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25 julho, 2019l
Introdução
Por isso busco uma teoria adequada a essa nossa singularidade marcada pelo
expansionismo religioso, considerando as hipóteses, ou de estarmos caindo em novas
formas de “teocracia”, “fundamentalismos”, “neo-cristandade”, como acusam muitos
segmentos laicos e laicistas; ou deste fenômeno ser expressão de uma modernidade
conservadora e autoritária, aonde as religiões jogam um papel crucial
O que quero demonstrar, é que estes autores têm uma visão crítica da teoria da
secularização (como estreita e reducionista) e procuram ver potencialidades no
reconhecimento pelo Estado e pela sociedade do papel público das religiões. No
entanto, existe também uma preocupação em TODOS eles em estabelecer salvaguardas
para a conduta pública das religiões (como o respeito a democracia, à Constituição e às
mediações sociais e científicas conquistas da nossa modernidade)
Segundo Emerson Giumbelli, os centros/países que se credibilizaram como
referências no estudo da laicidade, o foram porque abrigavam “casos clássicos e
modelares” em termos históricos e sociológicos da implantação do modelo. Ou também
por serem lugares onde a noção de laicidade passou a contemplar “pautas socialmente
controversas” em evidência, como polêmicas em torno da exibição de símbolos
religiosos no espaço público ou com respeito à irrupção de partidos políticos religiosos,
islâmicos. (2013: 45,46).
II – O caso das questões contemporâneas sobre o papel das religiões na esfera pública e
a questão da laicidade no Brasil
Para tal, proponho uma tipologia de três etapas, a dos dois últimos governos
Dilma (2011 -2016), Temer (2016-2018) e do atual, Bolsonaro (2019)
II a- Período do Governo Dilma
No final do 2º governo Lula em 2010, houve uma reação forte da Igreja Católica
através da Conferência dos Bispos do Brasil às medidas anunciadas no Plano Nacional
dos Direitos Humanos deste governo. Em nota a Conferência dos Bispos protestou
contra a descriminalização do aborto, a regulamentação do casamento homossexual, à
adoção de crianças por casais gays e considerou “intolerável” a proposta de vetar a
ostentação de símbolos religiosos em repartições públicas. Como resposta à pressão, o
presidente recebeu uma Comissão da entidade e assegurou a retirada destas proposições
do Plano, particularmente a que se referia a descriminalização do aborto e a proibição
de símbolos religiosos em prédios públicos, o que aconteceu, de fato (Mariano e Oro,
2010:25).
II b- Período Temer
1
Disponível em https://www.otempo.com.br/pol%C3%ADtica/pastores-recebem-temer-para-
reuni%C3%A3o-e-prometem-orar-pelo-presidente-1.1851320 Acesso em 24/05/2019
lobby, participam de comissões parlamentares, organizam marchas, manifestações,
estabelecem alianças entre si – os cristãos - e com atores políticos conservadores.
Todavia esta forma de procedimento político-republicano visa preencher as políticas de
Estado com conteúdos dogmático-religiosos.
Por esse estilo de “jogar o jogo” dentro das regras da política, considero não
apropriado a formulação de “fundamentalismo” ou “teocracia” para dar conta da
atuação pública dos evangélicos- Eles tem se movido na política através de um “forte
pragmatismo” (Burity, 2018:40). Estiveram nos anos que se seguiram ao fim da
ditadura, apoiando todos os governos, de centro, direita e esquerda. E este traço
pragmático visando responder suas necessidades imediatistas de acordo com as
conjunturas político-sociais de cada época, levou a que a liderança destas igrejas
promovesse a prática da aliança com outras forças políticas. Promoveram sempre uma
“adesão sem reservas à lógica das coalizões típica do presidencialismo brasileiro”. E
quando integraram a coalizão conservadora que chegou ao poder em 2016 via
impeachment da presidente Dilma Roussef, o fizeram na condição de “mais um
componente do conservadorismo político em vigor, coadjuvante,” (Burity, 2018:47).
