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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITO DO AMBIENTE

Francisco António Bajuca Tomás Catarro, nº 18646

Notas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

Regência: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva

Maio de 2012
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

Índice
1. Intodução Pág. 3

2. O Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

2.1. Noção Pág. 5

2.2. Âmbito de aplicação Pág. 7

2.3. Funções e finalidades (em especial, a prevenção) Pág. 8

3. Marcha do Procedimento Pág. 12

4. A força jurídica do Parecer de Avaliação de impacto Ambiental

4.1. A discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000 Pág. 14

4.2. Face ao Decreto-Lei 69/2000 Pág. 15

4.3. Tomada de Posição Pág. 17

5. Conculsão Pág. 20

6. Bibliografia Pág. 22

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

1. Introdução
O presente estudo pretende fazer uma reflexão sobre alguns traços do regime jurídico da
avaliação de impacto ambiental.

Instituído no nosso ordenamento jurídico primariamente pelo Decreto-Lei 186/90, de 6 de


Junho e por transposição da Directiva nº 85/337/CEE, o procedimento de avaliação de impacto
ambiental propunha-se combater de forma preventiva (logo, não reactiva) as perturbações do
Ambiente, de forma a garantir não apenas a diversidade das espécies e conservar as características
dos ecossistemas enquanto património natural insusceptível de substituição, mas também proteger a
saúde humana e promover a qualidade de vida dos sujeitos das comunidades (Preâmbulo do referido
Decreto-Lei).

Dez anos volvidos sobre a instituição do regime em Portugal, o Decreto-Lei 186/90 foi
revogado e passou a vigorar o novo regime de avaliação de impacto ambiental (Decreto-Lei 69/2000).
Este novo regime pretendeu, de acordo com o seu Preâmbulo, atingir sensivelmente os mesmo
objectivos que o anterior e destinou-se a dar seguimento aos compromissos assumidos pelo Governo
português em sede de avaliação de impacto ambiental (aprovação, pelo Decreto 59/99, de 17 de
Dezembro, da Convenção Sobre Avaliação dos Impactos Ambientais Num Contexto
Transfronteiras, e da Directiva nº 97/11/CE, de 3 de Março de 1997).

Valor consolidado nas sociedades contemporâneas, o Ambiente tem sido nas últimas décadas
objecto de uma cada vez maior tutela e entrou já inequivocamente na ordem do dia. Exemplo desses
dois aspectos são, por um lado, a produção legislativa nacional e comunitária em matéria ambiental,
as acções de sensibilização para uma “educação ambiental” (o incentivo à reciclagem, por exemplo)
ou a responsabilidade de entes públicos e privados por danos ambientais, e, de outra parte, a evolução
que se registou quanto à horizontalidade da inserção da “questão ambiental” nos programas dos
partidos políticos ou a proliferação de notícias de cariz ambiental evidenciam a ascensão do valor
“Ambiente”.

Não é de estranhar então que Portugal tenha instituído um regime de avaliação de impacto
ambiental há já mais de duas décadas. Aliás, estranho (mas explicável pelo timing da adesão de Portugal
à CEE) e criticável talvez seja apenas o facto de esse regime padecer ainda de uma considerável
juventude.

A importância da avaliação de impacto ambiental para a política ambiental, bem como as


questões jurídicas que o nosso regime suscitou e continua a suscitar, constituíram o fundamento do
interesse para este estudo. É que, constituindo a avaliação de impacto ambiental um dos melhores e
mais completos mecanismos de protecção e garantia do Ambiente, sem descurar outros valores da
Ordem Jurídica, é de todo o interesse fazer sobre ela uma reflexão.

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Entendeu-se, assim, começar por apresentar umas noções introdutórias que constituirão o
enquadramento necessário à contextualização do objecto do estudo: noção, âmbito de aplicação,
funções e finalidades do procedimento de avaliação de impacto ambiental. Nelas, optei não apenas
por fazer uma simples conceptualização, mas, outrossim, problematizar e questionar as soluções que
o regime em análise nos parece oferecer. A título de exemplo, atente-se no âmbito de aplicação do
Decreto-Lei 69/2000, em especial a questão (duvidosa, nos vários sentidos da palavra) da
possibilidade de dispensa de procedimento.

Seguidamente, a marcha do processo. Aparentemente de pouca relevância prática e não


muito propícia a discussões doutrinárias, a importância da tramitação do procedimento de avaliação
de impacto ambiental é patente. De facto, não será por acaso que o nosso legislador optou por, neste
procedimento em concreto, consagrar uma tramitação pesada e burocrática. Do meu ponto de vista,
apesar de em algumas fases do procedimento ser criticável a excessiva preocupação processual, não
terá sido por acaso que a Lei não criou um procedimento simplificado. Diria mesmo que (tendo
consciência do arrojo desta afirmação), foi intenção do legislador consagrar uma espécie de princípio
da tutela do ambiente em matéria processual. E é com base nessa ideia que me surgem dúvidas quanto
à qualidade da solução legal de possibilidade de dispensa de procedimento ou de concessão da licença
por deferimento tácito.

Por fim, questão da maior pertinência e que fez (e, em parte, ainda faz) correr rios de tinta
entre a nossa Doutrina: a força jurídica do parecer de avaliação de impacto ambiental. Numa área em
que se misturam e relacionam ainda com maior evidência Direito Administrativo e Direito do
Ambiente, o parecer de avaliação de impacto ambiental dividiu durante toda a vigência do Decreto-
Lei 186/90 a Doutrina portuguesa. Parece-me que essa discussão teve na sua génese dois pilares: o
primeiro (e que fez nascer o segundo) foi a falta de clarividência da lei; o segundo, a insistência de
alguns autores em tentar pôr em evidência a necessidade de esse parecer ter carácter vinculativo. O
confronto valorativo em causa, bem como as dúvidas interpretativas que surgiram face ao texto da
lei, originaram um interessantíssimo debate doutrinal que se apaziguou em 2000, data em que o novo
regime legal relativo à avaliação de impacto ambiental veio expressamente consagrar a força jurídica
vinculativa do parecer de avaliação de impacto ambiental.

São estes os factores que estão na génese do meu interesse por este regime e que me levam
a crer estarmos perante um tema da maior actualidade e importância que, consequentemente, não
pode ser menosprezado.

