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O ORDENAMENTO JURÍDICO,

O PODER E A ECONOMIA.
INSTRUMENTALIDADE A PRIORI E
RACIONALIDADE A POSTERIORI
BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA
Advogado e Professor. Doutorando em Processo Civil pela PUC/
SP. Mestre em Direito pela UEL (na linha de Processo Civil). Pós-
Graduado em Processo Civil (IDCC). Pós-Graduado em Filosofia
Política e Jurídica (UEL). Membro da academia londrinense de letras
(cadeira n.º 32). Conselheiro da OAB de Londrina. Membro ABDPro,
IBDP e IDPA. E-mail: brunofuga@brunofuga.adv.br

O ORDENAMENTO
JURÍDICO, O PODER
E A ECONOMIA.
INSTRUMENTALIDADE A PRIORI E
RACIONALIDADE A POSTERIORI

2ª Edição
3ª Reimpressão (2019)
Londrina/PR.
2018
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br
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Revisão: os autores. Editor chefe: Bruno Fuga
Coordenador de Produção Editorial: Thiago Caversan Antunes

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Prof. Dr. Carlos Alexandre Moraes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Fuga, Bruno Augusto Sampaio


O ordenamento jurídico, o poder e a economia : instrumentalidade a priori e
racionaliade a posteriori / Bruno Augusto Sampaio Fuga. -- 2. ed. rev., atual. e ampl.
-- Londrina, PR : Editora Thoth, 2018. (3ª reimpressão)
ISBN 978-85-94116-10-9
1. Direito constitucional 2. ordenamento jurídico. I. Título
15-10883 CDU - 340.11

Índices para catálogo sistemático: 1. Ordenamento jurídico : Direito


constitucional 340.11

Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.


Todos os direitos desta edição reservardos pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu autor.
Mas tratava-se, sem dúvida, de uma das condições para
que as instituições de saber e de poder pudessem encobrir
esse pequeno teatro do dia a dia com seu discurso solene.
(FOUCAULT, 2014, p. 36)
Os tipos friamente racionais podem povoar nossos livros
didáticos, mas o mundo é mais rico (SEN, 1999, p. 27)
A legalidade é uma das ideologias da modernidade. (GRAU,
2011, p. 174)
Para levar os direitos a sério requer que se considere também
os custos para sua efetivação, que aliás serão tanto mais
relevantes quanto mais dispendiosa seja a concretização
do direito ou da política pública. Gilmar Mendes. (STF
ADI4627 e 4350 e ARE 7045200)
PREFÁCIO 2ª EDIÇÃO

Não tivemos muitas alterações no ordenamento jurídico desde a


publicação da primeira edição que ocorreu há mais de dois anos. Porém
a primeira edição esgotou, além disso tivemos importantes decisões de
cortes superiores que merecem reflexões. Entendemos, assim, que seria
necessário revisitar o capítulo 05, atualizando alguns subcapítulos, além
de acrescentar o 5.13, em que procuramos abordar o conteúdo da decisão
do STF que possibilitou a prisão após decisão de segunda instância sem
trânsito em julgado.
Acrescentamos também o posfácio ao final, e fizemos diversas
considerações do livro como um todo, em especial diversas reflexões após
esses dois anos entre a primeira e a segunda edição. Comentamos sobre o
código de processo civil de 2015, sobre as decisões de cortes superiores e
também sobre os reflexos dos valores na interpretação.
Revisamos também o livro inteiro: citações, rodapé, atualizações,
além de melhorar alguns pontos que entendemos necessário.
Por irônico que possa parecer, para o leitor que não queria mergulhar
no contexto histórico e de fundamentos filosóficos do livro, deve ler ele
primeiro o capítulo seis, no qual tratamos em específico sobre o assunto
racionalidade nos julgamentos e instrumentalidade na elaboração da lei;
este certamente é o tema central do livro. Na sequência, o capítulo sete,
pois nele fizemos diversas considerações com um desfecho do livro após
tratar sobre muitos pontos problemáticos do Direito. Tendo curiosidade
e interesse, então, poderá se dedicar mais sobre os fundamentos do
estudo, capítulo 1: o poder, capítulo 2: a relação entre direito e econômico,
capítulo: 3 a evolução histórica, o capítulo 4: o protagonismo do judiciário
e o capítulo 5 com os diversos casos concretos.
Como não poderia ser diferente, até mesmo pelo fato de escrever um
livro sobre o assunto, o tema proposto no livro é de suma importância. Esse
já era nosso pensamento na primeira edição e, no decorrer de dois anos,
passamos a ver o tema com mais grandiosidade ainda. O protagonismo do
judiciário, as decisões políticas, a exposição voluntária de muitos ministros
de cortes superiores, a crise brasileira econômica, a entrada do CPC/2015
em vigor e sua sistemática recursal, enfim, são muitos motivos que fazem
visualizar o tema como um dos mais importantes do atual ordenamento
jurídico. Não apenas para operadores do Direito, mas também para
futuros operadores (alunos), pois alguns aspectos sobre “justiça” podem
ser questionados diante do atual cenário político/jurídico (a esse respeito,
veja capítulo 07.
Novamente, esperamos proporcionar ao leitor uma boa e agradável
leitura e, principalmente, servir o livro como fonte de pesquisa para
estudiosos do Direito.
PREFÁCIO 1ª EDIÇÃO

Foi com muita honra que recebemos o convite do amigo Bruno


Augusto Sampaio Fuga para prefaciar o presente trabalho, intitulado “O
ordenamento jurídico, o poder e a economia: instrumentalidade a priori e
racionalidade a posteriori”.
Trata-se de excelente trabalho que procura identificar aquilo que
denomina de “crise do processo”, apontando-se o poder como seu
principal problema. Em outros termos, sublinha-se, a partir de estudos de
Foucault, que o processo e a lei vêm sendo utilizados como estratégias de
poder pelo Estado para que esse último possa impor certos interesses ao
jurisdicionado.
Ao elaborar as leis, afirma o autor que o legislador não está
preocupado somente com discussões a respeito da justiça em planos
metafísicos. Ao lado disso, há ainda certo jogo de poder, interesses de
grandes grupos e discussões éticas e econômicas, dentre outras. Essa
finalidade desejada pelo legislador ao elaborar as leis é denominada pelo
autor de instrumentalidade a priori.
De outro lado, ao aplicar a lei, sustenta o autor que o Poder Judiciário
pode vir a adequar suas decisões judiciais para alcançar determinados fins
pretendidos. Cuida-se daquilo que o autor intitula no presente trabalho de
racionalidade a posteriori.
Tanto em um quanto em outro caso, observa o autor que o poder,
que é difuso, pode vir a influenciar seja a elaboração, seja a aplicação da
lei para que se adequem a certos fins perseguidos pelo Estado. O Autor
investiga aludidos temas com base em sólida e consistente fundamentação,
tudo isso aliado ainda a sua formação.
Enfim, a publicação deste trabalho só tem a fortalecer a doutrina
brasileira, de modo que felizes são os leitores que poderão desfrutar dessa
pesquisa. Estão de parabéns todos os que contribuíram com a elaboração
do presente estudo, sobretudo o autor e a Editora Thoth que permitiu a
sua publicação.
São Paulo, Janeiro de 2016
Eduardo Arruda Alvim
APRESENTAÇÃO 1ª EDIÇÃO

À guisa de apresentação:
O protagonismo judicial como obstáculo ao processo

Por Lenio Luiz Streck

Nos últimos anos a comunidade jurídica vem discutindo a feitura


de um novo Código de Processo Civil. Claro que apenas um pequeno
grupo efetivamente mergulhou nesse projeto. Interessante é que, até
um determinado momento da tramitação do Código, os seus autores –
juristas e deputados e senadores – não haviam se dado conta de que, em
pleno século XXI, o texto mantinha o poder de livre convencimento dos
juízes. É como se estivéssemos no final do século XIX e início do século
XX, quando se buscava a superação das amarras do positivismo clássico.
Como se sabe, as três formas de positivismo do século XIX (o exegetismo
francês, a jurisprudência dos conceitos alemã e a jurisprudência analítica
na Inglaterra) geraram as suas contradições: a Escola do Direito Livre na
França (livre da lei), a doutrina do segundo Iheryng e a jurisprudência dos
interesses na Alemanha e as correntes realistas que acabaram fazendo o
contraponto à jurisprudência analítica. Mas eram outros tempos, outros
contextos. O grau de autonomia do direito era baixo. O constitucionalismo
ainda era frágil.
Com o advento do Constitucionalismo Contemporâneo – como
especifico em Verdade e Consenso – o direito assumiu um elevado grau
de autonomia. As Constituições passaram a ser normativas. E desse modo
começou a discussão acerca das (im)possibilidade de se corrigir o direito
por fatores exógenos, como a economia, a política e a moral. Rios de tinta
já foram gastos acerca dessa importante problemática. Se o positivismo
clássico estava derrotado, o que se colocaria no lugar dele? Morto o juiz-
boca-da-lei, quem assumiria esse lugar da decisão? Algumas situações
mais simplistas acabaram criando uma vulgata. Baseadas na filosofia
da consciência, diversas posturas e correntes simplesmente passaram a
dizer quer, a partir desse novo Constitucionalismo, os princípios eram os
transportadores dos valores (antes excluídos do direito pelo positivismo).
E transferiram, sem maiores exigências, o poder de definir os sentidos em
favor dos juízes. Claro que isso não é novo. Já Büllow, ainda no século
XIX, já dava mostras do surgimento do protagonismo judicial eivado de
solipsismo.
Paradoxalmente, o Estado Democrático de Direito, lócus em que
os direitos fundamentais incorporaram esses fatores endógenos com
pretensão de corretores do direito, deu azo a um novo autoritarismo. Antes
o autoritarismo provinha do legislador; agora, do novo protagonista: o juiz.
Lançando mão das teses axiologistas (princípios são valores e coisas desse
jaez), o protagonismo judicial teve suas ações na bolsa da interpretação
alçados ao seu mais alto valor.
Poucos se deram conta de que isso não representava mais do que
uma bolha especulativa, uma espécie de sub prime hermenêutico. Afinal,
deslocar o lócus da tensão em direção do juiz poderia criar outro centro
autoritário. A sociedade já não dependeria simplesmente da lei, e, sim,
agora, daquilo que os juízes diriam sobre as leis, sem maiores limites para
esse “dizer”.
Por isso tudo, é de se admirar que nesta quadra da história parcela
significativa da teoria jurídica ainda não se deu conta dos problemas
advindos da discricionariedade judicial, sejam estes decorrentes da
fragilidade filosófica que lhe sustenta ou das incompatibilidades (práticas)
em ambientes democráticos. A preocupação mais relevante no Brasil tem
sido a falta de previsibilidade nas decisões judiciais. Jurisprudência lotérica,
eis a grande queixa que cresce dia a dia no imaginário dos juristas.
Tenho dito que o Direito parece alheio às mudanças paradigmáticas
que ocorrem na Filosofia. Há um flagrante descompasso. Muitos discursos
“dominantes” estão fundamentados em perspectivas filosóficas anacrônicas,
que não mais respondem as inquietações e as complexidades do mundo
hodierno. Neste prisma, encontram-se as ideias do livre convencimento
e da decisão jurídica enquanto um ato de escolha, ambas integrantes da
discricionariedade. Esta, não raramente, é tomada como um fenômeno
inexorável ou até mesmo como a solução para um Direito pretensamente
aprisionado na literalidade legal.
Quando pensamos em seu modus operandi vemos uma nítida
incongruência com a Democracia, que pressupõe uma repartição de
poderes/funções – obviamente, não em termos absolutos – na construção
do Direito, de modo a representar não o que uma consciência individual
(juiz) diz que ele é, mas sim um empreendimento coletivo. Se isto não for
assim, tem-se uma fragilização do jurídico, uma perda de sua autonomia,
visto que se torna aquilo que uns poucos dizem sobre ele. Logo, percebe-
se que discricionariedade e a Democracia não se coadunam, enquanto
uma centra-se numa figura (quase que plenipotenciária) como o centro da
decisão, a outra se projeta num constructo intersubjetivo que vincula as
decisões particularizadas.
É nesse contexto, nesse e desse estado d’arte que se insere a obra
O ordenamento jurídico, o poder e a economia – instrumentalidade a priori
e racionalidade a posteriori, de Bruno Augusto Sampaio Fuga, que tenho o
prazer de apresentar à comunidade jurídica. Bruno sabe das fragilidades
do direito. Sabe que o poder é predador do direito. E que esse poder deve
ser limitado. Sabe do perigo representado da frase de Kelsen de que a
interpretação dos juízes é um ato de vontade. Nesse ato está embutido um
enorme poder discricionário. Por isso Kelsen disse que juízes não fazem
ciência do direito. Fazem política jurídica. E ele, Kelsen, foi fazer ciência,
como uma metalinguagem sobre a linguagem objeto, o direito, este sim,
eivado de impurezas.
Como parece inviável nos contentarmos com uma mera descrição
da atividade dos juristas, temos de pensar na construção das condições de
possibilidade para frear o poder lato sensu e o poder dos juízes. Portanto,
uma crítica a partir de uma leitura atenta dos autores que trataram da
micro e macro física do Poder pode apontar para os cuidados que
devemos ter ao manusear o direito. Já na sua feitura – que Bruno chama
de instrumentalidade a priori – devemos ter em mente que o direito vale.
Mas para que ele valha – mesmo - não podemos ser atropelados por uma
racionalidade a posteriori, na qual a vontade do poder seja o mote central.
Caso contrário, a racionalidade se transforma em instrumentalidade.
Entretanto, por mais paradoxal que possa parecer, isso já ocorreu de há
muito. O direito processual foi tomado por posturas instrumentalistas.
E nos joga direto para os braços do protagonismo. Mais protagonismo
judicial, menos democracia. Mais controle nas decisões, mais democracia.
E nesse fio da navalha que o jurista contemporâneo deve andar.
Isso tudo aumenta a importância do livro de Bruno. Atento àquilo
que venho denominando de predadores endógenos (discricionarismo,
subjetivismos, cláusulas abertas, etc) e os predadores exógenos tradicionais
(economia, política e moral – todas ligadas àquilo que a modernidade
chamou de “poder”), o autor contribui para um direito melhor no
entremeio de um país absolutamente complexo como o Brasil. Boa leitura
a todos.

Escrito na Dacha de São José do


Herval, verão de 2016, no entremeio
da captura de um resto de brisa que o
sol ardente insiste em sonegar.
Lenio Luiz Streck
SUMÁRIO

PREFÁCIO 2ª EDIÇÃO����������������������������������������������������������������������������������7
PREFÁCIO 1ª EDIÇÃO����������������������������������������������������������������������������������9
APRESENTAÇÃO 1ª EDIÇÃO������������������������������������������������������������������ 11
INTRODUÇÃO���������������������������������������������������������������������������������������������� 19

CAPÍTULO I
DIREITO E PODER. A relação de complementaridade do direito e do
poder������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 25
1.1 O surgimento das cidades e o poder. O poder exercido por meio de
um sistema legal, passagem da monarquia para o sistema positivo������ 28
1.2 O poder difuso. Mundo contemporâneo. Abertura principiológica,
pluralismo, insuficiência da lei posta e possibilidade de interpretação 34

CAPÍTULO II
DIREITO E ECONOMIA. Relação de complementaridade e ligação da
economia com o poder����������������������������������������������������������������������������������� 49
2.1 Atual cenário jurídico/econômico������������������������������������������������������� 55
2.2 A ordem econômica na Constituição de 1988����������������������������������� 63

CAPÍTULO III
CRISES MUNDIAIS. A conexão de acontecimentos históricos com a
evolução do direito������������������������������������������������������������������������������������������ 65
3.1 Crise de 1929. Fim do liberalismo clássico, maior participação do
governo na economia e aplicabilidade de direitos fundamentais���������� 66
3.2 Pós guerra. 1945. Abertura principiológica e jurisprudências dos
valores������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 68
3.3 Crise mundial de 2008. Intervenção do estado no domínio econômico
e falta de regulamentação do mercado, fim da neutralidade do estado70
3.4 Crise europeia. Crise do bem-estar social e necessidade de sintonia
por parte do julgador������������������������������������������������������������������������������������ 73
3.5 Período pós crise e guerra. Antecedentes para termos a forma de
estado e do ordenamento jurídico da atualidade��������������������������������������74
3.6 Motivos para apresentarmos as crises mundiais. justificativa de
estudo para a presente obra�������������������������������������������������������������������������76

CAPÍTULO IV
PROTAGONISMO DO JUDICIÁRIO. O poder como uso instrumental
e seletivo������������������������������������������������������������������������������������������������������������79
4.1 Discricionariedade judicial e normas com cláusulas abertas. a abertura
principiológica�����������������������������������������������������������������������������������������������88
4.2 Gestão ativa dos processos�������������������������������������������������������������������97
4.3 Excessos de legalização e uso de soberania. Inflação legislativa. A
insegurança do próprio direito������������������������������������������������������������������101
4.4 Processo como estratégia do poder���������������������������������������������������108
4.5 Judicialização da política����������������������������������������������������������������������113
4.6 Súmula vinculante���������������������������������������������������������������������������������117
4.7 O Estado como grande litigante��������������������������������������������������������119

CAPÍTULO V
ESTUDO DE CASOS (LEADING CASES)�����������������������������������������121
5.1 Concentre score������������������������������������������������������������������������������������121
5.2 Perdas da poupança em planos econômicos������������������������������������123
5.3 Funrural�������������������������������������������������������������������������������������������������124
5.4 Usineiros������������������������������������������������������������������������������������������������130
5.5 Programa mais médicos����������������������������������������������������������������������133
5.6 Juros legais na C.F. de 1988. Mutação constitucional���������������������134
5.7 Desaposentação. Voto Ministro Barroso������������������������������������������135
5.8 Artigo 52, inciso X da Constituição �������������������������������������������������137
5.9 Seguro DPVAT�������������������������������������������������������������������������������������138
5.10 Processo do mensalão. STF “AP 470”��������������������������������������������142
5.11 Correção do FGTS����������������������������������������������������������������������������143
5.12 Emenda Constitucional 62/2009. Pagamento de precatório������144
5.13 Execução da pena após condenação em segunda instância���������149
5.14 Alteração do superávit primário�������������������������������������������������������153

CAPÍTULO VI
SOBRE RACIONALIDADE A POSTERIORI E
INSTRUMENTALIDADE A PRIORI�����������������������������������������������������155
CAPÍTULO VII
CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA. Como pensar em justiça
diante desse cenário de jogo do poder e da razão instrumental?�����������165

POSFÁCIO����������������������������������������������������������������������������������������������������175
REFERÊNCIAS��������������������������������������������������������������������������������������������183
INTRODUÇÃO

Questão importante para um processualista é saber qual a adequada


técnica processual, pois processo está diretamente ligado à efetividade;
logo, estudar ou procurar saber qual a adequada técnica processual é de
grande importância. Dizemos técnica processual em sentido amplo: limites
da discricionariedade, prazos, poderes conferidos ao julgador, flexibilidade
procedimental, normas de caráter aberto, processo, procedimentos e
temas afins.
O propósito inicial foi o estudo da adequada técnica processual
frente aos limites do poder discricionário, pois a intenção do processualista
é vislumbrar a eficácia deseja por meio do processo (logicamente que não
somente ele).
Propusemo-nos ao estudo da adequada técnica processual e os
limites de poder discricionário, tema que acreditávamos ser o pilar para
a construção do processo civil (ledo engano).
Desde logo, vislumbramos que a tarefa seria árdua e o tema um
pouco desgastado dentro do meio acadêmico. Sentimos dificuldades em
ver qual a adequada técnica processual: o que viria a ser adequado, ou
outro questionamento, é possível ter um sistema coerente no processo e
apto para entregar a tutela eficaz?
Com os estudos de Nelson Nery Junior e Kazuo Watanabe,
identificamos que a crise do processo não é apenas do processo (sistema
positivado), é de toda uma estrutura, de captação de profissionais, de
estrutura física, da grande quantidade de ações e, sobretudo, do Estado
como grande litigante, ou seja, quem deveria procurar a solução em tese é
o maior litigante.
Identificamos que o problema do processo não é o processo em
si, mas sim o poder. Sobre o tema lembramos a palestra do professor
Marinoni1 acerca do novo CPC, afirmando que o problema não é o