II c - Período Bolsonaro
2
Em eleições anteriores os evangélicos e católicos cindiram-se entre candidatos presidenciais, como naquela de
2010 quando importantes expressões do meio evangélico apoiaram a candidatura Dilma Roussef do PT, como
Manoel Ferreira presidente da Convenção Nacional das Assembléias de Deus e deputado federal (PP/RJ), o bispo e
Senador Marcelo Crivella da IURD (PRB/RJ), o senador Magno Malta (PR/ES), o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ)
e Robson Rodovalho da igreja Sara Nossa Terra (PP/DF) além do católico Gabriel Chalita candidato ao governo de SP
pelo PMDB. Apoiaram a candidatura José Serra do PSDB, o pastor Silas Malafaia da Assembléia de Deus Vitória em
Cristo, o pastor Paschoal Piragine da Igreja Batista em Curitiba, os bispos católicos D. Aldo Pagotto arcebispo da
Paraíba, D. Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, bispos da Regional Sul da CNBB, o padre José Augusto da
TV Canção Nova (MARIANO; ORO, 2009, p. 11-38)
3
Disponível em https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/389938/Bolsonaro-diz-que-Brasil-agora-segue-a-
b%C3%ADblia-antes-de-votar-na-ONU.htm Acesso em 25/05/2019
4
Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/14/politica/1542224082_262753.html Acesso em
25/05/2019
língua indígena tupi pelo padre Anchieta5 Sua atuação no comando da política exterior
do Brasil será pautada pelo combate as "pautas abortistas e anticristãs em foros
multilaterais”6
5
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/principais-referencias-feitas-no-discurso-do-
chanceler-ernesto-araujo.shtml Acesso em 25/05/2019
6
Disponível emhttps://oglobo.globo.com/mundo/chanceler-de-bolsonaro-diz-que-combatera-
7
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/03/para-evitar-promocao-do-aborto-brasil-
critica-mencao-a-saude-reprodutiva-da-mulher-em-documento-da-onu.shtml Acesso em 25/05/19
8
Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/03/ministro-compara-bolsonaro-
a-jesus-ao-chamar-presidente-de-pedra-angular-do-novo-brasil.ghtml Acesso em 25/05/19
países árabes, houve um recuo. Na prática, na visita de Bolsonaro a Israel foi acertada
apenas a abertura de um escritório de negócios do governo brasileiro na cidade9.
9
Disponível em https://oglobo.globo.com/mundo/deputados-evangelicos-nao-se-satisfazem-
com-escritorio-insistem-em-transferencia-de-embaixada-para-jerusalem-23564898 Acesso em
25/05/19
10
Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-concede-passaporte-diplomatico-a-edir-macedo-e-
esposa/ https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/justica-federal-anula-concessao-de-passaporte-
diplomatico-para-edir macedo.shtml Acesso em 25/05/19
11
Disponível http://m.leiaja.com/politica/2018/12/07/futura-ministra-coleciona-declaracoes-polemicas/. Acesso
em 25/05/19
12
Disponível https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/01/09/ministra-damares-se-
envolve-em-nova-polemica-a-teoria-da-evolucao.ghtml. Acesso em 25/05/19
Em audiência pública na Comissão de Defesa dos direitos das mulheres no
Congresso Nacional, a ministra dos DH, afirmou: “a mulher deve ser submissa ao
homem no casamento” concepções que explicitam uma teologia do
Deutoronômio/Levítico13
14
Disponível em https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/futura-ministra-quer-aprovacao-de-projeto-
que-preve-bolsa-para-vitima-de-estupro-que-desistir-de-aborto-23296928.html Acesso em 25/05/19
15
Disponível em https://www.cartacapital.com.br/politica/o-ensino-domiciliar-e-um-apelo-da-familia-brasileira-
diz-damares/ Acesso em 25/05/19
16
Disponível em https://www.cartacapital.com.br/politica/indicada-por-velez-como-numero-2-do-mec-iolene-
lima-e-demitida Acesso em 25/05/19
projetos de lei formulados por evangélicos, seja no Congresso através de sua
bancada, seja através da máquina estatal onde estão inseridos. São eles, legislação anti-
drogas, Estatuto da Família que restringe a idéia de família a homem/mulher; o envio
das crianças para creches religiosas financiadas pelo Estado em detrimento da escola
pública, Estatuto do Nascituro que sustenta que o “feto tem direito a vida‟ e visa proibir
o aborto em quaisquer circunstância, a “Escola sem partido”, uma legislação que visa
coibir nas escolas conteúdos pedagógicos, rotuladas por eles, como: “ideologia de
gênero” e “doutrinação de esquerda”.
Conclusão
E isto com implicações concretas para nosso regime de laicidade, pois estes
defendem uma concepção de laicidade que crítica o monopólio de uma religião, mas
oferece como alternativa uma presença equilibrada e compartilhada entre as religiões
majoritárias, (evangélicos e católicos) no Estado, na política e nas instituições.