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2. O Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

2.1. Noção

O Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental é um procedimento administrativo


especial e privativo do Direito do Ambiente destinado a verificar as consequências ecológicas de
projectos públicos e privados susceptíveis de produzir efeitos significativos no Meio Ambiente
(partilho da opinião cada vez mais generalizada na Doutrina de que não existem intervenções na
Natureza com impacto zero, seja ele positivo ou negativo). É sensivelmente nestes parâmetros que
os arts.º 1º e 2º, e) da Lei 69/2000 (Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental) descrevem
e conceptualizam este procedimento administrativo.

Desta proposta de noção se pode perceber a ligação umbilical que se estabelece entre o
procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental e o princípio da prevenção, princípio basilar do
Direito do Ambiente cujo desenvolvimento será feito adiante. Outros princípios, como o princípio
do desenvolvimento sustentável e o princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis
são também realizados através deste procedimento. Segundo Vasco Pereira da Silva, o primeiro é
concretizado na medida em que o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental introduz o
“factor ambiental” na tomada de decisões administrativas, permitindo apreciar a sustentabilidade
ambiental de uma actividade que pode ser relevante em sede de desenvolvimento económico,
enquanto o princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis obriga à utilização de
critérios de “eficiência ambiental”, de forma a optimizar a utilização dos recursos disponíveis, na
avaliação da actividade projectada.

De salientar também na proposta de noção de Procedimento de Avaliação de Impacto


Ambiental o facto de este constituir um importante limite à propriedade privada. Uma vez que do
procedimento pode resultar o não licenciamento de determinado projecto, a coisa só pode ser objecto
das intervenções anteriormente projectadas se e na medida da respectiva licença. Caso não a obtenha,
o proprietário vê, então, uma limitação de Direito Público recair sobre a coisa de que é proprietário,
o que vem introduzir um “travão” ao carácter absoluto do direito de propriedade. A admissibilidade
deste tipo de limitações ao direito de propriedade advém da evolução desse instituto: o direito de
propriedade deixou de ser entendido como um direito absoluto e ilimitado e passou a desempenhar
também uma função social. Essa função social legitima a introdução de limites ao direito de
propriedade, mesmo contra a vontade do seu titular. Tomemos como exemplo o direito fundamental
à habitação (art.º 65º CRP). A nossa melhor Doutrina Jusfundamentalista (JORGE MIRANDA)
considera que o direito fundamental à habitação é um direito a prestações, de conteúdo não
determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e
de mediação do legislador cuja efectivadade está dependente da reserva do possível, em termos
políticos, económicos e sociais. Isto traduz a ideia de que, caso não consiga garanti-lo por intermédio

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dos seus próprios meios, o Estado pode intervir na área da habitação, não por intermédio de actos
materiais (como por exemplo a construção de habitações sociais), mas sim atráves da função social
do direito de propriedade, impondo restrições ao proprietário privado. Assim, LUIS MANUEL
TELES DE MENEZES LEITÃO considera que também o direito à habitação vincula os
particulares, chamando-os a ser solidários com os seus semelhantes (princípio da solidariedade social),
o que explica a função social que a propriedade privada tem que cumprir. E esta forma de limitação
não constitui sequer uma inovação do procedimento de avaliação de impacto ambiental no nosso
ordenamento jurídico, pois já constava da Constituição da República Portuguesa de 1933. No que
respeita aos seus limites, MENEZES LEITÃO considera que a função social não pode funcionalizar
o direito de propriedade e, como tal, está limitada pelo instituto do abuso do direito, previsto no art.º
334º do Código Civil.

Importa ainda, a este propósito, fazer uma pequena abordagem e aproximação ao conceito
de “impacto ambiental”, por força da sua conexão com todo o objecto deste estudo. Num sentido
amplo, entende-se por impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do Meio Ambiente, resultante de actividades humanas que, directa ou indirectamente,
sejam susceptíveis de afectar a saúde, a segurança e bem-estar, as actividades sociais e económicas, a
biosfera, os recursos ambientais, entre outros. Um entendimento estrito, tende a considerar como
impacto ambiental apenas os efeitos da acção humana sobre o Meio Ambiente, desconsiderando os
fenómenos naturais. O conceito proposto pela lei (DL 69/2000, de 3 de Maio) aproxima-se do
sentido amplo, como se pode inferir do art.º 2º, j). Os impactos ambientais são susceptíveis de
classificações a partir de dois critérios: qualitativo e económico. Qualitativamente, os impactos
ambientais podem ser positivos (quando uma acção humana causa uma melhoria de um factor
ambiental) ou nagativos (caso em que uma acção reduz a qualidade de um factor ambiental), directos
(resultado de uma relação de causa e efeito) ou indirectos (quando são parte de um encadeamento de
acções), local (os efeitos da acçao restringem-se ao local exacto onde ocorreram), regional (o efeito
propaga-se por uma área que é superior à do impacto ambiental local) ou estratégicos (hipótese em
que o bem ambiental afectado tem uma importância colectiva, seja nacional ou internacional), a curto
(os efeitos do impacto ambiental fazem-se notar logo que ocorrem), médio (situação em que o
impacto ambiental vai produzir efeitos durante um período de tempo considerável) ou longo prazo
(os efeitos do impacto ambiental perduram pelo tempo), e, por fim, reversíveis (apesar do impacto
ambiental provocado pela acçao, o Meio Ambiente volta ao status anterior à acção) ou irreversíveis (o
impacto ambiental é de tal ordem danoso que torna impossível a reconstituição da situação pré-
existente a esse impacto). O critério económico apresenta apenas as externalidades para classificar os
impactos ambientais. As externalidades podem, como sabemos, ser positivas, caso em que foi obtido
um benefício externo, ou negativas, às quais correspondem um custo externo. As externalidades
negativas dependem de um duplo pressuposto: que a actividade de um agente implique a perda de
qualidade de um outo agente e que a referida perda não seja compensada.

