, o Teatro Pobre se
apoia no que considera a essência do teatro: a presença física do ator diante do es-
pectador, levando às últimas consequências a relação entre os dois elementos que
Stanislavski considerava os indispensáveis para que haja teatro.

Pelo emprego controlado do gesto, o ator transforma o chão em mar, uma mesa em
confessionário, um pedaço de ferro em um ser animado...

Grotowsky propõe que os atores abandonem o palco, invadam a plateia e/ou repre-
sentem entre os espectadores ignorando-os, ou os incluam na ação passivamente, ou
os incluam na ação ativamente, mas que não deixem de estar com o público.
Antonin Artaud, por sua vez, propõe um teatro interior que para ele a palavra não tem
poder de traduzir os sentimentos e os pensamentos humanos e sua comunicação se
estabelece em outro nível:

Sei muito bem que a linguagem dos gestos e das atitudes não têm capacidade de elu-
cidar um caráter, de explicar os pensamentos humanos com tanta clareza e precisão
quanto a linguagem verbal; mas quem disse que o teatro foi feito para elucidar um
caráter, para solucionar conflitos de ordem humana e psicológica?

No teatro de Artaud o texto não é totalmente abandonado, mas as palavras são


insuficientes para ele:

É preciso acreditar em um sentido da vida renovado pelo teatro, é preciso entender


que não se trata da vida que se reconhece pelos fatos visíveis, mas dessa espécie de
núcleo frágil e movediço, não definido pelas formas.

Todas essa tendências não sufocam o Realismo, que em várias partes, mas especial-
mente nos Estados Unidos, se mantém firme e forte.
Eugene O’Neill é apontado como o primeiro dramaturgo importante norte-americano. O
desenvolvimento dramático de suas peças baseia-se no naturalismo cênico, mas a grande
novidade de sua obra não está na forma, mas nos temas, na rudeza de suas personagens,
na devassa que ele faz de seus pensamentos e sentimentos mais íntimos.

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Desde o início O’Neill permeou suas obras de uma ironia trágica, seus personagens
alimentam-se de sonhos que não podem realizar: “O único sucesso está no fracasso
e qualquer homem que pense não haver mais o que perseguir está acabado”.
Tennessee Williams, a exemplo de O’Neill, mostra o mundo americano pelo lado dos
fracassados, concentrando-se nos marginais. Não obstante, durante muito tempo
seu teatro foi considerado sem conteúdo social, talvez por não demonstrar nenhuma
postura política definida.
Tennessee criou um estilo próprio: seu realismo é o Realismo Poético que “mostra a
verdade com aparência de ilusão”, suas peças voltam ao conflito clássico protagonis-
ta-antagonista, mas não no sentido da luta do bem contra o mal, mas no sentido de
que na lei do capitalismo, como na lei da selva, sobrevive o mais apto.
O mundo americano possui uma máxima de que todos têm pelo menos uma chance
e devem aproveitá-la. As personagens de Tennessee Williams são aqueles que não
tiveram nem essa chance única.
Já Arthur Miller mostra aqueles que não souberam aproveitar essa chance. Seu teatro
persegue o drama social e a tragédia moderna.
Edward Albee mostra pessoas que tiveram sua chance, souberam aproveitá-la, e nem por
isso são menos infelizes que as personagens de Tennessee Williams ou Arthur Miller.

Teatro do Absurdo
O Teatro do Absurdo nasce após a 2ª Guerra Mundial, levando a desintegração da
linguagem ao seu limite máximo, valorizando as imagens oníricas e colocando-se em
oposição a todas as formas de teatro anteriores.
A base do Teatro do Absurdo está no livro A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund
Freud. Nesse livro o Dr. Freud define que os sonhos se formam por meio de associa-
ções de imagens e palavras para liberar desejos ou emoções desagradáveis, reprimi-
das pelo mecanismo de defesa do inconsciente.
Valendo-se de uma estética próxima da linguagem onírica, o Teatro do Absurdo
afirma-se em uma perspectiva niilista do mundo, de uma negação total em relação à
existência de Deus e da perda da fé no (e do) homem. Levando a filosofia da negação
até as últimas consequências, o mundo dos cronistas do absurdo é aparentemente
ilógico, irracional e desprovido de objetivos procurando tornar o público consciente
de sua situação precária e misteriosa no universo.
Fazendo uso de recursos próximos da farsa, o romeno de nacionalidade francesa Eu-
gene Ionesco destrói a linguagem e a estruturação lógica do teatro em suas peças. O
primeiro contato com o teatro de Ionesco quando não decepciona e afasta, conquis-
ta por uma impressão que parece impor-se como óbvia: a de uma superficialidade
confinada a alguns momentos cômicos que se perdem no arbitrário. Todavia, uma

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observação mais atenta, termina dando à obra de Ionesco o realce e a importância a


que faz jus. Ionesco atenta apenas ao mundo humano, isentando dele toda e qual-
quer manifestação de ordem psicológica ou social em seu aspecto especificamente
histórico. Refere-se ao fundo último do humano, às suas verdades eternas: “Ser social
é uma coisa; ser socialista ou marxista ou fascista é outra coisa”. Para Ionesco o ho-
mem reduzido à história é o homem superficializado que vive na periferia de si mes-
mo: “Além disso, pode-se ser social a despeito de si, posto que estamos presos dentro
de um complexo histórico que, contudo, está longe de nos absorver inteiramente e
que, ao contrário, só exprime e contém a parte menos essencial de nós mesmos”. O
que Ionesco pretende é mostrar as verdades permanentes da realidade humana, o
fundo de existência, somente atingível pela intuição e pela emoção. O ideal de um
teatro puro, incondicionado historicamente e absoluto, é a perspectiva que define a
concepção de teatro de Ionesco.
Penetrante e vigoroso, o irlandês Samuel Becket tornou-se mundialmente famoso
com a peça Esperando Godot. A peça mostra o ser humano preso a um círculo vi-
cioso: girando ao redor de si mesmo, incapaz de acreditar, mas também incapaz de
renunciar à esperança. O reino de Becket é o domínio do indiferenciado, o nada
caótico e fluído, a ausência total de valores, em que os esquemas de nosso mun-
do comum são reduzidos a ecos desfigurados pela memória. Em suas peças tudo é
imutabilidade, calma, na mesma proporção em que tudo é tensão. Estamos diante
da tragédia de uma ruína intelectual, em que a única solução que resta ao homem
é falar, e falar não para expressar sentimentos ou estruturar ideias, mas apenas falar.
Para Becket, nenhuma sociedade existe realmente: o homem não tem contra o que se
revoltar, não tem por quem ser punido. A história para ele é nula, restando somente
a natureza, o estado animal, dentro de sua paisagem mais antiga: o caos.
A obra de Arthur Adamov, russo, baseia-se na convicção de que vivemos uma crise
de fé na linguagem: “As palavras de nosso vocabulário decrépito são como pessoas
muito doentes. Pode ser que algumas sobrevivam, mas outras são incuráveis”. Em sua
peça Pingue-Pongue, Adamov tenta alcançar um equilíbrio extremamente instável:
“O teatro deve mostrar simultaneamente, porém de formas bem diferenciadas, os
aspectos curáveis e incuráveis das coisas. O aspecto incurável é a inevitabilidade da
morte, o curável é o social”.
Um ato de revolta contra o mundo é o que sintetiza o teatro de Jean Genet. Sua peça
O Balcão mostra que o mundo não passa de um enorme prostíbulo.
Fernando Arrabal lançou as bases do Teatro-Pânico, que ele define como um grande
cerimonial presidido por confusão, humor, terror, acaso e euforia. Arrabal afirma que
suas obras têm horizontes mais selvagens, menos especulativos e mais espetaculares.
Longe de qualquer preocupação teórica, o material de suas peças é colhido dentro
de seus medos e pesadelos: “Eu escrevo para mim, como para me drogar. Se o público
não gosta, tanto pior”. São frequentes em suas peças os jogos de palavras, o nonsen-
se, a violência instintiva, as imagens colhidas do inconsciente: “O teatro não poderá

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tornar a ser ele próprio se não fornecer ao espectador modelos verídicos de sonhos,
em que seu apetite de crime, sua selvageria, suas quimeras, sua noção utópica de vida
e das coisas e seu próprio canibalismo transbordem para um plano que não é suposto
nem ilusório, mas interior”.

O Significado do Absurdo

O Teatro do Absurdo, embora tenha cara de movimento, não resulta da busca cons-
ciente de um programa coletivamente elaborado (como o Romantismo, por exem-
plo), mas da reação individual de um certo número de autores contra certas tendên-
cias inerentes ao movimento geral do pensamento num período de transição. Temos
de analisar este teatro por meio das peças e encontrar as tendências e os modos de
pensamento que expressam, para poder formar um panorama de seu objetivo artísti-
co. E uma vez que tenhamos formado uma ideia nítida de sua tendência geral e obje-
tivos, poderemos chegar a um julgamento perfeitamente válido sobre o ponto até o
qual essas peças terão realizado o que se propunham.
Em termos gerais, o Teatro do Absurdo encara o fato de não ser mais possível àqueles
para quem o mundo perdeu o significado central, continuar a aceitar as formas de
arte baseadas em critérios e conceitos tradicionais.
Ao expressar a trágica sensação de perda diante do desaparecimento de certezas
absolutas, o Teatro do Absurdo tenta dar ao homem consciência da realidade últi-
ma de sua condição: incutir-lhe novamente o sentido de uma existência primitiva,
que se tornou mesquinha, mecânica, complacente e privada da dignidade nascida do
consciente. Ele castiga, satiricamente, o absurdo das vidas vividas na ignorância e na
inconsciência da realidade última: o absurdo da própria condição humana. É por isso
que a comunicação entre os homens é tantas vezes mostrada em estado de desinte-
gração no Teatro do Absurdo.
Os meios pelos quais os dramaturgos do absurdo expressam sua crítica da sociedade
em desintegração são baseados na confrontação repentina da plateia com um retrato
distorcido e grotescamente intensificado de um mundo que enlouqueceu. Daí, mui-
tas vezes, as ações e palavras dos personagens parecem incompreensíveis. Desta in-
compreensibilidade nasce o cômico, a despeito de sua temática ser sombria, violenta
e amarga. Desta forma, o Teatro do Absurdo combina o riso com o terror.
O Teatro do Absurdo nega-se a apresentar soluções claras e redutíveis a lições de mo-
ral ou máximas. Muitas de suas peças têm estrutura circular, terminando exatamente
como começaram, outras progridem apenas como uma crescente intensificação da
situação inicial. Voltando à estaca zero, nenhuma conclusão é tirada.
O Teatro do Absurdo expressa a angústia e o desespero que nascem da admissão
de que o homem é cercado por áreas de escuridão impenetrável, de que não pode
nunca conhecer sua verdadeira natureza nem seu objetivo e que ninguém lhe poderá
fornecer regras de conduta pré-fabricadas.

