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(tI1 1111 rt'/uihiY. Jc1te Bonal/enture t..I"rlmo RalnalrJO RelS I Mena 8ç, SpaooaqU9ICI1.
Tltulo ollg,oal
O OOISOS eo " "i/ia: Sobre la ropresiÓfl de la fJmoción y 81 CU9!pO. Rafael lópez-Ped raza
1';' Rafael LOpez·Pe(kaza, 2002

TraDução RODerto CJf1JnJ

Revisao' Ivo Slomiolo

Coleçêo Amor e P ~ique dirigida por


Dr. Lroo Bonaventure - Ora Maria Elo S Barbosa

Impressao e acabamento' PAULUS

Da.dos Illlernaci,?oai5 de Catalogaçao na Publicação íCIP)


(Camera 8raSIIElIra do livro. SP. 8 rasll)

Lópel·Pedrll2:a. qalael
OlonlSO no exIJio . sobre D repressão da emoÇ<~o e do corpo I Ralael I ópez-Pedraza
[traduÇllo de Roberto C;rani]. - Sao PaulO Paulus 2002. - (COleçáo Amor c psique)

Tl lulo onglllal , DlonlSOS an eXllIo Sobre la represl6n de ia emOClón y 81 cuerpo


ISBN 978-85-349-1910-4

\ Dlo nl SO (D iVi ndade grega) 2 Emoções 3 . Represstla (Psicoloyiall. TitulO II Série


01-5832
CDD-1 524
Indices para catá logo srstemaUcc
1 Emoçao . Repressão : Psicologia t524
2 Repressão das emo~s PSicologia 1524

1· edição, 2002
3" reimpressão. 2015

to PAULUS - 2002
Rua FranclScu Cru~. 229
04117·091 Silo Paulo (Brasil)
Fax (II) 5579-3627
Tel (11) õ087-3700
www paulus com .b,
eailOfi al@paulus com.br
ISBN 978-85·349-19 10-4
ISBN 980·07-2682·9 (ed ol,glnal)
Tltulo ollg,oal
O OOISOS eo " "i/ia: Sobre la ropresiÓfl de la fJmoción y 81 CU9!pO. Rafael lópez-Ped raza
1';' Rafael LOpez·Pe(kaza, 2002

TraDução RODerto CJf1JnJ

Revisao' Ivo Slomiolo

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Da.dos Illlernaci,?oai5 de Catalogaçao na Publicação íCIP)


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Lópel·Pedrll2:a. qalael
OlonlSO no exIJio . sobre D repressão da emoÇ<~o e do corpo I Ralael I ópez-Pedraza
[traduÇllo de Roberto C;rani]. - Sao PaulO Paulus 2002. - (COleçáo Amor c psique)

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ISBN 978-85-349-1910-4

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01-5832
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1 Emoçao . Repressão : Psicologia t524
2 Repressão das emo~s PSicologia 1524

1· edição, 2002
3" reimpressão. 2015

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Rua FranclScu Cru~. 229
04117·091 Silo Paulo (Brasil)
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Tel (11) õ087-3700
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ISBN 980·07-2682·9 (ed ol,glnal)
xóes durante a prática psicoterápica, e está começando a
rcnovar o modelo e a finalidade da psicoterapia. É uma
novo. visão cio homem na sua existência cotidiana, do
seu tempo, e dentro de seu contexto cultural, abJindo
dimensões di fcrentes de nossa existência para podermos
reencontrar a nosso alma. Ela poderá alimentar todos
aqueles que sào sensíveis à necessidade de inserir mais
alma em todas as atividades humanas.
A finalidade da presente coleção é precisamente res-
titui)· a alma a S1 mesma e "ver aparecer uma geração de
sacerdotes capazes de entender novamente a linguagem
da alma", como C. G. Jung o desejava.

Léon Bonavenlu.,.e

6
xóes durante a prática psicoterápica, e está começando a
rcnovar o modelo e a finalidade da psicoterapia. É uma
novo. visão cio homem na sua existência cotidiana, do
seu tempo, e dentro de seu contexto cultural, abJindo
dimensões di fcrentes de nossa existência para podermos
reencontrar a nosso alma. Ela poderá alimentar todos
aqueles que sào sensíveis à necessidade de inserir mais
alma em todas as atividades humanas.
A finalidade da presente coleção é precisamente res-
titui)· a alma a S1 mesma e "ver aparecer uma geração de
sacerdotes capazes de entender novamente a linguagem
da alma", como C. G. Jung o desejava.

Léon Bonavenlu.,.e

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loucura como um de seus atributos. Como psicoterapeuta
j u ngu iallo, Lenho encon tnlclo, neste campo, a n teceden tes
para a reflexão psicológica sobre Dloniso. Na verdade, o
faLo de atribuir um estado de loucura a um deus deveria
ter atraído a 8tenção dos estudantes de psicologia de hoje,
assim como ter assegurado à loucura dionisíaca um lLlg'ar
fundamental no estudo das enfel"midades mentais. Mas,
dadas essas circunstâncias, não resta uutro recurso senão
recorrer aos estudiosos dos clássicos gregos, pois oferecem
um fmto e rico material sobre Dioniso.
"Ao longo da narrativa sobre seu milagroso nascimen-
to (de Dionisu), existem elementos raros e únicos do m.ito
e culto deste deus, para os 4uais é impossível encontrar
analogias exatas" (Ibid., 145). Certamente nào se conhe-
cem analogias deste tipo de culto em outras religiões,
como também não existem nas semelhanças encontradas
com os ,-ituais (~estados de possessão do coribantismo, um
rito sumamente enigmático para os estudiosos. Portanto,
para nos aproximarmos psicologicamente de Dioniso, nào
servirào os métodos das religiões tomparadas. Apesar
disso, tentarei encontrar expressües da culLura dionisíaca
no mundo de hoje. É importanLe desLacar que os estudos
sobre Dioniso têm sido realizados, basicamente, com ~:cs­
paldos nas noções que proporcionam o l"itual, o culto e a
história das religiões. Ainda assim, esta tradição erudita
proporciona os elemenLos básicos para empreender um
estudo mai.;;; psicológico, para refletir sobre a importância
do deus cm nosso equilíbrio psíquico, assim como para
perceber e avaliar as possibilidades que oferece à psico-
logia moderna.
Guthrie enumera as variadas contradições que a
natureza di",i na de Dioniso e seu culto contêm:
... seu aspecto alegre e generoso e sua faceta repulsiva
e tenebrosa ... o mesmo deus é aclamado como doador ele
inumeráveis dons e temido como devorador de <.:arne fresca

8
loucura como um de seus atributos. Como psicoterapeuta
j u ngu iallo, Lenho encon tnlclo, neste campo, a n teceden tes
para a reflexão psicológica sobre Dloniso. Na verdade, o
faLo de atribuir um estado de loucura a um deus deveria
ter atraído a 8tenção dos estudantes de psicologia de hoje,
assim como ter assegurado à loucura dionisíaca um lLlg'ar
fundamental no estudo das enfel"midades mentais. Mas,
dadas essas circunstâncias, não resta uutro recurso senão
recorrer aos estudiosos dos clássicos gregos, pois oferecem
um fmto e rico material sobre Dioniso.
"Ao longo da narrativa sobre seu milagroso nascimen-
to (de Dionisu), existem elementos raros e únicos do m.ito
e culto deste deus, para os 4uais é impossível encontrar
analogias exatas" (Ibid., 145). Certamente nào se conhe-
cem analogias deste tipo de culto em outras religiões,
como também não existem nas semelhanças encontradas
com os ,-ituais (~estados de possessão do coribantismo, um
rito sumamente enigmático para os estudiosos. Portanto,
para nos aproximarmos psicologicamente de Dioniso, nào
servirào os métodos das religiões tomparadas. Apesar
disso, tentarei encontrar expressües da culLura dionisíaca
no mundo de hoje. É importanLe desLacar que os estudos
sobre Dioniso têm sido realizados, basicamente, com ~:cs­
paldos nas noções que proporcionam o l"itual, o culto e a
história das religiões. Ainda assim, esta tradição erudita
proporciona os elemenLos básicos para empreender um
estudo mai.;;; psicológico, para refletir sobre a importância
do deus cm nosso equilíbrio psíquico, assim como para
perceber e avaliar as possibilidades que oferece à psico-
logia moderna.
Guthrie enumera as variadas contradições que a
natureza di",i na de Dioniso e seu culto contêm:
... seu aspecto alegre e generoso e sua faceta repulsiva
e tenebrosa ... o mesmo deus é aclamado como doador ele
inumeráveis dons e temido como devorador de <.:arne fresca

8
coerência religiosa aos dispersos mitos tradicionais. De
acordo com o hino (1rfico,
Com Pcrséfone, a minha do mundo subterrâneo, Zeus teve
um filho, Dioniso-Zagreu. O pai tinha a intenção de que o
menino domi nasse o mundo, mas os titÃs o seduzirAm com
brincadeiras e o prenderam para esquurtejâ-lo e devorar
seus membros. Atena, no ent~nto, res gatou o seu coraçào
e o levou a Zeus, que (l com eu. De Zeu.· na~ceu, então, lUl1
°
novo Dioniso, filho de S ê mele. Zeus a bateu os titàc; com
seu raio vin aac\or e os reduziu a cinzas. Df.".~las cinzas foi
°
formado h omem, e por isso contém em si mesmo uma
parte divi.na proveniente de Dioniso e uma parte oposta,
procedente de seus inimigos, os titãs <Ibid., 217).

Nilsson pl'ossegue relatando que este mito deve ter


sido obra de al~.rum gênio do religioso c isto se torna um
desafio para os estudiosos de Dioniso. Trata-se de um
complexo desafio, se levarmos em conta o pronunciado
caráter secLál"lo elo orfismo. Devemos imaginar esse gênio
do religioso, de quem 110S fala Nilsson, como o membro de
uma seita, com uma psicologia impregnada pelos traços
caract.ensticos do sectarismo: virgindade, pureza, dietas
rar8S e palaVTas etêreas, traços que Eurípede~ retrata
em sua tragédia Hip6lito i .
Poderiamos, portan to, a firmar que a psicologia do
sectarismo esteve presenLe na origem do mito que her-
damos: a autônoma e demencial projeçào de culpabilida-
de dos órAcos, que caracteriza sua psicologia<l. Ni lsson
escreve:
Que os órficos int.egraram uma seita, dR qual estava
excluído o reslo da human.idade. sem dúvida, isto fUI um
desastre. Consideraram a si me~mos 05 homens melhores
e mais devotos e, pOI' isso, tinham ue padecer o desprezo

'Ver E Ul"ÍJ-Iedes 11 9531. Hipóliw .


~V('rRafael LÓflf'Z·Pedraza. 19 99. "Sobre' Sect.ar·i:;mo". Em: Ansiedarl
Crilwrlll. 2' ed ição.

10
coerência religiosa aos dispersos mitos tradicionais. De
acordo com o hino (1rfico,
Com Pcrséfone, a minha do mundo subterrâneo, Zeus teve
um filho, Dioniso-Zagreu. O pai tinha a intenção de que o
menino domi nasse o mundo, mas os titÃs o seduzirAm com
brincadeiras e o prenderam para esquurtejâ-lo e devorar
seus membros. Atena, no ent~nto, res gatou o seu coraçào
e o levou a Zeus, que (l com eu. De Zeu.· na~ceu, então, lUl1
°
novo Dioniso, filho de S ê mele. Zeus a bateu os titàc; com
seu raio vin aac\or e os reduziu a cinzas. Df.".~las cinzas foi
°
formado h omem, e por isso contém em si mesmo uma
parte divi.na proveniente de Dioniso e uma parte oposta,
procedente de seus inimigos, os titãs <Ibid., 217).

Nilsson pl'ossegue relatando que este mito deve ter


sido obra de al~.rum gênio do religioso c isto se torna um
desafio para os estudiosos de Dioniso. Trata-se de um
complexo desafio, se levarmos em conta o pronunciado
caráter secLál"lo elo orfismo. Devemos imaginar esse gênio
do religioso, de quem 110S fala Nilsson, como o membro de
uma seita, com uma psicologia impregnada pelos traços
caract.ensticos do sectarismo: virgindade, pureza, dietas
rar8S e palaVTas etêreas, traços que Eurípede~ retrata
em sua tragédia Hip6lito i .
Poderiamos, portan to, a firmar que a psicologia do
sectarismo esteve presenLe na origem do mito que her-
damos: a autônoma e demencial projeçào de culpabilida-
de dos órAcos, que caracteriza sua psicologia<l. Ni lsson
escreve:
Que os órficos int.egraram uma seita, dR qual estava
excluído o reslo da human.idade. sem dúvida, isto fUI um
desastre. Consideraram a si me~mos 05 homens melhores
e mais devotos e, pOI' isso, tinham ue padecer o desprezo

'Ver E Ul"ÍJ-Iedes 11 9531. Hipóliw .


~V('rRafael LÓflf'Z·Pedraza. 19 99. "Sobre' Sect.ar·i:;mo". Em: Ansiedarl
Crilwrlll. 2' ed ição.

10
Antes de discutir o conflito entre Dioniso e os titãs,
deveríamos Ler uma ideia do que eles significaram para
os f:,rregos e, em seguida , observar o modo em que se ma-
nifestam no mundo contemporâneo. Então poderemos
diferenciar o que os tit.ãs representam em nossa própria
natureza e o que representa Dioniso. Está fora dos limites
desse estudo adentrarmos no titanisU1o. [Vleu interesse
aqui limita-se a proporcionar um retrato dessa parte da
natureza humana personificada pelo titã e que, no mito,
opõe-se a Dioniso. Carl Kerényi disse CJue se a Titano-
maqU/:a, o poema épico sobre a gllen'8 ell lre Zeus e os titãs,
tivesse sido conservado, sabelÍamos muito mais sobre o
que os f:,rregos quiseram significar com os titãs. No poema,
~cus derrota os titãs, enviando-os às profundidades do
Erebo, com o poder de seu raio e s e us trovões.
Em Prometheus: Arquctypallmage of H uman E.tisten-
ce , Kerényi (l963, 27) rastreia o apelativo 'titã', valendo-se
da Teogonia de Hesíodo, fonte primordial de ínfonnação
sobre os titàs. Para nossos propósitos, esta apro".imação
etímológica nos proporciona um retrato psicológico mais
definido do que a consulta dtreta ao legado de Hesíodo:
Menetio é um representante exemplar do titanismo ... é
de>:.criLo como tal e sofre o destino da maiO);f\ dos ti tãf;:
~eus, com seu ralo, fulminA o hybrislé.;; !' o arremessa ao
Erebo, fi obscuridade eterna do mundo subten'âneo (v.
514-516) por causa de sua atasthalíe e de sua exuberante
vu:ilidadc (enoree hypél'oplos).

Kerény:i pmssegue dizendo que, na Ant.iguidade, os


titãs foram considerados deuses priápicos. Hoje em d.ia,
é frequente esta interpretação errônea dos titàs . As com-
plexjdades de Príapo estão contidas dentro da sua própn'a
r..:onnguração arquetípica 3 , com seus estranhos rituais e

lVer Rafael LópC'z-Pedraza J 999. cap.VI de lle.rn:~s e Sf? PlS Filho.• ,

12
Antes de discutir o conflito entre Dioniso e os titãs,
deveríamos Ler uma ideia do que eles significaram para
os f:,rregos e, em seguida , observar o modo em que se ma-
nifestam no mundo contemporâneo. Então poderemos
diferenciar o que os tit.ãs representam em nossa própria
natureza e o que representa Dioniso. Está fora dos limites
desse estudo adentrarmos no titanisU1o. [Vleu interesse
aqui limita-se a proporcionar um retrato dessa parte da
natureza humana personificada pelo titã e que, no mito,
opõe-se a Dioniso. Carl Kerényi disse CJue se a Titano-
maqU/:a, o poema épico sobre a gllen'8 ell lre Zeus e os titãs,
tivesse sido conservado, sabelÍamos muito mais sobre o
que os f:,rregos quiseram significar com os titãs. No poema,
~cus derrota os titãs, enviando-os às profundidades do
Erebo, com o poder de seu raio e s e us trovões.
Em Prometheus: Arquctypallmage of H uman E.tisten-
ce , Kerényi (l963, 27) rastreia o apelativo 'titã', valendo-se
da Teogonia de Hesíodo, fonte primordial de ínfonnação
sobre os titàs. Para nossos propósitos, esta apro".imação
etímológica nos proporciona um retrato psicológico mais
definido do que a consulta dtreta ao legado de Hesíodo:
Menetio é um representante exemplar do titanismo ... é
de>:.criLo como tal e sofre o destino da maiO);f\ dos ti tãf;:
~eus, com seu ralo, fulminA o hybrislé.;; !' o arremessa ao
Erebo, fi obscuridade eterna do mundo subten'âneo (v.
514-516) por causa de sua atasthalíe e de sua exuberante
vu:ilidadc (enoree hypél'oplos).

Kerény:i pmssegue dizendo que, na Ant.iguidade, os


titãs foram considerados deuses priápicos. Hoje em d.ia,
é frequente esta interpretação errônea dos titàs . As com-
plexjdades de Príapo estão contidas dentro da sua própn'a
r..:onnguração arquetípica 3 , com seus estranhos rituais e

lVer Rafael LópC'z-Pedraza J 999. cap.VI de lle.rn:~s e Sf? PlS Filho.• ,

12
desde a mentira até a elaboração das mais háucis invell-
ções; incluslve estas invenções sempre pressupõem alguma
deficiência na maneira de viver de um traquina . Tal falha
relacionA os titãs com o homem e suas limitações , pois
dcmonst)'[I suns raízes na realidélCle humana.
Menetio, aquele que é designaclo por Hesíodo como um
dos irtn ,lus de Prometeu, està caracteriw.do na Teogollia
não apeo.as pela violência própria dos titãs e dos gigan-
tes, nascidos da lerra. Segundo a etiologia de seu nome ,
que significa '0 que tem reservado u.m destino mortal um
oitos', pode ter sido o 'primeiro mortal' e, como nlh~ de
Japeto. deveria sofre r condenação idclltiC<l à de seu pai.
Na ?'eoéf.onút (\l . 5~4 - 16) podemos ler: " ... por seu orgulho
desmed\dú e sua msensatR flnogáncin , Zeus, o de olhal'
amplo . aJc,Mçando-lhe com seu fulminante raio, o fez
descer ao Erebo".

Para os gregos, o significado do nome <titã' não era


evidente nem óbvio. 0:-; Litãs não tinham dtos nem l:ulto,
por isso fical 'am à margem da vida cultural grega tanto
em imagens quanto em formas . Para nós, hoje em dia,
sua psicolo~,'ié\ continua sendo obscura e, para alcançar
alguma clareza, podemos apenas consultar os estudiosos.
Walter Otto, cm l'he HomP../'ic Gods (1954, 33), escreve:
"Existem muitos indícios de que (o nome titã ) havia ad-
quirido a conotação de 'selvagem', 'rebelde' e inclusive
'astuto', em oposição aos olímpicos, dia.nte de quem os
titãs sucumbinwl, não sem antes combatê-los. A mitologia
pode nos ajudar a diferenciar entre os ol.ímpicos, com st;as
múltiplas fOl'n13S de vida, e os titãs, carentes de fom1rJ.s,
de imagens e de limites".
Sabemos que para os gregos o maior 'pecado' foi o de
hybris . Poderíamos traduzir a imagem de Zeus confinando
com seu raio os titãs ao Érebo, como uma imagem que
ünpõe formas e limites, como a ação que coloca sob con-
trole aquilo que representa a violência desmedida e sem
lim,ites, isto é, um excesso. A consciência que tiveram 01;
gregos da necessidade de manter os titãs, cheios de h)'bris,

14
desde a mentira até a elaboração das mais háucis invell-
ções; incluslve estas invenções sempre pressupõem alguma
deficiência na maneira de viver de um traquina . Tal falha
relacionA os titãs com o homem e suas limitações , pois
dcmonst)'[I suns raízes na realidélCle humana.
Menetio, aquele que é designaclo por Hesíodo como um
dos irtn ,lus de Prometeu, està caracteriw.do na Teogollia
não apeo.as pela violência própria dos titãs e dos gigan-
tes, nascidos da lerra. Segundo a etiologia de seu nome ,
que significa '0 que tem reservado u.m destino mortal um
oitos', pode ter sido o 'primeiro mortal' e, como nlh~ de
Japeto. deveria sofre r condenação idclltiC<l à de seu pai.
Na ?'eoéf.onút (\l . 5~4 - 16) podemos ler: " ... por seu orgulho
desmed\dú e sua msensatR flnogáncin , Zeus, o de olhal'
amplo . aJc,Mçando-lhe com seu fulminante raio, o fez
descer ao Erebo".

Para os gregos, o significado do nome <titã' não era


evidente nem óbvio. 0:-; Litãs não tinham dtos nem l:ulto,
por isso fical 'am à margem da vida cultural grega tanto
em imagens quanto em formas . Para nós, hoje em dia,
sua psicolo~,'ié\ continua sendo obscura e, para alcançar
alguma clareza, podemos apenas consultar os estudiosos.
Walter Otto, cm l'he HomP../'ic Gods (1954, 33), escreve:
"Existem muitos indícios de que (o nome titã ) havia ad-
quirido a conotação de 'selvagem', 'rebelde' e inclusive
'astuto', em oposição aos olímpicos, dia.nte de quem os
titãs sucumbinwl, não sem antes combatê-los. A mitologia
pode nos ajudar a diferenciar entre os ol.ímpicos, com st;as
múltiplas fOl'n13S de vida, e os titãs, carentes de fom1rJ.s,
de imagens e de limites".
Sabemos que para os gregos o maior 'pecado' foi o de
hybris . Poderíamos traduzir a imagem de Zeus confinando
com seu raio os titãs ao Érebo, como uma imagem que
ünpõe formas e limites, como a ação que coloca sob con-
trole aquilo que representa a violência desmedida e sem
lim,ites, isto é, um excesso. A consciência que tiveram 01;
gregos da necessidade de manter os titãs, cheios de h)'bris,

14
psicologia do oportunista: aceita com facilidade as condi -
ções daquele que é seu inimigo e trata de mimetizá-las,
mesmo que, psicologicamente, se mantenha dentro de
seu inato titanismo~.
A primeira cena dePrometeLlAcolTenlado apresenta
de maneira comovente o sofrimento de Hefesto quando
aCOl'l'enta Prometeu (~m um penhasco com a ajuda de
Força e Violência. Só com sua ajuda pode acometer se-
melhante tarefa, e então diz: " .. , Com o coração tão ferido
como o teu, hei de te sujeitar/ com faixas de bronze a esta
desoJada rocha ... " (Aeschylus , 1961,21). Imagino Refes-
to como o chefe de polítia que prende um delinquente
muito perigoso , mas que, ao fazê -lo, sofre porque sente
que está aprisionando uma parte de si mesmo . Hefesto
diz : "Odeio meu ofício, odeio a destreza de minhas pró-
prias mãos!" (Ibid., 22). Acorrentar o titã, provavelmente
com a ajuda de "Força e Violência", equivale a )'efletir
sobre nossa natureza titânjc:a . Não se trata de uma ta-
refa que deva ser realizada de uma vez por todas, pois
acorrentar o tità é necessidade permanente. Só este
trabalho permite submeter essa parte aceleradamente
titânica de nossa natureza, parte essa quase impossível
de trazeI' para a reflexão;;. Como psicotcrapeuta, minha
preocupação imediata é de refleti]' sobre o meu próprio
titanismo, que pode aparecer em teorias preconcebidas,
atitudes missionárias, técnjcas, fantasias de manipula-
ção, estratégias astutas c na destrutividade tão comum à
naturezn humana. É demais dizer que tenho que avaliar
mesmo assim a carga de titanismo que Lraz o paciente
que senta à minha frente.

'São Pa ulo é o exe mplo hil;tórico m:lis conh ~cido 0(> cOllvcr~iio re ligiosa:
seu ~a&o inc orporou 110 cristii\llISlllO mllit o ~ tril<,XJS do judafsmo. lui.q CUillll a
culpa e 1\ re pr~ ~$ ão.
"V~r C. G. Jung. 1960. Thc Slmll,re o.nrllJ)'l/.omics u/lhe Psyche, Vol. 8.
pllr::lgrnfo 2·12, onde IIp\'esent~ II renexiio COIllU 11111 in:-.lint.o.

16
psicologia do oportunista: aceita com facilidade as condi -
ções daquele que é seu inimigo e trata de mimetizá-las,
mesmo que, psicologicamente, se mantenha dentro de
seu inato titanismo~.
A primeira cena dePrometeLlAcolTenlado apresenta
de maneira comovente o sofrimento de Hefesto quando
aCOl'l'enta Prometeu (~m um penhasco com a ajuda de
Força e Violência. Só com sua ajuda pode acometer se-
melhante tarefa, e então diz: " .. , Com o coração tão ferido
como o teu, hei de te sujeitar/ com faixas de bronze a esta
desoJada rocha ... " (Aeschylus , 1961,21). Imagino Refes-
to como o chefe de polítia que prende um delinquente
muito perigoso , mas que, ao fazê -lo, sofre porque sente
que está aprisionando uma parte de si mesmo . Hefesto
diz : "Odeio meu ofício, odeio a destreza de minhas pró-
prias mãos!" (Ibid., 22). Acorrentar o titã, provavelmente
com a ajuda de "Força e Violência", equivale a )'efletir
sobre nossa natureza titânjc:a . Não se trata de uma ta-
refa que deva ser realizada de uma vez por todas, pois
acorrentar o tità é necessidade permanente. Só este
trabalho permite submeter essa parte aceleradamente
titânica de nossa natureza, parte essa quase impossível
de trazeI' para a reflexão;;. Como psicotcrapeuta, minha
preocupação imediata é de refleti]' sobre o meu próprio
titanismo, que pode aparecer em teorias preconcebidas,
atitudes missionárias, técnjcas, fantasias de manipula-
ção, estratégias astutas c na destrutividade tão comum à
naturezn humana. É demais dizer que tenho que avaliar
mesmo assim a carga de titanismo que Lraz o paciente
que senta à minha frente.

