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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

João Paulo Pimenta

Tempos e espaços das independências:

a inserção do Brasil no mundo ocidental

(c.1780-c.1830)

Tese de Livre Docência

São Paulo

2012

1
SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................................... 04

Capítulo 1 - O Brasil e a experiência revolucionária moderna (séculos XVIII e XIX) ...... 13


1.1 – Eventos, experiências.......................................................................................13
1.2 – Os Brasis, o Brasil e o mundo em revolução...................................................18
1.3 – O futuro como atributo revolucionário.............................................................34

Capítulo 2 - O Brasil e as revoluções da América hispânica .............................................. 38


2.1 – Definição do problema.....................................................................................38
2.2 – O Brasil encontra a América........................................................................... 39
2.3 – Experiência, experiências................................................................................ 56

Capítulo 3 - “Imperador de toda a América do Sul”: D. João no Brasil e o Rio da Prata, em


coautoria com Adriana Salay Leme .................................................................................... 58
3.1 – Antecedentes da questão................................................................................. 58
3.2. – A Corte chega ao Brasil, e também ao Prata.................................................. 61
3.3 – Indissociabilidade de destinos..........................................................................74

Capítulo 4 - Resistindo à revolução: o Brasil em 1810 ....................................................... 76


4.1 – Apresentação do problema……………………………………………….…..76
4.2 – O Brasil na América, a América em convulsão.............................................. 78
4.3 – Conclusão: sinais de novos tempos............................................................... 100

Capítulo 5 - A independência da América espanhola nas páginas de um periódico do Brasil:


paralelismos, prognósticos e articulações políticas (1820-1822) ...................................... 102
5.1 – Apresentação do problema............................................................................ 102
5.2 – Joaquin Infante, a Solución e o Revérbero.....................................................105
5.3 – Lições para o Brasil....................................................................................... 114

2
Capítulo 6 - O Brasil encontra o México: um episódio paradigmático das independências
(1821-1822), em coautoria com Camilla Farah................................................................ 120
6.1 – Apresentação................................................................................................. 120
6.2 - A exposição dos deputados de Nova Espanha............................................... 122
6.3 - A publicação do Revérbero............................................................................ 129
6.4 - Brasil e México em uma perspectiva integrada............................................. 134

Capítulo 7 - Independências cruzadas do Brasil e da América espanhola: o problema das


sincronias e diacronias ...................................................................................................... 144
7.1 – Apresentação................................................................................................. 144
7.2 - Juntas, constitucionalismos, independências................................................. 147
7.3 - Um tempo revolucionário?............................................................................. 153

Capítulo 8 - Uma incômoda vizinhança: o Brasil e suas fronteiras no contexto


revolucionário hispanoamericano…………………………………………………..…… 155
8.1 - Definição do problema................................................................................... 155
8.2 - O Brasil e o Vice-Reino do Rio da Prata....................................................... 160
8.3 - O Brasil, o Alto Peru e o Peru........................................................................ 163
8.4 - O Brasil, a Nova Granada e a Venezuela....................................................... 166
8.5 – Um espaço-tempo pelas fronteiras?.............................................................. 170

Epílogo: As independências iberoamericanas e o problema de suas abrangências espaciais


(a propósito de um texto de José Carlos Chiaramonte) ..................................................... 173

Fontes e Bibliografia...........................................................................................................179

3
Introdução

Os nove textos aqui reunidos desenham uma agenda de pesquisa e convergem em

seu objetivo último: elucidar a posição específica que o Brasil ocupa, nas primeiras décadas

do século XIX, em um contexto revolucionário de dimensões amplas, ocidentais. Sua

premissa, contudo, não passa pela reiteração de uma tradicional ênfase na especificidade

dessa posição como emblema distintivo, a fazer o sobressair o Brasil, ou até mesmo a isolá-

lo, em relação a esse contexto. Pelo contrário: tudo o que aqui se lerá concebe que algumas

das características principais do que se observa com o Brasil nessa época, mais

precisamente em torno das profundas modificações pelas quais passou na esfera da

reorganização de suas formas políticas, se explica por sua inserção em um conjunto de

fenômenos – eventos, processos, relações históricas – a aproximarem-no de outros

quadrantes daquele contexto revolucionário geral. A tornarem-no, em última instância, e

com toda a sua variedade interna, como mais um desses quadrantes.

Bem se vê que, de um modo geral, o problema a que nos referimos não é novo. Há

muito que analistas da história estabeleceram a necessidade de entendimento de

acontecimentos como aqueles que resultaram nas rupturas entre colônias americanas e suas

respectivas metrópoles europeias, desde finais do século XVIII até princípios do XIX, bem

como dos primeiros momentos de Estados nacionais que a eles deve sua existência, em

perspectivas temporais e espaciais amplas. Diversas tem sido, desde então, as maneiras

encontradas para justificar tal atitude: a tipificação do contexto em si, o estabelecimento de

comparações formais a distinguirem semelhanças e diferenças entre os acontecimentos nele

observados, a identificação de situações onde precisamente um acontecimento toca no

4
outro, o fato de que muitos dos próprios agentes históricos da época pensavam desse modo,

etc. Estas são talvez suas formas dominantes, a variarem nos tempos e nos espaços das

histórias, dos historiadores e das historiografias a percorrerem aquele passado.

Pode-se dizer que a perspectiva dominante nos textos aqui apresentados vincula-se

aos últimos dois pontos acima mencionados. Neles, veremos tratados casos em que a

América portuguesa viveu sua política em função do que a ela chegava advindo de outros

cantos do mundo, em geral daqueles mais próximos a ela. São pessoas que cruzaram

espaços estabelecendo relações entre eles; ideias, textos, notícias e boatos que de parte a

parte eram trocados, interpretados, modificados e recriados; situações múltiplas que

impunham intervenções, geralmente urgentes, em variados planos da política. Cada caso

aqui apresentado, por si só, pareceria justificar sua observação; de nossa parte, porém, só os

consideramos relevantes uns em relação aos outros, e, claro, estes em relação a muitos

outros analisados ou apenas mencionados por outros estudiosos. Se a partir daí se desenha

uma unidade histórica a ser sempre levada em conta, também se revela em alguns

problemas fundamentais: porque tais casos puderam, naquele contexto histórico,

estabelecer relações uns com os outros? Quais os mecanismos a permitirem que assim o

fosse? E, finalmente, como atribuir significado a tais mecanismos, transformados

concretamente em relações entre o Brasil e outras partes do mundo?

A solução de tais problemas exige, claro, a forja e o emprego de ferramentas

analíticas adequadas. Não é nossa proposta oferecer um modelo bem acabado de

interpretação total do contexto ocidental – cada vez mais mundializado e em relação com a

expansão territorial do próprio capitalismo - em que se o Brasil se insere nas primeiras

décadas do século XIX; apenas propor uma interpretação dessa inserção, sem nos

esquivarmos de uma necessária discussão teórica que, no entanto, não possui aqui qualquer
5
pretensão à autonomia: trata-se, puramente, de teoria aplicada, isto é, tendo no trabalho

empírico seu principal parâmetro, seu começo e seu fim.

Perscrutar a inserção do Brasil em um contexto que já foi chamado de muitas

maneiras diferentes – como mostraremos no Capítulo 1 - permite-nos observar dois

aspectos interessantes das atuais condições de proposição historiográfica. Em primeiro

lugar, vivemos tempos bastante favoráveis a diálogos e concepções não limitadas aos

outrora amplamente dominantes limites definidos por tradições historiográficas de cunho

nacional. Não que tais tradições tenham deixado de existir; não que comodidades de língua,

de acesso a bibliografia e documentação em nível regional ou nacional tenham deixado de

desempenhar papel crucial (e parcialmente justificável) nas escolhas profissionais dos

historiadores; não que os temas relativos a espaços hoje identificados como nacionais

tenham sido expropriados dos historiadores daquela nação respectiva, que, desde sempre, a

eles se dedicaram preferencialmente (claro, desde que tais nações possuam um número

razoável de historiadores). Tudo isso continua de pé; mas parece-nos inegável que, muito

mais do que a vinte, trinta ou quarenta anos atrás, hoje é mais fácil propor abordagens de

certos fenômenos como relacionados a outros em escala global (independentemente das

variações de tal escala). No Brasil, certamente é assim.

Em segundo lugar, essa perspectiva globalizante, a incentivar olhares amplos não só

em termos espaciais, mas também temporais (pois não existe um sem o outro), ainda

encontra, nas ciências humanas, os sinais vitais de uma crise de paradigmas que custa em

desaparecer, que nos dá a impressão de ser perene. Nela, é frequente que empiria e teoria

surjam como rivais, e não como parceiras. Talvez isso ajude a explicar o fato de que, não

obstante abrangências amplas de fenômenos históricos serem facilmente reconhecíveis

pelos historiadores, nem sempre tais abrangências são, de fato, praticadas; e menos ainda
6
problematizadas. No tocante aos estudos da Independência do Brasil, a situação não parece

fundamentalmente distinta; mesmo assim, a discussão em torno de sua inserção global

continua de pé. No caso de nossas ofertas específicas nessa direção, elas se valem

amplamente também da historiografia mais diretamente relativa às independências da

América Espanhola, manancial de muitas ideias sugestivas e que até mesmo resultaram, nos

últimos anos, em corajosas tentativas de abordagem inclusiva do Brasil no panorama ibero-

americano e, daí, mundial1.

De modo mais preciso: concebemos que a Independência do Brasil é resultado de

uma experiência histórica; isto é, que resulta de um conjunto de elaborações realizadas por

meio de leituras da história, de leituras do mundo, que forneceram aos partícipes daquele

processo – e não apenas aos seus protagonistas mais destacados - parâmetros de ação,

inspirações, paradigmas negativos ou positivos, indicaram caminhos e possibilidades,

ensinaram a rejeitar condutas, criaram temores de excessos e subsidiaram expectativas. Ao

mesmo tempo, o desenrolar de uma história que ia se acumulando em sedimentos de

natureza variada, em cantos variados e em velocidades multiformemente aceleradas, criava

situações a exigirem ações para além do pensamento (que também é ação): intervenções e

conduções práticas que tocavam desde a alta política estatal até uma vida cotidiana que se

transformava em meio ao que Reinhart Koselleck - autor de elaborações teóricas

inspiradoras nessa direção – chamaria de advento da modernidade no mundo ocidental2.

Uma modernidade caracterizada pela temporalização da vida social que é,

simultaneamente, politização e aceleração dessa vida, interagindo com uma simultaneidade

1
Mencionarei algumas dessas obras e seus autores ao longo dos próximos capítulos, incorporando e
discutindo, sempre que me foi possível, suas propostas.
2
Reinhart Koselleck, “Modernidad”. Futuro pasado: para una semántica de los tiempos históricos.
Barcelona: Paidós, 1993, p.287-332.

7
de tempos históricos que, como nos ensina Fernand Braudel, tipifica toda e qualquer

sociedade3. O tempo curto se sobressai como manancial de concepção de uma história que

se torna progressivamente aberta, sem, contudo, deixar de sê-lo também cíclica. Fenômeno,

aliás, que não deve ser estranho ao que vivem nos dias de hoje.

Essa primeira característica de um contexto que, como já assinalamos em outras

ocasiões, permite compreender fenômenos importantes observados no Brasil das primeiras

décadas do século XIX, bem como o caráter abrangente dos mesmos 4, vai perfeitamente ao

encontro do que, em determinado momento, István Jancsó assinalou como uma das mais

fundamentais marcas de uma crise que condicionava as formas de fazer política da época, e

da qual resultariam soluções dentre as quais as mais importantes viriam a ser, sem dúvida, a

formação do Estado e da nação brasileiros: o progressivo esgotamento de formas

tradicionais de existência, percebido como alteração em ritos cotidianos de diversa natureza

e magnitude5. É nos interstícios dessas modificações, mais do que nos grandes solavancos

da vida política, que se torna possível o estabelecimento de um encadeamento histórico de

eventos capazes de, modificando-se até mesmo em suas essências, representar algo na

posteridade6. Não buscamos, na maior parte das vezes - que fique bem claro - relações

diretas entre fatos e ideias, “chegando” ao Brasil ou dele “partindo”; não é isso o que

subsidia o que aqui chamamos de experiência, embora por vezes tais relações diretas sejam

observáveis e consideradas. Trata-se, principalmente, de um dinâmico processo de releitura

3
Fernand Braudel, “História e Ciências Sociais: a longa duração”. Escritos sobre a história. São Paulo:
Perspectiva, 1976, p.41-78.
4
João Paulo G. Pimenta, O Brasil e a América espanhola (1808-1822). São Paulo: FFLCH/USP, 2004
(doutorado); João Paulo G. Pimenta, Brasil y las independencias de Hispanoamérica. Castelló: Publicacions
de la Universitat Jaume I, 2007.
5
István Jancsó, “A sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVIII”. In: F.
Novais (dir.), História da vida privada no Brasil v.I: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.388-437.

8
e recriação, cuja síntese é sempre algo singular, algo novo. Algo muito mais complexo,

portanto, do que simples “conexões” entre realidades supostamente “desconectadas”, tais

quais parece recomendar ao historiador que pratique, na atualidade, uma “História

Conectada” ou uma “História Global”. O contexto de que aqui tratamos envolve o Brasil e

se modifica também por esse envolvimento.

Anteriormente, nossa atenção recaiu mais precisamente sobre o que qualificamos de

uma experiência hispanoamericana a marcar a trajetória do Brasil entre 1808 e 1822. Nas

próximas páginas, ainda perseguimos tal fenômeno, dando-lhe mais concretude específica e

também desdobrando-o em alguns vetores inversos: isto é, em modos pelos quais, na

América Espanhola, o Brasil se fez presente. Com isso, damos prosseguimento a uma

demanda que já se anunciávamos nas últimas linhas de uma tese de doutoramento

concluída em 2003: para aferir plenamente aquela proposta interpretativa, fazia-se

necessário investigar o advento de “experiências lusoamericanas” no mundo hispânico,

bem como discutir uma experiência revolucionária mais ampla, a envolver tanto o Brasil

como a América espanhola. Caso contrário, estaríamos diante de uma aberração: uma

América portuguesa que, como uma espécie de buraco negro da história, seria capaz de

absorver energias ao seu redor sem, no entanto, liberar nada para fora dela7.

Dos nove textos aqui reunidos, três ainda são totalmente inéditos; cinco foram

editados somente em espanhol e em publicações estrangeiras, e apenas um já foi publicado

em português e no Brasil. Desse total, dois foram escritos em coautoria com historiadoras

que, à época, desenvolviam investigações acadêmicas sob nossa orientação. Todos foram

6
William Sewell Jr., Logics of History: Social Theory and Social Transformation. Chicago/London:
University of Chicago Press, 2005
7
Aqui temos apenas alguns sinais positivos dessa interação de experiências. Outros poderão vir de pesquisas
promissoras, como as atualmente desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em História Social da

9
revistos, sofreram acréscimos de ideias, informações e bibliografia, e tiveram eliminadas ou

reduzidas passagens que, em função de sua reunião neste volume, pareceriam redundantes

ao leitor; não obstante, algumas foram mantidas com o intuito de preservar parte da

autonomia dos capítulos. O Capítulo 1, “O Brasil e a experiência revolucionária moderna”,

está em vias de edição em: 20/10 – El mundo atlántico y la modernidad ibero-americana.

México: RG Medios (previsto para 2012); o Capítulo 2, “O Brasil e as revoluções da

América hispânica”, encontra-se em: María Teresa Calderón & Clément Thibaud (coords).

Las revoluciones en el mundo atlântico. Bogotá: Taurus/Universidad Externado de

Colombia, 2006; o seguinte, intitulado “Imperador de toda a América do Sul”: D. João no

Brasil e o Rio da Prata”, foi escrito em coautoria com Adriana Salay Leme, e encontra-se

na Revista USP v.79, 2008. O Capítulo 4, “Resistindo à revolução: o Brasil em 1810”, foi

publicado em Historia y Política, v.24, 2010; o seguinte, “A independência da América

espanhola nas páginas de um periódico do Brasil: paralelismos, prognósticos e articulações

políticas”, em: Ivana Frasquet (coord.). Bastillas, cetros y blasones: la independencia en

Iberoamérica. Madrid: Mapfre, 2006; o Capítulo 7, “O Brasil encontra o México: um

episódio paradigmático das independências”, também foi elaborado em coautoria, desta vez

com Camilla Farah, e editado em 20/10. Memoria de las Revoluciones en México. México

D.F.: RGM Medios, 2010, v.9; os dois capítulos seguintes (“Independências cruzadas do

Brasil e da América espanhola: o problema das sincronias e diacronias”; e “Uma incômoda

vizinhança: o Brasil e suas fronteiras no contexto revolucionário hispanoamericano”) têm

origem em dois papers apresentados, respectivamente, no Colloque International Les

Empires du Monde Atlantique en Revolution. Une Perspective Transnationale (1763-1865),

Universidade de São Paulo por Maria Júlia Neves, Camilla Farah, Edú Trota Levati, Carlos Augusto Bastos e
Adílson Júnior Ishiaia Brito.

10
realizado em Paris, em 2010, e no congresso Entre Imperio e nacións: Iberoamérica e o

Caribe ao redor de 1810, realizado em La Coruña, também em 2010. Por fim, o Epílogo

(“As independências iberoamericanas e o problema de suas abrangências espaciais - a

propósito de um texto de José Carlos Chiaramonte”) encontra-se no Boletín del Instituto de

Historia Argentina y Americana "Dr. Emilio Ravignani" v.33, 2010.

O critério de reunião destes textos é, repito, sua coerência temática. De algum

modo, todos eles aprofundam e avançam em torno de nossas assertivas anteriores a

propósito das independências iberoamericanas – em especial a do Brasil - e suas

“experiências”. Pode-se dizer que os dois primeiros capítulos expõem a proposta analítica

geral e seus argumentos centrais por meio de um trabalho empírico indicativo. Os capítulos

3, 4, 5 e 6 dotam tais argumentos de elementos bem mais específicos, ao mesmo tempo em

que direcionam parcialmente os vetores da análise, do Brasil em direção à América

espanhola; são, portanto, amostragem do que pesquisas futuras poderão revelar.

Finalmente, os três últimos capítulos reabrem a discussão teórica, matizando nossas

proposições iniciais e, de certo modo, tornando-as mais abertas e incertas.

Em um tom mais pessoal, gostaria de agradecer a pessoas que, de várias maneiras,

foram muito importantes para a consecução dos resultados que aqui apresento. Rafael

Marquese e Valdei Lopes de Araújo foram dois interlocutores fundamentais e, junto com

Juan Ortiz Escamilla, Javier Fernández Sebastián, María Dolores González-Ripoll e Inés

Quintero, em diferentes momentos, comentaram pontos e versões preliminares dos textos

aqui apresentados, contribuindo para melhorá-los. Alejandro Gómez, Alfredo Ávila, André

Roberto Machado, Beatriz Rojas, Clément Thibaud, Fabio Wasserman, Federico Navarrete,

Gabriel Di Meglio, Gabriel Torres Puga, Guillermo Zermeño Padilla, Gustavo Paz, Ivana

Frasquet, Jeremy Adelman, Luiz Geraldo Silva, Marco Antônio Pamplona, Marco Morel,
11
María Teresa Calderón, Roberto Breña e Wilma Peres Costa me ajudaram, diretamente, a

pensar naquilo que ia escrever (e que finalmente escrevi), bem como o professor Fernando

Novais, e István Jancsó (in memoriam), meu mestre, ainda muito presente. Sarah Tortora

Boscov prestou um solícito auxílio na formatação desta obra, bem como no acesso a fontes

documentais. E finalmente minha companheira, Andréa Slemian, e meu filho, Vinícius,

sempre ao meu lado, sempre me movendo. Muito obrigado a todos eles.

12
Capítulo 1

O Brasil e a experiência revolucionária moderna (séculos XVIII e XIX)

1.1 – Eventos, experiências

A presença das colônias portuguesas da América no contexto internacional das

décadas finais do século XVIII e das primeiras do seguinte, costumeiramente desperta nos

historiadores inquietações que gravitam em torno da relação das mesmas com outros

espaços que, pela mesma época, conheciam importantes convulsões políticas e sociais.

Com frequência, tais inquietações incidem mais precisamente em torno das relações entre

acontecimentos ocorridos de parte a parte, de modo a permitir a sustentação de

qualificações, por vezes classificatórias, em torno de seus atributos mais ou menos

inovadores, mais ou menos revolucionários; isto é, mais ou menos característicos enquanto

representantes de uma realidade indicada por expressões generalizantes, como “Era da

Revolução Democrática”, “Revolução Atlântica”, “Revoluções Atlânticas”, “Era das

Revoluções”, “Revoluções Ocidentais”, ou “Era de Revoluções Imperiais”; ou ainda, numa

formulação mais colada ao caso português-brasileiro, “Crise do Antigo Sistema Colonial”.

É bem verdade que os pioneiros na forja e utilização de tais expressões objetariam,

em parte de modo justificável, a uma comunhão de significados entre o que elas poderiam

ou quereriam descrever8. No entanto, de momento, essa comunhão parece-nos assaz

8
Para uma discussão em torno da história de tais propostas analíticas, dentre muitos: Eric Van Young, “Was
There an Age of Revolution in Spanish America?”. In: Victor Uribe-Urán (ed.), State and Society in Spanish
America during the Age Of Revolution. Wilmington: Scholarly Resources, 2001, p.219-246; Roberto Breña,
“Los procesos emancipadores americanos y la revolución hispánica hoy: revisionismos y debates”. In: 20/10 –
Memoria de las revoluciones en México 9, 2010, p.80-97; Ian Steele, “Bernard Bailyn’s American Atlantic”.
In: History and Theory 46, 200; Maria Elisa de Sá Mäder, “Revoluções de independência na América

13
razoável: pois ela indica esforços equivalentes de posicionamento próximo entre

acontecimentos e processos históricos que, ocorridos em momentos e ritmos mais ou menos

simultâneos, denunciam, na sua coexistência, articulações recíprocas, e que desembocam na

imperiosidade de se compreender cada um deles em quadrantes específicos de uma mesma

e ampla realidade. E nesse ponto preliminar, estamos todos de acordo. Partindo, assim, do

que consideramos um parcial e positivo consenso historiográfico, propomos retomar a

discussão em torno dos mecanismos pelos quais diferentes acontecimentos e processos

podem, em suas aproximações, configurar efetivamente uma conjuntura.

Para além de uma discussão de ordem terminológica, portanto, o que se segue é uma

proposta de análise centrada apenas em alguns casos – alocados na América portuguesa, e

em maior ou menor grau relacionados com o processo de independência e de formação

nacional do Brasil – e que nos permitem subsidiar a concepção de algo que aqui

chamaremos de espaço de experiência revolucionário moderno. Mais uma expressão?

Inevitavelmente. Mas que enseja um olhar pouco usual - quiçá útil – para histórias que

continuam a demandar investimentos intelectuais e acadêmicos. Tampouco nos interessam

morfologias e comparações entre fatos e processos, ainda que reconheçamos a utilidade que

tais abordagens vêm demonstrando ao longo de décadas de estudos desse tipo9. A

preocupação primordial aqui é outra: identificar e matizar relações históricas concretas.

hispânica: uma reflexão historiográfica”. In: Revista de História (USP) 159, 2º. semestre de 2008, p.225-241;
e Jeremy Adelman, “An Age of Imperial Revolutions”. In: American Historical Review, v.113, n.2, april
2008, p.319-340.
9
Dentre vários autores, poderíamos mencionar: Richard Graham, Independence in Latin America: a
Comparative Approach. 2a.ed. McGraw-Hill, 1994 (a primeira edição é de 1972); Tulio Halperín Donghi,
Reforma y disolución de los imperios ibéricos (1750-1850). Madrid: Alianza, 1985; Lester D. Langley, The
Americas in the Age of Revolution 1750-1850. New Haven/London: Yale University Press, 1996; e Anthony
McFarlane, “Independências americanas na era das revoluções: conexões, contextos, comparações”. In:
Jurandir Malerba (org.), A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006,
p.387-417.

14
Anteriormente, a categoria analítica experiência, elaborada por Koselleck10, foi-nos

inspiradora na tentativa de explicar modos pelos quais realidades políticas lusoamericanas

receberam, entre 1808 e 1822, influência do mundo hispanoamericano. Dadas as

proximidades cronológicas de acontecimentos de parte a parte, assim como as muitas

situações e movimentos que os tornavam cercãos também territorialmente, concebemos

uma experiência hispanoamericana em duplo sentido. Primeiro, como um conjunto de

narrativas, saberes, informações e boatos a respeito do que se passava nos domínios

espanhóis da América em seu sinuoso caminho rumo a suas independências, e que em

ritmos bastante rápidos chegavam ao mundo lusoamericano, bem como especulações,

conjecturas, temores, esperanças e paradigmas resultantes da apropriação de tais elementos.

Segundo, como um conjunto de políticas que, necessariamente, cruzavam limites e

constituíam dinâmicas fronteiras de ação compartilhadas. Com isso, além de analisarmos

um rol de situações concretas que fizeram das independências da América hispânica uma

espécie de “mestra” daquela do Brasil, pressupomos uma reciprocidade de movimentos

inseridos em outro conjunto, mais abrangente no tempo e no espaço, onde a experiência

hispanoamericana se sobressaiu para o Brasil, apenas por surgir de uma realidade mais

recente e geograficamente mais próxima a ele do que outras11.

Em relação aos termos gerais que Koselleck parece propor para o mundo ocidental

dos séculos XVIII e XIX, aqui teríamos, então, um certo deslocamento de ênfase: pois para

o Brasil e suas vizinhanças, a história continuava a “ensinar”, porém com atribuição de

maior peso àquilo que era mais recente. A história curta passara a pesar de modo

10
Reinhart Koselleck, “‘Espacio de experiencia’ y ‘horizonte de expectativa’, dos categorías históricas”:
Futuro pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993, p.333-357.

15
diferenciado em relação à história longa 12. De todo modo, tratar-se-ia de uma experiência

específica sobressalente, e não substitutiva em relação a anteriores, já que a mais recente

delas só pôde existir por estar embasada em outras a ela pretéritas, com elas perfazendo

uma unidade dinâmica sem começo ou fins precisos. É dessa unidade que trataremos agora.

Não é novidade, repitamos, a apreciação da história lusoamericana e brasileira dessa

época como relacionada a situações e movimentos gerais, e destes com acontecimentos

políticos de peso; contudo, cada vez mais nos últimos anos, a historiografia vem se

encarregando de prestigiar o estudo das formas específicas pelas quais as partes dessa

conjuntura se ligam umas a outras; o que tem contribuído para uma mirada mais complexa

– porque matizada – em torno das feições do que ali ocorre. Nossa proposta é integralmente

tributária dessa tendência. No entanto, o desenho de uma experiência revolucionária

moderna a partir de um Brasil que da América espanhola recebe influências decisivas,

busca atender apenas a algumas demandas de uma agenda de pesquisa em aberto.

Não cremos que o acúmulo de experiências históricas com capacidade de

interagirem e, de variadas maneiras, impactar sobre realidades díspares, implique uma

concepção evolutiva da História, sequer daquela da expansão revolucionária no mundo

ocidental. O que vemos é o estabelecimento de um processo de configuração de padrões de

eventos – aqui entendidos como acontecimentos cuja ocorrência mostra-se capaz de alterar

vários níveis da realidade social - dispostos em tempos e espaços não plenamente

coincidentes, de modo semelhante ao que Sewell Jr. chamaria de path dependency (um

11
Desenvolvemos o tema pormenorizadamente em: O Brasil e a América espanhola (1808-1822). São Paulo:
FFLCH/USP, 2004 (tese de doutorado); de modo sintético, em Brasil y las independencias de
Hispanoamérica. Castelló: Publicacions de la Universitat Jaume I, 2007.
12
Encontramos forte convergência entre esta ideia e as expostas, para o mundo hispânico, por Javier
Fernández Sebastián, “‘Cabalgando el corcel del diablo’: conceptos políticos y aceleración histórica en las
revoluciones hispânicas”. In: Lenguaje, tiempo y modernidad. Ensayos de historia conceptual. Santiago de
Chile: Globo Editores, 2011, pp. 21-59.

16
encadeamento de eventos que, na sua origem, são abertos, e que influenciam no advento de

outros de mesma condição). Obviamente, um evento não leva diretamente a outro,

tampouco lega a outro seus conteúdos essenciais; mas cria-se entre eles um elo, cuja

resolução é incerta, porque sempre suscetível de alterações a partir de novos eventos 13. Ou

seja, uma concepção puramente histórica do impacto, em tempos e espaços variados, de

acontecimentos ligados uns aos outros.

Desse encadeamento, resulta um processo sutil e complexo de constituição de uma

experiência, no qual percebemos um papel essencial desempenhado pelas linguagens

políticas, uma espécie de elo entre realidades distintas que contribui distintivamente para

torná-las, contraditoriamente, uma única 14. Nesse plano – certamente, não só nele -

poderemos discernir, no que respeita aos eventos aqui abordados, os caminhos pelos quais

um se tornou outro; isto é, pelos quais uma determinada leitura de um evento implica em

modificações de terminologia e semântica política que, uma vez veiculados por um

conjunto razoável de enunciadores, permitirá a apreensão de um outro evento, doravante

representado não de modo idêntico ao anterior, mas em uma chave discursiva parcialmente

homogeneizadora. E daí, criar meios de ação e reconfigurar a própria realidade social mais

ampla que o engendrou.

Em 1811, zeloso de sua obrigação como jornalista encarregado de tornar públicos o

que considerava como os mais importantes acontecimentos relativos ao Brasil e ao Império

Português, bem como ao mundo ocidental que os envolvia, Hipólito José da Costa

escreveria, em seu jornal Correio Braziliense:

13
William Sewell Jr., Logics of History: Social Theory and Social Transformation. Chicago/London:
University of Chicago Press, 2005, em especial cap. 3.
14
Cf. as reflexões de Elías J. Palti. El tempo de la política: el siglo XIX revisitado. Buenos Aires: Siglo XXI,
2007, esp.p.21-56.

17
“É sem dúvida crueldade mostrar a um homem que tem sofrido muito, quanto a

improvidência tem sido causa de seus males, e opor ao sonho de suas agradáveis

esperanças, realidades tristes e desoladoras; mas quando se trata de uma nação,

posto que seja esta uma penosa tarefa, é contudo não somente útil, mas até

necessária a um povo inteiro, o qual não pode remediar nem impedir os males

futuros, senão conhecendo a causa dos passados”15.

Conhecer o mundo do presente implicava em recorrer aos eventos passados,

condição para administração de um futuro melhor. Aqueles que viveram esse tempo de

profundas alterações na vida política disso estavam bem cientes. Como nós devemos nos

comportar diante do entendimento desse mesmo tempo?

1.2 – Os Brasis, o Brasil e o mundo em revolução

Na segunda metade do século XVIII, a posição ocupada por Portugal e seu império

no sistema internacional e na competição por este pressuposta desembocou em um conjunto

de ações políticas destinadas a, na medida do possível, amortizar uma condição

desfavorável que, de modo semelhante, também compartilhava a outra monarquia ibérica.

Em meio a um sinuoso e errático caminho de reorganização de vários níveis da realidade

imperial portuguesa em escala global, aos domínios americanos foi sendo atribuída,

progressivamente, uma posição central. Corporificando um potencial transformador dessa

situação a distinguir Portugal de outros Estados europeus, as vastas e variadas colônias da

18
América eram vistas como um trunfo16. Ao mesmo tempo, puderam ser vistas – fenômeno

inusual até então – como uma unidade; limitada e circunstancial, é verdade, mas uma

unidade que, sem ignorar a heterogeneidade dos objetos por ela abarcados, permitisse um

manejo adequado desse potencial por parte da alta esfera imperial lusa e de gente a ela

relacionada17.

Nesse movimento, nada ensejava necessariamente a formação de projetos de

inovação política, tampouco a manifestação direta de perspectivas dos mesmos. O

reformismo português lograva manter e reforçar as bases estruturais do poder régio, do

regime monárquico e das relações entre as partes que compunham a totalidade do Império.

Por certo, alterações sistêmicas e sistemáticas em fatores vigentes de organização

impunham a renovação e reinvenção de tradições, contradições, tensões e fissuras, no que

esta época não se diferenciava de outras anteriores. Igualmente, o Império português

continuava a ser um ambiente permeado por influências externas, singrado por fluxos de

pessoas, mercadorias, ideias e informações, conjugado com outras realidades de um sistema

mundial que se fazia pari passu ao adensamento de suas complexas ramificações18.

15
Correio Braziliense, v.VII, Londres, 09/1811.
16
Fernando Novais, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1979; T.
Halperín, Reforma y disolución..., cit.; Kenneth Maxwell, O marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996; e Stefan Rinke, Las revoluciones en América latina: las vías a la
independencia, 1760-1830. México, D.F.: El Colegio de México, 2011.
17
Iris Kantor - Esquecidos e Renascidos: historiografia acadêmica luso-americana (1724-1759). São
Paulo/Salvador: Hucitec/UFBA, 2004.
18
Sobre o sistema mundial, a bibliografia referencial é ampla. Para efeitos da composição das ideias aqui
apresentadas, temos em mente, sobretudo, Fernand Braudel, Civilização material, economia e capitalismo,
séculos XV-XVIII. Lisboa: Teorema, s.d., 3 v.; Immanuel Wallerstein, El moderno sistema mundial. 12ª.ed.
México/Buenos Aires/Madrid: Siglo XXI, 2007, 3 v.; Terence Hopkins (et.all.), World-Systems Analysis:
Theory and Methodology. Beverly Hills/London/New Delhi: Sage, 1982; e Giovanni Arrighi, O “longo
século XX”. Rio de Janeiro/São Paulo, Contraponto/EDUNESP, 1996 (não é nossa intenção sequer esboçar o
necessário inventário das diferenças entre as propostas contidas em tais obras, ou de seus problemas
interpretativos). Para as trocas de mercadoria no Império Português, dois bons repertórios de contribuições
variadas encontram-se em: João Fragoso/Maria Fernanda Bicalho/Maria de Fátima Gouvêa (orgs.), O antigo
regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001; e João Fragoso/Manolo Florentino/Antonio Carlos Jucá/Adriana Campos (orgs.), Nas rotas
do império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: EDUFES, 2006 (parte

19
O diagnóstico da normalidade das transformações em curso – isto é, de seu

assentamento sobre bases tradicionais ainda estáveis – não deve, contudo, ignorar o peso de

um aparente truísmo: quando inovações políticas de monta começam a se produzir em

outros quadrantes do sistema mundial, parte delas adquire capacidade, de alguma maneira,

de exercer influências sobre o mundo português. Afinal, jamais a eclosão pública da

contestação inerente à ordem colonial estivera totalmente desconectada da inserção do

Império no contexto global, jamais constituíra manifestação totalmente endógena à

colônia.19 Antes mesmo das primeiras incisivas manifestações que produziriam brechas

visíveis na ordem do Antigo Regime, no mundo português – como em todos os outros –

informações iam e viam, expectativas moviam pessoas e ação política efetiva resultava de

contextos que uniam e articulavam impérios uns a outros e as partes de cada qual 20.

O que ocorre, então, a partir da independência da maior parte da América inglesa,

em 1776? Não exatamente a abrupta contaminação de redes de circulação e fronteiras em

dos próprios organizadores destas obras, em suas contribuições autorais específicas, pretendem a “descoberta”
de “uma certa” ou “relativa” autonomia dos espaços lusoamericanos perante os demais envolvidos pelo
mercado mundial em formação; essa autonomia parece-nos, por princípio, óbvia). Finalmente, para livros e
leituras, mais especificamente: Diogo Ramada Curto, Cultura imperial e projetos coloniais (séculos XV a
XVIII). Campinas: EDUNICAMP, 2009.
19
Ótimas demonstrações do que afirmo são proporcionadas por: Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos
mazombos: nobres contra mascates. Pernambuco, 1666-1715. 2ª.ed. revista. São Paulo: Editora 34, 2003; e
Maria Fernanda Bicalho, A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. A melhor análise de conjunto dos conflitos coloniais é a de Luciano Figueiredo, “O império
em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império colonial
português, séculos XVII e XVIII”. In: Júnia Furtado (org.), Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas
abordagens para uma história do Império ultramarino português. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001 p.197-254.
20
Vide, por exemplo, as movimentações políticas ocorridas entre escravos do Brasil em decorrência do alvará
de 1773 que estabelecera a gradual abolição da escravidão em Portugal (mas não na América),
magnificamente estudadas por Luiz Geraldo Silva, “‘Esperança de liberdade’. Interpretações populares da
abolição ilustrada (1773-1774). In: Revista de História, n.144, 2001, p.107-149. Não conheço nenhum estudo
aprofundado sobre o que se passou nos territórios portugueses da América em decorrência das rebeliões
indígenas de Tupac Amaru e Tupac Catari (1780-1782), e que não parecem nada desprezíveis, de acordo com
Carlos Augusto de Castro Bastos. Entre o Amazonas e o Marañón: territorialização e relações sociais na
fronteira Maynas/Grão-Pará (c.1780-c.1820). São Paulo: FFLCH/USP, 2011 (qualificação de doutorado).
Vale lembrar que, a caminho do desterro, um dos filhos do primeiro, Mariano, morreu no Rio de Janeiro,
enquanto que outro, Fernando, salvou-se de um naufrágio nas costas de Portugal. Ao pai deles foi dedicado
um soneto de José Basílio da Gama, um dos grandes poetas lusos do século XVIII (Daniel Valcarcel, La

20
movimento, já estabelecidas, por novos e dominantes conteúdos, mas sim a introdução, nas

mesmas, de elementos políticos discursivos que passarão a interagir com os tradicionais e

que implicarão sua parcial reconstituição. Nessa perspectiva, tratar-se-ia de ingenuidade –

senão de equívoco grosseiro - pretender que o peso das inovações em seus epicentros

tenderia a se replicar, de modo idêntico, em outras partes 21. Mais promissora do que a

procura alhures por regimes, programas políticos, ações e conceitos equivalentes aos dos

Estados Unidos da América, parece a observação, ali, de um evento capaz de irradiar um

padrão de outros eventos sucessivos, materializado esse padrão em um conjunto de

enunciados discursivos que se transformam constantemente, inclusive em direção a outras

partes. O que urge, então, seria a compreensão daquilo que as realidades de cada uma

dessas partes apresenta como deslocamento parcial, como alteração limitada na ordem das

coisas em seus próprios nichos sociais, em seus próprios espaços, em sua própria realidade.

O caso da conspiração urdida na capitania lusoamericana de Minas Gerais entre

1788 e 1789 é paradigmático. Pois ali, as investigações que se sucederam logo após a

descoberta precoce da trama e às primeiras prisões dos suspeitos de envolvimento,

revelariam a presença desses conteúdos políticos discursivos eivados de feições inovadoras,

parte dos quais indubitavelmente tributários dos eventos angloamericanos de uma década

antes. Projetos difusos de criação de uma “república” restrita às Minas Gerais (sem

associação, portanto, com a unidade do Brasil concebida pelo reformismo), doutrinas

difusas limitadas por um raio de ação pragmático que gravitava em torno de demandas

rebelion de Tupac Amaru. Reimpr. México: FCE, 1996, p.16; Ivan Teixeira [org.], Obras poéticas de Basílio
da Gama. São Paulo: EDUSP, 1996).
21
Nas palavras acertadas de Koselleck, “las experiencias se superponen, se impregnan unas de otras. Aún
más, nuevas esperanzas o desenganos, nuevas expectativas, abren brechas y repercuten em ellas. Así pues,
también las experiencias se modifican, aun cuando consideradas como lo que se hizo en una ocasión, son
siempre las mismas. Ésta es la estructura temporal de la experiencia, que no se puede reunir sin una
expectativa retroactiva” (R. Koselleck, “‘Espacio de experiencia’... In: Futuro passado..., cit., p.341).

21
como a amortização de tributos, a suspensão de sua cobrança acumulada e o impedimento

de autoridades locais tidas por incompetentes... Tais elementos, dentre outros, implodem a

perspectiva de que a chamada “Inconfidência Mineira” tratava de antecipar a independência

do Brasil22. No entanto, seus conteúdos identitários23, o exemplo norteamericano, a

persistência do vocábulo “república” a pairar sobre os interrogatórios nem sempre em sua

acepção tradicional, bem como o temor despertado pela possibilidade do levante em

autoridades que longe estavam de serem ingênuas ou puramente paranóicas: tudo isso

mostra claramente uma situação onde a política, se não era subvertida ou radicalmente

repensada, já não era mais a mesma de antes24. Algo começara a ocorrer. Mas exatamente o

quê?

Em situações de crise vivenciadas e representadas coletivamente - como a da

América portuguesa das últimas décadas do século XVIII, denunciada não apenas pela

violenta reação das autoridades de Minas Gerais, mas pela própria política reformista

elaborada já desde antes – o atendimento a demandas ativas, instáveis e dinâmicas cria

22
Vide, por exemplo, as palavras de Carlos G. Mota a esse respeito: “a propriedade é o suporte das
manifestações nacionalistas, sendo que o nacionalismo emergente no final do século XVIII no Brasil é, na
base anti-colonialista. A consciência nacional começa a despertar, e passa a não ser contida pela natureza do
Estado dentro do qual emerge. Para o Brasil, há que levar sempre em conta a variação regional dessa tomada
de consciência, que não se submete a uma linha rígida e coerente: os exemplos de Minas Gerais e Bahia
[1798] são expressivos para mostrar tal variação” (Atitudes de inovação no Brasil, 1789-1801. Lisboa:
Horizonte, s.d., p.125-126, grifo do autor). Para uma crítica historiográfica ampla dessa e de outras posições
semelhantes: João Pinto Furtado, O manto de Penélope: História, mito e memória na Inconfidência Mineira
de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, em especial cap.1.
23
Analisados sobejamente por Roberta G. Stumpf, Filhos das Minas, americanos e portugueses: identidades
coletivas na capitania da Minas Gerais (1763-1792). São Paulo: Hucitec, 2010. Este trabalho, enquanto se
gestava, forneceria algumas das bases para o de István Jancsó & João Paulo G. Pimenta, “Peças de um
mosaico (ou apontamentos para um estudo da emergência da identidade nacional brasileira)”. In: Revista de
História das Idéias, v. 21, Universdade de Coimbra, 2000, p.389-440.
24
Consideramos a obra de Pinto Furtado (cit. nota 14, supra) mais bem sucedida em sua análise da memória
do movimento de 1788-89 do que de sua história propriamente dita. Para uma explicitação do quanto suas
posição se distanciam das nossas, vide, do mesmo autor: “Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos
sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação”.In: J.
Malerba (org.), A independência brasileira..., cit., p.99-121. A obra clássica a respeito continua a ser a de
Kenneth Maxwell, A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal, 1750-1808. 2ª.ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.

22
ambientes porosos à recepção de conteúdos novos. Não porque estes irão solucionar

problemas, mas sim porque é da natureza de tais situações a movimentação da ordem

costumeira, a modificação parcial das formas cotidianas de existência, a alocação daquilo

que escapa aos ritos ordinários da coletividade25. Não bastaria que um acontecimento como

o de 1776 ocorresse: o mesmo teria que encontrar outro ambiente que por ele se

interessasse. É por isso, então, que várias testemunhas ouvidas durante a investigação que

se seguiu à descoberta da conspiração em Minas Gerais, mesmo amedrontadas, claramente

associavam república com uma situação nova, a ser criada em um futuro próximo, e com a

qual quase todos cautelosamente afirmavam nada ter que ver.

Eis, então, uma possibilidade de compreensão do que ocorreria também em 1798 na

Bahia, outra capitania importante da América portuguesa. Aqui, uma conspiração

declaradamente revolucionária, igualmente abortada com violência pelas autoridades reais

antes de sua eclosão, radicalizaria alguns dos elementos presentes no imaginário e na ação

dos conspiradores de Minas Gerais. É o caso de seu mais bem definido esboço

programático, que agora gravitava em torno de uma ideia de “república” de clara inspiração

francesa; do maior espectro social dos envolvidos, a incluir agora mais gente de mais baixa

condição, inclusive homens “de cor” (como se dizia à época); de uma apresentação pública

dos intentos subversivos de amplitude bem maior do que no caso anterior; e, finalmente, da

radicalização do vocabulário empregado26. Em um dos pasquins afixados na cidade de

Salvador naquele ano, intitulado “Aviso ao clero e ao povo bahiense”, lia-se:

25
Conforme a definição de: István Jancsó, Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798.
São Paulo: Hucitec, 1996, p.203.
26
Como bem definiu Jancsó (Na Bahia, contra o império..., cit.), e ao contrário do que pretendeu Maxwell (A
devassa da devassa...,cit.). Sobre a produção de manuscritos e circulação de ideias nesse evento: Marcello
Moreira, “Cultura escribal e o movimento sedicioso de 1798: A Pecia”. In: Leila Mezan Algranti & Ana Paula
Megiani (orgs.), O império por escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico. São
Paulo: Alameda, 2009, p.495-504.