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2.2. Âmbito de Aplicação

De acordo com o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, o âmbito de aplicação deste


procedimento pode ser feito de uma perspectiva positiva e negativa. Assim, a AIA aplica-se a todos
os projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos negativos no Meio Ambiente
(art.º 1º/1 DL 69/2000), aos projectos incluídos nos Anexos I e II ao diploma (art.º 1º/3), aos
projectos que, por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em
razão da matéria e do membro do Governo responsável pela área do Ambiente, sejam considerados
como susceptíveis de provocar um impacto significativo no Ambiente (art.º 1º/5) e, ainda que em
condições específicas, os projectos destinados à defesa nacional (art.º 1º/6). Em termos negativos, o
procedimento de AIA não se aplica aos projectos destinados à defesa nacional sempre que o
Ministério da Defesa reconheça que o procedimento terá efeitos negativos sobre as necessidades de
defesa nacional (art.º 1º/6).

Questão de capital importância quanto à matéria do âmbito de aplicação deste regime jurídico
é a da dispensa de procedimento, prevista no art.º 3º. Sumariamente, o procedimento de avaliação de
impacto ambiental tem os seguintes traços característicos: mediante iniciativa do proponente (através
de requerimento devidamente fundamentado- art.º 3º/2) e despacho do Ministro do Ambiente e do
Ministro da tutela, o licenciamento ou autorização podem ser efectuados com dispensa, total ou
parcial, do procedimento de avaliação de impacto ambiental, desde que se baseie em situações
excepcionais e devidamente fundamentadas (art.º 3º/1); a decisão sobre o requerimento de dispensa
de procedimento de avaliação de impacto ambiental é da competência do Ministro do Ambiente e da
tutela, na sequência de parecer da autoridade licenciadora e da autoridade da avaliação de impacto
ambiental (art.º 3º/3, 4, e 7). Assim, temos que a dispensa do procedimento pode ser repartida em
três partes essenciais: a primeira consubstancia-se com o pedido de dispensa (art.º 3º/1 e 2); a segunda
consiste na apreciação do pedido, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 3º; por fim, a decisão (art.º
3º/7, 8 e 10).

Relativamente a esta matéria, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA levanta duas


questões que me parecem de considerar: a primeira consiste em saber afinal o que se deve entender
por “dispensas parciais”, ou seja, qual o alcance e sentido destas dispensas; depois, a questão das
consideráveis margens de discricionariedade de que a Administração goza quanto às dispensas.

Acompanhando o entendimento deste Autor, as dispensas parciais referem-se, não à não


observância de alguns dos trâmites do procedimento (o que até talvez nem fosse uma hipótese de
rejeitar, uma vez que, como será demonstrado a propósito da marcha deste procedimento, se lhe
pode apontar uma excessiva burocratização, que nem sempre é adequada à prossecução das funções
a que a Administração se encontra adstrita), mas sim à possibilidade de serem emitidas decisões

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parcialmente favoráveis. Quer isto dizer que a lei previu a possibilidade de o pedido ser deferido mas
com a aposição de condições à decisão (favorável), como consta do art.º 3º/7 e 4.

No que à ampla margem de discricionariedade da Administração respeita, o Professor alerta


para o facto de a lei apenas apontar dois limites específicos para a decisão de dispensa do
procedimento, que são a necessidade de fundamentação e a existência de circunstâncias excepcionais.
Como sabemos, a actividade administrativa pode ser vinculada ou discricionária, com maior ou
menos amplitude. Uma maior vinculação da Administração permitirá aos destinatários do acto ter
uma expectativa fundada sobre qual o sentido do acto, mas, por outro lado, obstará a que, in casu, a
Administração possa emitir um acto que possivelmente melhor prosseguiria o interesse público. A
descricionariedade permite, prima facie, dar resposta à crítica apresentada a propósito da vinculação da
actividade administrativa mas em contrapartida corre o risco de colocar a Administração numa
situação que, em alguns casos, quase se aproxima da arbitrariedade (admito aqui algum exagero
quanto ao hipotético alcance da discricionariedade, até porque uma atitude arbitrária por parte da
Administração é completamente inadmissível num sistema administrativo pautado pelos princípios
da separação de poderes e da legalidade, mas foi minha intenção hiperbolizar as consequências de
uma discricionariedade excessiva). Com isto não quero dizer que a discricionariedade é de rejeitar em
todos os casos, muito pelo contrário, constitui, como afirmei, um mecanismo muito importante para
se garantir que não são tomadas decisões “a régua e esquadro”. No entanto, verifico que no regime
jurídico em análise talvez o legislador tenha pecado por excesso, pois ficará à apreciação das
autoridades administrativas, por exemplo, concretizar o que se deve entender, em cada caso concreto,
por “situações excepcionais”. É que, salienta o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, a
concretização desse conceito indeterminado se vai fazer com base num simples requerimento
apresentado pelo proponente e não de acordo com um Estudo de Impacto Ambiental, o que não me
parece admissível. E essa inadmissibilidade é facilmente perceptível se atendermos aos valores que
subjazem ao procedimento de avaliação de impacto ambiental e que, mediante um simples
requerimento, não serão atendidos porque a Administração entendeu estarmos perante “situações
excepcionais”, sem que essa consideração seja feita a partir de um documento com a valência técnica
de um Estudo de Impacto Ambiental, por exemplo.

2.3. Funções e finalidades (em especial, a prevenção)

A acção preventiva, a avaliação das incidências ambientais e a participação e sensibilização


dos cidadãos constituem três dos princípios fundamentais da política de ambiente e, tendo em conta
que a Avaliação de Impacto Ambiental permite responder simultaneamente a estes três grandes
princípios de política de ambiente, não poderão restar dúvidas quanto à importância do procedimento
de Avaliação de Impacto Ambiental.

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No art.º 4º do DL 69/2000 encontramos os objectivos fundamentais do procedimento de


AIA. Assim e de acordo com 1a alínea a) do referido artigo, é objectivo deste procedimento fornecer
aos órgãos decisórios do licenciamento dos projectos que são objecto do procedimento informação
integrada dos possíveis efeitos sobre o ambiente natural e social dos mesmos. Quer isto significar
então que a Avaliação de Impacto Ambiental e o respectivo procedimento têm uma função e
finalidade informativos. Na alínea b) temos a consagração legal de dois princípios fundamentais de
Direito do Ambiente: o princípio da prevenção na primeira parte e, na parte final, o princípio do
desenvolvimento sustentável. Este último tem uma dupla dimensão, de acordo com VASCO
PEREIRA DA SILVA: económica e jurídica. Na sua dimensão económica, pretende chamar a
atenção para a necessidade de conciliação entre a preservação do Meio Ambiente e o
desenvolvimento económico. Em termos jurídicos, este princípio impõe que se faça uma ponderação
das consequências ambientais de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos
poderes públicos, de tal modo que, caso os custos ambientais excedam consideravelmente os
benefícios económicos a medida deve ser inválida. Desta forma, o princípio do desenvolvimento
sustentável obriga que os actos de desenvolvimento económico provenientes de poderes públicos
tenham uma fundamentação ecológica.