'São Pa ulo é o exe mplo hil;tórico m:lis conh ~cido 0(> cOllvcr~iio re ligiosa:
seu ~a&o inc orporou 110 cristii\llISlllO mllit o ~ tril<,XJS do judafsmo. lui.q CUillll a
culpa e 1\ re pr~ ~$ ão.
"V~r C. G. Jung. 1960. Thc Slmll,re o.nrllJ)'l/.omics u/lhe Psyche, Vol. 8.
pllr::lgrnfo 2·12, onde IIp\'esent~ II renexiio COIllU 11111 in:-.lint.o.

16
semeei a cega esperança" (Ibid ., 28); frase que, escrita uns
vinte e cinco séculos antes, parecia estar respaldando a
profecia de Junger sobre o futuro titânico. Esse impulso
futurisLa reprime a essência dionisíaca do homem num
grau inünagjnável. A expectativa futurista nos arranca
do aqui-e-agora e, desse modo, de nosso corpo. Em outras
palavras, nos arranca do tempo e do espaço de Dionlso. A
eterna promessa de um futuro feliz parece ser a cenoura
atrás da qual corre o asno humano do titanismo.
Para mim, o tilanismo abarca um espectro que vai
da figura do diabólico Menetio até a de Prometeu com sua
promessa de uma vida melhor no futuro; duas fig mas sem
fonnas. É comum observar esse espectro no mundo de
hoje: fantasias futuristas sobre a felicidade que brindará
o último desenvolvimento tecnológico, Jcompanhadas
pela mais destrutiva maldade. Trata-se de uma visão
carente de interioridade, na qual o homem só se mobiliza
por impulsos aparentemente surgidos do nada e que se
expressam através de um J.n.imetismo superficial. Creio
que a tarefa daqueles que nâo desejam ver-se arrastados
pelo titanismo coletivo de hoje consiste em pensar cons-
tantemente no titanisJTIo e aprender dele; tentar tomar-se
conscientE'! dele e, o mais difícil de tudo, refleti-lo.
A partir do complexo de Édipo freudiano e dos arqué-
tipos de Carl Gustav Jung, a psicologia tem encontrado
na mitologia uma fonte de analogias para a natureza do
homem. No entanto, existe hoje a possibilirhlde de encon-
trar, nos estudos sobre a evolução do homem, intuições
afins que podem ampliar e respaldar o material mitoló-
gico. Hesíodo, Ésquilo e o mito órnco têm proporcionado
analogias para uma sombra in vivo, que não tem outra
imagem nem configuração senão a do excesso, Mas, na
atualidade, este excesso pode estar associado aos impulsos
biológicos que se desenvolveram, tempos atrás, durante
a evolução da raça humana.

18
semeei a cega esperança" (Ibid ., 28); frase que, escrita uns
vinte e cinco séculos antes, parecia estar respaldando a
profecia de Junger sobre o futuro titânico. Esse impulso
futurisLa reprime a essência dionisíaca do homem num
grau inünagjnável. A expectativa futurista nos arranca
do aqui-e-agora e, desse modo, de nosso corpo. Em outras
palavras, nos arranca do tempo e do espaço de Dionlso. A
eterna promessa de um futuro feliz parece ser a cenoura
atrás da qual corre o asno humano do titanismo.
Para mim, o tilanismo abarca um espectro que vai
da figura do diabólico Menetio até a de Prometeu com sua
promessa de uma vida melhor no futuro; duas fig mas sem
fonnas. É comum observar esse espectro no mundo de
hoje: fantasias futuristas sobre a felicidade que brindará
o último desenvolvimento tecnológico, Jcompanhadas
pela mais destrutiva maldade. Trata-se de uma visão
carente de interioridade, na qual o homem só se mobiliza
por impulsos aparentemente surgidos do nada e que se
expressam através de um J.n.imetismo superficial. Creio
que a tarefa daqueles que nâo desejam ver-se arrastados
pelo titanismo coletivo de hoje consiste em pensar cons-
tantemente no titanisJTIo e aprender dele; tentar tomar-se
conscientE'! dele e, o mais difícil de tudo, refleti-lo.
A partir do complexo de Édipo freudiano e dos arqué-
tipos de Carl Gustav Jung, a psicologia tem encontrado
na mitologia uma fonte de analogias para a natureza do
homem. No entanto, existe hoje a possibilirhlde de encon-
trar, nos estudos sobre a evolução do homem, intuições
afins que podem ampliar e respaldar o material mitoló-
gico. Hesíodo, Ésquilo e o mito órnco têm proporcionado
analogias para uma sombra in vivo, que não tem outra
imagem nem configuração senão a do excesso, Mas, na
atualidade, este excesso pode estar associado aos impulsos
biológicos que se desenvolveram, tempos atrás, durante
a evolução da raça humana.

18
Ao el ucidar a fantasia histórica sobre o !-lomo hahilis
e o Homo I:!rgaster, Tudge descobre a sombra de muitas
projeçôes crincionista s. Segundo a imagética dos evolucio-
nisLas, o homem tornou-se humano ao obedecer a impulsos
biológicos, e nào como consequência de um projeto de cl"ia-
ção bem organizado. A evolução do homem teve um senti-
do oportunü;ta. Se o AustraLopitew .s hooLiganensis tivesse
sido um hábil caçador como o leão ou o gato doméstico,
a humanidade não teria evoluído. Foi essa versatilidade
quase ilimitada, cuja característica era a espantosa im-
provisação do hooligan, que abliu caminho para a humfl-
nidade. Sem estes impulsos, a raça humana Leria ficado
presa na especialização; mas o oporLunismo lhe permitiu
evoluir e sobr(~vjver. A imagética órfica sobre um homem
criado a partir das cinzas dos titãs nã o se distancia muito
psicologicamente falando, desLa perspectiva evolucionista:
A parti.r desse enfoque , podemos considel"<l r como milagres
da na tLu'eza humana o AllsLraLopitecus hooliganl:!nsis _. o
opOI'Lunista, semelhante ao titã, a quem podemos atribuir
nosso desenvolvimento como humanos - e Dioniso o
deus do frenesi, a quem atribuímos o vinho, a lragédi~ e
a cultura. Estamos . pois, na presença de dois opostos na
natureza humana, dois tipos diferentes de loucura , que
participam constantemente em nossas vídas G.
Talvez fosse mais útil confrontar um Lermo psi-
quiátrico como 'inferioridade psicopática ' com esta visão
que nos propOl'cionam os neodarwínistas, mais do que
com outras fontes ' . Para a sombra da psicopatia, não

';E logio o m odo ~(lmo U~ gr~go,; dR época cIás ~i C!l - H.: ·jud u. É~quil,) e os
órficos - - soubera m d etecta r a s cond utas cxcê ntri ca~ ; nest e sen t id o. Homero
com eça A: !lfud<l ues;rcvcnd() o es tril nho co!Uportamen to de Aga m en on pllra
com, Aq u d l!s . . e u att', como era ch a m ad o. E s te eSl ra nhu com p nr ta mento é
s lIn lla r ao qu e. na ).lsiq ui lltria mod~rn a . denorui n a-~e psicnp fl t ia. Se fH:rescen"
t.arm o. ::I ",,!.t'. rAtos n p,niQq ue e vo lu cion is ta s obre o oportun ism o do home m.
pod e r~m os a mplia r nossa comp!'eensão de- u ma da~ m ai s pr~ r igíl RlI s s ()IIl ura s
nos com p lexos humaníl~.

20
Ao el ucidar a fantasia histórica sobre o !-lomo hahilis
e o Homo I:!rgaster, Tudge descobre a sombra de muitas
projeçôes crincionista s. Segundo a imagética dos evolucio-
nisLas, o homem tornou-se humano ao obedecer a impulsos
biológicos, e nào como consequência de um projeto de cl"ia-
ção bem organizado. A evolução do homem teve um senti-
do oportunü;ta. Se o AustraLopitew .s hooLiganensis tivesse
sido um hábil caçador como o leão ou o gato doméstico,
a humanidade não teria evoluído. Foi essa versatilidade
quase ilimitada, cuja característica era a espantosa im-
provisação do hooligan, que abliu caminho para a humfl-
nidade. Sem estes impulsos, a raça humana Leria ficado
presa na especialização; mas o oporLunismo lhe permitiu
evoluir e sobr(~vjver. A imagética órfica sobre um homem
criado a partir das cinzas dos titãs nã o se distancia muito
psicologicamente falando, desLa perspectiva evolucionista:
A parti.r desse enfoque , podemos considel"<l r como milagres
da na tLu'eza humana o AllsLraLopitecus hooliganl:!nsis _. o
opOI'Lunista, semelhante ao titã, a quem podemos atribuir
nosso desenvolvimento como humanos - e Dioniso o
deus do frenesi, a quem atribuímos o vinho, a lragédi~ e
a cultura. Estamos . pois, na presença de dois opostos na
natureza humana, dois tipos diferentes de loucura , que
participam constantemente em nossas vídas G.
Talvez fosse mais útil confrontar um Lermo psi-
quiátrico como 'inferioridade psicopática ' com esta visão
que nos propOl'cionam os neodarwínistas, mais do que
com outras fontes ' . Para a sombra da psicopatia, não

';E logio o m odo ~(lmo U~ gr~go,; dR época cIás ~i C!l - H.: ·jud u. É~quil,) e os
órficos - - soubera m d etecta r a s cond utas cxcê ntri ca~ ; nest e sen t id o. Homero
com eça A: !lfud<l ues;rcvcnd() o es tril nho co!Uportamen to de Aga m en on pllra
com, Aq u d l!s . . e u att', como era ch a m ad o. E s te eSl ra nhu com p nr ta mento é
s lIn lla r ao qu e. na ).lsiq ui lltria mod~rn a . denorui n a-~e psicnp fl t ia. Se fH:rescen"
t.arm o. ::I ",,!.t'. rAtos n p,niQq ue e vo lu cion is ta s obre o oportun ism o do home m.
pod e r~m os a mplia r nossa comp!'eensão de- u ma da~ m ai s pr~ r igíl RlI s s ()IIl ura s
nos com p lexos humaníl~.

20
conhecida ideia dos gregos de ser o povo mais arcaico dos
civilizados e o mais civilizado dos arcaicos encontra sua
máxima significação cm Dioniso.
EmAs Bautntes, como veremos mais adiante , Eurí-
pedes nos fornece as mais cI'uéis e espantosas imagens
de desmembramento, na cena em que Ágave despedaça
seu filho Penteu. Fornece-nos também a descrição que
previamente rez o mensageiro sobre as mênades que
se encontram nas montanhas, esqualtejando animais e
devorando sua carne fresca; relato que nos mostra uma
extraordinária descrição do ritual dion isíaco, tal e qual
ocorria num lugar afastado da geografia grega:
... e o nosso gado estava alj, pastando
na erva ft'esca, quando aR mulheres o atacaram com suas
mãos nuas.
Teria;; visto uma das mulhel'es pegar uma vaquinha que
mugia,
de úberes cheios,
para levouUi-la pela~ patas traseiras com seus dois braços
abertos.
Outras pegavam nossas vacns e as dilaceravam de uma
extremidade a outra.
Terias visto alguma5 costelas, ou uma pata saltar pelo ar
c pedaços de cal'Oc p~ndurados nos ra mo;; dos pinheiros,
pingando sangue.
(Eurípedes. 1954,217).

Os estudiosos modernos têm transmitido a ideia de


que o orgiástico ritual dionislaco do esquartejamento de
animais el'a uma representação do desmembramento do
menino Dioniso pelos titàs8 . O mito também é entendido

'o ritual de (le~mCnl brlimentQ fo i repre~f' nLildo de ma neiras mui to ma is


im bó licas do que com !) rit o cru [' literal q ue só) descreve cnuls Rflf;(1/IIe:,;; por
~xempJo, com o s(lcriftcio e o devoramen to d e uma cr i,<lnç;~ . Podemos <l llrmar que
alguma ' e moç ões dionisiacas, COIl!1) r!ls gar a roupll c! ppois d e uma peça trág icil
OU !l e moção [1l'1jprifl do duende, estão r~ larionadas com o ,1eSmClllbl'il me n to,
Ve r "Reflexões sob,c II Duence", Em: Ra("â López·Pedraw, 1997,

22
conhecida ideia dos gregos de ser o povo mais arcaico dos
civilizados e o mais civilizado dos arcaicos encontra sua
máxima significação cm Dioniso.
EmAs Bautntes, como veremos mais adiante , Eurí-
pedes nos fornece as mais cI'uéis e espantosas imagens
de desmembramento, na cena em que Ágave despedaça
seu filho Penteu. Fornece-nos também a descrição que
previamente rez o mensageiro sobre as mênades que
se encontram nas montanhas, esqualtejando animais e
devorando sua carne fresca; relato que nos mostra uma
extraordinária descrição do ritual dion isíaco, tal e qual
ocorria num lugar afastado da geografia grega:
... e o nosso gado estava alj, pastando
na erva ft'esca, quando aR mulheres o atacaram com suas
mãos nuas.
Teria;; visto uma das mulhel'es pegar uma vaquinha que
mugia,
de úberes cheios,
para levouUi-la pela~ patas traseiras com seus dois braços
abertos.
Outras pegavam nossas vacns e as dilaceravam de uma
extremidade a outra.
Terias visto alguma5 costelas, ou uma pata saltar pelo ar
c pedaços de cal'Oc p~ndurados nos ra mo;; dos pinheiros,
pingando sangue.
(Eurípedes. 1954,217).

Os estudiosos modernos têm transmitido a ideia de


que o orgiástico ritual dionislaco do esquartejamento de
animais el'a uma representação do desmembramento do
menino Dioniso pelos titàs8 . O mito também é entendido

'o ritual de (le~mCnl brlimentQ fo i repre~f' nLildo de ma neiras mui to ma is


im bó licas do que com !) rit o cru [' literal q ue só) descreve cnuls Rflf;(1/IIe:,;; por
~xempJo, com o s(lcriftcio e o devoramen to d e uma cr i,<lnç;~ . Podemos <l llrmar que
alguma ' e moç ões dionisiacas, COIl!1) r!ls gar a roupll c! ppois d e uma peça trág icil
OU !l e moção [1l'1jprifl do duende, estão r~ larionadas com o ,1eSmClllbl'il me n to,
Ve r "Reflexões sob,c II Duence", Em: Ra("â López·Pedraw, 1997,

22
No livro Homo Nekans, cuja primeira parte é dedi-
cada a recriar a pré-histól'ia, Walter BU1'kert (1983)
estuda a caça, a matança, o canibalismo e os rituais de
sacrificio como componentes dos com.plexos que se [orma-
ram na aurora da história, e a isso podem ser atribuídas
as origens da culpa pl-imiti\'a~. No contexto da evolução
e pré-história do homem, podemos perceber que esses
complexo~ estão arraigados na natureza humana e que o
sonho, que anLes citamos, pode ser visto como um movi-
mento de sobrevivência, graças a uma regressào psíquica
que conecta o sonhador com complexos primários.
Vejo o choqlle do divino menino Dioniso com as forçHs
titânicas como uma primeira iniciação no processo dioni-
síaco da vida, como uma te/etoi dionisíaca lO. Se adotnmos
essa perspectiva arquetípica e de iniciação, a imagem
presente no mito será entendida como um drama inevi-
tável que tem lugar na infância, no meio de todo o seu
horrOl'. Permite-nos ver e começar a aceitar o chamado
trauma ínhmtil como a aparição dos titãs com o propósito
de despedaçar e devorar o menino Dioniso.
De qualquer maneira, não po~so imaginar llma in-
fância sem trauma, desde o ponto de vista al'quetípico que
estou tratando de apresentar aqui, Recordemos que nossa
visão de infância está impregnada tanto pela adoração do
menino da Sagrada Família, quanto pelo paraíso moderno
da Disneylândia, e isso é a concepção da infância como um
período lwilateralmente pUl'o, inocente e feliz, Portanto,

r'Ver "Sncrifice, Hunt ing (1110 1"11nerHy Rituah,". Em: Walte,' BlI,.k~l: 198:3.
~ nVer Walter Burki:'t, 1987, p . 9. Nesle li"ro Burket explora a etimologi a
d" telelai, como segue:
"!Jm n famíli a de palavras que , frequ en tem cot.e, n1js~ura·~~ ~om lHy ·/.er ia
e lelein. 'con"uma r ', 'celebrar' , 'iniciar', e lele .çleriol! 'o portal da iniciflç».n'. c
1:I~~im sl1ce.sSi\'fllnenlp ... No emanto, o termo tornn-se mais específico quand o
é lIsAdo para nomear llllllltJ,ieto p e~soa1. junto 1'1 0 nome do deus em CBSO cl!ltivo:
rl!alizar um ri ~ u al, de~cinâdo a um rlp.\I.~ em pArti cula r, em uma pc.s~oa que e
o m esm o CJlIP 'iniciar' essll pessoa: a diull.)'~lJi leie8,h lm ai sig!)ifi~t> 'ser iniciAuo
nos mistérios ele Dioniso·-.

24
No livro Homo Nekans, cuja primeira parte é dedi-
cada a recriar a pré-histól'ia, Walter BU1'kert (1983)
estuda a caça, a matança, o canibalismo e os rituais de
sacrificio como componentes dos com.plexos que se [orma-
ram na aurora da história, e a isso podem ser atribuídas
as origens da culpa pl-imiti\'a~. No contexto da evolução
e pré-história do homem, podemos perceber que esses
complexo~ estão arraigados na natureza humana e que o
sonho, que anLes citamos, pode ser visto como um movi-
mento de sobrevivência, graças a uma regressào psíquica
que conecta o sonhador com complexos primários.
Vejo o choqlle do divino menino Dioniso com as forçHs
titânicas como uma primeira iniciação no processo dioni-
síaco da vida, como uma te/etoi dionisíaca lO. Se adotnmos
essa perspectiva arquetípica e de iniciação, a imagem
presente no mito será entendida como um drama inevi-
tável que tem lugar na infância, no meio de todo o seu
horrOl'. Permite-nos ver e começar a aceitar o chamado
trauma ínhmtil como a aparição dos titãs com o propósito
de despedaçar e devorar o menino Dioniso.
De qualquer maneira, não po~so imaginar llma in-
fância sem trauma, desde o ponto de vista al'quetípico que
estou tratando de apresentar aqui, Recordemos que nossa
visão de infância está impregnada tanto pela adoração do
menino da Sagrada Família, quanto pelo paraíso moderno
da Disneylândia, e isso é a concepção da infância como um
período lwilateralmente pUl'o, inocente e feliz, Portanto,

r'Ver "Sncrifice, Hunt ing (1110 1"11nerHy Rituah,". Em: Walte,' BlI,.k~l: 198:3.
~ nVer Walter Burki:'t, 1987, p . 9. Nesle li"ro Burket explora a etimologi a
d" telelai, como segue:
"!Jm n famíli a de palavras que , frequ en tem cot.e, n1js~ura·~~ ~om lHy ·/.er ia
e lelein. 'con"uma r ', 'celebrar' , 'iniciar', e lele .çleriol! 'o portal da iniciflç».n'. c
1:I~~im sl1ce.sSi\'fllnenlp ... No emanto, o termo tornn-se mais específico quand o
é lIsAdo para nomear llllllltJ,ieto p e~soa1. junto 1'1 0 nome do deus em CBSO cl!ltivo:
rl!alizar um ri ~ u al, de~cinâdo a um rlp.\I.~ em pArti cula r, em uma pc.s~oa que e
o m esm o CJlIP 'iniciar' essll pessoa: a diull.)'~lJi leie8,h lm ai sig!)ifi~t> 'ser iniciAuo
nos mistérios ele Dioniso·-.

24
Estamos seguindo Dioniso como deus ele uma
teletai, de uma iniciação; um deus que permite ver a
infância a partir de uma perspectiva trágica. Dentro
desses termos, é meu intere~se proporcionar um pouco
de reflexão em um campo da psicologia moderna in-
festado de projeções inconscientes e de teorias sobre
essa etapa da vida. De modo que tem-se negado ou
reprimido o enfoque arquetípico dionisíaco da infância,
com suas características de iniciação, e isso traz como
consequência sua manife~:;taçào sob outros di sfan;es.
Nào é difícil notar como o trauma infantil t.em obcecado
a psicologia moderna ao longo deste século e tem dado
origem a teorias redl1cionistas e esquemáticas. Não
foram abertas novas perspectivas. Nos últimos anos,
o tema do trauma infantil tem sido apresentado com o
nome de 'abuso infantil', o que reveja claramente uma
manifestação histérica coletiva, sinal de ausência de
qualquor perspectiva psicol6gica.
Neste ponto vale a pena dar uma olhada em outra
classe de desmembramento: o que aparece no mito de
Actéon, um primo de Dioniso, especialmente na manei-
ra em que é referido em As Eacantes e por Kerényi . Na
cultura ocidental, este mito sempre atraiu a atenção,
segundo testemunho de sua ampla c impressionante
ico nografia.

Muitos conhecem a história de Acteon, filho de Al'Ísteu e


Autônoe e sobrinho de Sémele, a mãe de Diorllso. É uma
histól;a trágica que foi n:~latada de diversas formas . A
versão Jl1l1is conhecida diz Que Actéon, a quem Quiron
havia educado para que fosse um cflçad()l", surpreendeu
Ártemis enquanto esta se banhava. A deusa o castigou.
convertenclo-o em cervo, seu animal favOl·ito que, nesta
(Jcasii'io, seria também sua vítima. Os cinquenta cães de
caça de Actéon destroçaram seu metamorfoseado umo, e
para Autônoe sobrou a alroz tarefa de reunir os ossos de
seu filho (Kerényi, 1997, 146).

26
Estamos seguindo Dioniso como deus ele uma
teletai, de uma iniciação; um deus que permite ver a
infância a partir de uma perspectiva trágica. Dentro
desses termos, é meu intere~se proporcionar um pouco
de reflexão em um campo da psicologia moderna in-
festado de projeções inconscientes e de teorias sobre
essa etapa da vida. De modo que tem-se negado ou
reprimido o enfoque arquetípico dionisíaco da infância,
com suas características de iniciação, e isso traz como
consequência sua manife~:;taçào sob outros di sfan;es.
Nào é difícil notar como o trauma infantil t.em obcecado
a psicologia moderna ao longo deste século e tem dado
origem a teorias redl1cionistas e esquemáticas. Não
foram abertas novas perspectivas. Nos últimos anos,
o tema do trauma infantil tem sido apresentado com o
nome de 'abuso infantil', o que reveja claramente uma
manifestação histérica coletiva, sinal de ausência de
qualquor perspectiva psicol6gica.
Neste ponto vale a pena dar uma olhada em outra
classe de desmembramento: o que aparece no mito de
Actéon, um primo de Dioniso, especialmente na manei-
ra em que é referido em As Eacantes e por Kerényi . Na
cultura ocidental, este mito sempre atraiu a atenção,
segundo testemunho de sua ampla c impressionante
ico nografia.

Muitos conhecem a história de Acteon, filho de Al'Ísteu e


Autônoe e sobrinho de Sémele, a mãe de Diorllso. É uma
histól;a trágica que foi n:~latada de diversas formas . A
versão Jl1l1is conhecida diz Que Actéon, a quem Quiron
havia educado para que fosse um cflçad()l", surpreendeu
Ártemis enquanto esta se banhava. A deusa o castigou.
convertenclo-o em cervo, seu animal favOl·ito que, nesta
(Jcasii'io, seria também sua vítima. Os cinquenta cães de
caça de Actéon destroçaram seu metamorfoseado umo, e
para Autônoe sobrou a alroz tarefa de reunir os ossos de
seu filho (Kerényi, 1997, 146).

26
Nesta primcim aparição de Dioniso na literatura
grega, ainda sem a contaminação da elaboração do
caráter religioso do mito ártico ou pela descrição que
Eurípedes faz de Penteu, ao personificar a repressão de
Dioniso mediante um governo titânico, podemos observar
claramente as forças cegas que querem destruí-lo, No
relato homérico, temos a imagem de um grande deus,
fugindo das forças da destruição e refugiando-se em
suas próprias emoções. Esta narração pode servir como
modelo a considerar na infância : o menino Dioniso vê
como os titãs matam suas amas, como se f05scm animais;
muito cedo o menino tem uma experiência de teITor
onde vê a destruição do âmbito feminino que o contém .
Seu único recurso é buscar refúgio no seio da Grande
Mãe, no fundo do mal' ou, em outras palavras, mover-se
regressivamente até o inconsciente.
Não existe descrição mais viva do trauma arquetípico
na infância do que este l'elato de Homero . O menino Dio-
!liso, chorando de terror, é uma imagem de sua 'proeza'
como menino divino: a expressão das emoções na tenra
idade. O pranto do menino Dioniso me recorda o que um
escritor católico francês, León Bloy, escreveu de como
o pranto das crianças mantém o mundo cm equilíblio;
do modo como uma cosmologia, uma ordem do mundo
nasce a partir desse pranto. Bloy acrescenta que este
pranto pertence aos mistérios das conflagrações da luz,
um "big-bang", que cria e coloca em movimento todo o
cosmo psicológico. A visão poética de Bloy deixa fora as
explicações causalistas e nos permite ver a criança que
chora como um fator de equilíbrio para o Self.
Mais adiante, no relato de Homero, Licurgo foí casti-
gado com a loucura . Acreditando que estava podando uma
vinha, matou seu próprio filho ao mutilar seus membros .
Assim, mesmo que nào possamos observar nenhum traço
heroico no comportamento de Dioniso, é evidente que o

28
Nesta primcim aparição de Dioniso na literatura
grega, ainda sem a contaminação da elaboração do
caráter religioso do mito ártico ou pela descrição que
Eurípedes faz de Penteu, ao personificar a repressão de
Dioniso mediante um governo titânico, podemos observar
claramente as forças cegas que querem destruí-lo, No
relato homérico, temos a imagem de um grande deus,
fugindo das forças da destruição e refugiando-se em
suas próprias emoções. Esta narração pode servir como
modelo a considerar na infância : o menino Dioniso vê
como os titãs matam suas amas, como se f05scm animais;
muito cedo o menino tem uma experiência de teITor
onde vê a destruição do âmbito feminino que o contém .
Seu único recurso é buscar refúgio no seio da Grande
Mãe, no fundo do mal' ou, em outras palavras, mover-se
regressivamente até o inconsciente.
Não existe descrição mais viva do trauma arquetípico
na infância do que este l'elato de Homero . O menino Dio-
!liso, chorando de terror, é uma imagem de sua 'proeza'
como menino divino: a expressão das emoções na tenra
idade. O pranto do menino Dioniso me recorda o que um
escritor católico francês, León Bloy, escreveu de como
o pranto das crianças mantém o mundo cm equilíblio;
do modo como uma cosmologia, uma ordem do mundo
nasce a partir desse pranto. Bloy acrescenta que este
pranto pertence aos mistérios das conflagrações da luz,
um "big-bang", que cria e coloca em movimento todo o
cosmo psicológico. A visão poética de Bloy deixa fora as
explicações causalistas e nos permite ver a criança que
chora como um fator de equilíbrio para o Self.
Mais adiante, no relato de Homero, Licurgo foí casti-
gado com a loucura . Acreditando que estava podando uma
vinha, matou seu próprio filho ao mutilar seus membros .
Assim, mesmo que nào possamos observar nenhum traço
heroico no comportamento de Dioniso, é evidente que o

28
introvertida, capaz de retirar-se rapidamente para sua
própria natUl'eza dionisíaca. a fim de encontl'é\r ali a pro-
teção diante da destruição titânica.