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Outras manifestações teatrais do século XX


ZIEGFIEL FOLLIES – Nome das famosas Revistas Musicais produzidas em Nova York
por Florenz Ziegfeld (1867-1932), de 1907 até sua morte. Esses espetáculos que perma-
neceram em cartaz até 1957, ficaram famosos pela opulência dos cenários e figurinos,
pela qualidade do humor leve e espirituoso, mas, principalmente, pela beleza das
coristas. Aliás, algumas dessas coristas chegaram posteriormente ao estrelato em
Hollywood, como IRENE DUNNE e PAULLETTE GODDARD.
Unidos, sob a liderança de JEAN JACQUES LEBEL, ALLAN KAPROW e outros, as raízes
do Happening estão nos movimentos de contestação radical da primeira metade do
século XX, principalmente no Dadaísmo e no Surrealismo. A estrutura do Happening
envolve, obrigatoriamente, a participação ativa e física do espectador. As linguagens
estimulantes dependem exclusivamente da inventividade do criador, já que não há
restrições ou limites. Projeções, música, efeitos sonoros, cores, luzes, texturas, vo-
lumes, organizações do espaço, ritmos, tudo enfim, pode servir de estímulo em um
Happening. Originalmente, a meta era sacudir as estruturas superadas em que se
encontravam as artes, por demais condicionadas aos esquemas tradicionais de bi-
lheteria, repertório, galerias, marchands, etc. O primeiro passo foi permitir que na
arte ocorresse a “contaminação do casual”. No dizer de LEBEL, obtida principalmente
pela mudança de posição do espectador que passou de observador a celebrante. A
realidade celebrada, por sua vez, deixa de ser ficção para ser a realidade do próprio
espectador. O Happening pode ser visto como uma forma moderna de ritual.
PERFORMANCE – Termo usado para definir todo tipo de experimentalismo para­tea­
tral. Derivado ou influenciado pelos movimentos de vanguarda norte-americanos
dos anos 1960 e 1970 do século XX. Particularmente, os de criação coletiva e do Hap­
pe­ning. Uma Performance pode ser individual ou grupal, pode ter sua execução cen-
trada em teatro, dança ou artes plásticas. Aliás, segundo Richard Schechner(1934), foi
do “casamento entre cultura pop e artes visuais que nasceram o Happening e a arte
da Performance” (The End of Humanism, p. 24-5). Alguns aspectos que caracterizam
as Performances são: o virtuosismo individual e o consequente personalismo que
envolve a atividade, a estrutura em torno de um solo improvisado “a capela” ou com
acompanhamento e a ausência de um tema ou significado maior que atue sobre o
intelecto do espectador. Fazendo da Performance, portanto, uma manifestação es-
sencialmente sensorial.
HAPPENING – Manifestação parateatral que floresceu no TEATRO AMBIENTAL – tra-
dução da expressão em inglês Enviromental Theatre –, criada (ou pelo menos po-
pularizada) por Richard Scherchner no final dos anos 1950. O Teatro Ambiental é
uma espécie de síntese teatral do Happe­ning. No Teatro Ambiental, o espaço ou o
ambiente torna-se elemento preponderante, pelo menos enquanto área física a ser
compartilhada por atores e espectadores. Para Scherchner, o espectador é ao mesmo
tempo um scene maker (ou “fazedor de cena”) e um scene watcher (ou “observador

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de cena”). Outra característica do Teatro Ambiental é a ocorrência de ações simultâ-


neas, o que proporciona focos de atenção variados. A palavra literária, finalmente, é
considerada um elemento de linguagem cênica equi­valente a qualquer outro, por-
tanto, como qualquer outro, às vezes prescindível.
TEATRO DE GUERRILHA – Expressão criada pelo grupo norte-americano San Francisco
Mime Troupe, para definir um tipo de espetáculo político feito na rua, produzido com
muito poucos recursos, e que apanha o público de surpresa. Os temas desses espetá-
culos são: a guerra, o serviço militar, a ecologia, a emancipação feminina, etc. O grupo,
fundado em 1959, tem como lema: “o espetáculo dura até que a polícia chegue”.
BROADWAY – Parte da cidade de Nova Iorque, nas circunvizinhanças da avenida do
mesmo nome, entre as ruas 45 e 51, onde estão localizados os mais importantes te-
atros comerciais da cidade. Em decorrência, o termo passou a ser usado generica-
mente para designar um tipo de produção milionária que, a par de suas qualidades
artísticas, possui sério comprometimento comercial.
OFF-BROADWAY – Na cidade de Nova Iorque, diversos grupos e teatros situados em
torno do Greenwich Village, empenhados na produção de espetáculos que se opo-
nham em custos e estilo aos realizados na Broadway. As casas de espetáculo são geral-
mente pequenas, o repertório inclui peças estrangeiras, novos autores, remontagens,
além de uma linguagem cênica mais próxima do experimental ou, pelo menos, não
comprometida com o tradicional ou o comercial. Aos atores e técnicos que atuam
Off-Broadway, são pagos salários e cachês bem abaixo do arbitrado pelos sindicatos
para a Broadway.
A partir dos anos 1960 do século XX, devido ao sucesso de algumas produções Off-
-Broad­way, outros teatros foram sendo criados em zonas mais afastadas do foco ini-
cial. A este novo movimento, mais radical no experimentalismo e no inconformismo
com o sistema financeiro, foi dado o nome de OFF-OFF-BROADWAY.

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CAPÍTULO 2
TEATRO BRASILEIRO

Breves anotações sobre o teatro brasileiro


Teatro e catequese – Do ponto de vista estritamente histórico, pode-se dizer que o
teatro surgiu entre nós no século XVI, sob a forma de propaganda político-religiosa.
Nesse período, avulta a contribuição quase solitária do padre JOSÉ DE ANCHIETA,
autor de alguns autos que visavam à catequese dos indígenas e à manutenção das
diretrizes jesuíticas no processo colonizador português. Sátira aos adversários dos
padres, esses autos mantinham-se fiéis à tradição religiosa medieval, incluindo ainda,
para efeitos locais de encenação, diversos elementos populares associados a costu-
mes e maneiras indígenas.
Anchieta chegou ao Brasil com a Companhia de Jesus em 1553. Seu legado é um dos
momentos altos da literatura quinhentista brasileira, mostrando a cultura dos primi-
tivos habitantes da costa do Brasil, em que o trabalho missionário queria converter
ao cristianismo.
A primeira peça foi representada provavelmente no natal de 1561: Auto da pregação
universal, que recebeu esse nome pelo fato de estar escrito nas três línguas mais fa-
ladas na América Portuguesa: o Português, a Língua Brasílica (em suas variantes Tupi
e Tupinambá) e em castelhano.
No teatro de Anchieta observa-se o largo emprego da dança e da música, bem como
sermões em que busca apresentar uma reflexão sobre a vida humana, seu destino e
os frutos que traz para a alma do homem o seguimento de Cristo.
Período Colonial – Excetuadas duas peças de MANOEL BOTELHO e uma de CLÁU-
DIO MANOEL DA COSTA, obras dramaticamente nulas, o período colonial represen-
ta “um vazio de dois séculos”, como observa Sábato Magaldi. Essa situação resulta não
só da escassa documentação bibliográfica, como também das modificações sociais
pelas quais passava o Brasil.