23
“O poderoso e magnífico povo bahiense republicano desta Cidade da Bahia

Republicana considerando nos muitos e repetidos latrocínios feitos com os títulos de

imposturas, tributos e direitos que são cobrados por ordem da Rainha de Lisboa e no

que respeita a inutilidade da escravidão do mesmo povo tão sagrado e digno de ser

livre, com respeito à liberdade e igualdade ordena, manda e quer que para o futuro

seja feita nesta cidade e seu termo a sua revolução para que seja exterminado para

sempre o péssimo jugo reinável na Europa [...]” 27.

Cremos que os fenômenos que distinguem os eventos da Bahia dos de Minas Gerais

podem ser bem compreendidos como reconfiguração, em uma nova situação, de elementos

criados a partir da experiência angloamericana. E nesse caso, o estabelecimento de uma

sucessão de eventos se tornou possível porque pôde a ela agregar a França revolucionária

(1789-) e a grande revolta de escravos de Saint-Domingue, iniciada em 1791, que por seu

turno – e como todos sabemos - irradiariam influência também em muitas outras direções

do mundo ocidental28.

Estes dois últimos eventos já não eram estranhos às autoridades reais portuguesas

que, em 1792, procederam à punição exemplar de um dos envolvidos no episódio de Minas

27
Extraído de Inês da C. Inácio & Tânia R. de Lucca, Documentos do Brasil colonial. São Paulo: Ática, 1993,
p.167-168
28
Sobre o haitianismo, vide: Alejandro E. Gómez, Le syndrome de Saint-Domingue: perceptions et
répresentations de la Révolution haïtienne dans le Monde Atlantique (1790-1886). Paris: EEHSS, 2010 (tese
de doutorado). Para o Brasil: Marco Morel, “O abade Grégoire, o Haiti e o Brasil: repercussões no raiar do
século XIX”.In: Almanack Braziliense, v. 2, n. 2, 2005; ponderações quanto ao alcance do mesmo em: Rafael
Marquese, “Escravismo e independência: a ideologia da escravidão no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos
nas décadas de 1810 e 1820”. In: István Jancsó (org.), Independência: história e historiografia. São Paulo:
Hucitec/FAPESP, 2005, p.809-827. Sobre livros e leituras em circulação, ligando o Brasil a outras partes:
Luiz Carlos Villalta, “Libertinagens e livros no mundo luso-brasileiro”. In: L. Algranti & A. P. Megiani
(orgs.), O império por escrito..., cit., p.523-563.

24
Gerais.29 Anos depois, na Bahia, ambos iam de encontro a novos elementos: o fato da

sociedade lusoamericana, naquela capitania, ser fortemente escravista, cheia de cativos e

libertos em um ambiente fortemente tenso; a clara recepção de um substrato ideológico

revolucionário francês a moldar discursos públicos dos envolvidos na trama 30; e,

finalmente, condições práticas de articulação direta entre líderes do movimento e dirigentes

do Diretório francês31 que, se não chegaram a resultar em medidas práticas de ajuda destes

àqueles, não deixam dúvidas quanto à reelaboração, em solo americano, de uma

experiência política amparada nos eventos europeus e caribenhos imediatamente

posteriores a 1789. Na mesma linha de raciocínio, mais do que buscar, portanto,

semelhanças e origens comuns entre os ensaios de sedição de Minas Gerais e Bahia – e

destes com outros acontecimentos posteriores - parece-nos importante destacar o caráter

parcialmente cumulativo de tais experiências, calcadas em uma cadeia de eventos que se

reproduzem, cada qual, de forma singular, única e incomparável, mas que o são na justa

medida em que compõem, todos, uma única experiência, envolvendo o Império Português e

outras partes do mundo ocidental.

Doravante, os espaços públicos de discussão política, em alargamento e

adensamento na América portuguesa, passarão a dispor de elementos de uma linguagem de

fundamentos revolucionários. Não se trata, claro, de pretender a preponderância dessa

linguagem em relação a outras (o que seria absurdo), tampouco a existência de uma ligação

29
Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como “Tiradentes”, foi enforcado e esquartejado no Rio de
Janeiro em 21 de abril de 1792. Pedaços de seu corpo foram expostos publicamente em várias localidades
entre esta cidade e as Minas Gerais. No caso da Bahia, os que pagaram pena capital (em 1799) foram Luís
Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas, João de Deus e Manuel Faustino, também enforcados e esquartejados,
mas em Salvador.
30
Como bem mostrou Kátia de Queirós Mattoso, Presença francesa no movimento democrático baiano de
1798. Salvador: Itapuã, 1969.

25
direta entre emprego dessa linguagem e prática revolucionária; mas, simplesmente, de

destacar a importância da utilização da mesma na elaboração de parâmetros de análise,

estigmas e depreciações e, de todo modo, como ferramentas de apreensão e representação

de um mundo que continuava a mudar32. Para onde, exatamente, ninguém poderia saber, e

poucos eram os que se aventuravam a elaborar prognósticos taxativos e seguros 33. Palavras

como república, liberdade, afrancesado, francesia, jacobino e jacobinismo tornaram-se

frequentes, úteis e efetivamente utilizadas, fortemente politizadas e com cargas conceituais

cada vez mais densas.34.

As gerações que atuaram politicamente no Brasil das primeiras décadas do século

XIX continham muitos indivíduos que tinham vivido as tentativas de subversão de fins do

século anterior.35 Ao terem que lidar com eventos impactantes – como a transferência da

31
István Jancsó, “A hipótese do auxílio francês ou ‘a cor dos gatos’”. In: Júnia Furtado (org.), Diálogos
oceânicos..., cit., p.361-387; também Marco Morel & István Jancsó, “Novas perspectivas sobre a presença
francesa na Bahia em torno de 1798”. In: Topoi, v. 8, 2007, p. 206-232.
32
Charles Tilly poderia se referir a algo muito semelhante ao que aqui descrevemos como típico processo de
desenvolvimento de um contentious reperoire. Há, contudo, que se destacar que os movimentos que Tilly
estudou parecem dotados de um padrão de ação e emergência pública que os até aqui analisados não
guardavam. De todo modo, suas reflexões são sugestivas. Charles Tilly, “Contentious Repertoires in Great
Britain, 1758-1834”. In: Social Science History, v.17, n2, 1993, p.253-280.
33
Como os abades Raynal e De Pradt, ambos presença frequente nos círculos letrados e politizados das
colônias portuguesas da América de fins do século XVIII e começos do seguinte. A respeito de ambos e o
Brasil: Marco Morel, “Independência no papel: a imprensa periódica”. In: I. Jancsó (org.), Independência...,
cit., p.617-636; e João Paulo G. Pimenta, “De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de
emancipação da América e sua leitura no Brasil”. In: Almanack Braziliense, v.11, p.88 - 99, 2010.
34
Daí, a nosso ver, uma frequente confusão em torno do enquadramento dos acontecimentos de Minas Gerais
e Bahia com os do Rio de Janeiro em 1794, quando o governador local, temeroso de uma conspiração que, em
realidade, não existia, mandou fechar a Sociedade Literária e Científica, e perseguiu seus membros. Alguns
autores se empenharam em defini-los como supostas ante-salas da independência do Brasil (casos de Carlos
G. Mota, Atitudes de inovação..., cit.; e Afonso C. M. dos Santos, No rascunho da nação: inconfidência no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Cultura,
Turismo e Esportes, 1992), outros em dissociá-los completamente da independência (João P. Furtado, “Das
múltiplas utilidades...”, cit.). Ambas as posturas podem obscurecer uma realidade importante do episódio: o
claro temor das autoridades reais, a denunciar um acúmulo de conteúdos característico da experiência
histórica aqui caracterizada.
35
István Jancsó, “A sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVIII”. In: F.
Novais (dir.), História da vida privada no Brasil v.I: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.388-437. Caso individual exemplar é o de Cipriano Barata, biografado
por Marco Morel, Cipriano Barata na sentinela da liberdade. Salvador: Academia de Letras da
Bahia/Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2001.

26
Corte portuguesa para o Brasil (1807-1808), a abertura de seu comércio ao mercado

mundial (1808-1810), sua elevação à condição de Reino (1815), a revolução constitucional

portuguesa (1820) e a independência do Brasil (1822) - parecem ter estabelecido consensos

em torno da rejeição do termo república como referido aos variados projetos políticos que

passaram a encampar. Termo excessivamente contaminado? Provavelmente. As

experiências políticas anteriores, agora pouco referidas ou até mesmo silenciadas,

ensinaram homens e mulheres a se comportar em um contexto que era fundamentalmente

novo, mas não exclusivamente novo: afinal, eventos pretéritos ocorridos na América ou na

Europa continuavam presentes, se desdobrando e se modificando permanentemente.

Há um duplo componente, essencial para a compreensão desse novo/velho cenário,

e que se desdobra ativamente nas feições doravante assumidas pela sucessão de eventos

abertos ao futuro a compor a ampla experiência revolucionária moderna: o encontro de

uma renovação da ideia setecentista de unidade dos vários “brasis” com uma sensação

coletiva de aceleração do tempo, resultando em condições históricas propícias a projetos de

um governo do Brasil autônomo em relação ao de Portugal36. Logo, da modificação parcial

de tais projetos surgiria o de um Brasil como Estado nacional totalmente independente de

Portugal. Nesse processo, frenético, errático e repleto de contradições – novamente a

tipificar um panorama de crise política, agora mais aguda do que nunca – as referências aos

eventos dos Estados Unidos, da França e do Haiti continuariam presentes, potencializados

pela expansão napoleônica que, à época, era comumente vista como da própria revolução

de 1789. A partir de 1810, no entanto, se observará mais uma modificação significativa na

composição dessa conjuntura, cada vez mais marcada pela sucessão de novos eventos

27
transformados em uma experiência política ampla: a atribuição de destaque ao que passara

a ocorrer na América espanhola.

A formação de juntas de governo no mundo hispânico, a partir de 1809, logo

desembocaria na ampliação e radicalização da prática, agora incidindo principalmente

sobre os domínios americanos, muitos dos quais contíguos ao Brasil e com ele

estabelecendo fronteiras mais (Rio da Prata e Alto Peru) ou menos (Peru, Nova Granada e

Venezuela) ativas37. Surge, então, um conjunto de situações a imporem pronta mobilização

da parte dos estadistas portugueses no Brasil, geralmente orientando-os a evitar o

espraiamento das convulsões políticas da vizinhança em territórios do Brasil. Ao mesmo

tempo, os espaços públicos de discussão conhecem, no mundo português, um verdadeiro

boom em termos de politização e alargamento de seu espectro social. Em ambas as

direções, a América espanhola se fará presente de modo intenso. Enquanto jornais, cartas

particulares e informações obtidas de comerciantes ou agentes formais ou informais a

serviço da Corte do Rio de Janeiro tentavam dar conta do que ocorria entre a Espanha e

suas colônias - inundando os espaços públicos lusoamericanos de notícias e boatos de todo

tipo - autoridades de fronteira e das principais cidades portuárias do Brasil recobravam sua

36
João Paulo G. Pimenta & Valdei Araújo, “História – Brasil”. In: Javier Fernández Sebastián (dir.),
Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Madrid: Fundación Carolina/Sociedad Estatal de
Conmemoraciones Culturales/Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009, p.593-604.
37
Sobre o Rio da Prata, a bibliografia é imensa. Destaco, dentre muitos possíveis: Jeanne Lynn Friedman,
Free trade and Independence: The Banda Oriental in the World-System, 1806-1830. The Ohio State
University, 1993; Helen Osorio, Apropriação da terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço
platino. Porto Alegre: UFRS, 1990 (dissertação de mestrado); Helga Iracema L. Piccolo, “O processo de
independência numa região fronteiriça: o Rio Grande de São Pedro entre duas formações histórias”. In: I.
Jancsó (org.), Independência..., cit., p.577-579; Márcia Eckert Miranda, A estalagem e o império: crise do
Antigo Regime, fiscalidade e fronteira na província de São Pedro (1808-1831). São Paulo: Hucitec, 2009; e
Tau Golin, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e
a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002. Sobre o Peru: Carlos Augusto Bastos, Entre o Amazonas e o
Marañón..., cit.; sobre o Alto Peru: E. Just Lleó, Comienzo de la independencia en el Alto Peru: los sucesos
de Chuquisaca. Sucre, Editorial Judicial, 1994; sobre a Venezuela: Arthur Cezar F. Reis, “Neutralidade e boa
vizinhança no início das relações entre brasileiros e venezuelanos. Documentário”. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, v.235, abril/junho de 1957, p.3-84; e Ana Cláudia Fernandes, Revolução

28
atenção em relação aos estrangeiros que quisessem ingressar nos territórios bragantinos,

principalmente os espanhóis. No plano das ideias e das linguagens políticas, a depreciação

dos intentos inovadores da América espanhola podia, com frequência, ser associada com a

França revolucionária, como lemos em uma nota de fevereiro de 1813 publicada pela Idade

do Ouro do Brasil, jornal editado em Salvador:

“O Periódico intitulado El Hespanhol, no mês de Outubro traz um excelente

discurso político sobre os sucessos de Venezuela, e diz que, independente do

terremoto, devia afinal ser este [a queda da República] o resultado. Não nos

merecemos nesta questão, porém recomendamos aos Leitores o sobredito discurso

como um admirado rasgo da política. Ele diz, com bem razão, que princípios gerais

de política não valem nada em mil casos particulares; e que o Francesismo que tem

esquentado alguns cérebros está tão longe de gerar a felicidade dos povos, que antes

ele é essencialmente gerador de escravidão e de sangue” 38.

Pouco depois, em 1817, eclodiria um movimento republicano na província

americana de Pernambuco, e que por três meses – entre março e maio – logrou constituir

uma junta de governo contrária à Corte portuguesa e ao governo monárquico então sediado

no Rio de Janeiro. Durante esse período, os agentes envolvidos na empreitada lograram, de

modo inédito na história das contestações políticas até o momento ocorridas no mundo

lusoamericano, instituir efetivamente uma ordem revolucionária, ainda que efêmera;

em pauta: o debate Correo del Orinoco-Correio Braziliense. São Paulo: FFLCH/USP, 2010 ( dissertação de
mestrado)
38
Idade do Ouro do Brasil n.10, suplemento extraordinário de 02/02/1813 (grifos originais). Devo a Sarah T.
Boscov a obtenção desta notícia.

29
também, envolver politicamente uma grande diversidade de representantes de estratos que

iam desde as partes mais baixas até as mais altas das hierarquias sociais39. Além disso,

veicularam discursos e linguagens impregnadas de referências revolucionárias pretéritas,

dentre as quais se sobressaía a francesa; mesmo assim, os Estados Unidos, o Haiti (tornado

república independente em 1804) e a América espanhola não foram ignorados. Em sua

modalidade específica de expressão da cadeia de eventos que, até aquele momento, vinha

constituindo a experiência revolucionária moderna no mundo lusoamericano, os

pernambucanos contribuíram para uma melhor definição da negatividade que termos como

liberdade e povos teriam caso se associassem a república; pelo menos, do ponto de vista

dos propugnadores da manutenção do legitimismo dinástico no mundo português. Como

contra exemplo, a revolução de Pernambuco contribuiria para a independência do Brasil,

indicando a conveniência – novamente, de um ponto de vista específico – do que podiam

ser considerados excessos destrutivos das revoluções políticas daquele tempo. Este

argumento, por seu turno, iria de encontro a agendas – expressamente ou não –

contrarevolucionárias que, após a queda de Napoleão, articulavam Europa e América 40.

É interessante observar como, em meio a uma tendencial transformação dos eventos

hispanoamericanos em paradigmas negativos em um Brasil onde a defesa dos princípios

políticos tradicionais ameaçados na Europa e também na América era cada vez mais

dominante, a experiência revolucionária angloamericana era valorizada, vista como

39
Denis de Mendonça Bernardes, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo:
Hucitec/FAPESP/EDUFPE, 2006; e Luiz Geraldo Silva, “O avesso da independência: Pernambuco (1817-
24)”, in: J. Malerba (org.). A Independência brasileira..., cit., p.343-384.
40
Como bem assinala Kirsten Schultz, “A era das revoluções e a transferência da Corte portuguesa para o Rio
de Janeiro (1790-1821)”. In: J. Malerba (org.), A Independência brasileira..., cit., p.125-151.

30
suficientemente moderada e capaz de resultar em uma ordem política estável e modelar 41;

em contrapartida, a França era fonte de crimes e monstruosidades, no que a América

espanhola parecia seguir o mesmo passo. Logo, porém – e como veremos melhor no

próximo capítulo - a vizinhança do Brasil se converteria em uma referência ambígua,

porque capaz de fornecer igualmente exemplos desejáveis de ruptura bem sucedida entre

colônias e metrópoles. Isso ocorreria, sobremaneira, a partir de 1821, quando o curso da

política lusoamericana fez surgirem os primeiros projetos verdadeiramente consistentes e

viáveis de total ruptura entre Brasil e Portugal. Os Estados Unidos e a América espanhola

se uniam, fornecendo um passado-presente positivo, no qual a França não podia se

encaixar. Termos como liberdade, América e revolução42, devidamente politizados,

matizados e alocados em outras referências identitárias mais especificamente brasileiras,

revelam a dimensão discursiva do encadeamento de eventos iniciado décadas antes, e que

agora compunha efetivamente uma unidade: uma experiência revolucionária moderna. Em

meio a ela, porém, a experiência hispanoamericana se destacava, por ser mais recente do

que outras a ela semelhantes (resultado da sensação de aceleração do tempo), e também por

irradiar-se de zonas geograficamente mais próximas ao Brasil do que quaisquer outras. No

tempo e no espaço, a América espanhola estava mais próxima do Brasil 43. E tal

proximidade se constituía em apenas uma, dentre várias ligações estabelecidas por essa

41
Para o espraiamento de paradigmas estadunidenses, centrado no ato de “declarar independência”: David
Armitage. Declaração de independência: uma hstória global. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Uma
crítica às posições do autor em: J. Adelman, “Na Age of Imperial Revolutions”, cit., p.331 e segs.
42
Para “América”, vide: João Feres Jr. & Maria Elisa Mäder, “América – Brasil”. In: J. Fernández (dir.),
Diccionario político y social..., cit., p.80-90; para a conversão do conceito em paradigma positivo baseado
nos eventos da América espanhola: João Paulo G. Pimenta, Brasil y las independencias de Hispanoamérica,
cit., cap.2. Sobre “revolução”: Lúcia Pereira das Neves, “Revolução: em busca de um conceito no império
luso-brasileiro (1789-1822)”. In: J. Feres Jr. & Marcelo Jasmin (org.), História dos Conceitos: diálogos
transatlânticos. Rio de Janeiro: EDPUC-RJ/Loyola/IUPERJ, 2007, p.129-140; e João Paulo G. Pimenta, “La
independencia de Brasil como revolución: historia y actualidad sobre un tema clásico”. In: Nuevo Topo.
Revista de historia y pensamiento crítico, v. 5, p. 69-98, 2008.
43
Oferecemos sustentação documental a essa observação em O Brasil e a América espanhola..., cit.

31
mesma vizinhança, bem como por suas partes europeias, com outros espaços politicamente

em convulsão pela mesma época44.

A partir de 1821, radicalismos políticos parecem se expressar em linguagens

relativamente moderadas, por vezes contra revolucionárias ou evocativas de uma

novamodalidade de revolução especificamente lusoamericana45; para todos os efeitos, trata-

se de linguagens fortemente condicionadas por experiências pretéritas que iam desde a

independência dos Estados Unidos de 1776 até a revolução de Pernambuco em 181746. Pari

passu, as discussões políticas se acentuam, as alternativas voltam a se abrir, posições se

acirram e o tempo continua a se acelerar. Os veículos e espaços de expressão a revelarem o

encadeamento de eventos anteriores como instrutivos ao presente e ao futuro do Brasil se

tornam, eles mesmos, protagonistas da política. Nos dias de 1822 em que a separação

definitiva entre Brasil e Portugal vinha sendo viabilizada nos principais centros políticos da

América, Cipriano Barata, representante pela Bahia nas Cortes de Lisboa, envolvido nos

eventos de sua província em 1798 e também nos de Pernambuco em 1817, proferia um

discurso notável:

“[...] Ninguém pode possuir o país alheio se os seus habitantes e naturais senhores

não lho permitem. Breno invadiu Roma com numerosos exércitos, foi derrotado

duas vezes, perseguido e aniquilado por Camilo. Os Teutões e os Cimbros tiveram

44
Uma recente interpretação de peso, que concebe a formação de unidades sistêmicas a partir de conexões
hispano e lusoamericanas estabelecidas em torno da escravidão africana e dos vários escravismos por ela
engendrados é: Márcia Berbel/Rafael Marquese/Tamis Parron, Escravidão e política: Brasil e Cuba, 1790-
1850. São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2010.
45
Kirsten Schultz, “A era das revoluções...”, cit., p.132 e 147.
46
Sobre tais linguagens: Iara Lis C. Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo. São
Paulo: EDUNESP, 1998; I. Jancsó & J. P. G. Pimenta, “Peças de um mosaico...”, cit.; Lúcia Pereira das
Neves, Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência. Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ,

32
igual sorte debaixo da espada de Mário. Quando o Conde Julião, para se vingar de

El-Rei Rodrigo de Espanha entregou baixa e perfidamente sua Pátria aos Mouros,

estes, depois de possuírem as Espanhas, muitos séculos foram perseguidos e

expulsos por Espanhóis que guerrearam sempre até de todo limparem o seu país de

inimigos. Os Espanhóis dominaram Portugal por sessenta anos, mas os Portugueses,

poucos e mal armados, depois de porfiada guerra, recobraram seu país e sua

independência. Os Ingleses quiseram dominar e perseguiram os Americanos da

parte do norte e depois de perderem mais de 50 mil homens e esgotarem todos os

estratagemas da guerra, sucumbiram apesar do seu poder, deixando os nobres

contendores com as bandeiras da liberdade desenroladas. França quis dominar a Ilha

de São Domingos: perdeu 40 mil soldados e largou finalmente a Ilha a seus

valorosos habitantes. As Nações do norte invadem a França, que briosa afugenta os

inimigos. Bonaparte invade tudo, mas todos lhe tomam tudo. Os Ingleses acometem

Buenos Aires com treze mil combatentes e são desfeitos num instante. Os Franceses

conquistam Espanha e Portugal: Espanha lança-os fora, depois de lhes matar mais

de 500 mil combatentes. E Portugal, assim mesmo pequeno e oprimido, desbaratou

e exterminou mais de 40 mil dos seus conquistadores. E que direi eu dos Espanhóis

na América? Que é das conquistas de Morillos, Morales e seus companheiros? Não

perderam os Espanhóis acima de 40 mil homens? Sim, perderam. E que lucro

tiraram? Nenhum. Diga-o Colômbia, Buenos Aires e os demais Governos. Os

2003; Marco Morel, “Independência no papel...”, cit.; e Cristiane C. dos Santos, Escrevendo a história do
futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: FFLCH/USP, 2010.

33
Holandeses conquistaram Pernambuco e Bahia quando eram pequenas, mas foram

lançados fora pelos Brasileiros quase sem socorro [...].”47.

Como parte de uma história universal recheada de eventos, a experiência revolucionária

moderna convergia, até aquele momento, na experiência hispanoamericana. E aqui, tudo se

subordinava à suposta inevitabilidade do Brasil tornar-se independente. Inevitável, sabemos

que a independência não era; mas também sabemos que, de fato, ela ocorreu.

1.3 – O futuro como atributo revolucionário

Torna-se agora possível colocar em novo patamar duas questões anteriormente

mencionadas. Em primeiro lugar, e no tocante às relações entre os eventos de Minas Gerais

e Bahia – tomados como exemplares de um processo do qual eles são parte - e destes, com

o colapso do Império Português em terras americanas, poderíamos resumir as coisas do

seguinte modo: não há nenhum acontecimento ou evento desse tipo que possa ser

qualificado como de antecedente da independência, ou que sequer a tenha preparado.

Definitivamente, não. No entanto, não se pode compreendê-la de modo apenas

circunstancial, como obra quase que de um acaso, inscrita exclusivamente em um tempo

curto onde, não obstante, encontramos algumas de suas determinações fundamentais 48. Isso

implicaria em ignorar a trajetória que vimos explicitando até o momento: desde fins do

século XVIII, certos acontecimentos no plano da política mundial puderam se converter em

47
Sessão de 22/07/1822 (grifos originais), extraída de Cipriano Barata, Sentinela da liberdade e outros
escritos (1821-1835). São Paulo: EDUSP, 2008 (organização e edição de Marco Morel), p.96-97.
48
É o que sugere, por exemplo, Valentim Alexandre, em seu influente livro: Os sentidos do império: questão
nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português. Porto: Afrontamento, 1993.

34
eventos, isto é, capazes de alterar estruturas da própria realidade que os fez surgir; nessa

condição, tais eventos se espraiaram em tempos e espaços variados, onde eles se fizeram

outros, onde foram alterados e contribuíram para o engendramento de novas realidades. A

lógica desse movimento caracteriza, então, uma cadeia, uma sucessão não linear de

eventos, cujo funcionamento, complexidade e potencial transcendente podem - cremos –

ser bem compreendidos por meio de sua apreciação como uma experiência histórica. Caso

contrário, seria a independência do Brasil uma espécie de aberração, um parêntesis nesse

movimento? Ou então estaria completamente à sua margem e, nesse caso, a despeito do que

concebiam muitos de seus próprios protagonistas?

Em segundo lugar, no tocante aos contornos dessa experiência revolucionária

moderna, parece-nos ainda mais evidente a dependência de sua dinâmica histórica de uma

variedade de espaços que não se confundem com os largos limites do próprio sistema

mundial, pois estão encerrados apenas em regiões cujas conexões recíprocas ordinárias são

suficientemente intensas de modo a permitir trocas de caráter político. Nem todo o mundo

está próximo dessa maneira. Há, portanto, uma espacialidade específica onde essa

experiência pode existir; seus contornos, porém, são muito variáveis, e não são

determináveis em função de circunstâncias geográficas ou de morfologias e comparações

formais49. Seus limites são dados por apropriações, leituras e releituras concretas de

acontecimentos abertos, jamais portadores de resultados a posteriori, e que por isso mesmo

49
Não cremos que a tíbia noção de conexão, proposta por autores como Subrahmanyam e Guzinski, resolva
satisfatoriamente este problema. Por isso, nossa afirmação dista fortemente do que parecem pretender os
organizadores de uma recente (e muito meritória) coletânea: David Armitage & Sanjay Subrahmanyam,
“Introduction: The Age of Revolutions, C.1760-1840 – Global Causation, Connection, and Comparison”. In:
The Age of Revolutions in Global Context c.1760-1840. London: Palgrave, 2010, p.xxii-xxxii. Perguntamo-
nos o que fundamentaria a chamada “transitive global history”, a que os autores se referem para justificar o
estudo integrado de manifestações “revolucionárias” em espaços tão díspares como América espanhola,
África, Europa e sudeste asiático. Apenas o nosso atual interesse em tais manifestações?

35
se modificam no tempo e no espaço. Nesse caso, estamos diante de uma unidade

conjuntural puramente histórica.

Por fim, resta fundamentar, ainda que de maneira meramente indicativa, o que

entendemos como complemento necessário dos atributos dessa experiência revolucionária a

envolver o Brasil: seu caráter moderno. Seguimos novamente a senda aberta por Koselleck,

e referendada por outros autores50, tomando o advento da modernidade em função de uma

quebra de temporalidade observada progressivamente no mundo ocidental entre os séculos

XVIII e XIX, associada, por seu turno, com uma aceleração, também progressiva, do tempo

histórico. Em meio a essa concepção, os riscos de uma excessiva uniformização de

temporalidades anteriores ao século XVIII são reais, e não serão aqui evitados por uma

análise pormenorizada que não temos condições de empreender51. Reconhecemos

plenamente, contudo, a eloquência de uma vasta pluralidade de fenômenos históricos a

corroborar o caráter inovador do que se observa no período aqui tratado agregando, grosso

modo, às observações do próprio Koselleck as oferecidas por estudos historiográficos mais

recentes. Nesse tocante, não vemos a inserção do Brasil no contexto mundial como uma

plena exceção; apenas como agregadora de um conjunto de manifestações próprias,

inerentes à unidade histórica em questão.

Positivamente, o encurtamento do tempo vivido coletivamente encontra plena

correspondência em importantes manifestações políticas do universo que nos toca mais

diretamente, seja em ações, seja em discursos e linguagens que não deixam dúvidas sobre a

50
Por exemplo: Guillermo Zermeño Padilla, La cultura moderna de la historia. Una aproximación teórica e
historiográfica. México: El Colégio de México, 2002, cap.2; Javier Fernández Sebastián, “Hacia uma historia
atlántica de los conceptos políticos”. In: Diccionario político y social..., cit., p.25-45; e Valdei Lopes de
Araújo, A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São
Paulo: Hucitec, 2008.
51
Bases para uma tarefa dessa magnitude são estabelecidas por Zermeño, La cultura moderna de la
historia…, cit., p.43-56.

36
manifestação do fenômeno. Contestadores, repressores ou até mesmo simples testemunhas

pareciam estar aprendendo a conceber, nas Minas Gerais, na Bahia, em Pernambuco e

outras partes, um futuro inesperado, em aberto, portanto revolucionário. Além disso,

percebe-se também a já referida valorização da história recente, de um passado ainda

próximo do presente, e que, de várias maneiras, é sobrevalorizado em relação a passados

mais remotos. Juntos, todos eles, porém, compõe uma mesma experiência, multifacetada

em seus tempos.

Multifacetada também em seus espaços. Mas até quando? A experiência

revolucionária moderna não se manifesta apenas em conteúdos políticos e linguagens, mas

igualmente em termos de criação de fronteiras. Embora visível no começo do século XIX, o

encurtamento das distâncias entre as partes do mundo, de certo modo correspondente à

aceleração do próprio tempo, não nos parece suficiente para planetarizar o escopo

revolucionário, devemos insistir. Mas o crescimento populacional do mundo, doravante

irreversível em escala global52, associado a um desenvolvimento tecnológico sem

precedentes em sua capacidade de encurtar as distâncias entre as pessoas, certamente terá o

seu papel nessa direção. Quando isso estiver consolidado, estaremos diante de uma nova

experiência revolucionária, nova a despeito de todo o seu tributo a pagar a anteriores, e a

indissociar completamente sua aceleração temporal da sua espacial? Uma experiência a

criar um espaço-tempo próprio? Muito provavelmente. De momento, contudo, esta é apenas

uma hipótese.

52
F. Braudel, Civilização material..., cit., v.1, 1ª. parte.

37
Capítulo 2

O Brasil e as revoluções da América hispânica

2.1 – Definição do problema

Um rápido e preliminar exame do cenário político americano das primeiras décadas

do século XIX impele o seu observador a uma conclusão aparentemente inequívoca: dentre

todos os processos independentistas ali observados, o lusoamericano parece uma notória

exceção, quase que uma anomalia. Afinal, seus desdobramentos estruturais acabaram por

configurar uma solução política de feições muito distintas daquelas que sustentaram o

surgimento da grande maioria dos Estados nacionais oriundos dos antigos domínios

hispano-americanos. Em toda a América ibérica, o Brasil foi o único Estado a adotar de

maneira estável e sustentável um regime de governo monárquico, o único no qual o

escravismo colonial foi mantido (e reinventado) e também o único que logrou construir

uma unidade territorial nacional correspondente à dos próprios domínios coloniais que sua

constituição enquanto um Estado independente fez desaparecerem.

Curiosamente, ao invés de impelir à inserção historiográfica do processo de

independência lusoamericano na conjuntura revolucionária da época, a constatação dessas

singularidades pareceu encorajar ainda mais o seu distanciamento face a ela, com o quê o

Brasil acabou por ser “retirado” do quadro político americano. E, mais grave ainda, o

consenso estabelecido em torno da prevalência dessas singularidades por sobre quaisquer

eventuais “pontos em comum” com as revoluções hispânicas levou sucessivas gerações de

38
historiadores a menosprezar a profundidade das transformações acarretadas pela

independência do Brasil, assim como ignorar uma parte daquelas que a explicam.

O desenvolvimento recente dos estudos acerca da colonização portuguesa da

América e da formação do Estado nacional brasileiro, bem como a retomada de prestígio da

história política na produção brasileira, indicam para a necessidade de uma revisão dessa

postura53. Nosso propósito aqui é oferecer uma contribuição nesse sentido, analisando, em

linhas gerais e preliminares, condicionamentos impostos pelas revoluções hispano-

americanas ao processo de independência política da América portuguesa, após termos, no

capítulo anterior, tipificado o quadro mais geral a envolver tal movimento. Revoluções

estas que foram ampla e detalhadamente acompanhadas no Brasil, onde despertaram

profundo interesse e mobilizaram atitudes coletivas que, em meio a um panorama nebuloso

no tocante às alternativas de futuro aventadas para o abalado Império Português, se

mostrariam determinantes na configuração do projeto de separação política entre Brasil e

Portugal consumado em 1822.

2.2 – O Brasil encontra a América

A expansão militar francesa sobre a península Ibérica teve violento impacto nos

destinos tanto da América espanhola quanto da América portuguesa. No primeiro caso, é

sabido que o impedimento de Carlos IV e de Fernando VII ocasionou, de imediato, um

dramático vazio de poder no tocante à autoridade política máxima do Império. Também é

sabido que a solução provisória para esse vazio - a formação por todo o território peninsular

53
Um exemplo muito positivo dessa historiografia é: Ilmar Rohloff de Mattos, “Construtores e Herdeiros: a
trama dos interesses da construção da unidade política”. In: Almanack Braziliense, n.01, maio de 2005.

39
de juntas de governo leais a Fernando VII – contribuiu para agravar ainda mais a crise,

como bem demonstram reações americanas: ainda que as notícias das abdicações de

Bayona fomentassem, também no ultramar, manifestações de lealdade ao monarca

impedido, a ruptura unilateral do pacto entre monarca e povos que sustentava a unidade

política da nação espanhola implicava o descrédito da autoridade pretendida pelas juntas

peninsulares, por isso jamais plenamente reconhecidas na América.54 Face a esse dilema,

um complicado leque de alternativas até então impensáveis começava a se abrir.

As abas desse leque tocavam no Império português. A retirada da família real de

Lisboa em novembro de 1807 rumo a América,55 sob proteção da armada britânica,

concretizava um projeto anteriormente aventado em diversas ocasiões, e quebrava

definitivamente a posição neutral que Portugal se esforçava por manter em meio a um jogo

político que tinha na França e na Grã-Bretanha seus dois principais polos de definição.56 A

medida resultara da percepção, da parte dos estadistas portugueses, de que o avanço francês

poderia significar o colapso da autoridade monárquica bragantina – percepção confirmada

poucos meses depois pelo colapso da autoridade monárquica espanhola. A curto-prazo, não

há dúvidas de que a medida garantiu à monarquia bragantina um fôlego de que a impedida

monarquia borbônica não dispunha. No entanto, a criação de um centro máximo de poder

político imperial em territórios americanos, experiência inédita na história dos impérios

coloniais modernos, carregava consigo a certeza de que, definitivamente, os destinos dos

54
Miguel Artola, La burguesía revolucionaria (1808-1874). Madrid: Alianza, 1990, p.17-34; François-Xavier
Guerra, “Dos años cruciales (1808-1809)”. In: Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones
hispánicas. 2º ed. México: FCE, 1993, p.115-148. Uma releitura da questão em: José María Portillo Valdés,
Crisis atlántica: autonomía e independencia en la crisis de la monarquía hispana. Madrid: Marcial Pons,
2006.
55
A comitiva real portuguesa abandonou Lisboa em 29 de novembro de 1807, um dia antes da entrada na
cidade das forças francesas. Em 24 de janeiro de 1808 ela aportou em Salvador, e em 08 de março instalou-se
no Rio de Janeiro.

40
territórios lusos se atrelavam aos dos territórios hispânicos, dando início a um cruzamento

de trajetórias que traria resultados nefastos também para a sobrevivência do Império

Português.

A diferença momentânea e circunstancial de situações não encobria essa atrelagem,

como bem sabiam alguns de seus protagonistas. Poucas semanas após a instalação da Corte

portuguesa no Rio de Janeiro, o ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros, Rodrigo de

Sousa Coutinho57 recomendava ao príncipe-regente João58 a adoção imediata de uma

política externa voltada com especial interesse para a América espanhola. Justificava sua

recomendação pela possibilidade de que “os domínios espanhóis vizinhos e confinantes dos

Estados de V. A. R. [...] caiam nas mãos dos Franceses, e de que resultem daí males

incalculáveis”.59 Além disso, Sousa Coutinho temia a infiltração, nos domínios

portugueses, de agentes franceses cuja presença na América espanhola era assaz conhecida.

A crise de autoridade que recaía sobre os domínios borbônicos oferecia assim à Corte

portuguesa possibilidades favoráveis de intervenção nos assuntos da sua nova vizinhança.

Mas essas possibilidades só se concretizariam porque a intervenção naqueles assuntos se

tornara, desde já, condição sine qua non para o bom-sucesso da tarefa de preservação da

integridade da monarquia bragantina e da unidade de seus domínios.

Uma das faces mais visíveis dessa nova política portuguesa, que desde 1808 voltava

seus olhos e atenções para a vulnerável América espanhola, é o projeto carlotista, que

56
Valentim Alexandre, Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo
Regime português. Porto: Afrontamento, 1993, p.167-180.
57
Além de D. Rodrigo, compunham o Ministério D. Fernando José de Portugal e Castro, marquês de Aguiar
(Negócios do Reino), e D. João Rodrigues de Sá Meneses, visconde e conde de Anadia (Marinha e Ultramar).
58
João fora elevado à condição de príncipe-regente em 1792, quando do impedimento da mentalmente
incapaz rainha D. Maria I. Seria aclamado rei somente em 1818, já no Brasil, dois anos após a morte da mãe.
59
“Representação a S.A.R. o Príncipe Regente sobre a política relativa aos domínios espanhóis”, 21/07/1808.
Publicada por Andrée Mansuy D. Silva (dir.), D. Rodrigo de Souza Coutinho: textos políticos, econômicos e
financeiros (1783-1811). Lisboa, Banco de Portugal, 1993, t.II, p.365-368.

41
buscou viabilizar o reconhecimento de Carlota Joaquina, esposa espanhola do príncipe

João, como legítima sucessora de seu irmão impedido, Fernando VII de Espanha. Enquanto

teve fôlego, sobretudo entre os anos de 1808 e 1809, o projeto foi considerado pela Corte

do Rio de Janeiro como instrumento de extensão de sua influência e do poder político à

América espanhola, e por isso mesmo, também como ferramenta de defesa e fortalecimento

da integridade da monarquia e dos domínios bragantinos. Contudo, além de procurar extrair

benefícios diretos da situação vivida pela América espanhola agora destituída de um centro

unânime de reconhecida coesão política, a Corte portuguesa temia que ela própria

contribuísse para a quebra, no continente americano, do princípio geral de legitimidade

dinástica do qual ela mesma dependia para sobreviver.

A política desde então seguida pela Corte portuguesa, tantas vezes referida pela

historiografia como “imperialista” e “expansionista” seria, na realidade, bastante delicada e

circunspecta, assentada na consciência de que a crise que afetava o Império espanhol

também lhe dizia respeito. Se essa política implicava a possibilidade de intervenções diretas

nos assuntos da sua vizinhança – pautada e limitada pela emergência de novos

protagonistas políticos externos instáveis e ainda pouco definidos - o seu bom

gerenciamento dependia de um acompanhamento atento, constante e minucioso dos

acontecimentos da Espanha e da América. A informação se constituía numa arma

fundamental. Nesse sentido, a principal fonte de informações dos estadistas portugueses

seria o Correio Brasiliense, que trazia notícias, boatos, documentos e análises a respeito

dos assuntos ligados ao Império Português, dentre os quais mereciam grande destaque os

acontecimentos hispânicos. Proibido oficialmente pelo governo do príncipe João, que

reprovava o seu conteúdo demasiadamente crítico, o Correio Brasiliense circulava em

abundância na própria Corte, em capitanias do Brasil, na Europa, nos Estados Unidos e


42
também na América espanhola.60 As tradicionais rotas comerciais, marítimas e terrestres,

legais e ilegais, estabelecidas entre diversas regiões do Brasil e a da América espanhola –

sobretudo Buenos Aires e Montevidéu – alimentavam fluxos de boatos, informações e

publicações estrangeiras, também avidamente consumidas pela Corte; agentes diplomáticos

e reservados eram enviados aos vice-reinos hispânicos; desde maio de 1808 o Brasil

contava com sua primeira imprensa, a Imprensa Régia e, desde setembro, com seu primeiro

periódico, a oficial Gazeta do Rio de Janeiro.61 A América espanhola começava, assim, a

inundar os espaços públicos de discussão de assuntos políticos na América portuguesa,

oferecendo temas, exemplos, advertências e paradigmas.

Se entre 1808 e 1809 o interesse estratégico (que era também pedagógico) pelos

infortúnios da América espanhola ainda permaneceu fundamentalmente restrito aos círculos

estatais portugueses, a partir de 1810 essa situação começou a mudar. No Brasil, a

transformação e ampliação dos espaços públicos de discussão política, promovidas pela

transferência da Corte, se desenvolviam de maneira progressiva, alterando radicalmente as

próprias formas do exercício da política em todos os seus níveis e da parte de todos os

extratos sociais. Em 1810, esse desenvolvimento coincidia com o aprofundamento da crise

do Império espanhol: a formação de juntas de governo em nome de Fernando VII também

60
No Correio Brasiliense n.16, de 09/1809, por exemplo, há uma referência aos “nossos leitores no Brasil”;
no n. 25, de 06/1810, lemos que “destinando nós o nosso Periódico a conter uma coleção de todas as notícias
importantes do tempo, que dizem respeito a América, para onde principalmente se dirige o Correio
Brasiliense...”. O Correio Brasiliense traria artigos extraídos de gazetas de todas as partes dos continentes
americano e europeu, e suas matérias reverberariam em importantes periódicos hispano-americanos como a
Gazeta de Buenos Aires e o Correo del Orinoco. A seu respeito, ver: István Jancsó & Andréa Slemian. "Um
caso de pariotismo imperial". Correio Brasiliense, ou, Armazém Literário, vol.XXX. São Paulo/Brasília,
Imprensa Oficial do Estado/Correio Brasiliense, 2002, Tomo I, p.605-667 (reimpressão facsimilar); e João
Paulo Garrido Pimenta, Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo,
Hucitec/Fapesp, 2002, cap.3.
61
Sobre a Gazeta do Rio de Janeiro ver: Marco Morel, “La génesis de la opinión pública moderna y el
proceso de independencia (Rio de Janeiro, 1820-1840)”. In: F.X. Guerra & A.Lempérière (et.al.), Los
espacios públicos em Iberoamerica: ambiguedades y problemas. Siglos XVIII-XIX. México D.F.: F.C.E.,
1998, p.300-320.

43
em territórios americanos – inclusive em centros administrativos como Caracas, em 19 de

abril, Buenos Aires, em 25 de maio, Bogotá, em 20 de julho, e Santiago, em 18 de setembro

– somadas aos movimentos de Quito e de Nova Espanha, representavam, aos olhos dos

observadores portugueses, o início de uma trajetória indubitavelmente independentista.