O princípio da prevenção merece maior atenção e detalhe. Este princípio tem como pano de
fundo aquela ideia de senso comum de que “mais vale prevenir do que remediar”, aplicada ao
contexto do Ambiente, ou seja, traduz-se em que, na iminência de uma actuação humana que
comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser
impedida. Neste sentido e uma vez que o princípio da prevenção tem como finalidade evitar lesões
do meio ambiente, implica um juízo de prognose póstuma relativamente a situações potencialmente
perigosas susceptíveis de colocar em perigo os componentes ambientais e, assim, permitindo adoptar
os meios adequados a que se não verifiquem ou, pelo menos, a minimizar os seus impactos. Como
salienta o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA “O que está aqui em causa é a tomada de
medidas destinadas a evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente, e não a reacção a tais
lesões, ainda que a a prevenção e a repressão possam andar associadas (…) “. São duas as acepções
em que o conteúdo deste princípio pode ser analisado: de uma perspectiva ampla, o princípio da
prevenção procura afastar eventuais riscos futuros; num sentido restristo, destina-se a evitar perigos
imediatos e concretos. Carla Amado Gomes apresenta algumas concretizações deste princípio em
quatro áreas temáticas distintas: a nível procedimental a autora refere o art.º 4º, c) DL 69/2000,
relativo ao princípio da participação, como uma tradução da ideia de prevenção, na medida em que
convida os cidadãos a expressarem as suas posições relativamente a questões ambientais (logo, como
a Administração não é nem pode aspirar a ser omnipresente nem auto-suficiente, terá na participação
pública um bom auxílio a evitar situações de perigo para o meio ambiente através das informações
que os particulares lhe transmitem); a política industrial obriga à realização, em certos casos, de
avaliações de impacto ambiental como condição prévia do acto autorizativo de licenciamento de

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implantação e exploração; ao impor a inclusão, nos currículos escolares, de uma disciplina ambiental,
a política de educação é também um exemplo concretizador deste princípio, que, desta forma, dá
pleno cumprimento ao disposto nos arts.º 66º/2, g) CRP e 4º, l) da Lei de Bases do Ambiente; por
fim, quanto à política de investigação, a Lei de Bases do Ambiente opera um incentivo ao estudo
relacionado com o ambiente, nomeadamente quanto às formas de redução da poluição e minimização
dos seus efeitos nefastos (art.º 4º, f) LBA).

Mas, no que aos procedimentos autorizativos diz respeito (e porque é sobre um deles que se
desenvolve o meu estudo), como se deve fazer actuar o princípio da prevenção?

A Professora CARLA AMADO GOMES, partindo da regra da racionalidade das escolhas,


da natureza do dano ambiental e não olvidando que as ponderações estão normalmente a cargo da
entidade que mais próxima se encontra dos problemas (a Administração Pública), apresenta uma
sugestão de resolução desta questão da seguinte forma:

-na certeza do nexo de causalidade entre uma determinada actuação e a ocorrência de um dano
ambiental de consequências irreversíveis, a actividade lesiva deverá ser proibida ab initio, suspensa ou
mesmo encerrada;

-não existindo a certeza científica sobre o nexo de causalidade entre a actividade (ou a omissão dela)
e a ocorrência de danos irreversíveis para o Ambiente, a Administração só deverá optar pela proibição
na impossibilidade de adoptar outra solução, ou seja, como medida de última ratio, concedendo, de
acordo com as circunstâncias concretas, autorizações parciais ou temporárias, e conseguindo assim
conciliar interesses patrimoniais com interesses ambientais (ou seja, aquilo que a autora parece propor
nesta hipótese é que se faça uma harmonização entre o princípio da prevenção e a máxima da
racionalidade).

Prosseguindo a análise ao art.º 4º da Lei 69/2000, temos na alínea c) a consagração legal do


princípio da participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem, princípio
característico do procedimento administrativo. É um ditame constitucional (art.º 267º/5 CRP) que é
depois objecto de desenvolvimento no Código do Procedimento Administrativo (art.º 8º CPA). De
acordo com o Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, este direito genérico manifesta-se sob
várias formas, de entre as quais destaca o direito de audiência prévia, o direito de formular sugestões
e de prestar informações à Administração e o direito de participação popular quando estão em causa
interesses de ordem vária, entre os quais o Ambiente. A Lei 69/2000 fez então, nesta alínea, o reforço
de tal imposição constitucional e legal.

Por fim, a alínea d) do art.º 4º parece pretender uma dupla função: por um lado, novamente
a ideia de prevenção porque em parte não pressupõe a existência do dano ambiental; de outra parte,
parece propor o procedimento de avaliação de impacto ambiental a uma acção reactiva em relação

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aos resultados (danosos) de uma actividade que outrora havia sido objecto de avaliação de impacto
ambiental favorável.

3. Marcha do Procedimento

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Em termos procedimentais, a avaliação de impacto ambiental é um procedimento


administrativo que se destina à emissão, por parte da Administração, de um acto autorizativo
(licenciamento), que, por sua vez, é inserido no procedimento administrativo geral, regulado no
Código do Procedimento Administrativo. Os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado
de Matos propõem uma divisão do procedimento administrativo em três grandes fases: iniciativa,
instrução e decisão. É na segunda fase que são emitidos pareceres, ouvidos os interessados e
elaborados os relatórios do instrutor, pelo que será aqui, nesta fase, que se enquadra o procedimento
de Avaliação de Impacto Ambiental.