WALTER OTTO, em seu livro Dy()fllSUS: Myth and


Cu.li (1965), nos diz que Dioniso é o mais psiquiátrico dos
deuses gI·egos. Até onde temos avançado neste estudo
sobre Diooiso, poderíamos dizer que essa afirmação está
relacionada com a riqueza de imagens prop01'cionada por
esse deus para refletir sobre os complexos mais demen-
ciais, O nascimento de Dioniso oferece uma imagem do
que poderíamos chamar 'o trauma do nascimento', Sua
mãe monera durante (J sexlo mês de gestação e assim
seu pai, Zeus, pegou o menino, que ainda nào estava
formado, e o escondeu em sua coxa, de onde Dioniso
nasceu depois, Uma lenda relata que Zeus deu o menino
para a irmã de sua mãe, Tno, que , segundo as histórias
a ,-espcito dela, tinha uma personalidade sumamente
instável. Outras narrativas falam de Hermes pegando
o recém-nascido para entregá-lo às ninfas e a Si lena.
Que se converteu em seu tutor e o instruiu sobre sua
própria natureza dionisíaca, em Nisa . Wal tel' Otto (lbid"
61 e gravura 7) atribui ao nome Dioniso o significado
de "deus de Nisa".
Dioniso, filho de Zeus, é portador de loucura. Vere-
mos mais adiante que Dioniso é. em si mesmo, causa e
libertação da loucura: " ... a dupla natureza de Dioniso,
segundo Pausânias: Dioniso haJ~kheios. aquele que enlou-
quece os seres humanos, e Dioniso Zu.nios , aquele que os
liberta desta IOllcura"1 2. Poderíamos dizer que esta dupla
nature7.a está no coração de rituais dionisíacos , como os

;'Ver WulLer Burk~l (I U9:.J' "Bachíc T"le~lli ", En, ; C(l"p~II IJ! I; T. UI;<I C.
FaraoliC, ecls ,. p, 73 ,

30
introvertida, capaz de retirar-se rapidamente para sua
própria natUl'eza dionisíaca. a fim de encontl'é\r ali a pro-
teção diante da destruição titânica.

WALTER OTTO, em seu livro Dy()fllSUS: Myth and


Cu.li (1965), nos diz que Dioniso é o mais psiquiátrico dos
deuses gI·egos. Até onde temos avançado neste estudo
sobre Diooiso, poderíamos dizer que essa afirmação está
relacionada com a riqueza de imagens prop01'cionada por
esse deus para refletir sobre os complexos mais demen-
ciais, O nascimento de Dioniso oferece uma imagem do
que poderíamos chamar 'o trauma do nascimento', Sua
mãe monera durante (J sexlo mês de gestação e assim
seu pai, Zeus, pegou o menino, que ainda nào estava
formado, e o escondeu em sua coxa, de onde Dioniso
nasceu depois, Uma lenda relata que Zeus deu o menino
para a irmã de sua mãe, Tno, que , segundo as histórias
a ,-espcito dela, tinha uma personalidade sumamente
instável. Outras narrativas falam de Hermes pegando
o recém-nascido para entregá-lo às ninfas e a Si lena.
Que se converteu em seu tutor e o instruiu sobre sua
própria natureza dionisíaca, em Nisa . Wal tel' Otto (lbid"
61 e gravura 7) atribui ao nome Dioniso o significado
de "deus de Nisa".
Dioniso, filho de Zeus, é portador de loucura. Vere-
mos mais adiante que Dioniso é. em si mesmo, causa e
libertação da loucura: " ... a dupla natureza de Dioniso,
segundo Pausânias: Dioniso haJ~kheios. aquele que enlou-
quece os seres humanos, e Dioniso Zu.nios , aquele que os
liberta desta IOllcura"1 2. Poderíamos dizer que esta dupla
nature7.a está no coração de rituais dionisíacos , como os

;'Ver WulLer Burk~l (I U9:.J' "Bachíc T"le~lli ", En, ; C(l"p~II IJ! I; T. UI;<I C.
FaraoliC, ecls ,. p, 73 ,

30
pa:~lisja psíquica, Sabemos então que a saúde psicosso-
maLJc~\ depende do fato de viver-se cada etapa da vida.
psiquicamente. .
.M~i~o se tem especulado sobre a loucura em relação
à cnatlvldade, Muitas vezes, descreve-se o ato criador
emel'gindo do caos, como cm muitos mitos ele cliaçãoJ:J.
Isto pode ser considerado como urnR regressão ao caos do
qual provém tudo () que é cl;ado . Na loucura dionisíaca
observam-se semelhanças com este processo, embora nà~
esteja presente a fantasia do mito de criaçBo ·que culmina
num mundo ordenado . A loucura dionisíaca não é uma
criação mítica; trata-se de uma experiência vital, li partir
da qual se produz um renascimento psíquico, Em ouLro
sentido, não é exagerado especular que a necessidade e
a energia que 3S sociedades primitivas investiram na
E.'laboração de seus mitos de criaç.ão, inclusive o do Gêne-
sis - mesmo que provavelmente estes tenham sido obra
de uma psique co/etiva - , são produtos de um estado
psíquico semelhante ao da loucura dionisíaca. Pode ser
interessEmte confrontar a experiência da loucura dioni-
síaca, que costuma proporcionar uma nova conFiciência
com a l?llCl\l'E1 que dá Jugar a um mitu de criação, na qual
uma tnbo p.ncontril SUEIs Oligens e identificação.
As vivências e intuições q ue temos apresentado fl
respeito de Dioniso como causa e libertação da loucura
nos conduzem clireLamente ao âmbito das emoções, E . R.
Dodds (1960, xvii), em sua introdução à edição ingle~a de
As Racal/te.';, del:>crevc as conflitivas emoções presentes
na experiência dionisíaca:
.. . uma mistura de exaltação e dE' repulsa supl'emélS; ao
mesmo tempo sagrada e horrível. de plenitude e de im-

, ISPara ef'tuclflr a psiculol! ia d os nllLos de ~riaS'ào, v eja-se 1...larie· Lou.isc' vo n


~ j"l:I :lZ . 1H7.:!: t:~}. .mu lt os dos mit os dI! criação cli v uIg.adl)$ pel a nnl ropología ,
Plldemos ótJ ~n al ii pSi que hum ana tnHilndn de crtar. co m ur génda. u m!!
ord em GI paril f do t:~ os .

32
pa:~lisja psíquica, Sabemos então que a saúde psicosso-
maLJc~\ depende do fato de viver-se cada etapa da vida.
psiquicamente. .
.M~i~o se tem especulado sobre a loucura em relação
à cnatlvldade, Muitas vezes, descreve-se o ato criador
emel'gindo do caos, como cm muitos mitos ele cliaçãoJ:J.
Isto pode ser considerado como urnR regressão ao caos do
qual provém tudo () que é cl;ado . Na loucura dionisíaca
observam-se semelhanças com este processo, embora nà~
esteja presente a fantasia do mito de criaçBo ·que culmina
num mundo ordenado . A loucura dionisíaca não é uma
criação mítica; trata-se de uma experiência vital, li partir
da qual se produz um renascimento psíquico, Em ouLro
sentido, não é exagerado especular que a necessidade e
a energia que 3S sociedades primitivas investiram na
E.'laboração de seus mitos de criaç.ão, inclusive o do Gêne-
sis - mesmo que provavelmente estes tenham sido obra
de uma psique co/etiva - , são produtos de um estado
psíquico semelhante ao da loucura dionisíaca. Pode ser
interessEmte confrontar a experiência da loucura dioni-
síaca, que costuma proporcionar uma nova conFiciência
com a l?llCl\l'E1 que dá Jugar a um mitu de criação, na qual
uma tnbo p.ncontril SUEIs Oligens e identificação.
As vivências e intuições q ue temos apresentado fl
respeito de Dioniso como causa e libertação da loucura
nos conduzem clireLamente ao âmbito das emoções, E . R.
Dodds (1960, xvii), em sua introdução à edição ingle~a de
As Racal/te.';, del:>crevc as conflitivas emoções presentes
na experiência dionisíaca:
.. . uma mistura de exaltação e dE' repulsa supl'emélS; ao
mesmo tempo sagrada e horrível. de plenitude e de im-

, ISPara ef'tuclflr a psiculol! ia d os nllLos de ~riaS'ào, v eja-se 1...larie· Lou.isc' vo n


~ j"l:I :lZ . 1H7.:!: t:~}. .mu lt os dos mit os dI! criação cli v uIg.adl)$ pel a nnl ropología ,
Plldemos ótJ ~n al ii pSi que hum ana tnHilndn de crtar. co m ur génda. u m!!
ord em GI paril f do t:~ os .

32
do termo 'patologia'. O enfoque cientificista da medkina
moderna tem excluído a possibilidade de considerat' que a
emoção torna-se patológica e, portanto, pode ser a origem
de uma enfermidade . E esta exclusão não ocorre apenas
na medicí na; na psicoterapia modern a, o excesso de teo-
rias, conceitos, reduções e técnicas terapêuticas COI1stilui
um obstáculo para que a prática se centre na emoção. O
interesse primordial na prática psicoterapêutica é, preci-
samente, a patologia, mesmo quando não seja fácil ver us
problemas psicológ'icos em função das emoções. Stanford
(1983 , 1-2) lamenta, ao referir-se aos estudos sobre a tra-
gédia grega - a arte das emoções " que se careça de um
catálogo idóneo das diferentes emoções. Mas a queixa de
Stanford também é válida para a psicoterapia moderna.
Necessitamos saber mais a respeito das emoções e como
diferenciá-Ias. Apesar disso, não existe um livro onde
possamos aprender sobre as emoções, pois apenas nossa
própria experiência pode nos ensinar.
Stanfol'd nos pl'Oporciunou lima síntese retrospet:-
tiva do processo de repressão das emoçôes pelo cristia-
nismo: o modo como os padres da Igreja reprimiram
a emoção, ao central' sua censura na tragédia. Por
p.xemplo, Tertuliano condenou "o despert.ar da raiva. da
dor, do frenesi e de ou tras emoções violentas sim.ilares"
(Ibid., 5). O cristian:ismo edificou-se sobre esta repressão,
ainda que. ao mesmo tempo, devamos compreender que
não foi uma prerrogativa do cristianismo. Já no século
V a.C., percebe-se uma bl'(~cha importanLe, por assim
dizer, entre o racionalismo grego - sem mencionar o
platonismo pitagórico - c a poesia trágica. Psicologi-
camente falando, a repressão é inerente à dinâmica da
confiplração al'quetípica própria de Dioniso. Por alguma
razão, Dioniso é o deus mais reprimido. Parece que re-
presenta uma força cuja repressão é inevitável. Mesmo
que a repressão h.istórica de Dioniso tenha sido coletiva.

34
do termo 'patologia'. O enfoque cientificista da medkina
moderna tem excluído a possibilidade de considerat' que a
emoção torna-se patológica e, portanto, pode ser a origem
de uma enfermidade . E esta exclusão não ocorre apenas
na medicí na; na psicoterapia modern a, o excesso de teo-
rias, conceitos, reduções e técnicas terapêuticas COI1stilui
um obstáculo para que a prática se centre na emoção. O
interesse primordial na prática psicoterapêutica é, preci-
samente, a patologia, mesmo quando não seja fácil ver us
problemas psicológ'icos em função das emoções. Stanford
(1983 , 1-2) lamenta, ao referir-se aos estudos sobre a tra-
gédia grega - a arte das emoções " que se careça de um
catálogo idóneo das diferentes emoções. Mas a queixa de
Stanford também é válida para a psicoterapia moderna.
Necessitamos saber mais a respeito das emoções e como
diferenciá-Ias. Apesar disso, não existe um livro onde
possamos aprender sobre as emoções, pois apenas nossa
própria experiência pode nos ensinar.
Stanfol'd nos pl'Oporciunou lima síntese retrospet:-
tiva do processo de repressão das emoçôes pelo cristia-
nismo: o modo como os padres da Igreja reprimiram
a emoção, ao central' sua censura na tragédia. Por
p.xemplo, Tertuliano condenou "o despert.ar da raiva. da
dor, do frenesi e de ou tras emoções violentas sim.ilares"
(Ibid., 5). O cristian:ismo edificou-se sobre esta repressão,
ainda que. ao mesmo tempo, devamos compreender que
não foi uma prerrogativa do cristianismo. Já no século
V a.C., percebe-se uma bl'(~cha importanLe, por assim
dizer, entre o racionalismo grego - sem mencionar o
platonismo pitagórico - c a poesia trágica. Psicologi-
camente falando, a repressão é inerente à dinâmica da
confiplração al'quetípica própria de Dioniso. Por alguma
razão, Dioniso é o deus mais reprimido. Parece que re-
presenta uma força cuja repressão é inevitável. Mesmo
que a repressão h.istórica de Dioniso tenha sido coletiva.

34
muito preocupado com a forma como a história distoJ'ceu
e arrebatou de Dioniso sua significEl(,:ao re]jgiosa. Em
sua biografia intitulada Missing Persons, Dodds (1977)
transmite seu interesse pelas experiências ilTacionais;
obviamente refletiu muito sobre a experiência da "comu-
nhão com Deus"Ii,.
Até onde tenho conhecimento, a epifania de Dioniso
proporciona o que se pode chamar de uma experiência
mú;tica, embora bastante diferente da tradição mística na
vida religiosa ocidental. No caso dos místicos da tradição
cl"istà, a experiência supl"ema se aprel;enta, para dizer
de forma geral. como uma luz que emerge do nada, como
uma iluminação ou revelação, que provém de uma atitude
unilateral. Alguns estudiosos chamaram essa atitude de
antítese de Deus. Através da ascese, o místico Linha a
possibilidade de esperar até que a visin Dei se apref>en-
tasse; o :=;eguidor de Dioniso, pelo contrário, parece cair
num PoRtado repentino de possessão pejo deus, Tl'atava-se
de uma experiência emocional, vivida no corpo.
Dodds enliquece nossa vistio da expeliência dioni-
síaca ao abordá-la de um ponto de vista religioso, como
"uma comunhão com deus", uma religião vital e sentida
por seus adeptos, como pudemos ver em As Bacantes de
Eurípedes. No entan.to, Dioniso faz s ua epiCania não só
nesses estados extremos de possessão, em meio a uma
orgia báquica. Na mi nha forma de ver, as cpifanias de
Dioniso são arquetípicas e, portanto, inCOmenSI.\l"áveis.
Podemos detectá-Ias de muitas fOJ"ma~ quando intervêm
na vida de uma pessoa, seja para eru'iquecê-Ia, seja para
destruí-la. Inumeráveis experiências dionisíacas podem
suceder dentro dos limites arquetípicos de Oioniso.
Concordo com a reação de Dodds diante da maneira
pela qual a hístól'ia tem distorcido esse aspecto místico e

";Ver "Univers<l1 Que~lillrl Mark". Em : Dodds. \877 . 97 e S5.


muito preocupado com a forma como a história distoJ'ceu
e arrebatou de Dioniso sua significEl(,:ao re]jgiosa. Em
sua biografia intitulada Missing Persons, Dodds (1977)
transmite seu interesse pelas experiências ilTacionais;
obviamente refletiu muito sobre a experiência da "comu-
nhão com Deus"Ii,.
Até onde tenho conhecimento, a epifania de Dioniso
proporciona o que se pode chamar de uma experiência
mú;tica, embora bastante diferente da tradição mística na
vida religiosa ocidental. No caso dos místicos da tradição
cl"istà, a experiência supl"ema se aprel;enta, para dizer
de forma geral. como uma luz que emerge do nada, como
uma iluminação ou revelação, que provém de uma atitude
unilateral. Alguns estudiosos chamaram essa atitude de
antítese de Deus. Através da ascese, o místico Linha a
possibilidade de esperar até que a visin Dei se apref>en-
tasse; o :=;eguidor de Dioniso, pelo contrário, parece cair
num PoRtado repentino de possessão pejo deus, Tl'atava-se
de uma experiência emocional, vivida no corpo.
Dodds enliquece nossa vistio da expeliência dioni-
síaca ao abordá-la de um ponto de vista religioso, como
"uma comunhão com deus", uma religião vital e sentida
por seus adeptos, como pudemos ver em As Bacantes de
Eurípedes. No entan.to, Dioniso faz s ua epiCania não só
nesses estados extremos de possessão, em meio a uma
orgia báquica. Na mi nha forma de ver, as cpifanias de
Dioniso são arquetípicas e, portanto, inCOmenSI.\l"áveis.
Podemos detectá-Ias de muitas fOJ"ma~ quando intervêm
na vida de uma pessoa, seja para eru'iquecê-Ia, seja para
destruí-la. Inumeráveis experiências dionisíacas podem
suceder dentro dos limites arquetípicos de Oioniso.
Concordo com a reação de Dodds diante da maneira
pela qual a hístól'ia tem distorcido esse aspecto místico e

";Ver "Univers<l1 Que~lillrl Mark". Em : Dodds. \877 . 97 e S5.


em que se reprimiram os aspectos misticos c trágicos de
Dioniso ao retratá-lo como "o alegre Baco".
Pru·ecc que Ticiano, em SUEI juvenlude, foi impul-
sionado por uma espécie de entusiasmo extrover!..ido em
direção ao tema báquico. Devemos recordar que foi um
momento h.istórico no qual a psique ocidental começa
a sofrer a ansiedade cultural, que o conflito íntimo en-
tre o monoteísmo do crislianismo e o descobrimento do
paganismo haviam engendrado . Rubens oferece uma
aproximação mais complexa dos temas dionisíacos, corno
o mostrd a série de pinturas sobre Sileno. Sentimos que
nos retratos desta figura dionisíaca ele tentava conectar-
-se com algo que, para ele mesmo, era sumamente obs-
curo. Parece que Dioniso representou um tema que era
atraente para Ticiano, e pat'a Rubens um Lema em que
projetou complexidades obscuras. Suas obras não foram a
expressão de naturezas predominantemente dionisíacas,
mas a expl·essão de um confliLo hist6rico. A hiHtória da
arte teve de esperar até o séc. XX, pelo aparecimento de
um pintor, talvez o único, cuja oeUL!re é essencialmente
dionisíaca. Não há dúvida de que a arte de Pablo Picasso
nasce de uma natureza di()ni~íaca, independentemente
de se o tema que esteja trabalhando tenha surgido de
sua interioridade ou de um modelo externo. Com Pablo
Picasso, lemos, finéllmente, um grande artista cuja visào
provém de uma consciência dionisíaca. Poderíamos dizer
que Picasso foÍ uma nece5sidade histórica. Desde suas
primeiras pinturas sobre tourada, quando menino, até
o autolTetrato feito no final de sua vida, no qual reflete
sua própria morte, sua obra encontra-se sob a égide de
Dioniso. Creio quc agora podemos perceber a diferença
entre pintar um tema dionisíaco e pintar a partir de uma
natureza dionisíaca, assim como podemos perceber a di-
ferença entre escreveI' sobre Dioniso e um texto que leve
Dioniso em seu coração.

38
em que se reprimiram os aspectos misticos c trágicos de
Dioniso ao retratá-lo como "o alegre Baco".
Pru·ecc que Ticiano, em SUEI juvenlude, foi impul-
sionado por uma espécie de entusiasmo extrover!..ido em
direção ao tema báquico. Devemos recordar que foi um
momento h.istórico no qual a psique ocidental começa
a sofrer a ansiedade cultural, que o conflito íntimo en-
tre o monoteísmo do crislianismo e o descobrimento do
paganismo haviam engendrado . Rubens oferece uma
aproximação mais complexa dos temas dionisíacos, corno
o mostrd a série de pinturas sobre Sileno. Sentimos que
nos retratos desta figura dionisíaca ele tentava conectar-
-se com algo que, para ele mesmo, era sumamente obs-
curo. Parece que Dioniso representou um tema que era
atraente para Ticiano, e pat'a Rubens um Lema em que
projetou complexidades obscuras. Suas obras não foram a
expressão de naturezas predominantemente dionisíacas,
mas a expl·essão de um confliLo hist6rico. A hiHtória da
arte teve de esperar até o séc. XX, pelo aparecimento de
um pintor, talvez o único, cuja oeUL!re é essencialmente
dionisíaca. Não há dúvida de que a arte de Pablo Picasso
nasce de uma natureza di()ni~íaca, independentemente
de se o tema que esteja trabalhando tenha surgido de
sua interioridade ou de um modelo externo. Com Pablo
Picasso, lemos, finéllmente, um grande artista cuja visào
provém de uma consciência dionisíaca. Poderíamos dizer
que Picasso foÍ uma nece5sidade histórica. Desde suas
primeiras pinturas sobre tourada, quando menino, até
o autolTetrato feito no final de sua vida, no qual reflete
sua própria morte, sua obra encontra-se sob a égide de
Dioniso. Creio quc agora podemos perceber a diferença
entre pintar um tema dionisíaco e pintar a partir de uma
natureza dionisíaca, assim como podemos perceber a di-
ferença entre escreveI' sobre Dioniso e um texto que leve
Dioniso em seu coração.

38
de desinteresse ou, o que inclusive é pior. de um ponto
de vista titânico, que só pode funcionar reprimindo
Dioni~o .
l\-1uitos dos estudos de psicologia deste século têm
sido realizados no norte da Europa e Estados Unidos.
A maioria dos psicôlogos, especialmente os junguianos
que herdaram o conceito de ,Jung sobre os arquétipos,
são princípalmente protestantes e judeus, cujas reli-
giõel:;, educação e modo de vida proporcionam urna for-
mação ética c uma consciência inclinadas para reprimi.!'
ou interpretar de forma errada o aspecto dionisíaco da
vida. Trata-se de um mal enLendido geogrilfico, his-
tórico, étnico e l·etigioso. N ào deve ser uma su rpresa
que os psicólogos modernos achem difícil compreender
a l'eJevância e a presença de Dioniso na psique. Ar-
quetipicamente, Dioniso representa uma psicologia e,
se não se percebe ou respeita sua presença, o con flito
psíquico que isso cria nuo é detectado. Gostaria que [)
leitor entendesse que estou trazendo para discussão
algumas das qualidades que Dioniso pode oferece)' à
psicoterapia . No geral, estamos tão distanciados das
emoções que propiciam a presença de Dioniso. que a
consciência desta distância poderia ser a unica atitude
dionisíaca possível. Neste sentido, é difícil imaginar,
hoje em dia, um psicoterapeuta sensível ii presença de
Dioniso que fosse capaz de responder a partir de um
nível dionisíaco da psique e assim propiciar um anti-
go atributo do deus: a cura. A experiência da análise
pessoal do psicoterapeuta e dos estudos de psicotera-
pia junguianos, hoje em dia, aparenta ser apenas o
cumprimento de um requisilo acadêmico. De maneira
nenhuma isso pode seI' dionisíaco.
Com a repressão do Dioniso emocional, aparece a
reIJressão do corpo. Ivan Linforth (1973, 327) diz que o
corpo é sempre dionisíaco; disso podemos deduzir que

40
de desinteresse ou, o que inclusive é pior. de um ponto
de vista titânico, que só pode funcionar reprimindo
Dioni~o .
l\-1uitos dos estudos de psicologia deste século têm
sido realizados no norte da Europa e Estados Unidos.
A maioria dos psicôlogos, especialmente os junguianos
que herdaram o conceito de ,Jung sobre os arquétipos,
são princípalmente protestantes e judeus, cujas reli-
giõel:;, educação e modo de vida proporcionam urna for-
mação ética c uma consciência inclinadas para reprimi.!'
ou interpretar de forma errada o aspecto dionisíaco da
vida. Trata-se de um mal enLendido geogrilfico, his-
tórico, étnico e l·etigioso. N ào deve ser uma su rpresa
que os psicólogos modernos achem difícil compreender
a l'eJevância e a presença de Dioniso na psique. Ar-
quetipicamente, Dioniso representa uma psicologia e,
se não se percebe ou respeita sua presença, o con flito
psíquico que isso cria nuo é detectado. Gostaria que [)
leitor entendesse que estou trazendo para discussão
algumas das qualidades que Dioniso pode oferece)' à
psicoterapia . No geral, estamos tão distanciados das
emoções que propiciam a presença de Dioniso. que a
consciência desta distância poderia ser a unica atitude
dionisíaca possível. Neste sentido, é difícil imaginar,
hoje em dia, um psicoterapeuta sensível ii presença de
Dioniso que fosse capaz de responder a partir de um
nível dionisíaco da psique e assim propiciar um anti-
go atributo do deus: a cura. A experiência da análise
pessoal do psicoterapeuta e dos estudos de psicotera-
pia junguianos, hoje em dia, aparenta ser apenas o
cumprimento de um requisilo acadêmico. De maneira
nenhuma isso pode seI' dionisíaco.
Com a repressão do Dioniso emocional, aparece a
reIJressão do corpo. Ivan Linforth (1973, 327) diz que o
corpo é sempre dionisíaco; disso podemos deduzir que

40
Deus, mesmo que, provavelmente, tal contemplação tenha
sido mais dioni!,;íaca do que costumamos pensar. Pode-
mos imaginar que, ao experimentar a Hagelação, tanto o
neófito quanto o mistico eram induzidos a uma espécie de
loucma. Poderíamos, inclusive, igualar a flagelação com
o desmembmmento e, nesse sentido, compreendê-ta como
a atualização do mitn dionisíaco (spaJ"agmos). Víst.a dessa
maneira, a flagelação fica demarcada dentro da loucura
divina de Díoniso.
O homem ocidental, especialmente, tem tido muita
dificuldade em assumir sua vida interior. Os estudos
evol ucionistas modernos proporcionam um retrato neo-
-danviniano tão convincente do modo como essa dificul-
dade foi se manifestando:

Entre as muitas coisas sábias que Marvin Minsky diz


em seu excelente livro Th.e Society ofl.he Mind (Simon &
Schustel", New York, 1985), está o fato de nosso cérebro
ser U III órgão, produto ela cvol tição, que foi seleciollado
[Jélra a obsenraÇ"ão e para fi relação com o mundo exterior
e que, s eguramente, não foi selecionado par" o autoe-
xnmc. Em resumo, somos, por condição inata, maus de
introspecçào. Nosso fi·acasso em perceber a natureza de
nosso próprio pensamento, ou a natureza da consciência
que nos permite concordar com esse pensamento, ou das
palavras que outorgam uma ordem a essa consciêncía, é,
sem dúvjda alguma. uma manifestação de . ~a incapacidade
i1'udge,1995,252).