Todavia, os resultados dessa trajetória eram incertos, e em meio a essas incertezas

conviviam, no mundo luso, temores e expectativas. Os temores diziam respeito à

possibilidade de que o Império Português seguisse o mesmo caminho que o Império

Espanhol, e de que o Brasil recebesse influências vizinhas que pudessem ser nocivas à

manutenção da ordem vigente. Na Corte do Rio de Janeiro, circularam exemplares

manuscritos do famoso Plan de las operaciones, elaborado na esfera do governo provisório

de Buenos Aires e que, dentre outras coisas, planejava a propagação de ideias

revolucionárias no Brasil, onde seriam fomentadas guerras civis e insurreições de

escravos.62 Outro escrito de teor semelhante era uma folha impressa em Buenos Aires em

português intitulada Fala aos americanos brasilianos em nome da América por seus irmãos

habitantes das vastas províncias do Rio da Prata.63 Se nos anos de 1808 e 1809 foram os

viajantes franceses que mereceram maior vigilância por parte das autoridades portuguesas

do Rio de Janeiro, a partir de 1810 essa ênfase é claramente deslocada para os espanhóis,

especialmente aqueles procedentes da América espanhola ou com destino a ela. 64 Nas

62
Valemo-nos de uma edição do Plan de las operaciones que reafirma a clássica versão de que seu autor foi
Mariano Moreno, Plan revolucionario de operaciones. Buenos Aires, Perfil, 1999 (prólogo de Martín
Caparrós). Uma bem-resolvida análise dessa controversa questão se encontra em Noemí Goldman. “Utopía y
discurso revolucionario (El plan de operaciones de M. Moreno)”.In: Espacios n.6. Buenos Aires: Facultad de
Filosofía y Letras/Universidad de Buenos Aires, octubre- noviembre/1987, p.52-56. Um exemplar do Plan
anotado pela Corte do Rio de Janeiro está publicado em Política Lusitana en el Río de la Plata, II Buenos
Aires, Archivo General de la Nación, p.104-140.
63
Fala aos americanos brasilianos em nome d’América por seus irmãos os habitantes das vastas províncias
do Rio da Prata. Buenos Aires, 08/1811. Política Lusitana..., cit., II, p.301-303.
64
Entre 1808 e 1822 foram registrados no Rio de Janeiro 975 ingressos de estrangeiros provenientes de
Buenos Aires, Montevidéu, Colônia do Sacramento, Maldonado, Ilha de Martim Garcia, Corrientes, Córdoba,
Paraguai, Chiquitos, Santa Cruz de la Sierra, Chile, Peru e Cuba. Registro de estrangeiros (18081-1822). Rio

44
palavras do intendente Geral de Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana, tais indivíduos

eram “perigosos para a segurança pública”, pois poderiam “propalar [...] pestíferos

sentimentos” e “opiniões políticas”.65 Ainda que o conteúdo de folhas de propaganda

política como o Plan e a Fala pareça ter despertado, na Corte, antes prudência do que

desespero, é sintomático que, em um ambiente no qual as notícias começavam a circular em

abundância, a Gazeta do Rio de Janeiro tenha praticamente se calado diante do que ocorria

na América espanhola, pronunciando-se somente nos momentos em que, segundo ela, os

princípios de lealdade dinásticas – isto é, de lealdade dos súditos espanhóis para com

Fernando VII - tivessem sido reafirmados. Dizemos “sintomático”, pois era esse mesmo

jornal que, em certa ocasião, afirmou que noticiaria tudo o que ocorresse na vizinhança do

Brasil “por ser muito interessante a todo bom Vassalo Português conhecer o espírito

público da Nação Espanhola na presente crise, pois que do Estado daquela Nação depende

em grande parte a sorte da Nossa”.66

A partir de 1810 se tornara público que a defesa da ordem vigente na América

portuguesa corria riscos de seguir os mesmos caminhos da América espanhola. Por isso, a

Corte do Rio de Janeiro era uma Corte amedrontada, o que ademais se refletia em sua

política externa. Em 1810 ela engrossou seus agentes diplomáticos em Buenos Aires, ponto

da América espanhola onde o projeto carlotista encontrara maior respaldo. Em 1811 foram

aventadas intervenções militares no Peru, no Chile e no Paraguai, onde tropas portuguesas

ofereceriam suporte à luta dos grupos que rejeitavam a autoridade pretendida pelas juntas

de Janeiro, Arquivo Nacional, 1960. Além destes, deve-se considerar o grande número de indivíduos que
chegaram ao Brasil por zonas de fronteira ou portos de contato com a América espanhola, como Santa
Catarina e Rio Grande. Somente para o ano de 1814, uma testemunha coeva pôde estimar o número de
refugiados espanhóis no Rio Grande - a maioria hispano-americanos - em 1500.
65
Códice de 1811 do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, citado por Andréa Slemian. Vida política em
tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006.
66
Gazeta do Rio de Janeiro extra n.01, de 22/02/1810.

45
de governo.67 Na banda oriental, esse suporte se fez, de início, com o fornecimento de uma

imprensa que, a partir de outubro de 1810, começou a publicar a Gazeta de Montevideo,

veículo de contra-propaganda à revolucionária Gazeta de Buenos Aires. No ano seguinte, a

Corte finalmente decidiu por uma invasão da Província. Com isso, ela aumentava ainda

mais as tensões em sua delicada inserção geopolítica americana que, conforme afirmamos

anteriormente, estava pautada por uma quimérica tentativa de equilíbrio perante um

conjunto cada vez mais variado de agentes políticos: o governo peninsular de Cádiz, a Grã-

Bretanha, as juntas de governo americanas e os grupos que a elas se opunham, além de José

Gervasio Artigas, a quem a Corte acusava de, por meio de agentes enviados ao Brasil,

incentivar deserções nas fileiras militares portuguesas e a fuga de escravos em propriedades

rurais da capitania do Rio Grande.68 A guerra nas províncias do Rio da Prata posicionava

exércitos portenhos em regiões limítrofes ao Brasil e gerava o temor, nas palavras do

intendente Viana, de que a tomada da praça de Montevidéu representasse o estopim de um

levante do Rio Grande que, como não poderia deixar de ser, por esta época sempre

carregava consigo a expectativa de que contasse com a participação dos escravos daquela

capitania, aliás muito mal guarnecida militarmente.69 Essa situação se complicaria ainda

mais com a restauração metropolitana espanhola em 1814: em várias ocasiões, a Corte de

67
Oliveira Lima, D. João VI no Brasil. 3.ªed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.210-212; Julio Cesar Chaves,
El supremo dictador: biografia de Jose Gaspar de Francia. 3ª.ed. Buenos Aires: Nizza, 1958, p.94; V.
Alexandre, Os sentidos do império..., cit., p.248-249.
68
Exemplos de “agentes” artiguistas referidos pela documentação são José María Caravaca, José Bonifácio
Redruello, Antonio Gonçalves da Silva, Francisco de Borja de Almeida Corte Real, Miguel Barreiro,
Francisco de Paula Bersane, Lucas Obes e Luiz Albin. Vide: Aurélio Porto, “Influência do caudilhismo
uruguaio no Rio Grande do Sul”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, ano
IX, 3ºtrimestre, Porto Alegre, 1929, p.382-387; Ana Frega, “La virtud y el poder: la soberanía particular de
los pueblos en el proyecto artiguista”. In: N. Goldman & R. Salvatore (comps.), Caudillismos rioplatenses:
nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 1998, p.125-126. E também os informes de
Possidônio da Costa (Santa Catarina, 13/11/1814) e Manuel Marques de Souza (Rio Grande, 1814),
publicados em Política Lusitana..., cit., III, p.198-203 e p.213.
69
Nota de Paulo Fernandes Viana ao Príncipe regente, Rio de Janeiro, 13/07/1814. Política Lusitana..., cit.,
III, p.186-188.

46
Fernando VII protestaria veementemente contra essa política, considerada excessivamente

permissiva para com governos que Madri considerava insurgentes. Contra eles, começaria a

organizar uma grande armada para a reconquista da América cujas notícias davam conta da

possibilidade de que ela se dirigisse ao Rio da Prata e, portanto, carregavam consigo a

expectativa de que ela pudesse se voltar também contra o Brasil.

Qual a relevância de se aferir até que ponto esse quadro, que nos é oferecido por

testemunhos coevos, era mais real ou imaginário? As próprias palavras de um de seus

portadores respondem à questão. Tendo em mente a experiência histórica recente da

formação da junta de Buenos Aires – com a quebra do princípio de legitimidade dinástico -

e, antes dela, a lembrança de movimentos de contestação à autoridade imperial portuguesa

ocorridos na América de finais do século XVIII, afirmava que fosse ou não verídica a

ameaça que surgia de todas essas notícias, “ela me faz tremer e tremer”.70 O que importa

destacar, portanto, é que havia entre as autoridades portuguesas do Brasil um clima

generalizado de insegurança, de expectativa de que esse quadro pudesse se tornar real, o

que, por seu turno, revela um dos tipos de consciência possível, por volta de 1814, da

gravidade do quadro político lusoamericano em sua interface com a convulsionada América

espanhola.

Por essa época, já estava cristalizada, nos espaços públicos de discussão política

lusoamericanos, a imagem da América espanhola como palco de afrontas ao poder

monárquico espanhol, de sangrentas e destrutivas guerras civis e de anarquia,

principalmente após a chegada ao continente, em abril de 1815, da expedição espanhola

70
Carta de Possidônio da Costa, cit. A referência histórica mais antiga nesse documento é a do movimento
intentado na cidade de Salvador (Bahia) no ano de 1798, conhecido na historiografia como “Conjuração dos
Alfaiates”. Evocando princípios revolucionários franceses e republicanos, contou com a participação de uma
considerável gama de setores sociais da colônia.

47
chefiada por Pablo Morillo, finalmente destinada a Venezuela e Nova Granada.71 No

entanto, o conhecimento dessa realidade – assim como a tomada de atitudes diante dela -

não oferecia somente exemplos negativos, ameaças e temores. Ele oferecia também

pretextos cada vez mais fortes para a elaboração de críticas internas ao governo bragantino

e, a partir daí, à própria ordem monárquica vigente. O Correio Brasiliense, por exemplo,

afirmava em dezembro de 1811 que se “a província de Buenos Aires se declar[ar]

independente, como fez Caracas, e nesse caso é muito natural que estabeleça um Governo

livre; e basta esta palavra, para que o Governo do Brasil não deseje intrometer-se com ela.

Na hipótese figurada, os Governos livres da América Espanhola desejarão estender os seus

princípios aos vizinhos; logo a tranquilidade do Governo do Brasil pedia que se não dessem

a estes novos governos revolucionários ocasião de espalharem os seus sistemas no

Brasil”.72

Essa ainda era uma crítica circunscrita ao exercício do poder político; ao mesmo

tempo, outras começavam a tocar diretamente na forma desse poder. Para isso contribuía o

fato da guerra peninsular contra as forças francesas que ocupavam Portugal ter se encerrado

em abril de 1814 e, mesmo assim, a Corte insistir em continuar no Brasil, de onde pretendia

assegurar o domínio sobre aquela que era considerada a parte mais importante de seus

domínios. Tal condição, reconhecida já com a transferência de 1808 e reforçada diante das

ameaças impostas pela vizinhança da América espanhola, foi oficializada pela carta de lei

de 16 de dezembro de 1815 que criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve,

71
Exemplos das muitas expressões desse tipo se encontram no ofício de Francisco das Chagas Santos ao
capitão general do Rio Grande (San Miguel, 08/10/1813), publicado em Política Lusitana..., cit., III, p.122-
125; nos ofícios do representante português em Madri José Luiz de Souza ao ministro marquês de Aguiar n.
23 (12/03/1815) e n.39 (24/05/1815), existentes no Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores
do Brasil, Legação em Madri; e no Correio Brasiliense n.81 (02/1815), n.88 (09/1815), n.92 (01/1816), n.93
(02/1816) e n.95 (04/1816).
72
Correio Brasiliense n.43, 12/1811.

48
conferindo à América portuguesa um estatuto político equivalente ao da antiga metrópole.

A criação do Reino Unido reforçou descontentamentos da parte de grupos portugueses –

peninsulares, principalmente - que viam na transferência da Corte, na abertura dos portos

do Brasil e no fim dos privilégios comerciais desde sempre usufruídos pelos comerciantes

portugueses não uma estratégica reorganização política de um Império combalido, mas uma

simples inversão de papéis. Portugal teria se tornado “colônia” do Brasil, que agora

desfrutaria de uma condição equivalente à da sua ex-metrópole. A permanência da Corte no

Brasil, bem como a sua preocupação com os assuntos da América espanhola significariam,

na ótica desses descontentamentos, uma política “americanista” que, segundo eles, era

indevidamente bancada com tributos e recursos de Portugal.73 Essas críticas reverberavam

com força na imprensa peninsular, e evoluiriam rumo à contestação aberta.

O ano de 1817 é, nesse sentido, crucial, porque ele trouxe para dentro do Reino

Unido português a materialização dos espectros criados pela América espanhola. No mês

de janeiro, tropas portuguesas ocuparam a capital da Província Oriental, Montevidéu,

atitude que reafirmava a percepção da Corte do Rio de Janeiro de que a América se tornara,

de vez, o espaço fundamental de definição do complicado jogo político em meio ao qual ela

procurava agir. No Norte do Brasil, os contatos estabelecidos por comandantes de fronteira

com forças tanto revolucionárias como realistas em luta na Venezuela, mereceram alarme e

duras repreensões da parte das autoridades portuguesas. 74 De passagem pelo Brasil, o

comodoro britânico Bowles diagnosticava a existência de um “revolutionary spirit”

bastante generalizado, em meio a boatos de conspirações contra a Corte e de articulações

73
Ana Cristina B. de Araújo, “O ‘Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves’ 1815-1822”. In: Revista de
História das Ideias, v.14, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1992; V. Alexandre, Os sentidos do império...,
cit., parte III, cap.3.

49
políticas entre portugueses e o governo de Buenos Aires. 75 Os boatos não eram infundados.

Enquanto em Portugal era abortada a conspiração liderada por Gomes Freire de Andrade,

na província americana de Pernambuco eclodia um movimento revolucionário de grande

abrangência social que contou com a participação desde grandes fazendeiros até escravos.

Por três meses, de março a maio de 1817, foi instaurado um governo regional republicano

que contestava abertamente a autoridade do príncipe João, a centralidade política do Rio de

Janeiro no Reino Unido e que ensaiou a busca por apoios na Grã-Bretanha, nos Estados

Unidos e em Buenos Aires. A dura repressão a esse movimento deu início a uma fase de

fortalecimento do controle militar sobre as capitanias do Brasil e de disseminação dos

sempre muito impopulares recrutamentos.

Assim, em 1817 também a América portuguesa se tornava um ambiente propício à

quebra da ordem vigente. Mas essa quebra só se consumaria no início da década seguinte,

quando os persistentes descontentamentos peninsulares para com a política do agora rei

João VI na América levaram à eclosão da bem-sucedida revolução constitucionalista do

Porto, iniciada em 24 de agosto de 1820. No Manifesto da Nação Portuguesa aos

Soberanos e Povos da Europa, elaborado pela Junta Provisional do Supremo Governo do

Reino em 15 de dezembro de 1820, os líderes do movimento referiam-se à “forçada

remessa para o Brasil de alguns milhares de homens [...] que foram continuar na América

do sul os duros trabalhos de guerra que, fazendo-se a tamanha distância de Portugal, parece

que somente sobre este reino tem descarregado seus pesados golpes, atacando por muitos

modos as fontes essenciais do seu vigor”, e às “continuadas remessas eventuais ou

74
A documentação a respeito desse episódio, localizada no Arquivo Público do Pará, foi publicada por Arthur
Cézar Ferreira Reis, “Neutralidade e boa vizinhança no início das relações entre brasileiros e venezuelanos.
Documentário”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v.235, abril/junho de 1957, p.3-84.

50
regulares que se faziam para o Brasil com diferentes motivos e aplicações”, além das

“extraordinárias despesas de algumas expedições marítimas destinadas a fornecer tropas à

desastrosa guerra da América do Sul, e os contínuos saques de moeda para soldo e

manutenção da porção do exército português ali destacado”.76 Em função dessa situação,

exigia-se o retorno imediato do rei e de toda a família real à Europa, bem como a reunião,

em Lisboa, de Cortes que se encarregariam de elaborar uma Constituição para toda a nação

portuguesa – incluindo, portanto, os povos do Brasil – e de instituir, no Reino Unido, uma

monarquia constitucional. No Brasil, esse movimento encontrou grande respaldo, e ao

longo do ano de 1821 várias juntas de governo independentes leais às Cortes foram se

formando em praticamente todas as capitanias (agora transformadas em “províncias”). 77

A contestação à autoridade do rei se fazia mais abertamente do que nunca.

Sobretudo após os decretos lisboetas que estabeleceram a liberdade de imprensa em todos

os territórios portugueses.78 Se desde 1808 os espaços públicos de discussão política na

América portuguesa vinham progressivamente se ampliando e ganhando densidade, em

1821 esse movimento se tornou vertiginoso: dos três periódicos regularmente editados no

Brasil – dois no Rio de Janeiro e um na Bahia – passou-se a 26 já em 1821, e a 38 em 1822.

Além de Rio de Janeiro e Bahia, também passaram a ter periódicos as províncias de

75
Citado por Carlos G. Mota. “O processo de independência no Nordeste”. In: C.G. Mota (org.), 1822:
dimensões. São Paulo, Perspectiva, 1972, p.220-221.
76
Citado por V. Alexandre, Os sentidos do império..., cit., p.473.
77
As primeiras juntas se formaram no Pará (1o. de janeiro), na Bahia (10 de fevereiro) e no Rio de Janeiro (26
de fevereiro); a elas se seguiram as juntas de Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Província Oriental,
chamada de Cisplatina (março); Maranhão, Goiás e Rio Grande do Sul (abril); Rio Grande do Norte e Piauí
(maio); Alagoas (junho); Espírito Santo e Mato Grosso (julho); Ceará (novembro); e finalmente a Paraíba
(fevereiro de 1822). A esse respeito, vide: Márcia R. Berbel, A nação como artefato: deputados do Brasil nas
Cortes portuguesas 1821-1822. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1999, p.57-65; e os vários estudos específicos
reunidos em Sérgio Buarque de Holanda (dir.), História geral da civilização brasileira. 3ªed. São Paulo:
Difel, 1972 (t.II, v.II, “Dispersão e unidade”) e C. G. Mota (org.), 1822..., cit. Não encontramos em nenhum
deles a data de adesão do Rio Negro.

51
Pernambuco, Maranhão, Pará e a Província Oriental.79 Esse grande crescimento da

imprensa na América portuguesa significou uma aceleração no movimento de gestação de

críticas e de projetos de futuro, e um dos seus combustíveis mais importantes continuou a

ser a realidade da América espanhola.

Que realidade era essa? Em 1821, ela era a do triunfo da revolução na Venezuela, a

da irreversibilidade da independência do Rio da Prata e do Chile, e também a das

proclamações de independência do Peru, México, Guatemala, Panamá e Santo Domingo.

No Brasil, tudo isso foi acompanhado em detalhes. Além de extensivamente cobertos pela

imprensa periódica – até mesmo a Gazeta do Rio de Janeiro publicou documentos a

respeito -, esses acontecimentos chegaram pelas próprias palavras de alguns de seus

protagonistas. Em diferentes ocasiões ao longo de 1821, aportaram ao Rio de Janeiro,

provenientes do Peru, a esposa do almirante Thomas Cochrane (que prestava seus serviços

à revolução no Peru); o seu vice-rei deposto Joaquín de la Pezuela acompanhado de sua

família; o marquês de Valombroso e o coronel Sevara, despachados a Cádiz para narrar os

sucessos do Peru; e várias autoridades realistas de Guaiaquil.80

A partir desse momento, começou a se cristalizar na América portuguesa um

paradigma “positivo” dos acontecimentos hispano-americanos, até então bastante tímido e

de contornos muito imprecisos, e que passaria a coexistir com a já tradicional imagem da

78
O decreto de liberdade de imprensa é de 21/09/1820, ao qual foi acrescido o de 13/10 que permitia
oficialmente a circulação de impressos portugueses fora de Portugal. Em 02/03/1821 João VI assinou, no Rio
de Janeiro, o decreto de suspensão provisória de toda e qualquer censura sobre a imprensa em geral.
79
Marco Morel & Mariana M. de Barros, Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.23-24; Andréa Slemian & João Paulo G. Pimenta, O
”nascimento político” do Brasil: as origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A, 2003,
p.68-73. No caso da Província Oriental, referimo-nos a periódicos portugueses.
80
Ofícios do representante austríaco no Rio de Janeiro barão Wenzel de Marschall ao príncipe Metternich,
27/06/1821 e 12/07/1821 (Jerônimo de A. Figueira de Mello. “A correspondência do barão Wenzel de
Marschall”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 77, parte 1a, p.193-195). Ofício do
representante espanhol no Rio de Janeiro, conde de Casa Flores, a Eusebio de Bardaji y Azara, 09/10/1821
(Documentos para a História da Independência. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1923 p.358).

52
América como palco de destruição e anarquia. Esse novo paradigma se tornou possível

somente em 1821 por que o triunfo geral da independência da América concebido pelos

observadores portugueses se somou ao aprofundamento da crise política do Reino Unido

luso, cujos acontecimentos se encarregaram de revestir essa independência (da América

espanhola) do caráter de valorosa arma disponível aos propósitos de alguns dos grupos que

se digladiavam na arena política portuguesa. Vejamos como isso se deu.

Cedendo às pressões das Cortes de Lisboa, em abril de 1821 João VI finalmente

retornou à Europa, deixando no Brasil o seu filho Pedro, na condição de Príncipe-regente81.

Antes de partir, seu gabinete transmitira instruções às autoridades portuguesas que

governavam Montevidéu para que organizassem uma assembleia soberana de

representantes locais que deliberasse, livremente, acerca dos destinos políticos da Província

Oriental. Claramente, a expectativa na Corte lusa era a de a escolha recaísse na total

independência da Província em relação ao Brasil, e que com isso ela deixasse de ser

pretexto para gastos do erário português e foco de inimizades alheias. No entanto, as

autoridades lusas de Montevidéu atenderam aos anseios do poderoso grupo de comerciantes

locais que desde 1817 vinha lhe dando sustentação, e manipularam um congresso que entre

os dias 15 de julho e 08 de agosto de 1821 decidiu e ratificou a plena incorporação da

Província ao Reino do Brasil, com o nome de “Província Cisplatina”.82 Ficava claro que, no

seio do Reino Unido, se esboçava uma divergência de interesses tanto em relação à Corte

joanina quanto em relação às Cortes de Lisboa.

81
Obra fundamental a respeito é a de Cecília de S. Oliveira, A astúcia liberal: relações de mercado e projetos
políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: Edusf, 1999.
82
Rosa Alonso (et al.), La oligarquia oriental en la Cisplatina. Tacuarembó/Colonia: Pueblos Unidos, 1970;
J. A. Soares de Souza. “O Brasil e o Prata até 1828”. Holanda (dir.), História geral da civilização brasileira.
cit.. 3ªed. São Paulo, Difel, 1970. (t.II “O Brasil monárquico”). Um amplo e valioso repertório documental
sobre o congresso se encontra em Juan E. Pivel Devoto. “El congreso cisplatino (1821)”. In: Revista del
Instituto Historico y Geografico del Uruguay, tomo XII. Montevideo, 1936.

53
O foco dessa divergência estava no continente americano, e o seu desenvolvimento

passaria pelos trabalhos constituintes. Neles, embora os deputados escolhidos pelas

províncias americanas e peninsulares jamais extrapolassem o âmbito regional de suas

representações, não constituindo, portanto, grupos articulados tampouco opostos entre si, os

debates travados acabariam por delinear sentimentos corporativos que contribuiriam,

efetivamente, para que antagonismos de posições colocassem uns contra outros. Uma das

questões responsáveis por isso foi a da Província Cisplatina. A importância de sua

manutenção para a segurança territorial do Reino do Brasil não era concebida apenas por

deputados americanos, tanto é que a proposta de evacuação, apresentada pela Comissão

Diplomática das Cortes em sessão de 02 de maio de 1822, foi amplamente rejeitada por 84

votos a 28.83 No entanto, poucos deputados americanos se posicionaram contra a

manutenção, e a ideia de que tal medida representava um estorvo ao desenvolvimento da

nação portuguesa foi encampada somente por representantes peninsulares. Além disso, em

um ambiente político de crescente fortalecimento da figura do Príncipe Regente, como era

o de parte significativa das províncias americanas, 84 as justificativas para a manutenção da

Cisplatina passaram a ser amplamente difundidas por uma imprensa periódica americana

cada vez mais indisposta em relação a medidas tomadas pelas Cortes de Lisboa em relação

ao Brasil, como os decretos de 29 de setembro e 01 de outubro, que exigiam que também o

príncipe Pedro retornasse a Portugal e organizavam governos ultramarinos subordinados às

Cortes, além das constantes ameaças de envio ao Brasil de expedições militares de sujeição.

83
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, sessão de 02/05/1822.
84
Já em 09 de janeiro de 1822 o príncipe Pedro oferecera significativa demonstração de força ao declarar a
sua permanência na América à testa da regência. Em 16 de fevereiro convocou um Conselho de Procuradores
das províncias americanas destinado a analisar as decisões das Cortes em relação ao Brasil. Em 3 de junho,
convocou uma assembleia constituinte, e em 06 de agosto tornou público um manifesto dirigido às nações
estrangeiras no qual justificava sua conduta à frente do governo do Rio de Janeiro. Seis dias depois, nomearia

54
Tudo isso ressuscitava a ideia de “colonização”, só que agora com sinais invertidos: seria

Portugal – por meio das Cortes – que pretenderia “recolonizar” o Brasil. A evacuação da

Cisplatina aparecia como uma das medidas concebidas com esse propósito. “Medita o

Governo de Portugal”, denunciava o Correio Brasiliense em fevereiro de 1822, num artigo

publicado também pelo importante Revérbero Constitucional Fluminense, “outra

desmembração do Brasil pelo Sul, cedendo a Buenos Aires Montevidéu, e deixando assim

abertas e vulneráveis as fronteiras do Rio Grande, o que sem dúvida é grande calamidade

para o Brasil, e de manifesta injustiça aos povos de Montevidéu, que já se declararam parte

integrante do Brasil.” Advertia que, se o Brasil decidisse por iniciativa própria fazer-se

independente, nada o impediria de, nesse ponto, seguir a mesma trajetória que a América

espanhola que, a despeito de suas guerras civis, mostrara um exemplo positivo de

possibilidade de rompimento com a ex-metrópole.85 Manipulados e instrumentalizados por

grupos aos quais cada vez mais interessava a criação, na América, de um centro de poder

político independente de Portugal, os antagonismos entre o governo do príncipe Pedro no

Brasil e as Cortes de Lisboa acabaram por criar uma própria ideia política de Brasil até

então inexistente. E na sua esteira, viabilizaram o próprio projeto de sua independência e

separação de Portugal.

A independência da América espanhola forneceu um poderoso argumento de

legitimação a esse projeto, e com isso aquilo que durante um bom tempo fora concebido

como um teatro de destruição pôde se transformar num paradigma de libertação do jugo

metropolitano europeu. Segundo o Revérbero Constitucional Fluminense, os exemplos

históricos dos Estados Unidos e das “vastíssimas províncias dos Americanos Espanhóis,

encarregados de Negócios junto à Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, incumbindo-lhes de obter destes o
reconhecimento internacional formal da independência de seu governo no Brasil.

55
que já sacudiram, e para sempre o jugo e os prejuízos de Madri e de Cádiz”, indicariam que

a independência do Brasil – por ele defendida - era somente uma questão de tempo.86 O

Conciliador Nacional recorreu ao abade de Raynal para legitimar a separação das colônias

americanas de suas respectivas metrópoles,87 e o Papagaio afirmou que “a verdade, a razão,

e a justiça falam, pugnam, clamam em nosso favor, em favor da santa causa que

abraçamos” [isto é, a independência do Brasil]”, pois “as luzes do século a protegem [e] os

nossos vizinhos ensinaram-nos com seu exemplo”.88 Mais eloquentes ainda talvez sejam as

palavras do próprio Pedro em uma proclamação dirigida aos povos do Brasil poucos dias

antes de sua aclamação como Pedro I, o primeiro imperador do Brasil,89 segundo as quais a

América espanhola “fornecera o exemplo”, e que o Brasil lograra chegar à condição de

parte integrante do privilegiado rol de países “livres”: “Cidadãos! A Liberdade identificou-

se com o terreno americano”.90

2.3 – Experiência, experiências

Vimos no capítulo anterior que o hispano-americano não era o único exemplo

histórico de ruptura entre colônias e metrópole disponível àqueles que, no começo da

década de 1820, atuaram no processo que desembocou na independência do Brasil. Havia,

desde a qualitativa transformação dos espaços públicos de discussão política na América

portuguesa iniciada em 1808, um conjunto de exemplos de realidades passadas que eram

85
Correio Brasiliense n.165, 02/1822; Revérbero Constitucional Fluminense extra n.01, 12/05/1822.
86
Revérbero Constitucional Fluminense n.23, 16/04/1822.
87
Conciliador Nacional n.4, reproduzido no Volantim n. 28, 03/10, e n. 29, 04/10/1822.
88
Papagaio n.06, 12/06/1822.
89
Realizada em 12 de outubro de 1822.

56
permanentemente reelaborados pelos homens e mulheres que viviam um tempo presente

em profunda transformação. No entanto, em relação a acontecimentos passados que ainda

se faziam “presentes” no mundo português, casos da independência das 13 colônias

inglesas da América, da Revolução Francesa e do levante de escravos de São Domingos

que desembocou na criação da República do Haiti, o que ocorria na América espanhola

tinha significado especial. Em primeiro lugar, por se tratar de uma realidade recente e ainda

em curso, que era acompanhada em seu próprio desenvolvimento; em segundo lugar,

porque esse acompanhamento era facilitado pela contiguidade territorial entre as duas

Américas; e finalmente, pelo fato de a reorganização do Império Português em 1808, fruto

de uma crise que era comum a ambos os impérios, impor uma intervenção direta naquela

realidade, perante a qual não bastava se manter atento.

Portanto, tomando emprestados os termos de Koselleck, estamos diante de um

grande “espaço de experiência”91 caracterizado pelas revoluções ocidentais de finais do

século XVIII e começos do XIX, no qual, a experiência “hispano-americana” foi

certamente a de mais imediatos efeitos para a configuração do processo político do qual

resultou a independência da América portuguesa e a subsequente formação do Estado

nacional brasileiro. O que implica, retomando nossas proposições iniciais, considerar esse

processo menos como uma “exceção” do que como uma das manifestações singulares no

conjunto de uma realidade comum.

90
Proclamação datada de 16/09/1822, transcrita em Francisco Adolfo de Varnhagen, História da
independência do Brasil. 7a.ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981 (revisão e notas de Hélio
Vianna), p.140, nota n.29.
91
R. Koselleck. “Espacio de experiencia” y “Horizonte de expectativa”, dos categorías históricas. Futuro
pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona, Paidós, 1993, p.333-357.

57
Capítulo 3

“Imperador de toda a América do Sul”: D. João no Brasil e o

Rio da Prata*

3.1 – Antecedentes da questão

Como é deveras sabido, durante a vigência da colonização ibérica no continente

americano, as possessões portuguesas tiveram, na extensa região banhada pelo Rio da Prata

e nas terras a ela imediatamente contíguas, seus pontos de contato mais intensos e

duradouros com os domínios espanhóis. A presença de portugueses era expressiva em

Buenos Aires já desde o século XVI, entreposto de rotas comerciais que interligariam,

durante um bom tempo, os portos do Brasil e da África à região mineradora do Peru. Em

outra direção, entre a capitania de São Vicente (tornada capitania de São Paulo em 1709) e

as terras do Paraguai, os contatos terrestres jamais cessaram, e a fundação portuguesa da

Colônia do Sacramento, em 1680, na embocadura do Rio da Prata, contribuiu para a

colonização extensiva de toda a banda oriental do Rio Uruguai e das capitanias de Rio

Grande e Santa Catarina, em meio à intensificação da transferência, para os espaços

coloniais, dos conflitos intermetropolitanos urdidos no continente europeu.

Embora as relações econômicas diretas entre a América portuguesa e a América

espanhola remontem já aos primórdios da colonização, foi nas últimas décadas do XVIII

que elas se intensificaram, sobretudo com os vice-reinos do Peru e do Rio da Prata, a ponto

de, acopladas aos acontecimentos políticos europeus, desembocarem em um intenso fluxo

*
Em coautoria com Adriana Salay Leme.

58
legal e ilegal de homens e mercadorias, mas também de notícias, boatos, informações,

prognósticos, temores e expectativas. Com a guerra entre Grã-Bretanha e Espanha,

originada pelo apoio desta aos recém-criados Estados Unidos, o comércio entre os

domínios hispânicos da América e a Europa viu-se entravado. Como alternativa,

embarcações das potências neutras obtiveram permissão oficial de comércio em Buenos

Aires e Montevidéu, favorecendo sobremaneira os mercadores portugueses, principalmente

aqueles do Rio de Janeiro envolvidos no tráfico de escravos. Embora toda essa atividade

tenha conhecido contração após 1783, no início da década seguinte ela voltou a crescer,

com a Coroa espanhola regulamentando o comércio negreiro no Rio da Prata em 1791, e

abrindo de vez o comércio entre seus portos e os do Brasil em 1795. 92

O acirramento dos conflitos europeus em torno da França revolucionária, a partir de

1797, estimulou a Espanha a aprofundar a abertura de seus mercados coloniais às potências

neutrais. Nesse contexto, novamente despontaram as atividades de comerciantes

portugueses radicados no Brasil. Alguns números fornecidos por uma especialista no tema

são exemplares e eloquentes: em 1799, das 30 embarcações negreiras chegadas ao Rio da

Prata, 19 procediam do Brasil; em 1804, dentre o total de 482 estrangeiros residentes em

Buenos Aires, 54% eram portugueses – a grande maioria negociantes que mantinham

agentes nos portos lusoamericanos -, cifra que atingiria 63% em 1807.93 A despeito de

alguns recuos - como durante a chamada “Guerra das Laranjas” entre Portugal e Espanha

em 1801, ou as invasões comandadas por súditos britânicos a Montevidéu e Buenos Aires,

de onde foram expulsos por milicianos locais em 1806 e 1807 - as ligações entre o Brasil e

92
Marcela Tejerina, Luso-brasileños en el Buenos Aires virreinal: trabajo, negocios e intereses en la plaza
naviera y comercial. Bahía Blanca: Ediuns, 2004, p.72-108. Trata-se do mais consistente estudo a respeito das
relações comerciais entre o Brasil e o Vice-Reino do Rio da Prata
93
M. Tejerina, Luso-brasileños en el Buenos Aires virreinal ...cit., 113 e 145, respectivamente.

59
o Rio da Prata jamais cessaram, chegando inclusive a crescer daí em diante. Em 1808, a

Corte portuguesa no Brasil decretou a abertura de seus portos, em 28 de janeiro, enquanto a

Espanha reduziu as tarifas alfandegárias de Buenos Aires para mercadorias procedentes do

Brasil, em 13 de julho de 1808.94 O negociante inglês John Luccock escreveria, pouco

depois, que “houve, é verdade, uma época em que [...] até os gêneros que passavam de um

para outro porto do próprio rio, Buenos Aires e Montevidéu, eram transportados via Rio de

Janeiro”.95

Em Buenos Aires e Montevidéu chegavam escravos, algodão, açúcar, café,

aguardente, madeira, material para a construção de barcos, farinha de mandioca, tabaco,

índigo, erva-mate e arroz, provenientes do Rio Grande, Santa Catarina, Santos, Parati, Rio

de Janeiro, Bahia e Recife, além de ouro contrabandeado de Minas Gerais; na contramão,

para a América portuguesa seguiam, por mar ou terra, carne, couro, farinha de trigo,

animais e peles.96 É relevante destacar que portos como os de Buenos Aires, Montevidéu,

Rio de Janeiro, Salvador e Recife possuíam estreitas vinculações também com muitas

outras praças americanas, africanas e europeias, o que os tornava não apenas centros

mercantis dinâmicos, mas também encruzilhadas de homens e de informações que, a partir

94
A abertura total dos portos platinos ao comércio estrangeiro seria decretada em 02 de novembro de 1809,
regulamentada quatro dias depois. John Street, Gran Bretaña y la independencia del Rio de la Plata. Buenos
Aires: Paidós, 1967, p.151-165.
95
John Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia/ São
Paulo: Edusp, 1975 (Londres 1820). p.393.
96
Elena Beatriz Torre, “Aspectos en torno al comercio marítimo Buenos Aires – Brasil 1810-1816”. In:
Hernan A. Silva (dir.), Navegacion y comercio rioplatense II. Bahia Blanca: Universidad Nacional de Sur,
1998, p.314-359; José Pedro Barrán & Benjamín Nahum, Bases económicas de la revolución artiguista. 2ªed.
Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1964, cap.III.; B. J. Barickman, A Bahian Counterpoint: Sugar,
Tobacco, Cassava, and Slavery in the Recôncavo, 1780-1860. Stanford: Stanford University Press, 1998;
Manuel de Oliveira Lima, D. João VI no Brasil. 3° ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.109; Catherine
Lugar, The Merchant Community of Salvador, Bahia, 1780-1830. State University of New York at Stony
Brook, 1980 (tese de doutorado), p.85; Augustín Beraza. La economía en la banda oriental durante la
revolucíon (1811-1820). 2°ed., Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1964. p.19; e Jeanne Lynn
Friedman , Free trade and Independence: the Banda Oriental in the Word System, 1806-1830. The Ohio State
University, 1993.

60
de 1808, encontrariam uma demanda cada vez mais intensa da parte de todos aqueles que,

em ambos os impérios ibéricos, se viram envoltos pelos assuntos da política. Isso sem falar

no Rio Grande de São Pedro que, dentre todas as capitanias do Brasil, era sem dúvida a

mais suscetível às trocas com a América espanhola, possuindo inclusive produções locais,

estrutura fundiária e dinâmica demográfica muito semelhante aos territórios a ela imediatos,

bem como redes comerciais, familiares e de sociabilidade compartilhadas. 97

Como vimos no capítulo precedente, nesse espaço de embates, articulações, trocas e

simbioses, a crise política das metrópoles ibéricas entre 1807 e 1808 se desdobraria em

determinações recíprocas das mais importantes para os destinos políticos de seus

respectivos impérios na América, bem como das nações independentes a partir deles

formadas ao longo do século XIX. Dentre os muitos acontecimentos relevantes daqueles

anos, a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro repercutiu em muitos lugares do

mundo ocidental; mas no Rio da Prata, sem dúvida, seus impactos foram especiais,

amparados e potencializados pela constituição pretérita de uma vasta e variável região de

fronteira.

3.2 – A Corte chega ao Brasil, e também ao Prata

Em algum dia do mês de fevereiro de 1808, dois marinheiros espanhóis procedentes

de Santa Teresa, no Rio Grande, disseram às autoridades municipais de Montevidéu que a

97
Helen Osorio, “La capitanía de Río Grande en la época de la revolución artiguista: economía y sociedad”.
In: Ana Frega & Ariadna Islas (coord.), Nuevas miradas en torno al artiguismo. Montevideo: Facultad de
Humanidades y Ciencias de la Educación/Universidad de la República, 2001, p.163-178; A. Beraza, La
economía en la Banda Oriental..., cit., p.20-21; e Márcia Eckert Miranda, A estalagem e o império: crise do
Antigo Regime, fiscalidade e fronteria na província de São Pedro (1808-1831). São Paulo: Hucitec, 2009.

61
Família Real portuguesa abandonara Lisboa e se dirigira ao Rio de Janeiro.98 Diante de uma

notícia tão importante, o governador local decidiu agir: comunicou o fato ao vice-rei do Rio

da Prata, Santiago de Liniers, e decidiu enviar às terras portuguesas vizinhas,

“reservadamente, un sugeto activo, inteligente, de toda su satisfacción y de la de dicho Gefe

al Rio Grande para que con la cautela correspondiente se impusiese de tanto quanto alli

ocurría”. O encarregado, Luís Larrobla, passou dezessete dias em terras luso-americanas e,

de volta a Montevidéu no dia 29, passou seu informe ao Cabildo da cidade.99

Nele, Larrobla dá conta das forças militares da capitania do Rio Grande, embora

“preparatibos por hora absolutamente ningunos”, tampouco “esperan Tropas del Janeyro”.

Quanto ao desembarque da Família Real, até o dia 14 de fevereiro “aun no havia llegado el

Principe Regente al Rio, el que entró en la Bahia de Todos Santos con dos Navios

Portugueses juntamente con la Princesa Carlota y 4 Ingleses”, e até o dia 16 de fevereiro

nenhuma providência parecera tomada no Rio de Janeiro para sua entrada lá. A presença

dos britânicos ao lado dos portugueses é digna de nota, resultado de uma aliança recém-

estabelecida no complicado quadro político, militar e econômico europeu, mas segundo

Larrobla, ainda “no se habla, y se ignora de rompimiento de guerra con los Españoles,

aunque se sospecha mucho”. A seguir, destaca aquele ponto que lhe parece mais

preocupante: ao chegar o príncipe João à Bahia, afirma que

98
O comboio que levou a Família Real portuguesa à América deixou Lisboa em 29 de novembro de 1807; o
príncipe João e uma pequena comitiva desembarcariam primeiro na Bahia, em 22 de janeiro do ano seguinte,
enquanto o restante seguiria para o Rio de Janeiro. Os demais para lá seguiriam em 26 de fevereiro, chegando
à nova sede da sede da Corte em 07 de março.
99
Nota do Cabildo de Montevidéu ao Cabildo de Buenos Aires, 02/03/1808. Política lusitana en el Río de la
Plata – Coleccion Lavradio, I, 1808-1809 (doravante PLRP). Buenos Aires: Archivo General de la Nación,
1961, p.7-9. O informe de Larrobla foi redigido em 24/02/1808.

62
“el Pueblo le apellidó Emperador de toda la America del Sur, a lo que respondia,

que seria lo que quisieran”, ao que acrescenta: “la opinion bulgar es, que dicho

Principe pasará letras a la america Española del Sur para titularse Emperador de

toda ella.”100

Marcado por expectativas advindas de um acontecimento extraordinário, talvez

impressionado pelas notícias que a respeito circulavam em terras lusoamericanas,

certamente zeloso em atender às demandas daqueles que o haviam incumbido de tão

importante missão, o informante do Cabildo de Montevidéu tratava o desembarque do

príncipe João e sua alcunha de “Imperador de toda a América do Sul” como um fato,

embora logo a seguir considerasse seus supostos procedimentos para oficializar tal

condição como um boato, baseado apenas na “opinião vulgar”. Desse modo, em seu

informe, verdade e verossimilhança se confundiam, passado e futuro se imbricavam de

modo a pautar a difícil atuação, no presente, diante de um acontecimento tão inesperado, e

que impunha pronta mobilização.

As expectativas despertadas pela transferência da Família Real portuguesa às terras

americanas foram múltiplas e intensas. Testemunha de algumas de suas manifestações, o

inglês John Luccock, acima mencionado, escreveria, poucos anos depois, que logo à sua

chegada, os portugueses da América teriam tomado o príncipe João como verdadeiro

“benfeitor do país, fundador de um novo império, outorgando-lhe o título, que na realidade

lhe cabia, de único ‘Monarca do Sul’”.101 A acreditarmos na fidelidade de suas palavras,

aparentemente insuspeitas, a ideia coeva – que era também uma constatação – do príncipe

100
Idem, p. 7-8.
101
J. Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro... cit., p.163.

63
português como único chefe de uma dinastia europeia instalado em terras do novo mundo,

disseminada publicamente com um caráter laudatório da nova situação em que este se

encontrava, pôde chegar ao Rio da Prata metamorfoseada em uma ameaça: a Corte

portuguesa, na América, se prepararia para subjugar as terras espanholas do continente.

Assim, naquele contexto, a expressão único monarca da América do Sul podia ser

parafraseada como Imperador de toda a América do Sul.

Um fato criava um boato, amparado em uma informação, e o boato criava um fato

novo. Assim, em 02 de março, dois dias depois de tomarem ciência do que seu informante

lhes trazia, os membros do Cabildo de Montevidéu trataram de se dirigir, reservadamente,

às autoridades da capital do Vice-Reino do Rio da Prata, informando ao Cabildo de Buenos

Aires que “la família Real de Portugal havia venido de Lisboa al Janeyro”; por isso haviam

comissionado Larrobla, desejosos de “imponerse por menor de estas novedades y de

quantas ocurriesen en aquella banda sobre el estado de esta nación con la nuestra por los

recelos que tal ocurrencia causaba”; anexavam o informe de Larrobla e afirmavam os

temores por ele despertados:

“Con estas noticias aunque hasta ahora no tengamos otras que confirmen los recelos

que infunden no debemos despreciarlas: le ha parecido à este cuerpo muy

compatible con su celo y con el de este Exmo. Cabildo recordarle lo expuesta que

está toda esta campaña en caso de un rompimiento de Guerra con aquella nación

fronteriza, por las ningunas fuerzas que hay en ella para contener la ambición de

tales vecinos”.

64
O Cabildo de Montevidéu pedia ao de Buenos Aires gente, armas e dinheiro para o

caso de um ataque português, em função dos recentes serviços à causa espanhola prestados

por seus homens, o que evocava o espectro das invasões ao Rio da Prata em 1806 e 1807,

comandadas por súditos de uma Grã-Bretanha que, agora, era aliada de Portugal. Um

espectro que ainda pairava no ar:

“V. E. no puede ignorar que este Pueblo [de Montevidéu] debe precisamente

profesar un perfecto amor a estos cortos Infantes veteranos [de Buenos Aires] por

que han sido en todas las turbulencias pasadas sus mas llegados compañeros, y por

lo tanto no duda este cabildo que V. E. sabrá con su influjo facilitarle el gusto de

que se reboque la orden dada por la capitanía general para la ida de estos pocos

soldados, y que se conceda la subsistencia de ellos aquí para en cualquier caso que

ocurra contar al menos con este mas auxilio.”102

No dia 05 de março, o Cabildo de Buenos Aires respondeu. Na capital do Vice-

Reino, as primeiras informações anteriores, levadas a Montevidéu pelos dois marinheiros

espanhóis em meados de fevereiro, tinham sido consideradas, naquela ocasião, muito

vagas, mas suficientes para mobilizar as autoridades locais; sabemos que em 19 de

fevereiro o vice-rei Liniers já tinha escrito ao governador da Província do Paraguai, Manuel

Gutiérrez, com advertências sobre os riscos que corria aquela fronteira com o Brasil.103

Agora, quase um mês depois, na correspondência com o Cabildo de Montevidéu, o tom era

102
Nota do Cabildo de Montevidéu ao de Buenos Aires, 02/03/1808. PLRP , p. 5-7.
103
Os dados estão presentes no Ofício do Governador D. Manuel Gutiérrez ao vice-rei Liniers, de 17/03/1808,
em resposta à nota de 19/02/1808 sobre as dificuldades existentes em proteger as fronteiras com o Brasil.
PLRP, cit. p. 23.