Feito este breve enquadramento teórico, deter-me-ei agora então na tramitação do


procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental. Este procedimento pode ser repartido por 8 fases
distintas. A primeira, facultativa, consiste na definição do objecto do estudo de impacto ambiental
(arts.º 2º, h) e 11º DL 69/2000). Nesta fase, o proponente pode apresentar uma proposta de definição
do âmbito do Estudo de Impacto Ambiental (art.º 11º/2) que será posteriormente objecto de uma
consulta institucional (art.º 11º/3), da qual resultará um parecer. Em alternativa, pode o proponente
solicitar a realização de uma consulta pública (art.º 11º/5), sendo depois emitido um relatório pela
entidade competente (art.º 11º/6). Em qualquer dos casos, haverá uma deliberação sobre a proposta;
faltando tal deliberação, estaremos perante uma situação de diferimento tácito (art.º 11º/8). Segue-se
a fase da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (art.º 12º). Aqui, o proponente elabora o
Estudo de Impacto Ambiental (art.º 12º/1), acompanhado do projecto (art.º12/2). O Estudo de
Impacto Ambiental e toda a documentação importante são depois remetidos para a entidade
licenciadora e, assim, inicia-se a terceira fase deste procedimento: fase de elaboração e apreciação
técnica do Estudo de Impacto Ambiental (arts.º 2º, i) e 13º). Chamada a comissão de avaliação a
pronunciar-se, deve proferir uma declaração de desconformidade do Estudo de Impacto Ambiental
se ele for, de facto, desconforme e o processo termina ali (art.º 13º/8), ou, por outro lado, emitir uma
declaração de conformidade do Estudo de Impacto Ambiental (art.º 13º/9). A quarta fase consiste
na participação pública (art.º 14º). Muito importante por força do Direito da União Europeia, esta
fase tem três grandes vértices que se podem reconduzir à publicitação do procedimento de avaliação
de impacto ambiental (art.º 14º/1, corpo) a pedidos de esclarecimento (art.º 14º/6) e audiências
públicas (art.º 15º), terminado com a emissão de um relatório da consulta pública (art.º 15º/4). A
quinta fase começa com a apreciação técnica final da avaliação de impacto ambiental (art.º 16º/1),
conduz à elaboração do parecer final do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (art.º
16º/1) e culmina na fase subsequente, a qual se consubstancia na Proposta de Declaração de Impacto
Ambiental, pela autoridade de avaliação de impacto ambiental (art.º 16º/2). A referida proposta é,
posteriormente, objecto de Declaração de Impacto Ambiental (art.º 17º a 21º).

A declaração será desfavorável e o processo arquivado ou favorável ou condicionalmente


favorável (art.º 17º/1, corpo). Nestas duas últimas hipóteses, poderá existir deferimento tácito,

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conforme o disposto no art.º 19 (a questão do deferimento tácito será adiante abordada, mas deixo
já como nota meramente introdutória que discordo desta solução legal). A oitava e última fase do
procedimento verifica-se com a publicitação dos componentes da Declaração de Impacto Ambiental
(arts.º 22º e ss). O Professor Figueiredo Dias autonomiza a pós-avaliação (arts.º 27º a 31º) como a
última fase deste procedimento mas discordo porque esta, a acontecer, será já após o fim do acto
autorizativo resultante do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (neste sentido, Vasco
Pereira da Silva).

4. A força jurídica do Parecer de Avaliação de impacto Ambiental

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4.1. A discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000

Até ao ano de 2000, o diploma legislativo que vigorava em sede de Avaliação de Impacto
Ambiental era o Decreto-Lei 186/90. Nos termos do art.º 5º desse diploma, nada se dizia acerca da
força jurídica do parecer que resultava do procedimento. Tal silêncio da lei originou dúvidas e divisões
entre a nossa Doutrina, que apenas tiveram fim quando o Decreto-Lei 69/2000 revogou o Decreto-
Lei 186/90 e estabeleceu, no art.º 20º, a vinculatividade do parecer. A dúvida advinha do facto de, no
seio do quadro legal considerado, se tratar de um parecer obrigatório mas não vinculativo (arts.º 98º
e 99º do Código de Procedimento Administrativo) mas, ainda assim, haver autores que preconizavam
a vinculatividade do parecer.

LUIS FILIPE COLAÇO ANTUNES defendia que, apesar de ter a modesta natureza jurídica
de parecer, este seria materialmente vinculativo e formalmente não vinculativo (não obstante as
limitações decorrentes do art.º 6º do Decreto-Lei 186/90 e dos arts.º 98º e 99º CPA): formalmente
não vinculativo porque, em face do Decreto-Lei 186/90, resultava evidente esse carácter;
materialmente vinculativo na medida em que, sendo o parecer de Avaliação de Impacto Ambiental
um instrumento de tutela fundamental ao Ambiente, encontra-se em conexão com a Constituição e,
desta forma, resulta um necessária vinculabilidade material, chegando mesmo o autor a sugerir a
aplicação dos artsº 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa como forma de reforçar a
tutela do próprio direito ao ambiente (art.º 66º CRP). O carácter vinculativo estender-se-ia a todas as
situações possíveis porque, na medida em que o parecer constitui um acto discricionário objectivo,
onde a possibilidade de escolha praticamente não existe, o órgão da Administração com competência
decisória não poderia desatendê-lo, sob pena de ilegalidade. O entendimento deste Autor admitia
apenas uma excepção: em casos de juízos de prognose ou de pluralidade de pareceres divergentes,
poderia a Administração não se sentir vinculada à avaliação técnica previamente efectuada.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, por sua vez, considerava, em tese geral, o
parecer não vinculativo. Mas, quando a decisão final era no sentido desfavorável, o resultado do
procedimento já deveria ser vinculativo, não podendo o projecto ser aprovado ou licenciado, “(…)
sob pena de estarmos perante um inútil expediente dilatório”.

MARIA DA GLÓRIA GARCIA, por seu turno, criticava o entendimento preconizado por
Colaço Antunes, por considerar que o parecer técnico é não vinculativo (art.º 98º CPA) e que admitir
outra solução seria equivalente a despojar o órgão decisório que aprova o projecto de qualquer
capacidade de intervenção autónoma no procedimento.