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No decorrer do século XVIII, o teatro começa a despontar ainda muito timidamen-


te. Perdura ainda a tradição de espetáculos teatrais organizados nos conventos, nos
adros, nas próprias igrejas ou no interior dos palácios.
A Igreja Católica continua a desempenhar o papel relevante no teatro, pelo menos
até meados do século (entre 1760 e 1795, aproximadamente).
Todavia, a autoridade eclesiástica, preocupada com certos excessos, assumiu uma
atitude sempre mais rígida. A tais medidas, corresponde uma tomada de consciência
maior a respeito da importância do teatro por parte da autoridade civil. Um édito de
17/07/1777 chegava a recomendar a construção de teatros públicos, confortáveis e
permanentes, tendo em conta o grande valor educativo dos espetáculos e reconhe-
cendo sua necessidade como escola de valor, de política, de moral e fidelidade aos
soberanos.
Assim, a atividade teatral, expulsa das igrejas, encontrava seus novos e mais ade-
quados templos nas várias Casas de Ópera e Casas de Comédia, que começavam a
florescer por toda parte.
São construídos Teatros na Bahia, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Porto Alegre.
Quando se falava em Ópera, nessa altura do século, pensava-se imediatamente em
Pietro Metastasio.
A palavra Ópera, no contexto nacional, aplicava-se, se não a todas, a qualquer peça
que intercalasse trechos falados com números de canto, executando-se a parte musi-
cada conforme os recursos locais. O nível social dos atores e cantores improvisados,
distribuídos em diferentes grupos, incluía desde negros alforriados e mulatos até es-
tudantes, professores de primeiras letras, pequenos funcionários públicos, caixeiros
de loja e militares.
No final do século, observa-se o desejo de fugir ao amadorismo. Nestes três séculos
de domínio português, diríamos que o teatro brasileiro oscilou entre três sustentácu-
los: o ouro, o Governo e a Igreja Católica.
Em meados do século XIX, o teatro brasileiro começou a assumir seu definitivo cará-
ter individual.
A Comédia brasileira – Em 1838 (mesmo ano de estreia de ANTÔNIO JOSÉ OU O
POE­TA E A INQUISIÇÃO, de GONÇALVES DE MAGALHÃES) era lançado o JUIZ DE
PAZ NA ROÇA, obra de MARTINS PENNA que marca o início da comédia brasileira.
Pouco antes, Gonçalves de Magalhães havia chamado a atenção do público para o
tema da nacionalidade, fator que iria criar, embora tardiamente, condições capazes
de libertar o teatro brasileiro da influência esterilizante representada pelo cultivo de
temas e situações divorciadas da cultura nacional.
Indiretamente, Gonçalves de Magalhães teria ainda outro mérito: o de lançar, quan-
do da encenação de ANTÔNIO JOSÉ, o primeiro grande ator brasileiro, JOÃO CAE-
TANO, autor de LIÇÕES DRAMÁTICAS, documento básico para a compreensão do
teatro da época.

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Martins Penna é na verdade o fundador da comédia de costumes brasileira, veio ines-


gotável e talvez o maior fecundo de toda a sua dramaturgia. Em sua carreira (morreu
aos 33 anos de idade) ficaram 20 comédias e 6 dramas que, no dizer de Sílvio Romero,
constituem “o papel histórico da vida do país, na primeira metade do século XIX”.
Apesar disso, o teatro de Martins Penna não resiste, em termos de crítica, a uma
análise mais profunda. Embora dotado de agudo senso de carpintaria e tipificação,
e de uma linguagem realmente popular, isenta a preciosismos eruditos e pieguices
românticas, o autor mantém-se alheio à estrutura colonialista da época, perdendo-se
muitas vezes em sátiras artificiais e gracejos pouco acessíveis à plateia de hoje. As
qualidades, porém, superam os defeitos e diretores hábeis têm remontado com êxito
várias de suas peças, como O NOVIÇO.
A atmosfera da época, carregada de desejos de renovação, era muito favorável a um
teatro de argumentos nacionais. Todo esse entusiasmo pela constituição e pela li-
berdade, juntamente com o nacionalismo, ajustava-se à moda da época e espelhava
a grande corrente do Romantismo que, revisto e corrigido, aportava com algumas
décadas de atraso às margens do Império do Brasil.
Fase romântico-naturalista – O maior dos poetas românticos, GONÇALVES DIAS será
também o mais representativo dos dramaturgos da segunda metade do século XIX.
O legado teatral de Gonçalves Dias, embora inferior a tudo aquilo que nos deixou
seu gênero poético, é, do ponto de vista histórico, a mais penetrante crítica ao poder
absolutista que sobre o país mantinha a colonização portuguesa. Em suas tragédias
predominam a inspiração tipicamente romântica da luta heróica do homem leal, in-
teligente e honesto contra o destino, a fatalidade, vistos não como algo de eterno
e transcendental, segundo a opinião comum, mas somente como resultado das cir-
cunstâncias, dos preconceitos, dos egoísmos que estruturam as civilizações. LEO-
NOR DE MENDONÇA é sua obra-prima.
De importância relativa foram as incursões teatrais de alguns romancistas de talento,
como MACHADO DE ASSIS (LIÇÃO DE BOTÂNICA, NÃO CONSULTES MÉDICO, DE-
POIS DA MISSA), JOAQUIM MANOEL DE MACEDO (O PRIMO DA CALIFÓRNIA, O
CEGO, O MACACO DA VIZINHA) e JOSÉ DE ALENCAR (O DEMÔNIO FAMILIAR, AS
ASAS DE UM ANJO, O JESUÍTA).
Também os poetas, quando lançados à aventura dramática, pouco acrescentaram à
estagnação reinante: ÁLVARES DE AZEVEDO com MACÁRIO – uma espécie de sonho
fantástico, impregnado de pessimismo desolador. CASTRO ALVES (GONZAGA OU A
REVOLUÇÃO DE MINAS) e CASEMIRO DE ABREU (CAMÕES E O JAÚ).
Teatro de Costumes – Na linha da comédia de costumes traçada por Martins Pen-
na, dois nomes merecem destaque: FRANÇA JÚNIOR e ARTUR AZEVEDO. O primei-
ro, mais requintado que seu antecessor, acabou derivando para a vulgaridade que
caracterizava os espetáculos do final do século XIX. Apesar do excessivo amor ao
anedótico, quase sempre isento de qualquer valor cênico, as peças de França Júnior

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mostram certo domínio da técnica e alguma graça nos diálogos. Lembrem-se, entre
outras, MEIA-HORA DE CINISMO, TIPOS DA ATUALIDADE, CAIU O MINISTÉRIO! e
DOUTORAS. Seus tipos e suas caricaturas, suas fraquezas e suas extravagâncias, tudo
isso visto com olhos vivos, indulgentemente irônicos e nostálgicos, burgueses e con-
servadores. As personagens que povoam suas peças pertencem ao que ainda hoje
constitui o zoológico burlesco brasileiro.
Artur Azevedo foi a personalidade mais popular do teatro brasileiro da segunda me-
tade do século XIX. Fundamentalmente pessimista e amargo, como todos os verda-
deiros cômicos, soube mascarar essas qualidades na maioria de suas obras, inspira-
das numa animação desenfreadíssima, sustentada por uma encenação ágil e de fácil
efeito sobre o público.
Nas burletas (ligeiras farsas com música) A CAPITAL FEDERAL e O MAMBEMBE há mui-
ta e intrínseca teatralidade, além de um estilo dramático simples, direto e de grande
influência. Entre suas outras peças, vale lembrar O DOTE e A JOIA.
O Teatro de Revista domina a cena. Filha direta das revistas francesa e portuguesa, a
revista brasileira tinha, como tema principal, a vida na corte e, a seguir, com a chega-
da da República, a vida na Capital Federal. Era sempre uma crítica divertida sobre os
acontecimentos, personagens e locais do Rio de Janeiro. Fazia sucesso, era musical,
cheia de humor, criticava a política e os políticos, falava de personagens conhecidos
e, também, colocava no palco o nosso cotidiano, permitindo que a plateia se reco-
nhecesse por meio de tipos populares, com maior realce para a mulata e para o ma-
landro.
É curiosa a trajetória da revista neste século. Ela foi adotando uma face cada vez mais
brasileira e aumentando a qualidade dos shows, com ênfase no acabamento, no luxo
e na sensualidade.
A presença do rádio, a partir de 1922, estabelece uma perfeita correlação com a as-
censão da música popular e essa união vai desembocar também na revista, já que
cantores e compositores do rádio passaram a tomar parte em números musicais dos
espetáculos. Muitas músicas, inclusive as do carnaval, foram lançadas pelo teatro.
Surge a revista carnavalesca.
Artur Azevedo retrata fielmente a realidade do teatro nacional dessas primeiras três
décadas do século XX.
Depois de uma queda no interesse popular, a revista vai chegar ao auge com Walter
Pinto na década de 1950 para, em seguida, desaparecer como gênero de forte pre­
sença.
Subserviência e reação modernista – O começo do século XX marca talvez o período
mais crítico do teatro brasileiro. Sob influência do preciosismo vocabular de COE-
LHO NETO (O DIABO NO CORPO, A MULHER, O PEDIDO, QUEBRANTO), os auto-
res da época enveredam por caminhos que os conduzirão à verbosidade antiteatral.
Incluem-se nessa linha GOULART DE ANDRADE (RENÚNCIA, DEPOIS DA MORTE),