Parece ser uma escolha deliberada por lugares chave onde possam travar sua
“guerra cultural” no sentido que lhe apôs James Hunter contra o que chamam a
hegemonia do “marxismo cultural” na sociedade brasileira: estilos de vida, moral
sexual, meio ambiente, conhecimento e saber (Hunter, 1991; Silveira 2015:11-45).
Pelas características que tem tomado, a ofensiva pública das religiões cristãs na
esfera pública brasileira, considero que só com um “tour de force” podemos encaixá-las
na noção de “religião pública”, tal como formulou Casanova. No caso, não se pode
constatar nem uma permeabilidade destas em relação aos setores laicos da sociedade,
tampouco um processo de auto-secularização que as faz participarem da sociedade civil
enquanto um ator dentre outros, como sugeriu Casanova para o caso das “religiões
públicas”.
O governo decretou uma lei que elimina o dispositivo jurídico que obrigava
manter reservas de mata nativa nas propriedades rurais do Agro negócio. Autorizou o
uso de 152 produtos agrotóxicos, muitos proibidos em outras partes do mundo.
Mas, além dos dados que dizem respeito a segurança pública, ao meio ambiente
e a educação pública, novas informações sobre a questão da religião, somam-se as estas
acima, como contribuição a minha formulação final:
Bolsonaro num culto na igreja evangélica Atitude, sobe ao palco com sua esposa
Michelle, onde recebem as bênçãos do pastor e da membresia. Agradece dizendo: “É
bom estar no meio de gente que tem Deus no coração”18
17
Disponível em https://noticias.uol.com.br/política/ultimas-noticias/2019/05/26 Acesso em 27/05/19
18
Disponível em https://g1.globo.com.br/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/26 Acesso em 27/05/19
Patrícia da RCC e com o tradicionalista bispo de Campos, D. Rifan. Em mensagem no
seu facebook, D. Rifan disse que foi convidado pela Frente Parlamentar Católica para o
ato. Contudo ele lamentou que o presidente não fez a consagração e quem referendou o
ato foi o porta voz do governo, ministro Floriano Peixoto. O fato também foi noticiado
no site evangélico, “gospel mais”, que registrou exultante, a partir da declaração oficial
da entidade católica que “o presidente não proclamou a fórmula da consagração, nem
assinou o documento da consagração”. Diz ainda o site, que Dom Rifan fez a
consagração, “para tentar minorar a frustração geral pelo ocorrido”19
Em culto da IURD em 19/06, o bispo Macedo orou para que Deus “remova”
todo aqueles que se unem para derrubar o presidente Bolsonaro, para “impedi-lo de
fazer um excelente governo”20.
Por fim, o próprio Bolsonaro compartilhou um vídeo nas suas redes sociais,
onde o pastor congolês Steve Kunda, no programa de TV evangélico do pastor Cássio
Miranda, faz a profecia, de que ele, Bolsonaro é “um enviado de Deus”21
19
Disponível em https://noticias.gospelmais.com.br/bolsonaro-nao-consagra-brasil-nossa-senhora-114627.html
Acesso em 27/05/19
20
Disponível em https://veja.abril.com.br/politica/edir-macedo-pede-que-deus-remova-quem-se-opoe-a-bolsonaro/
Acesso em 27/05/19
21
Disponível em https://pleno.news/brasil/politica-nacional/bolsonaro-posta-video-em-que-pastor-diz-que-deus-
o-escolheu.html
autoritário no país, como tantos outros que pontuaram no passado a história da América
Latina.
Referências bibliográficas
HUNTER, James Davidson. Cultural Wars: the struggle to define America. New Tork:
Basic Books, 1991.
MARIANO, Ricardo & ORO, Ari Pedro. “Eleições 2010: Religião e Política no Rio
Grande do Sul e no Brasil. Debates do NER, nº 18, 2010, pp. 11-38.
SILVEIRA, Emerson Sena da. „Guerra cultural‟ católica: política, espaços públicos e
lideranças eclesiásticas. In: Religião, política e espaço público no Brasil: discussões
teóricas e investigações empíricas. Emerson Sena da Silveira, Manoel Ribeiro Moraes
Junior (orgs.), São Paulo: Fonte Editorial, 2015, pp.11-45.