Como vemos, não era pacífica a consideração da Doutrina sobre esta matéria. E a
importância de tal discussão resultava dos efeitos que adviriam dos diferentes entendimentos: se se
considerasse que se trataria de um mero parecer (com a respectiva não vinculatividade), então tal acto
opinativo seria insusceptível de impugnação contenciosa; sendo vinculativo, este “acto opinativo”

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

seria uma verdadeira decisão, um acto decisório, e, como tal, impugnável autonomamente, já que
seria susceptível de lesar interesses dos particulares (art.º 268º/4 CRP e art.º 120º CPA). Acompanho
aqui a proposta de solução desta controvérsia que o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA sugere,
uma vez que me parece ser o entendimento que se debruça sobre o problema da forma correcta, ou
seja, partindo das premissas de onde se deveria realmente ter partido para chegar a uma conclusão
razoável.

4.2. Face ao Decreto-Lei 69/2000

O Decreto-Lei 69/2000 veio encerrar a discussão que o antecedeu sobre a força jurídica da
decisão de impacto ambiental. Agora, a lei esclarece que a decisão de Avaliação de Impacto Ambiental
é vinculativa (arts.º 17º a 20º).

De acordo com o artº 17º/1, existem três tipos de decisão de impacto ambiental: favorável,
condicionalmente favorável ou desfavorável. O acto de licenciamento apenas pode prosseguir nos
dois primeiros tipos de decisão e ainda em caso de diferimento tácito (art.º 20º/1), situação que
provém da lei anterior. Assim, temos três situações em que, no que a um nível externo diz respeito,
a entidade licenciadora se encontra vinculada a respeitar o conteúdo da decisão de impacto ambiental,
porque susceptível de produzir efeitos lesivos.

Deste modo, impõe-se questionar quais os efeitos jurídicos de um acto contrário à decisão
de impacto ambiental. A regra geral do nosso direito quanto à invalidade dos actos administrativos é
a anulabilidade (art.º 135º CPA) e estes, como se sabe, são normalmente eficazes, tornando-se
inimpugnáveis após decorrido um determinado período temporal (arts.º 136º/1 e 141º CPA). Os
actos nulos, por seu turno, não produzem quaisquer efeitos e a sua nulidade pode ser arguida e
declarada a todo o tempo (arts. 133º e 134º CPA). O Professor Figueiredo Dias chama a atenção para
o facto de que, como apenas é aplicável o regime da nulidade aos actos a que falte algum ou alguns
dos seus elementos essenciais (art.º 133º/1 CPA), só porque o legislador consagrou no art.º 20º/3 do
Decreto-Lei 69/2000 a nulidade dos actos praticados com desrespeito pelo parecer é que é de aplicar
o regime da nulidade. Mas quando o projecto considerado depender de licenciamento ambiental, nos
termos do Decreto-Lei 194/2000, de 21 de Agosto, haverá uma dupla consideração prévia das
incidências ambientais de um projecto.

Portanto, o ponto da situação actual é o seguinte: o parecer resultante do procedimento de


Avaliação de Impacto Ambiental é vinculativo quando negativo; sendo favorável ou
condicionalmente favorável, a Declaração de Impacto Ambiental apresenta-se à entidade licenciadora
como um parecer, não vinculativo, mas outrossim um parecer conforme favorável. A decisão impede
uma autorização ou licenciamento positiva no caso de ser negativa, não obrigando, no caso de ser

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

positiva, a entidade licenciadora ou competente para a autorização a responder positivamente ao


proponente, pois esta autoridade poderá emitir uma decisão de indeferimento com base em qualquer
outro dos parâmetros que lhe cumpra avaliar.

Uma vez atingida esta conclusão, não resisto a fazer aqui um pequeno desvio além-fronteiras
para dar conta de um aresto que opôs a Comissão das Comunidades Europeias ao Estado Português,
em 2006. O caso sub júdice consistiu numa acção por incumprimento proposta pelo órgão comunitário
por uma pretensa violação, pelo Estado de Portugal, da Directiva 92/43 do Conselho (Directiva
“Habitats”), uma vez que foi dada execução a um projecto de auto-estrada cujo traçado atravessava
a Zona de Protecção Especial de Castro Verde, contra o Estudo de Impacto Ambiental negativo.

Já foi feita referência à ampla margem de discricionariedade de que a Administração goza no


que respeita à concretização de conceitos indeterminados como as “circunstâncias excepcionais” de
que depende a dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental. Também o Decreto-
Lei 140/99, de 24 de Abril (que opera a transposição da Directiva 92/43 do Conselho) deixa enormes
dúvidas ao intérprete-aplicador, sobre quem, quando e como proceder à avaliação de incidências
(arts.º 8º, 9º e 10º desse Diploma). Talvez tenha sido com base nessa ampla margem de
discricionariedade que é concedida à Administração quanto à concretização de conceitos
indeterminados que constam destes dois Decretos-Lei que o Estado Português decidiu em
determinado sentido. Num caso semelhante e no que toca à autorização de um plano ou projecto
que comprovadamente terá efeitos negativos nos habitats, o então Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias veio estabelecer dois critérios (depois delimitados pela negativa no “nosso”
caso) para a possibilidade de autorização dos mesmos: “Por força do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva
92/43, uma avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto sobre o sítio em questão
implica que, antes da sua aprovação, sejam identificados, tendo em conta os melhores
conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que
possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos
de conservação desse sítio.”; “As autoridades nacionais competentes (…) só autorizam essa
actividade desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para
a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do
ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos.”. Em comentário ao Acórdão C-
239/04, CARLA AMADO GOMES refere que não é intenção do Tribunal de Justiça substituir-se
ao legislador comunitário no gizar do procedimento de avaliação de impacto ambiental quando esteja
em causa um projecto que incida sobre uma Zona Especial Protegida, mas sim estabelecer parâmetros
de orientação do decisor.

A meu ver, Portugal não cumpriu com todas as suas obrigações no caso em análise. A
exigência de ponderação e estudo aprofundado das alternativas existentes ao projecto ou acção afecto
a uma Zona Protegida Especial que é feita no Decreto-Lei 140/99 pretende incentivar uma postura

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

preventiva da parte do decisor público que se não coaduna com o sentido da decisão do Estado de
Portugal. Não olvidando que o decisor público se encontra adstrito, em qualquer decisão, a um
conjunto de ponderações valorativas que nem sempre são fáceis de conjugar, diria que o carácter
ameaçado e irreversível dos bens jurídicos ambientais que se pretendem tutelar com este regime
jurídico se deveria sobrepor a outros interesses (económicos, sociais, turísticos, etc) que tenham
estado na base da decisão de autorização do projecto referido.