65
mais cauteloso. Dando-lhe “las debidas gracias por el celo con el que le imparte avisos tan

interesantes como oportunos para nuestra respectiva seguridad en las criticas actuales

circunstancias,” informava que nesse meio tempo outras notícias tinham chegado a Buenos

Aires: pela sumaca Rivera Nova, que saíra do Rio de Janeiro em 18 de fevereiro e aportara

na cidade em 03 de março, os membros do Cabildo teriam sido informados das “verdaderas

ocurrencias en las Colonias Portuguesas”. E quais seriam estas? A de que era “problemático

[duvidoso] el arribo del Príncipe Regente a la Bahia, creyéndose política del Gobierno la

propagación de esta noticia”, que era opinião dominante nos círculos dirigentes portugueses

“conservar la mayor armonía y relaciones mercantiles con las colonias Españolas”, e que

não apenas essas notícias “persuaden no tan próximas las hostilidades” como também estas

só seriam possíveis com a colaboração de muitas tropas britânicas, o que parecia

francamente improvável.104

Os fatos logo mostrariam o excesso de otimismo das autoridades de Buenos Aires

que, supostamente lidando com “verdadeiras” informações, na realidade estavam mais

dependentes ainda de boatos que as de Montevidéu.

Em 13 de março de 1808, apenas cinco dias após a chegada do príncipe João ao Rio

de Janeiro, seu ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros, Rodrigo de Sousa Coutinho,

dirigiu um ofício ao Cabildo de Buenos Aires, oferecendo proteção portuguesa contra as

ameaças francesas que pairavam sobre o continente, bem como uma intermediação da

Corte portuguesa, na condição de aliada da Grã-Bretanha, no sentido de frear uma eventual

nova investida desta contra os portos do Rio da Prata. Não se tratava apenas de oferta de

proteção e intermediação, mas também de uma ameaça: no caso de negativa por parte das

autoridades portenhas, “Sua Alteza Real se veria obrigado a obrar, de concerto com o seu

104
Nota do Cabildo de Buenos Aires ao de Montevidéu, 05/03/1808. PLRP, cit. p. 9-11.
66
poderoso aliado, com os fortes meios que a Providência depositou em suas mãos”. 105 Em

17 de março, antes mesmo de receberem a intimação de Sousa Coutinho, as autoridades

espanholas de Buenos Aires já tinham escrito ao ministro da Guerra da Espanha, Antonio

Olaguer Feliú, que “se ha sabido en esta Província que el dia 19 de Enero último llegó al

Janeyro en dos Navios y dos Bergantines de Guerra Portugueses y en [...] tres Navios

Ingleses la Família Real de Portugal, excepto el Príncipe Regente, su Mujer e hijos, que

arribaron a la Bahia de Todos Santos y aun nos se sabe que hayan seguido al Janeyro”. 106

Agora, a presença da Corte portuguesa em solo americano era fato incontestável.

Enquanto intimidava as autoridades hispânicas do Rio da Prata, a Corte portuguesa

do Rio de Janeiro encarregava o brigadeiro Joaquim Xavier Curado de uma missão especial

ao Rio da Prata. De acordo com as instruções lavradas por Sousa Coutinho em 15 de março

de 1808, Curado deveria ir ao Rio Grande para daí, com o apoio do governador desta

capitania, Paulo José da Silva Gama, “conseguir ser admitido em Montevidéu e Buenos

Aires [...], propondo a negociação de que vai encarregado para segurar a continuação do

Comércio”; em seguida, deveria trabalhar junto aos governadores daquelas praças para

“unir aqueles Países ao Real Domínio, o que seria muito feliz, pois evitaria toda ulterior

contenda”; finalmente, procederia ao

“exame, e conhecimento verdadeiro do voto da Nação Espanhola, e da Opinião

Pública sobre entregarem-se ao Governo Português, e em qualquer caso o

conhecimento do estado da Força Pública em Soldados, Oficiais, e Munições, que

tem, e ocupa o Rio da Prata, pois é muito essencial se desgraçadamente se houver de

105
A íntegra do ofício em espanhol se encontra publicada em PLPR, I, op. cit. p. 12-14.

67
chegar a vias de fato, que se conheça a força real dos Espanhóis sobre todos os

Portos do Rio da Prata”.107

Naturalmente, durante sua missão, Curado enfrentaria a desconfiança das

autoridades hispânicas. Em Montevidéu conseguiu tratar diretamente com algumas delas,

mas sem lograr obter qualquer manifestação formal de apoio à política portuguesa. Em

Buenos Aires, nem isso: sob pretextos de ordem burocrática, o vice-rei Liniers evitou tratar

com o agente português, a despeito de, por meio dele, “manifestar à S.A.R. el alto respeto

que me merece, y poder acreditar mis vivos deseos de estrechar mas los vinculos de

amistad, y alianza tan recomendada por nuestros Augustos Soberanos”, inclusive dirigindo-

se diretamente ao príncipe João em pelo menos uma ocasião.108 A situação era delicada, e

recomendava circunspecção: em uma das muitas correspondências trocadas com o

governador de Montevidéu, Liniers lhe recomendaria, no trato com Curado, “la precaución

y reserva que corresponde, para no exponer las determinaciones, ni la seguridad de estas

Províncias”.109 Três dias antes, em 27 de abril, escrevera também ao Cabildo de Lima, no

Vice-Reino do Peru, manifestando seus “justos recelos” de que “aquel Principe no obra de

buena feé, y que si al presente no opera hostilmente contra estos Dominios por falta de

106
Nota do Governador de Buenos Aires ao Ministro da Guerra da Espanha, Antonio Olaguer Feliú,
17/03/1808. PLRP, cit., p. 21-23.
107
Instruções de D. Rodrigo de Souza Coutinho a Joaquim Xavier Curado, Rio de Janeiro, 15/03/1808.
Transcritas por Walter A. de Azevedo. A missão secreta do marechal Curado ao Rio da Prata (1808-1809). In:
Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro, v.192, jul./set./1946, p.174.
108
Ofício de Liniers a Joaquim Xavier Curado, Buenos Aires, 26/04/1808. PLRP cit., p.43. O ofício de
Liniers a D. João é de 28/07/1808. PLRP, cit., p. 20. A correspondência trocada entre Curado, Liniers e o
governador de Montevidéu, entre 26/04/1808 e 06/07/1808, encontra-se em PLRP cit. p.42-54.
109
Nota do vice-rei ao governador de Montevidéu, 30/04/1808. PLRP, cit., p.45.

68
Tropas Nacionales, no dejará de hacerlo luego que tenga, como se cree al auxilio

competente de las Inglesas”.110

E assim, em setembro de 1808 Curado retornou ao Rio Grande sem obter grandes

resultados. O que não deve ter surpreendido Sousa Coutinho, que ao mesmo tempo em que

despachara seu agente mantivera, entre 23 e 26 de março, conversas pessoais com o conde

de Liniers, irmão do vice-rei do Prata, e que se encontrava no Rio de Janeiro.111

Com a presença da Corte no Rio de Janeiro, a mobilização com vistas ao

estabelecimento de uma política externa portuguesa especialmente voltada aos assuntos

americanos se faria constante. A intimidação de Sousa Coutinho, a missão Curado e o

contato com o conde de Liniers representam elementos de construção dessa política,

doravante caracterizada pelo simultâneo emprego de argumentos de caráter conciliatório

com ameaças declaradas de utilização de instrumentos de coerção. A Corte portuguesa

chegaria inclusive a, em diversas ocasiões, empregar a força militar para além de suas

fronteiras americanas, mas ela também receava as convulsões de seus vizinhos, temendo

retaliações. Por detrás de tudo, um processo preliminar de experimentação da dimensão

conflituosa das relações que, desde então, se estabeleceriam entre os mundos luso e

hispano-americano, mediadas por algumas de suas autoridades políticas, mas jamais

restritas a elas. Pois os acontecimentos de 1808, tanto no mundo português quanto no

espanhol, logo se encarregariam de acentuar brutalmente um movimento, já em curso, de

espraiamento dos assuntos políticos pelos espaços públicos, espaços estes que se viam cada

vez mais ampliados, complexos e dinâmicos nas sociedades ibero-americanas em geral.

110
Nota do Cabildo de Buenos Aires ao Cabildo de Lima, 27/04/1808. PLRP cit., p. 54.
111
Em PLRP, p.31-39, há uma memória escrita pelo conde de Liniers, datada do Rio de Janeiro em
20/03/1808, bem como uma síntese de suas conversas com D. Rodrigo travadas entre os dias 23 e 26 do
mesmo mês.

69
Sobretudo quando começaram a chegar à América, em tempos distintos e graus de

precisão variáveis de parte a parte, as notícias dos acontecimentos da Espanha de 1808, que

levaram à prisão da família real espanhola, à substituição do rei Fernando VII por José

Bonaparte e ao início dos levantamentos populares contra aquilo que era considerado como

uma odiosa dominação estrangeira. As primeiras e confusas novas aportaram ao Rio da

Prata em julho, mas o desembarque de um agente de Napoleão em Buenos Aires, o

marquês de Sassenay, em 13 de agosto, confirmou os temores de que a monarquia

espanhola se encontrava em fortes apuros; dois dias depois, Liniers levou-os a

conhecimento público;112 finalmente, em 23 de agosto, chegou à cidade um enviado da

junta regional de Sevilha, José Goyeneche, dando conta do início da resistência armada na

península. Na América espanhola, às ameaças de investidas portuguesas e britânicas,

somar-se-iam, agora, as francesas, tudo em meio à generalização da consciência de que os

domínios espanhóis corriam sérios riscos de desagregação, fazendo surgir um clamor, em

praticamente todos eles, por fidelidade e união em torno do rei impedido, da dinastia e dos

tradicionais valores monárquicos.113

Essa situação fomentou novas investidas da política externa portuguesa. Em 19 de

agosto de 1808, Carlota Joaquina, princesa do Brasil, esposa do príncipe João e irmã mais

velha de Fernando VII, assinou um Manifesto dirigido à los fieles vasallos de Su Magestad

Católica El Rey de las Españas e Indias por su Alteza Real Doña Carlota Juaquina Infanta

de España, Princesa de Portugal y Brazil, onde declarava-se defensora desses valores e

pretendia ser reconhecida, por todas as autoridades políticas espanholas (da Europa,

112
PLRP, cit., p.157-159. A proclamação do Cabildo, de 22/08/1808, e de idêntico teor, encontra-se à p.159-
160.
113
François-Xavier Guerra, “Dos años cruciales (1808-1809)”. In: Modernidad e Independencias. Ensayos
sobre las revoluciones hispánicas. 2° ed. México: FCE, 1993, p. 115-148.

70
América e Filipinas) como legítima sucessora do monarca impedido. Junto com o

Manifesto, remetia-lhes outros dois documentos firmados na mesma data, um no qual

solicitava auxílio de seu esposo e da Grã-Bretanha na tarefa de combater os franceses e

manter a unidade espanhola na América, e outro no qual o príncipe João reconhecia a

justiça da solicitação, comprometendo-se vagamente com a tarefa de “obrar contra un

enemigo comun” de Portugal e Espanha.114

O projeto carlotista conheceu na América espanhola repercussões variadas,

complexas e ainda pouco estudadas pela historiografia. Porém, é sabido que em geral foi

recusado por autoridades cheias de incertezas, temerosas de quaisquer inovações políticas

que, em meio a uma crise da qual não se tinha, ainda, uma visão detalhada e segura,

pudessem sugerir princípios de subversão da ordem. O mais recomendável era, portanto,

reafirmar sempre a lealdade às instâncias tradicionais e legítimas, mesmo que estas se

encontrassem obliteradas. Afinal, embora fortemente amparado por argumentos legitimistas

e continuístas, o projeto foi veiculado de modo a ser percebido, efetivamente, como tendo

sido composto pelos gabinetes português e britânico. Os manifestos de Carlota Joaquina

foram distribuídos às autoridades hispânicas como documentos oficiais “da Corte do

Brasil”, respaldados explicitamente pelo Príncipe Regente, publicados pela Imprensa Régia

do Rio de Janeiro e encaminhados por via de seu principal ministro. Assim, a articulação

entre interesses portugueses e britânicos deve enfraquecer a ideia, tão recorrente na

historiografia, de que o projeto era apenas uma espécie de empreitada pessoal de Carlota

114
Os três documentos foram impressos na Imprensa Régia do Rio de Janeiro; encontram-se publicados em
PLRP, cit., p.105-115. Sobre D. Carlota e o carlotismo: Sara Marques Pereira, D. Carlota Joaquina e os
“espelhos de Clio”: actuação política e figurações historiográficas. Lisboa: Horizonte, 1999; Francisca L. N.
de Azevedo, Carlota Joaquina na Corte do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; Roberto
Etchepareborda, Qué fue el Carlotismo. Buenos Aires: Plus Ultra, 1971; Julián María Rubio, La infanta
Carlota Joaquina y la política de España en América (1808-1812). Madrid: 1920; e Laura de Mello e Souza,
“Prefácio”. In: José Presas. Memórias secretas da princesa do Brasil. 3ª.ed.revista. São Paulo: Phoebus, 2008.

71
Joaquina; da parte dos coevos, a percepção dessa articulação era pautada pelo clima de

incertezas inaugurado com a transferência da Corte portuguesa para a América.

Em Buenos Aires, os manifestos de Carlota chegaram acompanhados de dois

documentos oficiais: uma nota de Sousa Coutinho ao Cabildo, de 24 de agosto de 1808, e

uma carta de Carlota a Liniers, de 27 de agosto. No dia 13 de setembro, Cabildo e vice-rei

acusaram o recebimento e, em idêntico teor, descartaram qualquer possibilidade de adesão

ao projeto.115 Em 15 de outubro, Liniers enviou uma circular ao presidente da Audiencia de

Charcas, também no Vice-Reino do Rio da Prata,116 Ramón García de León y Pizarro,

contendo os três documentos recebidos do Rio de Janeiro, que em 12 de novembro foram

dados a conhecer em Chuquisaca, quando nela entrou o enviado de Sevilha, Goyeneche;

pouco depois, chegaria à cidade uma nota direta de Sousa Coutinho ao Cabildo de Charcas

e a várias outras autoridades locais e que também trazia, além dos três documentos, notícias

peninsulares. Aqui, uma anterior e persistente disputa por espaços de poder, travada entre a

Audiencia e seu presidente, envolvendo também autoridades universitárias e eclesiásticas,

encontrou no projeto carlotista um combustível ideal para a explosão do confronto: as

ameaças representadas pela presença no Rio de Janeiro da Corte portuguesa, já amplamente

disseminadas pelas autoridades de Montevidéu e Buenos Aires, foram deliberadamente

associadas à gestão do presidente da audiência, acusado de colaborador com os

115
Nota do ministro secretário de Estado D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao Cabildo de Buenos Aires, Rio de
Janeiro, 24/08/1808 (PLRP, cit., p.103-104); a carta de D. Carlota a Liniers é citada por E. Just Lleó,
Comienzo de la independencia en el Alto Peru: los sucesos de Chuquisaca. Sucre: Editoea Judicial, 1994,
p.73; sua recusa, de 13/09/1808, em PLRP, cit., p.142-146; a do Cabildo de Buenos Aires, também de
13/09/1808, em PLRP, cit., p.139-141.
116
Na administração imperial espanhola, as audiencias eram uma das instituições encarregadas pela justiça,
cuja jurisdição se estendia por uma porção de território que não necessariamente coincidia com a de vice-
reinos, capitanias ou províncias. A cidade de Charcas, sede de uma dessas instituições, estava no Vice-Reino
do Rio da Prata, e hoje corresponde a Sucre, na Bolívia.

72
portugueses, polarizando antigas rivalidades (no ano seguinte, essa situação conduziria à

deposição de León y Pizarro e à formação de uma junta de governo). 117

A despeito de interesses e adesões pontuais, em nenhuma parte dos domínios

espanhóis da América o projeto carlotista despertou tanto entusiasmo como nas praças

portuárias do Rio da Prata. Em Buenos Aires, ele agregou poderosos comerciantes cada

vez mais envolvidos em política, que em breve ocupariam lugares de destaque no

movimento revolucionário do Vice-Reino, e cujos negócios possuíam ramificações com a

América portuguesa, como Juan José Castelli, Antonio Luis Beruti, Hipolito Vieytes,

Nicolás Rodrigues Peña e Manuel Belgrano118.

A configuração desse grupo de poder e seu apoio às pretensões em torno de Carlota

Joaquina atesta que, em 1808, a região platina realmente deveria merecer, por parte do

Estado português da América, uma atenção muito especial, ponto de convergência que era

de uma crise política não só espanhola, mas também portuguesa. Uma crise que, se no

momento não acenava para a possibilidade dos domínios lusos sofrerem um golpe de

magnitude comparável ao sofrido pelos hispânicos, tampouco descartava totalmente essa

hipótese, exigindo uma pronta mobilização da qual a política externa da Corte do príncipe

João no Brasil seria uma de suas muitas faces.

117
J. Lleó, Comienzo de la independencia..., cit., p.72-77 e p.376-389. A nota de Sousa Coutinho ao Cabildo
de Chuquisaca se encontra publicada em PLRP, cit., p.105; a recusa deste (25/12/1808) à p.141-142. Também
João Paulo G. Pimenta, O Brasil e a América espanhola (1808-1822). São Paulo: FFLCH/USP, 2004
(doutorado), p.53-64.
118
A confiarmos no diagnóstico não de todo isento de deformações de Felipe Contucci, encaminhado a Sousa
Coutinho em novembro de 1808, o número de pessoas “confiáveis” (entenda-se: leais ao projeto carlotista) no
interior do Vice-Reino do Prata e capitania do Chile chegaria a 123; destas, 99 em Buenos Aires (Contucci a
Coutinho, Rio de Janeiro, 16/11/1808. In: Tulio Halperin Donghi, Revolución y guerra: formación de una
élite dirigente en la Argentina criolla. 3°ed. Buenos Aires: Siglo XXI, 1994. p.157-157). Também Ariosto
Fernández. “Manuel Belgrano y la Princesa Carlota Joaquina (1808)”. In: Historia, ano I, n.º3, Buenos Aires,
jan.-mar./1956, p.79-88 (primeira parte).

73
Ao longo daquele ano, a instabilidade que perpassava a relação, no Rio da Prata,

entre América portuguesa e América espanhola só aumentaria. O vice-rei Liniers, que

governava com uma frágil base de apoio, costumava ser acusado por seus opositores de

francófilo, dada sua ascendência francesa; agora, o era também de colaborador da Corte

portuguesa do Rio de Janeiro e, em decorrência, de ser pró-britânico. Em Montevidéu,

Liniers teve de lidar, a partir de 20 de setembro, com tumultos populares, com a resistência

do governador local, Francisco Javier de Elío, de cumprir a ordem de Liniers para ceder seu

cargo a um substituto, e com a formação de uma junta de governo em nome de Fernando

VII e que ignorava a autoridade do vice-rei. Em Buenos Aires, em fins do ano foi tramada

uma conspiração liderada pelo poderoso comerciante Martín de Álzaga – cujos negócios

também tinham ramificações na América portuguesa – e que planejou um fracassado golpe

para 01 de janeiro de 1809.119 A presença no Brasil da Corte portuguesa era apenas um dos

muitos problemas com os quais as autoridades espanholas do Rio da Prata tinham que lidar,

mas certamente um dos mais centrais.

3.3 – Indissociabilidade de destinos

No Rio da Prata, as tensões e conflitos políticos não cessariam até o início do

processo de independência em relação à Espanha, em 1810, imprimir-lhes novo caráter.

Fincados em situações anteriores relativas à busca de equilíbrios entre diferenças

119
Ana Frega Novales, “Tradicion y modernidad em la crisis de 1808. Una aproximacion al estudio de la
Junta de Montevideo”. In: Oribe Cures & Luis Ernesto Behares (orgs.), Sociedad y cultura en el Montevideo
colonial. Montevideo: Universidad de la Republica/Intendencia Municipal de Montevideo, 1997, p. 283-294;
também Noemíl Goldman, “Crisis imperial, Revolución y guerra (1806-1820)”. In: Noemí Goldman (dir.),
Nueva Historia Argentina Tomo III. Revolución, República, Confederación (1806-1852). Buenos Aires:
Sudamericana, 1998; e Geneviève Verdo, L’indépendance argentine entre cités et nation (1808-1821). Paris:
Publications de la Sorbonne, 2006.

74
intrínsecas à constituição do próprio Vice-Reino, em 1776, agravadas com as invasões

comandadas por súditos britânicos no começo do século seguinte, tais circunstâncias

conheceram um ponto importante de definições a partir da instalação da Corte portuguesa

em continente americano. Conforme vimos acima, as expectativas por ela criadas desde

fevereiro de 1808, bem como as relações recíprocas doravante estabelecidas entre

autoridades portuguesas e espanholas, não apenas complicariam a instabilidade geral dos

domínios espanhóis da América, como implicariam que, desde então, essa instabilidade

seria, forçosamente, também dos domínios portugueses.

A indissociabilidade de destinos entre as duas Américas ibéricas, que poucos anos

depois resultaria em um continente dividido em mais de uma dezena de novos Estados e

novas nações, começou a se delinear com a crise das metrópoles em 1807 e 1808, a partir

de condições dadas por uma rede, longamente maturada, de trocas, informações, notícias e

boatos, agora bastante amplificada em função de novas demandas. Os impactos da

instalação da Corte portuguesa na América foram sentidos em diversas partes do mundo,

inclusive porque o acontecimento, em si, dizia respeito a uma conjuntura mundial, pelo

menos ocidental, onde muita coisa importante se passava em relações de causalidade direta

ou indireta; em suma, por meio de experiências como as que analisamos nos dois capítulos

precedentes. No entanto, das muitas relações de determinação recíproca que se sucediam,

aquelas focadas no Rio da Prata, verdadeiro ponto de intersecção entre os impérios ibéricos

na América, tinham atributos especiais. Como aqueles que permitiram que as intenções do

único monarca da América do Sul fossem lidas como a de ser tornar Imperador de toda a

América do Sul.

75
Capítulo 4

Resistindo à revolução: o Brasil em 1810

4.1 – Apresentação do problema

Em 1810, era publicado em Londres o primeiro volume da History of Brazil, do

escritor inglês Robert Southey. Nessa obra, que gozaria de notável prestígio dentre todos

aqueles que, doravante e por todo o século XIX, se interessassem intelectualmente pelo

Brasil, podia-se ler um prognóstico acerca do futuro daquele país: um dia ele deveria se

tornar independente e, com isso, grandioso. Prever o futuro de colônias europeias não era

prerrogativa exclusiva de Southey, sendo este um procedimento compartilhado com vários

pensadores europeus e norte-americanos desde pelo menos o século XVIII. Tampouco

exclusivo de Southey era o diagnóstico de que o Brasil tinha, como uma das características

marcantes de sua história, a ausência de “revoluções”:

“A história do Brasil, menos bela do que a da mãe-pátria, menos brilhante do que a

dos Portugueses na Ásia, a nenhuma delas é inferior quanto a importância. Diferem

dos de outras histórias os seus materiais; aqui não temos enredos de tortuosa política

que desemaranhar, nem mistérios de iniquidade administrativa que elucidar, nem

revoluções que comemorar, nem de celebrar vitórias, cuja fama vive ainda entre nós

muito depois de já se lhes não sentirem os efeitos. Descoberto por acaso, e ao acaso

abandonado por muito tempo, tem sido com a indústria individual e cometimentos

76
particulares, que tem crescido este império, tão vasto como já é, e tão poderoso

como um dia virá a ser”120.

Se aplicado precisamente ao que ocorria em 1810, o diagnóstico do autor inglês

poderia parecer fortemente atual. Pois uma observação preliminar e superficial do estado

político da América portuguesa naquele ano, sobretudo se comparado com o da América

espanhola, induziria a uma constatação aparentemente inequívoca: enquanto na segunda, as

incertezas políticas iniciadas em 1808 agora se aprofundavam dramaticamente, levando a

uma ebulição de projetos e atuações coletivas muitas vezes conflituosas e contraditórias, na

primeira parecia reinar uma calmaria, com as coisas aparentemente seguindo seu curso

normal sem grandes convulsões (o que, a confiarmos em Southey, seria uma marca da

história do Brasil). Se naquele momento muitas partes do mundo ocidental conheciam

revoluções, esse não era, definitivamente, o caso do Brasil.

A transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, iniciada em 1807 e

concluída em 1808, se mostrou uma medida política dotada de grande pertinência,

permitindo ao fragilizado governo luso atingir plenamente seus objetivos mais imediatos.

Fugindo de um exército francês diante do qual o bom senso não recomendava

enfrentamento direto – nem o príncipe regente nem seus ministros e conselheiros poderiam

confiar nos confusos relatos que, por vezes, lhes indicavam o pauperismo das forças

invasoras – e instalando-se no principal centro político e econômico do Brasil, a Corte

preservava sua autonomia, garantia a unidade de alguns de seus mais importantes domínios

e, ao mesmo tempo, reforçava os princípios de legitimidade dinásticos ameaçados ou

mesmo subvertidos em muitas partes da Europa e da América.

120
Robert Southey. História do Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1977, v. I, p.39 (1810).
77
Ao observarmos com atenção dados da conjuntura que englobava os territórios

ibero-americanos em 1810, a constatação do que era aquela realidade torna-se outra. É bem

verdade que o Império Português conseguira manter de pé o espaço tradicional da soberania

real, que os súditos portugueses continuavam a ter para onde convergirem suas lealdades, e

que nada parecido com as convulsões políticas hispânicas se observava em seus territórios

(embora toda a península ibérica estivesse em guerra). Nem por isso, contudo, as coisas no

Brasil eram, propriamente ditas, calmas.

A aparente calmaria traduzia um ganho momentâneo de fôlego após o ápice de uma

crise política que, tendo atingido em cheio Portugal e seu império poucos anos antes, ainda

se fazia sentir. Aqui, apresentaremos um panorama político do Brasil no ano de 1810,

demonstrando como este não era, em absoluto, um ambiente isento de convulsões como

aquelas que singravam a Espanha e seus domínios americanos; mais: veremos como tal

ambiente devia sua condição diretamente ao que ocorria alhures, constituindo-se parte de

um amplo e dinâmico espaço de trocas de influências recíprocas que, perfeitamente

perceptíveis a muitos observadores coevos, nem sempre é devidamente considerado pelos

seus analistas posteriores.121

4.2 – O Brasil na América, a América em convulsão

A crise estrutural dos impérios ibéricos, desenrolada em variados ritmos,

intensidades e feições ao longo das últimas décadas do século XVIII, e à qual suas

respectivas monarquias procuraram fazer frente por meio de políticas globais voltadas a

diversos quadrantes das realidades por eles abarcadas, adentra o século XIX e impede

78
resistência militar ao cataclismo político que se seguirá entre 1807 e 1808. 122 A invasão

francesa da península ibérica e a tentativa de submissão das fracas monarquias bragantina e

borbônica encontram respostas completamente distintas em um caso e outro: é justamente a

passagem da primeira para o Brasil que lhe confere uma energia de que a segunda não

dispõe. O que se passa nos domínios hispano-americanos em 1810 é, reconhecidamente,

desdobramento do que ocorrera dois anos antes; portanto, o fator a precipitar a crise política

foi o mesmo, para Espanha e Portugal. Os resultados dos distintos caminhos trilhados por

um e por outro, perceptíveis já em 1810, têm, portanto, origem comum.

Devidamente instalada no Rio de Janeiro, a Corte portuguesa nunca esteve segura.

Segurança, aliás, que dependeria de sua capacidade de isolamento diante dos efeitos diretos

e indiretos das convulsões políticas da época, e que nem os ministros e principais

funcionários do príncipe regente João, tampouco sua família, tinham condições de garantir.

O Brasil era, desde 1808, um ambiente fortemente propício ao contágio das influências

externas, europeias e americanas; em 1810, o que vinha de sua vasta e incontrolável

vizinhança territorial teria grande peso.

Isso se traduzia em uma política externa voltada com especial atenção à América,

iniciada desde o momento em que esta se tornara sede do Império Português, e que tinha

nas fronteiras – físicas ou não - com o Vice-Reino do Rio da Prata seus principais espaços

de definições. Tratamos disso nos capítulos anteriores. Mas essa política externa não se

limitava a tais espaços: englobava também o restante da América hispânica, os Estados

Unidos e, claro, a Europa, onde Portugal ainda interessava, a França era a grande inimiga e

121
Vimos nos capítulos anteriores a matriz koselleckiana da categoria experiência, tal qual por nós elaborada.
122
Tulio Halperin Donghi, Reforma y disolución de los imperios ibéricos (1750-1850). Madrid: Alianza,
1985; István Jancsó, Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo: Hucitec,

79
a Grã-Bretanha a poderosa aliada recém adquirida. Internamente, os territórios

lusoamericanos eram pura diversidade, e em 1810 ainda estavam sendo submetidos ao

penoso e radical reequilíbrio do arranjo imperial iniciado em 1807.

O esvaziamento da antiga metrópole, destituída subitamente de sua tradicional

condição por uma medida emergencial que, tendo implicado em uma fuga da Corte diante

dos franceses era, para muitos súditos, também um abandono, não era aceita por todos. No

Brasil, as coisas ofereciam uma parcial compensação a este enfraquecimento das lealdades

europeias: por um lado, porque a presença da Corte no Rio de Janeiro proporcionava a

muitos a experiência inédita de proximidade física com o soberano, bem como a atuação

em um ambiente cortesão permeado de rituais e símbolos que aguçavam seus sentimentos

tradicionais em relação ao monarca123 e que, ademais, poderia lhes render títulos; por outro

lado, porque a nova condição do Rio de Janeiro implicou o fortalecimento de atividades

comerciais – serviços, abastecimento de alimentos, de produtos de luxo e de escravos

africanos, etc. –, algumas anteriormente existentes, outras agora criadas, e que interligavam

capitanias como o Rio Grande, São Paulo e Minas Gerais. 124 Mas se muita gente da

América ganhava com a Corte no Rio de Janeiro, esse desfrute não era universal, e os

descontentes com a situação se situavam em outras capitanias – de contatos mais frequentes

com Portugal do que com o sul do Brasil – e, claro, no Velho Continente.

1996; Stefan Rinke. Las revoluciones en América latina: las vías a la independencia, 1760-1830. México,
D.F.: El Colegio de México, 2011
123
Emilio Carlos R. Lopez, Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre manifestações
políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: Humanitas, 2004.
124
O trabalho mais importante a esse respeito continua sendo o de Maria Odila Leite Dias, “A interiorização
da metrópole (1808-1853)”. In: Carlos G. Mota (org.), 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.160-
184. Não obstante, conforme se verá a seguir, nosso argumento central não se coaduna com a ênfase na
ruptura supostamente promovida pela transferência da Corte em 1808 e que, segundo a autora, esvaziaria o
sentido revolucionário da independência do Brasil formalizada em 1822. Pelo contrário, parece-nos evidente
que, em muitos aspectos, 1808 prepara 1822, inclusive na configuração de um ambiente que propiciará, e
somente neste último momento, a emergência e consecução de um projeto revolucionário.

80
O novo Império Português era, assim, ao mesmo tempo dinâmico e conflitivo,

permeado por fissuras que se agravariam com o tempo. Embora em 1810 a geopolítica do

Império fosse ainda muito confusa do que antes, começava a se esboçar uma dualidade que,

até então, existira apenas em momentos pontuais, de modo efêmero e incapaz de pautar

projetos políticos consistentes: a diferenciação conflituosa entre as partes europeias e

americanas do Império, entre Portugal e Brasil (ademais, esboçada por olhares “externos”,

como o de Robert Southey). A guerra peninsular, assim como as transformações em curso

na América, impediam o desenho de um quadro claro, e mergulhavam o futuro em

incertezas. Estas estavam cada vez mais organizadas em torno da pergunta: como impedir

que o Império Português sofresse os efeitos negativos das grandes convulsões políticas que

lhe afligiam diretamente na Europa, mas que na América, até aquele momento, tinham

podido ser contidas?

Aqui, já se fazia sentir uma contradição básica daqueles tempos, derivada do fato

destes serem notadamente revolucionários: qualquer medida significativa de preservação ou

reforma da unidade dinástica bragantina e de seus territórios mexia em um equilíbrio muito

frágil e, à maneira do que ocorria em outras partes do mundo, acabava por tornar tal

equilíbrio ainda mais improvável; por vezes, até mesmo implicava no aprofundamento da

própria crise que se pretendia solucionar.

Este é precisamente o caso das muitas atitudes do governo do príncipe regente

português uma vez instalada sua Corte no Rio de Janeiro. Consideremos apenas parte do

que ocorreu em 1810.125 Naquele ano, foram tomadas medidas político-administrativas,

125
Oliveira Lima, D. João VI no Brasil. 3.ªed. Rio de Janeiro, Topbooks, 1996, p.210-212; Sérgio Buarque de
Holanda, “A herança colonial – sua desagregação”. In: História geral da civilização brasileira t.II v.1: o
processo de emancipação. São Paulo: Difel, 1962, p.09-39; Maria de Lourdes Vianna Lyra. A utopia do
poderoso império - Portugal e Brasil: bastidores da política 1798-1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994;

81
como a criação da comarca do sertão na capitania de Pernambuco, a concessão de forais de

vila a Flores do Pajeú (na mesma capitania), Pilão Arcado e Vila Nova do Príncipe (ambas

na Bahia), e a concessão de autonomia à capitania do Espírito Santo, doravante não mais

ligada à da Bahia. Instituições artísticas, educativas e científico-militares foram criadas,

como, no Rio de Janeiro, a Real Biblioteca, a Real Academia Militar e o Real Teatro de São

João; na Bahia, a Faculdade de Medicina da Bahia e a efêmera Sociedade Bahiense de

Homens de Letras. Melhoramentos urbanos continuavam a ser realizados principalmente no

Rio de Janeiro e em Salvador, onde foi inaugurado o passeio público. No mesmo ano,

preocupações diretas com o desenvolvimento econômico das terras portuguesas do Brasil

levaram à proibição de exportação do salitre local; à introdução da cana “caiena” em

capitanias tradicionalmente produtoras de açúcar e seus derivados; à isenção de impostos a

especiarias e plantas reintroduzidas no Brasil, bem como a tecidos de algodão, seda ou lã

nele fabricados; à chegada, ao Rio de Janeiro, de colonos chineses para início do cultivo de

chá; e à criação da usina de ferro Ipanema, em São Paulo.126

A perspectiva de “melhoramentos” nos domínios portugueses da América

encontrava modalidades explicitamente coercitivas, dirigidas contra populações indígenas

que ainda se encontravam em áreas próximas ao Rio de Janeiro e aos fluxos mercantis por

ele integrados. O extermínio de tais populações e a “limpeza” de suas terras, iniciadas

pouco antes, continuavam em 1810, principalmente nos sertões de Mato Grosso e São

Maria de Fátima Gouvêa, “As bases institucionais da construção da unidade. Dos poderes do Rio de Janeiro
joanino: administração e governabilidade no Império luso-brasileiro”. In: István Jancsó (org.). Independência:
história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p 707-752; e Andréa Slemian & João Paulo G.
Pimenta, A Corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil. São
Paulo: Alameda, 2008.
126
Roberto Simonsen, História econômica do Brasil (1500/1820). 8a.ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1978 (1937); I. Jancsó (et al.), Cronologia de história do Brasil colonial (1500-1831). São Paulo:
FFLCH-USP, 1994; I. Jancsó (et al.), Cronologia de história do Brasil monárquico (1808-1889). São Paulo:

82
Paulo, no sul de Minas Gerais e no Espírito Santo.127 Paralelamente, estava em curso um

forte incremento do tráfico de escravos africanos para os portos do Rio de Janeiro e

Salvador, o que talvez ajude a entender a continuidade da ocorrência (ou o ensaio) de várias

revoltas de escravos e negros libertos, como a sucedida na Bahia em fevereiro de 1810, e

que resultou em duras penas aos envolvidos, considerando, nas palavras do próprio príncipe

regente, que “os trabalhos forçados aos quais estes escravos acorrentados foram

condenados não são uma punição suficiente pelo crime atroz perpetrado por estes negros

insolentes”.128 Mesmo os ambientes urbanos lusoamericanos mais diretamente controlados

pelas autoridades reais conheciam, ainda, inquietações de outros tipos, as quais mesclavam

boatos infundados com reais possibilidades de distúrbios públicos. Na Intendência Geral de

Polícia do Rio de Janeiro, o trabalho era considerável. 129

No Brasil de 1810, as medidas governamentais implicavam – e ainda que algumas

delas se remetessem a práticas tradicionais que agora eram apenas continuadas ou

intensificadas – a criação de condições materiais para que as terras americanas abrigassem

a Corte e se revestissem de feições condizentes com sua nova dignidade política.

Implicavam, assim, a superação de feições coloniais incompatíveis com tal dignidade, o

que naturalmente feria aspectos que até aquele momento distinguiam tais terras das do

continente europeu. E desse modo, como efeitos colaterais indesejados, potencializavam

conflitos e aprofundavam fissuras que em pouco tempo se mostrariam suficientes para

FFLCH-USP, 2000; e Maria Aparecida Silva de Sousa, Bahia: de capitania a província, 1808-1823. São
Paulo: FFLCH-USP, 2007, p.107-108 (doutorado).
127
Fernanda Spósito, Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e
conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda, 2012; Maria Regina C. de Almeida,
“Os índios no tempo da corte: reflexões sobre política indigenista e cultura indígena no Rio de Janeiro
oitocentista”. In: Revista USP no. 79, 2º semestre de 2008, pp. 94-105; Rosângela F. Leite, “A política joanina
para a ocupação dos sertões (Guarapuava, 1808-1821)”. In: Revista de História 159, 2º semestre de 2008,
p.167-187.
128
Maria Aparecida Sousa. Bahia..., cit., p.77.

83
conduzir o Império Português ao mesmo tipo de convulsões que até então suas principais

autoridades tinham sabido evitar.

Os tratados assinados entre o Império Português e o Império Britânico em 19 de

fevereiro de 1810 (ratificados em 26 de fevereiro e 18 de junho) tipificam o caso mais

eloquente desse fenômeno. Em linhas gerais, davam continuidade à formalização da aliança

luso-britânica estabelecida em 1807, e que resultara na transferência da Corte bragantina e,

logo em seguida, na abertura de seus portos ao comércio mundial (em 28 de janeiro de

1808). Desde então, o comércio britânico tornara-se largamente hegemônico no Brasil.

Agora, se lhe concedia uma redução da taxa alfandegária a ser paga nos portos portugueses,

criava-se uma instância jurídica para dirimir questões entre súditos portugueses e

britânicos, convertia-se Santa Catarina, mais ao sul, em porto livre para facilitar a atividade

britânica no Rio da Prata, e se mantinham e ampliavam as disposições acordadas mais de

cem anos antes, no tratado de Methuen (1703): a preferência de importação portuguesa de

lanifícios britânicos (no tratado anterior, ingleses) em troca da recíproca preferência por

vinhos portugueses.

As disposições dos tratados não se restringiam a questões econômicas, versando

também sobre questões de “amizade e aliança”. Deles constava, assim, a proibição de

transporte, em navios portugueses, de quaisquer gêneros e mercadorias adquiridas ou de

propriedade de potências inimigas da Grã-Bretanha, e vice-versa; e a admissão, nos portos

portugueses, de até seis embarcações de guerra britânicas, enquanto as de outros países

eram expressamente proibidas. Por fim, Portugal comprometia-se com a abolição gradual

129
Andréa Slemian, Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006.

84
do tráfico de escravos africanos, o que, graças aos interesses portugueses habilmente

defendidos por tanta gente, seria postergado muito além do que esperava a Grã-Bretanha.130

De ambos os lados do atlântico, as reações de súditos portugueses, adversas aos

tratados de 1810, foram muitas e imediatas, e iam desde manifestações programáticas em

defesa do livre-comércio até fortes descontentamentos decorrentes da perda de privilégios e

de fontes materiais de lucro e riqueza. A concorrência absolutamente desigual com o

comércio e a indústria britânicos, auxiliados por uma marinha mercante também muito

superior à portuguesa, se conjugaria com um conturbado ambiente geral, peninsular e

americano. Significativas perdas de direitos alfandegários, a ruína da incipiente indústria

portuguesa no Brasil – ademais provocada em parte pelo próprio governo do príncipe

regente desde 1808 - e as vantajosas concessões oferecidas aos súditos britânicos

configuraram ambiente de instabilidade e tensão.131 É conhecido o caso do comerciante

português Manoel Luís da Veiga que, radicado no Brasil, se queixaria às autoridades reais

das vantagens concedidas aos britânicos em detrimento dos interesses dos nacionais.132 As

insatisfações se fizeram notar também na Bahia, cujos comerciantes não apenas perderiam

a concorrência com os britânicos, como ainda veriam o porto de Salvador ser

definitivamente ultrapassado pelo do Rio de Janeiro.133

130
Valentim Alexandre, Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo
Regime português. Porto: Afrontamento, 1993, p.209-232; do mesmo autor: “O império luso-brasileiro face
ao abolicionismo inglês (1807-1820)”. In: Velho Brasil, novas Áfricas. Porto: Afrontamento, 2000, p.66-72;
Maria Cândida Proença, A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999, p.18-19.
131
Ana Cristina B. de Araújo, “O ‘Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves’, 1815-1822”. In: Revista de
História das Idéias, 14. Coimbra, 1992, p.244-246. Vide também as observações coevas de John Mawe,
Viagens ao interior do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1978; e de John Luccock, Notas
sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1975.
132
Do descontentamento de Veiga surge um ensaio de atuação política sediciosa, conforme analisa A.
Slemian, Vida política..., cit., cap.II.
133
Maria Aparecida Sousa, Bahia..., cit., p.84 e p.169.

85
Foi nesse ambiente que a Gazeta do Rio de Janeiro, periódico oficial da Corte

portuguesa destinado justamente a tornar públicas as medidas governamentais, e

especialista em silenciar sobre questões delicadas, fez uma primeira menção aos tratados

somente sete meses depois de sua assinatura.134 Em contrapartida, o Correio Brasiliense,

periódico igualmente dedicado ao mundo português, mas editado em Londres e de caráter

mais livre do que a Gazeta, confirmou os acordos já em seu número de julho de 1810, e

desde o ano anterior vinha se manifestando a respeito da inevitabilidade dos mesmos135.

Deve-se destacar que os tratados de 1810 também fomentaram tensões no tocante à

relação da Corte do Rio de Janeiro com outros governos estrangeiros, notadamente os de

França e Espanha. No primeiro caso, obviamente o fortalecimento do alinhamento

português com a Grã-Bretanha fazia aumentarem os temores de represálias, inclusive contra

os territórios da América (Caiena, colônia francesa vizinha à capitania lusoamericana do

Grão-Pará, fora ocupada militarmente por ordem do príncipe regente em 1809). No

segundo caso, as autoridades centrais peninsulares, que desde 1808 vinham se empenhando

em preservar a soberania de Fernando VII, agora se concentravam na reunião de Cortes em

Cádiz e na elaboração de uma Constituição para a monarquia espanhola; a partir de 1810,

as queixas em relação ao comportamento ambíguo do governo do Rio de Janeiro só

aumentariam: pois ao mesmo tempo em que este manifestava sentimentos de solidariedade

com a Espanha baseados em princípios de legitimidade dinástica tradicionais, desde 1808

se metia diretamente nos assuntos dos territórios hispano-americanos. Agora, aumentaria

sua ingerência naquelas questões e até mesmo negociaria diretamente com as juntas recém-

formadas, consideradas pela Espanha como insurgentes.

134
Gazeta do Rio de Janeiro (doravante GRJ) n.76, de 22/09/1810.

86
Em setembro de 1810, o encarregado de negócios de Portugal na Espanha, Pedro de

Sousa Holstein (futuro conde de Palmela) dirigiu-se ao ministro Rodrigo de Sousa

Coutinho, informando-lhe das queixas a ele dirigidas pelo secretário espanhol Eusebio de

Bardaxi, de que “o Porto Franco estabelecido na Ilha de Santa Catarina tendia claramente a

encher de contrabando as Colônias Espanholas”, com o que o diplomata português teria lhe

respondido que “a proibição do livre-comércio com as Colônias Espanholas, que servia de

fundamento à sua queixa, não podia já agora de modo nenhum subsistir”. Por fim, fazia

uma ameaça ao colega espanhol: “ou as Cortes que iam a reunir-se adotariam um sistema

liberal de comércio para toda a extensão da Monarquia Espanhola”, ou “as Colônias

seguirão todas indubitavelmente umas depois das outras o exemplo dado por Caracas e por

Buenos Aires.”136

Permeada por tensões em Portugal e em territórios do Brasil, pressionada por

governos estrangeiros e preocupada com sua vizinhança americana, a Corte do Rio de

Janeiro via a almejada calmaria se converter em quimera. Sobretudo porque em 1810 a

América espanhola se tornava - e não apenas em Caracas e Buenos Aires - um ambiente

claramente propenso à revolução. O que nela ocorria era de várias maneiras acompanhado

de perto pelo governo do Rio de Janeiro, e despertava interesse também em uma cena

pública que, nos principais centros urbanos da América portuguesa, se alargava e se

politizava. Neles, chegava a Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Brasiliense, além de

publicações de outros países, informações e boatos trazidos por várias fontes, todos eles

constituindo um complexo emaranhado de conteúdos.