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JOÃO DO RIO (A BELA MADAME VARGAS, UM CHÁ DAS CINCO), ROBERTO GO-
MES (CASA FECHADA, BERENICE), PAULO GONÇALVES (AS NOIVAS, A COMÉDIA
DO CORAÇÃO) e GASTÃO TOJEIRO (ONDE CANTA O SABIÁ). Mas a época registra a
consagração de alguns atores como ITÁLIA FAUSTA, APOLÔNIA PINTO, LEOPOLDO
FRÓES, JAIME COSTA, CONCHITA DE MORAES, ABIGAIL MAIA, IRACEMA DE ALEN-
CAR, PROCÓPIO FERREIRA e DULCINA DE MORAIS.
Contra esse teatro indeciso e acadêmico investiu o movimento modernista de 1922.
A onda modernista, que agitou o campo da literatura e das artes brasileiras, negligen-
ciou o teatro e sobre ele teve repercussões insignificantes naquele momento.
A Semana de Arte Moderna de 1922 aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo e foi
um manifesto pela arte, especialmente, mas manchou também com violência os costumes
sociais e políticos. Foi o prenunciador e o criador de um estado de espírito nacional. A
transformação do mundo, com o enfraquecimento gradativo dos grandes impérios, com a
prática europeia de novos ideais políticos, a rapidez dos transportes e muitas outras causas
internacionais, bem como o desenvolvimento da consciência americana e brasileira, os
progressos internos da técnica e da educação, impunham a criação de um espírito novo e
exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da inteligência nacional.
Eugênia e Álvaro Moreyra, em 1927, fundam o TEATRO DE BRINQUEDO. Chamava-se
assim, porque os cenários imitavam caixas de brinquedos. A intenção era tornar o tea-
tro uma arte popular: “Eu sempre cismei um teatro que fizesse sorrir, mas que fizesse
pensar. Um teatro com reticências... Um teatro que se chamasse Teatro de Brinquedo
e tivesse como única literatura uma epígrafe do velho Goethe: “A humanidade divide-
-se em duas espécies: a dos bonecos que representam um papel aprendido e a dos
naturais, espécie menos numerosa de entes que nascem, vivem e movem-se segundo
Deus os criou...”. Um teatro de ambiente simples, até ingênuo, bem moderno, para
poucas pessoas cada noite. Sempre cismei uma companhia de artistas amorosos da
profissão que a não tornassem profissão...”.
Entra no cenário JORACI CAMARGO, cuja peça DEUS LHE PAGUE é considerada a
primeira tentativa de teatro social no país.
Outro inovador foi Renato Viana, realizador entre 1922 e 1944, de experiências tea-
trais de vanguarda. Tentou levar às plateias um teatro de ideias aberto aos problemas
sociais. Fazia parte de seu grupo Caverna Mágica o jovem ator, poeta e teatrólogo
Paschoal Carlos Magno.
Oswald de Andrade, um dos maiores representantes do Modernismo, era uma voz
clamando no deserto com suas experiências dadaístas e surrealistas em O HOMEM E
O CAVALO, A MORTA e O REI DA VELA. Embora a dramaturgia modernista não tenha
colaborado diretamente para a formulação das futuras diretrizes do teatro brasileiro,
suas reivindicações, sementes de toda uma nova concepção estética, tornaram pos-
sível a eclosão de movimentos que romperam de vez as amarras da tradição portu-
guesa.

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Os problemas com o café em 1929 e o golpe de estado em 1930 modificam o panora-


ma nacional. A esquerda teve a certeza da “revolução” na década de 1930 e, novamen-
te, na década de 1960. A burguesia foi mais hábil nesses dois momentos, e soube fazer
alianças com a aristocracia rural, com a igreja católica e com os militares. As alianças
das oligarquias pela sobrevivência vai ser o tema de “O Rei da Vela”. A peça escrita em
1933 e publicada em 1937, só seria encenada em 1967 com Zé Celso Martinez Corrêa.
Cônscio de que o capitalismo está nos seus estertores e que o comunismo é um mo-
vimento mundial sem retorno, Oswald analisa, com extrema visão crítica, a situação
política nacional. É uma década politicamente agitada. No teatro, tudo seria proibi-
do, até referências à guerra de que então o Brasil já participava. Com uma enorme
quantidade de temas e palavras proibidas, os grandes sucessos do teatro logo após a
decretação do Estado Novo foram peças históricas ou que apresentavam o passado
como painel de fundo, mas sem conotação crítica.
As comédias de costumes sofriam censuras mais ligadas à moral, enquanto a revista
foi sucumbindo à impossibilidade de criticar o dia a dia e os políticos.

Formação de grupos

Desde 1938, quando foi fundado o TEATRO DO ESTUDANTE DO BRASIL, os artistas


procuram formar grupos para formar recursos na produção de seus espetáculos. O
próprio fundador, PASCOAL CARLOS MAGNO, foi um dos grandes responsáveis por
essa movimentação, conduzindo durante várias décadas o movimento teatral estu-
dantil, promovendo festivais, realizando intercâmbio de grupos, facilitando e incenti-
vando a evolução profissional de numerosos artistas e encenadores. Sua contribuição
ao desenvolvimento do teatro no Brasil é inestimável e é difícil citar muitos exemplos
de tanta dedicação e desprendimento na história do teatro brasileiro.
O primeiro grupo profissional, que evoluiu de um grupo estudantil, foi OS COME-
DIANTES. Fundado em 1938 por Luísa Barreto Leite e Jorge de Castro, se propunha
um teatro mais sério, consciente, sob novo enfoque de seus elementos, longe das
regras tradicionais e que, eliminando o estrelismo do ator principal, encontrasse a
máxima unidade e homogeneidade na procura de ritmos originais.
Análogos propósitos de renovação viriam do GTE – Grupo de Teatro Experimental,
de Alfredo Mesquita em 1939, de onde virá a EAD – Escola de Arte Dramática em São
Paulo; e do Teatro de Amadores de Pernambuco, de Waldemar de Oliveira em 1941,
no Recife.
Alfredo Mesquita sentia que era necessário investir na formação técnica e cultural
dos futuros profissionais do teatro brasileiro.
Mais tarde, surgiu o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Com seu fracionamento, outros
artistas fundaram novos grupos como NÍDIA LÍCIA – SÉRGIO CARDOSO, TÔNIA – CELI
– AUTRAN, TEATRO CACILDA BECKER, TEATRO DOS SETE (com Gianni Ratto, Fer-

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nanda Montenegro, Fernando Torres e outros), TEATRO POPULAR DE ARTE, TEATRO


JOVEM, TEATRO DO RIO, TEATRO DA PRAÇA, TEATRO DUSE, TEATRO DO ADOLES-
CENTE, O TABLADO (este último liderado por Maria Clara Machado, autora das mais
significativas peças infantis brasileiras, como PLUFT O FANTASMINHA, O CAVALI-
NHO AZUL e A MENINA E O VENTO. Paralelamente, foram surgindo as organizações
de classe, como a CASA DOS ARTISTAS, fundada em 1914, e que mantém o Retiro dos
Artistas, no Rio de Janeiro.
Em 1915, funda-se o CICLO TEATRAL, e em 1916 é criada a SBAT (Sociedade Brasileira
dos Autores Teatrais). Merecem destaque também a FUNTERJ, FUNARTE, FUNARJ e o
SNT (Serviço Nacional de Teatro).
ORLANDO MIRANDA, um de seus diretores, reestruturou a política de premiação e
de auxílio à produção. Editou várias publicações e criou o PROJETO MAMBEMBÃO,
que permitiu redistribuir os espetáculos por todo o território nacional, ensejando a
descoberta e valorização da dramaturgia existente fora do eixo Rio - São Paulo.

O moderno Teatro brasileiro


VESTIDO DE NOIVA, de Nelson Rodrigues, dirigido por Ziembinski e que tem sua es-
treia no Teatro Municipal revela o Brasil como um país criador de uma cena teatral da
mais alta qualidade. O polonês revelou o simbolismo, o expressionismo, os cenários
sintéticos, a importância do som e da luz, os ritmos da dança e da mímica, as últi-
mas inovações dos teatros alemão e russo, o teatro totalmente naturalista. Tudo isso
partindo de uma concepção fundamental de direção, absolutamente nova no Brasil,
segundo a qual o espetáculo deve alcançar uma unidade na qual confluem texto,
cenografia e interpretação. A trilha aberta por Ziembinski foi ampliada por um grande
grupo de homens de teatro italianos que, após a guerra, vieram ao Brasil.
O primeiro autor significativo da “renovação” foi Nelson, e Vestido de Noiva foi a sua
revelação. Era a primeira vez que se passava das histórias normais ambientadas na
sala de visitas para a realidade dilacerante do subconsciente e da memória. A peça é
considerada como um divisor de águas em relação à moderna dramaturgia brasilei-
ra, caracterizando-se assim como as outras peças do autor, como BOCA DE OURO,
BEIJO NO ASFALTO e TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA, por uma visão individualista
e subjetiva. A partir da encenação de Vestido de Noiva, em 1943, pelo grupo OS CO-
MEDIANTES, sob direção de ZBIGNIEW ZIEMBINSKI e cenários de SANTA ROSA, o
teatro brasileiro encaminha-se, sobretudo em São Paulo, para as grandes produções.
Em 1948 é criado o TBC, reunindo elenco estável de mais de 30 atores. Esse grupo,
que encenou quase que exclusivamente peças de reconhecido valor da dramaturgia
europeia e norte-americana, conservou a tendência a um teatro realizado em moldes
europeus.