1. Congresso de Direito Processual - Desafios do Novo Processo Civil e Penal. 2010, Curitiba/
Pr.
20 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

código de processo, a letra da lei, o problema seria mais complexo. Fácil


foi identificar que o cerne da questão não é a letra da lei, não é o disposto
em tinta e impresso em um código, a origem da crise é outra.
Identificamos como pano de fundo um processo utilizado com
estratégias do poder, mas não somente um processo, e sim a Lei utilizada
como estratégia do poder. Foi então em Foucault que encontramos
fundamentos para afirmar que o poder é difuso; logo, não é possível o
Estado se apropriar dessa ordem para impor certos interesses. Criado
estava o tema.
Estudos e estudos até identificar que no ordenamento jurídico, não
somente nele, mas no Estado como um todo, há uma instrumentalidade
a priori e uma racionalidade a posteriori2. Diante dessa cena o tema estava
finalmente delimitado.
Há a criação da lei, que não é pura apenas com discussões de justiça
em planos metafísicos. Há sim um jogo de poder, interesses, grandes
grupos, discussões éticas, econômicas e temas afins. O legislador tem um
fim desejado na edição da lei e, para isso, denominamos instrumentalidade
a priori. Essa instrumentalidade pode estar diretamente ligada ao poder
(que é difuso), hipótese que será analisada no estudo.
Há também a racionalidade a posteriori que seria o movimento
da sentença ou decisões judiciais para adequar determinados fins
pretendidos. Ou seja, por meio da interpretação, normas de caráter aberto
e discricionariedade, poderá o julgador sofrer influência do poder que
é difuso e, assim, adequar a tutela jurídica para determinado fim, que
poderá ser de macrojustiça, de fins econômicos, midiáticos e temas afins.
Esse tema será recorrente no decorrer dos estudos, principalmente na
ligação do direito com a economia (capítulo 2), nas crises mundiais, em
que o ordenamento jurídico teve que se adaptar ao novo cenário (capítulo
3) e, principalmente, no capítulo 5, quando iremos discutir o estudo de
casos e, assim, ficará evidente essa racionalidade.
Além desse tema central explicitado no capítulo 6, iniciamos o
estudo com direito e poder e com o surgimento da legalidade como
forma de controle da população. Foucault adiante adverte, sustentação do
capítulo 1, que o poder é difuso, fator este presente, sobretudo, no mundo

2. Necessário neste momento adotar um pacto semântico no presente livro. Adiante trataremos
o termo a priori e a posteriori com o conteúdo e propósito descrito na dissertação. Portanto,
quando fizermos referência a estes termos, estaremos fazendo referência ao ordenamento
jurídico e, principalmente, ao conteúdo posto no capítulo 6. Essas referências não trarão
ligações com a teoria do conhecimento, empirismo ou assuntos afins, ficando, portanto,
limitado ao nosso problema central e nosso tema.
Introdução 21

contemporâneo. Ou seja, partimos no capítulo 1 da norma jurídica


posta como forma de controle da sociedade, da população, em especial
após o fim do poder diretamente ligado ao rei, todavia com o avanço
da história demonstramos que o poder se mostrou difuso diante da
insuficiência da lei, necessidades de interpretações e, em especial, pela
característica marcante do poder ser difuso.
Dentro desse cenário, identificamos (capítulo 2) que a economia
tem papel fundamental nos aspectos do poder e também do direito, às
vezes até em linhas tênues. Dentro deste capítulo trabalhamos, dentre
outros, com Eros Grau, José Eduardo Faria e Amartya Sem.
As crises mundiais descritas no capítulo 3 são de fundamental
importância para desenhar as formas do mundo atual, nossa forma de
agir, de legislar e julgar. A crise de 1929 demonstra o fim do liberalismo
clássico, com preocupação de garantir direitos fundamentais por
parte dos julgadores, inclusive com maior participação do governo
da economia. O pós-guerra de 1945 é marcado pela abertura
principiológica e necessidade de utilizar uma jurisprudência dos valores
por parte dos julgadores. Na crise mundial de 2008 fica evidente a falta
de regulamentação do mercado e o fim da neutralidade do Estado,
ou seja, maior necessidade de intervenção do Estado no domínio
econômico. A crise Europeia é a crise do bem-estar social, com seus
altos custos, sendo necessárias leis condizentes com a nova situação e
julgados também neste sentido (adiante iremos aprofundar sobre esta
questão).
Ainda neste contexto contemporâneo é de fácil constatação que
há um protagonismo judicial, reflexo este do jogo do poder. Neste
sentido, separamos denso estudo sobre esse protagonismo, inclusive em
suas diversas vertentes, tema este presente no capítulo 4. Apresentamos
o uso frequente de cláusulas abertas e a discricionariedade judicial, o
juiz podendo também fazer uma gestão ativa de processo, bem como
as implicações desse ato. Trabalhamos também com a presente inflação
legislativa, ou seja, a insegurança do próprio direito e o processo como
estratégia do poder. Outro tema marcante sobre protagonismo judicial
é a judicialização da política, o uso de súmulas vinculantes, além do
Estado como grande litigante.
Como o plano é mais pragmático, pretendemos demonstrar
algumas decisões de casos paradigmáticos para identificar eventual
ativismo e, principalmente, traços de racionalidade a posteriori – capítulo
22 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

5. Nestas análises não entraremos no mérito dos casos, pois, para tanto,
seria necessário um livro específico e mais pragmático ainda. Procuramos
ficar restrito à margem de poder do julgador e dos envolvidos, da
discricionariedade e do ativismo judicial, explicações estas presentes no
início do capítulo em questão.
O capítulo 6 evidencia e sintetiza o tema em questão, principalmente
a leitura apresentada de uma instrumentalidade a priori e racionalidade a
posteriori. O referido capítulo será, sobretudo, a síntese de todo conteúdo
apresentado e também um breve esboço do que virá na conclusão.
Com esse jogo de poder e suas influências, a ser identificado pelo
leitor no decorrer dos capítulos, é impossível não pensar em o que é
justiça. Não em um plano metafísico ou filosófico, mas com este cenário,
em uma visão pragmática, o que se tem feito para ter justiça e o que é
justiça? Veremos essas breves considerações no capítulo 7.
Estes são, portanto, os assuntos a serem discutidos no presente
estudo. Foi difícil delimitar um tema, pois conforme afirmamos no início, o
poder é difuso, está ele presente nas mínimas relações pessoais e, portanto,
não seria diferente com o direito. Porém, acreditamos que abordamos de
forma stricto sensu o tema em sua pertinência, principalmente após a análise
histórica, identificando o atual cenário mundial e o reflexo desse jogo de
poder, em especial seus reflexos na entrega final da tutela que é a sentença.
Não iremos discorrer sobre o poder exercido por meio da violência,
pois nenhum governo se sustenta somente com violência, precisa ele
pelo menos uma base teórica. Além deste ponto, importante deixar claro
que não acreditamos que o direito tem apenas ligação com a economia, a
ligação é com o poder, ou seja, mais amplo e mais difuso. O direito pode
sim sofrer influência do campo econômico, pois é a economia umas das
formas de agir do poder; porém pode também o poder se manifestar por
meios midiáticos, religiosos e por outros temas afins.
Destaca-se que a formulação da problemática do presente livro é
presente à medida que questionamos se há uma instrumentalidade a priori
e uma racionalidade a posteriori no atual ordenamento jurídico e, com a
análise de casos concretos, como isso se manifestaria. Outra problemática
presente é a relação do poder com o ordenamento jurídico, bem como se
há uma pura e adequada técnica processual no ordenamento para melhor
solução dos conflitos e, se não há, qual o motivo da sua não existência.
O estudo é justificado, pois o tema é recorrente no âmbito jurídico e
com grande influência no devido processo legal e acesso à justiça, institutos
estes de fundamental importância no direito e na estrutura do Estado.
Introdução 23

Tivemos desde o início como objetivo verificar a influência,


bem como a existência ou não da adequada técnica processual no
devido processo legal, bem como os reflexos do poder neste sistema.
Pesquisamos, portanto, o direito, o poder, a economia, as crises mundiais
e os reflexos do protagonismo judicial. Apuramos considerações sobre
justiça e o estudo de casos diante destes questionamentos.
A metodologia aplicada foi a hipotético-dedutiva, pois se inicia
levantando e analisando os problemas apresentados para alcançar as
hipóteses. Deste modo, seguimos com o estudo do presente livro e, na
sequência, o direito e o poder e a relação de complementaridade.
CAPÍTULO I

DIREITO E PODER. A relação


de complementaridade do
direito e do poder

Há uma clara relação entre o poder e o direito; contudo o poder não


tem relação apenas com o direito, ainda que seja essa relação que iremos
dedicar nossos estudos. Miguel Reale1 já afirmava que não há que se falar
em anterioridade do poder ou do direito, pois o direito despido de poder
é impotente e o poder privado de referência jurídica se converte em pura
força ou arbítrio. Neste sentido, Bobbio2 aponta que “o poder sem direito
é cego, mas o direito sem poder é vazio”.
Neste estudo, o poder será apresentado em suas formas ou sua ação
dentro da sociedade, pois a sociedade é um problema a ser resolvido e
não é possível o homem isoladamente ter poder. O poder, portanto, age
dentro de uma sociedade, no coletivo. Investigamos o poder real, com a
reunião de todas as formas de poder, dentre elas, em especial, o poder no
mundo jurídico (tema ao qual dedicamos o estudo).
Para Max Weber3, o poder é “a probabilidade de uma pessoa ou
várias impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a
oposição de outros participantes”.
O poder pode ser dividido em três grandes classes no âmbito de
um conceito amplíssimo do poder, são elas: o poder econômico, o poder
ideológico e o poder político. O primeiro é o que se vale da posse de
certos bens numa situação de escassez. Em geral, todo aquele que possui

1. REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. 2. ed. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura. 1998, p.
230.
2. BOBBIO, Norberto. Direito e poder. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Editora Unesp,
2008, p. 196.
3. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2.
Editora UNB, São Paulo, 2004, p. 175
26 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

abundância de bens é capaz de determinar o comportamento de quem


se encontra em condições de penúria. O poder ideológico se baseia na
influência que as ideias formuladas de certo modo expressam. O poder
político tem referência na posse dos instrumentos mediante os quais se
exerce a força física (as armas de toda a espécie e potência): é o poder
coator no sentido mais estrito da palavra4.
De acordo com Lebrun em “O que é Poder”, potência designa uma
virtualidade, uma capacidade determinada; que força não é necessariamente
a posse de meios violentos, mas sim a canalização da potência e é graças a
ela que se pode definir a potência na ordem das relações sociais ou, mais
especificamente, políticas. Poder inclui um elemento suplementar, que está
ausente de potência, existe poder quando a potência se explicita de uma
maneira muito precisa, sob o modo da ordem dirigida a alguém que se
presume dever cumpri-la.
Para Parsons, citado por Lebrun5, ter poder é dispor de um capital
de confiança tal que o grupo delegue aos detentores do poder a realização
dos fins coletivos, ou seja, é dispor de uma autoridade.
O poder também é atributo indissociável da personalidade do
homem e é um dos temas mais fascinantes de toda a literatura; a vida
do homem é a busca pelo poder, é ele a motivadora básica da sociedade
na natureza e é um problema do mundo inteiro. Embora esparsamente
mencionado em diversas obras de Filosofia Política, somente no século
XIX, o professor Ludwig Von Gumplowicz (Die Sociologische Staatsidee)
apresentou o poder como objeto distinto e algo a ser objeto de estudo
destacado6.
O poder é um diferencial entre os seres humanos, é energia social
que se transfunde na instituição para articular a vida coletiva, é o poder o
elemento essencial da relação comando/obediência, como energia inter-
relacional que move os indivíduos e as coletividades para a realização de
suas respectivas finalidades, é, em sentido genérico, a capacidade de agir7.
Bertrand Russel, citado por Willis Santiago Guerra Filho8, salienta ainda

4. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Editora UNB. Brasília : Editora Universidade de


Brasília, 1 la ed., 1998, p. 955.
5. LEBRUN, Gerard. O que é o poder. Brasiliense. 1981, p. 5.
6. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito e Poder, Nas instituições e nos valores do
público e do privado contemporâneos. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 257.
7. MACHADO, Roberto Denis. Direito, Política e Poder. O Direito como instrumento de ação
política. 2012, p. 25.
8. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 22.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 27

que o gosto pelo poder produz as mudanças sociais e as leis da dinâmica


social são manifestações diferentes de poder. Veremos, portanto, que o
poder objetiva resultados.
Adotamos, assim, o poder como sendo a possibilidade de alguém
ou alguma instituição impor dentro da sociedade, ou determinado grupo,
a vontade própria (vontade que predomina), independente dos demais
interesses. É o poder inerente à natureza humana, além de ser difuso, pois
pode se manifestar em diversas formas e produzir mudanças, sendo por
meio do sistema econômico, jurídico, religioso, familiar e de institutos
afins.
Destacamos, para evitar confusão, que o poder não está somente
ligado aos fins econômicos9 e que o poder jurídico também não tem
apenas ligações com os fins econômicos. Veremos que o poder é difuso
e, portanto, poderá se manifestar em suas diversas formas por meio de
diversas pessoas ou instituições. O poder poderá se manifestar sim por
questões econômicas, porém também por Políticas de Estado, Políticas de
Governo, de honra, de patriotismo, de mídia, enfim, poderá se manifestar
em suas diversas formas.
Também exploraremos as necessidades de um poder coercitivo. É
ele um preço a se pagar pela coletividade, pela unificação da comunidade,
uma segurança mínima? Afinal, conforme descrito acima, o gosto pelo
poder produz as mudanças sociais, sendo, portanto, nosso objeto de estudo
apurar quais são essas mudanças e seus reflexos na sentença judicial.
Segue um breve relato histórico desses movimentos de poder e de
construção de uma sociedade para, ao final deste capítulo, discorrer sobre
o mundo contemporâneo e sua relação com o poder.

9. Sobre o tema: “Como ocorre nas outras formas de poder, também e em especial na dominação,
seus detentores não pretendem, exclusivamente e nem mesmo em regra, perseguir, apoiados
nela, interesses puramente econômicos, como conseguir para si um farto abastecimento de
bens econômicos. Sem dúvida, o poder de disposição sobre bens econômicos – o poder
econômico, portanto - é uma conseqüência freqüente, muitas vezes deliberada e planejada, da
dominação e, com a mesma freqüência, um de seus meios mais importantes. Mas nem toda
posição de poder econômica manifesta-se como logo perceberemos - como “dominação”
no sentido aqui adotado da palavra. E nem toda “dominação” se serve, para sua fundação
e conservação, de meios coativos econômicos”. WEBER, Max. Economia e Sociedade.
Fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2. Tradução de Regis Barbosa e Karen
Elsabe Barbosa. Editora UNB, São Paulo, 2004, p. 188.
Sobre o tema: “entre as várias formas de poder, o mais determinante é o poder político;
4) aqueles que detêm o poder, especialmente o poder político, ou seja, a classe política
propriamente dita, são sempre uma minoria”. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política.
Editora UNB. (...)., 1998, p. 391.
28 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

1.1 O SURGIMENTO DAS CIDADES E O PODER. O PODER


EXERCIDO POR MEIO DE UM SISTEMA LEGAL, PASSAGEM DA
MONARQUIA PARA O SISTEMA POSITIVO

Neste capítulo, a proposta principal é demonstrar os reflexos do


poder no mundo contemporâneo, principalmente no ordenamento
jurídico, sendo necessário criar um breve contexto apenas para localização
do leitor.
A lei, ou um esboço do ordenamento jurídico moderno, surge com
a formação das cidades, quando o regime feudal10 entra em declínio e
se iniciam as regras comuns para o desenvolvimento da polis. Antes, no
feudalismo, o direito tinha como base os contratos por homenagem,
ligados no pacto entre senhor feudal e futuro vassalo. Com as mudanças,
a necessidade de criar leis era vital, pois com o fim do sistema feudalista
há uma maior socialização, com pessoas morando próximas, nascimento
de cidades e, assim, cria-se uma imprescindibilidade de organização desse
novo sistema.
Temos também como base para o ordenamento jurídico do qual viria
o próprio direito romano, compreendendo de 753 a.C. a aproximadamente
656 d.C.. Esse período e o ordenamento jurídico lá desenvolvido
influenciaram de forma significativa o direito moderno. Porém, conforme
aponta Nali de Jesus de Souza11, a maior parte da população em Roma e na
Grécia era composta por escravos e a riqueza era obtida pela dominação.
As pequenas manifestações de limitação de poder estatal por
suposto poder divino de monarcas são encontradas no “cilindro de Ciro”
no século VI a.C. ou na Magna Carta de João Sem Terra, rei da Inglaterra
em 121512. Criar uma fórmula para impor limites ao poder real já era de
grande valia, sendo estes uns dos primórdios de um sistema de direito.
A evolução histórica facilmente demonstra, nesse nosso recorte, o
início de organização com o poder real ligado, na maioria dos casos, ao
poder divino. O Estado absolutista fundado na monarquia era justificado
pelo direito natural (suposto poder divino); havia então concentração do
poder político e do poder “legal” diretamente ligado na figura do rei. Com

10. Regime feudal pode ser situado entre os séculos X e XIV [...]. PALMA, Rodrigo Freitas.
História do Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 212.
11. SOUZA, Nali de Jesus de. Economia básica. 1. ed. 8 reimpr. São Paulo: Atlas, 2014, p. 27.
12. Sobre o tema: Para Azevedo, a tradição ocidental no que toca à evolução do Estado desde
a Magna Carta tem sido na limitação do poder do Estado. AZEVEDO, Plauto Faraco de
Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev., atual. ampl. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais, 2014a, p. 13.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 29

a evolução e início do convívio com a polis, iniciamos o contato com a


lei para a organização das sociedades e a lei passa a ser necessária como
instrumento de poder para organização.
Para Simões13, a Queda da Bastilha em 14 de junho de 1789, ponto
central da Revolução Francesa, foi a quebra de paradigma do Estado
absolutista justificado pelo poder divino.
Gustavo de Castro Faria14 sintetiza dizendo que após os desmanches
das teorias ancoradas nas políticas autoritárias, na qual o controle social
era realizado na figura do monarca, o controle do Estado passa a exigir
fontes de legitimação desvinculada do poder soberano, refutando assim
o poder pelo poder. Nesse contexto o Estado passa a ser detentor de
direitos e obrigações, vinculado a um procedimento Legislativo racional-
dialógico no plano instituinte da norma.
As deficiências da sociedade medieval15 foram essenciais para
a formação do Estado Moderno, pois a estrutura feudal consistia em
pequenos produtores individuais e unidades familiares, de outro lado,
latifundiários e senhores feudais que não detinham o poder político, sendo
submetidos à tributação, guerras e exigências em determinados momentos.
Essa situação levou à busca de uma unidade, ou seja, um poder supremo
mais alto dentro de uma delimitação territorial.16
É com o fim da Idade Média17, de acordo com Lebrun, que nasce um
complexo institucional dotado de poder próprio, encarregado de garantir

13. SIMÕES, Alexandre Gazetta. O protagonismo judicial na concretização dos direitos sociais
a partir da nova interpretação das normas constitucionais programáticas. Birigui, SP, Boreal
Editora. 2012, p. 82.
14. FARIA, Gustavo de Castro. Jurisprudencialização do direito: reflexões no contexto da
processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p. 53.
15. Sobre o tema, Diogo Bacha e Silva: “de acordo com a opinião comum, se é a sociedade
medieval, então uma sociedade fragmentada, com várias relações de poder e sujeições, sem
um único poder central, então também deveria ser verdade, por outro lado, que não haveria
soberania e nem direito.” SILVA, Diogo Bacha e. Ativismo no controle de constitucionalidade.
A transcendência dos motivos determinantes e a (I)Legítima apropriação do discurso de
justificação pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes, 2013, p. 39.
16. PAULA, Lucas Franco de. Análise jurídica do papel de intervenção do estado contemporâneo
na regulação e supervisão da atividade bancária transnacional a partir das regras do II acordo
de Basiléia. PAULA, Lucas Franco de. Análise jurídica do papel de intervenção do estado
contemporâneo na regulação e supervisão da atividade bancária transnacional a partir das
regras do II acordo de Basiléia. Dissertação de Mestrado. 2013, p. 13.
17. Período de declínio do Império Romano do Ocidente (476) e a queda de Constantinopla
(1453). PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 203.
Sobre o tema: “Lembre-se que Weber não só acreditava que o direito europeu era mais racional
do que os direitos de outras civilizações: ele também demostrou que esse direito foi moldado a
partir de diversas características peculiares à história do direito ocidental – como a tradição do
direito romano e aspectos do direito medieval (...)”. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos
30 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

a segurança e a justiça, e que se arroga o monopólio da determinação dos


direitos e deveres de cada um.
As monarquias ocidentais se edificaram como sistemas de direitos
e fizeram seus mecanismos de poder na forma do direito. De acordo com
Azevedo18, o direito obriga porque é imposto por um poder que se acha
em condições de fazê-lo respeitar se for preciso. Foi por meio dessas
instituições que se instaurou essa dimensão político jurídica. Apesar de
todos os esforços para liberar o político do jurídico, o poder permanece
preso nesse sistema. Neste sentido, o sistema do direito para Foucault era
uma maneira de exercer a violência19.
Devemos ter em mente que as técnicas de poder, em especial no
século XVIII, surgiram com as cidades, com os problemas econômicos,
políticos, mão de obra ou capacidade de trabalho, população em equilíbrio
entre seu crescimento próprio e as fontes de que dispõe. O sistema de
governo verifica que não basta tratar com o indivíduo, mas sim com
a população, com diversas variáveis e pontos de interesses entre os
movimentos próprios à vida e aos efeitos particulares das instituições.
Surge deste modo a concepção do bom governo ou bom governar,
ligada a uma ideia de política e associada a uma arte de governar, uma
técnica ou um conjunto de procedimentos e compreensão sobre a
sociedade.
Ocorreu naquela época um movimento de nova mecânica de poder,
incompatível com as relações de soberania existentes desde então; não
era mais a terra e seus produtos, mas sim os corpos e seus atos. Esse
poder que não pode ser mais transcrito nos termos da soberania foi uma
das grandes invenções da sociedade burguesa. A limitação do poder real/
estatal surge, deste modo, com a separação dos poderes e a reserva legal.
Temos, então, um declínio do sistema justificado por ordens divinas,
ou seja, sem uma ótica racional. Com o surgimento da população foi
necessário repensar essa forma de governar, e neste cenário o direito passa
a ser útil como forma de organização e legitimação do poder. O direito,
deste modo, torna-se um procedimento necessário para governabilidade.

precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 28.
18. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Limites e justificação do poder do Estado. 2. ed. rev.
atual e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 87.
19. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 1 ed.. São Paulo, Paz e
Terra, 2014, p. 96.
Sobre o tema: “A violência pode ser usada quando o poder está em perigo, mas nunca se
deve permitir que ela siga seus próprios caminhos”. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder:
ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 53.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 31

À época surge o desenvolvimento do capitalismo mercantilista, com


uma nova classe, a burguesia, resultante da atividade comercial e que aos
poucos ganha poder político produzindo profundas mudanças no Estado.
Essa influência do liberalismo político e econômico limita o poder do
Estado e a figura do soberano.
Governar se tornou, a certo momento da história, o conjunto dos
meios para guiar os homens, organizar seus comportamentos, ordenar
ações e suas reações; as atividades de governar deram lugar aos meios de
conceitualizar suas próprias práticas20. Para Ailton José da Silva21, governar
surge da necessidade de compreender melhor a política como reflexão da
ação e da organização dos homens em sociedade, não há então mais um
governo ou príncipe que é detentor dos múltiplos poderes.
Ainda de acordo com Carlos José Martins, é nesse contexto que
surge de fato a necessidade de coordenar o crescimento demográfico e
integrá-lo ao desenvolvimento do aparelho de produção, com urgência
de controlá-lo por mecanismos de poder mais adequados e rigorosos.
Não é apenas um problema teórico, mas um objeto de vigilância, análise,
intervenções, operações transformadoras, que pode se chamar de poder
sobre a vida. Para Reis22, a disputa política em torno da vida é um dos
traços marcantes da modernidade, sendo importante salientar que não se
pode dissociar a atividade política das demais atividades humanas, salvo
por um processo de abstração.
Destaca-se que com a evolução do capitalismo e o surgimento da
burguesia, o monarca/governo perde essa função de centralidade do
poder político, necessitando do direito e de sua boa fama23 para governar.
Surge, então, o Estado Moderno, que tem como gênese a centralização do
poder, ou seja, com a descentralização política fruto do desenvolvimento
industrial, há uma necessidade de centralização do poder com unificação
da fonte normativa.24
20. MARTINS, Carlos José. O Legado de Foucault. A vida dos corpos e das populações como
objeto de uma biopolítica na obra de Foucault. São Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 185..
21. SILVA, Ailton José da. A ideia de poder em Foucault: o Estado e a arte de governar. Revista
eletrônica UFSJ, Μετάνοια, São João Del-Rei/MG, n.12, p.19- 37 / 2010, p. 26.
22. REIS, Palhares Moreira. Direito e Poder, Nas instituições e nos valores do público e do privado
contemporâneos. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 158.
23. Expressão utilizada por Ronald Dworkin: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3.
ed. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Sobre o tema, Eros Grau salienta ainda que o Estado Moderno nasce sob a vocação de atuar
no campo econômico. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º
ed. Revista atualizada. Editora Malheiros, 2014, p. 19.
24. SIMÕES, Alexandre Gazetta. O protagonismo judicial na concretização dos direitos sociais
a partir da nova interpretação das normas constitucionais programáticas. Birigui, SP, Boreal
32 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Essa ideologia jurídica compreende as normas jurídicas e também


um conjunto de crenças que tem o direito como referencial, dentre elas a
realização da justiça, da imparcialidade do juiz, dos direitos naturais, dentre
outros. De acordo com Coelho25, quando se explica determinada situação
da “lei uma áurea da justiça parece recobri-la”.
Conforme nosso relato, tínhamos então a centralização política e a
governabilidade apenas na figura do monarca. Porém, com essas evoluções
o monarca, que não pode mais justificar seu status por meio do suposto
poder divino, necessita do direito para a governabilidade.
Nesse surgimento de dispositivos legais surge também a
Constituição. Mathias de Oliveira aponta que, apesar da divulgação do
termo (Constituição) século XVI, somente a partir de 1648 na ocasião
da assinatura da Paz de Westfália, consubstanciada em dois tratados
assinados em Munster e Onsbruck, é possível afirmar a constituição do
Estado dotado de características muito bem definidas.
Os sistemas jurídicos surgem para permitir uma democratização
da soberania por meio de um direito público articulado com a soberania
coletiva, no momento em que esta democratização se fixava profundamente
através de mecanismos de coerção disciplinar.26
Então, nessas relações de dominação e sujeição à centralidade
desse questionamento e a centralidade no plano de execução das práticas
coletivas, fortalece-se o autoritarismo e uma ética cuja responsabilidade
não é mais responsabilidade do cidadão, mas só do governo.27
Surge, com o Estado/Governo, uma série de códigos da
individualidade disciplinar. Eram eles ainda rudimentares em sua forma
qualitativa e quantitativa, mas marcam a formalização do indivíduo
dentro das relações de poder. O indivíduo cercado de todas as técnicas
documentárias passa a ser um caso, constituindo objeto para o conhecimento
e uma tomada para o poder28. A legitimidade do poder resulta de um
procedimento em que força e direito se combinam na esquematização do
código poder. O poder tem como pressuposto a possibilidade de estatuir

Editora. 2012, p. 82.


25. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 12.
26. MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Foucault: O poder e o direito. Tempo Social. Ver. Social.
USP, São Paulo. Volume 1, p. 151-175. 1 sem. 1990, p. 156.
27. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 101.
28. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 41,
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 33

o direito, os procedimentos, por outro lado, devem ser pautados em regras


técnicas ou normas jurídicas29.
Para Faria30, o discurso jurídico é dotado de capacidade para tornar
possível o exercício de práticas de dominação. Sua promulgação se converte
em um poder independente com relação aos demais elementos do seu
processo de criação e aplicação. Não são as leis simples instrumentos
técnicos, não pertencem apenas à ordem de fazer, mas também à ordem
de dizer. As normas não resolvem apenas resolução de conflitos, são
meios para a consecução de determinados objetivos políticos, sociais e
econômicos.
Sobre o tema, encontramos também reflexões em Hobbes com
o grande “Leviatã”. Todo esse império jurídico da lei e do direito veio
culminando por colonizar o poder soberano, que se revestiu de legalidade
inicialmente pelo poder divino, em seguida pelo direito consuetudinário,
que povoou o imaginário da filosofia política moderna em torno de nomes
como Bodin, Maquiavel, Hobbes e Locke. Com o surgimento do Estado
Liberal, após a Revolução Francesa, é possível perceber um Estado com
poder exercido de forma institucional com regras impessoais, surgindo,
assim, o princípio da legalidade; é uma postura abstencionista, pois atua
de forma impessoal e neutra no que tange à atividade econômica. Lembra
Foucault31que o direito de punir deslocou da vingança do soberano à
defesa da sociedade.32
Com esse novo quadro após a Revolução Francesa, passou-se a
considerar o direito positivo um sistema fechado, principalmente para os
juízes, que estavam no decorrer da história ligados aos interesses dos reis,
ou seja, proibia-se drasticamente a criação do direito33. Fábio Ulhoa Coelho

29. Sobre o tema: COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São
Paulo: Saraiva, 1992
30. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Saraiva,
2013.
31. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 87.
32. Sobre o tema: “Na visão consagrada pela filosofia política, o poder era compreendido na
maior parte dos casos de forma descendente, pois ele proviria do Estado e se prolongaria pelo
restante da sociedade como extensão desta fonte inicial”. KELM, Caroline. Estado e relações
de poder no pensamento genealógico de Michel Foucault. Dissertação de Mestrado. 2012, p.
15.
Sobre o tema: “Ainda que a justiça social tenha sido discutida por séculos, a disciplina recebeu
um impulso especialmente forte durante o Iluminismo europeu nos séculos XVIII e XIX,
encorajado pelo clima político de mudança e também pela transformação social (...)”. SEN,
Amartya Kumar. A ideia de justiça. Tradução Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes.
São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 35.
33. Sobre o tema: É interessante notar que a ideia de calar o juiz não apenas se funda na necessidade
34 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

assegura que esses princípios (legalidade, igualdade e da legitimidade) se


revelam como instrumentos de reprodução das relações de poder, da
própria dominação.
Faz lembrar também Tercio Sampaio Ferraz Jr.34 que a teoria clássica
de divisão de poder de Montesquieu iria garantir de certa forma uma
progressiva separação entre política e direito, regulando a legitimidade da
influência política do governo.
Sobre o tema, Tercio Sampaio Ferraz Jr.35 também salienta que
conquanto Hobbes veja na justiça uma virtude ligada à ciência dos
contratos, o seu exercício pressupõe a instituição da sociedade civil. Neste
sentido, a natureza da justiça tem ligação com os pactos, no entanto, a
natureza dos pactos só começa com a constituição de um poder civil
suficiente para compelir os homens a respeitá-los. O modelo horizontal
presente depende de um poder coercitivo que, por sua vez, pressupõe a
instituição de um modelo vertical; o medo, próprio da retribuição vertical,
é condição de validade da retribuição horizontal.
Um dos pontos centrais do objeto de estudo aqui é justamente
questionar esse modelo vertical de legitimação do poder por meio do
direito. Há imaginariamente e legalmente também a lei no topo da linha
vertical, que abaixo organizará a sociedade, as instituições, as relações de
poderes etc.. Se de fato há essa posição vertical, como ela atua, e se não há,
se há um sistema difuso, como no fim ele age e como é então seu reflexo
na sentença judicial? Adiante mais reflexões sobre o tema já proposto.

1.2 O PODER DIFUSO. MUNDO CONTEMPORÂNEO. ABERTURA


PRINCIPIOLÓGICA, PLURALISMO, INSUFICIÊNCIA DA LEI
POSTA E POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO

Adentramos uma época que o sistema jurídico não mais consegue


tutelar ou prover a centralização do poder, pois há formas que extravasam
o Estado e seus aparelhos36. Complementa Coelho que o poder pelo

de não permitir qualquer interferência sobre a vontade geral, expressa na lei. Existiam boas
razões para não se confiar na magistratura. Os juízes pré-revolucionários exerciam suas funções
em nome dos seus interesses pessoais. MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte
de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista do Tribunais, 2014, p. 27.
34. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio
em decadência? Revista USP, n.º 21, ano 1994, p. 14.
35. Ibidem, p. 178.
36. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 1 ed.. São Paulo, Paz e
Terra, 2014, p. 98.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 35

poder, um poder de pura força ou dominação, não existe, deve-se atender


também os anseios da sociedade, deve socializar-se37.
Verificamos no decorrer das pesquisas que pelo fato de o direito
estar diretamente ligado ao poder, tenta absorver ele as formas de
organização de uma sociedade. No entanto, o poder é difuso e no mundo
contemporâneo essa característica ficará mais evidente.
Não há uma relação de poder totalmente triunfante, deste modo,
o direito também não é totalmente triunfante e não preenche todos os
espaços na sociedade, assim, não garante a total governabilidade pretendida
pelo Estado. Do mesmo modo que o poder é difuso, o direito por meio
do ordenamento jurídico também é e seus operadores devem ter ciência
deste fato. Não devemos ficar iludidos apenas com a atividade legislativa.
Sobre o tema, o positivismo tentou retirar do próprio direito as
influências afins, clamando para si ou desprezando possíveis pontos de
intersecção. Porém, não teve essa escola do direito tamanho sucesso por
inúmeros fatores históricos. A falha, para Azevedo38, foi precisamente
este isolamento do direito frente a todos os “fatores extralógicos de sua
formação”.
Não demorou muito, inclusive, para perceber a impossibilidade de
proibir o juiz de interpretar a lei e para desfazer o trauma do juiz como
inimigo do Estado39.
Esclarece Foucault40 que é necessário libertar-nos da imagem de
“poder-lei”, do “poder-soberania”, ou seja, do privilégio teórico da lei
e da soberania, se quisermos fazer uma análise do poder dos meandros
concretos e históricos do procedimento; é preciso fazer uma análise do
poder que não toma mais o direito como modelo e código.
37. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 35.
Para Azevedo, o Estado não pode tentar harmonizar a todo custo o direito com a força, pois
todo poder estatal deve a sua conservação e formação à vontade humana. AZEVEDO, Plauto
Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev., atual. ampl. São Paulo.
Editora Revista dos Tribunais, 2014a.
38. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev.,
atual. ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 29.
39. MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes :recompreensão do
sistema processual da corte suprema. 2. ed. São Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2014, p.
43.
Sobre o tema: “Não é preciso dizer que a tarefa de conferir significado a um direito fundamental
é algo que está muito longe do raciocínio judicial moldado pelos esquemas do positivismo
clássico.” MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014a, p. 54.
40. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 1 ed.. São Paulo, Paz e
Terra, 2014, p. 99.
36 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Acrescenta Teresa Arruda Alvim Wambier que a Revolução


Francesa41 ruiu esse centro do poder que tinha a figura do Estado e
do monarca praticamente idênticas. Após a revolução o centro do
poder transferiu para o povo acolhendo ideias de Hobbes42, Rosseau,
Montesquieu, e, assim, dividindo o poder em três funções, concedendo
um poder Judiciário sem reais poderes por desconfiança. Acreditava-se
que na lei estava contida a vontade do povo.
Não deve haver, conforme o tema do presente estudo, uma
concentração de poder ou soberania total em um único órgão, pessoa
ou instituição. A concentração de poder abre margem para problemas
democráticos e déficit de argumentação no ordenamento jurídico. Ou seja,
a lei que surgiu como forma de controle das cidades e da população e
assim útil para a governabilidade, no mundo moderno não consegue mais
tutelar todos os conflitos.
O que Foucault pretendia era se insurgir contra a ideia de que o
Estado seria o órgão central e único de poder: o Estado não é o foco de
tudo, é fora dele, inclusive, que muitas vezes se instituíram as relações
de poder. Para Boaventura de Souza Santos43, o Estado é, inclusive, uma
realidade construída. E, de fato, coadunamos com esse entendimento, pois
o Estado, embora soberano, não absorve em sua totalidade a centralização
do poder, que é difuso e se manifesta de várias formas, inclusive no
ordenamento jurídico.
Um pensamento tradicional positivista, com o poder centrado no
direito, mais propriamente na lei, encontramos certamente no livro de
Bobbio44. Para ele, o direito é entendido como uma forma de controle
social, uma concepção meramente instrumental, ou seja, o Direito não
é um fim, mas um meio, para ser usado e, dessa maneira, alcançar os
fins mais diversos (Direito é uma técnica de organização social). Essa
41. Sobre o tema: Como antes dito, a Revolução Francesa elevou a lei a um ato supremo, objetivando
eliminar as tradições jurídicas do ancien régime. Em verdade, substituiu-se o absolutismo
monárquico pelo absolutismo do Parlamento, reduzindo-se o direito à lei. MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da
corte suprema. 2. ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2014, p. 69.
42. Sobre o tema: deveres. É a partir de Hobbes, observa ainda Leo Strauss, que se dará ênfase
aos direitos naturais, e não mais aos deveres naturais. LEBRUN, Gerard. O que é o poder.
Brasiliense. 1981, p. 16.
43. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.
7ª ed. Edições Afrontamento. Porto. 1999, p. 117.
44. BOBBIO, Norberto. Direito e poder. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Editora Unesp,
2008, p. 171.
Sobre o tema: o poder é definido por vezes como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um
impõe ao outro a própria vontade e lhe determina, malgrado seu, o comportamento. BOBBIO,
Norberto. Dicionário de Política. (...), 1 la ed., 1998, p. 954.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 37

visão positivista procurou, com uma visão horizontal de poder, fechar o


sistema como uma norma fundamental.
Essa visão do positivismo apresentada por Bobbio45 liga o poder ao
poder das normas jurídicas, em uma visão muito vertical. Não utiliza o
conceito de difuso ou simplesmente ainda não o compreende quando, por
exemplo, relata que “é preciso partir das normas para justificar o poder ou
quando afirma que o poder do Estado é o poder organizado pelo direito
positivo, é o poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo”.
O positivismo ainda não trata sobre a pluralidade, o uso de princípios,
normas de caráter aberto ou a discricionariedade judicial, temas estes que
serão apresentados mais adiante.
A característica moderna é a necessidade de interpretação da lei,
logo o Estado que no primeiro momento tentou centralizar a produção
da norma impedindo a interpretação, percebe a impossibilidade de assim
legislar e “administrar” a justiça. Veremos no próximo capítulo inclusive
a evolução histórica, momento em que ficará mais evidente este cenário.
Em sentido contrário ao positivismo, Fábio Ulhoa Coelho aponta
que o poder se espalha pela malha social e, então, é preciso estudá-lo
poder fora do modelo do Leviatã. Se a teoria de soberania era satisfatória
no período feudal, há profunda alteração nos seus mecanismos a partir do
século XVII e XVIII.
Veremos que a jurisdição irá se legitimar, na medida em que é capaz
de produzir sensações de segurança jurídica e estabilidade ao sistema.
Porém não há um discurso verdadeiro e o que está em jogo senão o desejo
e o poder?46. Ainda sobre o tema, o próprio Foucault47, citando Nietzsche,
afirma que o ideal não tem origem, ele também é inventado, fabricado,
produzido em série de mecanismos, de pequenos mecanismos.
Foucault48 ainda analisa que há uma estrutura dentro da sociedade
de quem pode e de quem não pode falar, quem é autorizado a fazer
determinado tipo de discurso, ou que forma de discriminação é exigida a
uns e outros; há deste modo muitos silêncios que são partes integrantes
das estratégias que apoiam e atravessam os discursos. Veremos adiante
que essa estratégia do discurso tem reflexos em nossa sociedade como

45. BOBBIO, Norberto. Direito e poder. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Editora Unesp,
2008, p. 158.
46. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996, p. 20.
47. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Ed. 1999, p. 15.
48. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 1 ed.. São Paulo, Paz e
Terra, 2014, p. 31.
38 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

pano de fundo para legitimidade, pois estrategicamente se criam grupos


legítimos na escolha das necessidades e do que é legítimo para um governo
ou população.
Ainda sobre o tema, destacamos que o poder não será delimitado
apenas no conjunto de instituições e aparelhos garantidores de um
determinado Estado, não somente na soberania do Estado, a forma da Lei
ou a unidade global de uma dominação. Para o poder, preferimos partir do
pressuposto de uma multiplicidade de correlações de forças imanentes ao
domínio onde se exercem e constritivas de sua organização, as cadeias de
sistemas, suas defasagens e contradições. Não deve o poder ser procurado
na existência primeira de um ponto central, ou um foco único de soberania
de onde partiriam formas derivadas e descendentes, é ele o suporte
móvel das correlações de forças, que devido a sua desigualdade, induzem
continuamente estados de poder, mas sempre localizados e instáveis. O
poder está em todas as partes e em todos os lugares.
Complementa ainda Foucault49 que o poder não é uma instituição
nem uma estrutura, não é certa potência de que alguns sejam dotados:
é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade
determinada. O poder não existe; existem práticas ou relações de poder.
Adorno50 afirma também que o poder não funciona como propriedade,
não está concentrado no aparelho do Estado, não é superestrutura política
que responde aos dinamismos dos processos de produção e exploração
econômica. Complementa o doutrinador que o poder não opera pela lei,
mas por “agenciamentos de ilegalismos”.
O próprio Foucault51 atesta que a microfísica supõe que o poder
inserido não é uma propriedade, mas uma estratégia, atribuídos para
manobras, para tática, técnicas e funcionamentos; o poder se exerce mais
que se possui e ele se aprofunda dentro da sociedade.
Destacam-se alguns pontos sobre o poder que serão a base do
presente estudo: o poder não é algo que se adquira, pois se exerce a
partir de inúmeros pontos; as relações de poder não estão em posição
de superestrutura, em processos econômicos, mas são efeitos imediatos
das partilhas, desigualdades e desequilíbrios; não há poder que se exerça
sem uma série de miras e objetivos; onde há poder há resistência; a rede
49. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. (...) 2014; FOUCAULT,
Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a.
50. ADORNO, Sérgio. O Legado de Foucault. Foucault, a lei e o direito. Organizadores: Lucila
Scavone, Marcos César Alvarez, Richard Miskolci. São Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 216.
51. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 29.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 39

de relação de poder acaba formando um tecido espesso que atravessa os


aparelhos e as instituições, sem se localizar exatamente neles.52
Ainda sobre o tema, o poder é algo que circula, que só funciona em
cadeia, é exercido em rede, não se aplica aos indivíduos, pois passa por
eles. Não é o indivíduo uma espécie de núcleo elementar; o indivíduo é um
efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito,
seu centro de transmissão.53
Roberto Machado, na Introdução do livro “Metafísica do Poder”,
esclarece que não existe algo unitário e global chamado poder, mas sim
formas díspares em constantes transformações. O poder não é uma coisa,
é sim uma prática social e constituída historicamente54.
Necessário para o tema aqui proposto fugir do pensamento clássico
do poder ligado ao rei ou ao príncipe, pois há na sociedade um sistema
de poder difuso, não concentrado na soberania ou em certos grupos
sociais. Importante evidenciar também que nas sociedades ocidentais as
correlações de poder têm atualmente sua principal forma de expressão
no poder político e, ao nosso entender, com claras manifestações no
ordenamento jurídico, fato este que será assunto recorrente no andamento
dos estudos. Roberto Machado, por exemplo, afirma que o poder se exerce
em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo
os micropoderes55 existem integrados ou não ao Estado.56
Foucault57 assegura ainda que é comum considerar o poder como
sendo localizado nas mãos do governo a um certo número de instituições
particulares (aparato do Estado). Todavia, o poder político se exerce
também pela intermediação de certo número de instituições que parecem
nada ter em comum com o poder político. Esse poder vai muito mais
profundo, ele tem centros de apoio invisíveis e é presente onde não
esperamos.

52. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 1 ed.. São Paulo, Paz e
Terra, 2014, p. 105.
53. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a, p. 285.
54. Ibidem, 12.
55. [...] o poder está esparramado por todo lugar, ele se fragiliza e, por mais que se domine o outro,
este sempre poderá desobedecer, ser violento, criar subterfúgios, subverter a ordem. ROCHA,
José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 145.
Neste sentido: o Direito não é mera manifestação de poder, e sim uma espécie particular dele.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito.
(...) 2013, p. 24.
56. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a, p. 15.
57. FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos, volume IV: estratégia, poder-saber. 3 ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012, p. 112.
40 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Para Rocha58, em uma sociedade em que o “Direito lhe aparece como


entidade acima da sua própria cidadania, os dogmas tipo jurídico cumprem
essa função de sacralização e poder”. Ocorre, todavia, que o Estado não
penetra e os micropoderes adquirem autonomia e exercem vigilância e
controle social a partir de entidades pulverizadas da organização social.
Estamos tentando então demonstrar que o poder é difuso e,
assim, também o ordenamento jurídico. Tendo em vista a característica
de pluralidade da vida moderna e também pela própria marca difusa do
direito e do poder, o sistema legal, que primeiramente surgiu como forma
de controle da sociedade, passa a demonstrar claros sinais de não ser
suficiente para a governabilidade.
Essa característica difusa do poder será em grande parte nosso
objeto de estudo, fato que aprofundamos nas considerações sobre as crises
mundiais, a apontar como os reflexos do poder foram determinantes para
a construção do mundo contemporâneo. Em especial, com o poder se
porta e aparece como reflexo na sentença – ver capítulo 4 e 5.
Ferdinand Lassalle aponta em “Que é uma Constituição?” que os
fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essas
forças ativas e eficazes que informam todas as leis e instituições jurídicas
da sociedade em apreço. Há, para o doutrinador, fatores reais de poder
que regem uma nação.
Desenvolvendo o tema sobre poder, Coelho59 questiona também
quais são os fatores que interferem na produção de leis e normas. Para ele,
a moral “não tem uma interferência que se explique por si mesma”, mas
necessariamente com reporte ao modo de produção e à luta de classes que
igualmente a condicionam, assim também a cultura, a política, a economia
etc.
É então à medida que se estrutura e se reforça a organização do poder
que se derivará essa relação de autoridade legal, migrando da pessoa dos
patriarcas, dos caciques e dos líderes para se incorporar nas instituições
políticas. Se não temos mais um sistema puro do direito60, sem interferências

58. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 14.
59. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 3.
60. Sobre o tema: Bem pesados os argumentos, nota-se que o monopólio estatal dos meios de
solução dos conflitos não é, ao contrário do que tradicionalmente se afirma, simplesmente
meio civilizatório dos grupos sociais viventes dentro do que se convencionou designar
“sociedade civil”, tampouco estabeleceu-se meramente com a intenção de atender ao cidadão
no sentido de garantir-lhe uma existência pacífica e organizada dentro do meio social. Tal
monopólio estabelece-se em razão da descoberta pelo Poder de ser ele meio eficaz de
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 41

de poderes, como age esse sistema, como a instrumentalidade passa a ser


fator determinante e, inclusive, a racionalidade para a governabilidade.
Verificamos então, pelo exposto no início do capítulo, que o direito
tem clara relação com o poder, este que é difuso, logo, necessário entender
esse paralelo e essa relação com o direito. Ou seja, o Estado tenta se
apropriar dessa relação do direito e do poder para governabilidade. Porém,
antes deve compreender que ambos têm essa característica de serem
difusos.
Ainda sobre esse contexto, as relações de poder servem não porque
estão a serviço de um interesse econômico dado como primitivo, mas
porque podem ser utilizadas em estratégias. O poder não é algo localizado
no topo de uma hierarquia da qual se deriva, pois é algo difuso, disperso
na trama social; o poder pode ser concebido como estratégia61. De acordo
com Faria62, uma das características do mundo contemporâneo é a
pluralização dos tempos de poder.
Uma demonstração de que o poder é difuso verificamos no relato
de Gustavo de Castro Faria63, pois para ele nunca na história houve
tamanha valorização dos precedentes e da jurisprudência dominante de
órgão superiores da jurisdição. Ou seja, mesmo com uma tendência de
operar o direito com verticalização dos poderes ou separação dos poderes,
é ele difuso, pois o próprio sistema se adaptou ao sistema, criando uma
racionalidade de common law para gerir seus julgamentos64.
Habermas afirma que nas culturas superiores há bases técnicas
relativamente desenvolvidas; contudo, esse cenário é a implantação de
conquista, administração e garantia deste mesmo Poder, pois, tendo a possibilidade inarredável
de administrar os conflitos que nascem dentro da sociedade, estes serão resolvidos também
segundo suas conveniências e interesses, além de ser meio eficaz de afirmação do modelo de
soberania a explicar sua existência e realização. BALEOTTI, Francisco Emilio. O processo
como discurso segundo o pensamento de Michel Foucault. 2015, p. 19.
61. Sobre o tema: “Temos em mira então que após a superação do direito natural a legitimidade
se repousa na convergência da opinião da maioria, mas em termos reais esse consenso é
presumido. O que se constata é a suposição de que muitas pessoas concordam com aquele
modo de vida incorporado pela instituição”. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio
de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 42.
62. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011.
63. FARIA, Gustavo de Castro. Jurisprudencialização do direito: reflexões no contexto da
processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p. 70.
64. Sobre o tema, protagonismo judicial (capítulo 4)
Sobre o tema: “Isso quer dizer que, como será visto adiante, a evolução da teoria da
interpretação, o impacto do constitucionalismo e a transformação do próprio conceito de
direito fizeram surgir uma nova racionalidade jurídica no civil law, que, portanto, pode exigir e
conviver com um sistema de precedentes obrigatórios”. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética
dos precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 42.
42 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

uma forma de dominação política oculta por meio de manipulação da


técnica dirigida a fins, numa fusão de técnica e dominação65.
A verdade neste mundo é formada por várias múltiplas coerções e
produz efeitos de regulamento de poder, cada sociedade tem seu regime de
verdade, sua política geral, os mecanismos e instâncias e também o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.66
Sobre o tema, para HsüDau-Lin, citado por Menezes67, a força vital
existente dentro da Constituição é a própria política, não existindo para ele
uma separação metódica entre Constituição e Política.
Necessário estudar o poder, bem como seus reflexos no direito, pois
ele estará presente mesmo a quem tenta se opor. Essa relação entre direito
e poder é descrita por Foucault68 ao tratar sobre a sexualidade, podendo
facilmente ser transposto para o direito propriamente dito e outras áreas
afins, pois tal relação serviu apenas de pano de fundo para suas motivações.
Diz ele que o poder seria essencialmente o que dita a lei, que o poder
pronuncia a regra e que o domínio se dá por meio da linguagem69, ou seja,
por um ato de discurso que criaria um Estado de Direito, que a forma pura
de poder se encontraria na função do legislador.
Neste sentido, o Poder é ou tenta ser institucionalizado, pois consiste
em transmitir o poder social do indivíduo ou grupos para uma entidade
abstrata (o Estado). É, portanto, de acordo com Willis Santiago Guerra
Filho70 “o poder estatal o poder de direito, o poder tido como legítimo
por legal”. Isso em uma visão vertical e tradicional, todavia o foco aqui é
justamente, conforme já apontado, questionar esse cenário tradicional de
verticalidade.
Ainda sobre o tema, conforme já relatado no início de nossos estudos,
há uma clara relação entre o poder e o direito. Willis Santiago Guerra Filho

65. Sobre o tema: “Por depender da política, o direito possui um aspecto instrumental: diferente
das normas morais, que constituem sempre um fim em si mesmas, as normas jurídicas servem
também como meio para fins políticos. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre
factividade e validade, volume II. 1. ed. (...), 2011, p. 218.
66. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a, p. 52.
67. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014, p. 23.
68. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. (...), 2014.
69. Sobre o tema, Lenio Luiz Streck afirma “é na linguagem que se dá a ação”; ou outra passagem:
“Não nos relacionamos diretamente com os objetos, mas com a linguagem, que é a condição
de possibilidade desse relacionamento”. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme
minha consciência? 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2012, p. 14 a 17.
70. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 23.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 43

faz lembrar que o direito tem uma estreita relação com o poder, fazendo
com que muitas vezes há quem o reduza às relações de poder, com uma
politização absoluta, como sendo um mero disfarce da política e mero
instrumento do poder. Não comungamos com este entendimento, porém
esta é uma hipótese do presente trabalho, esta relação é tênue e o ambiente
social é propício para este fim; no decorrer do livro iremos retomar a estes
questionamentos.
Sobre o tema também destacamos que para Marcos Antônio Striquer
Soares “os termos poder, Estado e política mantêm estreita ligação” e
que a atividade política ocorre no “exercício do poder ou com vistas ao
poder71”. Este assunto também é uma das hipóteses aqui traçadas que será
adiante elucidado.
Destaca-se também que há um modelo essencialmente jurídico de
poder, centrado no enunciado da lei; todavia há inúmeros aparelhos de
poder, não há um único centro do qual emana o poder, o poder é difuso.
De acordo com Foucault72, “o poder penetra profundamente, muito
sutilmente em toda a trama da sociedade”. Rocha73 faz lembrar que as
formas de agir são como “irmãzinhas” em vez de um “Grande Irmão”
opressor, pois procuram elas serem simpáticas, estabelecendo uma relação
pessoal conosco por saberem quem somos e invadindo nossas vidas sob
os mais variados aspectos.74
Ainda de acordo com Moreira Neto75, o poder apresenta uma
inevitável natureza dinâmica, ou seja, enquanto não encontrar obstáculo que
o detenha, seja ele individual ou coletivo, tende a cumprir essa destinação
natural de se expandir e de “ocupar espaços sociais cratologicamente
vazios”.
É o poder realidade multifacetada no contexto social, há poder de
ideias, do saber, poder econômico, político que se organiza em sociedades

71. STRIQUER SOARES, Marcos Antônio. Dimensão Constitucional da propaganda dos órgãos
públicos. PUC/São Paulo, 2003, p. 82.
72. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a, p. 131.
73. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 63.
74. Sobre o tema: Em vez de uma ordem unitária centralizada, hierarquicamente e fundada
num princípio único e último (a “norma fundamental”) que determina o sentido de validade
técnico-formal das demais normas, num movimento linear e descendente, e que por isso
mesmo desempenha o papel de vértice de um sistema jurídico de feições piramidais, o que
se tem é justamente o oposto. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização
brasileira. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 155.
75. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito e Poder, Nas instituições e nos valores do
público e do privado contemporâneos. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 261.
44 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

complexas na forma de Estado por meio do Direito, e o poder Judiciário


tem a tarefa de aparato burocrático e execução.76
Temos, pois, que o poder é difuso, multifacetado, contudo na
estrutura tradicional e com a evolução histórica tenta o Estado se
apropriar do discurso de legitimidade, concentrando o poder por meio de
uma legitimidade inspirada na jurisdição. Em uma estrutura de pirâmide,
portanto, para o Estado o poder estaria no topo representado pelo
Direito. Neste sentido, de acordo com Weber77 toda ordem jurídica (não
só a “estatal”), por sua configuração, influencia diretamente a distribuição
do poder dentro da comunidade em questão, tanto do poder econômico
quanto de qualquer outro.
É nessa linha que seguirá nosso estudo, demonstrando como é o
reflexo do poder, das instituições que exercem poder no ordenamento
jurídico e no Legislativo. O grande propósito é demonstrar o reflexo na
sentença judicial e, para tanto, necessário recorrer a todo ordenamento
jurídico. É, portanto, necessário pensar que há também poder sem o rei.
Dentro desse ponto central de sistema difuso, questionamos qual
o fator determinante, ou um dos que se destaca como fundamental para
a instrumentalidade e racionalidade, tema este a ser tratado no capítulo
5, quando tratamos sobre o estudo de casos e no capítulo 6, quando
abordamos em específico o tema racionalidade e instrumentalidade.
A hipótese central não é demonstrar uma concepção marxista de
que o poder estaria voltado para a dominação de classe, pois, conforme
exposto, é o poder difuso. Pode ser sim voltado para a dominação por
determinados grupos e determinado tempo, isso é fruto do jogo de poder,
entretanto esta não é a causa central.
Sobre o tema, Coelho aponta que para a redução voluntarista o
direito é mera expressão dos interesses da classe dominante. Para ele,
essa ideia de que as leis surgem como produto da vontade de homens
politicamente organizados não é totalmente verdadeira nem totalmente
falsa, corresponde, apenas em certa medida, ao que ocorre de fato.

76. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 15.
Sobre o tema: “Entrementes, as sociedades modernas tornaram-se tão complexas, ao ponto de
essas duas figuras de pensamento – a de uma sociedade centrada na Estado e a da sociedade
composta de indivíduos – não poderem mais ser utilizadas indistintamente”. HABERMAS,
Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume I. 2. ed. (...) 2012, p. 18.
77. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2.
Editora UNB, São Paulo, 2004, p. 175.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 45

Complementa ainda o doutrinador que o poder domina a mente


das pessoas e também dos tecnólogos do direito. Que há uma exigência
na flexibilização da legalidade, pois na medida que a burguesia possa
incorporar os seus interesses no ordenamento, há uma espécie de
instrumentalização sua pelo poder de classe dominante. Porém, existe um
jogo de poder, podendo outra classe com interesse oposto ou diferente
inibir a concretização do interesse anteriormente formado. Sobre o
tema, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy no início de seu artigo destaca
que enquanto a infraestrutura de economia determinar os nichos de
superestrutura, o direito será mero reflexo da movimentação econômica.
Não terá o direito um único pilar de sustentação, não é somente
relacionado com violência, soberania ou economia. Ultrapassa ele as
regras do direito, pois ele se prolonga e penetra em instituições. O poder
é mais complicado, denso e difuso que um conjunto de leis ou aparelho
do Estado.
O tema a ser enfrentado é muito bem exposto por Lebrun,
pois embora a soberania não atue de forma vertical, o homem não é
propriamente racional, pois não se inclina pela razão pura. É por isso
que a essência do Estado é ser ele soberano. Sobre o tema: “Em suma, a
Soberania é o único cimento do corpo político porque os homens nunca
foram animais racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam
perante a razão pura. A “razão” é sempre a razão do mais forte (mesmo
nos diálogos de Platão, onde a razão está do lado de quem é mais forte...
no campeonato dialético). E é por isso que a essência do Estado é ser ele
soberano”.78
Sobre esse conceito difuso, Boaventura de Souza Santos trabalha
com o poder na existência de uma multiplicidade de formas de poder
em circulação na sociedade, todavia não se permitindo determinar a
especificidade de cada uma delas e nem a hierarquia.
Afirma Perelman, que o direito aparece inserido em um “auditório
universal”, que seria composto pelas organizações, associações, a imprensa
e o governo. Essas instituições teriam poder sobre a justiça influenciando
no bom sentido, prenúncio de uma democratização do Judiciário. No
entanto, nas sociedades de controle dificilmente as organizações poderão
se organizar de forma a exercerem qualquer poder autônomo.
Ocorre que não se investiu na sistematização rigorosa do acesso
democrático à justiça, pois serviu, principalmente desde a década de 1970,
como ferramenta invisível de “adestramento social”, como estratégia
78. LEBRUN, Gerard. O que é o poder. Brasiliense. 1981, p. 15.
46 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

disciplinar dos indivíduos, como álibi legitimador do contraditório


exercício do poder79.
Neste sentido, o cidadão é transformado em objeto de poder e o
juiz em algo de uma violência estrutural, veiculada pela extorsão de seu
consentimento em cooperar com um projeto; o juiz age acreditando ser
peça fundamental na construção de uma sociedade mais igualitária.80
O indivíduo é elemento correlatado de um poder e de um saber.
É ele sem dúvida um átomo fictício de uma representação ideológica da
sociedade, mas também uma “realidade fabricada por essa tecnologia
específica de poder que se chama a “disciplina”.81
Para Foucault, contudo, o poder não é algo a ser combatido, não
é um mal. Questiona-se, em uma visão mais pragmática, o que é poder e
quais são seus reflexos na sociedade, inclusive no ordenamento jurídico e
na sentença judicial, tema este que iremos enfrentar durante a pesquisa.
Afinal, conforme afirma Lebrun, nenhuma organização política, pelo
menos moderna, poderia funcionar sem haver dominação, sendo o único
problema político saber qual é o melhor modo de determinar e adequar a
dominação em função dos valores e suas escalas escolhidas.
O poder foi necessário em determinado momento histórico para
efetivar a governabilidade, e o direito esteve ligado ao poder diante da
sua clara relação de complementaridade. O modelo por determinado
tempo deu certo, pois o direito e o poder possuem juntos a forma de
controlar uma sociedade; o Estado verificar isso e se apropria desse
discurso de legitimidade, porém procuramos demonstrar que no mundo
contemporâneo esse discurso não funciona mais assim de forma tão
simplória.
Destacamos que o caráter do poder é ser difuso, sofre então o direito
influência daqueles que em determinando momento tem um alto grau na
hierarquia do poder e, assim, conduzem determinadas mudanças para seus
interesses. Essa é uma característica moderna do direito e, portanto, há a
impossibilidade de um sistema estritamente positivista.
Deste modo também (característica difusa do direito e do poder),
sofreu o direito influência da economia e de outros institutos, inclusive

79. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 8
80. Ibidem, p. 147.
81. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 185.
Direito e poder. A relação de complementaridade do direito e do poder 47

sendo possível verificar essas afirmações por meio das crises mundiais,
conforme adiante iremos analisar no capítulo 2 e 3.
CAPÍTULO II

DIREITO E ECONOMIA. Relação


de complementaridade e
ligação da economia com o
poder
O Direito tem, certamente, clara ligação com a economia1, pois
ambos lidam com problemas de coordenação, estabilidade e eficiência na
sociedade. Para Araújo2, a economia é uma ciência social que tem como
campo a sociedade e tem como objeto o estudo dos fenômenos relativos à
produção, distribuição e consumo de bens materiais. Sobre o conceito de
economia, Nali de Jesus de Souza3 salienta que é o emprego de recursos
escassos4 entre diferentes usos possíveis, com o fim de obter os melhores
resultados na produção de bem, ou na prestação de serviço.
Procuraremos neste tópico apresentar a relação do direito com a
economia e, principalmente, seus reflexos no momento do julgamento,
sendo que este quadro ficará mais claro no capítulo 5. Demonstraremos
que há uma clara relação do direito com o poder, também do direito com
as crises mundiais, e agora iremos demonstrar essa relação do direito com
a economia.