135
CB v.V, n.26, 07/1810. Uma vez ratificados, os tratados seriam alvo de seguidas críticas no Correio
Brasiliense.
136
Ofício n.11 de Palmela a Linhares, Cádiz, 23 de setembro de 1810. AHI.

87
As primeiras notícias acerca dos sucessos de Caracas em 1810 chegaram às páginas

do Correio Brasiliense em sua edição de maio, segundo a qual “os últimos acontecimentos

militares na Espanha produziram, em algumas de suas colônias, os efeitos que se podiam

esperar”; as notícias davam conta de que os habitantes de Caracas haviam proclamado sua

“independência”, deposto e prendido o governador da Capitania “não [...] sem considerável

resistência, e alguma efusão de sangue”. No entanto, tudo indicaria que o movimento nada

mais seria do que a formação de uma junta de governo leal a Fernando VII, no que os

caraquenhos estariam apenas seguindo os próprios exemplos peninsulares oferecidos desde

1808; desse modo, dizia que “a justiça deste modo de proceder nos parece evidente”, já que

“faltando o Soberano, a nação devia escolher um Governo”. 137 Em seu número seguinte, de

junho de 1810, o mesmo jornal publicou vários documentos a respeito, e referiu-se aos

acontecimentos como importante “revolução”, entendida esta como sinônimo de reforma.

A “revolução” de Caracas aparecia assim como um movimento justo e que obrava “de

maneira que Fernando VII voltando, e tomando posse de seu legítimo Poder, constitua para

os Americanos leis, que os protejam contra os abusos das pessoas em autoridade”.

Desmentia, ainda, o caráter de violência supostamente empregado pelos caraquenhos e pelo

próprio Correio indicado no número anterior: a formação do novo governo “fez-se [...] com

tumulto do povo, é verdade; porque não havendo remédio legal, para a opressão que

sofriam, não restava outro meio senão o da força; mas não houve efusão de sangue”.138

No Correio Brasiliense de agosto de 1810 foram publicadas, além de vários outros

documentos e informações relativos à Venezuela, também notícias sobre Buenos Aires: a

realização de um Cabildo Aberto em 22 de maio, a indicação para a formação de uma junta

137
CB v.IV, n.24, 05/1810. Os dados que se encontram nos próximos parágrafos desenvolvemos com mais
detalhamento em O Brasil e a América espanhola (1808-1822). São Paulo: FFLCH/USP, 2004 (doutorado).

88
de governo, a consumação da mesma, nomes dos membros dela integrantes, a deposição do

vice-rei Hidalgo de Cisneros e a convocação para a formação de um exército de quinhentos

homens a ser enviado às províncias do interior do vice-reino.139 De Lima chegavam notícias

de execuções de envolvidos nas conspirações quitenhas de 1808 e 1809, dando conta da

crueldade e impopularidade das mesmas. Para o preocupado Correio Brasiliense, “a

circunstância de se fazer esta revolução [de Buenos Aires] sem efusão de sangue, como em

Caracas”, provaria “que não só a grande maioridade do povo era a favor desta mudança;

mas que havia para isto um plano premeditado”. Por fim, indicava a resistência de Guayana

em aderir ao movimento de Caracas, trazendo uma lista dos componentes daquele governo,

pois, “como a Guayana é uma das Províncias da América Espanhola, novamente

organizadas, que se acha mais contígua ao Brasil, julgamos, que será interessante aos

Brasilienses conhecer os nomes de seus principais cabeças”.140

Notícias mais pormenorizadas acerca de Guayana vieram na edição do Correio

Brasiliense de setembro de 1810, junto a relativa à criação da Gazeta de Buenos Aires.

Ainda sobre o Rio da Prata, o Correio trouxe a resposta do Cabildo de Montevidéu (6 de

junho) à convocação da Junta de Buenos Aires, assegurando fidelidade ao Conselho de

Regência, e a réplica da mesma (8 de junho), num longo libelo contrário à autoridade

metropolitana.141

A formação da junta de Santa Fé, em Nova Granada, também obteve espaço no

Correio Brasiliense, bem como a resistência cordobesa ao exército expedicionário de

138
CB v.V, n.26, 07/1810.
139
CB v.V, n.27, 08/1810.
140
CB v.V, n.27, 08/1810.
141
CB v.V, n.28, 09/1810.

89
Buenos Aires e as adesões de Salta e Tucumán;142 a confirmação do envolvimento de

Santiago de Liniers naquela resistência viria um pouco depois, na edição e novembro de

1810. Em função de todos esses acontecimentos, o Correio expressava pesar pelo panorama

de desordem e conflito que agora, claramente, grassava por quase toda a América

espanhola, e que ameaçava a América portuguesa:

“a guerra civil, que nós sempre tememos na América Espanhola, está efetivamente

começada. A expedição, que saiu de Buenos Aires contra o partido de Liniers,

sucedeu em prendê-lo, e reduziu Córdoba à obediência à capital: este vencimento

abre inteiramente a comunicação entre Buenos Aires e a costa do Peru; é muito

natural supor que as tropas mandadas a esta expedição, quando se recolherem,

passem a atacar o território de Montevidéu, cujo Governador se mantém na

resolução de não obedecer ao Governo de Buenos Aires. Esta operação trará a

guerra para junto das fronteiras do Brasil”.143

O aspecto sombrio dos acontecimentos da América espanhola contamina toda a

edição do Correio Brasiliense de dezembro de 1810, com documentos, notícias e boatos

acerca de Nova Granada, inclusive uma proclamação da Junta de Santa Fé (5 de setembro)

declarando luto em homenagem às dezenas de mortos na repressão legalista de Quito, e na

qual se lia o clamor de “Levante-se em Armas toda a América; e una-se em um grito geral

de vingança”. Também trazia a confirmação do fuzilamento de Liniers e de outras

142
CB v.V, n.29, 10/1810.
143
CB v.V, n.30, 11/1810.

90
autoridades cordobesas, dando assim o tom da evolução de um quadro que, aos olhos do

Correio, era cada vez mais grave (“os procedimentos em Quito são de um caráter feroz, e

produzirão consequências terríveis”). Notícias não confirmadas indicavam que Lima, assim

como todo o Peru e o Chile estariam seguindo o mesmo caminho.144

Praticamente todos os grandes acontecimentos políticos da América espanhola do

ano de 1810 foram tratados pelo Correio Brasiliense,145 difundidos por uma vasta rede de

circulação atlântica da qual ele era parte. O Correio circulava na Europa, nos Estados

Unidos e na América espanhola; na América portuguesa, era lido até mesmo pelos

estadistas portugueses que o proibiam de circular, já que em uma conjuntura como a de

1810 não poderiam prescindir do seu riquíssimo manancial de informações, essencial como

subsídio à gestão política em tempos de revolução.

Uma demonstração cabal dessa essencialidade está na já mencionada

correspondência estabelecida entre Pedro de Sousa Holstein e Rodrigo de Sousa

Coutinho.146 As informações remetidas ao Brasil davam conta da precipitação de

movimentos tratados por “revoluções”, “sublevações” ou “insurreições”. Buscando elaborar

um diagnóstico da situação na América, Holstein escrevia que, embora houvesse

indicativos de que “a revolução de Caracas tem o caráter de seriedade e de obstinação

maior que a de Buenos Aires” - pois era “fundada em princípios perigosos” - ao passo que a

144
CB v.V, n.31, 12/1810.
145
Os acontecimentos de Nova Espanha só mereceram destaque na edição de fevereiro de 1811, quando o
movimento de Hidalgo já se encontrava praticamente extinto. (CB v.VI, n.33, 02/1811).
146
Outra demonstração é a proposital e estratégica reserva com a qual a Gazeta do Rio de Janeiro tratou,
publicamente, os acontecimentos hispano-americanos de 1810: não noticiou quase nada, destacando apenas
coisas favoráveis à manutenção do realismo espanhol. Preocupava-se, evidentemente, com os imprevisíveis
efeitos que o conhecimento das convulsões políticas vizinhas ao Brasil poderiam gerar neste. Analisamos
pormenorizadamente a questão em “La política hispanoamericana y la crisis del Imperio portugués:
vocabulario político y coyuntura”. In: Brasil y las independencias de Hispanoamérica. Castelló: Publicacions
de la Universitat Jaume I, 2007, 51-74.

91
segunda “mostra ser nascida da incerteza em que se acharam aqueles habitantes sobre o

estado da Metrópole”, não havia dúvidas de que “ambas devem dar cuidado” 147.

O maior fluxo de informações, notícias e boatos relativos à América espanhola

chegava ao Brasil via Europa, às vezes por intermédio dos Estados Unidos; mas também

havia comunicação direta com a própria América, pois a Corte do Rio de Janeiro usufruía

de uma rede de informantes montada durante os anos de 1808 e 1809, e voltada

principalmente para Buenos Aires e Montevidéu. Eram estes os portos hispano-americanos

de maior contato com os portos lusoamericanos desde os séculos XVI e XVIII,

respectivamente, e foi neles que o projeto carlotista, fomentado pelos gabinetes português e

britânico entre 1808 e 1809, conheceu maior respaldo dentre todos os domínios espanhóis

da América. Embora em 1810 a possibilidade de reconhecimento da soberania da irmã de

Fernando VII estivesse cada vez mais distante, as articulações de Carlota Joaquina estavam

de pé, e contribuíam para aproximar a realidade política lusoamericana da hispano-

americana.

Um extenso informe datado de julho de 1810, redigido em português, mas sem

autoria identificada, provavelmente remetido ao Rio de Janeiro por um dos agentes de

Carlota Joaquina residentes em Buenos Aires, abordava convulsões alto-peruanas, a

possível adesão de Mendoza e Salta à Junta de Buenos Aires, e a partida do exército desta

em direção a Córdoba. Dava conta ainda da resistência do Paraguai que, inserida na

situação geral do vice-reino, propiciaria – segundo o informe - um ambiente político

favorável aos objetivos de Carlota.148 Outra fonte proveniente de Buenos Aires, e cujas

informações também seguiram para a Corte do Rio de Janeiro, assegurava que o Chile

147
Ofício n.11 de Palmela a Linhares, Cádiz, 23/09/1810. AHI, Documentos Avulsos, Legação em Cádiz.
148
Notícias provenientes de Buenos Aires, 07/1810. Política Lusitana en el Río de la Plata, II, p.61-63.

92
trilhava o mesmo caminho que Buenos Aires, mencionava o envio de um exército para

subjugar o Paraguai, e também boatos acerca da existência de um plano para “seduzirem os

brasileiros, pardos, e negros para a independência”. Por fim, remetia exemplares da Gazeta

de Buenos Aires.149

O jornal oficial da junta de Buenos Aires começou a ser publicado já em 25 de maio

de 1810, explicitamente com o propósito de subsidiar as ações do novo governo e difundir,

nos territórios do vice-reino, seu ideário e projeto político. Segundo suas palavras, “el fin

de los periódicos es generalizar las ideas, consolidar la opinión por la repetición de las

materias políticas”150. Em 13 de outubro de 1810, a Gazeta começaria a ter uma oposição à

altura: naquela data, veio à luz o primeiro número da Gazeta de Montevideo, voz do

governo realista daquela cidade. A posição legitimista tradicional mantida por Montevidéu,

amplamente expressa na sua gazeta, contou com o apoio aberto da Corte portuguesa do Rio

de Janeiro, que inclusive forneceu meios de criação do periódico. Assim, no “prospecto”

que antecedia seu primeiro número, lia-se que:

“Los Pueblos, como los hombres, se hacen ilustres por sus virtudes. El amor

de los ciudadanos a las Leyes, á la Religión, al Gobierno, á las costumbres, y á las

mismas preocupaciones de la Nación, forma el patriotismo esa virtud eminente,

fundamento de la independencia de los pueblos libres. Sin el amor á la patria, ni

España habría dictado leyes á la Grecia, ni Roma se hubiera titulado la Capital del

mundo conocido.

149
Nota de Manuel Francisco de Miranda ao brigadeiro Antônio Correa da Costa, Buenos Aires, 24/10/1810
(PLRP, II, p.148-149).
150
Gazeta de Buenos Aires, 05/11/1811

93
Montevideo, á quien debemos aun considerar en el estado de su infancia, ha

manifestado con rasgos heroicos la posesión de los más nobles deseos á la verdadera

gloria. Su sistema constante de lealtad al mas digno de los Monarcas, le ha merecido

el titulo de MUY FIEL, y que su nombre se registre en la lista de los pueblos

beneméritos de la Patria. La energía con que sostiene la causa de los derechos

sagrados de su legítimo Soberano el Señor Don Fernando VII., y el carácter de su

dignidad desde la época desgraciada de las conmociones populares de Buenos Aires,

le ha adquirido el aprecio de la Corte del Brasil. La Serenísima Señora nuestra

Infanta D. Carlota Joaquina, interesada en la conservación de los dominios de su

augusto hermano, y en las glorias de este Pueblo, ha tenido la generosidad de

proporcionarnos una Imprenta, para que se haga publica su conducta fiel, y

generosa”.151

Em 1810, o Rio da Prata oferecia os maiores pretextos para que as preocupações da

Corte portuguesa com sua vizinhança hispano-americana se traduzissem não apenas em

consumo de informações, temores e expectativas. Era ali que, de modo mais acintoso, o

governo do príncipe João resolvia interferir diretamente em negócios externos (e que,

conforme vimos anteriormente, no ano seguinte resultaria à primeira invasão portuguesa da

banda oriental). Inclusive por que se sabia, dentre as autoridades do Rio de Janeiro, da

elaboração, em Buenos Aires em julho de 1810, do Plan de las Operaciones que el

gobierno provisional de las Províncias Unidas del Río de la Plata debe poner en práctica

para consolidar la grande obra de nuestra libertad e independencia. Seu autor nos é

desconhecido, mas seu conteúdo está muito bem afinado com a política “morenista” da

151
Gazeta de Montevideo, prospecto, (p.03)
94
junta portenha, coerente com as ideias e as práticas de um dos grupos mais atuantes no

movimento de Maio de 1810, Mariano Moreno.152

O Plan de las operaciones era um projeto de consolidação da política revolucionária

portenha por todo o território do Vice-Reino do Rio da Prata, mas incluía algumas

disposições específicas de política externa, inclusive relativas ao Brasil. Além de prever a

sublevação e conquista da realista banda oriental, até então apoiada pelo governo do Rio de

Janeiro, tratava da conduta a ser observada com Grã-Bretanha, Portugal e Brasil. Uma das

ideias do Plan era que Buenos Aires deveria conceder a estes governos todas as vantagens

comerciais possíveis e tratar seus negócios no Rio da Prata muitíssimo bem; igualmente,

tornaria público seu apoio à adoção do projeto carlotista em Montevidéu, auxiliando-o com

homens e equipamentos, não obstante oferecer-lhe, disfarçadamente, percalços e

dificuldades, bem como aos avanços e movimentações aos exércitos portugueses que se

encontravam no Rio Grande de São Pedro (capitania vizinha à banda oriental), cujo

comandante Diogo de Souza poderia vir a ser cooptado. Tudo isso dependeria, porém, do

afastamento da Grã-Bretanha dos negócios de Montevidéu, a ser obtido por vias

diplomáticas, bem como de uma declaração formal de que esta não se encontraria

comprometida, em termos formais, com Portugal.153

Em seguida, havia recomendações sobre as relações secretas a serem mantidas com

Portugal e Grã-Bretanha. A ideia central era aproximar-se desta para, progressivamente,

voltá-la contra aquele. Configurado esse quadro, o passo seguinte seria trabalhar no Brasil

152
Noemí Goldman, Historia y lenguaje: los discursos de la Revolución de Mayo. Buenos Aires: Editores de
America Latina, 2000, p.62-67; da mesma autora: “Utopía y discurso revolucionario (El plan de operaciones
de M. Moreno)”. In: Espacios n.6. Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras/Universidad de Buenos Aires,
octubre- noviembre/1987, p.52-56.
153
Mariano Moreno, Plan revolucionario de operaciones. Buenos Aires: Perfil, 1999 (prólogo de Martín
Caparrós). Para o artigo 4º, p.82-90. Os próximos parágrafos estão baseados em: J. P. G. Pimenta, O Brasil e
a América espanhola..., cit.

95
“por medio de la introducción de la rebelión y guerras civiles; combinando al

mismo tiempo, por medio de tratados secretos con la Inglaterra, los terrenos o

provincias que unos y otros debemos ocupar, y antes de estas operaciones hemos de

emprender la conquista de la campaña del Río Grande del Sud, por medio de la

insurrección”.154

Realista, apoiado pela Grã-Bretanha e apoiando Montevidéu, o Brasil precisava ser

batido, e de sua derrocada dependia, segundo o Plan, a longevidade do governo de Buenos

Aires. Por isso são detalhados os meios de sublevação do Rio Grande de São Pedro, cuja

conquista poderia franquear a subversão de outras regiões do Brasil, nomeadamente Santa

Catarina e Bahia – que mantinham relações mercantis com o Rio da Prata. O objetivo final:

fragmentar e dividir os territórios da América portuguesa. Isto é, exatamente o contrário do

que pretendera – e a curto-prazo lograra – a Corte portuguesa com sua instalação no Rio de

Janeiro. Aqui, o Plan lidava com uma hipótese aparentemente lógica: se à Grã-Bretanha

interessaria a independência da América Espanhola e sua fragmentação em vários países –

o que facilitaria a penetração do comércio britânico no continente – a ela deveria interessar,

também, a fragmentação do Brasil.

Em uma empresa que poderia durar de seis até oito anos, concomitante à pacificação

da banda oriental e ao pleno restabelecimento de sua atividade comercial, a sublevação do

Rio Grande de São Pedro deveria começar pela manutenção de contingentes militares de

cinco a seis mil homens na fronteira do rio Uruguai, em Corrientes, em Misiones e no

Paraguai, além de dez mil em Montevidéu e sua campanha. Após firmar tratados de

96
comércio com Portugal, assegurando-lhe uma falsa amizade, Buenos Aires enviaria a toda a

capitania agentes comerciais encarregados de tomar conhecimento da região, de seus

habitantes e de irem “catequizando las voluntades de aquellos más principales”. A todos

esses agentes, bem como aos comandantes militares de fronteira, seriam remetidos

exemplares da Gazeta de Buenos Aires,

“debiéndose tratar en sus discursos de los principios del hombre, de sus derechos, de

la racionalidad, de las concesiones que la naturaleza le ha franqueado; últimamente,

haciendo elogios lo más elevados de la felicidad, libertad, igualdad y benevolencia

del nuevo sistema, y de cuanto sea capaz y lisonjero, y de las ventajas que están

disfrutando; vituperando al mismo tiempo a los magistrados antiguos del

despotismo, de la opresión y del envilecimiento, en que se hallaban, e igualmente

introduciendo al mismo tiempo algunas reflexiones sobre la ceguedad de aquellas

naciones que, envilecidas por el despotismo de los reyes, no procuran por su santa

libertad”.

Com o pretexto de facilitar os negócios comerciais, o Plan previa, ainda, a criação

de uma imprensa revolucionária em português. Aos comandantes de fronteira seria

recomendado um tratamento extremamente benevolente com todo e qualquer português, até

mesmo para com contrabandistas e ladrões, que sofreriam somente penas brandas; sempre

que necessário, deveriam fornecer aos portugueses “pobres e medianos” grãos e demais

gêneros de subsistência, a título de empréstimos amplamente vantajosos às populações

locais. Por fim, outra frente de propaganda seria aberta, com a introdução na capitania de

154
M. Moreno. Plan revolucionário..., cit., p.108.
97
“pasquines y otras clases de papeles escritos en idioma português, llenos de mil dicterios

contra el gobierno y su despotismo”. Depois de tudo isso ter criado um clima favorável, o

Rio Grande seria invadido e conquistado por um exército de 18 ou 20 mil soldados. 155

Estaria o Império português imune a essas ameaças? Seria o Brasil um universo

estéril e renitente ao emprego desses métodos? Certamente, não. Nesse ponto, o autor do

Plan se mostra bem municiado de uma visão de conjunto da realidade sobre a qual

pretendia atuar. Ao menos dois exemplos nos parecem claros. Em primeiro lugar, ao

mencionar os procedimentos a serem adotados em relação à escravatura em uma província

na qual, sabidamente, ela era condição e resultado de um recente e progressivo

desenvolvimento econômico como era a riograndense, o Plan é bastante cauteloso: “no

tocar todavía, hasta su debido tiempo, la libertad de los esclavos en aquellos destinos, sino

desfrazadamente ir protegiendo a aquellos que sean de sujetos contrarios a aquella

causa”.156 Com isso, demonstrava consciência de que o apelo à liberdade de escravos, ao

colidir com interesses sabidamente fortes e disseminados dentre os habitantes do Rio

Grande, poderia se constituir numa arma contrária aos seus propósitos. Recomendável

seria, portanto, sondar a disposição local em relação a essa questão, ao invés de dispor

precipitadamente de meios de subversão e promoção da guerra civil.

Em segundo lugar, ao enfatizar o papel da “catequização” política na preparação dos

terrenos a serem conquistados, o Plan evoca um aparentemente bastante seguro panorama

da situação do Brasil:

155
Idem, p. 109-137.
156
Idem, p.119.

98
“Últimamente, nos es muy constante por las noticias que nos asisten, que en toda la

América del Brasil no hay casi un solo individuo, a proporción, que esté contento

con el gobierno ni sus gobernantes, tanto por lo mal pagados, como por el

despotismo de sus jefes y mandatarios, por la cortedad de los sueldos, por lo

gravoso y penoso de las contribuciones, lo riguroso e injusto de algunas leyes, en

atención a las que las naciones libres y más generosas observan; nos consta

asimismo que los clamores y quejas contra diversos particulares son infinitos, que

no hay quien no murmure de sus ministros y mandones, que llenos de orgullo,

absorben la sangre del Estado, cuando al mismo tiempo gime de la cortedad de su

sueldo el pobre soldado, haciéndole injustamente consentir en la dura ley de

esclavizarlo por toda la vida; últimamente, no hay ninguno que desesperado de la vil

sumisión y abatimiento en que la Inglaterra tiene a Portugal, no produzca sino el

lenguaje del descontentamiento y murmuraciones contra la misma autoridad

real”.157

Ainda que esse diagnóstico possa ser exagerado em alguns de seus termos, em

essência ele era próximo da realidade. Realidade da qual desde 1808 os próprios estadistas

lusos demonstravam ter clareza,158 e da qual os muitos e variados descontentamentos

perceptíveis dentre os súditos portugueses em 1810 eram demonstração.

157
Idem, p.123-124.
158
Uma cópia manuscrita foi feita em Buenos Aires, com resumos em português de cada um dos parágrafos
dos artigos 4o, 7o e 8o, nas quais se leem referências a “nossas [de Portugal] relações com a Espanha”, “nosso
[de Portugal] governo”, “nos [a Portugal] dissuadir”; tudo indica que essas anotações foram obra de um dos
agentes portugueses no Prata, possivelmente remetida aos seus superiores (PLRP, II, cit., p.104-140).
Ademais, há uma carta posterior de Carlota Joaquina a seu irmão Fernando VII, quando este se encontrava
restabelecido no trono da Espanha, na qual se refere ao Plan: “Es bonito... pero nada nuevo para nosotros que
los conocemos” (Carta de D. Carlota a Fernando VII, 30/11/1814. Citada por N. Goldman. Historia y
lenguaje..., cit., p.65).

99
4.3 – Conclusão: sinais de novos tempos

A ausência de revoluções no Brasil de 1810 agora já pode ser devidamente

matizada. Ela não estava, é verdade, no primeiro plano do cenário aqui observado; mas uma

vez constatado que estava nesse cenário, revela-se justamente um esforço generalizado para

confiná-la a lugares onde ela pudesse ser inofensiva ao Império Português. Em 1810, isso já

era difícil. Não que fosse inevitável a ocorrência, no Brasil, do que estava em curso na

América espanhola, ou do que ocorrera em outras partes do mundo ocidental em anos

anteriores; mas na medida em que a política se pautava por um paradigma negativo a ser

evitado, e que essa própria política contribuía para aprofundar fissuras e tensões na unidade

da dinastia e dos territórios portugueses na Europa e na América, tornava-se cada vez mais

evidente que algo deveria se passar. Ao menos, criavam-se condições para que as projeções

de futuro, diversas, contraditórias e fluidas, concebessem a ocorrência de uma

transformação de monta também onde a almejada calmaria, doravante, seria apenas um

ideal inatingível.

Em 1810, isso podia ser percebido até mesmo por serenos espectadores de um

espetáculo teatral, típico espetáculo cortesão onde se mesclavam reprodução de hierarquias

sociais, manutenção do status quo vigente, e puro entretenimento. Em 13 de maio de 1810,

no aniversário do príncipe regente e em comemoração ao casamento de um de seus filhos, o

Rio de Janeiro conheceu a apresentação do Triunfo da América, uma curiosa peça onde a

100
principal personagem, a metafórica América, se mostra em condições de bater sua inimiga,

a Vingança.159 Em determinada passagem, aquela fulmina contra esta:

“Vai-te abutre cruel, que o instinto cevas

Em tristes mortes, em cruéis desastres,

Vai-te, que este lugar defeso aos crimes

Não te quer conhecer, nem te precisa.”

É bem provável que a imagem desse “abutre cruel” não tenha em nada abalado a

aprazível noite daqueles que, na ocasião, compareceram ao evento, ademais destinado a

enaltecer a suposta pacificação do Brasil propiciada pelo príncipe regente. Mas como uma

ave que voa nos céus, em 1810 os sinais de novos tempos estavam no ar.

159
Triunfo da América. Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1810 (disponível em:
www.iar.unicamp.br/cepab/libretos/triunfo.htm).

101
Capítulo 5

A independência da América espanhola nas páginas de um periódico do

Brasil: paralelismos, prognósticos e articulações políticas (1820-1822)

5.1 – Apresentação do problema

Entre os meses de agosto e outubro de 1822, o emaranhado de alternativas que

compunham o cenário político lusoamericano conhecia a dissolução de alguns de seus nós e

começava a desenhar, com uma clareza até então inédita, o triunfo de uma delas: a

definitiva separação de destinos entre o Brasil e Portugal, embasada na irreversível perda de

eficácia da manutenção da unidade da monarquia bragantina, levada adiante a duras penas a

partir de 1808.

Concebida já em meados do século XVIII no bojo das políticas estatais reformistas

levadas a cabo por dirigentes imperiais conscientes da posição frágil e secundária de

Portugal e seus domínios no concerto europeu, a busca pela reconfiguração e reforço dos

laços que teciam a urdidura da nação portuguesa – e que tornava os vassalos do rei de

Portugal dos quatro cantos do globo integrantes de uma mesma comunidade – se

materializara, em agosto de 1820, num radical projeto de “regeneração” que, iniciado na

cidade do Porto, introduziu dispositivos de limitação e controle da autoridade do monarca.

Vimos anteriormente como a revolução constitucional portuguesa revelou cisões profundas

no seio da nação portuguesa e, ao se voltar para um esforço de remendá-las, acelerou seu

processo de fragmentação. No ultramar americano, adesões coletivas ao movimento

peninsular se deram por toda parte, mas o início do funcionamento das Cortes constituintes,

102
reunindo lado a lado representantes de províncias americanas e europeias, criaria condições

propícias a que sensos de distinção recíprocos se desenvolvessem em direção a

antagonismos.160 Nesse processo, as determinações das Cortes para que o príncipe Pedro

seguisse o exemplo de seu pai, o rei João VI, e abandonasse o Rio de Janeiro rumo a

Lisboa, forneciam pretexto para um acirramento das tensões. Em resposta às demandas de

grupos políticos que viam na liderança americana do príncipe uma alternativa interessante,

em 09 de janeiro de 1822 Pedro declarou formalmente sua intenção de manter-se à testa de

um governo próprio na antiga sede da Corte. Em seguida convocou, em 16 de fevereiro, um

Conselho de Procuradores das Províncias do Brasil destinado a analisar as decisões das

Cortes em relação ao Brasil e, em 03 de junho, uma assembleia constituinte. Rompia,

assim, definitivamente com a autoridade das Cortes, e buscava redirecionar as lealdades

provinciais de Lisboa para o Rio de Janeiro.161 A ampla repercussão que à época tiveram

tais acontecimentos destacava atributos particulares e singulares do Brasil no interior do

Reino Unido português, contribuindo sobremaneira para o surgimento, no seio da nação, de

sensos de distinção até então inexistentes e, para finalmente, conceber a viabilidade política

de um Brasil separado de Portugal.

Em 01 de agosto de 1822, o príncipe Pedro publicou no Rio de Janeiro um

“Manifesto” no qual explicitava tal propósito. Dirigindo-se aos povos “deste Reino” [do

Brasil] chamando-os de “brasileiros”, conclamava-os a trabalhar pela “independência” de

160
Valentim Alexandre, Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo
Regime português. Porto: Afrontamento, 1993, parte V; Márcia R. Berbel, A nação como artefato: deputados
do Brasil nas Cortes portuguesas 1821-1822. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1999; István Jancsó & João Paulo
G. Pimenta, “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional
brasileira)”. In: Revista de História das Ideias, v.21, Universidade de Coimbra, 2000, p.389-440.
161
Francisco J. Falcon & Ilmar R. de Mattos, “O processo de independência no Rio de Janeiro”. In: Carlos G.
Mota (org.), 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.292-339; Roderick J. Barman, Brazil: the
Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988, p.94; Andréa Slemian & João

103
todo o vasto território “do Amazonas ao Prata” e à “união” de “todas as nossas

Províncias”.162 Cinco dias depois, em outro “Manifesto”, pedia o reconhecimento

internacional formal de seu governo, tarefa para a qual nomeava encarregados de Negócios

junto aos governos de Londres, Paris e Washington. 163 Encontrando crescente respaldo a

tais propósitos em diversas províncias do Brasil – sobretudo Rio de Janeiro, São Paulo,

Minas Gerais e Rio Grande do Sul – Pedro protagonizou o rápido deslocamento da

reivindicação de autonomia de um governo brasileiro para a formação de um Estado

brasileiro, para cujo comando seria aclamado imperador no dia 12 de outubro – logo

coroado Pedro I, em 02 de dezembro.

Foi em meio a esses momentos decisivos que um dos principais jornais da época, e

que em 1822 se tornara partidário do projeto de independência do Brasil, o Revérbero

Constitucional Fluminense, trouxe a público uma tradução para o português de longos

trechos de um libelo político voltado à questão da independência da América espanhola,

publicado na Espanha dois anos antes: a Solución a la cuestión del derecho sobre la

emancipación de América, de autoria do espanhol natural de Cuba, Joaquín Infante. A ela,

acresciam-se vinte e nove notas de rodapé traçando comparações entre as situações dos

mundos espanhol e português.164 Notável sob muitos aspectos, o documento que resulta

Paulo G. Pimenta, O “nascimento político” do Brasil: as origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
162
Gazeta do Rio de Janeiro suplemento ao n.94, 06/08/1822; Correio do Rio de Janeiro n.96, 08/08/1822.
163
Gazeta do Rio de Janeiro n.100, 20/08/1822.
164
Revérbero Constitucional Fluminense n.17, 17/09/1822; n.18, 24/09/1822; n.19, 01/10/1822; e n.20,
08/10/1822. O Revérbero encerrou suas atividades neste número, deixando inconclusa a publicação do texto
de Infante. Tudo indica que as notas ao texto são de autoria do próprio jornal. Suas ideias gerais, os
argumentos apresentados, a linguagem empregada, tudo condiz com o que o Revérbero escrevia e defendia
por esta época. Além disso, não há menção a quaisquer autores das mesmas, prática comum já nos primeiros
momentos de existência de uma imprensa periódica no Brasil. No entanto, não podemos afirmar
categoricamente que o Revérbero não tenha se valido de um documento “pronto”, isto é, que não tenha
publicado uma tradução do texto de Infante que já carregava consigo tais notas (o que também era prática
comum). De qualquer modo, o que importa é que, quem quer que seja o autor das mesmas, seu conteúdo

104
dessa publicação chama atenção para questões importantes e ainda pouco estudadas dos

processos de independência política da América ibérica, e que podem ser esboçadas a partir

da resposta à seguinte pergunta: porque o Revérbero publicou a Solución de Infante ?

5.2 – Joaquin Infante, a Solución e o Revérbero

Joaquín Infante nasceu em Bayamo, Cuba, por volta de 1780. Advogado de

formação, em 1811 integrou uma conspiração política organizada a partir de uma loja

maçônica, Lê Temple dês Vertus Theologales, e que, reunindo outros advogados e

proprietários de terras liderados por Román de la Luz Sánchez Silveira, foi rapidamente

sufocada. Infante foi o único dos envolvidos a escapar com vida, e em 1812, quando na

Espanha era editada a Constituição de Cádiz, publicou na convulsionada Venezuela, de sua

autoria, uma Constituição para a ilha de Cuba. Em 1815 esteve com Simón Bolívar na

Jamaica, em 1817 participou ativamente da fracassada expedição de libertação de Nova

Espanha liderada por Francisco Xavier de Mina 165. Em 1820 se encontrava exilado na

Espanha, onde publicou sua Solución a la cuestión del derecho sobre la emancipación de

América, logo impressa também em Caracas, México e Buenos Aires.

corresponde à própria argumentação do jornal, que por meio delas expõe seus pensamentos. Doravante,
quando utilizar a expressão “notas do Revérbero”, estaremos plenamente ciente dessa questão.
165
Eduardo Torres Cuevas, “De la Ilustración reformista al reformismo liberal”. In: Historia de Cuba – La
colonia: evolución socioeconómica y formación nacional de los orígenes hasta 1867. La Habana: Editora
Politica, 1994, p.330-332; Silvio A. Zavala, “México. A revolução. A independência. A Constituição de
1814”. In: Ricardo Levene (dir.), História das Américas v.VII. 3a.ed. Rio de Janeio/São Paulo/Porto Alegre:
W. M. Jackson, 1954. p.58-61. David Pantoja Morán & Jorge M. García Laguardia, Tres documentos
constitucionales en la América española preindependiente. México: Unam, 1975. Aqui, retificamos a
hipótese levantada na publicação original deste capítulo: Joaquin Infante não deve ter estado em Pernambuco
por volta de 1818, no contexto da repressão à revolução do ano anterior: o “Joaquim Teófilo Infante” a que se
referiam autoridades locais, ao que tudo indica, era um homônimo.

105
A América que Infante tinha diante dos olhos, em 1820, oferecia um quadro de

profunda divisão: guerras, mortalidade, destruição de produções locais, interrupção de

fluxos comerciais, governos instáveis e uma enormidade de alternativas políticas em aberto.

Nova Espanha, Cuba e Puerto Rico mantinham-se firmemente realistas, ainda que a

primeira desenhasse espaços de poderes políticos autônomos. Igualmente realistas eram

Quito, Alto Peru e o principal bastião espanhol do continente, o Peru, que, no entanto, via a

aproximação das poderosas forças conjugadas de San Martín e lord Cochrane, bem

sucedidas na “libertação” do Chile. Em Nova Granada, os exércitos de Bolívar e seus

colaboradores já haviam se apoderado de Santa Fé e de boa parte do antigo Vice-Reino, e

lograva vitórias importantes na capitania da Venezuela, tornando o projeto de formação da

República da Colômbia uma realidade cada vez mais próxima. No Rio da Prata, a

promulgação de uma Constituição para as Províncias Unidas, fortemente centralista,

provocava dissidências e o colapso do projeto revolucionário de Buenos Aires, despertando

expectativas de que na região, a restauração espanhola, que até há pouco parecia

completamente impensável, pudesse ser obtida com o auxílio de uma poderosa armada que

vinha sendo preparada no porto peninsular de Cádiz. 166 Porém, justamente em meio aos

preparativos dessa expedição, eclodiu uma nova leva de protestos contra Fernando VII que

resultou na revolução de janeiro de 1820, responsável pela instituição de um novo regime

constitucional na Espanha.

166
John Lynch, Las revoluciones hispanoamericanas 1808-1826. 8ª.ed. Barcelona: Ariel, 2001; Tulio
Halperin Donghi, Reforma y disolución de los imperios ibéricos (1750-1850). Madrid: Alianza, 1985, p.150-
186; Stefan Rinke, Las revoluciones en América latina: las vías a la independencia, 1760-1830. México, D.F.:
El Colegio de México, 2011. Dois documentos coevos atestam a vigência da ideia de que, em 1820, o Rio da
Prata poderia retornar a uma ordem monárquica e, eventualmente, ao domínio espanhol: As províncias de La
Plata, erigidas em Monarquia. Considerações políticas pelo C. de S. 166. Paris, 1820 (título em português da
tradução publicada pelo Correio Brasiliense v.XXIV, 02/1820); e Miguel Cabrera de Nevares, Memoria
sobre el estado actual de las Américas y el medio de pacificarlas. Madrid:Imprenta de don José del Collado,
1821 (devo à gentileza de Ivana Frasquet a indicação e disponibilização de um exemplar desta obra).

106
A Solución de Infante carrega consigo muitas das expectativas criadas em torno

desse regime. Em linhas gerais, trata-se de uma obra bastante típica dos espaços públicos

de discussão política que vinham ganhando densidade e abrangência em todo o mundo

ocidental desde fins do século XVIII, quando a independência das colônias inglesas da

América do Norte ofereceu um primeiro exemplo histórico inspirador, e a obra do abade

Raynal um manancial pioneiro de argumentos a serem ponderados.167 Em 1820, esse

universo tinha nas reflexões do abade De Pradt um de seus elementos mais destacados,

tendo sido ele um dos formuladores do principal argumento da Solución de Infante: o de

que a separação entre a América e a Espanha era legítima porque fundada numa ordem de

coisas “natural”.168 Aqui, independência é sinônimo de emancipação, amparada na

tradicional metáfora do filho que, criado pela mãe para se tornar adulto, atingiria

naturalmente um ponto de maturidade que o tornaria predisposto a uma vida em separado

de sua progenitora. Assim, para Infante, em 1820 era chegada a hora da América se

emancipar de sua “mãe”, a Espanha, e viver livremente. Recorrendo a exemplos históricos

167
Reinhart Koselleck, Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
EdUerj/Contraponto, 1999; François-Xavier Guerra & Annick Lempérière (et.al.), Los espacios públicos em
Iberoamerica: ambiguedades y problemas. Siglos XVIII-XIX. México D.F.: F.C.E., 1998; Para a América
portuguesa os estudos são muitos, podendo-se apontar, dentre eles: Luis Villalta, “O que se fala e o que se lê:
língua, instrução e leitura”. In: Laura de Mello e Souza (org.), História da vida privada no Brasil v.1:
cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.331-385; Luciano
Figueiredo & Oswaldo Munteal Filho, “Prefácio: a propósito do abade Raynal”. In: Abade Raynal, A
revolução da América. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1993, 1-48; Roberto Ventura, “Leituras do abade
Raynal na América Latina”. In: O. Coggiola (org.), A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina.
São Paulo: Nova Stela, 1990, p.165-179; István Jancsó, “A sedução da liberdade: cotidiano e contestação
política no final do século XVIII”. In: L. Souza (org.), História da vida privada..., cit., p.387-445; Marco
Morel, “Independência no papel: a imprensa periódica”. In: I. Jancsó (org.), Independência: história e
historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p.617-636; Andréa Slemian. Vida política em tempo de
crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006; Marco Morel & Mariana M. de Barros, Palavra,
imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; Lúcia
Pereira das Neves, Corcundas, Constitucionais e Pés-de-Chumbo: a cultura política da independência (1820-
1822). São Paulo : USP, 1992 (doutorado).
168
Dominique-Georges-Frédéric de Riom de Prolhiac de Fourt de Pradt, Lês trois ages dês colonies, ou de
leur état passe, présent et à devenir. Paris: 1801-1802. No mesmo ano da Solución de Infante, De Pradt
publicou sua De la revolución actual de la España y de sus consecuencias. Valencia: José Ferrer de Orga,
1820.

107
igualmente tradicionais – Grécia, Roma, Estados Unidos, Haiti – a Solución de Infante

apresenta, em defesa da justiça dessa emancipação, dois tipos de “razões”.

Suas “razões filosóficas” gravitam em torno da consideração de que diferenças

físico-territoriais, populacionais e de disponibilidade de recursos econômicos definiriam a

artificialidade de uniões políticas. O argumento é conhecido, e encontra-se formulado de

maneira cabal já pela Ilustração europeia de meados do século XVIII. No entanto, em meio

às encarniçadas de independência na América espanhola, ele ganhava um novo tempero:

afinal, segundo Infante, as relações longamente estabelecidas entre ambas teriam sido

fundadas no extermínio de milhões de indígenas, na escravização dos sobreviventes e de

povos africanos e na opressão dos “americanos” em geral, resultando em profundo “atraso”

da Espanha e seus domínios em relação a outros povos europeus. E, não bastasse a

dificuldade de estabelecer vínculos entre dois espaços tão diferentes, a Espanha ignorara a

necessidade de estabelecer, na América, um governo que emanasse dela mesma e de suas

particularidades, insistindo em alijar os americanos dos principais postos de governo. Caso

isso tivesse sido observado antes, afirma Infante, a emancipação da América já teria

ocorrido, e de maneira bem mais suave do que começara a ocorrer com a invasão francesa

da península ibérica, quando a explosão de descontentamentos amparados no progresso da

“opinião” tornara dramática a consecução de algo que era, em essência, “natural”.

Dentre suas “razões políticas”, Infante destaca a ideia de que, em 1820, havia um

esgarçamento irremediável nas relações de complementaridade entre Espanha e América,

aliás, jamais estabelecidas em conformidade com a natureza distinta de ambas. Argumenta

que a decadência espanhola, fruto da dinastia dos Habsburgo, da Santa Inquisição, de uma

má legislação e das seguidas guerras contra outros Estados europeus, sempre tivera na

108
exploração da América um mero paliativo: durante muito tempo, o ultramar servira à

Espanha com remessas anuais de rendas e tributos, com espaços de oferecimento de graças

e de oferta de cargos e empregos, fornecendo metal, circulando numerário e criando a

“ilusão” de que as coisas iam bem para o conjunto da Monarquia. A atual “revolução”,

rumo à emancipação, ao interromper o fornecimento de metais e estrangular o comércio,

teria desfeito tal ilusão e mostrado como a Espanha jamais lograra jamais fincar-se em

alicerces sólidos, como o seria o desenvolvimento de uma economia menos dependente da

América. Para Infante, desse modo, o argumento de que a Espanha deveria empenhar-se em

recobrar sua presença na América pela dependência que tinha de seus gêneros equivaleria a

defender os interesses de uns “poucos monopolistas” à custa do sangue de “irmãos” de

ambas as partes. Por fim, afirmava que atualmente, para além da produção americana se

encontrar cada dia mais arruinada pelas guerras – impossibilitada, portanto, de servir à

Espanha – qualquer tentativa de recomposição das tradicionais relações entre as duas partes

esbarraria em ódios recíprocos que já se faziam presentes entre seus habitantes.

Concluía Infante, no entanto, com uma perspectiva promissora: a de que o regime

constitucional espanhol se sensibilizasse diante dessa situação e, além de abandonar todos

os projetos de reconquista da América e de reconhecer, finalmente, sua emancipação, com

ela tratasse de estabelecer relações comerciais de interesse mútuo.

Quando o Revérbero Constitucional Fluminense trouxe em suas páginas a Solución,

a América espanhola já apresentava um quadro distinto em relação ao de 1820. Em

setembro e outubro de 1822, Nova Espanha, Centroamérica, Nova Granada, Venezuela,

Quito, Chile e Rio da Prata eram totalmente independentes, e caminhavam, ainda que em

meio a muita dificuldade, em direção à constituição de Estados nacionais soberanos. Lima,

109
sede de um débil governo revolucionário, ainda conheceria uma restauração realista até sua

definitiva queda em dezembro de 1824, mesmo mês em que o Alto Peru daria lugar à

República da Bolívia e extinguiria, irremediavelmente, o poder espanhol no continente

(doravante confinado a pequenos enclaves sem grande importância até 1826). Ou seja: aos

coevos observadores políticos, com exceções de Peru, Alto Peru, Cuba e Porto Rico, a

América espanhola já tinha se tornado, de um modo geral e em caráter definitivo,

independente da Espanha.

Esse é um dado de suma importância, pois a publicação da Solución de Infante pelo

Revérbero representa uma recorrência consciente e deliberada a um texto que, não obstante

ter sido produzido originalmente em outro contexto, servia, com suas notas de rodapé, aos

propósitos do jornal em meio a uma situação que, ao mesmo tempo em que mostrava o

acerto dos prognósticos de Infante no tocante à inevitabilidade da separação entre Espanha

e América, indicava que também o Brasil caminhava na mesma direção.