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O TBC e o Arena
Em 1956, como reação a esse teatro desvinculado da realidade brasileira, surge a expe-
riência do TEATRO DE ARENA de São Paulo que inicialmente teve de optar por textos
estrangeiros, em face da exiguidade do repertório nacional. No entanto, o tratamento
dado ao espetáculo já correspondia a uma nova preocupação: alcançar uma interpre-
tação brasileira, com atores falando sua própria língua, com todos os vícios e defeitos
eventuais da linguagem coloquial. Não mais uma linguagem declamada e purificada,
mas a mesma língua falada na rua pelo povo. Partindo de um laboratório de interpre-
tação, com atores como GIANFRANCESCO GUARNIERI, ODUVALDO VIANNA FILHO,
FLÁVIO MIGLIACCO, MILTON GONÇALVES, NELSON XAVIER, o elenco conseguiu re-
alizar um estilo que representava uma novidade nos palcos brasileiros: o ator formado
a partir de suas próprias contradições como homem, e não mergulhado cegamente na
essência da personagem, mas a grande reviravolta empreendida pelo Arena verificou-se
nos anos que se seguiram, com a montagem de textos de autores nacionais recentes,
escrevendo sobre temas brasileiros e populares, como cangaço, futebol, trabalho nas
fábricas, etc. Essa etapa, aliás, corresponde a uma época que se caracterizou por um
surto nacionalista observado em amplos setores, pela tendência e a preocupação de
valorizar tudo o que fosse nacional, sem o afã de consumir as novidades importadas
dos países mais desenvolvidos. Datam dessa época a construção de Brasília, o desen-
volvimento industrial de São Paulo e de outras regiões brasileiras e o surgimento de
correntes culturais que procuravam ligar-se com o processo brasileiro, com a BOSSA
NOVA e o CINEMA NOVO. Os autores mais importantes revelados pelo Arena nes-
sa fase são AUGUSTO BOAL (REVOLUÇÃO NA AMÉRICA DO SUL), GUARNIERI (ELES
NÃO USAM BLACK-TIE), ODUVALDO VIANNA FILHO (CHAPETUBA F.C.), FRANCIS-
CO DE ASSIS (O TESTAMENTO DO CANGACEIRO) e FLÁVIO MIGLIACCO (PINTADO
DE ALEGRE). Também nessa fase o Arena inicia sua concepção de cenografia, lidera-
da sobretudo por FLÁVIO IMPÉRIO. Essa fase serviu sobretudo para firmar uma nova
dramaturgia brasileira e desmistificar o preconceito da falta de público para o autor
nacional: quase todas as encenações foram sucesso de bilheteria. Na fase seguinte, o
Arena iniciou a interpretação de textos clássicos. Espetáculos como A MANDRÁGORA,
de Maquiavel, O MELHOR JUIZ, O REI, de Lope de Vega, O TARTUFO, de Moliére, O
INSPETOR GERAL, de Gogol, foram levados ao povo em conchas acústicas, adros das
igrejas e associações de bairros. Os musicais, outra atividade importante do grupo inti-
tulados BOSSARENA, foram TEMPO DE GUERRA, UM AMERICANO EM BRASÍLIA, ARE-
NA CONTA CASTRO ALVES e ARENA CONTA ZUMBI. Este último, de Boal e Guarnieri
com músicas de Edu Lobo, constituiu uma importante proposta teatral no sentido da
evolução estética do teatro. O texto foi armado de forma que a história de Zumbi dos
Palmares fosse contada a partir da própria perspectiva do Arena, e de tal maneira aberto
que pudesse incorporar as respostas que o espetáculo estimulasse nos espectadores.
A fase mais recente do Arena começou com a peça ARENA CONTA TIRADENTES, den-
tro do “sistema de coringa”, proposto como uma forma permanente de fazer teatro.

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Tratava-se de apresentar dentro do próprio espetáculo a peça e sua análise, desenvol-


vendo-o em dois níveis diferentes: o da fábula, com todos os recursos teatrais, e o da
conferência, com o “coringa” como intérprete e explicador do texto.

Oficina e Opinião
Fundado em 1961, em uma linha de teatro tradicional voltada para os grandes textos
estrangeiros, o Grupo Oficina foi responsável por algumas das montagens mais im-
portantes do teatro brasileiro moderno. A história do Oficina pode ser dividida em
três fases: a fase inicial, fiel à linha tradicional, de quando datam as montagens de
ANDORRA, de Mark Frish, OS PEQUENOS BURGUESES, de Górki, e de outras peças
em que se procurou incorporar uma linguagem tradicional e importada dos grandes
centros culturais. Data também dessa época o início da solidificação da imagem do
grupo perante o público, firmando uma qualidade de espetáculo impecável. O espe-
táculo de maior sucesso nessa fase foi OS PEQUENOS BURGUESES, com cenários de
ANÍSIO MEDEIROS e destaque para o desempenho de EUGÊNIO KUSNET, como o
velho Bessemenov, e RAUL CORTEZ como bêbado. A segunda fase do Oficina inicia-
-se depois de um período de reflexão do grupo, obrigado a parar temporariamente
em razão do incêndio que destruiu sua casa de espetáculos em São Paulo. A primeira
montagem dessa nova etapa data de agosto de 1967, com O REI DA VELA, de Oswald
de Andrade e, como todos os grandes espetáculos do grupo, dirigida por JOSÉ CEL-
SO MARTINEZ CORRÊA. Agora a linguagem é mais pessoal e mais brasileira, vindo
ao encontro de uma expectativa do público que lota o teatro: a tentativa de decifrar
o enigma político brasileiro. Veio depois RODA VIVA, de CHICO BUARQUE DE HO-
LANDA, com uma montagem sensual e agressiva. Com GALILEU GALILEI, de Bertolt
Brecht, o grupo reconquista seu prestígio perante o público e obtém mais um grande
sucesso de bilheteria. A última fase do Oficina inicia-se em 1971. No ano anterior, o
grupo esteve à beira da dissolução. Grande parte do elenco original resolve procurar
outros caminhos, permanecendo na liderança Zé Celso e Renato Borghi. Essa fase ini-
cia-se com a remontagem de Os Pequenos Burgueses, o Rei da Vela e Galileu Galilei,
mas todos esses espetáculos, embora mantenham a concepção cênica de Zé Celso,
não dispuseram de necessário amadurecimento artesanal. Após uma excursão pelo
interior, o grupo lança seu último espetáculo, uma criação coletiva intitulada GRA-
CIAS SEÑOR na qual se pretendeu colocar em cheque o próprio teatro, a relação com
o espectador, os problemas da repressão individual e coletiva e a necessidade de uma
atitude pela qual o homem se liberte da opressão e volte a desejar sua transformação.
Com a ajuda do Teatro de Arena de São Paulo, é fundado o TEATRO OPINIÃO. O local
transforma-se em um centro de resistência a partir do sucesso de seus dois primeiros
espetáculos. A experiência do GRUPO OPINIÃO seguiu caminho bastante diverso,
mantendo-se no terreno da sátira política com tratamento de show musical. O pri-
meiro espetáculo, que deu o nome ao grupo, foi idealizado por quatro autores: AU-

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GUSTO BOAL, ODUVALDO VIANNA FILHO, ARMANDO COSTA e PAULO PONTES.


Reunia três cantores, ZÉ KÉTI, JOÃO DO VALE, ambos também compositores de músi-
ca popular, e NARA LEÃO, interpretando sambas de morro e cantigas nordestinas, em
meio a anedotas e caricaturas, compondo um quadro geral de denúncia das injustiças
sociais. Seguiu-se LIBERDADE, LIBERDADE, com texto de MILLÔR FERNANDES.
Nos anos de 1950 e 1960 o Brasil, que começou a andar a par com a dramaturgia mun-
dial a partir do TBC, vê o exemplo do grupo de Franco Zampari estender-se às demais
produções. Paralelamente, a dramaturgia brasileira atinge um de seus momentos
mais fecundos. Além dos autores já citados, nomes como JORGE ANDRADE, DIAS
GOMES e ARIANO SUASSUNA compõem uma pluralidade de tendências e estilos.
UM GRITO PARADO NO AR, de Guarnieri, é a tradução cênica do movimento de re-
sistência. A peça afirma que, apesar de tudo, a atividade teatral não vai parar, o Teatro
sobreviverá, prosseguiremos montando peças.
A evolução do teatro, por meio de sua história, parece confundir-se com uma sucessão
de crises por meio das quais a arte cênica busca o estímulo e o impulso para empre-
ender a sua renovação. No caso do Teatro Brasileiro passa-se o mesmo, mas é preciso
notar a existência de algumas deficiências estruturais que o vem impedindo de evoluir,
se não no mesmo compasso dos países mais desenvolvidos, pelo menos com o vigor
que seria de esperar, dadas as condições preexistentes. Essas deficiências são de ordem
institucional, principalmente a falta de uma política de apoio oficial, coerente com uma
política cultural, e profissional, falta de casas de espetáculo, estreiteza da mentalida-
de empresarial, insuficiente oferta de atores, tudo isso contribuindo para uma taxa de
crescimento do público bastante fraca, devida também ao apelo dos outros meios de
comunicação, sobretudo da televisão. Além disso, há uma divisão no teatro brasileiro,
que coloca em campos separados um teatro vivo, experimental e aberto, para o qual
existe um público jovem e universitário, e um teatro tradicional, idêntico ao que se fazia
no Brasil quando foi criado o TBC, e que conta com um público tradicional interessa-
do pelo teatro como forma de evasão ou mero divertimento. A década de 1970 veio
confirmar a tendência de as realizações mais válidas ficarem sempre a cargo da van-
guarda, cujas vantagens reúnem o que há de melhor em termos de diretores, atores e
cenógrafos. Nessa linha, além das experiências já citadas de Zé Celso, convém mencio-
nar o trabalho de PAULO AFONSO GRISOLLI (ONDE CANTA O SABIÁ), VITOR GARCIA
(O BALCÃO e CEMITÉRIOS DE AUTOMÓVEIS), AMIR HADDAD (DEPOIS DO CORPO e
TANGO), IVAN DE ALBUQUERQUE (O ARQUITETO E O IMPERADOR DA ASSÍRIA), FLÁ-
VIO IMPÉRIO (OS FUZIS), CELSO NUNES (O INTERROGATÓRIO, PATÉTICA), ANTUNES
FILHO (MACUNAÍMA).
Todas essas montagens, embora em linhas de direção diferentes, trouxeram uma sa-
lutar renovação de enfoque que permitiu uma modificação gradual na ótica geral da
miseen-scéne brasileira. Na dramaturgia, ANTÔNIO BIVAR, JOSÉ VICENTE, ROBERTO
ATAÍDE, LEILAH ASSUNÇÃO, CÉSAR VIEIRA, JOÃO RIBEIRO CHAVES NETO e PLÍNIO
MARCOS, que leva para o palco a realidade brutal das ínfimas classes sociais das fa-

