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DEFINIÇÃO DE ISOZONAS DE PRECIPITAÇÃO NO SEMIÁRIDO

BRASILEIRO
Juliana Argélia Garcia de Almeida 1* & Francisco Jácome Sarmento 2

Resumo – No presente artigo, conjuga-se um método de descrição espaço-temporal da precipitação


anual com técnicas de interpolação espacial com vistas à definição de isozonas nas quais a
conversão local da influência regional causadora da chuva apresenta similaridade. O espaço
geográfico de aplicação corresponde ao semiárido nordestino. Ao todo, foram analisadas mais de 5
mil estações pluviométricas que integram a rede de monitoramento da região e suas adjacências. Os
vetores regionais e de coeficientes foram estimados para cada uma das unidades hidrográficas
constitutivas da área monitorada. O uso da técnica de interpolação conhecida como IQD (Inverso do
Quadrado da Distância) foi eleito como mais adequado para os fins pretendidos.

Palavras-Chave – Recursos Hídricos, Vetor Regional, Interpolação.

DEFINITION OF RAINFALL ISOZONES IN BRAZILIAN SEMIARID

Abstract – This paper combines a space-time description method of annual rainfall with spatial
interpolation techniques aiming to define isozones in which the local conversion of regional
influence that causes rain has similarity. The geographical area application corresponds to the
northeast semiarid. In all, over 5000 rainfall stations that make up the monitoring network in the
region and its surroundings was analyzed. The regional and coefficients vectors were estimated for
each hydrographic units that constitutes constituting the monitored area. The use of interpolation
technique known as IQD (Inverse Squared Distance) was elected as the most suitable for the
intended purpose.

Keywords – Water Resources, Regional Vector, Interpolation.

1
Tecnóloga em Geoprocessamento, Hydrotech Consultoria, juliana.garciah@gmail.com.
2
Professor Associado, UFPB – Universidade Federal da Paraíba, jacomesarmento@hotmail.com.

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1


INTRODUÇÃO

A escassez de recursos hídricos tem sido vista como um dos principais problemas na
atualidade. O impacto da crise tem imposto rigorosos esquemas de racionamento à população bem
como ao setor econômico em diversas regiões do país.
Nas esferas do planejamento e da gestão das águas tem-se buscado respostas adequadas à
situação estabelecida. Em particular, nas zonas de histórica carência hídrica, estudos regionais têm
sido realizados com o objetivo de otimizar as decisões e ações, maximizando a racionalidade do uso
das reservas disponíveis. Nesse contexto, da perspectiva técnica, o conhecimento do
comportamento de variáveis hidrológicas é de extrema importância.
A lida com as informações disponíveis esbarra não raramente na baixa quantidade de séries
temporais com extensão útil e consistência adequada. Embora relativamente privilegiadas sob o
aspecto de serventia aos propósitos dos estudos de natureza hidrológica, as séries temporais de
chuva demandam tratamento específico que as caracterize do ponto de vista qualitativo, o qual
geralmente lança mão de técnicas capazes de corrigir anomalias e preencher lacunas nas séries de
extensão e continuidade atrativas.
Em termos quantitativos, uma das maneiras mais eficazes para contornar a carência de dados
é pelo uso de procedimentos de regionalização. Segundo Tucci (1993), trata-se de um conjunto de
técnicas e ferramentas estatísticas e matemáticas que buscam auxiliar, utilizando valores
conhecidos, a estimativa de variáveis hidrográficas cujo real valor não pode ser medido, dentro de
uma área de comportamento hidrológico semelhante.
Dentro desse contexto e devido a importância da confiabilidade dos dados, podendo estes,
comprometerem os resultados de qualquer ação ou metodologia aplicada, faz-se necessário o uso de
rigoroso tratamento e análise de consistência de dados, a fim de obter séries homogêneas,
preenchidas e consistidas.
A análise de consistência pluviométrica tem sido recorrentemente realizada pelo método
denominado Vetor Regional. Segundo os autores (Hiez e Rancan, 1983), o Vetor Regional é uma
série "de índices pluviométricos anuais ou mensais, oriundos da extrapolação por um método de
máxima verossimilhança, da informação mais provável, contida nos dados de um conjunto de
estações de observação agrupadas, por região". Um procedimento específico dirigido ao
preenchimento de falhas observacionais de chuva é apresentado por Sarmento (1991) tendo como
base o uso conjunto de vetores regionais anuais e mensais, aliados à equações regressivas lineares
múltiplas.
O método do Vetor Regional procura descrever o fenômeno da precipitação no tempo e no
espaço como produto de um efeito regional (representado pelo próprio vetor indexado no tempo) e
de um efeito local (representado pelo vetor de coeficientes). Assim, pode-se dizer que os
componentes do vetor de coeficientes promovem a conversão local da influência regional associada
a ocorrência de precipitações.
A descrição da variabilidade espacial das componentes conversoras do efeito regional
encontra nas técnicas de interpolação uma potencial ferramenta para a estimativa de valores não
conhecidos. Para Burrough (1986), a interpolação espacial é o procedimento para se estimar valores
de propriedades de locais não amostrados, baseando-se em valores de dados observados em locais
conhecidos.