Uma direção para a qual, aliás, o Revérbero prestava ativos serviços. Editado por

Joaquim Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa e Clemente Pereira, típicos

representantes lusoamericanos de um estrato de negociantes que, em meio à abertura dos

processos independentistas na América ibérica, viram nas reviravoltas da política

excelentes oportunidades para a mobilização, nessa esfera, em defesa de seus interesses, 169

o Revérbero iniciou sua publicação em setembro de 1821, durante a explosão de periódicos

e panfletos em circulação no Brasil decorrente da regulamentação, para a América, dos

169
Um estudo clássico dessa associação, centrado no Rio da Prata é o de autoria de Tulio Halperín Donghi,
Revolución y guerra: formación de una élite dirigente en la Argentina criolla. Buenos Aires: Siglo XXI, 1972.

110
decretos lisboetas de liberdade de imprensa. 170 Monarquista constitucional, o Revérbero

defendia a manutenção, nas bases do constitucionalismo português em vigência à época, da

união entre Portugal e Brasil, mas passou a acompanhar e sustentar, já a partir de janeiro de

1822, o projeto de um governo do Brasil sediado no Rio de Janeiro e chefiado pelo Príncipe

regente. Era, portanto, uma espécie de “porta-voz” dos interesses políticos e econômicos

que fariam de tal projeto o embrião da independência do Brasil.171

Recorrendo a acertados prognósticos feitos no passado e baseados na análise dos

processos políticos em curso na América espanhola, e tendo em mente o que era essa

América em meados de 1822, as notas do Revérbero à obra de Infante se valeram dos

argumentos deste para tecer comparações entre as situações da Espanha e América

espanhola em 1820, e de Portugal e Brasil em 1822. Agregadas a cada um desses

argumentos, essas notas analisam semelhanças entre processos históricos, problemas e

possibilidades de soluções, dando a entender aos leitores do Revérbero que as duas

situações eram incrivelmente semelhantes.

“Todas as razões que se dão [na Solución] sobre a Independência da América são

aplicáveis, quer ao Meio-Dia, quer ao Norte dela; assim, o que se diz nas Tribunas de

Madrid, Londres ou Washington sobre a liberdade, é aplicável a todo o Mundo”, afirma a

primeira das notas. Lidando com as ameaças feitas nas Cortes de Lisboa de envio de tropas

contra províncias do Brasil – o mesmo tipo de arma de que a Espanha se valia em 1820

para ameaçar a América – os comentários à obra de Infante evocam a máxima política de

170
José Tengarrinha, Da liberdade mitificada à liberdade subvertida: uma exploração no interior da repressão
à imprensa periódica de 1820 a 1828. Lisboa: Colibri, 1993; Morel & Barros, Palavra, imagem e poder..., cit.,
p.21 e segs.
171
A melhor obra sobre o Revérbero e a atuação política de seus editores é a de Cecília de S. Oliveira, A
astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista:
Edusf, 1999.

111
De Pradt, segundo a qual “o espírito de Independência é inato nas Colônias, [e] chegando o

período de sua virilidade não há forças que empeçam o seu necessário desenvolvimento”,172

reiterando todas as “razões filosóficas” de Infante como aplicáveis também ao Brasil. A

exemplo da Espanha, Portugal teria colonizado a América exterminando “milhares de

inocentes vítimas, [que] pagaram com ferros a hospitalidade generosa que haviam

recebido”, e submetido o Brasil, “no centro do Globo, em frente da Europa e da África, no

caminho da Ásia, possuindo os melhores Portos, cortado dos maiores rios, coberto das mais

preciosas Florestas, poderoso com opulentas Minas, sem par pela fertilidade do seu Solo,

apreciável pela salubridade e doçura do seu Clima”, a séculos de opressão e atraso. Por fim,

também Portugal teria impedido o acesso de naturais da terra aos principais cargos

administrativos locais, ou seja, que “nascidos no Brasil tivessem direito ao Brasil”.173

Ao lado de todas essas semelhanças, segundo as notas do Revérbero o caminho

trilhado pelo Brasil a partir de 1808 se diferenciaria do da América espanhola num ponto:

ao atingir sua “virilidade”, aquele não teria soltado seu grito de “independência” porque

naquele ano, ao se instalar na América, o então Príncipe regente e futuro rei de Portugal

“mudou inteiramente o regime Colonial” e “fez partir do Trono aquela obra [da

emancipação], que sem isso partiria da Revolução”. Nesse ponto, a argumentação presente

no Revérbero é digna de bons historiadores modernos: se ao deixar Portugal João teria

172
Idem. O “imortal De Pradt” é evocado também mais adiante quando, comentando as “razões políticas” de
Infante na parte relativa à necessidade de tempo para recuperar a exaurida América, uma longa nota
transcreve um trecho do Reconhecimento da Independência das Colônias da América pelos Estados Unidos
(título em português).
173
Revérbero Constitucional Fluminense n.17, 17/09/1822. Neste ponto, vale destacar que as notas utilizam o
termo “brasileiro” para identificar “nascidos no Brasil”, revelando um desenvolvimento identitário importante
em relação ao tradicional “brasílico”, vigente quando “brasileiro” identificava aquele que comercializa
“gêneros do Brasil” (procedia assim do mesmo modo que o “Manifesto” de D. Pedro, citado à nota n.3, supra,
aliás redigida pelo mesmo Gonçalves Ledo do Revérbero). No entanto, a palavra “brasileiro” ainda não surge
em termos absolutos como aquela que, apenas futuramente, designará o portador da nacionalidade brasileira
(Jancsó & Pimenta. “Peças de um mosaico...”, cit.).

112
sustado a “revolução” no Brasil, mantendo-o como parte de seus domínios, ao obedecer às

determinações das Cortes e retornar a Portugal ele “apressou a revolução do Brasil”. No

entanto, essa “revolução”, ainda em curso, se diferenciaria da hispanoamericana num ponto

essencial: o breve período em que o Rio de Janeiro foi sede da Corte teria sido suficiente

para garantir como “grande vantagem da Monarquia Constitucional no Brasil” em relação à

América espanhola uma “emancipação menos violenta”, bem como um poderoso centro de

gravitação de todas as suas províncias para um ponto em comum: o herdeiro do Trono

português, o príncipe Pedro174. E assim, nas suas palavras, o grito “Independência ou

morte”, que “tem soado felizmente do Norte ao Sul da América [espanhola]”, seria, em

setembro de 1822, “também o grito das Províncias coligadas do Brasil”.175

No tocante às “razões políticas” de Infante, as notas do Revérbero seguem na linha

de correlação entre situações. Também a Portugal, a América teria fornecido uma ilusão,

servindo-lhe com riquezas que o acomodavam numa posição de descuido em relação às

suas próprias (agricultura, indústria, comércio, defesa e artes). Os “poucos monopolistas”

de Infante são comparados aos “Contratadores do tabaco, dos Sócios da Companhia do

Douro, dos Ferreiros de Braga e Guimarães, ou dos Fabricantes de Lisboa e Porto”, para

cujas “fortunas [é] que se equipam armadas, e se remetem tropas comandadas por Monstros

para queimar nossas Cidades”.176 Aqui, a questão da existência dos “ódios recíprocos”, que

para Infante tornariam a conciliação entre os espanhóis uma realidade cada vez mais

distante, o que recomendaria uma pronta substituição das ameaças militares contra a

174
Revérbero Constitucional Fluminense n.17, 17/09/1822. Não se trata, evidentemente, de reiterar a
tradicional explicação historiográfica que eleva as diferenças entre os processos de independência hispano e
lusoamericano à condição de distintivos absolutos. Como sempre ocorre com dois fenômenos históricos
distintos, as diferenças entre eles são reais, e algumas das mais importantes foram tão bem analisadas, à
própria época, pelo Revérbero e outros analistas, que a historiografia brasileira do século XIX foi seduzida a
encontrar aí elementos de constituição de uma “História Nacional” brasileira que coroasse tais diferenças.

113
América pelo estabelecimento de relações comerciais de recíproca utilidade, as notas do

Revérbero agregam uma questão estritamente portuguesa: a possibilidade de que o envio de

tropas provocasse uma terrível sublevação de escravos em províncias do Brasil e a

repetição, nele, das cenas de Saint-Domingue. Uma possibilidade, em suas palavras,

inexistente:

“De nada lhe [a Portugal] servirão as lições da História? De nada a experiência dos

males alheios? [...] Os Escravos têm repartido o nosso ódio para com elas [as

Cortes]; escusam, portanto, de nos estar ameaçando com este mal, nem mesmo de

estar formando planos a esse respeito”.177

E assim, com olhos na Espanha e na América espanhola, o Revérbero contribuía de maneira

incisiva, entre setembro e outubro de 1822, para a definição e o fortalecimento de

antagonismos no seio da nação portuguesa, opondo interesses do Brasil e de Portugal,

interesses dos brasileiros e dos portugueses, base política para a consecução do projeto de

independência que, conforme vimos anteriormente, ganhava corpo naqueles meses.

5.3 – Lições para o Brasil

Voltando à nossa questão inicial, podemos afirmar: o Revérbero Constitucional

Fluminense publicou a tradução comentada da Solución de Infante porque ela servia

175
Revérbero Constitucional Fluminense n.18, 24/09/1822.
176
Revérbero Constitucional Flumiense n.19, 01/10/1822.

114
magnificamente bem aos propósitos políticos do jornal, permitindo uma análise da

realidade portuguesa calcada em exemplos e lições extraídas da história. No caso, a história

recente de independência da América espanhola, que oferecia um exemplo (a ser seguido)

de separação política bem-sucedida em relação à Europa, e um manancial de lições no

tocante aos excessos (a serem evitados) de sua “revolução”.

Assim, vislumbra-se novamente a materialização daquilo que anteriormente

qualifiquei como uma “experiência hispano-americana” a servir o Brasil. Vimos em

capítulos anteriores como as transformações políticas em curso na América espanhola

durante a crise e dissolução do Antigo Regime foram, desde 1808, ampla e detalhadamente

conhecidas e discutidas no mundo português e, em especial, no Brasil, trazidas por

periódicos como o Correio Brasiliense, a Idade do Ouro do Brasil e a Gazeta do Rio de

Janeiro, bem como por um fluxo de informações de variada natureza – periódicos

estrangeiros, cartas, informes, relatórios, boatos – assentado sobre tradicionais fluxos

comerciais e humanos já existentes entre as Américas portuguesa e espanhola. A demanda

por tais informações, de início aparentemente circunscrita aos âmbitos da direção política

dos negócios da Corte do Rio de Janeiro, foi potencializada pelo rápido alargamento e

adensamento de espaços públicos de discussão política, nos quais tornava-se cada vez mais

recorrente a percepção de que as desventuras ocasionadas pelo colapso da Monarquia

espanhola revelavam uma espécie de antevisão do que poderia ocorrer também com a

Monarquia portuguesa. Foi assim que o mundo espanhol, sobretudo a América, constituiu-

se – para voltarmos aos termos emprestados de Koselleck - num espaço de experiência para

o universo político lusoamericano que, em grande medida, definiu condições gerais de

177
Revérbero Constitucional Fluminense n.20, 08/10/1822.

115
projeção e consecução de horizontes de expectativa na América portuguesa, dos quais

resultaria, nos últimos meses de 1822, a criação de um Brasil independente de Portugal,

soberano, monárquico constitucional e escravista.

Não se tratava, evidentemente, do único espaço de experiência disponível ao mundo

português nas primeiras décadas do século XIX. Com ele, conviviam outros de variada

feição e consistência, inclusive alguns que, igualmente, apresentavam exemplos e lições a

partir de rupturas entre colônias americanas e metrópoles europeias. Nesse sentido, pode-se

dizer que a “experiência hispano-americana” se inscreve num espaço mais amplo, o das

revoluções modernas, e que tratamos de caracterizar anteriormente no Capítulo 1.

Nas páginas do Revérbero, a Solución de Infante é uma perfeita síntese de termos

concretos pelos quais tais experiências históricas funcionavam: uma obra escrita por um

ativo participante dos movimentos de independência da América espanhola, cuja trajetória

aproxima realidades como as de Cuba, Venezuela, Nova Espanha e Espanha178; uma obra

típica dos espaços públicos de discussão política da época, de informação, análise e

propaganda na qual esses conteúdos eram difundidos, lidos e relidos de acordo com os

interesses específicos de cada qual; uma obra capaz de suscitar apaixonadas comparações

entre a América espanhola e o Brasil, numa série de paralelismos onde, não obstante haver

percepção de diferenças, o que predomina são semelhanças; enfim, uma exemplificação

notável da importância que o conhecimento e a análise dos acontecimentos da América

espanhola adquiriam para as discussões no mundo português, mostrando como a

“experiência hispano-americana” era capaz de operacionalizar o gerenciamento de uma

realidade política que em 1822, não obstante suas muitas indefinições, caminhava de modo

cada vez mais firme rumo à ruptura entre Brasil e Portugal.

116
No entanto, o Revérbero publicou a Solución de Infante também por outro motivo.

O fato de, não obstante tratar-se de uma obra “antiga” quando de sua aparição no periódico,

mas dotada, como vimos, de conteúdo extremamente atual no tocante a possibilidade de

subsidiar comparações entre as Américas portuguesa e espanhola, mostra que ela foi

publicada, também, porque, quando da definição da independência do Brasil, a

independência da América espanhola já tinha avançado e disponibilizado à posteridade

libelos políticos como esse. Aparentemente banal, tal observação nos conduz a outra

menos: no bojo da crise geral do Antigo Regime na América ibérica, há uma defasagem

entre o declínio da metrópole espanhola em relação à portuguesa, e, proporcionalmente,

uma precocidade da abertura do processo independentista nos territórios hispânicos em

relação ao Brasil. Uma diacronia dentro de uma mesma conjuntura, na medida em que essa

defasagem têm origem em distintas respostas dadas a um mesmo desafio: a invasão da

península ibérica em 1807, e que resulta, do lado espanhol, no colapso da monarquia

borbônica, e no lado português, num imediato – ainda que efêmero – fortalecimento da

unidade bragantina. Contudo, a partir do estabelecimento dessas condições desiguais, essa

defasagem representa um intervalo curto, variando de alguns meses a poucos anos, mas

suficiente para estabelecer uma dinâmica de superação da ordem colonial no Brasil que, ao

contrário de separá-la do que ocorre na América espanhola, torna as duas realidades

indissociavelmente ligadas, interdependentes. E assim as coisas caminham por toda a

primeira metade do século XIX, com a América portuguesa deixando de ser portuguesa, e o

Brasil se configurando em Estado nacional, em boa medida, em decorrência da criação e

recriação da experiência hispano-americana.

178
Novamente retificamos a informação equivocada relativa à presença de Infante em Pernambuco.

117
As feições dessa experiência são, evidentemente, tão variadas quanto o são as

situações vividas pelos homens e mulheres que, no universo político português, tinham nas

províncias do Brasil a base de sua atuação. Afinal, não obstante constituir uma força real,

intensamente sentida e dotada de grande capacidade de reconfiguração dessa realidade, essa

experiência se materializa em múltiplas expressões e atitudes. Ela não é redutível, portanto,

à dimensão geralmente privilegiada pelos historiadores modernos – também real – de

“paradigma negativo”, pelo qual os construtores do Império do Brasil se nortearam para

evitar as mazelas que no seu entender grassavam o cenário hispano-americano: a desordem,

a guerra civil e a possibilidade de quebra da legitimidade dinástica. Por isso, a constatação

de que a independência da maior parte da América espanhola já se encontrava definida há

mais de um ano quando da formalização da independência do Brasil é essencial: pois ao ser

disponibilizada aos agentes desse projeto, ela pôde servir também, como nos mostram as

páginas do Revérbero acima analisadas, de paradigma positivo, indicando um caminho de

ruptura com a Europa a ser igualmente seguido pela América portuguesa.

A concepção da América espanhola como modelo simultaneamente negativo e

positivo, contribuiu para a viabilização do projeto político triunfante no Brasil em 1822,

mas as lições dela extraídas não asseguraram a estabilidade política do Estado nascente.

Afinal, suas fissuras seriam suficientemente fortes para implicar um conjunto de coisas

contrário ao que pretendera e prognosticara o Revérbero.179 Em busca de uma unidade que

a independência não garantira, desde seus primórdios o Estado brasileiro empregou a força

e exerceu o monopólio da violência legitimada, fazendo com que elementos típicos do

179
Cabe lembrar que o jornal interrompeu bruscamente sua publicação em 08/10/1822, deixando inclusive,
conforme já assinalamos, incompleto o comentário à Solución de Infante. Imediatamente, em meio a um
complicado jogo de interesses conflitivos e de delimitação de novas posições que se configuravam com a
formalização da independência (C. S. Oliveira, A astúcia liberal..., cit.), seus editores e várias personalidades

118
processo de independência da América espanhola, como “desordem” e “guerras civis”, não

totalmente ausentes do da América portuguesa, estivessem presentes no cenário nacional

brasileiro por toda a primeira metade do século XIX.

políticas a eles ligados passaram a ser perseguidos pelo regime de Pedro I. Gonçalves Ledo foi um dos que
conseguiu exilar-se em Buenos Aires, cidade com a qual possuía relações comerciais.

119
Capítulo 6

O Brasil encontra o México: um episódio paradigmático das

independências (1821-1822) *

6.1 - Apresentação

Em duas edições, de 15 de novembro e de 01 de dezembro de 1821, um dos

principais jornais do Rio de Janeiro, o Revérbero Constitucional Fluminense, publicou um

longo documento - nas suas palavras um “belo discurso” - cujo conhecimento seria muito

interessante para o Brasil. Tratava-se da exposição, lida na sessão das Cortes espanholas de

Madri de 25 de junho de 1821 e assinada por 43 deputados do Vice-Reino de Nova

Espanha, na qual estes manifestavam seu descontentamento com a conduta dessas Cortes

para com o ultramar espanhol.180 O procedimento do Revérbero era bastante comum à

época: com o crescimento vertiginoso da publicação de periódicos e panfletos nos

principais centros urbanos da América portuguesa, propiciado pela extensão a esta dos

decretos lisboetas de liberdade de imprensa, 181 muitas das novas publicações transcreviam

trechos de outras, em geral acrescentando-lhes comentários próprios. Em um contexto de

progressivo alargamento e adensamento dos espaços públicos de discussão política, a

*
Em coautoria com Camilla Farah.
180
Revérbero Constitucional Fluminense n. 05, 15/11/1821; e n. 06, 01/12/1821. O trecho do Revérbero reduz
o conteúdo original da exposição presente no Diario de las Sesiones de Cortes, Legislatura de 1821, Tomo
III, n. 118, 25/06/1821, p. 2471-2477. No Revérbero a exposição se encerra na 10ª linha, de baixo para cima
da p.2475, de modo que, ali, o texto é um pouco menor do que o original.
181
Decreto de 21/09/1820, ao qual se seguiu o de 13/10, que permitia oficialmente a circulação de impressos
portugueses fora de Portugal. Em 02/03/1821, João VI assinou, no Rio de Janeiro, o decreto de suspensão
provisória de toda e qualquer censura sobre a imprensa em geral. José Tengarrinha, Da liberdade mitificada à
liberdade subversiva: uma exploração no interior da repressão à imprensa periódica de 1820 a 1828. Lisboa:
Colibri, 1993.

120
palavra impressa era veiculada de muitas e variadas formas, 182 resultando em um

movimento dinâmico de reapropriações de textos e ideias de profundas determinações não

apenas para o processo de independência do Brasil, mas também para o de todo o mundo

ibero-americano. Processos que se cruzaram e se determinaram reciprocamente, adquirindo

feições ainda pouco valorizadas pelos historiadores em geral.

Aqui, apresentamos uma leitura da leitura que o Revérbero Constitucional

Fluminense realizou daquela exposição dos deputados de Nova Espanha, considerando três

pontos: 1) a importância do documento original; 2) o Revérbero enquanto destacado agente

da cena política lusoamericana de 1821 e 1822, e seu interesse na publicação daquele

documento; e 3) desdobramentos e implicações analíticas dessa publicação. Com isso,

pretendemos esboçar os termos de uma análise integrada de dois movimentos amplos: os

de independência e formação dos impérios brasileiro e mexicano. Dois movimentos que,

entendemos, precisam ser revisitados pela historiografia em conjunto e articulados,

valorizando suas mútuas determinações que, aliás, transcendem a conjuntura das

independências e adentram o século XIX. Uma parte dessas determinações é vislumbrada

em uma observação parcial da palavra escrita e publicada no Brasil de 1821.

Um esclarecimento inicial: nossa intenção não é comparar formalmente os dois

movimentos em questão, mas sim tomá-los como parte de uma mesma (ampla,

diversificada) realidade política, estruturada por pontos de relação por vezes sutis, mas

muito importantes. Se assim o são, é de esperar que tais movimentos guardem entre si

menos semelhanças do que diferenças, sendo ambos subprodutos de articulações

182
Marco Morel & Mariana Monteiro de Barros. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no
Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; e Lúcia P. das Neves, “Os panfletos políticos e a cultura
política da Independência do Brasil.” In: István Jancsó (org.). Independência: história e historiografia. São
Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p.637-675.

121
fundamentais para a aquisição de suas respectivas feições históricas. Nesses termos,

corresponde-se parcialmente – ainda que com proposta de delimitação territorial inusitada –

a demandas de investigação recentemente apontadas por historiadores preocupados com a

necessidade de alargamento espacial das análises das independências do Brasil e de Nova

Espanha.183

6.2 - A exposição dos deputados de Nova Espanha.

Quando a exposição dos deputados americanos foi lida nas Cortes de Madri, em 25

de junho de 1821, uma parte significativa da América espanhola se encontrava firme no

caminho da definitiva ruptura política com sua metrópole. O Paraguai era independente de

fato há dez anos; a banda oriental era formalmente controlada pelos portugueses, mas

dissidências por toda parte tornavam-na um território cujo futuro indicava muitas

possibilidades, menos a retroversão da soberania espanhola; as demais províncias do Rio da

Prata já tinham declarado rompimento com a metrópole em 1816, promulgado uma

constituição em 1819 e agora, em 1821, conheciam a separação política entre elas com a

formação de várias repúblicas independentes, a despeito dos esforços contrários do governo

de Buenos Aires. Em 1821 o Chile já era totalmente independente, e o Peru o seria em

julho daquele ano. Mais ao norte, os exércitos de Bolívar lograriam o triunfo de Carabobo,

183
Virginia Guedea, “La Historia Política sobre el Proceso de la Independencia”. In: Alfredo Ávila & Virginia
Guedea. La independencia de México. Temas e interpretaciones recientes. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2007, p. 64; Johanna von Grafenstein, “La independencia de México Fuera de sus
Fronteras”. In: Ávila & Guedea. La independencia de México…, cit., p. 85-86 e 115-116; Wilma Peres Costa,
“A independencia na historiografia brasileira”. In: Jancsó (org.). Independência: história e historiografia...,
cit.; e Jurandir Malerba, “Esboço crítico da recente historiografia sobre a independência do Brasil (c.1980-
2002)”. In: A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 19-52. O único
estudo de que temos conhecimento a articular a política de México e Brasil do século XIX é o de Guillermo
Palacios, Intimidades, conflitos e reconciliações. México e Brasil, 1822-1993. São Paulo: Edusp, 2008.

122
em 24 de junho de 1821 – no dia anterior, portanto, à sessão das Cortes de Madri, onde

obviamente o fato ainda não era conhecido -, o que garantiria a independência tanto de

Nova Granada quanto da Venezuela. Fortemente realistas mantinham-se Cuba, Porto Rico,

Quito e partes do Alto Peru. Nova Espanha, nem tanto.

O antigo Vice-Reino de Nova Espanha, durante séculos o ponto mais nevrálgico dos

domínios espanhóis na América, fora reconfigurado após a segunda revolução

constitucional espanhola, eclodida em janeiro de 1820, e que levaria à reunião das Cortes

em Madri (em 09 de julho). Por decreto de 08 de maio de 1821, à Nova Espanha foram

concedidas 14 representações, correspondentes a cada uma de suas novas intendências:

México, Puebla, Veracruz, Oaxaca, Michoacán e Guanajuato (todas estas antes formavam,

simplesmente, “Nova Espanha”), além das tradicionais Guadalajara, Províncias Internas do

Oriente, Províncias Internas do Ocidente, Zacatecas, San Luís Potosí, Yucatán, Sonora y

Sinaloa, e Chiapas. Foram estas intendências que elegeram seus representantes às Cortes

madrilenhas, e que comporiam, com os representantes de Cuba, Porto Rico e Filipinas, uma

informal “bancada ultramarina”. 184

Em linhas gerais, os representantes novohispanos manifestavam seus

descontentamentos em relação àquilo que consideravam como um persistente e reiterado

desprezo dos representantes peninsulares para com os assuntos relativos à América.

Algumas das questões que, a seus olhos, materializavam esse desprezo, eram reedições de

184
Nem todos os eleitos se dirigiram à Espanha. Os primeiros a tomar assento foram dois de Vera Cruz, em
fins de 1820. Nettie Lee Benson, Mexico and the Spanish Cortes, 1810-1822: Eight Essays. EUA: Printing
Division of The University of Texas, 1966; da mesma autora: The Provincial Deputation in Mexico.
Harbinger of Provincial Autonomy, Independence, and Federalism. Texas: University of Texas Press, 1992;
Ivana Frasquet, “El Liberalismo Gaditano en el México Independiente, 1821-1824”. In: Manuel Chust e Ivana
Frasquet (eds.), La transcendencia del liberalismo doceañista en España y en América. Valência: Generalitat
Valenciana, 2004, p.144; Alfredo Ávila, En nombre de la nación. La formación del gobierno representativo
en México (1808-1824). México: Taurus, 2002, p. 203; e Manuel Ferrer Muñoz, La Formación de un Estado

123
problemas enfrentados já nas Cortes de Cádiz, entre 1810 e 1814, notadamente o da

inferioridade numérica da bancada de uma América de aproximadamente 16 milhões de

habitantes em relação à de uma Espanha de 10 milhões185. Em Madri, somar-se-iam

questões relativas à organização da Fazenda, das forças armadas e do Poder Judicial, em

torno das quais, progressivamente, foram se polarizando posições dos representantes da

Nova e da “velha” Espanha.186 Agora, as insatisfações geravam propostas muito concretas,

e conduziam a uma espécie de ultimato.

O texto apresentado às Cortes em 25 de junho de 1821 foi elaborado por Miguel

Ramos Arizpe, deputado pelas Províncias Internas do Oriente, apresentado pelo

representante de Michoacán, José Mariano Michelena, e lido em plenário pelo de

Guadalajara, José Miguel Ramírez.187 Naquele momento, já se conhecia nas Cortes o

“Plano de Iguala”, anunciado em Nova Espanha em 24 de fevereiro pelo comandante

militar Augustín de Iturbide, que claramente tratava da independência de todo o antigo

Vice-Reino, prevendo a formação de um novo Império, sediado no México, regido por uma

monarquia constitucional à testa da qual estaria o próprio Fernando VII ou outro

descendente direto dos Bourbons da Espanha. O alcance do plano era ainda uma incógnita,

embora certo que Iturbide e outro chefe militar, Vicente Guerrero, estavam à frente de

forças armadas - o Exército Trigarante – que buscavam sua aceitação em várias partes do

nacional en México. El Imperio y la República federal: 1821-1835. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 1995, p. 76.
185
Manuel Chust, La cuestión nacional americana en las Cortes de Cádiz. Valencia: Centro Francisco Tomás
y Valiente UNED Alzira, 1999.
186
A. Ávila, En nombre de la nación…, cit., p.204-206; e Muñoz. La Formación de un Estado nacional en
México…, cit., p.59, p.63-64 e p.78.
187
N. L. Benson, Mexico and the Spanish Cortes…, cit.; da mesma autora: The Provincial Deputation in
Mexico…, cit. Um acompanhamento minuciosos desta e subsequentes sessões, em: Ivana Frasquet, Las caras
del águila: del liberalsmo gaditano a la república federal mexicana (1820-1824). Castelló: Publicacions de la
Universitat Jaume I, 2008, p.68-76.

124
território, onde os ecos da “insurgência” recente ainda se faziam ouvir. 188 Assim, se Nova

Espanha se mantinha realista, ainda vinculada à Espanha peninsular e aos seus territórios

ultramarinos remanescentes das guerras de independência, a perspectiva, em junho de 1821

era, claramente, de que também ela logo seguisse o caminho de ruptura com Madri.

Disso bem sabiam os representantes reunidos nas Cortes. No dia 24 de junho, uma

Comissão Especial de Ultramar, constituída meses antes por deputados americanos e

peninsulares, apresentou às Cortes uma declaração, preparada e lida por José Maria Queipo

de Llano, conde de Toreno. Ao lado de uma apologia dos feitos dos colonizadores

espanhóis na América, denunciava uma repulsa ao Plano de Iguala e às atitudes de Iturbide

que, nesta altura, contavam com o apoio de alguns representantes ultramarinos. Com

posições cada vez menos consensuais entre espanhóis e americanos no ambiente

parlamentar, estes logo se mobilizariam, redigindo outra versão dos fatos. 189

A exposição dos representantes de Nova Espanha, apresentada no dia seguinte, se

iniciava com a justificativa de que

“los Diputados de Ultramar creerían faltar á la confianza que en ellos depositaron

sus comitentes, y á las obligaciones sagradas que les impone su honor y su

conciencia, si dejasen pasar los pocos días que restan de la presente legislatura sin

188
Ernesto de la Torre Villar, La Independencia de México. México: Mapfre. Fondo de Cultura Económica,
1992, p.128-129; Marco Antonio Landavazo, La máscara de Fernando VII. Discurso e imaginário
monárquicos en una época de crisis. Nueva España, 1801-1822. México: El Colégio de México/Universidad
Michoacana de San Nicolas de Hidalgo/El Colegio de Michoacán, 2001, p.296 e segs.;A. Ávila, En nombre
de la nación…, cit., p .196-201. Segundo Rafael Rojas, “entre 1810 e 1820, se articulan dos políticas
paralelas que convergerán en el Plan de Iguala: la de los insurgentes separatistas y la de los diputados
autonomistas. Cada sociabilidad, la de la guerra y la de la representación, fue moldeando los valores políticos
de los actores involucrados en ella hasta el punto de hacerlos casi irreconciliables”. Rafael Rojas, La escritura
de la independencia. El surgimiento de la opinión pública en México. México: Taurus/CIDE. 2003, p. 33. As
Cortes foram oficialmente informadas do Plano de Iguala em 03 de junho de 1821, por meio da Secretaría de
Gobernación de Ultramar, A. Ávila. En nombre de la nación…, cit., p. 205.

125
instruir al Congreso del estado de las provincias que tienen el honor de representar,

y proponerle las únicas medidas capaces de restablecer la tranquilidad y asegurar la

conservación y bienestar de aquella grande é interesante parte de la Monarquía,

manteniendo la integridad de ésta”.

Ao realizar um apanhado geral do estado político da América espanhola,

desfavorável à manutenção dos vínculos de seus territórios com a Espanha, o discurso

conferia destaque à situação do México, em uma aparente referência ao Plano de Iguala:

“Buenos Aires, Chile, Santa Fé y una gran parte de Venezuela están emancipados de hecho;

el Peru invadido; Quito turbado, y una nueva revolución de un carácter mucho más temible

que la anterior ha estallado ultimamente em Méjico”. Diante desse quadro, afirmava que “si

no se extingue el motivo del descontento, éste se mostrará siempre que encuentre ocasión;

una conspiracion sucederá á otra; nunca habrá verdadera tranquilidad”. Em seguida, o

enunciado genérico de suas reivindicações, ao mesmo tempo em que se fazia embasado em

princípios monárquico-constitucionais, denunciava incompatibilidade com a política das

Cortes:

“¿Qué desean, pues? Nosotros lo diremos, Señor: desean esa misma Constitución

que debe hacerlas felices, pero que en el estado actual de cosas consideran como

una bellísima teoría que solo en la Península puede reducirse á práctica. Los

americanos son hombres libres; son españoles; tienen los mismos derechos que los

peninsulares; los conocen, y tienen bastante virtud y recursos para sostenerlos:

189
A. Ávila, En nombre de la nación…, cit., p. 206; e Ferrer Muñoz, La Formación de un Estado nacional en
México…, cit, p.59 e segs.

126
¿cómo, pues, podrá esperarse que prescindan de ellos y que permanezcan en paz sin

su posesión?”

Assim sendo, “en la actualidad las partes de la Monarquía tienden naturalmente á la

mutua separación. Las Américas, bajo el pie en que están, no pueden subsistir en paz, y se

puede asegurar por todo lo que hemos dicho é insinuado, que es imposible que la tengan.

Caminan velozmente á su desolación, siendo como es inasequible apagar el espíritu que dan

las luces del siglo”190. A exposição terminava com 15 propostas, que versavam sobre: o

estabelecimento de Cortes legislativas americanas em México, Santa Fé e Lima (propostas

1, 2, e 3), com respectivas delegações executivas - em nome do rei – (propostas 4 e 5), e

seções de um supremo tribunal de justiça (proposta 7) e de um conselho de Estado

(proposta 8); a organização de ministérios (proposta 6); a igualdade entre americanos e

peninsulares em questões comerciais (proposta 9) e direitos de ocupar cargos públicos

(proposta 10); o pagamento gradual de dívidas com a Espanha (propostas 11, 12, 13 e 14);

e, finalmente, a observância da monarquia espanhola e de sua Constituição (proposta 15). 191

Na prática, elaborava-se um arranjo político e institucional que atribuía à América

espaços de forte autonomia política. O que fora esboçado há pouco pelo Plano de Iguala,

agora era redesenhado de modo menos radical (e mais abrangente), embora sua concepção

no bojo da unidade da monarquia espanhola estabelecesse limites muito tênues entre essa

unidade e a independência de fato. É o que parece indicar o tom de ameaça do início do

190
Diario de las Sesiones de Cortes, Legislatura de 1821, Tomo III, n. 118, 25/06/1821, p. 2471-2477.
191
A. Ávila, En nombre de la nación…, cit., p. 201-207; I. Frasquet, “El Liberalismo Gaditano en el México
Independiente…”, cit., p.146-147; I. Frasquet, Las caras del águila…., cit., p.68-76; e Ferrer Muñoz, La
Formación de un Estado nacional en México…, cit., p. 60-62.

127
documento, bem como a subsequente evocação a uma “nova” e “temível” “revolução” em

curso na Nova Espanha.

A apresentação dessa exposição, a recusa das Cortes em apreciar suas

reivindicações (embora questões relativas à América continuassem a surgir em plenário nos

dias seguintes), e o conjunto de situações criadas pelo embate de posições entre deputados

espanhóis peninsulares e americanos, foram vistas por muitos historiadores mexicanistas

como fundamentais na definição de um projeto de independência para a Nova Espanha, e

que vinha sendo moldado a partir de vários fatores, em vários tempos e espaços distintos.192

Esse projeto logo passaria a conceber não apenas a concessão de autonomia política local,

mas a transferência de soberania e organização de um novo Estado nacional.

Cinco dias depois da sessão de 25 de junho, as Cortes de Madri entraram em

recesso. Retomadas suas sessões semanas depois, a situação em Nova Espanha se mostraria

irreversível. Em 24 de agosto, Iturbide se reuniu com o comandante realista Juan

O’Donojú, que fora designado negociante das Cortes por influência dos deputados Ramos

Arizpe e Michelena (dois dos protagonistas da exposição de 25 de junho), e que passara a

atuar quase que por conta própria. Nessa ocasião, assinaram os Tratados de Córdoba, e em

13 de setembro voltaram a se encontrar para oficializar o reconhecimento, por parte deste,

da independência. Em 22 de setembro, Iturbide criou uma Junta Provisional Gubernativa,

formada por 38 membros. Em 27 de setembro, o Exército Trigarante entrou na Cidade do

México, e no dia seguinte a Junta Provisória Gubernativa designou Iturbide chefe da

192
A despeito de fortes divergências centrais em suas interpretações, nisso estão de acordo, dentre outros: N.
L. Benson, Mexico and the Spanish Cortes…, cit.; e da mesma autora, The Provincial Deputation in
Mexico…, cit.; Manuel Chust, “Federalismo avant la lettre en las Cortes Hispanas, 1810-1821”. In: Josefina
Zoraida Vázquez (coord.), El establecimiento del federalismo en México (1821-1827). México: El Colegio de
México, 2003, p. 77-114; I. Frasquet, “El Liberalismo Gaditano en el México Independiente…”, cit.; da
mesma autora, Las caras del águila…, cit.; e A. Ávila, En nombre de la nación…, cit. Para um balanço
crítico e geral da historiografia sobre o tema, vide c, p.456 e segs.

128
Regência executiva; logo em seguida, declarou formalmente a independência e a criação do

Império Mexicano.193 As primeiras notícias dos tratados de Córdoba chegaram às Cortes

em novembro de 1821, causando forte oposição dos deputados peninsulares, que se

negaram terminantemente reconhecê-los; já os representantes de Nova Espanha,

constatando o caráter obsoleto das Cortes para seus interesses, abandonaram-nas.194

6.3 - A publicação do Revérbero

Após sua leitura nas Cortes de Madri, a exposição dos deputados de Nova Espanha

foi publicada naquela cidade, e também na do México, ainda em 1821. 195 Não sabemos os

caminhos que ela percorreu, mas de algum modo chegou ao Brasil. O Revérbero

Constitucional Fluminense publicou-a quase integralmente, em português. Omitiu a

passagem final - onde constavam as 15 propostas – e retirou pequenas frases da primeira

parte do texto, mas manteve intactos os pontos referentes ao seu conteúdo programático: o

histórico das relações entre a Espanha e a América, o estado político geral desta, as

insatisfações de seus representantes, e os princípios políticos que justificariam seus

argumentos.

193
E. Villar, La Independencia de México…, cit, p. 121 e segs; M. A. Landavazo, La máscara de Fernando
VII…, cit., p. 334-335; Ferrer Muñoz, La Formación de un Estado nacional en México…, cit., p.89-90 e p.98;
e A. Ávila, En nombre de la nación…, cit., p. 214-215.
194
A. Ávila, En nombre de la nación…, cit., p. 207.
195
Exposición presentada á las Cortes por los Diputados de Ultramar en la sesión de 25 de Junio de 1821,
sobre el estado actual de las provincias de que son representantes, y medios convenientes para su definitiva
pacificación; con una noticia de los trámites que la precedieron y motivaron. Madrid: Imprenta de Don Diego
García y Campoy, 1821. No México, o mesmo texto foi publicado como Nada hay que esperar de España, ó
exposición que leyó el Sr. D. José Miguel Ramírez en la sesion del 25 de Junio de 1821. México, Imprenta
Imperial de D. Alejandro Valdés, 1821.Ferrer Muñoz, La Formación de un Estado nacional en México…, cit.,
p. 60.

129
Muito se tem escrito sobre a presença do Revérbero no jogo político lusoamericano

entre os anos de 1821 e 1822, sempre reconhecendo seu papel destacado como, primeiro,

defensor da unidade política da nação portuguesa propalada pelas Cortes de Lisboa; em

seguida, como um dos principais veículos públicos a favor da independência do Brasil,

conforme vimos no capítulo anterior.196 Quando publicou a exposição dos deputados de

Nova Espanha, entre novembro e dezembro de 1821, o jornal ainda operava de acordo com

uma lógica de interesses fundados naquela união. Nesse momento, a independência geral e

definitiva da América espanhola, amplamente prognosticada desde 1810, concebida por

alguns até mesmo antes disso, não era, ainda, uma certeza (aliás, vivia-se um ambiente

pouco propício a elas). No caso específico dos acontecimentos de Nova Espanha, é muito

provável que os tratados de Córdoba ainda não fossem conhecidos no Brasil;197

seguramente, ignorava-se que deles já resultara a criação do Império Mexicano. Desse

modo, o discurso dos deputados de Nova Espanha soava, nas páginas do Revérbero, como

uma defesa sincera da manutenção da unidade da monarquia espanhola. Por que ele

discurso interessava ao jornal, e porque deveria interessar aos seus leitores?

196
O Revérbero Constitucional Fluminense (doravante RCF) inicia sua publicação em 15/09/1821 e a encerra
em 08/10/1822, com um total de 20 números. Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil. Rio de
Janeiro: Mauad, 1966; Morel & Barros. Palavra, imagem e poder..., cit.; Cecília Helena Oliveira, A astúcia
liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista:
Edusf/Ícone, 1999; mais recentemente: Virgínia Rodrigues da Silva, O Revérbero Constitucional
Fluminsense: constitucionalismo na imprensa do Rio de Janeiro à época da independência. Niterói: UFF,
2010 (mestrado).
197
O Correio Brasiliense publicou a notícia referente aos Tratados de Córdoba somente em novembro de
1821 no número 162, de modo que, por meio desta fonte, a notícia só poderia chegar ao Brasil, no mínimo,
seis semanas depois. Ignoramos se ela chegou antes, proveniente de outra fonte. Os tratados foram publicados
no Papagaio, n.08, 06/07/1822. Neste, lia-se ademais que “Já no nosso n.[anterior] expendemos algumas
reflexões sobre o Império do México. É este o País cujo aspecto político maior analogia tem com o Reino do
Brasil: os dois Governos devem, de necessidade, examinarem-se reciprocamente; e os nossos Políticos tem ali
um campo vasto para trabalharem a prol dos seus respectivos países.” O mesmo jornal publicaria vários
documentos relativos aos tratados em seus números: n. 05, 07/06/1822 e n. 09, 13/07/1822.

130
Na edição de 01 de novembro de 1821, o Revérbero evocava a posição do conde de

Toreno em defesa da união entre as partes até aquele momento constitutivas da monarquia

espanhola:

“Poucas questões (disse o célebre Conde de Toreno, falando da América Espanhola,

o que é igualmente aplicável a nós) podem apresentar-se a um Corpo Legislativo, de

tanta consequência e gravidade; da sua resolução dependem os maiores

acontecimentos, e do acerto com que for decidida, a tranquilidade da América e a

rápida civilização do Mundo inteiro”.198

Assim, o jornal anunciava a publicação da exposição dos deputados de Nova Espanha para

seu número seguinte, pois

“O Mundo instruído espera ver tratado este negócio com toda a possível delicadeza

pelos nossos Deputados Brasileiros no Augusto Congresso das Cortes [de Lisboa].

É bom, por isso mesmo, que nele se fale, se pense, se escreva. Os Deputados da

América Espanhola nas Cortes de Madrid no dia 25 de Junho último, trataram já

deste objeto a benefício das suas Províncias, dando razões (que transcreveremos no

nosso Número seguinte) as quais - mutatis mutandis - podem quadrar às nossas

circunstâncias, apesar de conhecermos que o que eles fazem para remediar

desordens, os nossos Deputados farão decerto para as acautelar, e para que se

estreitem cada vez mais os nossos vínculos de amizade e parentesco”.199

198
RCF, n. 4, 01/11/1821.
199
Idem.

131
Finalmente, na referida edição, de 15 de novembro, justificava a publicação da

exposição porque “ele nos pareceu muito interessante, aplicável às circunstâncias do Brasil,

e próprio para nele se prevenirem os males que há onze anos oprimem as Américas

Espanholas”. Havia, segundo o Revérbero, uma fortíssima “congruência e identidade de

circunstâncias entre o Brasil e a América espanhola [...], com a diferença, como já

dissemos, que aqui é preciso prevenir os males, e ali remediá-los”.200

Concebia-se uma congruência e identidade de circunstâncias, mas havia uma

diferença clara e fundamental: a temporalidade dos processos políticos em curso. A posição

política do Revérbero Constitucional Fluminense indicava que, entre novembro e dezembro

de 1821, a independência do Brasil não era vislumbrada de modo majoritário no mundo

lusoamericano. Naquele momento, a defesa da unidade do Reino Unido de Portugal, Brasil

e Algarve continuava a denunciar essa possibilidade, mas não havia ainda um projeto

político consistente e bem configurado nessa direção. Vimos anteriormente como isso só

ocorreria a partir do “Fico” do príncipe Pedro, em 09 de janeiro de 1822, de sua

organização de um ministério próprio, e da convocação de uma assembleia constituinte

para o Brasil (em 03 de junho). Tudo atendendo a uma complexa dinâmica política onde se

destacavam os interesses políticos e econômicos de um grupo de poder que foi se formando

desde antes, e do qual os editores do Revérbero Fluminense faziam parte.201

Porém, nada disso tinha ocorrido em fins de 1821, quando, repitamos, a

possibilidade de ruptura entre Brasil e Portugal ainda não embasava um projeto firme.

Naquele momento, porém, as fissuras internas do Reino Unido português já eram

200
RCF, n. 5, 15/11/1821.

132
consideráveis, e em várias partes do Brasil já se falava da estabilização do governo

americano de Pedro, bem como da criação de uma representação política específica da

nação portuguesa na América. Também se concebiam antagonismos de interesses entre

deputados de províncias portuguesas peninsulares e de províncias portuguesas americanas

(a exemplo do que se observava nas Cortes de Madri). E já se temia que a reunião, em

Lisboa, de representantes de partes tão diferentes da mesma monarquia resultasse na

definição da impossibilidade de manutenção da unidade entre elas. Muito concretamente,

portanto, temia-se que o Brasil seguisse o mesmo curso que a maioria da América

espanhola, e que esse curso fosse inevitável.