1. Sobre o tema: De fato, pode-se dizer que a economia teve duas origens muito diferentes,
ambas relacionadas à política, porém relacionadas de modos bem diversos, respectivamente
concernentes à “ética”, de um lado, e ao que poderíamos denominar “engenharia” de outro.
SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. (...), 1999, p. 19.
Sobre o tema: Para Foucault, o papel da economia terá no exercício político o papel essencial
do governo. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2014a, p. 413.
2. ARAÙJO, Eugênico Rosa de. Economia & Justiça. Ativismo judicial na política monetária.
Niterói, RJ. Ímpetus, 2012, p. 18.
3. SOUZA, Nali de Jesus de. Economia básica. 1. ed. 8 reimpr. São Paulo: Atlas, 2014, p. 2.
4. Sobre o tema: A noção de escassez traz uma série de implicações para o estudioso, o
profissional, e o pesquisador em Direito. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em
direito e economia? Cadernos direito GV. Estudo 22, v. 5, março 2008, p. 16.
50 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Conforme já disposto em tópicos anteriores, a relação do direito


não é apenas com a economia diante da característica do poder ser
difuso, porém como há grande influência da economia em questões do
ordenamento jurídico, achamos importante optar por escrever um capítulo
dedicado ao tema.
De acordo com Robert Cooter e Thomas Ulen, citado por Sgarbossa,
a economia teria mudado a natureza da ciência jurídica, a compreensão
acerca de normas e instituições jurídicas e até a prática do Direito5. Sobre o
tema, o pensando marxista afirma que enquanto infraestrutura e economia
determinarem os nichos de superestrutura, o direito será mero reflexo da
movimentação econômica.
Os fatores produtivos são escassos e as necessidades humanas
ilimitadas, neste sentido os agentes econômicos precisam decidir como
aplicar preferencialmente os recursos disponíveis. Eis a clara ligação com
o direito conforme iremos fundamentar no decorrer dos estudos.
Armando Castelar Pinheiro, após ampla pesquisa de campo sobre
o tema em questão, relata que a forma de aplicação da lei pode ter
consequências para a economia. Eros Grau6 salienta que para adequar o
mercado, o sistema jurídico é adequado a novas formas de organização
empresarial, de concorrências e de financiamento – intuições bancárias,
empresariais e manipulação do sistema fiscal.
Para a Escola de Chicago7, a principal função do direito seria
promover previsibilidade, possibilitando aos indivíduos planejar seus
negócios e atividades. Complementa ainda que o magistrado teria por
missão identificar a norma jurídica mais eficiente do ponto de vista
econômico.

5. SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à redução da justiça à eficiência: da justiça plutocrática


à justiça focada em realizações. 2013, p. 209.
Sobre o tema: “Para o desenvolvimento do capitalismo era imprescindível um direito racional
e previsível”; “Não há dúvida de que, para Weber, há uma íntima relação entre racionalidade
do direito e capitalismo”. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 26/27.
6. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014.
7. SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à redução da justiça à eficiência: da justiça plutocrática
à justiça focada em realizações. 2013, p. 221.
Sobre o tema: “A Escola de Chicago constitui a mais célebre orientação teórica do Law
& Economics Movement, nascendo na década de 1960 na Universidade homônima, fruto
principalmente dos trabalhos de Gary Becker e de Ronald Coase.” SGARBOSSA, Luís
Fernando. Crítica à redução da justiça à eficiência: da justiça plutocrática à justiça focada em
realizações. 2013, p. 219.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 51
poder

Para Almeida8, quando o Estado deixou de ser um agente econômico


passivo e passou a participar ativamente da economia por meio da política
econômica, foi necessário criar o tratamento jurídico desta política:
direito econômico. Fato é que as relações econômicas entre os indivíduos,
empresas, instituições e órgãos governamentais ocorrem condicionadas
a um conjunto de normas jurídicas, estabelecidas em um contexto social.
José Eduardo Faria9, citando doutrina de Keynes, afirma que uma
economia capitalista tipo laissez faire, baseada no livre mercado, fica
permanentemente sujeita a flutuações violentas e abruptas (ver capítulo
3). O único meio eficiente é o Estado agir como coordenador e promotor
de uma vontade representativa do corpo social.
Na medida que interferimos nas leis naturais da macroeconomia,
criamos comportamentos que deverão atender ao todo social, estes que
deverão ser legalizados por meio do Direito. Em resumo, a vida pode ser
modificada de como ela é para como ela deve ser10.
Essa afirmação é de suma importância, pois assegurar que a vida pode
ser modificada de como ela é para como ela deve ser, implica um Estado
intervencionista, produtor de leis com instrumentalidade a priori, pensando
em produzir normas com propósitos sociais, econômicos e abertos aos
detentores de poder (normalmente também detentores de capital), e se
não for solução segura, ainda há possibilidade de racionalidade11 a posteriori
com as interpretações judiciais.
A economia é, pois, fator importante para o ordenamento jurídico.
Neste sentido, Azevedo12 aponta que o direito é indispensável na
organização de uma sociedade13, reclamando a sociedade um afeiçoamento
8. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: (...), 2012, p. 105.
9. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011.
10. FARIA, Gustavo de Castro. Jurisprudencialização do direito: reflexões no contexto da
processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
11. Sobre o tema: Realmente, os critérios de racionalidade da interpretação se prestam mais a
legitimar as decisões do que lhes outorgar autoridade ou força obrigatória. MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes : recompreensão do sistema processual da
corte suprema. 2. ed. São Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2014, p. 154.
“As diretivas interpretativas não constituem regras lógicas, mas critérios que são eleitos e
preenchidos mediante valorações e opções do intérprete, a conduzirem a um resultado-
interpretação que expressa a sua vontade.” Ibidem, p. 156.
12. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Limites e justificação do poder do Estado. 2. ed. rev.
atual e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014.
13. Sobre o tema: “Esse conflito direito/esquerda mostra, em primeiro lugar, que as discordâncias
quanto à forma concreta e à adequação de uma ação pública de redistribuição não se devem
necessariamente a princípios antagônicos de justiça social, mas sobretudo a análises antagônicas
dos mecanismos econômicos e sociais que produzem a desigualdade. Com efeito, há certo
52 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

das normas jurídicas aos fatos específicos de cada uma delas. As normas que
estão aptas para regularem uma sociedade economicamente desenvolvida,
normalmente serão inaptas para regular outra sociedade subdesenvolvida
ou em vias de desenvolvimento.
Ocorre que quanto maior o poder decisório dos economistas, menor
a certeza jurídica. Já relatamos aqui diversos acontecimentos históricos,
evolução e temas afins e sobre isso Lebrun assegura que tem sido
essencialmente econômica a motivação dessas transformações políticas e
que a isso poucos historiadores negam.
Uma visão reducionista sugere que o Direito possa ser reduzido à
Economia. Uma segunda visão, denominada explicação, alega que a ideia
de sistema jurídico poderia ser compreendida como sendo a resultante das
decisões de maximização de preferências das pessoas em um ambiente
de escassez. A terceira visão, denominada predição, fundamenta que a
Economia pode ser aproveitada para prever as consequências das diversas
regras jurídicas.14
Questiona Salama até que ponto o Direito deve integrar cálculos de
custos e benefícios. Para ele, fundamentando em doutrina de Richard Posner,
em uma visão fundacional, o Direito deve ter a função de maximização da
riqueza, porém essa ideia foi abandonada pelo doutrinador. Outra visão
é o pragmatismo jurídico, na qual a eficiência possa ser útil ao Direito.
O Direito seria assim um instrumento para a consecução de fins sociais,
no entanto em dados momentos a recusa ao trabalho escravo, à tortura,
exploração de menores, discriminação racial e temas afins terá que ser feita
em bases outras que não a eficiência (filosofia política e filosofia moral).
A terceira visão seria a regulatória, na qual o Direito e a Economia
serviriam para definir justificativa econômica da ação pública e definir
papéis úteis para os tribunais dentro dos sistemas modernos de formulação
de políticas públicas.

consenso a respeito de diversos princípios básicos de justiça social.” PIKETTY, Thomas. A


economia da desigualdade. Tradução André Telles. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p. 10.
14. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”? 2014 e SALAMA, Bruno
Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos direito GV. Estudo 22, v. 5,
março 2008.
Sobre o tema: “Há anos cheguei à conclusão, nos meus estudos, de que é equivocada a descrição,
extraída à leitura de Marx, do direito como mero reflexo da economia. GRAU, Eros Roberto. O
direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 44.
“A compreensão de que o direito já está no econômico – mas também não está – permite-
nos compreender que nem a economia determina diretamente o direito, nem o direito pode
determinar arbitrariamente a economia; [...].” GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 64.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 53
poder

A questão é para Salama15 como a construção da justiça pode


se beneficiar dessa discussão de prós e contras, custos e benefícios.
Fundamenta ainda que o papel da disciplina Direito e Economia seria
repensar o papel do Poder Judiciário, de modo a encaixar nos sistemas
modernos de formulação de políticas públicas, mas reconhecendo que o
país já possui uma tradição jurídica.16
Em determinadas demandas o Judiciário desenvolve intensa
atividade de interpretação, redundando em decisões com nítidos efeitos
econômicos, a exemplo da concessão de expurgos de correção monetária
em contratos de caderneta de poupança, prestação do Sistema Financeiro
Nacional, saldos da conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e
a mudança de padrão monetário operados por planos econômicos.17
Mesmo em uma visão positivista, Bobbio18 já relatava que, a partir
do momento que o Estado assume uma tarefa também econômica e
se limita a garantir eficácia, além da sanção negativa contra aqueles que
transgridem, é reforçada também uma sanção positiva, chamando as leis
de incentivos, cuja função é protetora-repressiva, com maior frequência
promocional.
Para Menezes19, a vida interpretativa é utilizada como porta de
entrada para essas mudanças sociais, políticas e econômicas, pois é a
comunicação entre o direito e a sociedade – trata o doutrinador o tema ao
apresentar estudo sobre as mutações constitucionais.
A idealização de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução
Francesa se contrapôs à realidade do poder econômico, ou seja, não
houve ideias e atitudes puras de justiça e crescimento, pois conforme já
apontamos, o direito tem forte ligação com o poder e, consequentemente,
com o poder econômico.
Destacamos ainda que no Século XIX o capitalismo era
essencialmente jurídico e nele o direito atua como mediação específica
para suas relações de produção, que essas relações não poderiam se
15. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”? (...) 2014.
16. Sobre o tema: “O instrumento privilegiado de redistribuição pura é a redistribuição fiscal, que,
por meio de tributações e transferências, permite corrigir a desigualdade das rendas produzida
pela desigualdade das dotações inciais e pelas forças de mercado.” PIKETTY, Thomas. A
economia da desigualdade. Tradução André Telles. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p.
112.
17. Sobre o tema ver mais em capítulo 4.
18. BOBBIO, Norberto. Direito e poder. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Editora Unesp,
2008.
19. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014, p. 45.
54 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

reproduzir sem a forma de Direito Positivo (Direito posto pelo Estado) e,


por fim, o Direito posto pelo Estado surge para disciplinar os mercados e,
assim, domesticar os determinismos econômicos20. Foi necessário, assim,
transformar a equidade em um sistema rígido de normas.
Ao longo da história os governos se voltaram para problemáticas
diferentes a cada época da existência do Estado, evoluindo na superação
dos problemas e gerando um Estado cada vez mais complexo.21
Destaca Menezes22 que a economia muda a um ritmo frenético na
tentativa de atingir novos mercados, entretanto o direito possui outra
velocidade, passando por vários outros obstáculos burocráticos do
Legislativo e Executivo. Destaca também que a Economia influencia o
direito no momento de sua criação da norma ou na questão interpretativa
e que o equilíbrio se faz por meio da Política.
No entanto, o mesmo doutrinador afirma que o poder econômico
altera o significado de uma norma constitucional sem um processo formal
de alteração e, com isso, mantém seus interesses por meio de uma decisão
soberana. De acordo com nosso entendimento, é este um exemplo de
racionalidade a posteriori, tendo como marco o ajuizamento da ação, pois
a partir deste instante pode o julgador alterar o significado da norma, por
interesses ligados ao poder e também à economia, tema este a ser tratado
no capítulo 5 e 6.
Há, porém, escassez de recursos, pois seria impossível satisfazer
todas as necessidades, sendo vital deste modo a utilização de critérios
de macrojustiça, porém não estaria o Judiciário vocacionado para isto.
Decisões podem causar graves consequências à ordem, às finanças, à
economia, ou à saúde pública.
O Supremo tem imposto cada vez mais ao Estado a realização de
condutas positivas, como deveres de proteção aos direitos fundamentais,
políticas públicas e prestação de serviços públicos, assim como direitos
sociais e econômicos.
Apura-se facilmente que o Legislativo não pode retirar recursos sem
respeitar determinados princípios e normas legais, como o da reserva legal,

20. Sobre o tema: “Por certo que as relações de produção capitalista não poderiam existir, nem
reproduzir-se, sem a forma do direito, a instituir as condições que conferem fluência à
circulação mercantil”. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed.
revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 22.
21. SILVA, Ailton José da. A ideia de poder em Foucault: o Estado e a arte de governar. Revista
eletrônica UFSJ, Μετάνοια, São João Del-Rei/MG, n.12, p.19- 37 / 2010, p. 21.
22. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 55
poder

da anterioridade e da irretroatividade, porém o Judiciário neste cenário


ganha mais poderes, não estando adstrito a esses dispositivos.
Pelo exposto não é de difícil constatação que o direito tem clara
ligação com a economia, assim com a economia com o direito. Tratar
o direito, ou estudá-lo, com visão também econômica é de fundamental
importância.
Apuramos também que a forma de aplicação da lei traz consequências
para a economia, sendo o ponto principal a ser estudando é até que ponto
se deve utilizar aspectos econômicos no direito. O Estado age, pois não
comporta mais no atual estágio mundial um laissez faire, porém quanto
maior o poder da economia, maior a incerteza jurídica.
Destacaremos a importância de estudar as crises mundiais (capítulo
3), pois com ela concluímos que após a Segunda Guerra mundial a tarefa
interpretativa ganha grande impulso no ordenamento jurídico. Tem
a interpretação também ligação com a economia, na medida que ela (a
interpretação) é porta de entrada para mudanças sociais e, se as mudanças
estão ligadas também à economia, poderá o juiz usufruir desse poder
interpretativo para aplicar critério de maximização?
Nessa medida o judiciário terá mais poderes que o legislativo, tendo
em vista que não precisa a princípio ter atenção ao fluxo de caixa do
governo, a responsabilidade fiscal e aos critérios tributários. Concluímos,
até este ponto, que o direto tem ligação com o poder, e tem também tem
clara ligação com a economia; o juiz nesse cenário poderá ser o grande
protagonista da modernidade (se de fato já não é) com aplicabilidade de
racionalidade a posteriori em determinados casos, tema este do capítulo 5
e 6.
Seguimos com o atual cenário jurídico econômico.

2.1 ATUAL CENÁRIO JURÍDICO/ECONÔMICO

As novas formas jurídicas estão associadas às transformações


convencionalmente denominadas pela globalização e pelo modelo
neoliberal de relações entre Estado e economia23. Para Foucault24, o
homem moderno surge justamente das pequenas coisas, todo um corpo

23. KOERNER, Andrei. O Legado de Foucault. Direito, regulação e governamentabilidade. São


Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 223.
24. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 41,
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
56 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

de processos e de saber, de descrições, de receitas e dados no decorrer da


história.
Conforme já comentado, no século XVIII as multidões se
transformam em multiplicidades organizadas, há uma regularização e
circulação das mercadorias e da moeda e, assim, um quadro econômico
pode valer como princípio de enriquecimento. Cria-se uma técnica de
poder e um processo de saber, trata-se de um modo de impor uma ordem.25
Rompia-se com o sistema clássico criado pela divisão de poderes
de Montesquieu, com a neutralidade do juiz guiada pela superioridade da
lei. Naquela época o sentido de aplicação do direito era a neutralidade do
poder Judiciário.
As desigualdades já eram vistas com o surgimento do capitalismo
mercantilista, com a burguesia e influências no poder político produzindo
profundas mudanças no Estado. Essas modificações produziram novas
relações econômicas, sociais, políticas, resultando em injustiças sociais,
fazendo surgir o Estado Social com um novo paradigma26. Deste modo,
leis são criadas para estabelecer condições de intervenção do Estado na
vida econômica e social para um desenvolvimento nacional27. A harmonia
não é mais feita por uma espécie de mão invisível conforme afirmou Adam
Smith com a obra de 1776 “A riqueza das nações”.
A mão invisível do mercado foi sendo substituída pela mão muito
visível das grandes empresas, dos cartéis internacionais, dos conglomerados
transnacionais, das grandes empresas públicas, enfim, de qual detenha o
poder no momento adequado.
O juiz, na perspectiva liberal, comportava-se como um estranho
em relação ao objeto litigioso, como um expectador passivo, sem
quaisquer ingerências interpretativas. Ocorre que, com o acirramento
das desigualdades sociais e econômicas no final do século XIX, há uma
desconfiança geral na justiça do Estado de direito do tipo liberal.28
Não comporta mais o mundo um positivismo onde há uma
obediência ao que determina as normas jurídicas apenas por serem
emanadas de um poder soberano.

25. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 143.
26. PAULA, Lucas Franco de. Análise jurídica do papel de intervenção do estado contemporâneo
na regulação e supervisão da atividade bancária transnacional a partir das regras do II acordo
de Basiléia. 2013.
27. Ao nosso ver, instrumentalidade a priori.
28. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 24.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 57
poder

Antes havia um soberano, punições por meios de suplícios em


ambientes públicos para dar publicidade à punição, todavia com mudanças
no decorrer do tempo fora preciso que a justiça criminal puna em vez de
se vingar. De acordo com esse processo circular, aumenta a preocupação
com crimes econômicos, com punições mais rígidas; com essas mudanças
vemos uma notável coincidência estratégia29.
Conforme já comentado, após a Revolução Francesa percebe-
se um Estado com poder exercido de forma institucional e com regras
impessoais, surgindo, assim, o princípio da legalidade. O Estado social
significa um Estado que assume encargos para uma sociedade, intervindo
na área econômica com o propósito de equilibrar as forças sociais30, tema
este a ser tratado quando discorreremos sobre as crises no capítulo 3.
Nesse cenário, surgem as normas constitucionais de princípio
programático, que são aquelas que possuem conteúdos sociais e buscam a
interferência do Estado na ordem econômica-social.
Para François Ewald, citado por Macedo Junior31, o Direito Social
abandona o conceito de soberania, que estaria ligado à concepção
tradicional estrita e estreita, identificada ao poder coercitivo, fonte de toda
norma poder e sanção. O Direito Social dá maior responsabilidade para
o Estado e demonstra uma desaparição constante e progressiva da noção
de soberania.
A questão social que eclodiu com a Revolução Industrial (século
XIX) surpreendeu a burguesia, pois a política de polícia se revelou incapaz
de regular o desenvolvimento autônomo da sociedade. Nascia o Estado
interventivo, cada vez mais envolvido em programas de seguro social;
verifica-se, inclusive, que o Welfare State nasceu das tentativas de contenção
do socialismo como renovação do próprio capitalismo, pela dependência
do trabalhador em relação ao Estado.
O Welfare State foi, inclusive, evidenciado pela intervenção do
Estado em diversos setores da vida, com o propósito de evitar o retorno
do desemprego fruto da Grande Depressão.
Sobre o tema, Amartya Sen ao descrever que a economia teve duas
origens muito diferentes, ambas relacionadas à política, uma concernente
29. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 76.
30. Sobre o tema: “O Estado contemporâneo atua, enquanto tal, intervindo na ordem social”.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011, p. 27.
31. MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Foucault: O poder e o direito. Tempo Social. Ver. Social.
USP, São Paulo. Volume 1, p. 151-175. 1 sem. 1990, p. 159.
58 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

à ética e outra que poderíamos denominar engenharia, assegura que a


segunda se caracteriza por se ocupar de questões primordialmente logísticas
em vez de fins supremos e de questões como o que pode promover o bem
para o homem ou como devemos viver.32
Tercio Sampaio Ferraz Jr.33 aponta também que o crescimento do
Estado Social ou estado de bem-estar reverteu alguns dos postulados
básicos do estado de direito, dentre eles a separação entre sociedade
e Estado. Com isso, os poderes Executivo e Legislativo sofreram uma
enorme expansão pela cobrança de uma cidadania social e não apenas um
contorno jurídico formal.
Nesse cenário o princípio de justiça tem ligação com a intervenção
por parte do Estado, há então um novo Estado Social.
Mauro Cappelletti já em 196934 sustentava ainda que poucos
duvidarão do fato de que o problema ideológico de nosso tempo seja o
social ou o econômico social, em seus vários aspectos e manifestações
ideológicas.
Surge com esse cenário a publicização do Direito e o crescimento
das funções do Estado, colocando o planejamento e as políticas públicas
como um novo sentido operacional e instrumental conferido às normas
jurídicas. A medida que as tarefas do Estado aumentaram, intensificaram
as investigações no campo do processo, este que passa a ser visto como
um instrumento de transformação social35.
O processo, mas não apenas o processo, pois o direito material
também, passa ser uma estratégia do poder para fins econômicos e outros
afins.
Para Eros Grau36, o direito passa a não prestar somente a
harmonização de conflitos e à legitimação do poder, para passar a
funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas (no
que, de resto, opera-se o reforço da função de legitimação do poder). Há,

32. Ainda sobre o tema: “É correto afirmar que um contato mais próximo entre ética e economia
pode ser benéfico não apenas para a economia mas até mesmo para a ética”. SEN, Amartya
Kumar. Sobre ética e economia. (...), 1999, p. 94.
33. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio
em decadência? Revista USP, n.º 21, ano 1994.
34. CAPPELLETTI, Mauro. A ideologia no processo civil. Revista de Jurisprudência do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ano IV, n.º 13, 1969, p. 6.
35. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 28.
36. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014, p. 15.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 59
poder

conforme disposto Habermas37 a colonização do mundo da vida pelo


direito, informação importante para o objeto do estudo aqui proposto.
De alguma forma o indivíduo precisa ser julgado e condenado nos
moldes da legalidade. Entre os aspectos necessários para este propósito,
destacam-se: dar legitimidade a uma ética de denúncia que substitua os
preceitos confessionais ascéticos; legitimar a soberania estatal e do Direito;
estabelecer certa ordem38 como necessária ao dinamismo econômico das
sociedades industriais e de mercado – a governamentabilidade39 exige
logística dos indivíduos.
Contudo, nosso pano de fundo é o poder, tendo ele grande
importância, pois apontaremos em diversos momentos um direito
instrumental para determinados fins, ou seja, estratégia, planejado para ser
e ter efeito, porém estratégia em ligação com poder.
Rocha40 acrescenta que a sociedade de controle aprimorou os
mecanismos disciplinares e de controle para possibilitar o rastreamento
mais efetivo e eficiente necessários a uma economia de adequação global,
exigências do desenvolvimento e expansão da produção, distribuição e
consumo em níveis planetários.
Verificamos que para esse aprimoramento o direito será a base de
sustentação, ou seja, precisamos instrumentalizá-lo. Teremos, deste modo,
uma razão instrumental para a legitimidade dos fins pretendidos.
Não lidamos atualmente somente com processos bipolares (autor
e réu), mas com processos multifacetados (consumidor, saúde, minorias,
meio ambiente e afins), com vários atores sociais, com necessidade de
ampliar o enfoque de análise. A abordagem não é centrada somente no
juiz e sim na interlocução ativa de todos os envolvidos. Deste modo,
afirmamos que as relações não são mais binárias e sim multipolares.

37. HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 2. Sobre a crítica da razão funcionalista.
(...), 2012a.
38. A questão da ordem em Foucault se prende ao conceito de juridicidade. Não tanto ao
fato óbvio de que, quando se fala em ordem no mundo moderno, sabemos que ela vem
acompanhada de um estatuto jurídico, de um ordenamento legal, de leis de comportamento e
leis de procedimento judiciário. [...]. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o
Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 146.
39. Governamentabilidade: (...) Nesse sentido, a “governamentabilidade” é a condição estratégica
para perpetuar o poder em jogos de verdade autoritários. ROCHA, José Manuel de Sacadura.
Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 136.
40. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 57.
60 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

O processo é então, neste cenário ilustrado, utilizado para


implementação de direitos e também estruturação de decisões com
impactos nas políticas públicas.
O acesso à justiça ganha colorações políticas, com o uso inovador
do litígio como instrumento de transformação social, optando-se por
discutir qual o papel político do Judiciário e destacando que a depender da
postura assumida por esse Poder, não serão sanados, mas sim agravados
os problemas de crise de identidade41.
Rompe-se com o formalismo, criando a fórmula do processo como
instituição estatal de bem-estar social, ou seja, o escopo do processo vai
além de sua finalidade jurídica. O juiz é deste modo transformado em
um administrador e obrigado a decidir conforme determinadas finalidades
sociais, políticas e econômicas.
Há, pois, uma crise do direito, necessária nessa ordem para garantir
a estabilidade e a segurança jurídica, entretanto parte do problema está
justamente na dicotomia entre necessidade de controle (objetivação) e
necessidade de diferenciação (subjetivação). Discute-se equidade e não
justiça, os dispositivos jurídicos já há muito se adequaram para o mundo
da objetivação em transe42.
Em rápida digressão, questiona-se como lidar com esse poder, essas
estratégias em jogo na sociedade. Foucault43 em conversa com um aluno
afirmou concordar que toda teoria do poder deve estar ligada aos seus
fundamentos ideológicos, que não há como identificar as estruturas ou as
funções do poder, sem levar em conta as conotações ideológicas.
Continua ainda o doutrinador afirmando que esse é um problema
moderno, pois com o declínio do sistema feudal e o início dos grandes
Estados, questiona-se a maneira de como se quer ser espiritualmente
dirigido nesta terra em direção à salvação. Insere-se então o problema de
como ser governado e até que ponto, com que fins e por quais métodos –
este é um problema do governo em geral.
Destaca-se que esses questionamentos se tornam relevantes a partir
do momento que entendemos que o método nada vale no campo da

41. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 4.
42. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foucault e o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 95.
43. FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos, volume IV: estratégia, poder-saber. 3 ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2012, p. 252.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 61
poder

tecnologia jurídica, na medida em que não se opera com a verdade, mas


com adequação de meios e fins dados.44
O perigo é, nesse contexto, o direito passar a ser uma função longa
manus da intervenção político-social, como mero álibi de legitimidade;
desaparece o Estado-de-Direito transformando num Estado de mera
administração, tendo uma real desnaturalização instrumental da justiça. O
Estado intervencionista interessado numa Jurisdição mais comprometida
com os desígnios nacionais, a jurisprudência dos interesses é capaz de
colocar o direito positivo dentro dos parâmetros socialmente adequados45.
Teríamos, neste caso de jurisprudência dos interesses, conforme
apontamos desde o início do livro, uma racionalidade a posteriori, que ao
nosso ver se adapta aos interesses do Estado, estes ligados ao campo
político, econômico e de temas afins.
Destacamos que não somente interesses do Estado, pois o poder é
difuso e outros interessados podem adquirir condições de influência e não
somente influência econômicas, pois o poder penetra em diversas formas;
o tema será tratado de forma mais pragmática no capítulo 5.
Relacionado ao poder, Coelho, com segurança, assegura que os
tecnólogos do direito criam elaborações teóricas que ocultam o afastamento
do princípio da legalidade, quando isto é necessário ao exercício do poder.
Em outras palavras, contribuem para a dissimulação das relações de poder
sob a forma do direito.
O Estado se vale desse interesse de ser o responsável pelo bem-
estar social e usurpa o sistema processual pelos escopos da jurisdição,
valendo-se da instrumentalidade do processo e seu viés social e político.
Para Habermas46, o direito, o acesso à justiça, e toda sua interpretação é
feita em resposta de uma determinada situação social.
Aplicar judicialmente leis com propósitos sociais passa a ser estratégia
para realização política de determinados objetivos e determinados valores.
Há uma inversão no raciocínio jurídico, pois não é tão somente aplicar
regra geral a abstrata, pois as leis sociais atuam como instrumento de
consecução de equilíbrios e de mudanças sociais, com isso a racionalidade
jurídica teria um problema de ser definida não a priori, mas tão-só a posteriori.

44. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 113.
45. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 34.
46. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. (...), 2011.
62 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Sobre o tema, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy cita o movimento


direito e economia, da qual a base de decisão do juiz deve ser a relação
custo e benefício. O movimento surgiu pelo descontentamento do direito
para com um fundamentalismo jurídico, tendo um dos precursores
Richard Posner. O direito decorreria da prática social e não de ideias
(herança do direito natural). Afirma ainda Godoy que para Posner a lei é
funcional não simbólica, ou seja, tem sua finalidade, além disso o homem
é maximizador racional em relação a seus fins em vida (valor, utilidade e
eficiência norteiam escolhas).
Outro cenário apontado por Paula47 é a produção jurídica
descentralizada, criando brechas e que o estado não é capaz de acompanhar,
regular, supervisionar e impor verticalmente o direito produzido em seu
âmbito. O resultado é uma produção jurídica de caráter horizontal ou
invés da tradicional verticalidade.
Sobre o tema e, inclusive, acerca do neoconstitucionalismo, Eduardo
Cambi48 aponta que o direito na pós-modernidade não é caracterizado por
uma estrutura piramidal construída a partir de códigos, mas se traduz com
infinitas informações e dificilmente matizadas.
Essa produção descentralizada, que veremos no capítulo 4.3,
contrasta, conforme afirma Faria49, na impossibilidade de o Estado
promover justiça social e estimular uma ética da solidariedade quando
temos, por exemplo, empresas instaladas em cidades e que podem obter
vantagens comparativas em termos de níveis salariais, encargos sociais e
carga tributária. Essas transformações acabaram ficando fora do alcance
dos órgãos jurídicos tradicionais (Poder Legislativo, Judiciário e Ministério
Público).
O atual cenário faz que questionemos a pirâmide de hierarquia
normativa e a organização estatal tradicional e, inclusive, a própria
organização do poder. Com esse quadro, questionamos a legitimidade do
Estado, a legitimidade do poder econômico e principalmente o poder pelo
poder.

47. PAULA, Lucas Franco de. Análise jurídica do papel de intervenção do estado contemporâneo
na regulação e supervisão da atividade bancária transnacional a partir das regras do II acordo
de Basiléia. 2013, p. 53.
48. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 60.
49. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 38.
Direito e economia. Relação de complementaridade e ligação da economia com o 63
poder

Neste sentido, Faria questiona: “Em termos de arcabouço funcional


do sistema jurídico, o cenário mais exequível, depois da crise financeira, é do
mais do mesmo – ou seja, de continuidade mundial de uma ordem jurídica
que não provém mais exclusivamente da verticalidade de autoridades
nacionais ou mesmo de uma autoridade mundial, mas do efeito irradiador
de diferentes decisões tomadas em distintos níveis e espaços, em diferentes
sistemas e subsistemas funcionalmente diferentes”50.
Indagamos, inclusive, na hipótese de uma república mundial,
como pensar em um sistema democrático capaz de racionalizar o poder
político, centralizar decisões globais e enquadrar as grandes corporações
econômicas internacionais e os órgãos supranacionais que têm influência
determinante?51. Certamente essa justiça global teria sérias dificuldades de
adequar as várias formas de poder.
Importa agora prosseguir com um breve tópico acerca da ordem
econômica da atual constituição.

2.2 A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Discorremos até o presente momento sobre o contexto histórico,


sobre as crises mundiais que fizeram significativas alterações no modo
de administração e governabilidade. Fato é que atualmente temos uma
Constituição vigente e com ela uma ordem econômica positivada.
Iremos, de forma bem breve, expor este assunto, pois nosso foco
não é a relação de poder positivado, a legislação propriamente dita, mas
sim seus reflexos na sentença, na entrega final da jurisdição. A ordem atual
é descrita no caput do artigo 170 Constituição Federal, assim constando: “A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania
nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto

50. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 77.
51. Ibidem, p. 61.
Sobre o tema: “Caminhamos praticamente no escuro. Também as transformações
socioeconômicas da civilização ocidental, com reflexos nas instituições políticas de cada nação,
não foram ainda delineadas e definidas em seus contornos de modo satisfatório e suficiente
para fornecer ao estudioso as linhas e os rumos de uma evolução desejável.” DINAMARCO,
Cândido Rangel. Nova era do processo civil. Malheiros Editores. 4ª ed. revista, atualizada e
aumentada. 2013, p. 11.
64 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e


prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII -
busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País. Parágrafo único - É assegurado a todos o
livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Seguindo o dispositivo legal, temos como ordem econômica: a
valorização do trabalho humano, a livre iniciativa, a existência digna, a
justiça social, entre outros princípios.
Para Eros Grau52, a Ordem Econômica na Constituição de 1988 é
pelo sistema capitalista53, modelo aberto, com pontos de proteção contra
modificações externas, descrita pelo doutrinador como modelo de bem-
estar. Por fim, destaca ele que esta ordem poderá ser adequada às mudanças
da realidade social, prestando-se, ademais, “a instrumenta-las”.
Faria54 aponta que há uma estrutura assimétrico-jurídica
constitucional, decorrente de normas indeterminadas na Constituição de
1988. Para ele, há uma grande quantidade de normas com “textura aberta”.
Esse de fato é uma pedra de toque da constituição, pois a norma,
conforme apurado acima, é de claro caráter aberto, possibilitando
ao julgador a interpretação pelos valores lá expostos. Deste modo e
principalmente após a Constituição de 1988, o julgador passou a de fato
ser protagonista nesse cenário, tema este que iremos discorrer no capítulo
4.
Adiante seguimos com o estudo das crises mundiais e seus reflexos
no atual ordenamento jurídico. Apontamos até o presente momento que
há uma clara ligação entre direito e poder, além da ligação com direito
e economia, restando agora necessário traçar um paralelo histórico para
ver na prática como isso se portou no decorrer da evolução até o mundo
contemporâneo. Seguimos, portanto, com os estudos.

52. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014, p. 345.
53. Sobre o tema: “Evidentemente, é preciso admitir desde já que direitos morais ou liberdade
não são, de fato, conceitos aos quais a moderna economia dá muita atenção. Na verdade, na
análise econômica os direitos são vistos tipicamente como entidades puramente legais com uso
instrumental, sem nenhum valor intrínseco. SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia.
(...), 1999, p. 87.
54. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 154.
CAPÍTULO III

CRISES MUNDIAIS. A
conexão de acontecimentos
históricos com a evolução
do direito
Discorremos até o momento sobre a evolução do direito, sobre
diversos momentos históricos, passagem de um estado cuja ordem era
justificada pelo poder divino, depois, fruto de uma Revolução, ocorreu
a centralização do poder normativo em uma visão positivista (ligado à
lei). Verificamos que com descentralização política e jurídica na figura
do monarca, necessário se fez uma centralização normativa por meio do
Estado produtor de normas.
Entretanto, conforme aponta Azevedo1, após duas guerras mundiais
e vários conflitos geograficamente situados, será essa uma concepção
dogmática sustentável? É possível defender uma ciência jurídica indiferente
ao quadro social a que se destina o seu trabalho?
Lembra Bruno Meyerhof Salama2 que a história importa, pois cria
contextos culturais, sociais, políticos, ou seja, há uma “dependência da
trajetória”, a evolução do direito pressupõe uma análise evolucionista e
centrada na diversidade e complexidade dos processos de mudanças e
ajustes.
A disputa por mercados econômicos bem como o exercício abusivo
das liberdades e direitos individuais levaram à derrocada do modelo liberal
econômico, sendo seu marco a 1ª e 2ª guerras mundiais.
Chegou-se ao ponto de proibir a interpretação ou o comentário
da lei pelo juiz, minimizando, assim, a função judicial. Progressivamente

1. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev.,
atual. ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 45.
2. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos direito GV.
Estudo 22, v. 5, março 2008, p. 15.
66 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

o mundo foi reconhecendo a necessidade de determinada interpretação


diante da pluralidade da vida, questionando-se apenas qual seria esse limite.
No decorrer da evolução histórica, passamos, portanto por diversas
estratégias de Governo e de Estado; o que será apresentado aqui neste
capítulo são Políticas de Estado e não apenas Políticas do Governo que
exercia na ocasião o poder.
Deste modo, importante dentro deste quadro, apresentar essas
principais crises após o capítulo que abordou “direito e economia”. Ou
seja, verificamos que o positivismo entrou em declínio (motivo adiante
apresentado), há uma maior abertura principiológica e possibilidade
de interpretação, inclusive para os direitos fundamentais e, às vezes,
propósitos econômicos.
Lebrun faz lembrar, inclusive, que a necessidade de segurança foi
evidenciada pelas grandes crises. Os fatores que antecedem esse novo
quadro mundial (mundo contemporâneo) são adiante aduzidos.

3.1 CRISE DE 1929. FIM DO LIBERALISMO CLÁSSICO,


MAIOR PARTICIPAÇÃO DO GOVERNO NA ECONOMIA E
APLICABILIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A crise de 1929 é importante para a mudança do cenário econômico


e, inclusive, para a interpretação judicial no contexto americano. O
presidente Franklin Roosevelt, por exemplo, frente à “Grande Depressão”
dos anos 30, proclamou o seu empenho em fazer respeitar os new human
rights, estes que eram incompatíveis com o liberalismo clássico.
Com a quebra da bolsa de valores e a crise de 1929 temos o fim
do capitalismo selvagem. Para Almeida3, comprova-se que não existia na
prática uma lei natural do ajustamento automático da atividade econômica.
Para Luís Fernando Sgarbossa4, desde o século XIX diversos
autores de variadas orientações criticavam a economia capitalista por
seus perversos resultados sociais. Afirma ainda o doutrinador que as
modificações ocorridas na ordem social e econômica em função de
eventos históricos, tais como as duas grandes guerras e a grande depressão
da década de 30, criaram as condições para que a crítica ao paradigma
subjetivista-marginalista dominante na ciência econômica tivesse grande
repercussão teórica e prática.

3. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: (...), p. 144.
4. SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à redução da justiça à eficiência: da justiça plutocrática
à justiça focada em realizações. 2013, p. 25.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 67

As bases do Estado intervencionista econômico foram lançadas


com o conjunto de ações governamentais implementados nos Estados
Unidos entre 1933 a 1937, com o objetivo de recuperar a economia norte-
americana.
Nesse quadro, alguns economistas neoclássicos passaram a aceitar a
participação do governo na economia, por entenderem que a concorrência
não existe na sua forma pura e que o mercado totalmente livre gera
instabilidade5. Deste modo, com a crise o Estado passa a exercer novas
funções.
Para Sharon Cristine Ferreira de Souza6, há também desde o início
da primeira guerra um gradativo processo de intervenção com o propósito
de atenuar os conflitos de interesses e se adaptar à luz das profundas
mudanças políticas, econômicas e sociais7.
Campos8 salienta ainda que encerrada a batalha do New Deal a
corte recém-formada por Roosevelt atuou sob a doutrina de deferência à
intervenção do governo na economia. Havia na ocasião um compromisso
com a promoção de direitos e liberdades básicas do homem.
Verifica-se essa linha aqui já traçada desde o início, pois o Estado
não adota mais o liberalismo clássico ou um simples positivismo alheio
aos direitos fundamentais, fato, inclusive, que há uma abertura da corte
a partir da grande crise para acolher os new human rights, ou seja, há uma
racionalidade a posteriori para adequar um novo modelo de justiça.
Esse novo modelo de justiça implica também em um novo
ordenamento jurídico, pois se o Estado procura ser mais interventivo,
precisará de respaldo legal para tanto. Desta forma, o direito, que tem
ligação com o poder, apresenta como grande utilidade para dar legitimidade
aos novos interesses do Estado, que de acordo com o nosso entendimento
neste molde se porta como uma instrumentalidade a priori.
Desta maneira, o Estado precisa dos aparelhos legais e de toda
instituição não apenas para aprimorar os institutos da justiça, mas

5. SOUZA, Nali de Jesus de. Economia básica. 1. ed. 8 reimpr. São Paulo: Atlas, 2014, p. 43.
6. SOUZA, Sharon Cristine Ferreira de. Controle jurídico de políticas públicas de incentivo para
empresas socialmente responsáveis. 2009, p. 23.
7. Sobre o tema: De acordo com Boaventura de Souza Santos, há um processo de superação, na
medida em que a modernidade cumpriu algumas de suas promessas e, de resto, cumpriu-as
em excesso. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
modernidade. 7ª ed. Edições Afrontamento. Porto. 1999, p. 76.
8. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 66.
68 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

para impor esse modo modelo de governo (mais interventivo), que


consequentemente poderá trazer mais justiça.
Outro fato de grande importância para essa racionalidade é a crise
do pós-Segunda Guerra Mundial, conforme adiante apresentado.