Por causa dos esforços do homem para sobreviver,


a extroversão se desenvolveu em detrimento da intro-
versão, que poderia ter-lhe proporcionardo um maior
conhecimento de si mesmo e uma visão interior. Este
en[oque evol ucionista no::; ajuda a percebeI' a torpeza e
a deficiência de tudo o que está relacionado com a vida
interior. Situando-os neste contexto evolutivo, os tipos psi-
co lógi cus j u ngu i a nos, extra verti doli n trovert i do, adq u irem

42
Deus, mesmo que, provavelmente, tal contemplação tenha
sido mais dioni!,;íaca do que costumamos pensar. Pode-
mos imaginar que, ao experimentar a Hagelação, tanto o
neófito quanto o mistico eram induzidos a uma espécie de
loucma. Poderíamos, inclusive, igualar a flagelação com
o desmembmmento e, nesse sentido, compreendê-ta como
a atualização do mitn dionisíaco (spaJ"agmos). Víst.a dessa
maneira, a flagelação fica demarcada dentro da loucura
divina de Díoniso.
O homem ocidental, especialmente, tem tido muita
dificuldade em assumir sua vida interior. Os estudos
evol ucionistas modernos proporcionam um retrato neo-
-danviniano tão convincente do modo como essa dificul-
dade foi se manifestando:

Entre as muitas coisas sábias que Marvin Minsky diz


em seu excelente livro Th.e Society ofl.he Mind (Simon &
Schustel", New York, 1985), está o fato de nosso cérebro
ser U III órgão, produto ela cvol tição, que foi seleciollado
[Jélra a obsenraÇ"ão e para fi relação com o mundo exterior
e que, s eguramente, não foi selecionado par" o autoe-
xnmc. Em resumo, somos, por condição inata, maus de
introspecçào. Nosso fi·acasso em perceber a natureza de
nosso próprio pensamento, ou a natureza da consciência
que nos permite concordar com esse pensamento, ou das
palavras que outorgam uma ordem a essa consciêncía, é,
sem dúvjda alguma. uma manifestação de . ~a incapacidade
i1'udge,1995,252).

Por causa dos esforços do homem para sobreviver,


a extroversão se desenvolveu em detrimento da intro-
versão, que poderia ter-lhe proporcionardo um maior
conhecimento de si mesmo e uma visão interior. Este
en[oque evol ucionista no::; ajuda a percebeI' a torpeza e
a deficiência de tudo o que está relacionado com a vida
interior. Situando-os neste contexto evolutivo, os tipos psi-
co lógi cus j u ngu i a nos, extra verti doli n trovert i do, adq u irem

42
ção dionisíaca, que é arquctípica e faz a conexào entre a
alma e o corpo19. Bem, Dioniso faz sua cpifania no corpo
nào só através das emoções fortes. Suas vias são também
sutis; pode apresentar-se de uma forma que tem relação
com a intim.idade de nossos próprios sentimentos. Com
grande disCI;ção e sossegadamente, Dioniso nos f'uz saber
que se encontra justo ali, no corpo.
Na tradição oral da psicologiajunguiana, as emoções
são reconhecidas. Numa ocasião, quando se perguntou
a Jung sobre a terapia de eletl'ocboque, ele respondeu
que, pessoalmente, nào havia tido a necessidade de
empregá-Ia porque descobrira que o choque provocado
por uma emoção produzia melhores efeitos. Com isso,
Jung dá uma ideia viva do i.mpacto da emoção na prá-
tica psicoterapêutica. A primeira geração de analistas
junguianos, como Irene Claremont de Castillejo c Bar-
bara Hannah, estava consciente da carência de emoção
na cul tura \l10derna e percebeu que sua expressão era
sempre negativa, ofensiva e contaminada pela histeria,
torpeza e ressentimento. Foi um ponto de vlsta histórico,
baseado nos opostos negativo/positivo; uma perspectiva
válida. Sua ideia consistia em que a extel'iOl-ização das
emoções negativas deveria ser vivida totalmente até
convertê-las em emoções positivas. Como alternativa,
o método da imabrlnação ativa de Jung oferecia uma
técnica para relacionar-se com o inconsciente. Seu valor
foi ter oferecido ao homem moderno uma via individual
para 'corrigir' a brecha entre o consciente e o inconscien-
te. Mas temos visto que, no contextojunguiano, Dioniso
permjte uma perspectiva arquetípica para relacionar-se

lSUm t ernpeuta experimen Ul d o está A par dos muitos casos cm que o


paCi pll(E'1 Mi o é consciente el e se u co rpo uu, paru ulzer de uma lllan eira mais
gráfica, de que é in<':ol1scienLe inclusive da mais corntJn\ das enfer'Oli da àes que
pode ria nud eccr.

44
ção dionisíaca, que é arquctípica e faz a conexào entre a
alma e o corpo19. Bem, Dioniso faz sua cpifania no corpo
nào só através das emoções fortes. Suas vias são também
sutis; pode apresentar-se de uma forma que tem relação
com a intim.idade de nossos próprios sentimentos. Com
grande disCI;ção e sossegadamente, Dioniso nos f'uz saber
que se encontra justo ali, no corpo.
Na tradição oral da psicologiajunguiana, as emoções
são reconhecidas. Numa ocasião, quando se perguntou
a Jung sobre a terapia de eletl'ocboque, ele respondeu
que, pessoalmente, nào havia tido a necessidade de
empregá-Ia porque descobrira que o choque provocado
por uma emoção produzia melhores efeitos. Com isso,
Jung dá uma ideia viva do i.mpacto da emoção na prá-
tica psicoterapêutica. A primeira geração de analistas
junguianos, como Irene Claremont de Castillejo c Bar-
bara Hannah, estava consciente da carência de emoção
na cul tura \l10derna e percebeu que sua expressão era
sempre negativa, ofensiva e contaminada pela histeria,
torpeza e ressentimento. Foi um ponto de vlsta histórico,
baseado nos opostos negativo/positivo; uma perspectiva
válida. Sua ideia consistia em que a extel'iOl-ização das
emoções negativas deveria ser vivida totalmente até
convertê-las em emoções positivas. Como alternativa,
o método da imabrlnação ativa de Jung oferecia uma
técnica para relacionar-se com o inconsciente. Seu valor
foi ter oferecido ao homem moderno uma via individual
para 'corrigir' a brecha entre o consciente e o inconscien-
te. Mas temos visto que, no contextojunguiano, Dioniso
permjte uma perspectiva arquetípica para relacionar-se

lSUm t ernpeuta experimen Ul d o está A par dos muitos casos cm que o


paCi pll(E'1 Mi o é consciente el e se u co rpo uu, paru ulzer de uma lllan eira mais
gráfica, de que é in<':ol1scienLe inclusive da mais corntJn\ das enfer'Oli da àes que
pode ria nud eccr.

44
diferenciar as emoções. Se desejarmos nos aproximar da
psicologia dionisíaca teremos de nos famiiiarizar com a
imagétíca dionisíaca e com as emoções que ela contém.
Mais importante ainda, devemos desenvolver uma me-
mória dessas emoções, porque essa memória é essencial
para no '8 aprendizagem .
A psicolOgia dionisíaca é arraigada nas emoções e
no viver a vida como destino . Eurípedes nos introduz l)(l
consciência deste estado em sua tragédia Alceste, quando
o Com diz:
Tenho procurado em muitos livros,
Tenho estudado as teorias dos asLrônomos
Tenho procurado inumeráveis argumentos'.
No entanto, não Lenho encontl'ado nada mais poderoso du
que o destino.
(Eurípedes, 1953, 151 J.

Acredito que estas palavras do Coro têm um grande


valor, no sentido de que a psique é liberada de todo o lastro
do conhecimento e das ideias quando nossos complexos-
em outras palavras, nossa história - se transformam em
consciência de nosso destino. Para mim, poder contemplar
as g1'andes afiições da vida - os complexos paralisados-
como destino dÁ lugar a uma ampliação dD. consciência, a
uma maior tolerância.

AO LONGO da história do Ocin~nte, têm existido


muitas comunidades vinculadas à cultura dionisíaca.
S6 temos de imaginar o grupo de mênades se dirigindo
à montanha para celebrar o ritual dionisíaco como as
integrantes de uma comunidade, de um thiasos. Este é o
modelo clássico de uma comunidade, sociedade ou clube
do tipo dionisíaco. Os estudiosos modernos têm prestado
atenção a este aspecto co]etivo de Dioniso, tanLo na épo-
ca grega quanto na romana. Nilsson, cm seu livro The

46
diferenciar as emoções. Se desejarmos nos aproximar da
psicologia dionisíaca teremos de nos famiiiarizar com a
imagétíca dionisíaca e com as emoções que ela contém.
Mais importante ainda, devemos desenvolver uma me-
mória dessas emoções, porque essa memória é essencial
para no '8 aprendizagem .
A psicolOgia dionisíaca é arraigada nas emoções e
no viver a vida como destino . Eurípedes nos introduz l)(l
consciência deste estado em sua tragédia Alceste, quando
o Com diz:
Tenho procurado em muitos livros,
Tenho estudado as teorias dos asLrônomos
Tenho procurado inumeráveis argumentos'.
No entanto, não Lenho encontl'ado nada mais poderoso du
que o destino.
(Eurípedes, 1953, 151 J.

Acredito que estas palavras do Coro têm um grande


valor, no sentido de que a psique é liberada de todo o lastro
do conhecimento e das ideias quando nossos complexos-
em outras palavras, nossa história - se transformam em
consciência de nosso destino. Para mim, poder contemplar
as g1'andes afiições da vida - os complexos paralisados-
como destino dÁ lugar a uma ampliação dD. consciência, a
uma maior tolerância.

AO LONGO da história do Ocin~nte, têm existido


muitas comunidades vinculadas à cultura dionisíaca.
S6 temos de imaginar o grupo de mênades se dirigindo
à montanha para celebrar o ritual dionisíaco como as
integrantes de uma comunidade, de um thiasos. Este é o
modelo clássico de uma comunidade, sociedade ou clube
do tipo dionisíaco. Os estudiosos modernos têm prestado
atenção a este aspecto co]etivo de Dioniso, tanLo na épo-
ca grega quanto na romana. Nilsson, cm seu livro The

46
Esta é a passage:;m esclarecedora, que nos faz pensar
nas possibilidades de uma liberdade imaginativa em tais
comunidades religiosas .
Passemos a considerar, através da cone.xão indireta
das manifestações dionisíacas na arte e no sincretismo do
cl-istianismo, como sobrevive o culto religioso dionisíaco
no mundo atual. Tenho intcresse em ver o roodo como se
vive a vida dionisíaca em pequenas comun.idades de hojc,
onde a psicologia do thia.<;()s é uma realidade .
Em Andaluzia, a região da Espanha culturalmente
mais ant.iga, os andaluzes vivem o sincretismo de sua
cultura e enriquecem suas vidas com duas poderosas
formas ele arte dionisíaca : () canto, o violão, o baile flamen-
cos e a refinada e emotiva arte da tourada, desenvolvida
pacicntemente ao longo dos séculos, a partir do ritual de
sacrifício do touro, A morte mantém urna poderosa pre-
sença em ambas as manifest.ações artísticas.
O thiasos associado à tourada são as chamadas pe-
nhas e tertúlias, nas quais um grupo de aficionados se
reúne sob o nome de seu toureiro favorito, Percebemos
que existe algo do antigo culto do herói como matador
de touro, ou do sacrificio arcaico; mas, ao mesmo tempo,
tem lugar ali uma gTande quantidade de conversações
culturais, discussões e colocações relacionadas com a
história da arte da tourada . Quando üs aficionados fa-
lam e discutem sobre a tourada e os toureiros em suas
penhas e tertúlias, estão fazendo uma conexão, indireta
porém muito real, com a imagem primordial do sacrifício
do touro, que vem acompanhada de uma forte imagética
dionisíaca . Mediante e~sas conexões indiretas e com a
ajuda da forma artística dionisíaca, os membros das pe-
nhlls e tertúlias mantêm viva sua imaginHção: a emoção
que produz a beleza da tourada, os liscos constantes que
cone o toureiro, a memória das grandes fainas e a morte
de toureiros famosos.

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Esta é a passage:;m esclarecedora, que nos faz pensar
nas possibilidades de uma liberdade imaginativa em tais
comunidades religiosas .
Passemos a considerar, através da cone.xão indireta
das manifestações dionisíacas na arte e no sincretismo do
cl-istianismo, como sobrevive o culto religioso dionisíaco
no mundo atual. Tenho intcresse em ver o roodo como se
vive a vida dionisíaca em pequenas comun.idades de hojc,
onde a psicologia do thia.<;()s é uma realidade .
Em Andaluzia, a região da Espanha culturalmente
mais ant.iga, os andaluzes vivem o sincretismo de sua
cultura e enriquecem suas vidas com duas poderosas
formas ele arte dionisíaca : () canto, o violão, o baile flamen-
cos e a refinada e emotiva arte da tourada, desenvolvida
pacicntemente ao longo dos séculos, a partir do ritual de
sacrifício do touro, A morte mantém urna poderosa pre-
sença em ambas as manifest.ações artísticas.
O thiasos associado à tourada são as chamadas pe-
nhas e tertúlias, nas quais um grupo de aficionados se
reúne sob o nome de seu toureiro favorito, Percebemos
que existe algo do antigo culto do herói como matador
de touro, ou do sacrificio arcaico; mas, ao mesmo tempo,
tem lugar ali uma gTande quantidade de conversações
culturais, discussões e colocações relacionadas com a
história da arte da tourada . Quando üs aficionados fa-
lam e discutem sobre a tourada e os toureiros em suas
penhas e tertúlias, estão fazendo uma conexão, indireta
porém muito real, com a imagem primordial do sacrifício
do touro, que vem acompanhada de uma forte imagética
dionisíaca . Mediante e~sas conexões indiretas e com a
ajuda da forma artística dionisíaca, os membros das pe-
nhlls e tertúlias mantêm viva sua imaginHção: a emoção
que produz a beleza da tourada, os liscos constantes que
cone o toureiro, a memória das grandes fainas e a morte
de toureiros famosos.

48
Um sentimento idêntico ao do grupo dionisíaco pode
ser encontrado nas confrarias (confraternidades, as,socia-
ções). Estas associações estão vinculadas às igrejas pa-
roquiais de Andaluzia e são devotas de uma imagem em
particular, especialmente de uma das muitas virgens
criadas pela imaginaçào andaluz; ou melhor, devotas das
imagens da Paixão e Cruciflxão de Jesus Cristo. Estas
imagens são o centro das procissões rituais da Igreja
Católica, durante a Semana Santa. Mas na Andaluzia
podemos perceber que a tradição cristã se combinou com
um ingrediente original do fiamenco, a saeta, uma voz
que canta sem a companhia de instrumentos, enquanto
11 procissão se detém para esperar que a canção termine.
Temos aqui um sincretismo, no qual prevalece a poderosa
emoção dionisíaca. Com o cristianismo, este sinaetismo
tem perdurado: em épocas relativamente recentes, a misa
rociera ganhou muita popularidade na Espanha. Trata-se
de um tipo de canto flamenco associado ao culto da Virgem
do Rocio. Esses cantos outorgam ao ritual da missa uma
emoção que nos faz recordar os spirituals da comunidade
negra norte-americana.
No flamenco e na tourada podemos perceber formas
muito poderosas da arte dionisíaca. Contudo, estou cons-
ciente de que alguns de meus leitores podem ter dificul-
dade de aceitar tais formas de arte. Nem todo mundo
pode tolerar um canto flamenco, sem acompanhamento
de instrumentos, como o martinete, como quem escuta
música clássica, Trata-se de uma experiência que me faz
pensar naquela competição a que se refere a mitologia,
entre Mársias, o músico dionisíaco, e Apolo, para exem-
plificar duas maneiras de sentir e expressar a música, Da
mesma forma que, no meio do colorido e da beleza de uma

lIlú~i~a me recorda o corihantismo e ~ ""laç:\O de um estilo rir! música. com H


psicologia de uma per~ooalid[\de.

50
Um sentimento idêntico ao do grupo dionisíaco pode
ser encontrado nas confrarias (confraternidades, as,socia-
ções). Estas associações estão vinculadas às igrejas pa-
roquiais de Andaluzia e são devotas de uma imagem em
particular, especialmente de uma das muitas virgens
criadas pela imaginaçào andaluz; ou melhor, devotas das
imagens da Paixão e Cruciflxão de Jesus Cristo. Estas
imagens são o centro das procissões rituais da Igreja
Católica, durante a Semana Santa. Mas na Andaluzia
podemos perceber que a tradição cristã se combinou com
um ingrediente original do fiamenco, a saeta, uma voz
que canta sem a companhia de instrumentos, enquanto
11 procissão se detém para esperar que a canção termine.
Temos aqui um sincretismo, no qual prevalece a poderosa
emoção dionisíaca. Com o cristianismo, este sinaetismo
tem perdurado: em épocas relativamente recentes, a misa
rociera ganhou muita popularidade na Espanha. Trata-se
de um tipo de canto flamenco associado ao culto da Virgem
do Rocio. Esses cantos outorgam ao ritual da missa uma
emoção que nos faz recordar os spirituals da comunidade
negra norte-americana.
No flamenco e na tourada podemos perceber formas
muito poderosas da arte dionisíaca. Contudo, estou cons-
ciente de que alguns de meus leitores podem ter dificul-
dade de aceitar tais formas de arte. Nem todo mundo
pode tolerar um canto flamenco, sem acompanhamento
de instrumentos, como o martinete, como quem escuta
música clássica, Trata-se de uma experiência que me faz
pensar naquela competição a que se refere a mitologia,
entre Mársias, o músico dionisíaco, e Apolo, para exem-
plificar duas maneiras de sentir e expressar a música, Da
mesma forma que, no meio do colorido e da beleza de uma

lIlú~i~a me recorda o corihantismo e ~ ""laç:\O de um estilo rir! música. com H


psicologia de uma per~ooalid[\de.

50
características: rostos semelhantes ao de Sileno, longa
cabeJeira, orelhas pontiagudas e rabo de cavalo; tocam
seus instrumentos musicais, mostram condu la lasciva e
estão embriagados de vinho. É obvio que representam a
conexão com a egfera animal do homem e deveriam repre-
sentar, deste modo, uma faceta importante ele Dioniso, um
aspecto ao.imal que poderia ser vivido e adquirir signifi-
cado dentro de seus limites arquetípicos 22 . O tlúasos dos
sátiros nos faz pensar nos atuais grupos de carnaval, em
que o traje e a maquiagem de todos os seus integrantes
são idênticos, onde a individualidade da pessoa fica oculta
por trás da máscara, e isso lhe concede licença para toda
classe de comportamentos normalmente inaceitáveis.
Atwümente a palavra 'satírico' é usada na literatura
e no teatro para demonstrar a arte de degradar um tema,
tornando-o objeto de ricliculo, provocando clivel·são, me-
nogprezo e gozação. Nisto distingue-se da comecüa, que
desperta o riso simples. A sátira é uma arte zombeteira e
geralmente é usada como anna. Dioniso é o deus da comé-
dia e também da tragédia. As peças satíricas gregas não
sobreviveram; no entanto, cxjste um fragmento ma.gnifico
de Eurípedes em sua obra Alceste que proporciona uma
imagem da psicologia satírica em ação. Héracles, em seu
caminho até a Trácia, para onde se dirigia u fim de nego-
ciar uns cavalos com Diomedes, chega à casa de Admelo,
Numa combinação de herói com bufão satírico, Héracles.
com certo descaramento, se dirige ao mundo elos morto~
para devolver Alcesie a Reu desgostoso esposo . Nest.a peça
Eurípedes usa o tratamento satírico da morte como um
recurso da tragédia 23 , A forma como retrata Héracles,

:!:!,\ facet8 a ni m al fie Dion iso. eX)Jr~ssll. DOS s!\tiros. cleve i;e r vista como u m
cfnlras te 110 lI~pecwa n imaJ da IO ll curp. q ue tratal' ,,1ll 0~ na possessàn rle Ág ll\,(I.
na últimn pa r te de As Bacante . de EUl'Ípede s.
'~Ter 1'. B. L. Webllter, 1976. IJ. 5, onde C'scre\'e: 'Alce te ' ub stituiu uma
peça satíri ca e m 438 a .C" .

52
características: rostos semelhantes ao de Sileno, longa
cabeJeira, orelhas pontiagudas e rabo de cavalo; tocam
seus instrumentos musicais, mostram condu la lasciva e
estão embriagados de vinho. É obvio que representam a
conexão com a egfera animal do homem e deveriam repre-
sentar, deste modo, uma faceta importante ele Dioniso, um
aspecto ao.imal que poderia ser vivido e adquirir signifi-
cado dentro de seus limites arquetípicos 22 . O tlúasos dos
sátiros nos faz pensar nos atuais grupos de carnaval, em
que o traje e a maquiagem de todos os seus integrantes
são idênticos, onde a individualidade da pessoa fica oculta
por trás da máscara, e isso lhe concede licença para toda
classe de comportamentos normalmente inaceitáveis.
Atwümente a palavra 'satírico' é usada na literatura
e no teatro para demonstrar a arte de degradar um tema,
tornando-o objeto de ricliculo, provocando clivel·são, me-
nogprezo e gozação. Nisto distingue-se da comecüa, que
desperta o riso simples. A sátira é uma arte zombeteira e
geralmente é usada como anna. Dioniso é o deus da comé-
dia e também da tragédia. As peças satíricas gregas não
sobreviveram; no entanto, cxjste um fragmento ma.gnifico
de Eurípedes em sua obra Alceste que proporciona uma
imagem da psicologia satírica em ação. Héracles, em seu
caminho até a Trácia, para onde se dirigia u fim de nego-
ciar uns cavalos com Diomedes, chega à casa de Admelo,
Numa combinação de herói com bufão satírico, Héracles.
com certo descaramento, se dirige ao mundo elos morto~
para devolver Alcesie a Reu desgostoso esposo . Nest.a peça
Eurípedes usa o tratamento satírico da morte como um
recurso da tragédia 23 , A forma como retrata Héracles,

:!:!,\ facet8 a ni m al fie Dion iso. eX)Jr~ssll. DOS s!\tiros. cleve i;e r vista como u m
cfnlras te 110 lI~pecwa n imaJ da IO ll curp. q ue tratal' ,,1ll 0~ na possessàn rle Ág ll\,(I.
na últimn pa r te de As Bacante . de EUl'Ípede s.
'~Ter 1'. B. L. Webllter, 1976. IJ. 5, onde C'scre\'e: 'Alce te ' ub stituiu uma
peça satíri ca e m 438 a .C" .

52
o que significou o entusiasmo dionisíaco para as mulheres
gn;~gas, devemos nos perguntar de que forma esse culto,
através do mistério e do êxtase, as alimentava e nutria .
Podemos imaginar que as almas dessas mulheres estavam
generosament.e satisfeitas com a experiência dionisíaca
e, provavelmente, que essa experiência lhes proporcio-
nava intuições, muito além do que hoje pode alcançar a
nossa imaginação. Os mistérios proveem a alma de uma
dimensão para viver a experiência religiosa que, no caso
de Dioniso, significa sentir-se em seu próprio corpo, na
emoção particular do momento em que se está vivendo .
Podemos ter uma ideia do que Dioniso pôde significar para
as mulheres gregas quando observamos sua epifania na
psique de uma mulher moderna.
Perm i Lam-me ilustrar essa epifanja com dois san hos
de lIma mulher venezuelana, de 52 anos de idade, casada,
mãe de três filhos e cuja vida era dedicada ao lar. Em seu
sonho inicial ela está num deserto com um pequeno jarro,
com água só até a metade; uma pequena porção de água
que não lhe durará muito. Este sonho mostra uma psique
numa condição bastante precária. No segundo sonho a
mulher está vestida de branco e dança descalça, cm êx-
tase, por quilômetros e qui1ômetros, Esta é uma imagem
muiLo precisa de uma mênade. A palavra 'mênacle' deriva
de mania, que neste contexto remete a um estado de pos-
sessão, Jane Ellen Harríson (1957, 388) diz: "Seu nome ...
representa um estado da mente e do corpo". Entendo que
a psique dessa mulher está sedenta de Dioruso. De seu
sofrimento produz-se uma experiência dionisíaca como
remédio para sua secura e desolação, Parece que, através
de Dioniso, através dessa experiência corpol'al na qual o
deus provê êxtase, a mulher se conecta com seu sOhimen-
to. Crejo que há uma diferença muito importante entre
a experiência de conectar-se com o próprio sofrimento e
simplesmente sofrê-lo.