O Revérbero Constitucional Fluminense apregoava o mesmo tipo de regime

representativo que os deputados de Nova Espanha defendiam em Madri: constitucional, que

mantivesse a união entre as partes da nação e, claro, organizado em torno de uma

monarquia. Formulava também os mesmos problemas referentes ao arranjo de interesses de

partes distintas sob esse tipo de regime; agia em meio ao mesmo contexto de politização

dos espaços públicos de discussão existentes em partes do mundo hispânico; e, finalmente,

reiterava a instabilidade e provisoriedade das formas políticas características desse contexto

a partir da elaboração de prognósticos: o que iria acontecer no futuro? Como era desejável

que esse futuro fosse? O que era possível extrair de lição do passado e do presente? Mais

precisamente: o que a América espanhola ensinava à América portuguesa, que esta deveria

aprender?

201
Cecília Oliveira, A astúcia liberal..., cit.; e Andréa Slemian & João Paulo G. Pimenta. O “nascimento
político” do Brasil: origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

133
6.4 - Brasil e México em uma perspectiva integrada

Todos sabemos que o distanciamento do estudioso do passado em relação ao seu

objeto é condição de análise do mesmo. No entanto, por vezes, estudamos gente que

tomava a análise de seu próprio presente (nosso passado) como pressuposto de atuação e

sobrevivência. As preocupações dos redatores do Revérbero Constitucional Fluminense em

relação ao tempo em que viviam são perspicazes não apenas como subsídio à sua própria

ação, mas também de um ponto de vista analítico posterior: de fato, a América espanhola

podia “ensinar” a América portuguesa, já que ambas encontravam-se, em 1821, às voltas

com problemas semelhantes, de mesma natureza, e em meio a uma mesma conjuntura

histórica. Isso se devia a uma pequena – mas fundamental - diferença temporal da posição

de cada qual diante da implementação de projetos de independências: em novembro

daquele ano, a de Nova Espanha estava mais próxima de se concretizar, e isso pôde dizer

algo ao Brasil.

Endossando, então, as linhas gerais de caracterização de uma experiência

revolucionária moderna e, dentro dela, de uma experiência lusoamericana apontadas

anteriormente, deve-se perguntar: qual a posição específica de Nova Espanha diante desse

quadro? A publicação do Revérbero não nos permite, até o momento, uma resposta cabal;

fornece, porém, indícios bastante eloquentes de que a questão é fundamental, e que em

torno dela se organiza uma demanda de pesquisa ainda não contemplada 202. Uma demanda

pela análise integrada não só dos processos de independência de México e Brasil, mas

também dos resultados políticos mais imediatos deles: o Império Mexicano e o Império do

202
Sobre ela está debruçada, no momento, Camilla Farah.

134
Brasil. Resultados que guardam entre si grandes semelhanças e vários pontos de contato.

Vejamos alguns deles.

Ideias como “independência conservadora” e outras a ela correlatas – como

“revolução conservadora” ou “independência sem revolução” – foram amplamente

utilizadas pelas historiografias voltadas às independências do Brasil e de Nova Espanha,

sendo até hoje presentes em obras a elas dedicadas. Ora, de variadas formas, elas têm

origem em meio aos próprios movimentos históricos que pretendem qualificar, plasmadas

como justificativas políticas e componentes identitários de autoimagens coletivas

necessárias à criação das nacionalidades brasileira e mexicana ao longo do século XIX. Se

doravante uma imagem pouco se ateve à outra – consequência, aliás, natural dos

isolamentos propiciados pelo triunfo de historiografias nacionais - , hoje em dia a pergunta

explicita uma incongruência: dentre aquelas duas independências, qual teria sido a “mais

conservadora”, ou a “menos revolucionária”? Pergunta irrelevante diante de outra: a quê se

deve a construção de autoimagens tão semelhantes, por motivos e em momentos tão

próximos? Haveria aí uma matriz política-histórica comum?

De todo modo, não convém diminuir o fato de que, uma vez independentes, Brasil e

México se organizaram em torno de regimes de monarquias constitucionais, desde o

princípio assentados em elementos de continuidades dinásticas – bragantina e borbônica,

respectivamente, e mais no primeiro caso do que no segundo – como instâncias

legitimadoras das inovações estruturais que suas próprias existências implicaram em

relação à ordem do Antigo Regime. Conforme vimos acima, tanto os deputados de Nova

Espanha nas Cortes de Madri quanto os editores do Revérbero Constitucional Fluminense

tinham muita clareza de alguns desses elementos, logo bastante disseminados em outros

cantos dos espaços públicos de discussão.


135
Em fevereiro de 1823, o Diário do Governo, jornal oficial do governo brasileiro de

Pedro I, publicava um artigo que mesclava uma defesa programática de regimes

monárquicos com uma curiosa análise de conjuntura americana, segundo a qual

“As vantagens do Sistema Monárquico tem sido reconhecidas por muitos: Buenos

Aires desejou erigir uma Monarquia; o Peru propende tanto para a mesma opinião

que os Republicanos, assustados, já desviaram politicamente do Mando Supremo o

General de S. Martin; os Estados Unidos, apesar da bondade relativa das suas

instituições, quando reelegerem o seu Presidente de uma para outra Legislatura,

mostra[ra]m implicitamente a necessidade de perpetuarem em uma pessoa aquele

Cargo, isto é de possuírem um Rei”.

À continuação, o Império Mexicano merecia destaque:

“finalmente, o México, não obstante conhecer as oscilações que pode ocasionar a

criação de uma Dinastia nova, pela emulação e interesses dos particulares que se

julgam na mesma linha de direito e de mérito que o novo Monarca, e apesar da falta

daquele prestígio em favor dele, que tão necessário se torna para a obediência dos

Povos, proclamou um Imperador.”

Este mostraria não só a pertinência da (semelhante) solução política adotada no Brasil,

como também a superioridade desta em relação às demais presentes no mesmo contexto,

pois ali não teria sido necessária a fundação de uma nova dinastia, apenas a continuação da

136
anterior – a de Bragança. Assim, segundo o Diário do Governo, se esboçava um sistema

político de dimensões continentais:

“À vista, pois, do que fica exposto, podemos concluir com segurança que se a

América Espanhola abraçar o sistema Monárquico, modificado por uma

Constituição sábia, sistema cuja utilidade lhe não é desconhecida, e chamar ao

Trono a todo o custo uma Personagem de qualquer das Dinastias Reinantes, para

desta sorte evitar as funestas consequências da ambição dos naturais mais

poderosos, a cujos caprichos tem sido até agora sacrificada, e segurar ao mesmo

tempo a contemplação das Nações Estrangeiras, não só poderá contar com um mais

pronto reconhecimento dos Soberanos da Europa, mas ainda com a eficaz

cooperação do grandioso Império do Brasil”203.

As diferenças entre os Impérios do México e do Brasil eram enormes: arranjos

institucionais; graus de centralização, federalização e autonomia das partes deles

constitutivas; matrizes ideológicas de suas constituições e códigos legais; feições político-

sociais; perfis econômicos, etc. Mesmo assim, semelhanças e pontos de encontro seguem

chamando a atenção, embasados pela própria autoimagem de cada império forjada à época.

Nominalmente designados como impérios, México e Brasil foram os únicos Estados

independentes no continente a adotar essa terminologia (embora a do mexicano tenha sido

pouco duradoura em comparação com a do brasileiro). O abade De Pradt, cujo ideário tinha

fortíssima presença tanto no mundo hispânico como no lusitano – o Revérbero

Constitucional Fluminense, por exemplo, a ele recorria intensamente, publicando também

137
trechos de suas obras – já tocava na questão há alguns anos, sugerindo às colônias ibéricas

da América a adoção de formas políticas monárquico-constitucionais que, por vezes,

implicavam na criação de comunidades de reinos.204 Na Nova Espanha, o imaginário em

torno de um “império” estava relacionado com a leitura do passado indígena

mesoamericano, onde podia-se dizer que um império já existira antes da conquista

espanhola e, de certo modo, teria se reconfigurado a partir desta e por trezentos anos. Um

amálgama entre essa referência política, e outra, de base geográfica – América – contribuía

para sua disseminação, e não era estranha até mesmo a destacados agentes políticos

inclinados à defesa de formas de governo republicanas, como frei Servando Teresa de Mier

e Carlos Maria Bustamante205. Na síntese do historiador Rafael Rojas, “en México la idea

de nación surge asociada a la monarquía como forma de gobierno y al imperio como

imagen del Estado”206.

No Brasil esse imaginário era fundado em elementos mais recentes, mas igualmente

anteriores à independência: remontava à posição de destaque conferida à América em meio

às políticas reformistas promovidas pelo Império Português desde as últimas três décadas

do século XVIII, e que concebiam a criação/reforma de um “grande império” (isto é,

português) que poderia estar sediado no Brasil 207. A exemplo do que ocorria em Nova

Espanha, também aqui o termo império estava associado à politização da referência

203
Diário do Governo, n.28, 05/02/1823.
204
Manuel Aguirre Elorriaga, El abate De Pradt en la emancipación americana. Caracas: Universidad
Católica Andrés Bello, 1983; e Marco Morel, “Independência no papel: a imprensa periódica”. In: I. Jancsó
(org.), Independência: história e historiografia..., cit.
205
Rafael Rojas, La escritura de la independencia…, cit., p.66-72; e Ferrer Muñoz, La Formación de un
Estado nacional en México…, cit., p.25-34.
206
Rojas, La escritura de la independencia..., cit., p.82.
207
Maria de Lourdes Vianna Lyra, A utopia do poderoso império - Portugal e Brasil: bastidores da política
1798-1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994; e Guilherme Pereira das Neves, “Del Império lusobrasileño al
Império del Brasil (1789-1822)”. In: Antonio Annino & François-Xavier Guerra (coord.), Inventando la
nación. Iberoamérica, siglo XIX. México: FCE, 2003, p.221-252.

138
geográfica América. No Brasil, isso só se acentuaria com sua transformação em capital

imperial, em 1808, conhecendo reconfigurações específicas no contexto napoleônico e de

restauração legitimista entre 1814 e 1816, sendo por vezes usado por analistas externos

explicitamente em relação a um projeto de futuro (um “Império do Brasil”) 208. De todo

modo, em 1822, era com esse termo, sui generis em relação aos adotados em outras partes

da América, e mesclado com outros componentes de linguagens, conceitos e projetos

políticos, que primeiro o México, logo depois o Brasil, começaram a se organizar como

Estados nacionais independentes.

Quais os alcances dessa relação, ainda não sabemos. Sua pertinência, porém,

continua a ser denunciada pela observação de alguns fatos. Em 24 de fevereiro de 1822, o

congresso mexicano se reuniu, para logo emitir uma declaração formal de que ele era o

portador da soberania nacional, a religião oficial era a católica, e o Império uma monarquia

constitucional. Faltava um imperador. Até maio, o congresso e a Junta Provisional

Gubernativa esperaram por Fernando VII ou algum outro Bourbon que se dispusesse a

assumir tal condição e a personificar uma continuidade dinástica recomendada pela cautela

em tempos tormentosos. Essa alternativa, aventada desde antes na mesma medida em que

ganhava força a própria ideia de um império mexicano, não ignorava a proximidade entre

Nova Espanha e Brasil, dois ambientes que, para todos os efeitos, mantinham-se fortemente

realistas. Assim, em seu Manifiesto al mundo: la justicia y la necesidad de la

independencia de la Nueva España (1821), Manuel de la Bárcena, membro da Regencia

mexicana, afirmava:

208
Robert Southey, História do Brasil. 3° V. Rio de Janeiro: Garnier, 1981. Hipólito da Costa no seu Correio
Braziliense, editado em Londres entre 1808 e 1822, faz seguidas referencias à mesma ideia. Nada disso
parece-nos justificar, todavia, a excessiva liberdade e imprecisão com que muitos historiadores insistem
empregam o termo “império luso-brasileiro” para qualificar uma realidade que ainda não está bem tipificada

139
“Déjanos pues, oh España!, déjanos gozar de nuestra libertad: si nos has hecho

beneficios, corona tu obra, y sea la instalación de la Monarquía Mexicana el último

acto de tu autoridad paternal. Danos un Rey, y conviértase la cadena de la

dependencia, en lazos de amor, piedad y gratitud: considera que el padre que

renuncia siquiera reconocer a su hijo como hombre, sería injusto porque no se crece

para no salir de niño. Danos un Rey, y si no se lo pediremos al Brasil, a Nápoles, a

la Francia o la Austria: nosotros no nos oponemos a la unión, la naturaleza es la que

se opone: nosotros no conspiramos contra nuestro Rey, sino contra su ausencia”209.

Em 18 de maio de 1822, começaram manifestações de rua em apoio a Iturbide, que

ademais contava com forte apoio militar; no dia seguinte, o congresso proclamou-o

Augustín I, sendo coroado finalmente em 21 de julho. Enquanto o congresso não elaborasse

uma nova Constituição - era preciso, claro, alijar a de Apatzingán, de 1814, considerada

“insurgente” – Iturbide governaria com a Constituição espanhola de Cádiz, de 1812 210.

Portanto, quando Pedro de Bragança foi aclamado Imperador do Brasil, em outubro de

1822, havia na América um precedente independentista recente e forte, ademais,

legitimista, monárquico, constitucional e “imperial”: o do México.

As tensões desenvolvidas entre Augustín I, o congresso de seu país e outros grupos

de oposição - dentre os quais figurava gente como Michelena e Ramos Arizpe, os mesmos

como tal. Quais os significados de época dos termos nela implicados, e quais os termos dos quais queremos,
nós, nos valer para entendê-la?
209
R. Rojas, La escritura de la independencia..., cit., p.83.
210
E. T. Villar. La Independencia de México…, cit., p.134-135; e R. Rojas. La escritura de la
independencia..., cit., p.70.

140
da sessão madrilenha de junho de 1821211 - foram acompanhadas no Brasil. Inclusive a

dissolução do congresso, ordenada pelo Imperador em 31 de outubro de 1822, sua

substituição por uma junta menor, a reinstalação forçada do Congresso (07 de fevereiro de

1823) e, finalmente, a abdicação de Iturbide, em 19 de março212. Cipriano Barata, por

exemplo, um dos mais influentes publicistas do Brasil daquele período, tratou amplamente

da matéria. Primeiro, dando conta de que

“Eturbit [sic], intruso Imperador e atrevido usurpador da Liberdade dos Mexicanos,

tendo a animosidade de prender 15 Deputados, acometeu e fez dissolver o Soberano

Congresso à força d’armas[...]. Eturbit foi acometido, batido, desfeito e preso. E

Deus queira que o enforquem para exemplo daqueles que não querem Constituição

[ilegível]. Ora, graças aos Céus! Temos de menos um tirano no Mundo e os

Americanos que falam a língua Espanhola livres de tão mau exemplo”213.

Em seguida, aproximaria os acontecimentos do México com os do Rio de Janeiro; ou

melhor, expressaria temor de que o que ocorrera lá, ocorresse aqui, onde estavam em curso

os trabalhos da Assembleia Constituinte do Brasil, sob os auspícios de Pedro I, e que com o

qual começava a anunciar um conflito em torno dos espaços formais de soberania nacional

(aliás, o mesmo tipo de conflito que ocorrera no caso mexicano):

211
E. T. Villar. La Independencia de México…, cit., p.135.
212
Idem, p.136-138.
213
Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco. Alerta!¸n. 27, 05/06/1823. In: Marco Morel (org. e
notas), Cipriano Barata. Sentinela da Liberdade e outros escritos (1821-1835). São Paulo: EDUSP, 2009.

141
“Rio de Janeiro. O estado daquela Província como Capital do Império

oferece uma perspectiva admirável de fenômenos políticos que pressagiam tristes e

talvez espantosos sucessos a todos os livres observadores, não deixando de

[ilegível] desconsolação e medo nos corações daqueles que de boa-fé esperavam

tranquilos o bom êxito de nossos augustos trabalhos.

“Sabemos com bastante certeza, e é público, que o nosso Soberano

Congresso esteve quase a ser dissolvido dentro de poucos dias do mês de Setembro,

bem como já viram os Mexicanos o seu no tempo do infame usurpador Iturbide”214.

Poucos dias depois, os receios de Barata se convertiam em uma aberta ameaça a

Pedro I: “bom será que o nosso Imperador tenha diante dos olhos o quadro do México, para

ver que as imprudências de Iturbide o precipitaram como a Dédalo” 215. Suas palavras

tiveram impacto. Sabemos que exemplares da Sentinela de Barata, com suas posturas

republicanas e tiranicidas, viajaram por muitas partes, do Rio da Prata (onde eram bem

acolhidas por governos locais a elas afeitos) ao Pará. Nesta província do Império do Brasil,

seu comandante de armas testemunhou que soldados diziam que Pedro I teria o mesmo

destino que Iturbide, com um agravante: em 1824, quando desses rumores, provavelmente

este já tinha sido fuzilado216.

Pedro I parece ter levado a sério tais ameaças. De fato, procedeu de maneira idêntica

a Iturbide: ordenou o fechamento da Assembleia brasileira (12 de novembro de 1823) e

214
Idem, n.53, 04/10/1823. In: M. Morel (org. e notas), Cipriano Barata..., cit., p.481-482.
215
Idem, n.60, 29/10/1823. In: M. Morel (org. e notas), Cipriano Barata..., cit., p.518.
216
Após abdicar, Iturbide deixou o México e rumou à Europa, onde tentou articular junto a potências
legitimistas seu retorno. Declarado traidor pelo congresso mexicano, tentou voltar no ano seguinte, mas após
desembarcar em Soto la Marina em 15 de julho, foi preso e fuzilado. E. T. Villar, La Independencia de
México…, cit., p. 136-138. Devemos a indicação relativa ao Pará a André Roberto Machado, ao qual

142
convocou um conselho fechado para elaborar a nova Constituição. Ordenou ainda a prisão

de vários deputados e publicistas, dentre os quais o próprio Cipriano Barata. Dias depois,

em pronunciamento oficial, o monarca justificava sua atitude como um meio “seguro” para

aplacar a “discórdia” reinante na Corte, e acusava seus “inimigos” de se valerem dos

periódicos para atacar a “força moral do Governo, e ameaçar a Minha Imperial Pessoa, com

os exemplos de Iturbide e de Carlos I”217.

Inglaterra e México, duas monarquias, dois monarcas depostos. Um terceiro, o do

Brasil, queria se manter de pé, e para isso seguia, paradoxalmente, o conselho de um de

seus maiores opositores: aprendia com o México.

agradecemos imensamente. Suas pesquisas indicam documentação a respeito guardada no Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro, Cód. SDE 002, Caixa 742, “Confederação do Equador”.
217
Diário do Governo, n.117, 18/11/1823.

143
Capítulo 7

Independências cruzadas do Brasil e da América espanhola: o problema

das sincronias e diacronias

7.1 - Apresentação

A discussão em torno das abrangências espaciais e temporais dos processos de

independência das colônias ibéricas da América é, conforme vimos, clássica e persistente.

Atualmente, parece se desenvolver considerável consenso em torno do reconhecimento de

que cada um desses processos não pode ser devidamente compreendido em separado dos

outros; o que, ademais, se coaduna perfeitamente com algumas condições evidentes que o

tempo em que vivemos oferece ao nosso ofício, seja em termos da escolha de temas e

enfoques, seja por uma crescente internacionalização de experiências acadêmicas da qual,

em alguns casos, resulta consistente interlocução, e também em verdadeira

internacionalização do tratamento de temas que não são, claro, de natureza nacional.

Anteriormente, sustentamos a ideia de que os processos de independência do Brasil

e da América espanhola se articularam de um modo preciso; isto é, que se determinaram

reciprocamente, de muitas e variadas maneiras, a ponto de algumas de suas especificidades

serem iluminadas justamente quando consideradas como soluções próprias que cada

contexto formulou para situações comuns. E que essas situações comuns implicaram, por

seu turno, desenvolvimentos ulteriores desiguais, que acabaram por criar padrões de

encontro e de determinação recíproca entre trajetórias distintas.

144
Essa ideia começou a se despir de seu caráter puramente hipotético com a

demonstração parcial de como funcionaram alguns dos vetores desse movimento geral de

determinações recíprocas: em primeiro lugar, e com muito mais ênfase de nossa parte,

como a América espanhola ensinou o Brasil a ser independente; em segundo lugar, e de

modo apenas indicativo, como o inverso também se deu. Por seu turno, ambos os

fenômenos se relacionam a uma conjuntura mais ampla, na qual vetores advindos de outras

experiências políticas foram responsáveis pela tessitura de uma experiência revolucionária

moderna, a envolver o Brasil e a América espanhola, bem como muitos outros espaços do

mundo ocidental, em muitas histórias variadas.

Se essa proposta analítica não se sustenta apenas do ponto de vista de um olhar

focado exclusivamente nas influências de uma parte sobre outra, há que se investigar,

simultaneamente, muitos outros vetores do mesmo movimento geral; por exemplo, os

impactos exercidos pelo curso da política no Brasil não só no mundo hispânico, mas

também no francês, no britânico, etc. Teriam se constituído, aí, experiências, ou apenas

influências de parte a parte?

Essa nos parece uma possibilidade alvissareira. Contudo, um pequeno deslocamento

impõe impor uma demanda e ela complementar. Há que se continuar a investigar

características gerais desse contexto a informar as próprias experiências; isto é, dimensões

do contexto abrangentes, quiçá estruturais, e que possibilitaram que influências recíprocas

tenham construído fenômenos históricos da magnitude dos aqui identificados por aquela

expressão. Nesse ponto, propostas inovadoras, consistentes e promissoras vêm sendo

disponibilizadas por historiadores, como aquelas que, igualmente na esteira de alguns dos

pressupostos estabelecidos por Koselleck, salientam uma marca temporal do contexto aqui

tratado. Uma marca a defini-lo em termos de uma simultânea politização do tempo e de


145
temporalização da política que, em última instância, implica uma temporalização inédita da

própria vida social218 que, a nosso ver, seria uma modalidade historicamente específica (dos

séculos XVIII e XIX) da simultaneidade de tempos históricos desde há muito sinalizada por

Braudel219.

De nossa parte, pretendemos aqui apenas um esboço de um problema relacionado

diretamente a essa questão. Partimos do pressuposto de que, se as várias dimensões

temporais implicadas na concepção de uma experiência revolucionária moderna são

unificadas pelo seu direcionamento a um futuro aberto, em um outro sentido essas

dimensões se separam. Pois para que haja “aprendizados políticos” nos termos dessas

experiências, é necessário o encontro de realidades distintas, cuja articulação só é possível a

partir de seus ritmos próprios de desenvolvimento histórico. Tentando ser mais preciso: é

necessário que tais realidades possuam diferenças que pautem não a configuração imediata

de uma mesma e mais abrangente realidade unificadora, mas sim que permitam a

formulação intelectual de situações percebidas como ainda afastadas, e cujo encontro passa

a ser desejável. Diferenças, portanto, que são – ainda que não exclusivamente - de natureza

temporal.

A questão não é refletir em torno de proposições abstratas previstas de antemão por

um modelo de interpretação, mas sim, retomar situações históricas concretas que, lidas à

luz de um problema de ordem temporal como o aqui proposto, podem se revelar dotadas de

218
Algumas das firmes elaborações da questão nesses termos encontram-se nos trabalhos de Javier Fernández
Sebastián, como, por exemplo, “‘Cabalgando el corcel del diablo’: conceptos políticos y aceleración histórica
en las revoluciones hispânicas”. In: Lenguaje, tiempo y modernidad. Ensayos de historia conceptual, Santiago
de Chile: Globo Editores, 2011, pp. 21-59.
219
Na mesma linha de trabalhos como o de Rafael Marquese, “Comparando impérios: o lugar do Brasil no
projeto escravista de Francisco de Arango y Parreño”. In: María Dolores González-Ripoll & Izaskun Álvarez
Cuartero (eds.), Francisco Arango y la invención de la Cuba azucarera. Salamanca: Ediciones Universidad
Salamanca, 2009, p.67-84. Também: Márcia Berbel/Rafael Marquese/Tamis Parron, Escravidão e política:
Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2010, esp. cap.1.

146
significados importantes. É por isso que a trivialidade da constatação de que cada fenômeno

histórico ocorre, simplesmente, em seu devido tempo, não é obscurecida pela tentativa de

dotar alguns desses fenômenos de dimensões temporais específicas, sincrônicas e

diacrônicas, uns em função dos outros, de acordo com seus ritmos de desenvolvimento

próprios.

Pontuaremos apenas situações presentes no universo das independências

iberoamericanas, tanto do lado lusoamericano como do hispanoamericano, e sobejamente

conhecidas de todo estudioso de tais realidades: juntas de governo, constitucionalismo, e

declaração de independências. Ao cabo desta exposição, teremos nos contentado com o

estabelecimento de relações entre eles, das quais podem surgir sugestões de adendos

interpretativos pouco usuais.

7.2 - Juntas, constitucionalismos, independências.

A diferença de soluções encontradas pelas monarquias ibéricas, ao se confrontarem,

entre 1807 e 1808, com o clímax de uma crise política e militar comum a ambas, é

eloquente. Enquanto a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, entre fins de 1807 e

começos de 1808, preservou a integridade física e simbólica da monarquia e de seus

domínios, a condução da família real espanhola ao cativeiro francês criou, muito

rapidamente, condições imediatas para a desagregação daquela autoridade real. Como todos

sabemos, a formação de juntas de governo por todo o território hispânico, desde 1808 e

doravante, constituiu fenômeno de grande importância no desenrolar futuro das

147
independências americanas220. No entanto, merece atenção o ritmo pelo qual se processou

uma experiência de governos locais, regionais e nacionais que, não obstante em muitos

momentos se revestirem de toda a legitimidade continuísta possível, eram

fundamentalmente inovadores em termos de sua natureza política. Essa atenção pode ser

redobrada no tocante à apreciação desses ritmos em relação ao que se passava,

concomitantemente, no Império Português221.

A formação de juntas peninsulares e americanas foi acompanhada com grande

interesse pela alta política imperial portuguesa, quase toda ela sediada na América desde

1808. Daí a inequívoca afirmação, que já mencionamos no capítulo 2, do periódico oficial

da Corte do Rio de Janeiro, a Gazeta do Rio de Janeiro, de que esse acompanhamento seria

feito, e em público, “por ser muito interessante a todo bom Vassalo Português conhecer o

espírito público da Nação Espanhola na presente crise, pois que do Estado daquela Nação

depende em grande parte a sorte da Nossa”.222 Não havia no mundo português nada

semelhante ao que se passava no mundo hispânico; mas tudo o que fosse possível era ali

conhecido, por ser politicamente útil.

Não à toa, as notícias dos decisivos acontecimentos de Aranjuez (março de 1808),

Bayona (abril) e Madri (primeiros dias de maio), por exemplo, foram conhecidas antes no

Rio de Janeiro do que em importantes centros político-administrativos do Império

220
Manuel Chust (org.), La eclosión juntera en el mundo hispánico. México: FCE, 2008; Alfredo Ávila &
Pedro Pérez Herrero (orgs.), Las experiencias de 1808 en Iberoamérica. México/Madrid: UNAM/
Universidad de Alcalá, 2008.
221
Valentim Alexandre, Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo
Regime português. Porto: Afrontamento, 1993; Maria de Fátima Gouvêa, “As bases institucionais da
construção da unidade. Dos poderes do Rio de Janeiro joanino: administração e governabilidade no Império
luso-brasileiro”. In: I. Jancsó (org.), Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp,
2005, p 707-752; e Kirsten Schultz, “A era das revoluções e a transferência da Corte portuguesa para o Rio de
Janeiro (1790-1821)”. In: J. Malerba (org.), A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006, p.125-151.

148
Espanhol: no Caribe, na Venezuela e em Nova Espanha as notícias tardaram para chegar

cerca de dois meses depois dos acontecimentos, e no Chile e no Peru de quatro a cinco

meses223; no Rio de Janeiro e Bahia, porém, esse tempo não ultrapassou três meses, um

pouco menos do que o necessário para de lá as notícias seguirem caminho a Montevidéu e

Buenos Aires, no Rio da Prata.

Desde cedo, portanto, o Brasil integrou o emaranhado que começava a se formar

com o processamento de informações, notícias, boatos, temores e prognósticos. E

procurando uma política voltada com especial interesse para o continente de sua nova sede,

a Corte do Rio de Janeiro metabolizaria tais elementos, que ademais rapidamente

adentravam à cena pública que, também como já vimos, por aquela época se alargava e

adensava com conteúdos políticos. Doravante, o que ocorresse na América espanhola

jamais seria ignorado ou tratado com frieza pela alta cúpula imperial portuguesa, ou pelos

mais empenhados agentes políticos que teciam redes de interesses políticos e econômicos

em um contexto cheio de incertezas quanto ao futuro do Império. A possibilidade de quebra

da legitimidade dinástica, evidente no mundo hispânico, sobretudo na América, se fazia

presente também na monarquia portuguesa; e um componente fundamental desse cenário

era precisamente o aprendizado possibilitado pelo colapso do Império espanhol anterior ao

do português.

222
Gazeta do Rio de Janeiro extra n.01, de 22/02/1810. Mesmo assim, a Gazeta sabia muito bem silenciar
sobre acontecimentos que fossem considerados como exemplos perniciosos. Tratei a questão em Pimenta, cit.,
cap.III.
223
Simon Collier, Ideas and Politics of Chilean Independence, 1808-1833.Cambridge: Cambridge University
Press, 1967; Allan J. Kuethe. Cuba, 1753-1815 : Crown, Military, and Society. Knoxville: The University of
Tennesse Press, 1986; Alfredo Ávila, En nombre de la nación. La formación del gobierno representativo en
México (1808-1824). México: Taurus/Cide, 1999; Marco Antonio Landavazo, La máscara de Fernando VII.
Discurso e imaginário monárquicos em uma época de crisis. Nueva España, 1808-1822. México: El Colegio
de México/Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo/El Colegio de Michoacán, 2001; Victor
Peralta Ruiz, En defensa de la autoridad. Política y cultura bajo el gobierno del virrey Abascal. Peru 1806-
1816. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas/Instituto de Historia, 2002; e Ines Quintero,
La Conjura de los Mantuanos. Caracas: Universidad Católica Andrés Bello, 2002.

149
A criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, em dezembro de 1815,

bem de acordo com as recomendações das potências legitimistas europeias reunidas no

Congresso de Viena, principalmente aquelas que compunham a Santa Aliança, pode ser lida

como reconhecimento da equiparação política formal do Brasil a Portugal (condição, aliás,

adquirida de fato já em 1808)224; pode ser tomada, também, como tentativa de

fortalecimento de um bastião realista em meio a uma conjuntura na qual as tentativas de

reconquista da América espanhola, levadas adiante por Fernando VII desde sua recondução

ao trono em 1814, pareciam criar um clima favorável ao tradicionalismo político, ao

mesmo tempo em que aprofundavam desavenças internas em vice-reinos e capitanias da

América que, desde então, como é sabido, passariam a sediar projetos cada vez mais claros

de independência.

Há que se destacar, também, que desde o início da década de 1810, o mundo

hispânico conhecia ensaios de constitucionalismo de tipo moderno, fosse na própria

América – com as Constituições promulgadas em Nova Granada e Venezuela a partir de

1811, ou as projetadas também em outras partes – fosse na Espanha, com a reunião das

Cortes que, em Cádiz, elaborariam uma Constituição supostamente válida para todos os

domínios da monarquia. Quando o Brasil foi elevado à condição de Reino, os

constitucionalismos hispânicos se encontravam em fortes apuros, mas os fatos logo

mostrariam que a restauração borbônica não os fizera desaparecer. Essa permanência de

experiências constitucionais exerceria forte influência em Portugal e no Brasil.

224
Ana Cristina B. de Araújo, “O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1815/1822”. In: Revista de
História das Ideias, n.14, 1992; Valentim Alexandre, Velho Brasil, novas Áfricas. Porto: Afrontamento, 2000;
e Cristina Nogueira da Silva, “Nação federal ou Nação bi-hemisférica? O Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves e o modelo colonial português do século XIX”. In: Almanack Braziliense n.9, maio de 2009.

150
Assim, é significativo que o mundo português conhecesse um movimento

contestatório tão radical como o que eclodiu na capitania americana de Pernambuco, em

1817, recheado de influências norte-americanas, francesas e também hispânicas e hispano-

americanas225. Pois naquela ocasião ficava evidente o grau de contenção que a Corte do Rio

de Janeiro fora capaz de imprimir a demandas políticas alternativas, radicalizadas pelo

contexto político ocidental, e que buscavam sintonia com o que ocorria alhures. Em

Pernambuco, foi criada uma junta de governo, ao mesmo tempo em que se esboçava a

elaboração de uma Constituição republicana226. E assim, carregando marcas de sua inserção

no contexto iberoamericano, aquele movimento processava, simultaneamente, dois

fenômenos históricos que, no mundo hispânico, tinham surgido em separado.

Em um ambiente como o lusoamericano, que conhecia generalizado empenho por

manter-se o mais realista possível, a articulação simultânea de elementos políticos radicais,

advindos da recente trajetória do mundo hispânico seria capaz de, ao mesmo, aproximar e

distinguir as duas trajetórias. O advento do constitucionalismo português, em agosto de

1820, foi precipitado, dentre outros, fatores, pela leitura do que se passara na Espanha em

janeiro daquele mesmo ano, e que, de certo modo, reeditava o constitucionalismo gaditano

de anos anteriores. Só que esse constitucionalismo, monárquico e reformista, encontraria na

América portuguesa um ambiente específico227: pois ali já se conhecera, desde antes,

constituições republicanas e revolucionárias, tanto na vizinhança do Brasil como no próprio

interior deste. É por isso que a generalização de juntas de governo, a exemplo do que

225
Luiz Geraldo Silva & João Paulo G. Pimenta, “Pernambuco, Rio da Prata e a crise do Antigo Regime na
América ibérica: o “caso” de Félix José Tavares Lira”. In: Estudos ibero-Americanos, v.23, n.02, jul.-
dez/2011, p.312-342.
226
Denis de M. Bernardes, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo/Recife:
Hucitec/Editora UFPE, 2006; Luiz Geraldo Silva, “O avesso da independência: Pernambuco (1817-24)”. In: J.
Malerba (org.). A Independência brasileira..., cit., p.343-384.

151
ocorrera no mundo hispânico a partir de 1809, e do que fora ensaiado no português em

1817, terá em 1821 um componente inovador, determinado, novamente, pela compressão

de dois elementos advindos do mundo hispânico. Só que aqui, juntas e constitucionalismo

caminharão fortemente integrados, embasando inclusive o projeto de independência do

Brasil sob a égide de uma monarquia constitucional, e não de uma ordem republicana.

No mundo hispânico, e com poucas exceções (os casos da Venezuela e da

“insurgência” mexicana), há intervalo de alguns anos entre o advento de juntas de governo

e o constitucionalismo; esse intervalo pode variar a depender dos referenciais iniciais de um

(Charcas e Quito, em 1809, reinos europeus, vice-reinos e capitanias americanas, em 1810)

ou de outro (Nova Granada e Venezuela, em 1811; Chile, Quito e Cádiz em 1812).

Também ali se observa uma separação entre conteúdos políticos de um e de outro:

monarquia nas juntas, monarquia ou república nos constitucionalismos, com variáveis graus

de tradicionalismo e inovação em ambos. Enquanto isso, no mundo luso, há uma

simultaneidade entre os dois fenômenos, seja no malogrado ensaio revolucionário de

Pernambuco, em 1817, seja na gestação da fórmula reformista (mas em última instância

também revolucionária) das juntas constitucionais que eclodiram em várias regiões do

Brasil a partir de 1821.

Essa observação preliminar pode ser completada com a inclusão do advento das

declarações formais de independência. Nesse ponto, a tendência é nítida: em todo o mundo

iberoamericano, a formalização de rupturas de colônias com suas respectivas metrópoles,

bem sucedidas ou não, ocorreu, via de regra, após o surgimento de juntas e de

227
Márcia Regina Berbel, A nação como artefato: deputados do Brasil nas Cortes portuguesas, 1821-1822.
São Paulo: Hucitec/Fapesp 1999.

152
constitucionalismos228. Algumas das razões para isso são assaz conhecidas; cabe apenas

acrescentar que, no Brasil, a conjugação entre juntismo e constitucionalismo criou, muito

rapidamente, condições para a independência em relação a Portugal; já na América

espanhola (com exceções dentre as quais cabe mencionar, novamente, a da Venezuela de

1811) esse movimento tendeu a se processar de modo mais lento, embasado em uma

trajetória errática que, pelo contrário, a presença da Corte portuguesa no Rio de Janeiro fora

capaz de evitar.

7.3 - Um tempo revolucionário?

Abandonando agora a fórmula comparativa momentaneamente mobilizada, creio

que a celeridade com que a trajetória política lusoamericana processou e fundiu elementos

oriundos da América espanhola (e que nesta conheceram um ritmo mais lento), pode ser

bem entendida de duas maneiras: em primeiro lugar, como resultado da oportunidade aberta

pela diferenças de circunstâncias criadas entre 1807 e 1808, e que permitiram ao Império

português “aprender” com o espanhol; em segundo lugar, como demonstração de uma

dimensão concreta daquilo que, genericamente, têm sido referido por vários estudiosos

como uma “aceleração do tempo histórico” a embasar os processos de independência da

América ibérica;229 isto é, o estabelecimento de ritmos de desenvolvimento desiguais,

228
Essa modalidade de ação política específica foi estudada, em perspectiva abrangente, por David Armitage.
Declaração de independência: uma história global. Companhia das Letras, 2011.
229
Para o contexto geral, novamente a referência central é Koselleck, Futuro pasado: para una semántica de
los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993; para a América ibérica: Javier Fernández S., “‘Cabalgando el
corcel del diablo’: conceptos políticos y aceleración histórica en las revoluciones hispânicas”. In: Lenguaje,
tiempo y modernidad. Ensayos de historia conceptual. Santiago de Chile: Globo Editores, 2011, pp. 21-59;
Guillermo Zermeño Padilla, “História, experiência e modernidade na América ibérica”. In: Almanack
Braziliense n° 07, maio de 2008; várias contribuições em: Javier Fernández S. (dir.), Diccionario político y
social del mundo iberoamericano. Madrid: Fundación Carolina/Centro de Estudios Políticos y

153
precipitados não necessariamente por um movimento geral de aceleração, mas pela

dinâmica dos próprios acontecimentos históricos e, principalmente, da relação recíproca

entre eles, e a resultarem, sim, em uma aceleração geral.

Seria esta, precisamente, a característica mais marcante de um “tempo

revolucionário”, estabelecido pela simultaneidade de ritmos acelerados de desenvolvimento

histórico voltado a um futuro concebido como aberto, recriados tais ritmos pelos próprios

eventos, e que imbricariam uns com os outros, estabelecendo sincronias e diacronias ? Não

obstante esta discussão já ter sido esboçada anteriormente por vários autores, em contextos

historiográficos distintos, creio que sua renovação, tendo por base a apreciação dos

processos de independência iberoamericanos, pode ser ainda bastante útil à compreensão

dos mesmos.

Constitucionales, 2009; para o Brasil: Valdei Araújo, A experiência do tempo: conceitos e narrativas na
formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008. Afirmações semelhantes, ainda que não
tributárias de Koselleck, se encontram em: Fernando Novais, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema
Colonial. São Paulo: Hucitec, 1979; e: István Jancsó, “A sedução da liberdade: cotidiano e contestação
política no final do século XVIII”. In: F. Novais (dir.), História da vida privada no Brasil v.I: cotidiano e vida
privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.388-437.

154
Capítulo 8

Uma incômoda vizinhança: o Brasil e suas fronteiras no contexto

revolucionário hispanoamericano

8.1 - Definição do problema

Referimo-nos em várias ocasiões à imagem historiográfica de um Brasil singular e

excepcional em meio ao mundo ocidental de fins do século XVIII e começos do XIX, e ao

fato de que os elementos de caracterização de seu processo de independência e de

subsequente formação estatal-nacional costumam ser elevados à condição de fatores sem

qualquer paralelo com outros casos. Aqui, desempenham papel de protagonistas a criação

de um regime monárquico, e a marca notadamente escravista da sociedade brasileira em seu

nascedouro. Um terceiro elemento costuma se acoplar a estes dois: o estabelecimento de

uma territorialidade definidora do espaço de jurisdição do novo Estado que, em suas linhas

mestras, correspondia às principais áreas de exercício da antiga soberania real portuguesa

no continente americano.

Com base nessa argumentação, pareceria inequívoca a marca singular do processo

independentista do Brasil, a distingui-lo dos demais ocorridos mais ou menos à mesma

época, bem como de todos os outros grandes movimentos políticos revolucionários do

mesmo contexto geral ocidental. A revolução brasileira implicaria, desde seu início, uma

155
contradição de termos, e legaria à posteridade um ideário temático incômodo e

desafiador230.

O fato desse tipo de interpretação ter sido esboçado já por alguns dos próprios

agentes políticos que promoveram a separação entre Brasil e Portugal, e veiculada

publicamente em meio ao processo em que atuavam e que procuravam qualificar, não

implicaria, por si só, qualquer problema sério aos posteriores historiadores da

independência do Brasil, se não fosse por uma questão: a de que o fato de ter sido

precisamente esta a origem de tal visão historiográfica se reporta ao âmago de um

mecanismo comum a toda e qualquer formação nacional daquela mesma época; isto é, ao

fato de que em toda parte onde movimentos de independência potencializavam as bases

fundamentais para a criação de Estados e nações ainda inexistentes, se conheciam

formulações intelectuais que, visando justificar tais movimentos, pintavam-nos, cada qual à

sua maneira, como únicos, distintos dos outros, e por isso mesmo legítimos e desejados 231.

O complemento lógico da tipificação da singularidade histórica brasileira é, portanto, a

singularização de cada quadrante do mesmo cenário por ela integrado; mesmo que, em

alguns casos, tais quadrantes fossem pintados com cores idênticas, como as do

conservadorismo e da estabilidade, clássicas atribuições brasileiras, mas também de outros

casos, como o chileno e o mexicano, para citar apenas dois dos mais evidentes.

Nos capítulos anteriores, propus alternativas de explicação a esse modelo, quiçá

pautando sua insuficiência. E embora tenha sido o próprio processo de independência a

230
Wilma Peres Costa, “A independência na historiografia brasileira”. In: István Jancsó (org.),
Independência: história e historiografia. São Paulo, Hucitec/FAPESP, 2005, p. 53-118; João Paulo G.
Pimenta, “A independência de Brasil como uma revolução: história e atualidade de um tema clássico”. In:
História da historiografía n.3, setembro/2009, p.53-82.
231
Uma excelente análise da questão focada no Rio da Prata encontra-se em: Fabio Wasserman, Entre Clio y
la Polis: conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-1860). Buenos
Aires: Teseo, 2008.

156
formular originalmente as bases de tal modelo, ele jamais prescindiu de outro elemento, a

completá-lo: embora o Brasil fosse supostamente específico, e de modo natural – o que

justificaria, então, sua separação de Portugal - ele também seria semelhante a outros países

que, pela mesma época, ou já eram ou estavam se tornando independentes. Era o que

ensinavam, dentre outros, os abades Raynal e De Pradt232, e o que aceitava um grande

número de vozes públicas a se pronunciarem, principalmente, nas décadas de 1810 e 1820.

A singularização do Brasil, para se tornar operativa, pressupunha ao mesmo tempo sua

tipificação.

Se nos capítulos anteriores tendemos a enfatizar dimensões ideológicas das

experiências políticas a envolverem o Brasil em um contexto ocidental, agora focaremos de

modo privilegiado uma de suas dimensões materiais mais concretas, isto é, a sua

territorialidade. A proposta das páginas seguintes é, assim, oferecer uma síntese

problematizadora233 em torno da pergunta: o quê representou, para o Brasil, a circunstância

inescapável que, a partir de 1808, o fez sede da Corte portuguesa e, ao mesmo tempo,

vizinho continental de territórios que, como todos sabemos, logo naquele ano começariam a

conhecer convulsões políticas de natureza até então inédita? Esse ineditismo dizia respeito

a todos, não apenas porque – como também sabemos - cada parte reagiria de uma maneira à

crise política geral, mas porque o estabelecimento de bases comuns de reação passava pelo

compartilhamento de experiências determinadas reciprocamente.

De um modo geral, esse compartilhamento de experiências possui várias faces,

inclusive aquela das trocas de paradigmas intelectuais, embasada em uma dinâmica

232
Marco Morel, “Independência no papel: a imprensa periódica”, en: I. Jancsó (org.), Independência..., cit.,
pp.617-636; J. P. G. Pimenta, “Portugueses, americanos, brasileiros: identidades políticas na crise do Antigo
Regime luso-americano”. In: Almanack Braziliense n°3, mayo de 2006.