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MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da área de estudo
A área de interesse do presente estudo corresponde praticamente à toda a região Nordeste do
Brasil, incluindo-se uma pequena parcela inserta no norte de Minas Gerais, cujo viés
hidroclimatológico faz parte do semiárido brasileiro. A região em tela, conhecida como uma região
problemática do ponto de vista climático, está localizada entre os paralelos 10 e 180 S e os
meridianos 350 e 470 W, com uma área aproximada de 1,5 milhões de km2 (Figura 1).
A precipitação é muito variável e condiciona as atividades socioeconômicas. Na maior parte
da região, a precipitação é escassa e tem flutuações interanuais muito altas não encontradas em
outros lugares da parte oriental das Américas. Essa variabilidade causa secas severas e enchentes
em anos diferentes, e algumas secas duram dois anos ou mais.
O território corresponde às Regiões Hidrográficas (RH) codificadas pela Agência Nacional de
Águas - ANA como de números 3, 4 e 5 (Tabela 1) e divididas em vinte e oito sub-regiões
hidrográficas.

Tabela 1- Regiões Hidrográficas abrangidas


Número da RH Região Hidrográfica (Resolução CNRH no 32/2003)
3 Atlântico, Trecho Norte/Nordeste
4 Do São Francisco
5 Atlântico, Trecho Leste

Seleção de dados de interesse


Para realização do presente estudo foram utilizadas informações disponibilizadas pela ANA,
através de um banco de dados (HIDROWEB) em formato Access.
O banco de dados correspondente a todas as RH’s acima mencionadas totaliza 881.015
registros de informações de chuva concernente à RH 3, 551.227 registros referentes à RH 4 e,
925.297 registros coligidos na RH 5.
Ao todo, compreendendo dados sobre chuvas, foram considerados 2.357.539 registros com
valores diários de precipitação, além de outros campos constantes no referido banco de dados. A
Tabela 2 mostrada a seguir apresenta o número de estações pluviométricas relativas a cada RH
considerada, totalizando 5.381 postos.

Tabela 2- Estações Pluviométricas disponibilizadas pela ANA


Número da RH Número de Estações Número de Registros
3 2.263 881.015
4 1.200 551.227
5 1.918 925.297

Foram adotados na seleção das estações os seguintes parâmetros, resultando no conjunto de


informações sobre as quais foi aplicada a metodologia pretendida:
 Estações com início de operação anterior a 1960;
 Estações com pelo menos 10 anos de dados disponíveis;
 Análise visual das descontinuidades (falhas) presentes nas séries que foram habilitadas de acordo
com os dois critérios acima e eventual exclusão das mesmas quando apresentarem ocorrência de
mais de 2 ano de lacunas contínuas.

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A Figura 1 mostra, além da localização da área de interesse, a espacialização, por grupo de
bacias, dos dados considerados no presente estudo, totalizando 2.138 postos pluviométricos.

Figura 1. Área de estudo e estações pluviométricas selecionadas

Análise de Consistência
Definidos os dados a serem utilizados, empregou-se a metodologia de análise de consistência
denominada Vetor Regional, conforme descrita por Sarmento (1991), aplicada objetivando o
preenchimento das séries de chuvas das bacias. A referida metodologia é a mesma posteriormente
adotada em ANA (2012).
Uma das principais vantagens possibilitadas pelo seu uso é a compatibilidade resultante entre
as séries nos níveis de discretização diário, mensal e anual.

Zonas Homogêneas
Uma vez procedida rigorosa análise de consistência dos dados disponíveis de chuva, buscou-
se identificar regiões cujo comportamento local é semelhante ou homogêneo no que se refere à
forma como responde ao efeito regional causador das precipitações em cada uma das bacias insertas
no semiárido brasileiro, seja este de atuação isolada (Ondas de Leste, por exemplo), seja uma
composição ou superposição de mais de um sistema atmosférico interferente nas precipitações
regionais.
A partir de vetores de coeficientes representativos dos efeitos locais que convertem a
influência regional em precipitações, foram utilizadas técnicas de espacialização, através de Sistema
de Informações Geográficas para definição de áreas estimadas considerando a distribuição espacial
dos valores conhecidos.
Os interpoladores espaciais são divididos em diferentes categorias, tendo sido utilizados, no
presente estudo, os interpoladores IDW (Inverso Ponderado da Distância) e Krigging (Krigagem) e