3.2 PÓS GUERRA. 1945. ABERTURA PRINCIPIOLÓGICA E


JURISPRUDÊNCIAS DOS VALORES

Há uma tendência contemporânea de apostar no protagonismo


judicial como forma de concretizar direitos, fato este decorrente do pós-
guerra a partir do que se convencionou chamar jurisprudência dos valores
na Alemanha.
A tentativa de buscar pensamento evoluído e atraente pode ser
verificada na Alemanha, pós-Segunda Guerra Mundial, uma vez que, após
um acontecimento assim, os estudiosos de um sistema precisam pesar
suas atitudes diante de tais iniquidades, conforme afirma Hart: “Após
uma revolução ou grandes sublevações, os tribunais de um sistema têm
de ponderar sua atitude perante as iniquidades morais cometidas de forma
legal por cidadãos comuns ou autoridades sob um regime anterior. Ainda
que a punição desses indivíduos possa parecer socialmente desejável,
procurá-la através de uma legislação explicitamente retroativa, tornando
criminoso o que era permitido ou mesmo exigido pela lei do antigo regime,
pode ser difícil, um ato mortalmente odioso ou, talvez, impossível”.9
Nesse contexto, são repensadas as implicações morais latentes no
mundo jurídico e, principalmente, em palavras como jus, recht, diritto ou
droit, que estão presentes na teoria do direito.10
Sem deixar de lado o contexto histórico da Alemanha pós-Terceiro
Reich, o qual atualmente ainda exerce grande influência no modo de pensar
dos institutos de direito e da moral, torna-se importante citar o livro de

9. “after revolution or major upheavals, the Courts of a system have to consider their attitude
to the moral iniquities committed in legal form by private citizens or officials under na earlier
regime. Their punishment may be felt socially desirable , and yet, to procure it by frankly
retrospective legislation, making criminal what was permitted or even required by the law of
the earlier regime, may be difficult, itself morally odious, or perhaps not possible”. HART,
Herbert Lionel Adolphus. The Concept of Law. 2. ed. Oxford University Press. 1997, p. 208. Em
portugues: HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. (...), 2009, p. 268.
10. HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. (...), p. 269, do original: “In these
circumstances it may seem natural to expoit the moral implications latent in the vocabulary of
the law and especially in words like ius, recht, dirito, droit wich are laden with the theory of
Natural Law”. HART, Herbert Lionel Adolphus. The Concept of Law. 2. ed. Oxford University
Press. 1997, p. 208.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 69

Hannah Arendt11. Para a doutrinadora, tudo desmoronou quase da noite


parao dia, e foi como se a moralidade fosse apenas um conjunto de
costumes que podem ser trocados por outro conjunto.
Ainda Hannah Arendt12, no livro “Responsabilidade e Julgamento”,
trata sobre o colapso dos padrões morais nas décadas de 1930 e 1940 no
Terceiro Reich, não só na Alemanha de Hitler, como também na Rússia de
Stálin, onde neste momento a geração mais jovem está fazendo perguntas
que possuem uma grande semelhança com as que estão atualmente em
debate na Alemanha.
No mesmo contexto fático e ao fazer uso de explicação de padrões
jurídicos e padrões morais, inclusive do desmoronamento de todos os
padrões jurídicos, Arendt: “Quando nos confrontamos pela primeira vez
com esse horror, ele parecia transcender, não apenas para mim, mas para
muitos outros, todas as categorias morais, pois certamente desmoronava
todos os padrões jurídicos”13.
Foi promulgada na Alemanha em 1949 uma nova Constituição
dotada de amplo sistema de direitos fundamentais e com centralidade
no homem e na dignidade da pessoa humana. Ampliou-se também
significativamente os poderes de decisão para o Tribunal Constitucional.14
Seguindo a linha adotada após a depressão de 1929, o Estado assume
outras funções no setor público. De acordo com Nali de Jesus de Souza,
o Estado se tornou o grande agente do atendimento das necessidades de
toda a população. Surge, então, o intervencionismo estatal caracterizado
pela forte interferência do poder público na sua ordem econômica.
Verifica-se que essa instrumentalidade a priori do novo sistema legal
e a racionalidade a posteriori de decisões com jurisprudências valorativas

11. Sobre o tema: Até que, sem grande alarde, tudo isso desmoronou quase da noite para o dia, e
então foi como se a moralidade de repente se revelasse no significado original da palavra, como
um conjunto de costumes (mores), usos e maneiras que poderia ser trocado por outro conjunto
sem maior dificuldade do que a enfrentada para mudar as maneiras à mesa de um indivíduo ou
um povo. Que estranho e que assustador parecia de repente o fato de que os próprios termos
que usamos para designar essas coisas – moralidade, com sua origem latina, e ética, com sua
origem grega nunca tivessem significado nada além de usos e hábitos. ARENDT, Hannah.
Responsabilidade e julgamento. Edição Jerome Kohn. Revisão técnica Bethânia Assy e André
Duarte. Tradução Rosaura Einchenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 113.
12. ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004,
p. 116.
13. Ibidem, p. 118.
14. Sobre o tema: Para Sanchez, ao logo do século XX, especialmente após o pós guerra as
constituições passaram a ser mais úteis na vida da comunidade. SANCHEZ, Nathália Mariáh
Mazzeo. A Interpretação do Direito na Filosofia jurídica de Ronald Dworkin: uma análise
doutrinária e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2013, p. 11.
70 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

não tem como foco apenas aspectos econômicos, mas sim de também de
“moralidade”. Ou seja, o sistema legal não é motivado apenas por aspectos
econômicos, embora tenha ele grande relevância.
A Segunda Guerra Mundial coloca em xeque inevitavelmente
o positivismo, a não interferência do Estado em direitos fundamentais
e, inclusive, a inércia do julgador15. Há o declínio do positivismo, uma
ascensão da jurisprudência dos valores, dos princípios e dos poderes do
julgador, fato este estampado na nova Constituição da Alemanha aprovada
em 1949.
Outra grave crise, essa mais recente, é a de 2008 nos Estados Unidos,
assunto esse que ganha destaque adiante.

3.3 CRISE MUNDIAL DE 2008. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO


DOMÍNIO ECONÔMICO E FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DO
MERCADO, FIM DA NEUTRALIDADE DO ESTADO

Vivemos certamente uma nova época, com mudanças na estrutura


da sociedade nacional e internacional e no equilíbrio das forças mundiais.
Demonstramos aqui que após a crise da década de 30, temos o fim do
liberalismo clássico e maior preocupação com os new human rights, assim
como com o pós Segunda Guerra, deixando marcas significativas no
ordenamento jurídico mundial com maior abertura para a interpretação
judicial. Verifica-se que estas alterações são significativas, em especial no
modo de julgar e, inclusive, nos poderes conferidos ao julgador.
Seguimos com o tema proposto neste capítulo, demonstrando os
reflexos das crises mundiais no ordenamento jurídico. José Eduardo Faria16
faz lembrar que a crise financeira teve início em junho e agosto de 2007,
tendo seu ápice em setembro de 2008 com a quebra de um dos principais
bancos norte-americanos (Lehman Brothers) e, com isso, a maior crise
desde a depressão de 1920 e o colapso da Bolsa de Nova York em 1929.
Com a crise o mercado perdeu US$ 4 trilhões em quatro dias.
Tudo teve início quando os bancos americanos, ajudados pela falta de
regulamentação no mercado financeiro, investiram mais do que deveriam
[e poderiam] em hipotecas de alto risco, os chamados subprimes. As

15. Sobre o tema: “Mudou a lei e vai mudando a mentalidade dos juristas, alavancada por aquelas
exigências, que talvez hajam principiado no pós-guerra dos meados do século XX e ainda
perduram.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. Malheiros Editores.
4ª ed. revista, atualizada e aumentada. 2013, p. 19.
16. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 71

instituições não tinham dinheiro para cobrir suas dívidas quando o preço
dos imóveis começou a cair, deste modo o mercado financeiro começou a
desmoronar como um castelo de cartas.17
O importante da crise de 2008 é mostrar que a falta de regulamentação
dos mercados é perigosa. Acreditou-se que as famílias não iriam abusar do
crédito fácil e que os bancos não iriam abusar da falta de controle.18
O então presidente George W. Bush fez pronunciamento em 24 de
setembro de 2008 e assim fez constar: “Eu acredito muito na livre iniciativa,
por isso o meu instinto natural é se opor à intervenção do governo. Eu
acredito que as empresas que tomam más decisões devem sair do mercado.
Em circunstâncias normais, eu teria seguido esse curso. Mas estas não são
circunstâncias normais. O mercado não está funcionando corretamente.
Houve uma perda generalizada de confiança, e grandes setores do sistema
financeiro da América estão em risco”.19
O Governo teve que injetar US$ 700 bilhões em uma semana para
socorrer bancos à beira da falência e, com isso, a principal discussão foi a
interferência do Estado na economia.
Percebe-se até então que a Segunda Guerra Mundial traz um novo
cenário com o declínio do positivismo jurídico e aplicação de jurisprudência
dos valores; a crise de 2008, por sua vez, traz essa nova característica
supranacional e reflexos dos aspectos positivos e negativos de intervenção
do Estado no domínio econômico. Certo é que esses modelos refletem
valores políticos, econômicos, sociais, culturais e as estratégias do poder
de uma sociedade.
Nessa nova ótica, além do Judiciário, o Executivo também transmuta
seu papel inicial e passa ser emanador de normas; há uma intervenção na
vida econômica e social, isso ocorre por meio de normas administrativas.
No Welfare State se passa de um “Estado Legislativo” para um “Estado
administrativo”.20
Essa nova concepção legal cria uma crise interna no ordenamento
jurídico, com excesso de leis diante do Estado intervencionista. Conforme
José Eduardo Faria: “Quando um sistema jurídico está inflacionado por “leis
de circunstância” e por “regulamentos de necessidade” surgidos a partir de
conjunturas políticas, sociais e econômicas muito específicas e transitórias,

17. epocanegocios.globo.com. Acesso em: 25 nov. 2014


18. Idem.
19. Idem.
20. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.
Porto Alegre: Fabris, 1993, p. 39.
72 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

a velocidade e a intensidade da produção legislativa invariavelmente levam


o Estado a perder a dimensão exata do valor jurídico das normas que edita
quanto dos atos e comportamentos que disciplina”.21
Faria22 assegura que esse cenário mundial contemporâneo propiciou
uma intervenção contínua e crescente nas relações sociais, a qual implica
o aumento da discricionariedade do Executivo e revela a natureza
“incremental” ou “promocional” do direito positivo à sua disposição.
Para ele23, o Estado tende a perder força normativa na medida em que o
ordenamento não mais acompanha as rápidas mudanças econômicas.
Habermas24 aponta que uma administração que se programa a si
mesma tem que abandonar a neutralidade no trato com normas, prevista
no esquema clássico da divisão de poderes.
Luigi Ferrajoli destaca o perigo para o Estado constitucional de
Direito diante da ausência de limites para o poder econômico: “Ausência de
limites para o poder político e ausência de limites para o poder económico
equivalem de facto a outras tantas formas de absolutismo perigosamente
convergentes que contradizem o paradigma do estado constitucional de
direito, provocando uma regressão à era pré-moderna, à lei do mais forte.
Efectivamente, por um lado, as duas formas de absolutismo apresentam-
se como contestação da legalidade e das regras, desqualificadas como
obstáculos inúteis ao poder de decisão governativo e ao desenvolvimento
produtivo. Por outro lado, absolutismo da maioria e absolutismo do
mercado, conjugando-se com a desqualificação da política, da esfera
pública e do estado social, provocam uma ruptura do pacto constitucional,
fundado na tutela da igualdade e na satisfação dos direitos vitais de todos
e em particular das pessoas mais débeis.”
Há, portanto, um sistema caótico no ordenamento jurídico, neste
sentido: àquele que se predispuser cuidar da sistematização do ordenamento
jurídico é que compete “garimpar” suas constantes, assistemáticas e
persistentes modificações. O ordenamento jurídico nacional nunca foi
tão caótico. Os mecanismos jurídicos entraram em descompasso com as
manifestações reais e presentes nas sociedades.

21. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p.
130.
22. Ibidem, p. 115.
23. FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. Série direito, desenvolvimento e
justiça: direito em debate. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36.
24. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 73

Ainda de acordo com Faria25, essa nova ordem global contemporânea


e o Estado intervencionista implicam importantes mudanças na morfologia,
nos significados e na qualidade das leis, esvaziando progressivamente o
caráter lógico-sistemático do ordenamento jurídico. Há uma ruptura da
organicidade e perda da capacidade de predeterminação das decisões
concretas por meio do direito positivo.
Depois de 1990 o discurso é pelo Estado mínimo (pouca
intervenção), todavia no campo jurídico o Executivo Federal legisla de
maneira descomunal26. O processo civil, nesse norte, serve como estratégia
do poder do governo como reação à judicialização da política.
Destacamos uma crise do sistema capitalista, decorrente da Segunda
Guerra Mundial e posteriormente outra crise no ano de 2008, momentos
que irão moldar significativamente o atual cenário econômico.

3.4 CRISE EUROPEIA. CRISE DO BEM-ESTAR SOCIAL E


NECESSIDADE DE SINTONIA POR PARTE DO JULGADOR

Até então apresentamos crises decorrentes do mundo capitalista,


porém importa também destacar, principalmente por ser tema recente no
mundo, a crise do bem-estar social vivenciada na Europa.
Governos de países europeus vêm cortando pensões, seguro-
desemprego e ensino gratuito, fruto da impossibilidade do Estado arcar
com estes custos. A crise ameaça essa característica de Estado Social
adotado após a Segunda Grande Guerra.
A crise afetou a arrecadação de imposto, o que, por sua vez,
prejudicou o pagamento dessas políticas públicas. Questionado sobre
este novo fato, Anthony Tunney afirmou que a Europa adotou o Estado
de bem-estar social como modelo máximo de sua sociedade para criar
um consenso social que evitasse novos conflitos e depressões como a de
1929.27
Esse estado de bem-estar social teve grande impulsão de fato após a
década de 30 (grande depressão) e tem por mira garantir diversos direitos,

25. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004
26. Sobre o tema: “A principal razão para que a crise de 2008 não tenha culminado em uma
depressão tão grave como a de 1929 é que os governos e os bancos centrais dos países ricos
dessa vez não deixaram o sistema financeiro ruir e aceitaram criar a liquidez necessária para
evitar as cascatas de falências bancárias, que nos anos 1930 conduziram o mundo à beira do
abismo.” PIKETTY, Thomas. O capital do século XXI. Tradução Monica Baumgarten da
Bolle. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 460.
27. folha.uol.com.br. Acesso em: 25 nov. 2014.
74 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

efetivar o direito de cidadania para diversas pessoas e, com isso, precisa de


certa intervenção.
Ocorre que, com a crise, questiona-se o limite desse estado de bem-
estar social e, principalmente, seus custos. Estudo aponta que os gastos
são insustentáveis, de acordo com Escritório de Estatística da União
Europeia (Eurostat) referentes ao ano de 2010, as medidas de proteção
social (como auxílio-desemprego, saúde, aposentadorias, educação)
representaram a maior proporção do gasto público em todos os Estados
membros da região, cuja média foi de 19,9% do Produto Interno Bruto
(PIB). A proteção social variou de 25,4% do PIB na Dinamarca, 24,2%
na França e 23,9% na Finlândia até 11,7% no Chipre e 11,2% na Islândia.
Na área da saúde, os países da UE gastaram 7,5% do PIB; com serviços
públicos gerais, 6,5%; e com educação, 5,5%.28
Apura-se que o ordenamento jurídico deve acompanhar essas
mudanças, ou por meio de uma instrumentalidade a priori, cortando gastos
ou se inevitável, uma racionalidade a posteriori, tema este a ser desenvolvido
mais adiante.

3.5 PERÍODO PÓS CRISE E GUERRA. ANTECEDENTES PARA


TERMOS A FORMA DE ESTADO E DO ORDENAMENTO
JURÍDICO DA ATUALIDADE

José Eduardo Faria29 salienta que os anos 90 representam um período


histórico de intercruzamento entre duas eras econômicas: uma é a do pós-
guerra, com utilização do direito como instrumento do poder, gestão e
direção, outra é a economia globalizada, marcada pela desregulação dos
mercados e, dentre outras, pela privatização de empresas públicas.
Carlos Augusto Silva aponta que o positivismo, capaz de tudo prever
e positivar na lei de maneira ordenada e lógica, configurando um sistema
coerente, com a sociedade no século XX, é posto em xeque.
Diante desse cenário, Faria30 destaca também que com a inflação,
desequilíbrios financeiros, elevação da taxa de desempregos, o confronto
crescente entre política e economia e política social, o “Estado Social”
se revelou incapaz de lidar com esses problemas inéditos gerados pela
ordem economia internacional. Essas adversidades, por sua vez, levaram
as normas de direito econômico, administrativo, trabalhista, previdenciário

28. knowledgeatwharton.com.br (Wharton, University of Pennsylvania). Acesso em: 25 nov. 2014


29. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004.
30. Ibidem, p. 116.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 75

e tributário a serem continuamente reformuladas e reinterpretadas caso a


caso.
Habermas assegura que essa “mudança social do direito” foi
entendida inicialmente como um processo, uma nova compreensão
instrumental do direito, que referida a ideias de justiça do Estado social
vinha se sobrepor ao modelo do direito liberal e, no final, substituí-lo.31
Para Nunes32, há uma quebra da visão positivista, evidenciada
pela visibilidade após a Constituição de 1988, inclusive pela concepção
da Jurisdição como atividade garantista de direitos fundamentais em
espaços contra majoritários que não obtinham voz nas arenas políticas
institucionalizadas.
A partir da Constituição de 1988 o Supremo elevou aumentou
a interação com os outros poderes e não age mais como um simples
coadjuvante, e sim como um participante mais ativo na formulação de
políticas públicas33.
Esse novo cenário impôs uma nova visão para o Estado, fato é
que no início dos anos 90 no Brasil o Estado era responsável por mais
de 60% da atividade econômica, como produtor, gerador de empregos e
consumo.34
Ocorre que o peso do Estado é muito maior hoje. Essa discussão
não cessou em 1970/1980 e não cessará jamais, pois o poder público passo
a desempenhar esse papel central adquirido nas décadas do pós-guerra35.
Conforme já afirmamos, a crise de 2008 impõe novamente novas
necessidades, entre elas o distanciamento de um Estado Mínimo. Afirma

31. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 125.
Sobre o tema: “O problema central reside na instrumentalização do direito para fins da
regulação política, a qual sobrecarrega a estrutura do médium jurídico, dissolvendo a ligação
que existe entre a política e a realização de direitos dos quais não se dispor”. Ibidem, p. 182)
32. NUNES, Dierle. Direito Jurisprudencial. Precedentes, Padronização decisória preventiva
e coletivização. Teresa Arruda Alvim Wambier coordenação. São Paulo. Editora Revista do
Tribunais, 2012, p. 245 a 276.
33. Sobre o tema: O motivo dessa ingerência, conforme acrescenta Dierle Nunes, decorre dos
déficits de operacionalidade dos poderes Executivo e Legislativo, típica de Estados que
passaram por uma ditadura. Essa situação induziu uma mudança que passou a Jurisdição a ser
chamada a suprir as deficiências dos outros poderes. NUNES, Dierle. Direito Jurisprudencial.
Precedentes, Padronização decisória preventiva e coletivização. (...) 2012, p. 245 a 276.
34. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia,
economia do direito, direito econômico, law and economic, análise econômica do direito, direito
econômico internacional. 4 ed. São Paulo. Saraiva, 2012, p. 146.
35. PIKETTY, Thomas. O capital do século XXI. Tradução Monica Baumgarten da Bolle. 1 ed.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 461.
76 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Almeida36 que o Estado Mínimo entra em retrocesso em 2008 quando se


inicia a grande recessão. Há, com esse quadro, uma nova ordem econômico,
jurídica e política.
A política de Estado mínimo, colocada em xeque após a crise de
2008, faz surtir efeitos no ordenamento jurídico, pois o Estado (leia-se os
três poderes) não pode mais ficar inerte frente aos problemas sociais ou
crises mundiais.
Outro ponto da crise é o Estado Social posto em xeque diante
dos altos custos. Questionamos se pode o Judiciário manter as mesmas
políticas públicas e precedentes ampliativos de políticas públicas com esse
novo quadro, ou seja, pode ser ele desconecto da realidade? Mais sobre o
tema em capítulo específico no final do estudo.