157
circulação de análises, informações, notícias e rumores que subsidiavam a formação de

temores, expectativas e prognósticos, bem como de paradigmas e modelos de ação política

concreta. Mas o fluxo de ideias se articulava ao de homens e mulheres, de embarcações,

mercadorias e outros artefatos culturais; também com uma alta política que se conjugava

com um cotidiano cada vez mais politizado em várias esferas sociais, e modificando-se em

suas relações de temporalidade. Em suma, eis aí toda uma base material que não se deve

desconsiderar. Uma cultura política ampla, compartilhada por territórios e agentes luso e

hispano-americanos, desdobrava-se em outras dimensões da realidade, algumas delas

engendradas pela contiguidade territorial entre o Brasil e partes da América espanhola.

A apreciação do problema incide sobre três grandes espaços, aqui considerados,

para fins aproximativos, de maneira algo imprecisa: 1) os territórios que até 1810

compunham o Vice-Reino do Rio da Prata, sediado em Buenos Aires, e que incluíam, além

da embocadura do Rio da Prata, a chamada “banda oriental”, o litoral dos rios Uruguai e

Paraná e também a província do Paraguai. Estes territórios confinavam com as capitanias

portuguesas do Rio Grande de São Pedro, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso; 2) as

vastas áreas do Alto Peru, que até então também integravam o Vice-Reino do Rio da Prata,

mas que desde 1810 tornaram-se alvo de conflitos em torno do seu controle, até a década

seguinte tendentes à prevalência do realismo espanhol mantido por Lima. Também

integram este segundo conjunto espacial as outras terras orientais do Vice-Reino do Peru.

Todas elas terminavam nas porções ocidentais das capitanias portuguesas de Mato Grosso e

Rio Negro, esta correspondente a amplos territórios amazônicos que, vez por outra, eram

administrativamente sujeitos ao governo de Belém, no Grão-Pará; 3) finalmente, regiões do

233
Para que tal síntese fosse mais completa, seria necessário nela incluir a fronteira do Brasil com o território
francês de Caiena; porém, de momento não temos elementos suficientes para tratar do tema.

158
Vice-Reino de Nova Granada e da capitania geral da Venezuela fronteiriças aos demais

territórios amazônicos portugueses do Rio Negro e Grão-Pará.

Na historiografia, a atenção dada às relações hispano e lusoamericanas nestas três

vastas e diversificadas áreas é muito discrepante: muito foi escrito sobre a primeira, ainda

merecedora de atenção234, enquanto que as outras duas receberam tratamento apenas

residual235, o que dificulta a problematização em torno de uma síntese equilibrada. Mesmo

assim, o que existe, assim como uma parcial investigação empírica própria, nos permite

alguns desenhos essenciais a anunciarem determinadas hipóteses, com as quais

retomaremos os problemas centrais a nos acompanharem até este ponto.

234
Helen Osório, Apropriação da terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino. Porto
Alegre: UFRS, 1990 (mestrado); Cesar Augusto Barcellos Guazzelli, O Horizonte da Província: a República
Rio-Grandense e os Caudilhos do Rio da Prata (1835-1845). Río de Janeiro: UFRJ, 1998 (doutorado); Helga
Iracema L. Piccolo, “O processo de independência numa região fronteiriça: o Rio Grande de São Pedro entre
duas formações histórias”. In: I. Jancsó, Independência..., cit., pp. 577-613; Tau Golin, A fronteira: governos
e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre:
L&PM, 2002; Fábio Ferreira Ribeiro, O General Lecor e as articulações políticas para a criação da
Província Cisplatina: 1820-1822. Río de Janeiro: UFRJ, 2007 (mestrado); Ana Frega, “La virtud y el poder.
La soberanía particular de los pueblos en el proyecto artiguista”. In: Noemí Goldman & Ricardo Salvatore
(comps.), Caudillismos rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 1998,
pp.101-133; A. Frega & Ariadna Islas (coord.), Nuevas miradas en torno al artiguismo. Montevideo: Facultad
de Humanidades y Ciencias de la Educación/Universidad de la República, 2001; Roberto Schmitt, Ruina y
resurrección en tiempos de guerra: sociedad, economía y poder en el oriente entrerriano posrevolucionario,
1810-1852. Buenos Aires: Prometeo, 2004.
235
Artur Cezar Ferreira Reis, “O Grão Pará e o Maranhão”. In: Sérgio Buarque de Holanda (dir.), História
geral da civiliação brasileira. 3ªed. São Paulo, Difel, 1972, pp. 71-172. (t. II, v. II, “Dispersão e unidade”);
Ana Cláudia Fernandes, A Revolução em pauta: o debate Correo del Orinoco - Correio Braziliense (1817-
1820). São Paulo: FFLCH-USP, 2010 (mestrado); Newman di Carlo Caldeira, “À procura da liberdade. Fugas
internacionais de escravos negros na fronteira oeste do Império do Brasil (1822-1867)”. In: Nuevo Mundo.
Mundos Nuevos, debates 2009. Para o tema específico das relações internacionais, as principais obras são as
de Luís Cláudio Villafañe G. Santos, A invenção do Brasil: o Império e o interamericanismo. Brasília: UnB,
2002; e O Império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e
Colômbia. Curitiba: Ed.UFPR, 2002.

159
8.2 - O Brasil e o Vice-Reino do Rio da Prata

A mais importante fronteira portuguesa na América começou a se estabelecer já no

século XVI, por conta do comércio legal e ilegal com o Rio da Prata, que conectava as

regiões mineradoras do Peru com os portos escravistas da África ocidental, via costa do

Brasil. No começo do século XIX, as trocas comerciais eram especialmente intensas por

mar, interligando o Rio da Prata – principalmente Montevidéu e Buenos Aires - com as

capitanias lusoamericanas do Rio Grande, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia,

Pernambuco e Rio Grande do Norte236.

Com as medidas de abertura comercial promovidas pela Corte portuguesa no Brasil

entre 1808 e 1809, esses fluxos aumentaram. Em 1809, os barcos portugueses só eram

menos frequentes em Buenos Aires do que os espanhóis; com os investimentos britânicos

no comércio da região a partir daquele ano, o movimento português caiu, em 1810, para um

pouco modesto terceiro lugar (10% das embarcações), atrás apenas de Grã-Bretanha e

236
Elena Beatriz Torre, “Aspectos en torno al comercio maritimo Buenos Aires – Brasil 1810-1816”. In:
Hernan Asdrúbal Silva (dir.), Navegacion y comercio rioplatense II. Bahia Blanca: Universidad Nacional del
Sur, 1998, pp.181-201; B. J. Barickman, A Bahian Counterpoint: Sugar, Tobacco, Cassava, and Slavery in
the Recôncavo, 1780-1860. Stanford: Stanford University Press, 1998; Oliveira Lima, D. João VI no Brasil.
3ªed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.109. Para referências a alguns dos comerciantes platinos metidos
nestas actividades, como Tomás Antonio Romero: Tulio Halperín Donghi, Revolución y guerra. Formación
de una élite dirigente en la Argentina criolla. Buenos Aires: Siglo XXI, 1972., p.46. Um “Mapa de los navíos
que entraron y salieron del puerto de la capitanía de Bahía en 1810” indica vinte embarcações provenientes de
Buenos Aires, oito de Montevideo, uma do “Río de la Plata” (provavelmente Maldonado ou Colonia), uma de
Callao (Peru), e uma de Havana (Cuba); no contrafluxo, uma com destino a Buenos Aires, cinco a
Montevidéu, duas ao “Río de la Plata” e uma a Havana. Correio Brasiliense, v. VII, n.39, 08/1811.
Estatísticas para o ano de 1816 indicam uma presença, no porto do Rio de Janeiro, de 100 navios envueltos no
comércio com o Rio da Prata; e 24 no porto de Salvador; para o mesmo ano, de 519 embarcações que
entraram no porto de Salvador 7 eram provenientes da América espanhola, e para esta eram destinadas 17.
“Exportações e importações da Capitania da Bahia”: GRJ n.32, 19/04/1817, e CB v.XIX, n.110, 07/1817;
John Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia/ São
Paulo: Edusp, 1975 (Londres, 1820), p.425. Também: Catherine Lugar, The Merchant Community of
Salvador, Bahia, 1780-1830. State University of New York at Stony Brook, 1980 (doutorado), p.85; e,
Agustín Beraza, La economía en la banda oriental durante la revolución (1811-1820). 2ª ed. Montevideo: Ed.
de la Banda Oriental, 1969, p.19.

160
Espanha, respectivamente, posição mantida até 1813, quando ocuparia a segunda posição,

bem próxima da Grã-Bretanha (39% contra 56%)237.

Conjugada com a atividade marítima havia, ainda, a atividade terrestre, e que

tornava a capitania do Rio Grande de São Pedro a mais importante dentre todas as

fronteiriças à América espanhola, já desde o início de sua colonização, no primeiro quartel

do século XVIII. Como resultado de uma dinâmica que articulou guerra, ocupação

territorial e atividade mercantil, as coroas ibéricas ali promoveram o estabelecimento de

propriedades fundiárias em modalidades bastante semelhantes de parte a parte. No começo

do século XIX, a região já tinha configurado um espaço com características transnacionais,

dinamizado pelo crescimento da produção local do movimento portuário (que cada vez

mais incluía o comércio de escravos africanos, uma mercadoria cara)238. Nesse cenário, as

periódicas contrações das atividades produtivas e portuárias de Buenos Aires, Montevidéu e

suas respectivas campanhas, tão comumente acarretadas pelas guerras, agora tendiam a

diminuir, por vezes até mesmo promovendo o desenvolvimento da região. De Porto Alegre,

São Pedro e Missões, também manufaturas portuguesas passaram a abastecer a banda

oriental239. A partir de 1810, circulavam livremente nesta região três moedas: a espanhola, a

237
Dados extraídos de Elena Torre, “Aspectos...”, cit., tabelas às páginas 195 e 196. É importante salientar
que o reforço dessas ligações muitas vezes se dava em detrimento das tradicionais estabelecidas entre Buenos
Aires e as demais províncias do Prata, cujas distâncias terrestres impediam que seus produtos competissem
com aqueles estrangeiros chegados a Buenos Aires por via marítima; incapazes portanto de sobreviver ao
livre-cambismo. José Pedro Barrán & Benjamín Nahum, Bases económicas de la revolución artiguista. 2ªed.
Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1964, cap.III.
238
H. Osorio, Apropriação da terra..., cit., da mesma autora, “La capitanía de Río Grande en la época de la
revolución artiguista: economía y sociedad”. In: A. Frega & A. Islas (coord.), Nuevas miradas…, cit., p.163-
178; também Fernando H. Cardoso, “Rio Grande do Sul e Santa Catarina”. In: Sérgio B. de Holanda (dir.),
História geral da civilização brasileira. 2a.ed. São Paulo, Difel, 1967, t.II, 2o.vol., p.473-505.
239
Também A. Beraza, La economía... , cit., p.20-21. A agricultura do Rio Grande, porém, sofreu graves
prejuízos pelo estado de beligerancia, inclusive pelos recrutamentos cada vez mais intensos de trabalhadores
locais incorporados aos exércitos portugueses de fronteira (H. Osório, “La capitanía de Río Grande...,” cit.,
pp.172-173). As comunicações entre São Paulo de o Rio Grande de São Pedro foram melhoradas com o
estabelecimento, por decreto real de 24/09/1817, de un correio regular entre as duas capitanías (publicado no

161
recém-criada pelas Províncias Unidas do Rio da Prata e, na fronteira de Iguarão, Lagoa

Mirim, Santa Teresa e Rocha, também a portuguesa 240. Com tudo isso, segundo o

comerciante inglês John Luccock, em atividade na América daquela época, a região oriental

do Prata podia “ser considerada como parte integrante do Brasil”.241

Toda essa intensa atividade econômica, compartilhada para além dos imprecisos

limites sulinos das terras americanas de Portugal com o Vice-Reino do Rio da Prata, se

conjugava, ainda, com estruturas societárias que mesclavam portugueses, espanhóis,

indígenas e escravos africanos, em propriedades territoriais e núcleos familiares comuns.

Tendia, ainda, a enriquecer e fortalecer os grandes proprietários de terras, produtores e

comerciantes em atividade na fronteira.

A partir de 1808, essa região sofreu fortes impactos da conjuntura política

internacional, tornando-se a principal porta de acesso da Corte portuguesa do Rio de

Janeiro ao mundo hispânico. Interesses mercantis transnacionais, rotas de informação,

fluxos de pessoas e de mercadorias, redes de sociabilidade e trocas de experiência política

aí se fariam, promovendo uma marcante articulação entre comércio, vizinhança geográfica

e cultura política. Já nos referimos suficientemente (capítulos 2, 3 e 4) às principais

linhagens dessa articulação, bem como a fenômenos a ela relacionados e que se mostrariam

nodais dos processos independentistas observados na região a desembocar, finalmente, na

guerra entre o Império do Brasil e o governo de Buenos Aires, travada entre 1825 e 1828, e

da qual resultou a criação da República Oriental do Uruguai.

Correio Bresiliense v.XX, n.119, 04/1818); ainda: Jeanne Lynn Friedman, Free trade and Independence: The
Banda Oriental in the World-System, 1806-1830. The Ohio State University, 1993.
240
A. Beraza, La economía…, cit., p.83.
241
J. Luccock, Notas..., cit., p.393.

162
Em última instância, poder-se-ia afirmar que, para o Brasil, a fronteira platina só

seria estabilizada em fins do século XIX, isto é, muito tempo depois da criação do Estado

nacional brasileiro242. Dada toda essa importância, é desnecessário estender-nos na

qualificação da importância histórica dessa fronteira, o que ademais implicaria em desviar o

foco de sua inserção em um contexto específico – o das independências – que deve ser

observado com o complemento de outras duas.

8.3 - O Brasil, o Alto Peru e o Peru

Os fluxos materiais na fronteira do Brasil com o Vice-Reino do Peru nunca foram

tão intensos como aqueles com o Vice-Reino do Rio da Prata, mas já existiam desde o

século XVI. Desprovidos de grandes rios navegáveis, mais distantes do litoral, e com uma

significativa área marcada por acidentes geográficos e floresta, os confins ocidentais

lusoamericanos desta região conheceriam maior ocupação no século XVIII, em primeiro

lugar com as descobertas de ouro no Mato Grosso, em 1718, e em Goiás, em 1722; em

seguida, com as políticas imperiais ibéricas de acordos e delimitações territoriais, e que por

vezes levariam à incorporação orgânica dessas áreas aos respectivos domínios reais.

Nos primeiros anos do século XIX, essa incorporação seria potencializada pela

iniciativa do governo do Rio de Janeiro de abrir novos caminhos entre o litoral atlântico e o

interior do continente, bem como de estabelecimento de comunicações – embora na prática

apenas incipientes - entre essas partes. Luccock assevera que, nesta época, dois frades

carmelitas espanhóis, tendo de empreender viagem da costa do Brasil ao Peru, teriam

242
Como bem nos mostra Wilma Peres Costa, A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a
crise do império. São Paulo: Hucitec, 1996.

163
preferido fazê-lo por Goiás e Mato Grosso “a incorrer no risco de, no mar, caírem nas mãos

dos corsários do Prata”243. Visando aprimorar a melhoria da raça cavalar no Rio de Janeiro,

o principal ministro português, Rodrigo de Sousa Coutinho, cogitou a importação de

vicunhas e alpacas dos Andes, e em 1809 tratou da abertura de uma estrada na capitania de

Goiás para facilitar o correio entre o Rio de Janeiro e o Pará, com o que se pretendia

incrementar também a comunicação terrestre com Caiena, ao norte. Entre 1807 e 1811,

outro comerciante inglês estabelecido no Brasil, John Mawe, considerava o “grande e

interessante Rio Tietê” como potencialmente “a grande via de comunicação entre o Rio de

Janeiro, Santos e São Paulo e outros lugares, bem como para os importantes distritos de

Cuiabá, Mato Grosso, todo o Paraguai, Rio da Prata, Potosí, Chuquisaca, e uma grande

parte do Peru”244.

É sabido que a chegada ao Alto Peru dos documentos que oficializavam, junto às

autoridades espanholas, as pretensões políticas de Carlota Joaquina, provocaram virulentas

reações que desencadearam acontecimentos ligados à formação da junta de governo de

Chuquisaca, em 1809. Temia-se qualquer tipo de inovação política em meio a um

panorama nebuloso, no qual o alinhamento da Corte portuguesa à poderosa Grã-Bretanha

despertava desconfiança e temores por parte de realistas alto-peruanos245. Mesmo assim, as

animosidades logo cederiam lugar a um esboço de solidariedade dinástica, tecida a partir da

definição – sobretudo após 1810 – da possibilidade de que não só o Vice-Reino do Peru,

mas também outras partes da América se tornassem independentes da Espanha.

243
J. Luccock, Notas..., cit., p.328, 390 e 394
244
Oliveira Lima, D. João VI no Brasil, cit., p.106 e 131; John Mawe, Viagens ao interior do Brasil. Belo
Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1978, p.205. Segundo Estanislao Just Lleó, pela fronteira mato-
grossense eram comuns os contatos com os espanhóis do Alto Peru (Comienzo de la independencia en el Alto
Peru: los sucesos de Chuquisaca, 1809. Sucre: Editorial Judicial, 1994, p.227).
245
J. Lleó, Comienzo de la independencia..., cit.

164
Entre 1814 e 1815, por exemplo, autoridades administrativas de São Paulo e a Corte

do Rio de Janeiro tiveram que lidar diretamente com incidentes provocados pelo

acirramento das guerras no Alto Peru, após a restauração de Fernando VII. Nessa ocasião,

os governadores realistas de Chiquitos e Santa Cruz de la Sierra, Juan de Atolaguim e José

Miguel de Bezerra, abandonaram seus territórios, cruzaram a fronteira dos domínios

portugueses e se refugiaram em Cuiabá (Mato Grosso), e logo passaram ao Rio de Janeiro,

onde permaneceram sob proteção oficial até obterem confirmação do declínio das

sublevações. Em nota ao governo peninsular espanhol, o representante diplomático

português, José Luiz de Souza, comunicava que “na suposição de que a sua conduta [a dos

governadores altoperuanos] em tudo será conforme a lealdade que mostraram nestas

circunstâncias, houve S. A. R. por bem condescender com as Suas Súplicas para serem

recomendados à benigna consideração de S. M. C.”; reiterava, ainda, que o proceder do

príncipe João “nesta como em todas as ocasiões, mostra os seus sinceros desejos de

proteger os vassalos fiéis de seu Augusto Irmão [o rei da Espanha] contra os Rebeldes, e de

abater o poder destes”246. E contrapartida, o ministro espanhol Cevallos asseveraria,

também em nota diplomática, que Fernando VII considerava

“esta protección dispensada por el S.r Principe Regente, como una nueva señal del

deseo de S. A. R. de mantener la mas estrecha harmonía y huna inteligencia con la

España, y S. M. animado del mismo deseo queda en hacer el mayor aprecio de la

recomendación de Su Augusto hermano”.247

246
Ofício de Souza a D. Pedro Cevallos, Madri, 08/07/1815. AHI, Legação em Madri.
247
Ofício de Cevallos a Souza, Madri, 21/07/1815. AHI, Legação em Madri.

165
As escaramuças dessa fronteira, porém, foram constantes desde 1808, e embora

tenham sido pouco estudadas até o momento248, indicam uma constância até pelo menos

1822, quando o Brasil se tornou independente de Portugal. Com a continuação das guerras

no Alto Peru, porém, comércio, fugas de escravos, associações sociais e a possibilidade de

conflitos com o Brasil se mantiveram até 1825, ano em que autoridades imperiais deste, de

baixa estatura, deram início a uma temerosa empresa, veementemente condenada pelo

governo central do Rio de Janeiro e logo abortada, mas reveladora da intensidade das

relações fronteiriças estabelecidas de parte a parte: a anexação, ao Brasil, da província de

Chiquitos, que se tornara parte da recém-criada República da Bolívia249. Mais ao norte,

Grão-Pará e Peru mantinham acesa a fronteira de Maynas, em atividade comercial nada

desprezível desde, pelo menos, os últimos vinte anos do século anterior250.

8.4 - O Brasil, a Nova Granada e a Venezuela

Esta era uma fronteira marcada por regiões menos densamente povoadas que as

outras duas, com densidade da floresta amazônica mais intensa do que a fronteira peruana,

e envolvendo interesses comerciais menores do que as outras duas. No entanto, tratava-se,

assim mesmo, de uma fronteira considerada importante pelos impérios ibéricos, sobretudo

248
Uma exceção: Romyr Conde Garcia, Mato Grosso (1800-1840): crise e estagnação do projeto colonial.
São Paulo: FFLCH-USP, 2003 (doutorado). No momento, pesquisas ligadas ao tema vêm sendo
desenvolvidas pela historiadora peruana Scarlett O’Phelan.
249
Ilmar Rohloff de Mattos, “Construtores e herdeiros: a trama dos interesses da construção da unidade
política”. In: Almanack Braziliense N°1, mayo de 2005; Thomas Millington, Colombia’s Military and
Brazil’s Monarchy: Undermining the Republican Foundations of South American Independence. Westport:
Greenwood, 1996; Ron L. Seckinger, The Brazilian Monarchy and the South American Republics 1822-1831:
Diplomacy and State Building. Baton Rouge & London: Louisiana State University Press, 1984.
250
O que vem sendo analisado por Carlos de C. Bastos, Entre o Amazonas e o Marañón: territorialização e
relações sociais na fronteira Maynas/Grão-Pará (c.1780-c.1820). São Paulo: FFLCH/USP, 2011 (qualificação
de doutorado).

166
do ponto de vista militar, e porque tocava também em territórios de outros impérios: dos

holandeses, no Suriname, e dos franceses, em Guiana (ou Caiena, que os portugueses

manteriam ocupada em 1809 e 1817); além, claro, de estar próxima aos territórios

litorâneos do Caribe, que tinham se constituído no século XVII como uma vasta região de

encontro de potências europeias envolvidas em empreendimentos coloniais, e que há algum

tempo funcionava como uma espécie de laboratório territorial de trocas políticas

revolucionárias.

Em 1806, o governador da capitania portuguesa do Rio Negro, José Joaquim Vitório

da Costa, recebeu recomendações expressas para zelar pelas fronteiras portuguesas com

Nova Granada e Venezuela; dois anos depois, esse zelo seria reforçado pela política externa

“americanista” da Corte do Rio de Janeiro. Agora, além dos perigos de “contágio” do Brasil

por sua proximidade com um território francês, temia-se aquele decorrente da proximidade

com territórios hispanoamericanos, alguns dos quais em convulsão desde 1811.

Um caso eloquente desse perigo, de sua efetivação e das reações despertadas,

observa-se em 1817. Desde fins daquele ano, Pedro Miguel Ferreira Barreto, comandante

do forte de Marabitanas, vinha comunicando a seus superiores a proximidade de um foco

revolucionário hispanoamericano que, como sabemos hoje, era aquele criado em torno de

Angostura e do rio Orinoco por Bolívar e seus partidários – na verdade, muito mais do que

um simples foco. Um comandante realista espanhol, José Benito Lopes, da fortificação de

San Carlos de Río Negro, dirigiu solicitações ao comandante português pedindo-lhe o

empréstimo de uma embarcação e de pólvora;251 pouco depois, pediria também a

transferência para uma prisão portuguesa de Francisco Orosco, acusado de tentar sublevar a

167
fortaleza espanhola que aquele dirigia; finalmente, solicitou um reforço militar de quinze

ou vinte soldados portugueses.

Algumas dessas demandas foram atendidas pelo comandante português Barreto,

incluindo a transferência do preso, o que causou grande preocupação em seus superiores no

Rio Negro e no Pará, pois era sabido que a Corte do Rio de Janeiro mantinha uma política

oficial de neutralidade nas guerras entre a Espanha e suas ex-colônias.

Logo o estado político das coisas na fronteira venezuelana mudou, e quando os

revolucionários se apoderaram de San Carlos, em dezembro de 1817, seu novo comandante

se dirigiu ao português, declarando intenções de convivência pacífica, mas pedindo-lhe a

libertação do prisioneiro e “lembrando-lhe” da existência de 18 mil homens armados entre

as províncias de Casanare, Barrinas, Caracas, Cumaná, Barcelona e Guayana 252. Pouco

depois, Barreto receberia um comunicado direto de José Antonio Páez, sabidamente um dos

principais generais revolucionários da Venezuela, de mesmo tom. 253 Teve início, então,

uma ativa correspondência de parte a parte254, bem como uma troca de jornais, e que

conduziria a um encontro presencial. Reunidos em San Fernando de Atabapo, em 24 de

fevereiro de 1819, Barreto e o coronel revolucionário Juan José Leandro assinaram um

“tratado de amizade” entre os dois povos, assegurando boas relações entre ambos na

251
Os pedidos de barco e pólvora foram feitos em duas cartas separadas de mesma data: San Carlos de Rio
Negro, 13/11/1817 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.20-21 e p.17-18, respectivamente). Só é conhecida a
recusa, por parte de Barreto, da pólvora: Marabitanas, 16/11/1817 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.18).
252
Hipólito Cuevas a Barreto, San Fernando de Atabapo, 21/12/1817 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.39).
A resposta de Barreto é de 10/01/1818 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.46-47).
253
Páez a Barreto, Isla de Achaguas, 18/01/1818 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.41-42).
254
Barreto respondeu a Páez (Marabitanas, 07/02/1818. A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.42-43) afirmando
sua disposição em libertar Orosco mas pedindo um tom cortês para a mesma, o que seria logo foi feito por
Hipólito Cuevas. Com as novas respostas de Barreto e de Páez (22/07/1818) ficou de vez entabulada a
correspondência (Cuevas a Barreto, Caribene, 07/02/1818. A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.47; Barreto a
Cuevas, Marabitanas, 04/03/1818. A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.47-49; Barreto a Páez, Marabitanas,
26/09/1818.A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.53).

168
fronteira. Por isso, o comandante português seria julgado pelas autoridades do Pará,

condenado e destituído de seu posto255.

Na mesma época, pelos postos militares de Marabitanas e também de Tabatinga,

pelo menos sete espanhóis fugiram das forças da revolução, logrando asilo na capital do

Rio Negro, Lugar da Barra.256 Deles, diria o então governador daquela capitania que “a

linguagem destes homens é Realista, ainda mesmo entre o Vulgo. Ainda que queiram ser

traidores ou Espiões não podem. Estão prontos a jurar fidelidade às Leis de Nosso

Soberano: e enfim querem ser Portugueses”.257

Em agosto de 1819, o importante periódico português Correio Braziliense, editado

em Londres, aludia à existência, na Espanha, de um projeto que estipulava a cessão

definitiva da banda oriental (no Rio da Prata), ao Brasil, que em troca entregaria à Espanha

“a província do Rio Negro, e todo o território ao Ocidente do Rio Madeira e Norte do

Amazonas, ficando a navegação deste rio comum a ambas as nações” 258. Naquele mesmo

ano, outro importante jornal da época, o bolivariano Correo del Orinoco, publicou

contestações às análises do Correio Braziliense sobre os acontecimentos de dois anos antes

na capitania lusoamericana de Pernambuco. As contestações do Correo del Orinoco

motivaram réplicas do periódico português, publicadas em dez edições259. O que mostra

que o que ocorria também naquela fronteira amazônica do norte do Brasil criava uma

255
Pará, 03/09/1819 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.79).
256
Sobre os quatro, ver seus depoimentos em Reis, cit., p.69-74. Por Tabatinga chegaram em Lugar da Barra
outros dois: Justo Pastor García, natural de Cádiz, e Paulo Rico, natural da Andaluzia. Sobre eles, dois ofícios
de Paço a Vila Flor, Rio Negro, 31/07/1819 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit., p.77-79). Deve-se lembrar que
os espanhóis das Canárias sofreram durante a guerra de independência da Venezuela uma perseguição
bastante particular, conforme destacou John Lynch,” Spanish America’s Poor Whites: Canarian Immigrants in
Venezuela, 1700-1830”. In: Latin America Between Colony and Nation: Selected Essays. Hampshire:
Palgrave, 2001, p.58-73.
257
Vitório da Costa a Vila Flor, Lugar da Barra do Rio Negro, 30/07/1818 (A. F. Reis, “O Grão Pará...”, cit.,
p.43-46).
258
CB v.XXIII, n.135, 08/1819.
259
Tema analisado por Ana Cláudia Fernandes, Revolução em pauta..., cit.

169
articulação entre os mundos luso e hispanoamericano que repercutia fortemente na

configuração da conjuntura política geral.

8.5 – Um espaço-tempo pelas fronteiras?

Em outras ocasiões, já diferenciamos a natureza de territorialidades coloniais e

nacionais, suficiente, a nosso ver, para confinar a tradicional concepção do Brasil como

suposto “herdeiro” das fronteiras coloniais, como um Estado a “manter” a integridade dos

territórios portugueses na América260. Passemos, agora, a apreciar a possibilidade de um

avanço na questão.

Em primeiro lugar: considerando fronteiras zonas de influência, de trocas, de

contatos dinâmicos, instáveis e movediços, estas não se restringem, para o Brasil do

contexto independentista americano, ao Rio da Prata, embora esta seja a mais densamente

habitada e a mais intensamente movimentada. Há que se prestar devida atenção também às

outras, não apenas porque estas são menos conhecidas: principalmente, porque todas

integram uma mesma unidade que, sendo territorial, é aqui também uma unidade histórica.

Em segundo lugar: as zonas de fronteira, nesse contexto, impõem à sua

compreensão algo relativo ao plano da cultura política: se o Brasil sofreu impactos da

América espanhola, e se esses impactos foram determinantes para as modalidades aqui

assumidas de superação da crise política da qual resultou a independência e a formação do

Estado e da nação brasileiros, a recíproca deve ser verdadeira. Também o curso das coisas

na América espanhola foi determinado, em alguma medida (essencial?), pelo Brasil. Afinal,

260
João Paulo G. Pimenta, Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo:
Hucitec/Fapesp, 2002, cap.2.

170
as zonas de fronteira são, por excelência, zonas de reciprocidade, onde os lados que as

compõe participam de um mesmo processo de trocas e determinações. Não há fronteira de

mão única.

Em terceiro lugar, observamos que o assentamento parcial de experiências históricas

em fronteiras como as aqui tratadas implica um processo de politização que não é restrito à

cena pública típica de centros urbanos das Américas ibéricas de começos do século XIX,

embora esta possa se estender sua influência a regiões mais longínquas 261. Há um processo

de politização das próprias fronteiras, a fazer com que delas surjam elementos

complementares àqueles processados a partir dos principais centros político-decisórios,

comerciais e de aglomeração humana. O que se passa nas fronteiras, devemos dizer,

também é decisivo para as formas assumidas pelas experiências às quais vimos

caracterizando – a experiência revolucionária moderna, e a experiência hispano-americana

– em sua totalidade. O que implica, por outra parte, que tais fronteiras iam se tornando

menos fronteiriças na medida em que passavam a integrar uma unidade histórica mais

ampla, com a qual se relacionavam a partir de formas políticas e econômicas muitas vezes

tradicionais, agora tornadas mais complexas e em escala tendencialmente mundial.

Por fim: afirmamos no capítulo 1 a inadequação de confundirmos os limites de um

universo de práticas políticas e econômicas, de circulação de pessoas, mercadorias,

artefatos culturais e de ideias que, entre fins do século XVIII e começos do XIX

encontrava-se em plena expansão e adensamento, com os próprios limites da distribuição

humana pelo planeta. Esse “mundo ocidental”, esse mundo em politização, esse mundo das

experiências aqui referidas, não se confunde com o mundo em si. A atribuição de

261
Para a politização das sociedades como um atributo muito marcante do século XIX ocidental: Elías J. Palti,
El tempo de la política: el siglo XIX revisitado. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007.

171
importância ao que se observa nas fronteiras ibero-americanas em meio aos processos de

independência referenda essa cautela, pois a contiguidade territorial impõe o seu peso.

Talvez possamos afirmar mais: se tais espaços já eram fronteiriços há tempos, o que

significa sua inserção no contexto revolucionário que amplia espacialmente o alcance do

que ali se passa? Certamente, que os contatos de fronteira tendem a se intensificar, movidos

por um processo que é, conforme também afirmamos anteriormente, uma politização do

tempo e uma temporalização da política.

Tornados mais densos em meio a esse fenômeno, os espaços fronteiriços tornam-se

menos fronteiriços – sem deixar de sê-lo por completo - também por estarem mais

próximos de outros cantos de um universo político em expansão. Há uma compressão dos

espaços e dos tempos nas regiões de fronteira, resultado de sua politização em escala

territorialmente ampliada? Se isso for razoável, e se observações empíricas nos mostrarem

que a aceleração dos tempos históricos em curso simultâneo e articulado nesse mundo

ocidental, também marcam – e à sua maneira específica – essas regiões de fronteira, então

poderíamos aí identificar modalidades próprias de configuração de um espaço ampliado

marcado por uma diminuição de suas distâncias, que em última instância é a própria criação

de uma unidade histórica de ação que não existia antes do século XVIII. Um espaço-tempo

da política, que é também da economia e, claro, da própria vida social. Um espaço-tempo

que tais fronteiras, com suas características específicas, ajudaram a criar.

172
Epílogo

As independências iberoamericanas e o problema de suas abrangências

espaciais (a propósito de um texto de José Carlos Chiaramonte)

Muitos homens e mulheres que atuaram ativamente na política das independências

americanas das primeiras décadas do século XIX legaram à posteridade grande quantidade

de testemunhos textuais de como enxergavam os diversos movimentos em curso à época

como articulados entre si; também, de como os viam tributários de movimentos anteriores,

mas que ainda se faziam fortemente presentes na América enquanto exemplos históricos de

bem-sucedidas rupturas de colônias com metrópoles e/ou de tentativa de criação de novas

estruturas políticas e sociais. Nesse contexto e de variadas formas, a história podia ensinar,

não como modelo de repetição previsível, mas como provedora de parâmetros de ação

coletivos. E não era nada difícil identificar que o que ocorria em uma parte da América

ibérica não poderia encontrar correspondência direta em outra, mas similitude de situações

que os tempos então vividos não recomendavam ignorar.

Não é nosso propósito esboçar um panorama desse tipo de percepção coeva das

independências da América, que ademais podia encontrar subsídio teórico em influentes

autores políticos da época, de visões bastante largas. Recorreremos a apenas uma dessas

percepções, relevante para a ideia que apresentaremos a seguir. Trata-se do “Manifiesto a

los pueblos de Colómbia”, de autoria de Francisco Antonio Zea, lido por ocasião do

encerramento do congresso reunido em Angostura, no dia 13 de janeiro de 1820.

Conclamando os “tres grandes departamentos” de Cundinamarca, Venezuela e Quito à

173
união política, e a seus respectivos concidadãos a sustentarem a recém-criada República da

Colômbia, Zea afirmava:

“Colombia ocupa el centro del nuevo continente con grandes e numerosos puertos

en uno y otro océano – rodeada por un lado de todas las Antillas, y por el otro

igualmente distante de Chile que de México – cruzada toda ella por caudalosos ríos,

que en todas direcciones descienden de los Andes y a veces cortan, y a veces se

encadenan unos con otros, y extenderán un día la navegación interior desde las

costas opuestas hasta el centro de la República, y aun los nuevos Estados del sur,

desde Guayana hasta el Perú, desde Quito y Cundinamarca hasta el Brasil, y tal vez

hasta el Paraguay, y quién sabe si hasta Buenos Aires”.

Em seguida, tratava de atribuir conteúdo inequivocamente político ao que poderia

parecer, apenas, uma descrição geográfica:

“Ciertamente si en un país, por la mayor parte desconocido de sus propios

habitantes, se han encontrado tantas y tan extensas comunicaciones, ya más o menos

expeditas, ya más o menos difíciles - ¡cuántas otras no serán descubiertas por el

genio de la libertad!”262

262
Francisco Antonio Zea, “Manifiesto a los pueblos de Colombia”, 1820. In: José Luis Romero & Luis
Alberto Romero (dirs.), Pensamiento político de la emancipación (1790-1825). Caracas: Ayacucho, 1977,
v.2, p.130. Sobre Zea: Diana Soto Arango, Francisco Antonio Zea. Un criollo ilustrado. Madrid: Doce Calles,
2000.

174
Aqui, Zea formula uma percepção que bem sintetiza várias ideias típicas da época:

as independências impunham a tarefa de criação de Estados nacionais; tais Estados

deveriam estabelecer com a maior clareza possível os limites territoriais do exercício de

suas respectivas soberanias; Estados e nações seriam legítimos, pois nasciam supostamente

fundados em elementos identitários coletivamente reconhecidos, dentre os quais suas

feições geográficas que, desse modo, se tornavam imediatamente políticas (no que se

percebe a prevalência de componentes do ideário das Luzes setecentista); e, finalmente, os

eventos responsáveis pelos adventos pontuais de tais Estados nacionais se articulariam com

um contexto mais amplo, um movimento geral, irresistível e que ademais impunha o pronto

estabelecimento de boas relações com outras formações políticas similares, novas ou

velhas, americanas ou europeias. Tudo plasmado pela ideia de liberdade, associada com o

continente americano263, mas, principalmente, com o que chamaríamos de experiências

históricas que pudessem “ensinar” a Colômbia a construir uma alternativa de futuro ainda

nebulosa. Zea esboçava, portanto, um modelo interpretativo das independências, de caráter

fortemente prático, mas embasado em elementos históricos bastante concretos, os quais nós

não devemos ignorar.

Temos aí um belo exemplo de modalidade histórica daquilo que, em outro tempo e

espaço, e por motivos de natureza completamente distinta, José Carlos Chiaramonte

chamou de “problema complejo” que carrega consigo “una relación conceptual y no

meramente geográfica”264. Como nós, historiadores, podemos, devemos, queremos tratar o

263
George Lomné, “América - Colombia”. In: Javier Fernández Sebastián (dir.), Diccionario político y social
del mundo iberoamericano. Madrid: Fundación Carolina/Sociedad Estatal de Conmemoraciones
Culturales/Centro de Estudios Políticos y Consttucionales, 2009, p.101-115.
264
José Carlos Chiaramonte, “La dimensión atlántica e hispano-americana de la Revolución de Mayo”. In:
Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr, Emilio Ravignani n.33, 3ª. serie, 2º. semestre de
2010, p.13-19. Este trabalho motivou três comentários (além do nosso), publicados no mesmo volume:
Alfredo Ávila, “Tradiciones atlánticas, tradiciones hispánicas”, p.20-23; Ana Frega, “Comentarios a ‘La

175
problema da abrangência espacial (e, portanto, dos fundamentos lógicos) das

independências ? Uma abrangência, que vimos anteriormente, não é meramente espacial.

Alguns dos marcos referenciais de tal discussão parecem bem definidos, sendo há

décadas bem trabalhados pela historiografia, por vezes criticados, é bem verdade, mas em

geral bastante referendados pela mesma265. Propomos, agora, apenas uma questão: se as

independências (seja no seu conjunto, seja em cada um de seus “casos”) devem ser

analisadas em perspectiva espacialmente ampla (já nos posicionamos suficientemente sobre

o quão ampla essa perspectiva deve ser), como avançar para além de uma assertiva que,

repetida à exaustão por tanta gente nas últimas três, talvez quatro décadas, tem se mostrado,

em muitos casos, no meu entender, uma formulação de princípios escassamente praticados?

Valorizemos duas maneiras profícuas de tratar a questão, mas que não parecem

suficientes para resolver o problema de modo satisfatório. Claro, comparações podem ser

sempre úteis, mostrando-nos semelhanças e diferenças elucidativas do caráter de que

eventos e processos históricos podem se mostrar portadores266. Também há que se ter em

dimensión atlántica e hispano-americana de la Revolución de Mayo’, de J. C. Chiaramonte”, p.24-28; e


Federica Morelli, “La historia atlántica y las revoluciones hispano-americanas: otras perspectivas de análisis”,
p.29-33.
265
Alguns exemplos de reflexão recente sobre o tema são: John Elliott, “Comparative History”. in: Carlos
Barra (ed.), Historia a debate, v.3. Santiago de Compostela, 1995; Jack P. Greene, “Reformulando a
identidade inglesa na América britânica colonial:adaptação cultural e experiência provincial na construção de
identidades corporativas”. In: Almanack Braziliense n.4, novembre/2006; Roberto Breña, “Ideas,
acontecimientos y prácticas políticas en las revoluciones hispánicas”. In: Alfredo Ávila & Pedro Pérez
Herrero (comp.), Las experiencias de 1808 en Iberoamérica. México: UNAM/Universidad de Alcalá, 2008;
Manuel Chust, “Reflexões sobre as Independências Iberoamericanas”. In: Revista de História n.159,
2º.sem./2008; e Roberto Breña, "Uma reflexão sobre as comemorações dos bicentenários, a questão do
liberalismo (espanhol) e a peculiaridade do caso novo-hispânico". In: Marco A. Pamplona & Maria Elisa
Mader (orgs.), Revoluções de Independências e nacionalismos nas Américas - Nova Espanha (vol. 2). São
Paulo: Paz e Terra, 2007, p.183-212. Várias posições de historiadores encontram-se em um valioso volumen:
Manuel Chust (ed.), Las independencias iberoamericanas en su laberinto. Controversias, cuestiones,
interpretaciones. Valencia, PUV, 2010.
266
Richard Graham, Independence in Latin America: a Comparative Approach. 2.ed. McGraw-Hill, 1994;
István Jancsó, “A construção dos Estados nacionais na América Latina – apontamentos para o estudo do
Império como projeto”. In: T. Szmrecsányi José R. do A. Lapa (orgs.), História econômica da independência
e do império. São Paulo: Hucitec, 1996; Lester D. Langley, The Americas in the Age of Revolution, 1750-
1850. New Haven/London: Yale University Press, 1996; David Bushnell, “Independence Compared: the

176
mente características básicas das grandes unidades políticas imperiais que, de muitas e

complexas maneiras, se desdobraram no continente americano ao longo de mais de três

séculos, e que obviamente determinaram muitas das condições de superação e

reconfiguração dessas mesmas unidades pelos novos Estados nacionais americanos267. São

dois caminhos importantes, e que a despeito de muitos esforços (dentre os quais nos cabe

citar novamente os empreendidos por José Carlos Chiaramonte), não foram ainda

suficientemente tratados pelos estudiosos da matéria. No entanto, cremos que algo tão

importante quanto estas duas possibilidades foi ainda menos considerado até o momento.

Referimo-nos ao problema das mediações entre os distintos eventos e processos das

independências, em espaços e tempos variados, e que não apenas integraram uma mesma

conjuntura. Integraram, isto sim, uma mesma unidade histórica de média duração, e que

em nosso entender só pode ser tratada em uma concepção sistêmica. O que implica que tais

eventos e processos, de alguma maneira, se relacionaram entre si, seja diretamente,

Americas North and South”. In: A. McFarlane & E. Posada-Carbó (eds.), Independence and Revolution in
Spanish America: perspectives and problems. London: Institute of Latin American Studies, 1999; Federica
Morelli, “El trienio republicano italiano y las revoluciones hispanoamericanas: algunas reflexiones en torno al
concepto de ‘revolución pasiva’. In: María Teresa Calderón & Clément Thibaud (coord.), Las revoluciones en
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Palacios, “Brasil, 1808: una re-invención imperial en los trópicos”. En: Ávila & Pérez (comp.), Las
experiencias…, cit.
267
Tulio Halperin Donghi, Reforma y disolución de los imperios ibéricos, 1750-1850. Madrid: Alianza, 1985;
José Carlos Chiaramonte, “La formación de los Estados nacionales en Iberoamérica”. In: Boletin del Instituto
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Rinke, Las revoluciones en América latina: las vías a la independencia, 1760-1830. México, D.F.: El Colegio
de México, 2011.

177
estabelecendo pontos de encontro e de determinações recíprocas; seja estabelecendo suas

diferenças (isto é, suas singularidades) uns em função dos outros268.

É inevitável, assim, diagnosticar os escassos investimentos, até o momento

realizados pelos historiadores das independências de toda parte, em uma tarefa que implica

o rompimento prático com as persistentes fronteiras historiográficas nacionais (cujas

críticas desde há muito realizadas também em toda parte frutificaram ainda pouco em

termos da delimitação de nossas prioridades temáticas269). Como as muitas independências

de que estamos falando se relacionaram umas com as outras? Como se determinaram

reciprocamente? Creio que a resposta a tal pergunta – que, repito, se reporta ao problema

das mediações - estaria na proporção inversa do quanto seus historiadores conseguiram, até

o momento, superar seus “casos” particulares. Nesse ponto, os próprios protagonistas da

época que queremos compreender, como Francisco Antonio Zea, talvez tenham se

mostrado, ainda que parcialmente, mais bem sucedidos do que nós.

268
José Ribeiro Jr., “O Brasil monárquico em face das repúblicas americanas”. In: Carlos G. Mota (org.),
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do Brasil na construção do escravismo cubano”. In: Revista USP n.79. 2º. sem./2008.
269
Veja-se: Manuel Chust & José Antonio Serrano (eds.), Debates sobre las independencias
iberoamericanas. Madrid/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 2007. Para uma crítica desta obra e de algumas
de suas proposições: Elías Palti, “Revisión y revolución, rupturas y continuidades en la historia y en la
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