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a partir de testes e análises, definido o IDW como interpolador mais adequado à estimativa de
valores, considerando os coeficientes observados.
O método eleito, também conhecido como IQD (Inverso do Quadrado da Distância), devido
ao uso do expoente 2, fornece uma estimativa dos valores baseando-se nos pesos ponderados aos
postos mais próximos. Ou seja, quanto mais próximo do ponto a ser estimado estiver o posto, maior
será o peso associado a este e, consequentemente, maior será sua influência na estimativa.
Para tanto, através do módulo de Análise Geoestatística do software de SIG
"ArcGIS/ ArcMap® Desktop 9.1", foram realizados testes e análises com os interpoladores espaciais
IDW (Inverso do Peso da Distância) e Krigging, tendo sido observada uma tênue diferença entre
tais interpoladores e os respectivos erros médios oriundos dos valores estimados.
Através da análise estatística e visual das imagens geradas, optou-se por utilizar o IDW para
todas as sub-regiões de interesse, devido à adequação do mesmo à maioria dos dados observados.
Para cada uma das vinte e oito subáreas hidrográficas, foram confeccionados mapas
classificados de acordo com os coeficientes observados. Assim, cada subárea, analisada em termos
de homogeneidade na forma de conversão do efeito regional em efeito local, foi mapeada
individualmente de acordo com sua base regional própria (Vetor Regional).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O método do Vetor Regional permite o preenchimento e a extensão das séries a partir do nível
de discretização temporal menos resistente à modelagem tempo-espacial, ou seja, o nível anual,
passando pelo nível mensal, para o qual são estimados os vetores regional e de coeficientes, para
chegar na desagregação diária dos valores compatibilizados nos níveis de discretização temporal
superiores (anual e mensal). Resulta daí, séries preenchidas e estendidas (quando possível),
compatíveis nos níveis anual, mensal e diário.
Concernente aos resultados interpolados e mapeados, afetos aos vetores de coeficientes
estimados, observa-se coerência entre a disposição espacial das zonas e os principais elementos
fisiográficos que influem na singularização local dos efeitos regionais apreendidos pelo Vetor
Regional. Um dos sinais locais mais recorrentes nas figuras mostradas vem a ser o efeito orográfico
responsável pela elevação da precipitação registrada em certos postos localizados em zonas
serranas. Não menos observáveis são as influências da proximidade litorânea, mormente nas bacias
geograficamente dispostas na influência mais direta das Ondas de Leste.
Visto de uma perspectiva regional, a semiaridez no Nordeste brasileiro é bem retratada, tanto
em sua predominância espacial como na interrupção desta devido à prevalência de influências
locais ou sub-regionais.
Apesar de o número inicial de estações haver sido alto (mais de 5000, a totalidade disponível
na região), a triagem feita com o método do Vetor Regional reduz a densidade de dados em muitas
áreas. Por essa razão não se descarta a existência de alguma deformidade na configuração do
mapeamento mostrado nas Figuras 2 a 29, onde se adota a referência da ANA na designação dos
conjuntos de bacias hidrográficas.

Região Hidrográfica 3

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Figura 2. Sub-região 74 Figura 3. Sub-região 751 Figura 4. Sub-região 752 Figura 5. Sub-região 753

Figura 6. Sub-região 754 Figura 7. Sub-região 755 Figura 8. Sub-região 756 Figura 9. Sub-região 757

Figura 10. Sub-região 758 Figura 11. Sub-região 759

Região Hidrográfica 4

Figura 12. Sub-região 761 Figura 13. Sub-região 762 Figura 14. Sub-região 763 Figura 15. Sub-região 764

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Figura 16. Sub-região 765 Figura 17. Sub-região 766 Figura 18. Sub-região 767 Figura 19. Sub-região 768

Figura 20. Sub-região 769

Região Hidrográfica 5

Figura 21. Sub-região 771 Figura 22. Sub-região 772 Figura 23. Sub-região 773 Figura 24. Sub-região 774

Figura 25. Sub-região 775 Figura 26. Sub-região 776 Figura 27. Sub-região 777 Figura 28. Sub-região 778

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Figura 29. Sub-região 779

REFERÊNCIAS

Agência Nacional de Águas - ANA (Brasil) - (2012): Orientações para consistência de dados
pluviométricos / Agência Nacional de Águas; Superintendência de Gestão da Rede
Hidrometeorológica. - Brasília: ANA, SGH.
BURROUGH, P.A. 1986. Principals of Geographical Information Systems for Land Resources
Assessment. Oxford, Clarendon Press, 194p.
HIEZ, G.L.G., RANCAN, L. (1983), Aplicação do Método do Vetor Regional no Brasil. Anais do
V Simpósio Brasileiro de Hidrologia e Recursos Hídricos, v. 2.
MATOS, C.E. de A.; Fraga, N. S., Viana, L. A. A., Sarmento, F. J. (1990). Comparação de
Métodos para preenchimento de falhas de precipitação mensal na bacia do rio Coreaú, Estado do
Ceará. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 8, p. 12-20.
SARMENTO, F. J. Homogeneização e Preenchimento de Séries Pluviométricas: Uma Investigação
com o Vetor Regional. IX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS. Anais. Rio de
Janeiro, Brasil,1991.
TUCCI, C. E. M. Hidrologia: Ciência e Aplicação, UFRGS/ABRH, Porto Alegre, Brasil, 943p,
1993.

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