4.3. Tomada de posição

Como já referi, a inovação legal no que diz respeito à força jurídica da decisão de impacto
ambiental veio oferecer alguma estabilidade às dúvidas que existiam à luz do anterior regime. De
facto, ao consagrar a nulidade dos actos posteriores desconformes à decisão (art.º 20º/3), o nosso
legislador veio consagrar a vinculatividade do parecer. Como tal, e porque mesmo que discordando
das soluções legais, o intérprete deve sempre presumir que o legislador consagrou a melhor solução
(art.º 9º/3 do Código Civil), não me proponho neste ponto refutar as considerações que actualmente
se têm como pacíficas neste aspecto, mas sim fazer uma breve análise crítica e comparativa de ambos
os regimes.

Na lição de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, os


pareceres “(…) consistem em opiniões formuladas por especialistas nas matérias sobre as quais
incidem ou por órgãos administrativos consultivos”. Portanto, os pareceres traduzem as opiniões de
entes especializados em matérias várias sobre as quais a Administração tem que decidir, tem que
emitir um acto. Daí que a solução preconizada pelo CPA (obrigatoriedade mas não vinculatividade)
seja, do meu ponto de vista, correcta: na medida em que a Administração não tem nem pode ter
conhecimentos técnicos bastantes para emitir actos sobre matérias cuja especificidade implica um
conhecimento profundo, é razoável que, de acordo com as vinculações a que se encontra adstrita
toda a sua actividade (dever de boa administração, prossecuação do interesse público, princípio da
lelagidade, entre outros), a lei obrigue a Administração a receber tais conhecimentos daqueles sujeitos
cujo saber e competência técnica são fundamentais à prática do acto.

Os pareceres vinculativos são muito raros, como referem os Autores acima mencionados, o
que faz com que o Decreto-Lei 69/2000 seja uma excepção à regra. E porque será? Porquê a decisão
de impacto ambiental a vincular a entidade licenciadora no caso de ser desfavorável ao projecto
apresentado pelo proponente?

Julgo que é na ponderação desta questão que encontraremos a ratio da solução legal
preconizada e das divergências na Doutrina ao abrigo do anterior regime. Ao debruçar-se sobre este
assunto (referindo-se expressamente à discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000), o Professor

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

VASCO PEREIRA DA SILVA advoga que a discussão enfermava de um errado ponto de partida,
que desvalorizava o procedimento administrativo e se fixava quase exclusivamente na figura do acto
administrativo. E tal crítica funda-se, segundo o entendimento do Autor, no facto de a decisão de
impacto ambiental ser um acto administrativo que é pressuposto de um futuro acto licenciador, sendo
estas duas formas de actuação administrativa dependentes uma da outra e inseridas num
procedimento administrativo complexo e faseado, consubstanciado-se a decisão de impacto
ambiental numa decisão jurídica de ponderação de interesses (os custos e benefícios de uma
determinada actividade em função de parâmetros ambientais). De facto, partilho da opinião de que
hiperbolizar e sobre-enfatizar a figura do acto administrativo em detrimento do procedimento é um
enquadramento inadequado da questão, sobretudo se atendermos à circunstância de o acto depender
directamente do procedimento, pelo que a preponderância deve ser dada ao procedimento e não
exclusivamente ao acto, que sem aquele não tem como existir.

Mas voltando à questão que levantei, quais terão sido os objectivos pretendidos pelo nosso
legislador com esta formulação legal? Tendo em conta a raridade dos pareceres vinculativos, que
valores se terão feito sobrepor à regra geral consagrada no CPA?

Do meu ponto de vista, só a especificidade técnica das matérias que são objecto dos
pareceres, quando aliada à axiologia inerente à matéria em si, pode justificar a derrogação do regime
geral da força jurídica dos pareceres. E afirmo-o porque a entidade com competência decisória final
é uma entidade administrativa, não a entidade emissora do parecer (que até poder ser uma entidade
particular que nem sequer integre a Administração em sentido orgânico, com as consequentes
implicações que a vinculatividade desse mesmo parecer teria, por exemplo, ao nível do princípio da
legalidade) e, assim, só um interesse de relevo superior poderá ser objecto de um tratamento especial
neste aspecto. O Ambiente é esse interesse, o Ambiente é um bem jurídico suficientemente
importante para ser alvo de tal consideração. Isto porque, como ensina o Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA, numa sociedade que se quer cada vez mais evoluída (em termos económicos,
culturais, medicinais, tecnológicos, sociais, etc), há que procurar evitar repetir os erros do passado em
matéria ambiental. Deste modo, a atribuição de força jurídica vinculativa à decisão de impacto
ambiental negativa reflecte a preocupação do nosso legislador em tutelar o bem jurídico ambiente (o
carácter não vinculativo da decisão favorável ou condicionalmente favorável tutela-o igualmente: na
medida em que a Administração recebe o aval quanto à “questão ambiental” com o parecer favorável,
pode não se preocupar com esse problema e fazer uma ponderação com outros interesses que estejam
em jogo e decidir o não licenciamento do projecto que foi objecto do procedimento de avaliação de
impacto ambiental). Até porque, numa análise que parta de uma perspectiva económica, é imperativo
ao legislador consagrar soluções que permitam tutelar o ambiente como forma de garantir a
subsistência da Economia, ou seja, num discurso não tão protectivo do ambiente, o legislador deve
garantir o ambiente como meio para atingir o fim económico. De facto, não podemos esquecer que

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

o ambiente, enquanto bem em sentido económico, é um elemento essencial da economia, não há


como contornar essa situação: o ambiente é o espaço físico onde se desenvolve a economia; o
ambiente é produtor de bens e serviços em carácter de exclusividade; o ambiente produz bens cuja
finitude obriga a filtrar a sua utilização, entre outros exemplos que se poderiam aqui apresentar. Tudo
junto, é minha convicção que não pode o nosso legislador (e, numa fase posterior, o intérprete-
aplicador) descurar a tutela ambiental em momento algum, por força da quase (ou mesmo!)
omnipresença do ambiente nas mais variadas situações das comunidades.