54
o que significou o entusiasmo dionisíaco para as mulheres
gn;~gas, devemos nos perguntar de que forma esse culto,
através do mistério e do êxtase, as alimentava e nutria .
Podemos imaginar que as almas dessas mulheres estavam
generosament.e satisfeitas com a experiência dionisíaca
e, provavelmente, que essa experiência lhes proporcio-
nava intuições, muito além do que hoje pode alcançar a
nossa imaginação. Os mistérios proveem a alma de uma
dimensão para viver a experiência religiosa que, no caso
de Dioniso, significa sentir-se em seu próprio corpo, na
emoção particular do momento em que se está vivendo .
Podemos ter uma ideia do que Dioniso pôde significar para
as mulheres gregas quando observamos sua epifania na
psique de uma mulher moderna.
Perm i Lam-me ilustrar essa epifanja com dois san hos
de lIma mulher venezuelana, de 52 anos de idade, casada,
mãe de três filhos e cuja vida era dedicada ao lar. Em seu
sonho inicial ela está num deserto com um pequeno jarro,
com água só até a metade; uma pequena porção de água
que não lhe durará muito. Este sonho mostra uma psique
numa condição bastante precária. No segundo sonho a
mulher está vestida de branco e dança descalça, cm êx-
tase, por quilômetros e qui1ômetros, Esta é uma imagem
muiLo precisa de uma mênade. A palavra 'mênacle' deriva
de mania, que neste contexto remete a um estado de pos-
sessão, Jane Ellen Harríson (1957, 388) diz: "Seu nome ...
representa um estado da mente e do corpo". Entendo que
a psique dessa mulher está sedenta de Dioruso. De seu
sofrimento produz-se uma experiência dionisíaca como
remédio para sua secura e desolação, Parece que, através
de Dioniso, através dessa experiência corpol'al na qual o
deus provê êxtase, a mulher se conecta com seu sOhimen-
to. Crejo que há uma diferença muito importante entre
a experiência de conectar-se com o próprio sofrimento e
simplesmente sofrê-lo.

54
trágica história familiar começa com a bestial cópula
de Pasifae com o touro, que deu lugar ao nascimeoto do
Minotauro. Esta monstruosa descendência foi retida cm
Minos, dentro de um labirinto construído por Dédalo e
onde, umEl vez por ano, sacrificavam-se jovens de a mbos
os sexos ao Minotauro. Foi Ariadne quem deu a Teseu, o
herói que foi para matar o Minotauro, o fio para a char a
saída do labilinto. Bem, o Minotauro no labirinto serve
de analogia para as fantasias negativas que podem aAigir
emocionohnente a psique de forma destrutiva. Ariadne
teve a sabedoria de usar o herói para a tarefa de matar o
seu meio-irmão, o Minotauro . Pode-se dizer que se t rata de
Lransfc)rmaçào dos sentimentos negativos e das memórias
de uma história herdada ( ~imbolizada pelo Minotauro no
labil;nto) para integrá-los à personaUdade .
Depois de matar o Minotauro, Teseu e Ariadne mar-
cham em direção a Atenas, detendo-se antes na ilha de
Naxos. O que aconteceu ali tem sen:ido de inspiraçâo a
poetas e músicos. Ariadne cai numa espécie de transe na
hora em que Teseu a abandona na praia e prossegue seu
rumo para Atenas . Então Dioniso apresenta-se diante de
Ariadne e i1. torna sua esposa . Provavelmente ele é o único
deus que manteve uma relaçã o monogârnica; podel'-se-ía
dizer que assim imaginaram as mulheres gregas. Obser-
vando esse matrimônio mais de perto, podemos especular
que Dioniso casou-se com uma mulher que havia integra-
do seus sentimentos e fantasias negativas, matando o
Minotauro e, desse modo, era a esposa adequada, Devería-
mos pressupor que uma relação dionisíaca carreg'a tanto
os sentimentos positivos quanto os negativos ou , para
colocar de outra maneira, a relação contém a loucura ao
assimilar tanto as atitudes negativas como as positivas.
Os relatos sobre Ariadne dizem que ela mon'eu no parto,
o que a aproxima do trágico ciclo dionisíaco, Talvez esta
parte do relato tenha sido uma homenagem imaginativa

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trágica história familiar começa com a bestial cópula
de Pasifae com o touro, que deu lugar ao nascimeoto do
Minotauro. Esta monstruosa descendência foi retida cm
Minos, dentro de um labirinto construído por Dédalo e
onde, umEl vez por ano, sacrificavam-se jovens de a mbos
os sexos ao Minotauro. Foi Ariadne quem deu a Teseu, o
herói que foi para matar o Minotauro, o fio para a char a
saída do labilinto. Bem, o Minotauro no labirinto serve
de analogia para as fantasias negativas que podem aAigir
emocionohnente a psique de forma destrutiva. Ariadne
teve a sabedoria de usar o herói para a tarefa de matar o
seu meio-irmão, o Minotauro . Pode-se dizer que se t rata de
Lransfc)rmaçào dos sentimentos negativos e das memórias
de uma história herdada ( ~imbolizada pelo Minotauro no
labil;nto) para integrá-los à personaUdade .
Depois de matar o Minotauro, Teseu e Ariadne mar-
cham em direção a Atenas, detendo-se antes na ilha de
Naxos. O que aconteceu ali tem sen:ido de inspiraçâo a
poetas e músicos. Ariadne cai numa espécie de transe na
hora em que Teseu a abandona na praia e prossegue seu
rumo para Atenas . Então Dioniso apresenta-se diante de
Ariadne e i1. torna sua esposa . Provavelmente ele é o único
deus que manteve uma relaçã o monogârnica; podel'-se-ía
dizer que assim imaginaram as mulheres gregas. Obser-
vando esse matrimônio mais de perto, podemos especular
que Dioniso casou-se com uma mulher que havia integra-
do seus sentimentos e fantasias negativas, matando o
Minotauro e, desse modo, era a esposa adequada, Devería-
mos pressupor que uma relação dionisíaca carreg'a tanto
os sentimentos positivos quanto os negativos ou , para
colocar de outra maneira, a relação contém a loucura ao
assimilar tanto as atitudes negativas como as positivas.
Os relatos sobre Ariadne dizem que ela mon'eu no parto,
o que a aproxima do trágico ciclo dionisíaco, Talvez esta
parte do relato tenha sido uma homenagem imaginativa

56
Discute-se muito nos encontros de ginecologistas,
clínicos gerais, endocrinolog'lstas e psiquiatras sobre
as tendências psicossomáticas dessa mulher moderna,
acelerada e cheia de tantas responsabilidades" Entre
essas condições psicossomáticas, para mencionar uma
dessi'ls doenças. os problemas Lireóideos têm alcançado
prOpOl"çÕeS epidêmicas~(j" Ninguém sabe com exatidão de
que modo estão sofrendo as mulheres com sua incursão
histórica, pois, em psicoterapia, é comum encontrar mu-
lheres que estão, de fato, 'desmembradas' entre seu desejo
de estudar, de competir no tl"abalho e o de ser mãe de seus
filhos, É válido assumir um enfoque evolutivo e postular
que a biologia da mulher não está 'programada' para este
modo ele vida. Trata-se de uma enorme brecha biológica.

A LENDA órfica na qual Dion ISO é fi lho do deus 01 í m-


pico Zeus com Perséfone, (i rainha do mundo subterrâneo,
provavelmente foi tomada do fragmento de Heráclito que
diz: "Dioniso e Hades são um e o mesmo" - uma afirma-
ção que lhe atribui uma poderosa conexão com a morte,
Podemos imaginai" distintas concepções da morte de acor-
do com os diferentes âmbitos arquetípicos dos deuses e
deusas. Diria que, no caso de Dioniso, a morte tem uma
proxi.midade: é vivida no presente, no aqui-e-agora; sua
presença na imaginação e nas emoções alimenta a alma.
A morte é a emoção mais forte e mais individual. Porém,
gostaria de diferenciar a emoção de aflição e dor pela
tl10rte de um ente querido da emoção de nossa própria

2"Dn j,:, enfoq uC'sj lln guiallOs 50bre .9~ complexidades d,-,~ "problemas Líreói"
ueos- ~ão "!'\"Ieuical .:md P 'y ch iaLri c Diagno i ~". Em: H. K. Fien. 1991. JUlIginn
h·ychio!ry. Si r.. ielden: Daimnn Ve rlag, ca p. X, p, 203; (' "'Hol'l'ol'is MMll1ls:
Unit of Diseas€' 2 11 Im og~' oC Ai\inlf d" Alfr ed Zi c:gler. Em: 191:)(;. Prr.K~ "J i"gs o(
lhe Nill1h fn/ cm alional COllg l"e.•.< ((Ir Allalyt ical Psychology. "rf!ru s f\ l~m , 1883.
Einsieckln: Dl1 imon VerJag.

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Discute-se muito nos encontros de ginecologistas,
clínicos gerais, endocrinolog'lstas e psiquiatras sobre
as tendências psicossomáticas dessa mulher moderna,
acelerada e cheia de tantas responsabilidades" Entre
essas condições psicossomáticas, para mencionar uma
dessi'ls doenças. os problemas Lireóideos têm alcançado
prOpOl"çÕeS epidêmicas~(j" Ninguém sabe com exatidão de
que modo estão sofrendo as mulheres com sua incursão
histórica, pois, em psicoterapia, é comum encontrar mu-
lheres que estão, de fato, 'desmembradas' entre seu desejo
de estudar, de competir no tl"abalho e o de ser mãe de seus
filhos, É válido assumir um enfoque evolutivo e postular
que a biologia da mulher não está 'programada' para este
modo ele vida. Trata-se de uma enorme brecha biológica.

A LENDA órfica na qual Dion ISO é fi lho do deus 01 í m-


pico Zeus com Perséfone, (i rainha do mundo subterrâneo,
provavelmente foi tomada do fragmento de Heráclito que
diz: "Dioniso e Hades são um e o mesmo" - uma afirma-
ção que lhe atribui uma poderosa conexão com a morte,
Podemos imaginai" distintas concepções da morte de acor-
do com os diferentes âmbitos arquetípicos dos deuses e
deusas. Diria que, no caso de Dioniso, a morte tem uma
proxi.midade: é vivida no presente, no aqui-e-agora; sua
presença na imaginação e nas emoções alimenta a alma.
A morte é a emoção mais forte e mais individual. Porém,
gostaria de diferenciar a emoção de aflição e dor pela
tl10rte de um ente querido da emoção de nossa própria

2"Dn j,:, enfoq uC'sj lln guiallOs 50bre .9~ complexidades d,-,~ "problemas Líreói"
ueos- ~ão "!'\"Ieuical .:md P 'y ch iaLri c Diagno i ~". Em: H. K. Fien. 1991. JUlIginn
h·ychio!ry. Si r.. ielden: Daimnn Ve rlag, ca p. X, p, 203; (' "'Hol'l'ol'is MMll1ls:
Unit of Diseas€' 2 11 Im og~' oC Ai\inlf d" Alfr ed Zi c:gler. Em: 191:)(;. Prr.K~ "J i"gs o(
lhe Nill1h fn/ cm alional COllg l"e.•.< ((Ir Allalyt ical Psychology. "rf!ru s f\ l~m , 1883.
Einsieckln: Dl1 imon VerJag.

58
emoção. Na tradição católica, conserva-se alguma ima-
gética. Alfred Ziegler (1983, 53) menciona a inwgética
do banoca, quando relaciona a morte com a merucina
psicossomática e com psicoterapia, numa nota sobre as
relíquias barrocas de San Félix: "A veneração dos ossos
dos IUrirti res não tem apenas importância religiosa, mas
está relacinnF.lda com a teol'ia médica segundo a qual os
sintomas são tratados coro seus semelhantes, similis
simile"28. Ziegler viu na preservação das relíquias este
tipo de relação com a morte; mas eu estabeleceria idên-
tica l'elação com as imagens das procissões da paixão e
agonia de Jesus Cristo. A imagem da agonia propicia
um acesso à morte. A agonia é uma imagem intelior
presente na vida diária. Por ser uma imagem, nào se
b'ata apenas de uma palavra, mas t.em uma psicologia
própria. A medicina moderna vem destruindo a possibi-
lidade de que a agonia nuLra nOS!::ifl consciência, ao nào
reconhecê-Ia como lima realidade psicológica. Quando
um paciente começa a agonizar, o médico lhe prescreve
um remédio que suaviza esse momento.
Com respeito a Dioniso ~ à morte, além cio mencio-
nado fragmento de Heráclito, conhecemos a imagéticH
grega elas pl;ncipais deidades do reino dos mortos . Numa
vasilha grega estào representados Deméter, Hermes,
Perséfone e Dioniso (Kerényi, 1997, 249) e podemos
imaginar a trindade ct.Ônica de Hades, Plutão e Dioniso
como representações, respectivamente, da morte, da
riqueza e da tragédia e da cultura; repl'esentações que
en.riquecem nossa visão do mundo dos mortos na psi-
que. Se Dioniso tem uma relação estreita com a morte,
disso se deduz que ele tem uma relação estreita com a

"~Crei(J qUé' o burroco \;.em um pc>neroso iogredienlC> dioni~ íll c(l; fi snber. cm
sua concxfi.n tom :'1 m0l'te e ('.cm i'I dccildént:Ía e em S<'ll respLc,jtu pelo~ rituais
l' <.JS imagens.

60
emoção. Na tradição católica, conserva-se alguma ima-
gética. Alfred Ziegler (1983, 53) menciona a inwgética
do banoca, quando relaciona a morte com a merucina
psicossomática e com psicoterapia, numa nota sobre as
relíquias barrocas de San Félix: "A veneração dos ossos
dos IUrirti res não tem apenas importância religiosa, mas
está relacinnF.lda com a teol'ia médica segundo a qual os
sintomas são tratados coro seus semelhantes, similis
simile"28. Ziegler viu na preservação das relíquias este
tipo de relação com a morte; mas eu estabeleceria idên-
tica l'elação com as imagens das procissões da paixão e
agonia de Jesus Cristo. A imagem da agonia propicia
um acesso à morte. A agonia é uma imagem intelior
presente na vida diária. Por ser uma imagem, nào se
b'ata apenas de uma palavra, mas t.em uma psicologia
própria. A medicina moderna vem destruindo a possibi-
lidade de que a agonia nuLra nOS!::ifl consciência, ao nào
reconhecê-Ia como lima realidade psicológica. Quando
um paciente começa a agonizar, o médico lhe prescreve
um remédio que suaviza esse momento.
Com respeito a Dioniso ~ à morte, além cio mencio-
nado fragmento de Heráclito, conhecemos a imagéticH
grega elas pl;ncipais deidades do reino dos mortos . Numa
vasilha grega estào representados Deméter, Hermes,
Perséfone e Dioniso (Kerényi, 1997, 249) e podemos
imaginar a trindade ct.Ônica de Hades, Plutão e Dioniso
como representações, respectivamente, da morte, da
riqueza e da tragédia e da cultura; repl'esentações que
en.riquecem nossa visão do mundo dos mortos na psi-
que. Se Dioniso tem uma relação estreita com a morte,
disso se deduz que ele tem uma relação estreita com a

"~Crei(J qUé' o burroco \;.em um pc>neroso iogredienlC> dioni~ íll c(l; fi snber. cm
sua concxfi.n tom :'1 m0l'te e ('.cm i'I dccildént:Ía e em S<'ll respLc,jtu pelo~ rituais
l' <.JS imagens.

60
da depressão, e esta metáfora propicia f\ incubação, esse
espaço tão básico para a arte da psicot.erapia. Gostaria
que a imagética dionisíaca sobre o corpo e a mOl'te, que
apresentamos a seguir e que tomamos de Niel lVlicklem
(1996, 91), fosse lida com es!-;a len tidão de corpo e de
alma, tendo em mente a afirmação de Heráclito de que
Dioniso e Hades são um e o mesmo:
Hades introdu z o motivo da morte. :\1enhuma discussÉ\o
sobre o c.orpo estará completa sem ela. Hades c o corpo
podem pare<.:er, à primeira vista, muito distantes um do
outro; no entanto, existe umA relação essencíal e. Sé isto
necessitasse:: de conÍl.rn18çf\.o, torna-se evidente em duas
obselvaçõ(.;s muito conh cicias: que Hades é o deus grego
da morte e que a morte ent.ra no mundo com o corpo e
permanece como sua constm1te companheira ao longo do
trajeto ela vida.

ANTES de nos aproximarmos de As Bacantes de


Eurípedes, gostaria de fazer algumas especulações sobre
a origem de Dioniso. Os e~tudiosos Lêm indagado !jobre
sua origem na Asia ou 1\3 Trácia, uma teoria que tem
gerado muita controvérsia; esse~ estudos também têm
sido muito literéllizados. Na realidade, Dioniso é um
deus definitivamente grego, pois aparece nas tábuas de
escrit.ura B, mais ou menos uns 1250 anos a .C., que são
o primeiro testemunho escrito dos gregos. Eurípedes
apresenta Dioniso como um deus que chega do estran-
geiro, apesar de sua mãe ter nascido em Tebas. Portanto,
para Eurípedes, Dioniso era um deus local e estrangeiro
ao mesmo tempo, e é desta forma que se apresenta fre-
quentemente nos sonhos: um estrangeiro que vem a ser
familiar, paradoxo aparente que podelia contribuir para
o movimento psíquico. Nos rituais, Dioniso é invocado
como aquele que vem de fora: "Vem, vem, vem, Dioniso!".
Esse é o tipo de invocação que pertence à maiOlia das

62
da depressão, e esta metáfora propicia f\ incubação, esse
espaço tão básico para a arte da psicot.erapia. Gostaria
que a imagética dionisíaca sobre o corpo e a mOl'te, que
apresentamos a seguir e que tomamos de Niel lVlicklem
(1996, 91), fosse lida com es!-;a len tidão de corpo e de
alma, tendo em mente a afirmação de Heráclito de que
Dioniso e Hades são um e o mesmo:
Hades introdu z o motivo da morte. :\1enhuma discussÉ\o
sobre o c.orpo estará completa sem ela. Hades c o corpo
podem pare<.:er, à primeira vista, muito distantes um do
outro; no entanto, existe umA relação essencíal e. Sé isto
necessitasse:: de conÍl.rn18çf\.o, torna-se evidente em duas
obselvaçõ(.;s muito conh cicias: que Hades é o deus grego
da morte e que a morte ent.ra no mundo com o corpo e
permanece como sua constm1te companheira ao longo do
trajeto ela vida.

ANTES de nos aproximarmos de As Bacantes de


Eurípedes, gostaria de fazer algumas especulações sobre
a origem de Dioniso. Os e~tudiosos Lêm indagado !jobre
sua origem na Asia ou 1\3 Trácia, uma teoria que tem
gerado muita controvérsia; esse~ estudos também têm
sido muito literéllizados. Na realidade, Dioniso é um
deus definitivamente grego, pois aparece nas tábuas de
escrit.ura B, mais ou menos uns 1250 anos a .C., que são
o primeiro testemunho escrito dos gregos. Eurípedes
apresenta Dioniso como um deus que chega do estran-
geiro, apesar de sua mãe ter nascido em Tebas. Portanto,
para Eurípedes, Dioniso era um deus local e estrangeiro
ao mesmo tempo, e é desta forma que se apresenta fre-
quentemente nos sonhos: um estrangeiro que vem a ser
familiar, paradoxo aparente que podelia contribuir para
o movimento psíquico. Nos rituais, Dioniso é invocado
como aquele que vem de fora: "Vem, vem, vem, Dioniso!".
Esse é o tipo de invocação que pertence à maiOlia das

62
EURÍPEDES escrevcuAs Bacantes em sua velhice ,
quando estava exilado voluntariamente na Macedônia.
num lugar em que os ritos dionisíacos haviam con-
servado, sem dúvida, traços mais arcaicos do que em
Atenas, onde as emoções dionisiacas est.avam contidas
pelo teatro e seu ritual. A base para a concepção que
Eurípedes teve do deus está na segunda parte do mito
órfico que mencionamos, em que Dioniso aparece como
filhu de Zeus e Sêmele.
As Bo.cantes wmeça com a entrada de Dioniso. A
direção de cena o descreve levando uma coroa de hera,
um thyJ'sus na mào e vestido com uma pele de veado .
Tem uma cabeleira longa e solta e sua beleza é juveníl,
quase feminina. Sua androginia chama a alenç:l0. A di-
reçào de cena de Eurípedes, que se traduz numa imagem
andrógina de Dioniso, existe em grande quantidade naS
complexidades da psicologia dionisíaca. Devemos /"E::cordaJ'
que o atar tinha uma máscara que representava a beleza
juvenil, feminina, fluida , de Diúniso - o que o fOI'çava 1l
se expressar através de seu corpo .
Dioniso <:Jpresenta a .si mesmo;
Sou Dioniso, filho de Zeus. Minha mãe foi
Sêmele, fiUla de Cadmo. Fez de parteiro O rogo
do relámpago. Vim aqui, em Tebas.
a dOf; dois rios, Dirce e lsmeno,
panet revelar minha divindade
tomando forma humana ...
CEurípedes, 1954,91).

J~i foi escrita muita coisa sobre esta primeira apa-


rição de Dioniso em cena e, em particular, sobre o~ dois
níveis, o humano e o divino, na presença e nas palavras
de Dioniso . Suas palavras transmit.em o paradoxo de que
o ator é Dioniso e, ao mesmo tempo, nào é. Em outras
palavras, nos introduz no segredo da p~icologja dionisíaca
ao ensinar como representar Dioniso sem se identificar

64
EURÍPEDES escrevcuAs Bacantes em sua velhice ,
quando estava exilado voluntariamente na Macedônia.
num lugar em que os ritos dionisíacos haviam con-
servado, sem dúvida, traços mais arcaicos do que em
Atenas, onde as emoções dionisiacas est.avam contidas
pelo teatro e seu ritual. A base para a concepção que
Eurípedes teve do deus está na segunda parte do mito
órfico que mencionamos, em que Dioniso aparece como
filhu de Zeus e Sêmele.
As Bo.cantes wmeça com a entrada de Dioniso. A
direção de cena o descreve levando uma coroa de hera,
um thyJ'sus na mào e vestido com uma pele de veado .
Tem uma cabeleira longa e solta e sua beleza é juveníl,
quase feminina. Sua androginia chama a alenç:l0. A di-
reçào de cena de Eurípedes, que se traduz numa imagem
andrógina de Dioniso, existe em grande quantidade naS
complexidades da psicologia dionisíaca. Devemos /"E::cordaJ'
que o atar tinha uma máscara que representava a beleza
juvenil, feminina, fluida , de Diúniso - o que o fOI'çava 1l
se expressar através de seu corpo .
Dioniso <:Jpresenta a .si mesmo;
Sou Dioniso, filho de Zeus. Minha mãe foi
Sêmele, fiUla de Cadmo. Fez de parteiro O rogo
do relámpago. Vim aqui, em Tebas.
a dOf; dois rios, Dirce e lsmeno,
panet revelar minha divindade
tomando forma humana ...
CEurípedes, 1954,91).

J~i foi escrita muita coisa sobre esta primeira apa-


rição de Dioniso em cena e, em particular, sobre o~ dois
níveis, o humano e o divino, na presença e nas palavras
de Dioniso . Suas palavras transmit.em o paradoxo de que
o ator é Dioniso e, ao mesmo tempo, nào é. Em outras
palavras, nos introduz no segredo da p~icologja dionisíaca
ao ensinar como representar Dioniso sem se identificar

64
As Bucantes. Michael ,Jamesson (993) diz que Ésquilo
apresenta em Licurgo um Dioniso andrógino, como um
per~f)nagem secundário. No entanto, podemos assumir
que St\ produziu um processo coletivo que conduziu à
concepção de Eurípedes sobre o deus. Colocou o deus do
teatro em cena e o apresenwu como andrógino.
Nesta transformação de Dioniso imagina-se a in-
tervenção de complexos históricos. Euripedes deve ter
percebido um grande sofrimento coletivo por trás des,sa
representa«rão que fez do deus. É quase um desafio ima-
ginaI' a reação da audiência ateniense diante do deus do
teatro numa imagem andrógina. Sentiram por acaso a
repugnância que essa imagem geralmente provoca? A
aparição do hermafrodita nos sonhos quase sempl'e pode
ser repugnante para quem sonha. As inwgens alquímicas
do hermafrodita também são ~umamente repulsivas e
dementes, mesmo que a imagem repulsiva possa ser vista
como um ingrediente dionisíaco que contém a loucura.
A imagem que Eurípedes faz de Dioni~o coloca o deus
no lugar mai::; distante da tradição heroica grega, que era
exemplificada pelos homens que lutaram na Guerra ele
Troia. As obras do ciclo troiano, às quais devemos com:edel-
o cr~dito de ter mostn){to, pela pr:imeira vez na história,
a psicologia psicopática dos heróis, estavam respaldondo
EUlÍpedes, quando escreveu suas duas últimas tragédias,
As Bacantes e lfigênia em Áuli:>~~.
Haver colo<:aoo Dioniso em oposição a Pcnteu, um
herói político, um psicopata ansioso de poder, parece re-
fletir o que levou Eurípedes para fora de Atenas e para o
eXJlio na Macedónia. A maneira como faz com que Dion.iso
destrua Penteu em As Bacantes nos obriga a considerar

'<'l \'inte e cinco ~lic lllo$ Il.lai ti tard e, .J u ng refletiu $obre o he r6i (:rlmo um
}J~ic opata (1m ~l13 obra '''l're!-l ens.;1ios sobre fa[()~ co ntem pNAneos". Em : Cl1 f lO:
Ciui!iw ç(jQ cm 'J'rn. n$·içfro.