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velas do Rio e de São Paulo, das docas do porto de Santos. Seu mundo é um mundo
sujo, não resgatado pela menor luz de humanidade, no qual se debatem personagens
sórdidas que lutam exclusivamente por dinheiro em meio às mais torpes corrupções,
mundo que não oferece nenhum vislumbre de redenção. Retrata a outra face do mito
do Brasil país feliz: um inferno de lágrimas e sangue, sem esperança.
O elemento mais dinâmico da vanguarda parece localizar-se nos grupos semiamado-
res, cuja solução formal procura fundir a experiência do teatro popular com as diver-
sas correntes culturais brasileiras, como a ANTROPOFAGIA e o TROPICALISMO, re-
vestindo essa ação de elementos retirados da observação geral da realidade do país,
dos meios de comunicação de massa e dos contrastes sociais. Um passo importante
no sentido de uma nova dramaturgia nacional foi dado em 1976 com a montagem de
GOTA D’ÁGUA, de Paulo Pontes e Chico Buarque de Holanda, com destaque para a
atuação de BIBI FERREIRA. Transpondo para o contexto brasileiro o tema da tragédia
MEDÉIA, de Eurípedes, os autores conseguiram colocar o impasse da luta entre o jus-
to e o legal em termos de uma luta de moradores de um conjunto habitacional.
E, por meio de uma infinidade de grupos e companhias que insistem, chegamos ao
século XXI. Impossível dar vez e voz a todos os que fazem essa “fábrica de ilusões” em
breves páginas. Todos fazem a história do teatro brasileiro.
Segundo Clóvis Levi, “Nosso teatro continuará vivo enquanto duas pessoas se encon-
trarem, uma no palco, outra na plateia, e se comunicarem através dos nossos medos,
sonhos, angústias, paixões. O teatro continuará vivo enquanto contar a incrível aven-
tura do homem na busca de se conhecer”.

O teatro do absurdo nasceu no Brasil?


Yan Michalski
Em fevereiro de 1968, após tomar o primeiro contato com a obra teatral de José Joa-
quim de Campos Leão, vulgo Qorpo Santo (1829-1883), por meio da apresentação de
suas peças pelo Teatro do Clube de Cultura de Porto Alegre no V Festival Nacional
de teatro de estudantes, realizado no Rio de Janeiro, comentei no Jornal do Brasil: “A
julgar pela amostra apresentada, a descoberta de Qorpo Santo é um acontecimen-
to de notável importância, que não só torna parcialmente obsoletos todos os livros
de história da dramaturgia brasileira que não mencionam a sua obra, como também
transcende as fronteiras do Brasil e merece ser estudado dentro de um contexto in-
ternacional; o autor gaúcho é, muito provavelmente, o primeiro percursor mundial
do teatro do absurdo, uma vez que algumas décadas antes de Alfred Jarry ele coloca-
va em prática ideias de antiteatro baseado no mais violento, algumas das quais dignas
de fazer inveja ao próprio Ionesco e aos seus seguidores”. Passados cinco anos da
sensacional descoberta, o entusiasmo e a admiração não mudaram. “Custa crer que
um homem daqueles tivesse existido”, escreveu o principal descobridor e reabilita-

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dor de Qorpo Santo, o professor Guilherme César, responsável pela única edição de
uma seleção de suas peças (AS RELAÇÕES NATURAIS E OUTRAS COMÉDIAS, edição
da Faculdade de Filosofia da UFRGS, 1969) Custa mesmo: como acreditar que, por vol-
ta de 1865, na então provincianíssima cidade de Porto Alegre, completamente isolado
da vida cultural dos grandes centros, tivesse existido e trabalhado um homem capaz
de escrever páginas marcadas por impressionantes afinidades de visão existencial, li-
terária e cênica com os cânones de uma vanguarda então inimaginável, mas que viria
a dominar o panorama teatral do mundo ocidental um século mais tarde? O aspecto
incrível dessa criação tão profética aparece verdadeiramente milagroso se conside-
rarmos que, ao mesmo tempo em que Qorpo Santo escrevia no Rio Grande do Sul as
suas obras espantosamente modernas, no Rio de Janeiro as preferências se dividiam
entre as preciosas comédias de Joaquim Manoel de Macedo e os dramas românticos
de José de Alencar; em Paris, entre o romantismo tardio de Musset e as piéces bien
faites de Seribe; em Londres e nos Estados Unidos triunfavam os melodramas senti-
mentais de Boucimault; e na Escandinávia começava a surgir o realismo psicológico
e social, por meio das primeiras obras marcantes de Ibsen. Como todas essas ten-
dências parecem antigas, se confrontadas com as violentas imagens do doente gênio
gaúcho, cujo modernismo só seria igualado três décadas mais tarde, por meio de um
outro precursor excêntrico da vanguarda atual, o francês Alfred Jarry, autor de UBU
ROI. É neste sentido que o fenômeno Qorpo Santo transcende as fronteiras do Brasil:
até prova do contrário, sua obra é a primeira, no mundo inteiro, a revelar a maioria
das principais características daquilo que, corretamente ou não, convencionou-se
hoje em dia chamar de teatro do absurdo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CACCIAGLIA, Mário. Pequena História do Teatro no Brasil – Quatro séculos de Teatro no Brasil, São
Paulo: T. A. Queiroz Editor e EDUSP, 1986.

CAFEZEIRO, Ednaldo e GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro – Um percurso de Anchieta


a Nelson Rodrigues: Rio de Janeiro, Editora da UFRJ/ EDUERJ/ FUNARTE, 1996.

LEVY, Clóvis. Teatro Brasileiro – Um panorama do século XX, Rio de Janeiro: FUNARTE, 1997.

MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro, São Paulo: Difel, 1962.

MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875 – 1974), São
Paulo: Senac, 2000.

MICHALSKI, Yan e PEIXOTO, Fernando. Ziembinski e o teatro brasileiro, FUNARTE.

PRADO, Décio de Almeida. Teatro de Anchieta a Alencar, São Paulo: Perspectiva, 1993.

Material elaborado por Gerson Praxedes e Mariza Porto.

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CAPÍTULO 3
FONOAUDIOLOGIA

Fonoaudiologia aplicada a voz profissional


A comunicação, segundo definição, é o “ato de comunicar, informação, aviso”, e co-
municar é “fazer comum, fazer saber, participar, transmitir, estabelecer comunicação,
transmitir-se por contágio”.
O profissional da comunicação, seja ela qual for, é por natureza aquele que deve
transmitir a sua mensagem por contágio, tal é a necessidade que tem em imprimir ao
outro suas intenções e emoções. Esta comunicação é feita por meio da voz e da fala,
e, dependendo do caráter profissional, das expressões faciais e corporais.
Diferentes processos estão envolvidos na produção de voz e da fala, como o desen-
volvimento da linguagem e do pensamento, o correto desenvolvimento neurológico,
boas condições musculares, respiratórias, emocionais etc. Nesse sentido, o fonoau-
diólogo é um dos profissionais envolvido no desenvolvimento das habilidades de
comunicação.
Fonoaudiólogo – é o profissional com graduação plena em Fonoaudiologia, que atua
em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas, nas áreas da comuni-
cação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da
fala e da voz.
Lei Federal nº. 6.965
Regulamentada em 09 de dezembro de 1981.

Voz
Pensar em voz significa pensar na expressão humana.
A voz é a expressão da personalidade, das intenções e emoções do falante. Vale lem-
brar que ela é o resultado de fatores orgânicos, psicológicos e sociais.

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O homem no ato comunicativo faz uso de órgãos que fazem parte do sistema diges-
tivo e respiratório, compondo o sistema fonoarticulador (Fig. 1).
De forma bastante simplificada, a voz é produzida na laringe através da vibração das
pregas vocais (cordas vocais), que realizam seu movimento graças ao fluxo de ar que
vem dos pulmões (expiração) e à ação dos músculos da laringe. Este som é modificado
pela ressonância, que é caracterizada pela amplificação do mesmo, através de estru-
turas que funcionam como “alto-falantes”: faringe cavidades bucal e nasal e seios da
face.
É importante ressaltar que para uma adequada projeção vocal é necessário o equilí-
brio entre a força do ar que vem dos pulmões e a força muscular das estruturas do
aparelho fonador. Para tanto, a respiração costodiafragmática é a mais indicada no
uso da voz profissional, pois exige menos esforço e possibilita a exploração de toda
a capacidade pulmonar.
A fala é a transformação deste som (voz) em palavras através do uso de estruturas da
boca: língua, lábios, palato duro e mole (céu da boca), dentes e bochechas. Este pro-
cesso é denominado articulação.
O sistema fonoarticulador pode, portanto, ser dividido em vários segmentos, confor-
me suas atuações:
Fole 
tórax, pulmões e diafragma;
Vibrador laringe, incluindo as pregas vocais;
Ressoadores nariz, boca, faringe (bucofaringe e nasofaringe);
Articuladores 
lábios, língua, bochechas, dentes, maxila e mandíbula e palatos
duro e mole (Fig. 2);
Muscular diferentes grupos musculares que movimentam todas as estruturas
envolvidas na produção de voz e fala.
Destaque para:
– a queles que movimentam a laringe, os músculos das pregas vo-
cais, o músculo diafragma;
– a queles que estão situados na face, principalmente os músculos
que formam os lábios, língua e bochechas, os músculos abaixa-
dores e elevadores da mandíbula;
– a queles que movimentam o palato mole e estruturas adjacentes.
É importante ressaltar a importância do sistema auditivo tanto para quem fala como
para quem ouve, pois é através deste que distinguimos as nuances e sutilezas da voz,
que é individual, única. Este órgão tem, ainda, papel fundamental no controle e orien-
tação da emissão do falante.