Tais considerações fazem-me discordar, em parte, do regime do deferimento tácito previsto


no art.º 19º do Decreto-Lei 69/2000. Creio que foi objectivo do legislador evitar que a entidade
competente para a emissão do parecer bloqueasse todo o procedimento com a sua não pronúncia,
mas a solução não me parece ser a mais adequada. Porque, apesar de sancionar a inércia da
Administração em favor do particular que propôs o projecto a apreciação, a tutela do Ambiente
parece ficar algo despida, o que carece de ponderação. Imagine-se, por exemplo, a situação em que,
apesar do deferimento tácito, o parecer, a ser emitido em tempo útil, seria desfavorável. O resultado
de uma situação como a descrita é o desrespeito pelo Ambiente apenas e só pela inércia da
Administração, daí que, creio, poderia o nosso legislador ter encontrado uma solução diferente que
fosse capaz de tutelar simultaneamente os interesses ambiental e dos particulares.

5. Conclusão

A pequena abordagem que realizei a alguns pontos do regime de avaliação de impacto


ambiental trouxe-me algumas dúvidas e certezas.

No que respeita ao primeiro ponto deste estudo, creio ter ficado bem vincada a importância
deste procedimento quanto à tutela do Ambiente. A acção preventiva, a avaliação das incidências
ambientais e a participação e sensibilização dos cidadãos constituem três dos principais fundamentos

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

da política do Ambiente e, na medida em que a avaliação de impacto ambiental permite dar resposta
em simultâneo a estes três grandes princípios de política do Ambiente, não poderão restar dúvidas
quanto à relevância desta matéria. Expressão disso é também a revisão legal que foi feita (do Decreto-
Lei 186/90 para o Decreto-Lei 69/2000), com o intuito de melhorar a resposta das entidades públicas
à defesa do Meio Ambiente. Uma lógica de solidariedade intergeracional e de desenvolvimento
sustentável a isso nos conduz e impõe-se a outros interesses que possam contrapor-se ao interesse
ambiental.

A tramitação é algo complexa e os efeitos dessa complexidade não são, necessariamente,


positivos. Como entende o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, faz-se intervir neste
procedimento um elevado número de entidades administrativas (art.º 5º), cuja participação no
procedimento é, em alguns casos, a de um mero expectador: a autoridade licenciadora tem o seu
escopo de actuação praticamente limitado a receber a documentação relevante para a emissão do
acto; por outro lado, a repartição, em três níveis, da cadeia decisória (comissão de avaliação,
autoridade de avaliação de impacto ambiental e Ministro do Ambiente), para além de tornar o
procedimento moroso e muito burocrático, nutre-o de uma ampla margem de discricionariedade dos
órgãos do topo da cadeia (sobretudo do Governo) que nem sempre se revela útil a uma boa
administração.

Por fim, a força jurídica da decisão de impacto ambiental. De todo o estudo que realizei para
este trabalho, fiquei com a convicção de que a comunidade jurídica em nada ganhava com a dúvida
deixada no ar pelo nosso legislador sobre a força jurídica do parecer no Decreto-Lei 186/90. As
minhas críticas e discórdia pela opção da não vinculatividade da decisão já foram mencionadas em
sítio próprio e não vou repeti-las. Aquilo que saliento aqui é que, qualquer que tenha sido a opção do
legislador no Decreto-Lei 186/90 (vinculatividade ou não vinculatividade do parecer), ela deveria ter
sido inequívoca, sob pena de se gerar toda uma indesejável incerteza. E a controvérsia gerou-se
porque, de facto, a matéria em causa é da maior importância e não poderia passar despercebida uma
questão tão importante como a força jurídica da decisão de avaliação de impacto ambiental: não só
pela questão da impugnabilidade autónoma do acto mas também pela desprotecção que tal
indefinição legal provoca na tutela do meio ambiente. No fundo, afigurava-se como paradoxal os
objectivos tutelares do bem jurídico ambiente com a transposição do Direito Comunitário deste
regime da Avaliação de Impacto Ambiental e as dúvidas que o nosso legislador deixou no ar
relativamente à força jurídica do parecer, com as inerentes consequências em sede de tutela do
ambiente.

Confesso então o meu agrado em relação à opção expressa pelo legislador no Decreto-Lei
69/2000: por um lado porque pôs fim à divergência que se formou no seio da nossa Doutrina; por
outro, porque, ao definir a força jurídica do parecer, o legislador optou pela via que, me parece,
melhor tutelar o Ambiente, ou seja, a opção pela vinculatividade do parecer desfavorável é aquela que

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

oferece uma tutela superior ao Ambiente. Não significa isto que já tudo esteja feito e que não se
apontem ainda críticas a este regime. Fiz em local oportuno referência ao meu cepticismo em relação
ao deferimento tácito relativo ao parecer e, de facto, receio que a nossa Administração, lenta e ainda
com algumas heranças burocráticas de um sistema administrativo de tipo francês, possa, com a sua
inércia, desproteger a tutela ambiental desta forma. Não é a mim que cabe fazer considerações sobre
o que deve então ser feito sobre este problema (isto se o deferimento tácito neste âmbito constitui
um problema), esse papel é entregue à Doutrina e ao legislador, mas talvez uma descomplexização
do procedimento através da redução do número de entidades envolvidas e um qualquer mecanismo
que force a entidade competente a emitir o parecer (independentemente do seu conteúdo favorável
ou desfavorável) constituíssem o um bom ponto de partida.

De salientar ainda e por fim o Acórdão C- 239/04, cujo conteúdo foi desfavorável ao Estado
Português. Este caso em concreto é expressão das reservas que fiz em relação à margem de
discricionariedade que o Decreto-Lei 69/2000 confere à Administração quanto a alguns pontos do
regime, nomeadamente no que respeita à concretização de conceitos indeterminados, que esteve na
origem do processo em consideração. Por força da axiologia que se encontra subjacente à temática
do ambiente, o nosso legislador ambiental deveria ser mais restritivo em relação às concessões que
empresta ao decisor público e, noutro plano, talvez devesse a nossa jurisprudência interpretar o
Direito do Ambiente num sentido mais tutelar.

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