66
As Bucantes. Michael ,Jamesson (993) diz que Ésquilo
apresenta em Licurgo um Dioniso andrógino, como um
per~f)nagem secundário. No entanto, podemos assumir
que St\ produziu um processo coletivo que conduziu à
concepção de Eurípedes sobre o deus. Colocou o deus do
teatro em cena e o apresenwu como andrógino.
Nesta transformação de Dioniso imagina-se a in-
tervenção de complexos históricos. Euripedes deve ter
percebido um grande sofrimento coletivo por trás des,sa
representa«rão que fez do deus. É quase um desafio ima-
ginaI' a reação da audiência ateniense diante do deus do
teatro numa imagem andrógina. Sentiram por acaso a
repugnância que essa imagem geralmente provoca? A
aparição do hermafrodita nos sonhos quase sempl'e pode
ser repugnante para quem sonha. As inwgens alquímicas
do hermafrodita também são ~umamente repulsivas e
dementes, mesmo que a imagem repulsiva possa ser vista
como um ingrediente dionisíaco que contém a loucura.
A imagem que Eurípedes faz de Dioni~o coloca o deus
no lugar mai::; distante da tradição heroica grega, que era
exemplificada pelos homens que lutaram na Guerra ele
Troia. As obras do ciclo troiano, às quais devemos com:edel-
o cr~dito de ter mostn){to, pela pr:imeira vez na história,
a psicologia psicopática dos heróis, estavam respaldondo
EUlÍpedes, quando escreveu suas duas últimas tragédias,
As Bacantes e lfigênia em Áuli:>~~.
Haver colo<:aoo Dioniso em oposição a Pcnteu, um
herói político, um psicopata ansioso de poder, parece re-
fletir o que levou Eurípedes para fora de Atenas e para o
eXJlio na Macedónia. A maneira como faz com que Dion.iso
destrua Penteu em As Bacantes nos obriga a considerar

'<'l \'inte e cinco ~lic lllo$ Il.lai ti tard e, .J u ng refletiu $obre o he r6i (:rlmo um
}J~ic opata (1m ~l13 obra '''l're!-l ens.;1ios sobre fa[()~ co ntem pNAneos". Em : Cl1 f lO:
Ciui!iw ç(jQ cm 'J'rn. n$·içfro.

66
No princípio Zeus teve a intenção de que Dioniso
dominasse o mundo (Nils~on, 1949, 216 ), intenção essa
que nos mostra como funcionava fi imaginação grega. A
relação pai/filho chama nossa atenção . Apolo foi conhecido
como a consciência de Zeus, uma relação em que o filho
incorpora uma nova consciência histórica c intelectual
já assimilada pelo pai. A relação entre Zeus e Diooiso foi
muito diferente : o pai aceita a escuridão, a androginia e
a embriaguez de seu filho. que é também o deus do tea-
tro, da tragédia. assim como das mulheres . Um enfoque
psicológico do mito veria no domínio do mundo o domínio
sobre a p!:)ique, e isso dá o que pensar. No entanto, meu
próprio enfoque seria conceber a intenção de Zeus em
relação a Dioníso, em tennos de uma personalidade que
se reconhece arquetipicamente governada por uma cons-
ciência trágica . Se seguimos esta linha de pensamento,
seria a consciência de um conflito natural, pel·sonificado
por Dioniso e os titãs; uma consciên<.:ia trágica nu qual lima
imagem conflitiva dá equilíbrio à personalidade. ou na
qual Dioniso foi assimilado junto com suat; complc:cidades
~rquctípicas . Em qualquer caso, trata-se de uma imagem
sumamente complexa que form.a parte de nosso ser.
Mesmo assim devemos reconhecer que, para os
gregos, Dioniso e seu conflito trágico representam um
momento culminante da <.:ultura: "Não há dúvida de que
Zens levou a cabo o desempenho do divino, mas foi Dioniso
quem o completou ou, para usar uma expressão moderna,
'o que coroou a cI;açào do mundo'" (Kerény-i, 1997,251-2).
Esta projeção pode ser uma metáfora da possibilidade ele
um equilíblio psíquico num mundo obviamente governado
pelos titãs . Outro aspecto da relação pai/filho encontra-se
no fato de que Zeus é o fazedor de imagens e Dion.iso, seu
filho, a encarnação da imagem da 3ndrogínia no corpo .
Para ampliar estes dois aspectos da psicologia dionisíaca,
deve-se de novo fazer menção da tradição que igualava

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No princípio Zeus teve a intenção de que Dioniso
dominasse o mundo (Nils~on, 1949, 216 ), intenção essa
que nos mostra como funcionava fi imaginação grega. A
relação pai/filho chama nossa atenção . Apolo foi conhecido
como a consciência de Zeus, uma relação em que o filho
incorpora uma nova consciência histórica c intelectual
já assimilada pelo pai. A relação entre Zeus e Diooiso foi
muito diferente : o pai aceita a escuridão, a androginia e
a embriaguez de seu filho. que é também o deus do tea-
tro, da tragédia. assim como das mulheres . Um enfoque
psicológico do mito veria no domínio do mundo o domínio
sobre a p!:)ique, e isso dá o que pensar. No entanto, meu
próprio enfoque seria conceber a intenção de Zeus em
relação a Dioníso, em tennos de uma personalidade que
se reconhece arquetipicamente governada por uma cons-
ciência trágica . Se seguimos esta linha de pensamento,
seria a consciência de um conflito natural, pel·sonificado
por Dioniso e os titãs; uma consciên<.:ia trágica nu qual lima
imagem conflitiva dá equilíbrio à personalidade. ou na
qual Dioniso foi assimilado junto com suat; complc:cidades
~rquctípicas . Em qualquer caso, trata-se de uma imagem
sumamente complexa que form.a parte de nosso ser.
Mesmo assim devemos reconhecer que, para os
gregos, Dioniso e seu conflito trágico representam um
momento culminante da <.:ultura: "Não há dúvida de que
Zens levou a cabo o desempenho do divino, mas foi Dioniso
quem o completou ou, para usar uma expressão moderna,
'o que coroou a cI;açào do mundo'" (Kerény-i, 1997,251-2).
Esta projeção pode ser uma metáfora da possibilidade ele
um equilíblio psíquico num mundo obviamente governado
pelos titãs . Outro aspecto da relação pai/filho encontra-se
no fato de que Zeus é o fazedor de imagens e Dion.iso, seu
filho, a encarnação da imagem da 3ndrogínia no corpo .
Para ampliar estes dois aspectos da psicologia dionisíaca,
deve-se de novo fazer menção da tradição que igualava

68
ciênci a deve si tUaJ'-se n um nível de si metlia com el a, Um
nível que associo com a media natura alquimica. uma
consciência que se ajusta às demandas dionisíacas do
teatro e à visã o dionisíaca do mundo . Os sonhos em que
aparecem o teatro têm a conotação de ser o despertar de
uma conscicncia e reflexão dionisíacas . Por exemplo, não
posso conceber o Alilhe LUorld's a estage de Shakespeare,
ou El gran teatro dei mundo de Calderón. sem essa cons-
ciencia ou sem lima visão dionisíaca do mundo.
Dioniso npresenta-se no cenário cheio de ciúme e
desejos de vin.gança. Veio para se vingar das irmãs de
sua mâe porque elas negaram sua divindade. Prossegue
dizendo-nos que as enlouqueceu porque, por conta de Bua
inveja, distorcerê)m a verdade sobre o seu nascimento,
dizendo que nào el'a filho de Zeus. A inveja é uma emoção,
de maneira que, desde I) plincípio da obra, esLamos no
âmbilo das emoções e da loucura.
Na obra, Sêmclc tem três irmãs: Ágave, Autônne e
Ino. Este é um motivo conhecido na literatura dos contos
de fada, onde a inveja costuma aparecer. Um modelo de
conto ele fada é o miLo de Eras c Psique . Uma das Pl'i-
meiras tarefas de Psique é libertar-se de suas três irmãs
invejosas. A genialidade de Eurípedes traz este molivo
à tragédia, em justa oposição à psil.:ologia do conto de
fada . Em vez de livrar-se de suas irmãs de uma forrna
mágica, Eurípedes faz com que Dicniso as enlouqueça,
LIma loucura trágica:

Por i5~() , enlouqueci suas irmãs, todas delirantes


abandonanun suas casas; agoni, fizeram do monte seu lar:
suas mentes cstào extravianas . Obriguei-as a usar os
emblemas próprios de meus llllstérios.
(Eurípedes,1954, 192).

Em seu )iVTO Enu)' and lhe Greelzs, Peter Wakott


(1958,63 c 55 . ) assinala a importância da inveja entre os

70
ciênci a deve si tUaJ'-se n um nível de si metlia com el a, Um
nível que associo com a media natura alquimica. uma
consciência que se ajusta às demandas dionisíacas do
teatro e à visã o dionisíaca do mundo . Os sonhos em que
aparecem o teatro têm a conotação de ser o despertar de
uma conscicncia e reflexão dionisíacas . Por exemplo, não
posso conceber o Alilhe LUorld's a estage de Shakespeare,
ou El gran teatro dei mundo de Calderón. sem essa cons-
ciencia ou sem lima visão dionisíaca do mundo.
Dioniso npresenta-se no cenário cheio de ciúme e
desejos de vin.gança. Veio para se vingar das irmãs de
sua mâe porque elas negaram sua divindade. Prossegue
dizendo-nos que as enlouqueceu porque, por conta de Bua
inveja, distorcerê)m a verdade sobre o seu nascimento,
dizendo que nào el'a filho de Zeus. A inveja é uma emoção,
de maneira que, desde I) plincípio da obra, esLamos no
âmbilo das emoções e da loucura.
Na obra, Sêmclc tem três irmãs: Ágave, Autônne e
Ino. Este é um motivo conhecido na literatura dos contos
de fada, onde a inveja costuma aparecer. Um modelo de
conto ele fada é o miLo de Eras c Psique . Uma das Pl'i-
meiras tarefas de Psique é libertar-se de suas três irmãs
invejosas. A genialidade de Eurípedes traz este molivo
à tragédia, em justa oposição à psil.:ologia do conto de
fada . Em vez de livrar-se de suas irmãs de uma forrna
mágica, Eurípedes faz com que Dicniso as enlouqueça,
LIma loucura trágica:

Por i5~() , enlouqueci suas irmãs, todas delirantes


abandonanun suas casas; agoni, fizeram do monte seu lar:
suas mentes cstào extravianas . Obriguei-as a usar os
emblemas próprios de meus llllstérios.
(Eurípedes,1954, 192).

Em seu )iVTO Enu)' and lhe Greelzs, Peter Wakott


(1958,63 c 55 . ) assinala a importância da inveja entre os

70
Em três linhas que formam lima imagem, Dioniso
apresenta o pro~agonista da tragédia, Penteu, um ser
marial, filho de Agave, a irmã mais velha:
Agora Cadmo cedeu seu trono e honra como um rei
a Penteu, nUlo de sua filh::! ma is Vf~lha, Ágave. Rle (Penteu)
se rebela diante rl05 deuses, me desafia, me exclui de suas
libações, jamais me cita em suas orações . Por isso
me revelarei. dian te dele e diante de todos 05 tp.oanos,
como um deus.
(Eol'Ípedes, 19.54. 193).

Com estas linhas, Dioniso entra cm cena e, cheio de


emoção, expressa aberLamente seu ciúme - o antigo ciú-
me dos deuses. Assim como a inveja, o ciúme dos deuses
requer alguma diferencíaçào. Falando em termos mit.o-
lógicos, pode-se imaginar que cada deus ou clew;a mostra
seu ciúme de maneira diferente . Pode mos ver t.ambém
que () discurso de Dioniso em relação a Penteu se refere,
na linguagem da psicologia junguiana, aos complexos
dionisíacos que Penteu replimiu e, portanto, não viveu.
Dentro da grande tradição literária da cultura oci-
dental, Shakespeare refere-se ao ciúme de Otelo como
ciúme sexual; converte-se num estado de possessão que o
conduz à destruição trágica. Em Shake:speare, o ciúme se
expl"essa de forma direta e é motivado pela sexualidade, o
que o distingue da visão que Eut1pedcs tem do ciúme de
um deus. Em La GuitaniLla, Cervantes escreve sobre o
ciúme, porém, em contraste com o Otelo de Shakespeare,
a 'guitanilla' é apl"esentada como unta sábia, porque ela
conhece o ciüme, sabe sobre essa sombra da qual pJ'ovêm
grandes conhecimentos. O ciúme pode dominar qualquer
um de nós, em qualquer momento . O ciúme de um deus,
por outro lado, é causado pelo rechaço a esse deus ou
pelo desconhecimento da forma al'quetípica de vida re-
presentada pela deidade, tal e qual Eurípedes descreveu
em relação a Dioniso.

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Em três linhas que formam lima imagem, Dioniso
apresenta o pro~agonista da tragédia, Penteu, um ser
marial, filho de Agave, a irmã mais velha:
Agora Cadmo cedeu seu trono e honra como um rei
a Penteu, nUlo de sua filh::! ma is Vf~lha, Ágave. Rle (Penteu)
se rebela diante rl05 deuses, me desafia, me exclui de suas
libações, jamais me cita em suas orações . Por isso
me revelarei. dian te dele e diante de todos 05 tp.oanos,
como um deus.
(Eol'Ípedes, 19.54. 193).

Com estas linhas, Dioniso entra cm cena e, cheio de


emoção, expressa aberLamente seu ciúme - o antigo ciú-
me dos deuses. Assim como a inveja, o ciúme dos deuses
requer alguma diferencíaçào. Falando em termos mit.o-
lógicos, pode-se imaginar que cada deus ou clew;a mostra
seu ciúme de maneira diferente . Pode mos ver t.ambém
que () discurso de Dioniso em relação a Penteu se refere,
na linguagem da psicologia junguiana, aos complexos
dionisíacos que Penteu replimiu e, portanto, não viveu.
Dentro da grande tradição literária da cultura oci-
dental, Shakespeare refere-se ao ciúme de Otelo como
ciúme sexual; converte-se num estado de possessão que o
conduz à destruição trágica. Em Shake:speare, o ciúme se
expl"essa de forma direta e é motivado pela sexualidade, o
que o distingue da visão que Eut1pedcs tem do ciúme de
um deus. Em La GuitaniLla, Cervantes escreve sobre o
ciúme, porém, em contraste com o Otelo de Shakespeare,
a 'guitanilla' é apl"esentada como unta sábia, porque ela
conhece o ciüme, sabe sobre essa sombra da qual pJ'ovêm
grandes conhecimentos. O ciúme pode dominar qualquer
um de nós, em qualquer momento . O ciúme de um deus,
por outro lado, é causado pelo rechaço a esse deus ou
pelo desconhecimento da forma al'quetípica de vida re-
presentada pela deidade, tal e qual Eurípedes descreveu
em relação a Dioniso.

72
viela centra-se e adquire significado no culto a Dioniso.
Com respeito às mênades, Kerényi (1997,257) escreve:
Aquele que as observasse de longe veria nelas as formas
variadas e pouco diferentes da "mania': talvez seja esta
a melhor tradução da p8.1avra mania. porém temos de
compreendê-la levando em wnta todos os seus sentidos ao
mesmo tempo: o do amor veemente e o da raiva colérica.
Por isso as mulheres ao redor de Dioniso foram chamadas
JlZain.ades, 'IVlênades', e ao próprio deus se chamou maio
nomenos ou ma':'wles, significando 'irritado', 'possesso'.
'frenético', no sentido amplo da palavra ...

Deveríamos começar a estabelecer uma diferença


entre a loucura ritual das mênadcs, causada e 'curada'
pelo deus, e a loucura como produto da vingança dus
deuses, por ciúme, na qual o deus conduz o possuído
à destruiçào. A tragédia mostm estas duas formas de
loucura. É muito importante levar em conta esta dife-
renciação, já que é básica para que possamos entender
a psicologia dionisíaca.
As mênadcs entram em cena dançando, movendo-se
ao ritmo das flautas e dos tambores. Usam coroas de hera,
túnicas brancas e levam tirsos. Imagino que avançam pelo
cenário, dançando suavemente e movendo seus corpos
com lentidão.
Na primeira estrofe, o Coro canta que vem de longe,
desde a montanha sagrada:
Corremos atrás do deus do riso;
o trabalho é alegria e a fadiga. prazerosa.
nossa canção celebra Baco.
(Eurípedes, 1954, 193).

Evidentemente, elas não se sentem cansadas. Dançar


sem sentir fadiga é o motivo que também aparece no sonho
da mulher venezuelana. O verso "O trabalho é alegria e
a fadiga, prazerosa" transmite-nos um ganho psíquico

74
viela centra-se e adquire significado no culto a Dioniso.
Com respeito às mênades, Kerényi (1997,257) escreve:
Aquele que as observasse de longe veria nelas as formas
variadas e pouco diferentes da "mania': talvez seja esta
a melhor tradução da p8.1avra mania. porém temos de
compreendê-la levando em wnta todos os seus sentidos ao
mesmo tempo: o do amor veemente e o da raiva colérica.
Por isso as mulheres ao redor de Dioniso foram chamadas
JlZain.ades, 'IVlênades', e ao próprio deus se chamou maio
nomenos ou ma':'wles, significando 'irritado', 'possesso'.
'frenético', no sentido amplo da palavra ...

Deveríamos começar a estabelecer uma diferença


entre a loucura ritual das mênadcs, causada e 'curada'
pelo deus, e a loucura como produto da vingança dus
deuses, por ciúme, na qual o deus conduz o possuído
à destruiçào. A tragédia mostm estas duas formas de
loucura. É muito importante levar em conta esta dife-
renciação, já que é básica para que possamos entender
a psicologia dionisíaca.
As mênadcs entram em cena dançando, movendo-se
ao ritmo das flautas e dos tambores. Usam coroas de hera,
túnicas brancas e levam tirsos. Imagino que avançam pelo
cenário, dançando suavemente e movendo seus corpos
com lentidão.
Na primeira estrofe, o Coro canta que vem de longe,
desde a montanha sagrada:
Corremos atrás do deus do riso;
o trabalho é alegria e a fadiga. prazerosa.
nossa canção celebra Baco.
(Eurípedes, 1954, 193).

Evidentemente, elas não se sentem cansadas. Dançar


sem sentir fadiga é o motivo que também aparece no sonho
da mulher venezuelana. O verso "O trabalho é alegria e
a fadiga, prazerosa" transmite-nos um ganho psíquico

74
percorre seu caminho até a entrada do palácio de Penteu
e bate na porta , Chegou em busca de seu velho amigo
Caclmo e pergunta por ele, djzendo:
.. , eu !\Ou um velho, e ele, m:'l.Ís velho ainda,
mas concordamos que pegaríamos os ti.rsos.
vestiríamos as peles de veado,
e coroaríamos nossas cabeças COm brotos de hera.
(Ibid., 197).

Os velhos amigos vestiram-se para assistir a uma


orgia. Tirésias representa a sabedoria interior e a arte da
adivinhação, enquanLo Cadmo, o pai de Sêmele, a mãe de
Díoniso. representa a tradição . Reuniram-se para celebrar
Dioniso nas montanhas. Estes dois anciãos represenLam a
psicologia de uma velhice que se rende diante de Dioniso
e é meu grande interesse abordar a da velhice a partir
do â.mbito arquetipico de Dioniso. Cadmo disse: "Poderia
golpear a tC?rra com o tirso durante toda a noite/e tam-
bém durante todo o dia, sem me sentir cansado" (Ibid .,
197). Sua decisão de caminhar até a montanha, a pé,
demonstra a energia dion isíaca na velhice. As palavras
de Cadmo representam a imagem que ilustra do que se
trata a dança dionisíaca: uma dança onele qualquer rigidez
do corpo do ancião cle~aparece. A dança não só é uma das
mais antigas expressões do ser humano, mas também dos
animais. Nos sonhos, a dança sugere que quem sonha
está se eonectando com uma expressão do corpo muito
arcaica, instintiva e emocionai; pode ser interpretada
como a imagética dionisíaca interior da <lIma e do corpo.
A qualquel' momento podemos estar acompanhados por
essa imagem da dança . Ao comentar sobre Teoria e Jogo
do Duende de Federico Garcia Lorca,3~ mencionei uma
anciã que ganhou um concurso de flamenco apenas se

::"Ver "R etlcx õé~ "ll bre o Du ende" . Em: R,,[ue/ l/JfJ c ~ · Pe ""(}m. 19!17 .

76
percorre seu caminho até a entrada do palácio de Penteu
e bate na porta , Chegou em busca de seu velho amigo
Caclmo e pergunta por ele, djzendo:
.. , eu !\Ou um velho, e ele, m:'l.Ís velho ainda,
mas concordamos que pegaríamos os ti.rsos.
vestiríamos as peles de veado,
e coroaríamos nossas cabeças COm brotos de hera.
(Ibid., 197).

Os velhos amigos vestiram-se para assistir a uma


orgia. Tirésias representa a sabedoria interior e a arte da
adivinhação, enquanLo Cadmo, o pai de Sêmele, a mãe de
Díoniso. representa a tradição . Reuniram-se para celebrar
Dioniso nas montanhas. Estes dois anciãos represenLam a
psicologia de uma velhice que se rende diante de Dioniso
e é meu grande interesse abordar a da velhice a partir
do â.mbito arquetipico de Dioniso. Cadmo disse: "Poderia
golpear a tC?rra com o tirso durante toda a noite/e tam-
bém durante todo o dia, sem me sentir cansado" (Ibid .,
197). Sua decisão de caminhar até a montanha, a pé,
demonstra a energia dion isíaca na velhice. As palavras
de Cadmo representam a imagem que ilustra do que se
trata a dança dionisíaca: uma dança onele qualquer rigidez
do corpo do ancião cle~aparece. A dança não só é uma das
mais antigas expressões do ser humano, mas também dos
animais. Nos sonhos, a dança sugere que quem sonha
está se eonectando com uma expressão do corpo muito
arcaica, instintiva e emocionai; pode ser interpretada
como a imagética dionisíaca interior da <lIma e do corpo.
A qualquel' momento podemos estar acompanhados por
essa imagem da dança . Ao comentar sobre Teoria e Jogo
do Duende de Federico Garcia Lorca,3~ mencionei uma
anciã que ganhou um concurso de flamenco apenas se

::"Ver "R etlcx õé~ "ll bre o Du ende" . Em: R,,[ue/ l/JfJ c ~ · Pe ""(}m. 19!17 .

76
emoções que engendram as imagens que se apresentam
nesta idade permanecem como experiências interiores,
da alma, e dão lugar ao desespero pela incapacidade ele
dar-lhes expressão através das palavras.
Devemos notar que a abordagem da velhice é suma-
mente racional e unilateral, dominada pel a concepção
atual de pI'over cert.a Qualidade de vida nledjante uma
bateria de medicamentos. Assim, a idade fica circunscri -
ta às definições médicas em termos de normalidade. A
vida emocional, as memórias e a alma (icarn excluídas.
A insistência numa imagem idealizada da juventude só
exacerba a ansiedade na velhice e bloqueia fi acei ta ção
de uma depressão lenta, tão necessária nessa época da
vida; justamente na vel.hice, quando o corpo se converte
numa vivência incomparável e adquire umA T'ealidade
quai:>e esmagadora, a presença do corpo é percebida cons-
tantemente e, às vezes, como se fosse uma armadilha, É
o momento em que o corpo exerce sua autol'idade e impõe
uma consciência diferente. Sabemos muito pouco sobre
a psicologia do corpo; no entanto, Dioniso poderia ser to-
mado como um veículo metafórico para conectaJ'-sc com o
corpo. As limitações físicas da velhice proporcionam um
campo propício para vivencim' o corpo psíquico emocional .
A velhice é uma época em que Dioniso está presente com
mais frequência do que acreditamos: presente no corpo e
nas emoções Que surgem diante da doença e da morte . A
velhice reclama uma consciência trágica.
Tem-se discutido pouco SObl'C o sofriment.o da psi-
que durante a velhice; sobre a maneira como as forças
naturais da ansiedade e da depressão, que nos acompa-
nharam ao longo da vida, cobram n~sse momento um
novo stalus e requerem uma nova iniciação e entendi-
mento, Durante esses anos, a ansiedade apresenta-se
com máscaras diferentes e extravagantes, Imaginemos
a ansiedade que se produz quando tentamos recordar

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emoções que engendram as imagens que se apresentam
nesta idade permanecem como experiências interiores,
da alma, e dão lugar ao desespero pela incapacidade ele
dar-lhes expressão através das palavras.
Devemos notar que a abordagem da velhice é suma-
mente racional e unilateral, dominada pel a concepção
atual de pI'over cert.a Qualidade de vida nledjante uma
bateria de medicamentos. Assim, a idade fica circunscri -
ta às definições médicas em termos de normalidade. A
vida emocional, as memórias e a alma (icarn excluídas.
A insistência numa imagem idealizada da juventude só
exacerba a ansiedade na velhice e bloqueia fi acei ta ção
de uma depressão lenta, tão necessária nessa época da
vida; justamente na vel.hice, quando o corpo se converte
numa vivência incomparável e adquire umA T'ealidade
quai:>e esmagadora, a presença do corpo é percebida cons-
tantemente e, às vezes, como se fosse uma armadilha, É
o momento em que o corpo exerce sua autol'idade e impõe
uma consciência diferente. Sabemos muito pouco sobre
a psicologia do corpo; no entanto, Dioniso poderia ser to-
mado como um veículo metafórico para conectaJ'-sc com o
corpo. As limitações físicas da velhice proporcionam um
campo propício para vivencim' o corpo psíquico emocional .
A velhice é uma época em que Dioniso está presente com
mais frequência do que acreditamos: presente no corpo e
nas emoções Que surgem diante da doença e da morte . A
velhice reclama uma consciência trágica.
Tem-se discutido pouco SObl'C o sofriment.o da psi-
que durante a velhice; sobre a maneira como as forças
naturais da ansiedade e da depressão, que nos acompa-
nharam ao longo da vida, cobram n~sse momento um
novo stalus e requerem uma nova iniciação e entendi-
mento, Durante esses anos, a ansiedade apresenta-se
com máscaras diferentes e extravagantes, Imaginemos
a ansiedade que se produz quando tentamos recordar

78
esses elementos que cons"idero valiosos para a psicologia
pmfunda. O verso de Eliot que diz "Os velhos deveriam
ser exp]oradores",~(j deve ser lido pensando na psicologia
dion.isíaca da velhice. É a repressão da imagem da velhice
o que torna a vida tão dinci! para uma pessoa adulta,justo
no momento em que novas limitações e ailiçàcs devem seI'
aceitas, quando mais se necessita de uma autêntica imagé-
tica dionisíaca. Em outras palavTas. a realidade psicológica
dc ter reprimido durante toda uma vida o que poderia
trazer, nesse momento, alguma satisfaçào. A plenitude
da velhice costuma ser encontrada em coisas simples: ao
derramar duas lágrimas no teatro, quando a música dio-
nisíaca toca as emoções, conversar com um amigojunto a
uma gan"afa de vinho, e na aparição, depois de uma noite
cheia de ansiedade e depressão, de uma imagem da alma
que estremece o corpo com emoção e dá sentido à solidão
da velhice . A psique se sustenta e alimenta a si me~ma
com as emoções que nascem do interior ou do exterior.
Não é difícil reconhecê-las como dionisíacas, porque vêm
acompanhadas por imagens trágicas ou estéticBS.
Na velhice, as emoções são uma fonte de vida; senti-
das como nunca antes, com uma consciência mais próxima
a essas fontes descon.hecidas da qual nascem os sonhos.
Sabemos que os sonhos estão na base da sobrevivência do
homem primitivo e no aparecimento da religião; também
asseguram nossa saúde psíquica. Essa consciência na
velhice, próxima de uma parte desconhecida da natureza
h umana, tem sido vista, tradicional e historicamente, nas
figuras do velho homem sábio c do velho bufão. Também
devemos ver que essa consciência, de qualidade onírica,
dc media nalllJ"a, ao ~er dionisíaca, pode resultar confu-
sa e bastante distanciada das certezas dos enfoques da
psicologia geriátrica.