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Figura 1 – Sistema fonoarticulador Figura 2 – Segmento articulador

Treinamento vocal
A orientação e a preparação vocal de indivíduos que utilizam a voz enquanto instru-
mento de trabalho, contribui em seu desempenho tornando sua mensagem mais clara
(ausente de ruídos) e consequentemente mais verídica. O conhecimento de técnicas
vocais e sua aplicação de maneira espontânea e contextualizada possibilitam a pro-
dução de um padrão vocal com máxima qualidade e sem fadiga, tornando-a audível,
com boa dicção, e fundamentalmente expressiva. Entretanto, para tal performance,
além da utilização de técnicas que estruturem orgânica e funcionalmente o sistema
fonoarticulador, se faz necessária a inclusão de hábitos diários que promovam a pre-
venção de doenças vocais e a otimização deste delicado instrumento de trabalho.

Higiene Vocal
Em nossa sociedade, a rouquidão ainda imprime um caráter de sensualidade ao fa-
lante. Contudo, o profissional da comunicação, frequentemente, não é capaz de rea-
lizar, com eficiência e qualidade, todos os ajustes vocais exigidos por suas diferentes
atuações na presença de alterações vocais. Isto significa que o efeito da rouquidão e
outros sintomas vocais apresentam aparência inofensiva, porém limitam o desenvol-
vimento do potencial vocal do profissional que usa a voz enquanto seu instrumento
de trabalho.
A higiene vocal, com base em hábitos alimentares e do dia a dia, visa à preservação do
aparelho fonoarticulador e promove a manutenção da ótima qualidade vocal. Abaixo,
estão descritos alguns procedimentos fundamentais para este cuidado:

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– Não gritar ou falar durante muito tempo;


– Não se expor a mudanças bruscas de temperatura;
– Não pigarrear ou tossir;
– Não falar em ambientes muito ruidosos para evitar a competição sonora;
– Evitar exposição à poeira, gás e cheiro muito fortes, no caso de ser alérgico;
– Não fumar;
– Evitar bebidas alcoólicas;
– Evitar bebidas gasosas antes da locução;
– Evitar “sprays”, pastilhas e “balas”;
– Evitar alimentos achocolatados e derivados de leite antes da locucão;
– Não usar roupas apertadas, principalmente na região do pescoço e da cintura;
– Beber sempre bastante água, em temperatura ambiente, principalmente em lo-
cais com ar condicionado;
– Ingerir sucos de frutas cítricas e comer maçã, que favorecem a adstringência;
– Mastigar bem os alimentos;
– Enquanto estiver falando, manter o corpo ereto, porém relaxado em seu eixo,
principalmente a cabeça;
– Realizar exercícios de aquecimento e desaquecimento vocal orientados pelo fo-
noaudiólogo antes do uso da voz;
– Cuidar da sua saúde como um todo, pois qualquer problema no corpo pode
influenciar na produção da sua voz;
– Ardência, dor na garganta, perda de voz ou rouquidão por mais de 15 (quinze)
dias são sinais de problema vocal. Consulte um médico otorrinolaringologista
ou um fonoaudiólogo.
É fundamental destacar que a forma como a voz é produzida reflete características da
nossa personalidade, portanto, a simples aplicação de técnicas é insuficiente para o
aprimoramento do profissional da voz.
A orientação e o acompanhamento do fonoaudiólogo é base de trabalho para aquele que
pretende fazer uso da comunicação como ação no mundo. Esta parceria deve ocorrer não
somente na presença de alterações de voz e fala, mas para favorecer a expressividade,
flexibilidade e criatividade vocal do ator por meio da utilização dos recursos da voz na
composição vocal do personagem e nos diferentes momentos cênicos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEHLAU M, Pontes P. Higiene Vocal: cuidando da voz. Rio de Janeiro: Revinter, 1999.

BEHLAU M. Voz: o livro do especialista, vol II. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.

FERREIRA LP, Silva MAA. Saúde vocal: práticas fonoaudiológicas. São Paulo: Roca, 2002.

KYRILLOS LCR. Expressividade: da teoria à prática. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.

PINHO SMR. Manual de higiene vocal para profissionais da voz. Carapicuíba: Pró-fono, 1997.

QUINTEIRO EA. Estética da voz para o ator. São Paulo: Summus, 1989.

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CAPÍTULO 4
MAQUIAGEM TEATRAL

A arte da maquiagem teatral é harmonizar a anatomia e a expressão do rosto do ator


com as características do personagem, de forma que o traçado da maquiagem esteja
equilibrado com as cores e estilo do figurino e de acordo com a concepção estética
do espetáculo, ajustando-se a técnica de aplicação dos cosméticos com o tipo de pal-
co e iluminação a serem utilizados. Está estabelecida assim a relação:

Anatomia e movi-
mento
Estética do Traçado da
Rosto do Ator Espetáculo Luz maquiagem
× + + + × = e
Personagem Indumentária Espaço Material a ser
Cênico usado
Características
Psicológicas e
Situação no Con-
texto

Maquiagem x Anatomia
A analise da anatomia do rosto é ponto fundamental na maquiagem. O bom traçado
é aquele que está bem adequado à anatomia. A maquiagem é uma pintura sobre uma
tela que se move, sente e tem vontade própria. O rosto do ator já tem em sua anato-
mia a própria personalidade, isso é somado às expressões criadas na interpretação
do personagem. O maquiador deve harmonizar rosto e interpretação com o traçado
da maquiagem.
Basicamente, para se alterar ou realçar o relevo do rosto, entre vários truques da ma-
quiagem teatral, usa-se o contraste de claros e escuros. Ao clarear uma certa região
do rosto, você fará ela parecer mais saliente e ao escurecer outra região, você estará

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aprofundando a mesma. Analisando o relevo do rosto, suas cavidades e saliências, e


tendo percepção do desgaste de pele, encontramos como melhor aproveitar a anato-
mia da face, valorizando ou anulando as rugas e outros detalhes do traçado do rosto.
Deve-se tomar cuidado com as partes que se movimentam mais, verificando se a ma-
quiagem continua cumprindo suas funções mesmo com a movimentação do rosto e,
mais do que isso, se ela está valorizando as feições criadas pelo ator na interpretação
do personagem.

Maquiagem x Personagem
A maquiagem no teatro deve ser criada realçando as expressões do ator em função da
personalidade do personagem.
Esta é a principal finalidade da maquiagem no teatro e para isso existem vários tru-
ques de traçado. Pode-se imprimir no rosto do ator características próprias do per-
sonagem como: realçar as rugas para dar um aspecto de mais velho, avermelhar os
olhos e demarcar olheiras para dar um ar de cansaço, ou ainda empalidecer o rosto,
afundar os olhos e inclinar as sobrancelhas para criar uma imagem mais misteriosa e
agressiva.
Deve-se analisar o perfil do personagem, sua gênese, características psicológicas,
idade, condições de vida, época, etnia. Enfim, reunir todas as informações sobre o
personagem que possam ajudar na elaboração da maquiagem. O objetivo é sempre o
de aproximar, adaptar, ajustar a anatomia natural do ator com os traços psicológicos
e feições do personagem. Dessa forma, a maquiagem irá compor visualmente o rosto
do personagem. Uma caracterização elaborada com este foco é um instrumento in-
dispensável à interpretação e composição do personagem no teatro.

Maquiagem x Estética
A maquiagem é parte de um todo. A maquiagem deve interagir com a atmosfera cria-
da por meio dos figurinos, cenários, efeitos, luzes, músicas, movimentação de cena
e em sintonia com a estética da apresentação. Em geral, quem define a linha estética
é o diretor.
No caso de uma montagem futurista, a maquiagem pode ser mais abstrata, talvez
criando formas geométricas de cores distintas. Se a linguagem for mais caricata, po-
de-se ir por um caminho mais estilizado, demarcando exageradamente sobrancelhas,
olhos e boca, ou ainda, sendo uma linguagem mais clássica, cair para o lado do realis-
mo com traços mais leves e tonalidades sutis.
É importante que a maquiagem esteja de acordo com o espírito do personagem, com
o estilo do texto, com a concepção estética da montagem, de acordo com o clima
geral do espetáculo.

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Maquiagem x Indumentária
A maquiagem se junta com os postiços, o penteado, o figurino, os possíveis adereços
e máscaras para compor a caracterização visual do personagem. O conjunto desses
elementos deve estar em sintonia para que a caracterização funcione bem.
A maquiagem pode acompanhar os traços e cores do figurino ou contrapor o estilo
da indumentária, mas é importante que uma coisa se articule com a outra. No caso
da Ópera de Pequim, o figurino tem cores distintas, estampas e bordados com linhas
curvas e a maquiagem acompanha o figurino com áreas de cores que não se mistu-
ram e traçada toda com linhas curvas. Em uma montagem de teatro do absurdo, em
que várias leituras estéticas são possíveis, ou em outro texto que se deseje criar um
conflito visual, é possível criar uma maquiagem completamente inusitada distorcen-
do o rosto dos atores ou com um efeito que a pele vá descascando durante a cena
combinada a um figurino extremamente realista de terno e gravata.
Além de estar afinada com o estilo da indumentária, com a linguagem usada nos
figurinos e adereços, a maquiagem deve estar de acordo com a cor do figurino.
Para alcançar um equilíbrio visual, em geral, usa-se na maquiagem cores semelhantes
à cor do figurino ou cores que não entrem em choque com as cores do figurino. Se as
roupas têm cores escuras, a cor da boca ou da região dos olhos pode seguir o mesmo
caminho. Se o figurino tem cores claras e leves, a maquiagem pode acompanhar com
tons aveludados e pouco contraste. Se no figurino predominam as cores quentes, a
maquiagem pode seguir com cores quentes como o vermelho, o amarelo e o laranja.
Se o figurino tem mais cores frias, a maquiagem pode se afinar com ele usando azuis,
rosas e roxos. As cores neutras, como preto, branco e cinza, combinam com qualquer
cor. Deve-se ter especial cuidado com as cores opostas (vermelho x verde, azul x
alaranjado, amarelo x roxo...) que podem criar um choque visual muito forte, muitas
vezes criando sensação de desequilíbrio ou desarmonia.
É claro que toda esta harmonização/combinação de cores não é utilizada caso se queira
criar uma sensação de conflito, desequilíbrio ou produzir algum efeito específico. Per-
sonagens como o palhaço ou uma figura brega não seguem essa combinação.