3Q Ver "8lli>l Cl)ker". Em: T S. Eli()!, Hl91. p. 43.

80
esses elementos que cons"idero valiosos para a psicologia
pmfunda. O verso de Eliot que diz "Os velhos deveriam
ser exp]oradores",~(j deve ser lido pensando na psicologia
dion.isíaca da velhice. É a repressão da imagem da velhice
o que torna a vida tão dinci! para uma pessoa adulta,justo
no momento em que novas limitações e ailiçàcs devem seI'
aceitas, quando mais se necessita de uma autêntica imagé-
tica dionisíaca. Em outras palavTas. a realidade psicológica
dc ter reprimido durante toda uma vida o que poderia
trazer, nesse momento, alguma satisfaçào. A plenitude
da velhice costuma ser encontrada em coisas simples: ao
derramar duas lágrimas no teatro, quando a música dio-
nisíaca toca as emoções, conversar com um amigojunto a
uma gan"afa de vinho, e na aparição, depois de uma noite
cheia de ansiedade e depressão, de uma imagem da alma
que estremece o corpo com emoção e dá sentido à solidão
da velhice . A psique se sustenta e alimenta a si me~ma
com as emoções que nascem do interior ou do exterior.
Não é difícil reconhecê-las como dionisíacas, porque vêm
acompanhadas por imagens trágicas ou estéticBS.
Na velhice, as emoções são uma fonte de vida; senti-
das como nunca antes, com uma consciência mais próxima
a essas fontes descon.hecidas da qual nascem os sonhos.
Sabemos que os sonhos estão na base da sobrevivência do
homem primitivo e no aparecimento da religião; também
asseguram nossa saúde psíquica. Essa consciência na
velhice, próxima de uma parte desconhecida da natureza
h umana, tem sido vista, tradicional e historicamente, nas
figuras do velho homem sábio c do velho bufão. Também
devemos ver que essa consciência, de qualidade onírica,
dc media nalllJ"a, ao ~er dionisíaca, pode resultar confu-
sa e bastante distanciada das certezas dos enfoques da
psicologia geriátrica.

3Q Ver "8lli>l Cl)ker". Em: T S. Eli()!, Hl91. p. 43.

80
mãe e suas tias. estão dançando em honra de Dioniso nas
montanhas. Suas primeiras palavras são: "Elas dizem
que são menad es sacerdotisas, com tua permissão!/Nfas
Afrodite suplan ta Baco em seus rituais" (Eurípedes, 1965,
198). Essa confusão é importante de ser discutida, consi-
derando que Penteu nào pode respeitar nem di fCl'enciar
os traços dionjsíacos, e cai na típica confusão de misturar
os arquétipos.
Penteu representa a parte titânica da natureza
humana em oposição a Dioniso, e as torças de um poder
e governo repressivos. Quando ouve que as ménades se
encontram nas montanhas, confunde o culto dionisíaco
com o de Afrodite, deusa a quem também se atribuiu a
loucura divina . Devemos conceder a Eurípedes nosso reco-
nhecimento por apresentar-nos, uns vinte e cinco séculos
atrás, esta confusào que se repetiu, reiteradamente, ao
longo da história.
Durante o século XIX, no final da época vitoriana,
quando os pioneiros da psicologia modema estavam explo-
rando a neurose e a psicose, encontraram na sexualidade
a causa desses males. Hoje podemos conjecturar que todo
o alarido que a psicologia fez em torno da sexualidade,
assim como sua fixação nela, foi uma maneira inconsciente
de reprimir Dioníso. Nisto EUl'Ípedes pode nos ajudar:
em sua tragédia Hip6lit() , descreve o estado de Pedra,
possuída pela sexualidade de Afrodite. Fedra sofre uma
condição psicossomática complexa, criada pelo conflito
entre o estado de possessão induzido por Afrorute e seus
complexos morais - o aidos de Fedra (Stanford, 1983.
35-36). Mesmo que a descrição seja trágica, é por isso mes-
mo 'civilizada'; teve lugar em Troezen, pel-to de Atenas,
enquanto a possessão dionisíaca de Ágave é, em compa-
ração. genuinamente arcaica e ocorre nas montanhas,
perto de Tebas. A possessão de Ágave parecia resultar do
conflito eolre duas [m'ças em oposição, Dioniso e os titãs.

82
mãe e suas tias. estão dançando em honra de Dioniso nas
montanhas. Suas primeiras palavras são: "Elas dizem
que são menad es sacerdotisas, com tua permissão!/Nfas
Afrodite suplan ta Baco em seus rituais" (Eurípedes, 1965,
198). Essa confusão é importante de ser discutida, consi-
derando que Penteu nào pode respeitar nem di fCl'enciar
os traços dionjsíacos, e cai na típica confusão de misturar
os arquétipos.
Penteu representa a parte titânica da natureza
humana em oposição a Dioniso, e as torças de um poder
e governo repressivos. Quando ouve que as ménades se
encontram nas montanhas, confunde o culto dionisíaco
com o de Afrodite, deusa a quem também se atribuiu a
loucura divina . Devemos conceder a Eurípedes nosso reco-
nhecimento por apresentar-nos, uns vinte e cinco séculos
atrás, esta confusào que se repetiu, reiteradamente, ao
longo da história.
Durante o século XIX, no final da época vitoriana,
quando os pioneiros da psicologia modema estavam explo-
rando a neurose e a psicose, encontraram na sexualidade
a causa desses males. Hoje podemos conjecturar que todo
o alarido que a psicologia fez em torno da sexualidade,
assim como sua fixação nela, foi uma maneira inconsciente
de reprimir Dioníso. Nisto EUl'Ípedes pode nos ajudar:
em sua tragédia Hip6lit() , descreve o estado de Pedra,
possuída pela sexualidade de Afrodite. Fedra sofre uma
condição psicossomática complexa, criada pelo conflito
entre o estado de possessão induzido por Afrorute e seus
complexos morais - o aidos de Fedra (Stanford, 1983.
35-36). Mesmo que a descrição seja trágica, é por isso mes-
mo 'civilizada'; teve lugar em Troezen, pel-to de Atenas,
enquanto a possessão dionisíaca de Ágave é, em compa-
ração. genuinamente arcaica e ocorre nas montanhas,
perto de Tebas. A possessão de Ágave parecia resultar do
conflito eolre duas [m'ças em oposição, Dioniso e os titãs.

82
A comunhão de Afrodite e Dioniso, na sexualidade,
podelia ser vista como uma "ia para uma consciência
dionisíaca. A sexualidade, em si mesma, sem o corpo
de Dioniso, converte-se n uma frustração simplesmente
infantil e histélica. Outra possibilidade dessa comunhão
seria vê-la como uma inicLação na loucura clionisíaca;
em outras palavras, seria acei tal' a sexual idade como
um veícu10 imaginativo e erótico que conecta com a lou-
cura dionisíaca. Este seria o enf()(]ue adulto. mesmo que
distante dos esquemas da psiquiatria e da psicoterapia
modernas. Afrodite e Dioniso oferecem o âmbito arque-
típico adequado para o funcionamento desse instinto,
com todas as suas ampla!' possibilidades e com sua forte
presença na psique.
Penteu jllra destruir Diooi50. Então se dá conta
da presença de Tirésias e Cadmo e lhes gIita, de forma
gozadora:
Mas. olhem! Outro milagre! Vejo Tirésias
- o adivinho - vestido com peje de veado: e o pai de
minha mãe,
como uma hacante coro seu tirso! Bem, é um espetáculo
tão ridículo que causa li >;o:=; !

E assim prossegue insultando os dois anciãos. 'l'il'é-


sias lhe re:-;ponde:
... Teu falar fecundo promete sabedoria;
mas não há inteligência em tuas palavras.
O poder e a eloquência num homem obstinado
traduzem-se em loucura; um homem assim é um perigo
para o Estado.
COp. cit., 199-200).

Estas linhas reforçam a ideia de que Penteu pode ser


considerado como modelo do político ateniense.
Tirésias tenta sem êxito algum fazer com que Penteu
abandone seu propósito de destruir Dioniso e, num longo

84
A comunhão de Afrodite e Dioniso, na sexualidade,
podelia ser vista como uma "ia para uma consciência
dionisíaca. A sexualidade, em si mesma, sem o corpo
de Dioniso, converte-se n uma frustração simplesmente
infantil e histélica. Outra possibilidade dessa comunhão
seria vê-la como uma inicLação na loucura clionisíaca;
em outras palavras, seria acei tal' a sexual idade como
um veícu10 imaginativo e erótico que conecta com a lou-
cura dionisíaca. Este seria o enf()(]ue adulto. mesmo que
distante dos esquemas da psiquiatria e da psicoterapia
modernas. Afrodite e Dioniso oferecem o âmbito arque-
típico adequado para o funcionamento desse instinto,
com todas as suas ampla!' possibilidades e com sua forte
presença na psique.
Penteu jllra destruir Diooi50. Então se dá conta
da presença de Tirésias e Cadmo e lhes gIita, de forma
gozadora:
Mas. olhem! Outro milagre! Vejo Tirésias
- o adivinho - vestido com peje de veado: e o pai de
minha mãe,
como uma hacante coro seu tirso! Bem, é um espetáculo
tão ridículo que causa li >;o:=; !

E assim prossegue insultando os dois anciãos. 'l'il'é-


sias lhe re:-;ponde:
... Teu falar fecundo promete sabedoria;
mas não há inteligência em tuas palavras.
O poder e a eloquência num homem obstinado
traduzem-se em loucura; um homem assim é um perigo
para o Estado.
COp. cit., 199-200).

Estas linhas reforçam a ideia de que Penteu pode ser


considerado como modelo do político ateniense.
Tirésias tenta sem êxito algum fazer com que Penteu
abandone seu propósito de destruir Dioniso e, num longo

84
tados que acontecem em todas as culturas) dentro desse
contexto geoÉ,'Táfico, e deixar fora qualqucr oulra conexão
que possa ter com ctivindades similares nos estudos de
l'eligiões comparadas.
Em seus livros Greeh. Piel.)' (969) e Greek Folk Reli-
gio/l. (961), Nilsson chama a atenção para a importância
das libações na vida diária familiar, nos simpósios c nos
rituais religiosos . Na vida doméstica, o (lia começava com
uma libação em honra a Hést.ia, a deus8. cio lar, ou em
honr<l doagathos dainwn, e ao longo do dia f~1Z.jam-se liba-
çà(~s a outras deidades. É digno de atenção o falo de que,
com o vinho dp. Dioniso, num ritual l'eligioso altamente
indivídunl, fazia-se a conexão com outros deuses e deusas,
isto é, com di fenmtes formas e estilos de vida . No entanto,
Eurípedes, no primeiro colóquio de As Bac(flltes, mostra
que um dos motivos da fúria ele Dioniso é que Penteu o
tenha excluído de suas libaçoes.
Quando Tirésias fala dos "sofrimentos de nossa raça
infeliz", está se retE~t1ndo, provavelmente, ao sofrimento
rio.s titãs, Considero que a cultura dionisíaca compensa
com o vinho es.se sofrimento titânico, diál'io e I'epetitivo.
AJ:, linhas poéticas de Eurípedes e dos estudiosos sobre
as I ibações falam das raízes dionjsíacas dos povos medi-
terrâneos.
Em S(~U livro Dionysos (1976, 154-55), Kerényi tra-
balhou sobre os relatos que contam a origem do vinho,
dentro do mito da chp.g·ada de Dionis():

ICfÍrio ia concedendo o dom elo vinho. Numa can'eta ele


bois, com udres repletos de vinho , ia percolTenuo as mon-
tanhosas l'egiões d::\ Ática, então habitadas por pastores
nísticos. Os pastores embriagaram-se e pensaram que
haviam sido envenenados ... e assassinAl'am Icárjo ... Não
é po.ssí"cl conceber que tJ deus do vinho, que chegava do
et'trangeiro, apresentou-se cindido em duas pessoas. o
deus e o herói, Dioniso e Icário.

86
tados que acontecem em todas as culturas) dentro desse
contexto geoÉ,'Táfico, e deixar fora qualqucr oulra conexão
que possa ter com ctivindades similares nos estudos de
l'eligiões comparadas.
Em seus livros Greeh. Piel.)' (969) e Greek Folk Reli-
gio/l. (961), Nilsson chama a atenção para a importância
das libações na vida diária familiar, nos simpósios c nos
rituais religiosos . Na vida doméstica, o (lia começava com
uma libação em honra a Hést.ia, a deus8. cio lar, ou em
honr<l doagathos dainwn, e ao longo do dia f~1Z.jam-se liba-
çà(~s a outras deidades. É digno de atenção o falo de que,
com o vinho dp. Dioniso, num ritual l'eligioso altamente
indivídunl, fazia-se a conexão com outros deuses e deusas,
isto é, com di fenmtes formas e estilos de vida . No entanto,
Eurípedes, no primeiro colóquio de As Bac(flltes, mostra
que um dos motivos da fúria ele Dioniso é que Penteu o
tenha excluído de suas libaçoes.
Quando Tirésias fala dos "sofrimentos de nossa raça
infeliz", está se retE~t1ndo, provavelmente, ao sofrimento
rio.s titãs, Considero que a cultura dionisíaca compensa
com o vinho es.se sofrimento titânico, diál'io e I'epetitivo.
AJ:, linhas poéticas de Eurípedes e dos estudiosos sobre
as I ibações falam das raízes dionjsíacas dos povos medi-
terrâneos.
Em S(~U livro Dionysos (1976, 154-55), Kerényi tra-
balhou sobre os relatos que contam a origem do vinho,
dentro do mito da chp.g·ada de Dionis():

ICfÍrio ia concedendo o dom elo vinho. Numa can'eta ele


bois, com udres repletos de vinho , ia percolTenuo as mon-
tanhosas l'egiões d::\ Ática, então habitadas por pastores
nísticos. Os pastores embriagaram-se e pensaram que
haviam sido envenenados ... e assassinAl'am Icárjo ... Não
é po.ssí"cl conceber que tJ deus do vinho, que chegava do
et'trangeiro, apresentou-se cindido em duas pessoas. o
deus e o herói, Dioniso e Icário.

86
Kerényi, em seu livro Dionysos. que antes mencio-
namos, tr·abalha a relaçào entre Dioniso e a papoula, e
conclui que os seguidores de Dionjso tinham a ideia de
que fumando ópio, uma droga que ca usa forte dependên-
cia, pOc!81'iam alcançar uma expetiência mística; porém,
distinta da experiência 'pura' e mística que celebra o Coro.
Não podemos escapar ao fato de que D'Íoniso poderia ser
o deus das fortes dependências, seja a do álcool seja a
de um narcótico. Basicamente, a dependência se traduz
numa necessidade urgente de vinho, de licores fortes ou
de drogas. Deve-se notar que os alcoólatras e os adictos
às drogas nào comem, como se a relação en tre Demélel· e
Dioniso tivesse se quebrado. Na estrofe de Eurípedes, o
vinho e o pão são apresentados juntos, complementando-
-se . As duas deidades contribuem para uma estrutura
al'quetipica de cultura: f.lão e vinho. Aqu.i podemos come-
çar a refletir sobre a psicologia dessas pessoas que não
tiveram êxito na iniciação dionisíaca por meio do vinho
e das drogas e, pOI· isso, permaneceram presos à loucura
da dependência .
Não estou interessado aqui em ver como a psi-
quiatria moderna tem trabalhado com a dependência.
Porém, gostaria que a psicologia da c1ependênciil fosse
totalmente assumida como própria do âmbito arquetípi-
co de Dioniso, o deus do vinho e dos narcóticos, porque
deste modo pode-se perceber que há ai um componente
trágico. A dependência é. na realidade, a tragédia de
uma pessoa que busca sua própria destruição: trata-se
de uma condição trágica mais elo que um vício, como foi
tradicionalmente enfocado, ou mais do que uma enfermi-
dade, como é vista a partir da perspectiva da medicina
e da psiquiatria contemporâneas.
Os efeitos benéfkos do vinho passaram a fazer parte
da obsessão com as dietas e com o colesterol dos meios
médicos e científicos, mais do que a continuação de uma

88
Kerényi, em seu livro Dionysos. que antes mencio-
namos, tr·abalha a relaçào entre Dioniso e a papoula, e
conclui que os seguidores de Dionjso tinham a ideia de
que fumando ópio, uma droga que ca usa forte dependên-
cia, pOc!81'iam alcançar uma expetiência mística; porém,
distinta da experiência 'pura' e mística que celebra o Coro.
Não podemos escapar ao fato de que D'Íoniso poderia ser
o deus das fortes dependências, seja a do álcool seja a
de um narcótico. Basicamente, a dependência se traduz
numa necessidade urgente de vinho, de licores fortes ou
de drogas. Deve-se notar que os alcoólatras e os adictos
às drogas nào comem, como se a relação en tre Demélel· e
Dioniso tivesse se quebrado. Na estrofe de Eurípedes, o
vinho e o pão são apresentados juntos, complementando-
-se . As duas deidades contribuem para uma estrutura
al'quetipica de cultura: f.lão e vinho. Aqu.i podemos come-
çar a refletir sobre a psicologia dessas pessoas que não
tiveram êxito na iniciação dionisíaca por meio do vinho
e das drogas e, pOI· isso, permaneceram presos à loucura
da dependência .
Não estou interessado aqui em ver como a psi-
quiatria moderna tem trabalhado com a dependência.
Porém, gostaria que a psicologia da c1ependênciil fosse
totalmente assumida como própria do âmbito arquetípi-
co de Dioniso, o deus do vinho e dos narcóticos, porque
deste modo pode-se perceber que há ai um componente
trágico. A dependência é. na realidade, a tragédia de
uma pessoa que busca sua própria destruição: trata-se
de uma condição trágica mais elo que um vício, como foi
tradicionalmente enfocado, ou mais do que uma enfermi-
dade, como é vista a partir da perspectiva da medicina
e da psiquiatria contemporâneas.
Os efeitos benéfkos do vinho passaram a fazer parte
da obsessão com as dietas e com o colesterol dos meios
médicos e científicos, mais do que a continuação de uma

88
pressão, parece imposs ível que essa soc i
sua cu ra. Os Estados L"nidos apesar de
'guerra contra a droga', é o ma ior cons um
aditivas do mundo.

DEPOIS que Penteu abandona li ce


um diagnóstico preciso de sua cond ição m
Desgmçado! Não sabes o que dizes.
Se antes estnvns c.k·scquilibrado. agora e
<Eul"íp

Os dois anciãos se dispõem a "pag~1"


a Dioniso, filh o de Zeus". Antes de ir embor
uma espécie de oraçAo profética:
eaclmo. o nome
PenLeu signific a dor . Conceda,te D~us q
alguma lástim A para ll1f1 casa. Não tome
profecia.
Julgue i !'leus ato~. »fl!:Wi";\'.<; tão toia:'! 56

Com esta intervenção de Tirêsias, tem


tico do estado me nta l de Pe nteu e m prime
segundo lugar, Hill prognóstico em fOI-ma
entanto. devemos entender que este progn
na conduta e no discurso de Pen teu; isto
retórica. Este tipo de pl"Ognós l.ico consti
' padrão da psicologia moderna.
Tirésias e Cadmo abandonam a ce
à montanhR, e o Coro responde à discus
conlra Dioniso:
Escutaste sua blasJ"êmia?
Penteu se atreve - escutaste? - a in
:tlegria.

90
pressão, parece imposs ível que essa soc ie
sua cu ra. Os Estados L"nidos apesar de s
'guerra contra a droga', é o ma ior cons umi
aditivas do mundo.

DEPOIS que Penteu abandona li cen


um diagnóstico preciso de sua cond ição me
Desgmçado! Não sabes o que dizes.
Se antes estnvns c.k·scquilibrado. agora es
<Eul"ípe

Os dois anciãos se dispõem a "pag~1" o


a Dioniso, filh o de Zeus". Antes de ir embora
uma espécie de oraçAo profética:
eaclmo. o nome
PenLeu signific a dor . Conceda,te D~us qu
alguma lástim A para ll1f1 casa. Não tomes
profecia.
Julgue i !'leus ato~. »fl!:Wi";\'.<; tão toia:'! 56 n'!

Com esta intervenção de Tirêsias, temo


tico do estado me nta l de Pe nteu e m primei
segundo lugar, Hill prognóstico em fOI-ma d
entanto. devemos entender que este prognó
na conduta e no discurso de Pen teu; isto é
retórica. Este tipo de pl"Ognós l.ico constit
' padrão da psicologia moderna.
Tirésias e Cadmo abandonam a cen
à montanhR, e o Coro responde à discuss
conlra Dioniso:
Escutaste sua blasJ"êmia?
Penteu se atreve - escutaste? - a inj u
:tlegria.

90
slla~ ataduras. Descreve o estado mental de Pcnteu no
momento em que tentava prendê-lo nos esté\bulos;
Então, zombei d e l e ~ Acreditaoclo acorrentar-me,
nem sequer ch egou fi me tocar ou a me Pl·ender. a não ser
em sua m ente a lucinada .
Perto dos cOll1p.r\ouros, onde ele tentava 1118 amaJ'1"<lr,
viu UTll touro;
e a este nmélrrou com sua corda ao redor das palas e unha::;,
ofegando com raiva, destilando suor
mordendo riS 1;.\bi08; enquanto eu pel·man~cill
plllcidumente sentado P. o observava.
(lbid .. 212).

Ruth Padel (199:5, 142) escreve:


A IOllcura tem causa e efeitos que não são humanos. Nem
a pessoa enlouquecida, nem O daimon que causa fi loucura
são humanos. As causns demoníacas da loucura podem
ser, em parte, animals. E loucas, como Oioruso . 8, igual-
mente, suas vítimas. Quando enlouqueces, tu te: tornas
(como) um animal.

As linhas de Eurípedes mostram com clareza o en-


contro entre esse dcúmon que induz à loucura e Penteu,
íl pessoa enlouquecida que, em sua alucinação. confunde
Dioniso com o touro. Este animal está i.oÚnJélmente re-
lacionado com Dioniso: o sacrifício do touro, do que não é
humano, como um ato religioso. Portanto, podemos ver a
tourada como o encontro da arte com o que "não é huma-
no". Seguindo Ruth Padel, Pentcu "pad(~c.:e de p/wntas-
mata (aparições, visões)" (idem).
Em s<"gllida, Dioniso nana como produziu essa apa-
rição que Penteu esforçou-se para prender, pensando
que era Dioniso, e como destruiu os estábulos deixando
Penteu aflito e aturdido.
Pentcu regressa ao cenário e, ao ver Dioniso, dá um
glito violento . Entra um boiadeiro e dá notícias sobre o
que acontece nas montanhas:

92
slla~
ataduras. Descreve o estado mental de Pcnteu no
momento em que tentava prendê-lo nos esté\bulos;
Então, zombei d e l e ~ Acreditaoclo acorrentar-me,
nem sequer ch egou fi me tocar ou a me Pl·ender. a não ser
em sua m ente a lucinada .
Perto dos cOll1p.r\ouros, onde ele tentava 1118 amaJ'1"<lr,
viu UTll touro;
e a este nmélrrou com sua corda ao redor das palas e unha::;,
ofegando com raiva, destilando suor
mordendo riS 1;.\bi08; enquanto eu pel·man~cill
plllcidumente sentado P. o observava.
(lbid .. 212).

Ruth Padel (199:5, 142) escreve:


A IOllcura tem causa e efeitos que não são humanos. Nem
a pessoa enlouquecida, nem O daimon que causa fi loucura
são humanos. As causns demoníacas da loucura podem
ser, em parte, animals. E loucas, como Oioruso . 8, igual-
mente, suas vítimas. Quando enlouqueces, tu te: tornas
(como) um animal.