Maquiagem x Espaço cênico/luz


A utilização da maquiagem se faz mais importante ao lembrarmos que, de acordo
com a distância, o olhar do espectador perderá detalhes da expressão do rosto do
ator se este não estiver maquiado. Além do que, as luzes sobre as quais o ator se
apresenta algumas vezes criam efeitos sobre as suas figuras que tendem a neutralizar
os seus traços e cores naturais.
Na fotografia, na TV e no cinema busca-se a leveza das cores e do traçado, destacando
apenas os detalhes importantes; no teatro busca-se as formas definidas, forte realce
dos traços e contraste que aumenta de acordo com o tamanho do espaço cênico.

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No teatro também evita-se usar cosméticos cremosos e oleosos, pois estes costumam
escorrer junto com o suor do ator sob as luzes do palco. Ao contrário do cinema, TV
ou fotografia onde se opta por bases cremosas ou líquidas para um acabamento mais
leves. Em qualquer caso é importante uma base no rosto, por mais leve que seja, para
evitar o brilho resultante da oleosidade natural da pele. É importante evitar o uso de
muito brilho ou maquiagem cintilante, pois reflete muito sob a iluminação, a menos
que se queira produzir algum efeito específico.
Ao elaborar uma maquiagem deve-se ter em vista também as cores que serão utili-
zadas na iluminação, pois as luzes coloridas alteram as cores dos figurinos e da ma-
quiagem. É importante conferir antecipadamente o resultado sob os refletores, pois
existem inúmeros tipos de materiais de maquiagem e de iluminação, e os resultados
são imprevisíveis. Pedir a opinião de alguém (diretor) que esteja no meio da plateia
para observar o rosto maquiado e iluminado sobre o palco pode prevenir erros. Se-
guem aqui algumas alterações que costumam ocorrer com a iluminação de palco,
mas é sempre incerto e necessário conferir.

Maquiagem
Luz
Violeta Violeta Verde Azul
Vermelha Preto Torna-se claro Escurece muito Cinza escuro
Escurece um
Violeta Violeta suave Mais claro Azul suave
pouco
Cinza
Azul Escurece muito Some Cinza escuro
esverdeado
Escurece um
Verde Escurece muito Verde suave Verde escuro
pouco
Azul Vinho Escurece muito Torna-se claro Azul suave

Maquiagem na Prática

Antes da maquiagem:

– Comer, beber, escovar os dentes antes de iniciar o trabalho;


– Limpar o rosto com água fria em abundância, tomando especial cuidado com a
oleosidade do nariz e da testa;
– No caso de uma pele mais oleosa, limpar a região com algodão umedecido em
adstringente, passar água no rosto para tirar o próprio adstringente e esperar
alguns minutos antes de iniciar a maquiagem, para que a pele possa absorver o
resto do produto e estar bem seca e limpa;

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– No caso dos homens, procurar fazer a barba com antecedência mínima de duas
horas para evitar irritações e, neste caso, substituir a loção após barba por um
pouco de hidratante, e se acaso tiver que se barbear logo antes da maquiagem
não use nada após a barba, somente muita água;
– Evitar colocar qualquer produto no rosto antes da aplicação da maquiagem, pois
estando na pele, produtos como loção após barba, esfoliantes, cremes e até mes-
mo loções de limpeza e alguns hidratantes podem atrapalhar a aderência e uma
boa cobertura da maquiagem;
– Vestir o figurino, caso este deva ser vestido pela cabeça;
– Cobrir a roupa para protegê-la dos cosméticos que eventualmente possam cair
sobre ela, de preferência com o pano branco para não refletir outra cor no rosto.

Aplicando a maquiagem

Para um bom resultado técnico:


– Aplicar a maquiagem no rosto de cima para baixo;
– Utilizar primeiro os cosméticos secos e depois os oleosos e cremosos;
– Usar primeiro as cores claras e médias, e posteriormente as cores escuras;
– Sendo destro, fazer primeiro o lado esquerdo do rosto e depois o direito; sendo
canhoto, o contrário, facilitando a execução da simetria.
A sequência da aplicação varia um pouco de acordo com a caracterização:
– Se necessário ao traçado, começar com esboço bem leve em branco;
– Na ausência do esboço, o início é a base no rosto todo em um tom médio;
– Ajustes da anatomia com claros e escuros (testa, nariz, face, queixo, pescoço);
– Olhos (pálpebras, contorno, sobrancelhas, cílios);
– Boca (contorno, batom);
– Postiços de pelo como barbas e bigodes são fixados depois de tudo em uma área
limpa da pele; postiços de pele como narizes e chifres são aplicados antes da
base.
A luz ideal para se maquiar é a luz da lâmpada incandescente (comum), de filamento
amarelo como nos refletores de teatro. Não é indicada a lâmpada fluorescente, que
tem outra luminosidade e cria mais sombras.
Se ao usar um cosmético ocorrer alguma reação alérgica, como vermelhidão, ardor
ou coceira, o melhor é retirá-lo da pele e, na maquiagem, substituí-lo por outro pro-
duto ou trocar de marca.

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Retirando a maquiagem

Para uma limpeza mais rápida, porém superficial, usar o lenço umedecido.
Para uma limpeza completa, primeiro passar o demaquilante no rosto dissolvendo a ma-
quiagem, depois limpar com algodão e lavar o rosto com muita água; em seguida passar;
com algodão uma loção de limpeza para limpar os poros e finalmente hidratar.
Geralmente, se inicia a limpeza da maquiagem pelos olhos e boca, pois é ali que são
usados os cosméticos oleosos e escuros.
No caso de postiços colados com verniz teatral ou látex, é necessário primeiro descolar
o postiço com cuidado usando um algodão molhado no álcool; em seguida, remover o
restante da cola da pele também com álcool para só depois usar o demaquilante.
Não é aconselhável usar o sabonete no rosto, pois todos eles contêm álcali (soda +
potássio), substância nociva ao tipo de pele do nosso rosto. Existe 7,8% de álcali nos
sabonetes normais e 6,7% nos neutros, portanto nem esses são aconselháveis.
Todo produto demaquilante ou de limpeza deve ser retirado da pele com algodão
e água em abundância. Todo produto hidratante ou tônico não se limpa e pode ser
aplicado um sobre o outro com um intervalo para a absorção do produto.

Materiais para Maquiagem Teatral


Tipos de Materiais Usados na Maquiagem de Caracterização para Teatro

Na maquiagem teatral é importante que os produtos tenham uma boa aderência e


fixação para resistirem ao suor do ator, ao calor dos refletores e à movimentação da
cena. Também é necessário boa cobertura e alto teor de pigmentos, pois uma cober-
tura fina e cores leves funcionam bem na maquiagem social e nas câmeras, mas não
são vistas na distância do palco.
Algumas coisas que uma maleta de maquiagem para teatro costuma conter:
1. Para aplicar a maquiagem:
– Pincéis de diferentes tamanhos e tipos;
– Esponjas de espuma, de foam látex, ou para textura.
2. Cosméticos comuns (com especial fixação e cobertura):
– Bases cremosas (sticks) e compactas (pancakes);
– Lápis para olhos e para lábios;
– Batons e brilhos para lábios;
– Sombras e blushes diversos;
– Corretivos.

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3. Produtos Específicos para Caracterização:


– Sangue artificial;
– Verniz teatral (Spiryt Gum) e outros adesivos para postiços;
– Látex líquido;
– Tintura para cabelos grisalhos;
– Massas moldáveis;
– Postiços (perucas, barbas, bigodes, cílios, narizes, chifres...).
4. Produtos para Limpeza:
– Demaquilantes;
– Hidratantes e tônicos;
– Adstringentes e antissépticos;
– Removedores de cola;
– Algodão, cotonete e lenço de papel.

Cuidados com os cosméticos

– Lápis: Não deixar cair no chão. Se estiver duro, pingar óleo demaquilante ou de
amêndoa na madeira e deixar absorver o óleo com a ponta para cima;
– Batom: Cuidado para não sujar as bordas do pote e abrir o menos possível;
– Sombra e blush compactos: Não deixar, cair no chão. Guardar sempre tampado;
– Pancake: Não fechar com ele úmido nem com esponja dentro. Não deixar cair;
– Látex: Manter o pote sempre tampado, pois ele seca rapidamente. Nota-se que
o pincel usado no látex (e também no verniz teatral) não se consegue limpar,
portanto deve ser descartável ou deve-se usar cotonetes;
– Cremes: Sempre tampados e em lugar fresco, escuro, ventilado e seco. Não usar
os dedos, mas uma espátula. Não abrir perto de plantas, pois essas absorvem o
valor nutritivo do creme. Não usar cremes feitos em casa;
– Pincéis: Manter sempre limpos. Usados em batom, limpa-se com álcool ou de-
maquilante e depois com água e sabão; os outros apenas com água e sabão;
– Esponjas: Lavar sempre após o uso e não guardá-las molhadas.

*Apostila elaborada por Ivon Mendes de Barros em 2006.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORSON, Richard. Stage makeup. New Jersey: 1990.

MOLINOS, Duda. Maquiagem Duda Molinos. São Paulo: Senac: 2005.

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Técnico em Arte Dramática

ANOTAÇÕES

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Senac São Paulo 85


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Senac São Paulo 86


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Senac São Paulo 87

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