As linhas de Eurípedes mostram com clareza o en-


contro entre esse dcúmon que induz à loucura e Penteu,
íl pessoa enlouquecida que, em sua alucinação. confunde
Dioniso com o touro. Este animal está i.oÚnJélmente re-
lacionado com Dioniso: o sacrifício do touro, do que não é
humano, como um ato religioso. Portanto, podemos ver a
tourada como o encontro da arte com o que "não é huma-
no". Seguindo Ruth Padel, Pentcu "pad(~c.:e de p/wntas-
mata (aparições, visões)" (idem).
Em s<"gllida, Dioniso nana como produziu essa apa-
rição que Penteu esforçou-se para prender, pensando
que era Dioniso, e como destruiu os estábulos deixando
Penteu aflito e aturdido.
Pentcu regressa ao cenário e, ao ver Dioniso, dá um
glito violento . Entra um boiadeiro e dá notícias sobre o
que acontece nas montanhas:

92
expu !ses, pela fOI''.=a, as bacan tes
da sagradas montanhas.
Obid ., 219),

Apesar disso, Penteu não lhe dá atenção e, então,


Dioniso o conduz, passo a passo, à loucura, ao persuadi-lo
de que deve se vestir com roupa de mulher, pele de veado
e sustentar um tirso na mào para ir até às montanhas
onde estão as mênades e espiá-las. Penteu sai para se
vestir enquanto Dioniso se dirige ao Coro:
Mulheres, esLe homem está caminhanc..lo em direçào à
armadilha. Visitará
aI:; bacantes; e ali a morte haverá de ser o seu castigo .
(Ihid. , 222).

Dioniso segue Penteu até o palácio a fim de vesti-lo


como uma 01 ulher, para sua viagem até a montanha.
Retoma à cena e chama Penteu:
Vem, homem perverso, que anseias realizar () que mio é
lícito
e te cansas no qUR não tem ql1e se cansa r.
Penteu! Sai para fora, vem à fl'ente do palácio. deixa-te
ver pOl' mim, usando
as vestiment.as de uma bacan!:€ frenética. f' preparado
para espiar tua mãe e todas suas companhe;J'as bacantes.
(loid., 224)

Aqui temos outra imagem da loucura dionisíaca .


Penteu, que achava repugnante a androginia de Dio-
niso, agora está ele mesmo vestido como um travesti.
Dioníso é o único deus que se veste como uma mulher
(Kerényi, 1997,258). Na cena anterior, quando Díoniso
está persuadindo Penteu para que se vista como uma
mênade, podemos ir percebendo suas artimanhas. A cena
pode seI' considerada como uma metáfora da necessidade
inconsciente que o homem tem de se vestir de mulher,

94
expu !ses, pela fOI''.=a, as bacan tes
da sagradas montanhas.
Obid ., 219),

Apesar disso, Penteu não lhe dá atenção e, então,


Dioniso o conduz, passo a passo, à loucura, ao persuadi-lo
de que deve se vestir com roupa de mulher, pele de veado
e sustentar um tirso na mào para ir até às montanhas
onde estão as mênades e espiá-las. Penteu sai para se
vestir enquanto Dioniso se dirige ao Coro:
Mulheres, esLe homem está caminhanc..lo em direçào à
armadilha. Visitará
aI:; bacantes; e ali a morte haverá de ser o seu castigo .
(Ihid. , 222).

Dioniso segue Penteu até o palácio a fim de vesti-lo


como uma 01 ulher, para sua viagem até a montanha.
Retoma à cena e chama Penteu:
Vem, homem perverso, que anseias realizar () que mio é
lícito
e te cansas no qUR não tem ql1e se cansa r.
Penteu! Sai para fora, vem à fl'ente do palácio. deixa-te
ver pOl' mim, usando
as vestiment.as de uma bacan!:€ frenética. f' preparado
para espiar tua mãe e todas suas companhe;J'as bacantes.
(loid., 224)

Aqui temos outra imagem da loucura dionisíaca .


Penteu, que achava repugnante a androginia de Dio-
niso, agora está ele mesmo vestido como um travesti.
Dioníso é o único deus que se veste como uma mulher
(Kerényi, 1997,258). Na cena anterior, quando Díoniso
está persuadindo Penteu para que se vista como uma
mênade, podemos ir percebendo suas artimanhas. A cena
pode seI' considerada como uma metáfora da necessidade
inconsciente que o homem tem de se vestir de mulher,

94
Antes, o deus não estavfI a nosso favor; agora nos é favo~
rável,
está em paz conosco; agora o vês como deve ser.
(Eurípedes, 1954, 225).

ofato de Pe.nteu confundir o deus com um touro é


uma imagem extraordinária de sua loucura. Agora Penteu
é um ser complet.amente passivo ("está em paz conosco")
e pede conselhos a Dioniso de como deve ser seu compor-
tamento na montanha .
Então tem lugar um diálogo fascinante entre Dioniso
e Penteu, onele este se expressa como se fosse uma drag
queen J8 diante do cenário:
Penteu:
Como me vejo"! Diga-me, não sào minha aparência e ati-
tude
semelhantes às de Ino ou às de minha mãe, Ágave?
Dioniso:
Vendo-te, creio vé-las . Espera wn momento;
(:~ste cacho de cnbelos ~f\iu do lugar,
não p.stá como ajustei cuidadosamente dentro da rede
que usas.
Penteu:
Lá dentro, enquanto sacudia minha cabeça, agitado,
como uma bailarina báquica. eu (J soltei de seu lugar.
Dioniso:
Vem então ; eu sou aquele que cuida de ti.
Eu te arrumarei de novo . Aqui, levanta tua cabeça.
Pcntcu:
A.rrl1ma~me, por favor; estou em tuas mãos.
Dioniso:
Tua faixa se afrouxou; e a túnica não tem a caída ade~
quada,
em pregas uniforme~ até o tornozelo.
Penteu:
Também a mim me parece. ao menos deste lado. o da
perna d1l"eíta;
pois do outro lado a túnica cai bem até o t01"l1ozelo.

" PrctLru empregar [l ll'rnl() ingl&, dmg qU~(,1I plH"(jUe I'srá c.wrcgndo de
todas as COlllltil\'ÕE'5 que Ih" sEto ~llribuídas hoje em di;! e porque . em português,
Ilt~ ondE' &el. niio p- xiste Ullla locução pareeiei;!.

96
Antes, o deus não estavfI a nosso favor; agora nos é favo~
rável,
está em paz conosco; agora o vês como deve ser.
(Eurípedes, 1954, 225).

ofato de Pe.nteu confundir o deus com um touro é


uma imagem extraordinária de sua loucura. Agora Penteu
é um ser complet.amente passivo ("está em paz conosco")
e pede conselhos a Dioniso de como deve ser seu compor-
tamento na montanha .
Então tem lugar um diálogo fascinante entre Dioniso
e Penteu, onele este se expressa como se fosse uma drag
queen J8 diante do cenário:
Penteu:
Como me vejo"! Diga-me, não sào minha aparência e ati-
tude
semelhantes às de Ino ou às de minha mãe, Ágave?
Dioniso:
Vendo-te, creio vé-las . Espera wn momento;
(:~ste cacho de cnbelos ~f\iu do lugar,
não p.stá como ajustei cuidadosamente dentro da rede
que usas.
Penteu:
Lá dentro, enquanto sacudia minha cabeça, agitado,
como uma bailarina báquica. eu (J soltei de seu lugar.
Dioniso:
Vem então ; eu sou aquele que cuida de ti.
Eu te arrumarei de novo . Aqui, levanta tua cabeça.
Pcntcu:
A.rrl1ma~me, por favor; estou em tuas mãos.
Dioniso:
Tua faixa se afrouxou; e a túnica não tem a caída ade~
quada,
em pregas uniforme~ até o tornozelo.
Penteu:
Também a mim me parece. ao menos deste lado. o da
perna d1l"eíta;
pois do outro lado a túnica cai bem até o t01"l1ozelo.

" PrctLru empregar [l ll'rnl() ingl&, dmg qU~(,1I plH"(jUe I'srá c.wrcgndo de
todas as COlllltil\'ÕE'5 que Ih" sEto ~llribuídas hoje em di;! e porque . em português,
Ilt~ ondE' &el. niio p- xiste Ullla locução pareeiei;!.

96
Sua màp,
como sacerdotisa que guiava o sacrifítio, foi a primeira a
avançar nele.
Ele arrancou a fita que prendia seus cabelos. de modo que
SUEI infel iz
mãe pudesse L3lvez reconhecê-lo e não mntá-lo. 'Mãe',
gritou ele, tot::ando suas bochechas, 'sou cu. teu filho Pen-
teu, a quem des te à luz
no palâcio cle Equi ón. Mãe. tem piedade! Mesmo que tenha
pecado,
c:ontinuo sendo teu prôprio filho. Não me tlrrebates a vida!'
Agé\\'e soltava espuma pela boca e revolvia suas pupilas
em pleno rlesvnrio, não tinha juízo pois estava possuida
por Baco, e seu filho não conseguia persuadi-Ia. Pegou
com suas mãos
o braço esquerdo de Penteu. entre o pulso e o cotovelo e,
apoiaodo seu pé
no flanco, dilacerou-o e arrancou-lhe o ombro.
Nào usou sua força, mas era o deus que a possuía,
c tornou fácil o trabalho de suas màos. Entretanto. lno
estava na frente ele Penteu.
dilacerando com rapidez sua carne; quando uniu-se a eles
Autônoe, e toda;). horda de bacantes.
Um grito único e continuo se ouviu. Pcnteu
soltava gritos enquanto lhe sobrava algo de vida.
as mulheres
uivavam triunfantes. Uma dela!> levou um braço,
outra, um pê com a sandália ainda calçada. Os flancos
foram dest.nticlos, dilncerados até ficarem nus, e as màos
das mulheres espessas de sangue
jogavam e pegavam, como uma brincadeira, a carne
de Penteu.
(lbid., 232).

Não e}..;ste modelo que se compare a esta descl;ção de


Eurípedes das mênadcs nas montanhas. Trata-se de uma
visão poética do horror produzido por um estado extrcmo
de possessão. de loucura. Perguntamo-nos quais foram as
experiências dionisíacas que ElIlípedes teve.

98
Sua màp,
como sacerdotisa que guiava o sacrifítio, foi a primeira a
avançar nele.
Ele arrancou a fita que prendia seus cabelos. de modo que
SUEI infel iz
mãe pudesse L3lvez reconhecê-lo e não mntá-lo. 'Mãe',
gritou ele, tot::ando suas bochechas, 'sou cu. teu filho Pen-
teu, a quem des te à luz
no palâcio cle Equi ón. Mãe. tem piedade! Mesmo que tenha
pecado,
c:ontinuo sendo teu prôprio filho. Não me tlrrebates a vida!'
Agé\\'e soltava espuma pela boca e revolvia suas pupilas
em pleno rlesvnrio, não tinha juízo pois estava possuida
por Baco, e seu filho não conseguia persuadi-Ia. Pegou
com suas mãos
o braço esquerdo de Penteu. entre o pulso e o cotovelo e,
apoiaodo seu pé
no flanco, dilacerou-o e arrancou-lhe o ombro.
Nào usou sua força, mas era o deus que a possuía,
c tornou fácil o trabalho de suas màos. Entretanto. lno
estava na frente ele Penteu.
dilacerando com rapidez sua carne; quando uniu-se a eles
Autônoe, e toda;). horda de bacantes.
Um grito único e continuo se ouviu. Pcnteu
soltava gritos enquanto lhe sobrava algo de vida.
as mulheres
uivavam triunfantes. Uma dela!> levou um braço,
outra, um pê com a sandália ainda calçada. Os flancos
foram dest.nticlos, dilncerados até ficarem nus, e as màos
das mulheres espessas de sangue
jogavam e pegavam, como uma brincadeira, a carne
de Penteu.
(lbid., 232).

Não e}..;ste modelo que se compare a esta descl;ção de


Eurípedes das mênadcs nas montanhas. Trata-se de uma
visão poética do horror produzido por um estado extrcmo
de possessão. de loucura. Perguntamo-nos quais foram as
experiências dionisíacas que ElIlípedes teve.

98
Jane Goodall observou os rituais do h)'pe nos chimpan-
zés. De fato, como se pôde observal' nos filmes, a técnica
empr~g3da pelos chimpanzés para a ca~R é bastante hor-
rível. Durante horas, um estado de ânimo sinistro parece
apoderar-se deles, um silêncio cúmplice . Logo, o ãnirno
torna-se frenético e juntos - de forma cooperativa - 1"0-
eleiam e cercam um macaco indefeso. Soltando alaridos,
gTitando e sacudindo os ramos das árvores, provocam um
terror frio que, por sua vez, faz com que a vítima comeLa
erl'OS . Quando finalmente pegam o macaco, despedaçam-
-no literalmente, ml'!mbro por membro, em urna orgia de
excitação. Horrendo!
(Tudgc, 1995, 197).

Não há dúvida de que Eurípedcs esteve profunda-


mente interessado nos estados de possessão. Em Hipólito,
além do excelente retrato da possessão de Fedra por Afro-
dite, faz menção de seu pr6prio inventário de possessões.
Dodds trabalha este inventário de Euripedes e o catálogo
do morbo sacro de Hipócrates:
Ambas as listas incluem Hécate e a 'Mãe dos deuses' ou
'Mãe da Montanha' (Cibele); Eurípedes acrescenta Pã e
os Coribantes; Hipócrates a Posídon, Apolo Nomio e Ares,
assim como os 'heróis', que são aqui simplesmente os mOl'tos
int.ranquilos associados com Hécate. Todos estes são men-
cionados como deidades que causam perturbação mental.
iDodds, 1980, 83).

Dodds ressalta como é significativo o resultado da au-


sência de Dioruso nesta lista. Dioniso contém em si mesmo
um amplo espectro de estados de possessão e loucura, o
alcoolismo, o duende e as emoções geradas pela trágica
im.agética dionisíaca. A gente se pergunta como terá sido a
vida de Eurípedes enquanto escrevia Hipólito eAs Eacan-
tes; esta última deve ter requerido uma longa meditação
sobre os variados estados dionisíacos de possessão. Talvez
esta variedade ou a ambivalência que discutimos explique
a ausência de Dioniso nesses inventários.

100
Jane Goodall observou os rituais do h)'pe nos chimpan-
zés. De fato, como se pôde observal' nos filmes, a técnica
empr~g3da pelos chimpanzés para a ca~R é bastante hor-
rível. Durante horas, um estado de ânimo sinistro parece
apoderar-se deles, um silêncio cúmplice . Logo, o ãnirno
torna-se frenético e juntos - de forma cooperativa - 1"0-
eleiam e cercam um macaco indefeso. Soltando alaridos,
gTitando e sacudindo os ramos das árvores, provocam um
terror frio que, por sua vez, faz com que a vítima comeLa
erl'OS . Quando finalmente pegam o macaco, despedaçam-
-no literalmente, ml'!mbro por membro, em urna orgia de
excitação. Horrendo!
(Tudgc, 1995, 197).

Não há dúvida de que Eurípedcs esteve profunda-


mente interessado nos estados de possessão. Em Hipólito,
além do excelente retrato da possessão de Fedra por Afro-
dite, faz menção de seu pr6prio inventário de possessões.
Dodds trabalha este inventário de Euripedes e o catálogo
do morbo sacro de Hipócrates:
Ambas as listas incluem Hécate e a 'Mãe dos deuses' ou
'Mãe da Montanha' (Cibele); Eurípedes acrescenta Pã e
os Coribantes; Hipócrates a Posídon, Apolo Nomio e Ares,
assim como os 'heróis', que são aqui simplesmente os mOl'tos
int.ranquilos associados com Hécate. Todos estes são men-
cionados como deidades que causam perturbação mental.
iDodds, 1980, 83).

Dodds ressalta como é significativo o resultado da au-


sência de Dioruso nesta lista. Dioniso contém em si mesmo
um amplo espectro de estados de possessão e loucura, o
alcoolismo, o duende e as emoções geradas pela trágica
im.agética dionisíaca. A gente se pergunta como terá sido a
vida de Eurípedes enquanto escrevia Hipólito eAs Eacan-
tes; esta última deve ter requerido uma longa meditação
sobre os variados estados dionisíacos de possessão. Talvez
esta variedade ou a ambivalência que discutimos explique
a ausência de Dioniso nesses inventários.

100
mãe que mata seu próprio filho porque ambos rejeitaram
o culto a Dioniso. A imagem trágica de Eurípedes pode
seI' percebida como uma metáfora que permite refletir
sobl'e a relação entre uma mãe e seu filho que termina na
mais terrível destruição; em outras palavras, permite-nos
refletir a partir de uma situação limite. Como vimos, Pen-
teu tem traços titânicos marcantes: não há religiosidade
em sua retórica. A inveja que sua mãe sentia de Sêmele
significa que ela também negava e reprimia Dioniso. O
titanismo governa esta relação mãe/filho. Devemos procu-
rar O que falta nesta relação. Ao reprimir Dioniso, houve
uma brutal repressão das emoções. Dioniso vingou-se, ou
melhor dizendo, essas emoções reprimidas se vingaram
e a mãe e o filho foram vitimas de um dos mais extremos
exemploR de dest.ruição.
A relação mãe/filho é arquetlpica. Dentro de sua
configuração arquetípjca são encontradas todas as cores
do espectro emocional, desde a branca e a negra do posi-
tivo e negativo e através das infinitas possibilidades das
diversas cores.
Seguindo nossa linha de pensamento, a relação mãe!
filho entre Dioniso e Sêmele dá uma perspectiva d.iferente
à de Penteu e Ágave. Sêmele morre antes do nascimento
de seu filho, Dioniso, e este fica na trágica condição de ser
uma criança órra de mãe. O mito nos relata que Dioniso
dirigiu-se ao reino dos mortos para resgatar sua màe
Sêmele e levá-la para o CéU 39 . Psicologicamente falando,
isto significa uma profunda consciência da relação mãe!
filho por parte do filho.

'~Em
1952. Jung ficou sumamp.nt€ imprpssionRdo qunndo a Igreja Católica
ff>7, di! él~cf'nsiio
(Mpol'fll da Virgem no ccu l1m dogma. Ele interpretou esti!
llSCPllSão como l> plemenlo femininu (l'.lt~ ~un:Jpl~loriH ii tr,,,dfHle ,lp Pai, Filh"
e Espíriro Santo, formando um fjufl/€mio. concebido como uma totalidade. Vejo
na uscellSflO de Sêm,"le ao céu peJas mãos dE: Dioniso o antec,"dente arquetipico
do dogma l-risWo.

102
mãe que mata seu próprio filho porque ambos rejeitaram
o culto a Dioniso. A imagem trágica de Eurípedes pode
seI' percebida como uma metáfora que permite refletir
sobl'e a relação entre uma mãe e seu filho que termina na
mais terrível destruição; em outras palavras, permite-nos
refletir a partir de uma situação limite. Como vimos, Pen-
teu tem traços titânicos marcantes: não há religiosidade
em sua retórica. A inveja que sua mãe sentia de Sêmele
significa que ela também negava e reprimia Dioniso. O
titanismo governa esta relação mãe/filho. Devemos procu-
rar O que falta nesta relação. Ao reprimir Dioniso, houve
uma brutal repressão das emoções. Dioniso vingou-se, ou
melhor dizendo, essas emoções reprimidas se vingaram
e a mãe e o filho foram vitimas de um dos mais extremos
exemploR de dest.ruição.
A relação mãe/filho é arquetlpica. Dentro de sua
configuração arquetípjca são encontradas todas as cores
do espectro emocional, desde a branca e a negra do posi-
tivo e negativo e através das infinitas possibilidades das
diversas cores.
Seguindo nossa linha de pensamento, a relação mãe!
filho entre Dioniso e Sêmele dá uma perspectiva d.iferente
à de Penteu e Ágave. Sêmele morre antes do nascimento
de seu filho, Dioniso, e este fica na trágica condição de ser
uma criança órra de mãe. O mito nos relata que Dioniso
dirigiu-se ao reino dos mortos para resgatar sua màe
Sêmele e levá-la para o CéU 39 . Psicologicamente falando,
isto significa uma profunda consciência da relação mãe!
filho por parte do filho.

'~Em
1952. Jung ficou sumamp.nt€ imprpssionRdo qunndo a Igreja Católica
ff>7, di! él~cf'nsiio
(Mpol'fll da Virgem no ccu l1m dogma. Ele interpretou esti!
llSCPllSão como l> plemenlo femininu (l'.lt~ ~un:Jpl~loriH ii tr,,,dfHle ,lp Pai, Filh"
e Espíriro Santo, formando um fjufl/€mio. concebido como uma totalidade. Vejo
na uscellSflO de Sêm,"le ao céu peJas mãos dE: Dioniso o antec,"dente arquetipico
do dogma l-risWo.

102
Ágave: a loucura que destrói seu filho Penteu e muda o
destino da casa de Cadmo.
Quando Cadmo deve enfTentar seu terrível futuro
no exílio, apenas pode dizer: "Dioniso, apieda-te de nós".
Thomas Rosenrncyel' (1982,86) diz: "No drama de Eurí-
pedes. as surpreendentes transfonnaçãl's deAlceste e de Hi-
pólito e o impactante rigor deAs Bacrmtcs deixam o público
num fecu ndo estado de pel-tw-bação". Pode-se i magi nar essa
perturbação como um estado similar ao duende: a audiência
rasga suas vestes enquanto abandona o teatro. Sinto que,
entre as emoções que desperta As Bacantes, predominam a
compaixão pela casa de Cadmo e por seu destino e o temor
diante da cruel e tenível vingança de Dioniso. A religiosida-
de de Emipedes foi muito pessoal. Dodds o considerou como
um poeta inacional, ao contrário dos estudiosos vitorianos
como A. W_ Venall, que o coJ1Eideraram um rscionalü.;ta·!l.
Em minha opinião, sua alma oscilava com facilidade entre
a racionalidade e a irracionalidade. Como 'ü"lZedor de ima-
gens', podia modelar sua imagem com um esmero emocional
ou expreSSén- justamente o oposto, para oferecer uma ima-
gem irracional, com um impacto emocional tão opressivo
que não deixa margem à especulação. O c1ímax emocional
da b:agédia foi possível por causa da concepção que teve
Eurípcdcs de que a conduta dos deuses não l'espondia a
nenhum designjo racional dos mortais; foi uma concepção
que o convelteu no mais trágico dos poetas trágicos. Podemos
aprender de Eurípedes, pois vivemos numa época eru que
não existe consciência trágica e emocional. Sua poesia é,
talvez, o maior exemplo de racionalidade e irracionalidade,
paradoxalmente de màos dadas, para expressar a plenitude
de sua personalidade_ Como está escrito na obra, "Dioniso,
filho de Zeus, em sua natmeza divina, é o mais tem'vel,
porém o mais amável para os humanos".

," V~ r "Euripides be lrmcionIlU~," . Em : E . .N. /JoddE, .1982 , 78 c ~s.

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Ágave: a loucura que destrói seu filho Penteu e muda o
destino da casa de Cadmo.
Quando Cadmo deve enfTentar seu terrível futuro
no exílio, apenas pode dizer: "Dioniso, apieda-te de nós".
Thomas Rosenrncyel' (1982,86) diz: "No drama de Eurí-
pedes. as surpreendentes transfonnaçãl's deAlceste e de Hi-
pólito e o impactante rigor deAs Bacrmtcs deixam o público
num fecu ndo estado de pel-tw-bação". Pode-se i magi nar essa
perturbação como um estado similar ao duende: a audiência
rasga suas vestes enquanto abandona o teatro. Sinto que,
entre as emoções que desperta As Bacantes, predominam a
compaixão pela casa de Cadmo e por seu destino e o temor
diante da cruel e tenível vingança de Dioniso. A religiosida-
de de Emipedes foi muito pessoal. Dodds o considerou como
um poeta inacional, ao contrário dos estudiosos vitorianos
como A. W_ Venall, que o coJ1Eideraram um rscionalü.;ta·!l.
Em minha opinião, sua alma oscilava com facilidade entre
a racionalidade e a irracionalidade. Como 'ü"lZedor de ima-
gens', podia modelar sua imagem com um esmero emocional
ou expreSSén- justamente o oposto, para oferecer uma ima-
gem irracional, com um impacto emocional tão opressivo
que não deixa margem à especulação. O c1ímax emocional
da b:agédia foi possível por causa da concepção que teve
Eurípcdcs de que a conduta dos deuses não l'espondia a
nenhum designjo racional dos mortais; foi uma concepção
que o convelteu no mais trágico dos poetas trágicos. Podemos
aprender de Eurípedes, pois vivemos numa época eru que
não existe consciência trágica e emocional. Sua poesia é,
talvez, o maior exemplo de racionalidade e irracionalidade,
paradoxalmente de màos dadas, para expressar a plenitude
de sua personalidade_ Como está escrito na obra, "Dioniso,
filho de Zeus, em sua natmeza divina, é o mais tem'vel,
porém o mais amável para os humanos".

," V~ r "Euripides be lrmcionIlU~," . Em : E . .N. /JoddE, .1982 , 78 c ~s.

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Eulipecle s . Bacchae. Editado com Intl"uduction anel commentary de E.
R. Dodds. Oxford: Oxford Universitv Press .
Farnone, Christopher A. anel Thomas C:arpcllter {toeis. l. 18!-l."3 Moslls
of DiollYsus. Ithaca. London: Corliel1 Un:iversity Press.
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penter, T. and C. Faraone, eds. , p . 45 11.2.
.fung, Cad Gllst:W. 1953 . Colleded Wo/"hs. Vuls . 1-20. Tr~d . R. F. C.
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Jung. Carl Gustav . ]967 . CW , :3 : Alchmlical Studies.
Lhmger, Ernst. 1993 . °Gesta.llwC/ndel Eilll' Progn()se cm! das .Jahr 21
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Cirani. São Paulo: Pau\us Ed.
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deu . Oxfurd: Clõ'll'endon Pres". (l'h\ uma edição espanhola: Historia
de la religióTI griega. 1961. Buenos Aires: Eudebn .J

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Eulipecle s . Bacchae. Editado com Intl"uduction anel commentary de E.
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Farnone, Christopher A. anel Thomas C:arpcllter {toeis. l. 18!-l."3 Moslls
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