3.6 MOTIVOS PARA APRESENTARMOS AS CRISES MUNDIAIS.


JUSTIFICATIVA DE ESTUDO PARA A PRESENTE OBRA

Necessário neste momento apresentar, por meio de um resumo


deste capítulo, a justificativa de estudo das crises mundiais para o presente
estudo. Ou seja, criaremos um nexo entre as crises aqui apresentadas e o
objeto de estudo.
Verificamos que após a década de 30 há o fim do liberalismo clássico
e do capitalismo selvagem, sendo necessário uma maior regulação por
parte do Estado, inclusive para garantir os new human rights. O pós Segunda
Guerra traz a jurisprudência dos valores. Já com a crise do Estado Social,
necessário se fez certas preocupações, principalmente na produção de
certas normas sociais e de políticas públicas.
O novo cenário mundial é não mais um Judiciário inerte ou com o
papel coadjuvante. O Estado, por sua vez, tenta achar seu novo papel, que
após a crise de 2008 ficou demonstrado que não pode ser de um Estado
Mínimo.
Há, com isso, um conflito de poderes, uma evolução que demonstra
a importância do Estado e, principalmente, do ordenamento jurídico. O
direito deve estar presente e, consequentemente, o Estado também, seja
na produção de normas ou na sua interpretação.
Não pode o Judiciário ficar alheio a todos estes fatos demonstrados,
como de fato não ficou. Com a crise de década de 30 se fez necessário

36. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia,
economia do direito, direito econômico, law and economic, análise econômica do direito,
direito econômico internacional. 4 ed. São Paulo. Saraiva, 2012.
Crises mundiais. A conexão de acontecimentos históricos com a evolução do direito 77

respeitar os new human rights, com o pós Segunda Guerra houve uma maior
abertura para a interpretação, ou seja, maiores poderes para o julgador; com
a crise de 2008 uma maior intervenção do Estado no domínio econômico,
o que implica em produzir normas e, por fim, com a crise do bem-estar
social, uma preocupação nos altos custos dessa forma de governo.
Evidenciamos que no decorrer dessa evolução histórica o direito
esteve presente e inevitavelmente o Estado também. Conforme já
afirmamos no capítulo 1, há clara relação do direito com o poder, então essa
evolução histórica ou as crises são importantes na medida que justificam o
atual cenário mundial e também melhor esclarece a possibilidade de uma
instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori (capítulo 6).
O estudo das crises mundiais é de significativa importância, pois
também desenharam a forma de estrutura do atual contexto mundial,
assim como qualquer crise atual influenciará o futuro.
Com as crises podemos entender seus reflexos e compreender o
atual cenário mundial. Temos um Estado Social, porém preocupado com
a balança econômica (pelo menos deve estar) e não há um liberalismo
clássico, todavia ainda há características liberais. Por fim, não adotamos
um positivismo sem uso de princípios, valores e interpretações, todos
estes institutos estão presentes em nosso ordenamento jurídico, e muito
presente.
Adiante partimos para o estudo do protagonismo judicial, pois o
judiciário neste contexto de poder, de direito e economia e também para
acompanhar essas crises, ganha especial destaque e importância.
CAPÍTULO IV

PROTAGONISMO DO
JUDICIÁRIO. O poder como
uso instrumental e seletivo
O quadro de protagonismo do Judiciário no mundo contemporâneo
decorre, em muitos casos, da evolução histórica e das crises mundiais,
tema este devidamente explorado em capítulos anteriores. Machado1 faz
lembrar que a expressão “ativismo judicial” foi cunhada no pós-guerra nos
Estados Unidos quando a Suprema Corte foi presidida por Earl Warren
entre 1954 a 1969. Nesse movimento, passou a Suprema Corte americana
a dar resposta aos movimentos sociais, proteção de direitos individuais,
necessidades de desfavorecidos e reconhecimento do direito de minorias.
Conforme já afirmado, o Judiciário, por meio da magistratura,
às vezes por um movimento de colaboração que muitas vezes nem é
consciente, poderá fazer do juiz um protagonista de uma revolução
democrática da justiça. Ocorre, porém, que com esse movimento, nesse
papel ético e criativo, pode lhe escapar o controle desse engajamento e ser
isso mais uma ferramenta na caixa dos programas políticos e econômicos
do Bookman Old Style neoliberalismo predatório, do publicismo totalizante2.

1. MACHADO, Roberto Denis. Direito, Política e Poder. O Direito como instrumento de ação
política. 2012, p. 89.
Sobre o tema: “Com o Estado Social, houve mudança expressiva na atuação do Judiciário. Em
vez de atuar com “escravo da lei”, o juiz passou a concretizar as promessas constitucionais.
O juiz passou a assumir papel essencial no equilíbrio de forças e tensões entre os poderes
do Estado e perante a sociedade em geral. O juiz deixou de ser “boca inanimada da lei” e
passou a ser agente corresponsável na construção do bem comum”. VIANNA, José Ricardo
Alvarez. Erro judiciário e sua responsabilização civil. José Ricardo Alvarez Vianna. São Paulo:
Malheiros, 2017, p. 458.
2. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 6.
Sobre o tema: “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro
do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento
daqueles que não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não
me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido,
porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual,
para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs.
80 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho3, atualmente o STF mais do


que “guarda da Constituição, é construtor da Constituição”, para Eros
Grau4 o STF e seus juízes passaram a exercer não apenas o controle da
“constitucionalidade”, mas também o controle da razoabilidade das leis.5
Verifica-se que há um poder difuso no processo legislativo
envolvendo luta de interesses, participação de grupos e uma grande
dinâmica de mutações. Ocorre que é possível questionar se o Judiciário
deve participar desse processo de mutação, com conotações finalísticas e
populares para alcançar determinados fins.
Há um processo de correção do excesso de formalismo para um
estado de busca de efetividade por meio do processo, tudo devidamente
ligado por uma prestação jurisdicional de qualidade em busca da melhor
justiça possível.6
Importante destacar que na fase inicial de interpretação da
Constituição de 1988 houve um período de pacifismo judicial. No caso do
Mandado de Injunção o Supremo em 1991 (STF, Pleno, MI 323) acabou
por limitar a utilidade do instrumento quando recusou o poder normativo
de suprir diretamente as lacunas legislativas afirmando não “poder
ser legislador positivo”. A Corte também incluiu restrições objetivas à
legitimidade ativa para propositura de ADI, pois desenvolveu requisito
de pertinência temática (STF, Pleno, ADI 1.096, em 16/03/1995); para
a Corte, Governadores, Assembleia Legislativa e confederações sindicais

ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque


pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses
ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a
ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes
de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que
temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade.
Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura
obriga-me a pensar que assim seja” (grifos meus). (AgReg em EREsp 279.889-AL), Ministro
Humberto Gomes de Barros (grifo nosso). Disponível em: ww.stj.jus.br/portal/site/STJ.
Acesso em: 17 nov. 2014
3. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O papel político do judiciário e suas implicações.
Revista de Ciências Jurídicas e Econômicas – Ano 1, n.º 2. 2009, p. 60.
4. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011, p. 341.
5. Sobre o tema: “Habermas está bem atento a esse risco ao afirmar que, enquanto uma corte
constitucional adotar a teoria da ordem de valores e nela fundamentar sua práxis decisória, o
perigo de juízos irracionais aumenta, porque os argumentos funcionalistas ganham prevalência
sobre os normativos.” GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed.
revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 342.
6. SOUZA, Gelson Amaro de; LAZARI, Rafael José Nadim de. (Neo)Processalismo e (Neo)
CPC: Reflexões sobre a nova interpretação processual. 1 ed. Birigui, SP, Boreal Editora. 2012,
p. 11.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 81

ou entidades de classe de âmbito nacional, chamados de legitimados


ativos especiais, não poderiam propor ADI para discutir qualquer lei ou
ato normativo, mas apenas normas que possam repercutir sobre seus
interesses.7
Ainda em típico uso de “virtudes passivas”, o Supremo evitou de
enfrentar o Executivo nos planos econômicos e na proliferação de Medidas
Provisórias fruto das reformas econômicas de março de 1990. A Corte
rejeitou (ADI 259/DF) por razões processuais e acabou não julgando o
mérito das demandas, deixando assim de interferir em medidas políticas
de constitucionalidade duvidosas.
A Corte também foi passiva no controle dos pressupostos
constitucionais de “relevância” e “urgência” para edições de Medidas
Provisórias. Para a Corte, a avaliação desses requisitos assumiria um
caráter político, ficando para apreciação do Chefe do Poder Executivo
e do Congresso Nacional (ADI 162-MC, em 19/09/1997). O Ministro
Carlos Velloso afirmou ainda (ADI 1.397/DF, em 27/09/1997) que de
regra “é urgente ou relevante o que o Presidente entender como tal”.
Aceitou o Supremo também a reedição indefinida de Medidas
Provisórias caso rejeitadas pelo Congresso Nacional (ADI 295/DF em
22/06/1990 e ADI 1.397 em 27/06/1997).
Ao contrário da Alemanha e da Itália que fizeram uma revolução
com o sistema legal, no Brasil houve uma evolução e gradativamente o
Judiciário passou a agir de forma instrumental, não aplicando somente a
lei, mas se assegurando de utilizar os meios mais seguros e rápidos para
chegar a um fim pretendido. O direito passa a valer como instrumento
a ser acionado para fins racionais, ou seja, fins políticos, fundamentados
de acordo com o bem-estar econômico (racionalidade a posteriori). Há,
para Habermas8, um movimento de politização da politização dos juízes e
judicialização da política.9
Já afirmamos que, de acordo com Foucault, poder não é uma coisa,
mas embora não sendo uma coisa, ele se torna uma na medida que a
maioria dos homens assim o representa. Esse homem domesticado, para

7. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de


Janeiro: Forense, 2014, p. 241.
8. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011.
9. Sobre o tema: “que os tribunais não hesitam em tomar uma decisão que se impõe, mesmo
à custa de uma justificação fictícia”. PERELMAN, Chain. Lógica jurídica: nova retórica.
Tradução: Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 91.
82 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Lebrun, é o privilegiado, o Europeu, não o colonizado de terceiro mundo,


aqui o poder não pensa em domesticar, domina-os e muito de cima.
O Poder Executivo, nesse cenário contemporâneo, fica
sobrecarregado e o Poder Legislativo inoperante politicamente, surgindo
então o Poder Judiciário como um messias garantidor de promessas
“político-institucionais”.10
Nunes11 afirma que há uma “faceta política do acesso à justiça”,
inspirado na possibilidade de participação do processo na construção da
própria cidadania, em que a sociedade e o Judiciário passaram a dividir o
espaço antes do Estado na administração de políticas públicas. Há, sem
dúvida, um novo papel político exercido pelo Judiciário. Azevedo12, neste
sentido, afirma que não pode o jurista ser um técnico a serviço da ordem
estabelecida, indiferente ao processo histórico.
No mundo contemporâneo, eleva-se a renovada ascensão da função
Jurisdicional com um braço do Estado para a agenda democrática; é
uma readequação do papel da Jurisdição. O Judiciário é chamado para
exercer, deste modo, uma “função socioterapêutica”, com proteção de
direitos fundamentais e corrigir desvios na consecução de finalidades. Para
Azevedo13 não é possível, inclusive, separar o mundo jurídico da realidade
social em que nasce e se aplica.
Ainda neste sentido, o exercício do poder pelos altos escalões do
governo pode levar à Mutação Constitucional com o propósito de adaptar
o texto legal à nova situação criada através dessa decisão14.
Chega-se ao ponto, inclusive, de algumas defesas aproximarem a
interpretação do direito com atendimento às necessidades da maioria e
do povo, contribuído para uma maior satisfação e aproximar os diferentes
extratos sociais. Neste sentido: “Esta inquestionável finalidade a ser
perseguida na interpretação e aplicação do direito precisa cumprir-se,
10. HERRERA, Luiz Henrique Martim. Ativismo Judiciário e a onipotência da razão: entre
decisionismo e discricionariedade. 1 ed. Birigui, SP, Boreal Editora. 2012, p. 150.
Sobre o tema: “O pivô da atual crítica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas
qualitativamente novas e quantitativamente maiores, resume-se a dois pontos: a lei parlamentar
perde cada vez mais seu efeito impositivo e o princípio da separação dos poderes corre perigo.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 173.
11. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 72.
12. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev.,
atual. ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 21.
13. Idem.
14. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014, p. 15.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 83

atualizando-se a ordem jurídica de modo a afeiçoá-la às necessidades da


maioria do povo, contribuindo à sua satisfação de forma mais igualitária,
de modo a aproximar os diferentes extratos socais.”15
O protagonismo chega a ser, para os mais apaixonados, uma forma
de atender necessidades de maiorias, de atender o interesse do povo e uma
maior satisfação? Passa o juiz a ser “messias” e integrante participativo da
vida política da sociedade? Acreditamos que não e no decorrer do estudo
iremos apresentar posicionamentos neste sentido.
O direito ter ligação com economia, a sentença ter essa preocupação
com fins econômicos, aparenta grande valia, contudo é uma linha muito
tênue, podendo o julgador se tornar um “superjulgador”.
Tercio Sampaio Ferraz Jr.16 assegura que a vinculação do juiz à lei,
base da sua neutralização, acaba por gerar neste Estado contemporâneo,
para o homem comum, um tipo de insegurança até então insuspeitada: a
insegurança do próprio direito. Há um marketing que se vale dos meios de
comunicação, provocando uma hipertrofia do poder que acaba por atingir
o próprio Judiciário; ou seja, politizada, as respostas exigem mais cálculo
do que sabedoria, modifica-se de acordo com os resultados e cuja validade
repousa no bom funcionamento.
Sobre o tema, Habermas17 afirma que a corte Constitucional
no Estado Democrático de Direito deve ser protetora de um processo
democrático de criação do direito e não guardiã de uma suposta ordem
suprapositiva de valores substanciais, não deve ela assumir um papel de
Legislador político.
Questionamos então quais os limites desse poder jurídico mais ativo
e o perigo latente de instrumentalização do direito com este discurso de
ativismo mais engajado para o uso estratégico do poder jurisdicional. Para
Roberto Denis Machado, não há esse perigo, pois o Judiciário somente
atua quando provocado, o que é mais que suficiente para que a harmonia
entre os poderes seja preservada e uma ditadura entre os juízes seja evitada,
e seria no mínimo ingênuo achar que o Judiciário não participasse dessas
questões políticas dada a dinâmica da sociedade contemporânea.
Veremos, contudo, que não é bem assim. Demonstraremos, e a
histórica tem ilustrado por si só, que há um ativismo. No estudo de casos
15. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev.,
atual. ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 146.
16. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio
em decadência? Revista USP, n.º 21, ano 1994, p. 21.
17. HABERMAS, Jürgen. Más Allá del Estado Nacional. Traducción de Manuel Jiménez Redondo.
Fondo de Cultura Económica. México. 1999.
84 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

(capítulo 5) procuraremos apresentar alguns precedentes com ativismo e


também “jurisprudências criativas”, preocupadas com o papel econômico.
Tercio Sampaio Ferraz Jr., sobre o tema, em artigo publicado
em 1994, já afirmava que uma justiça politizada compartilha a
responsabilidade do uso da violência, fazendo do juiz um justiceiro, ou
seja, uma justiça politizada que se arrisca a render-se ao marketing das
opiniões. Neste sentido: “Uma justiça politiza, ao contrário, compartilha
da responsabilidade pelos resultados do uso da violência, fazendo do juiz
um justiceiro e do processo um movimento na direção dos famigerados
tribunais de exceção. Ou seja, a Justiça politizada arrisca-se a render-se
ao marketing das opiniões, reduzindo o direito a elas, o que funciona
bem no Legislativo mas que, no Judiciário, torna opaco o uso da força,
conduzindo-a à banalidade e à trivialidade do jogo dos interesses.”18
Willis Santiago Guerra Filho19, afirma, inclusive, ser necessária uma
“Corte Constitucional” como órgão diferenciado da estrutura do Judiciário
plenamente independente dos demais poderes estatais, com poderes
políticos e jurídicos, que o STF atualmente não corresponde a esse perfil e
a chance de sanar esse equívoco seria com uma reforma política.
Com todo respeito ao presente posicionamento, entendemos que a
referida Corte vai em desencontro com o desejo de boa parte da doutrina
e dos estudiosos do direito, principalmente de quem na prática vivencia o
ativismo judicial. O protagonismo judicial tem se demonstrado já no STF
com os poderes a ele conferidos, inclusive com severas críticas por suas
decisões e principalmente por sua composição (forma de indicação dos
ministros).
A criação de uma corte com superpoderes vai, portanto, em
desencontro com a evolução histórica e com uma preocupação de um
processo adequado para solução de conflitos.
Ainda sobre o protagonismo, Hommerding20 aponta que não
podemos esquecer da dimensão política do Judiciário. Para ele, apenas a
lei é um dado fixo, o fato e o juízo de valor são variáveis presentes ao juiz,
e esse procedimento atualmente é feito por regras mais abertas e flexíveis
para interpretação.

18. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio
em decadência? Revista USP, n.º 21, ano 1994, p. 18.
19. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 174.
20. HOMMERDING, Adalberto Nasciso. Valores, Processo e Sentença. São Paulo, LTR, 2003, p.
157.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 85

Afirma ainda Hommerding, data vênia ao nosso posicionamento, que


a liberdade do juiz está na possibilidade de relegar a “lei ao segundo plano”
para decidir à margem dela ou contra ela, se estiver em desacordo com o
justo. Para ele, deve a ética decidir o que é moralmente correto e que o
direito deve ter compromisso com a felicidade e o destino do homem.
Ainda em rápida digressão sobre o disposto por Willis Santiago
Guerra Filho21, sabe-se quantos questionamentos no mundo jurídico são
travados sobre o ativismo judicial, sobre excessos de poderes, sobre o
Judiciário utilizado como instrumento de poder dos interesses Estatais.
Portanto, não parece segura a volta de um quarto poder, ou um “poder
moderador” (Constituição de 1824). A democracia impõe uma divisão de
poderes e seria retrocesso qualquer tentativa de concentração do poder na
mão de um único poder dos três já existentes ou a criação de um quarto
poder.
Otero Parga, ao contrário de Adalberto Nasciso Hommerding que
fundamenta poder o juiz ir contra a lei para determinar e buscar o justo,
procura traçar em sua conclusão significativo desfecho sobre o tema e
afirma que na filosofia do direito existem três posições com referências
aos valores: primeira, deve ele se subordinar à norma, segundo, consiste
em tratar de legitimar a norma em função do cumprimento dos valores, de
tal modo que as normas guardem os valores e, por fim, os valores internos
são relacionados ao ordenamento jurídico e os externos consistem no
direito entendido com ius.22
Nesta ótica, Sergio Alves Gomes escreve que as normas devem ser
construídas em consonância com os valores que fundamentam o convívio
social e identificam referida sociedade em face de outras.
Importante também fazer uma ressalva, informação esta já prestada
no capítulo 2, pois em nosso país há grande utilização da judicialização
em favor de grupos políticos e que detenham poder econômico, pois estes
grupos já possuem acesso privilegiado às arenas políticas e com o tempo
consolidam ainda mais seus alicerces no campo judicial.
Pode ocorrer um ativismo voltado para atender o maior número
de pessoas (utilitarismo), mesmo desrespeitando direitos fundamentais
de um único cidadão, ou em prol de determinados grupos ou do próprio
Estado; é próximo de um direito negociável. Não há como fugir a esses

21. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., (...), 2013, p. 174.
22. Do original: “Los valores internos, que son los relacionados con el ordenamiento jurídico. Y
los externos que son los que contiene el Derecho entendido como “ius”.
86 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

questionamentos, pois no fundo essa postura do papel político do


Judiciário na própria ordem jurídica afeta a forma de governo.
Sobre o tema, em rápida digressão, Luís Roberto Barroso afirma
que o termo judicialização não é um exercício deliberado do juiz, pois
nestes casos o juiz decidiu porque era o que lhe cabia fazer.
Nunes23 alerta, inclusive, que a influência política dos juízes24
aumenta um espaço público muito importante, entretanto esse papel mais
arrojado dos magistrados são motes propagandeados por inúmeros atores
(corporações transnacionais, Banco Mundial e até pelo Executivo), fato
que acende um alerta para seu uso instrumental e seletivo sobre o ativismo.
Além disso, essa nova “responsabilidade” pode ser encarada como uma
autorização para fazer política e os direitos e garantias passem a ser
interpretados segundo uma linguagem política. Acrescenta ainda o autor
que uma justiça volúvel às razões do capital e do poder não depositará a
pretensão de validade de seus provimentos na discursividade.
O poder Judiciário deixou de ser o mero aplicador da lei, o “boca
da lei”, passando a ter uma preocupação social em posição de destaque
no Estado contemporâneo, tendo em vista a inércia dos outros poderes.
A atividade do juiz guarda, deste modo, uma intrínseca relação entre o
direito e a política.
Verificamos que há então a passagem de um Estado liberal para
um Estado promocional, típico das transformações proporcionadas pelo
welfare state, com perigos para o próprio normativismo legislativo. Com
o aumento do Estado Social, diminui a função protetora-repressora e
aumenta a função de produtor de serviços de consumo social.
Uma das principais alterações com o Estado Social é que o Estado
está autorizado a realizar uma intervenção no domínio econômico para
adotar estruturas macroeconômicas, com propósitos e com interesse
público, influenciando, assim, as relações econômicas e sociais.

23. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013.
24. Sobre o tema: Sucede que, atualmente, o Judiciário colabora com o Legislativo na tarefa
de construção de um Direito que responda às necessidades sociais. MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes : recompreensão do sistema processual da
corte suprema. 2. ed. São Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2014, p. 156.
“Como o judiciário não mais se limita a dizer o direito escrito pelo legislativo, pois hoje é visto
como seu colaborador para que o Estado possa se desincumbir do seu dever de outorgar à
sociedade um direito capaz de atender às necessidades sociais carentes de tutela (...).” Ibidem,
p. 167)
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 87

Em sua conclusão, Nunes25 afirma que o acesso à justiça no


paradigma social é consolidado na razão instrumental, conclamando o
juiz a assumir o projeto estatal distributivo, equacionando desigualdades
socioeconômicas com compensações jurídicas formais. Assegura ainda que
o Judiciário mais ativo é tão útil quando nocivo para o aprofundamento da
democracia inclusiva.
Há de fato um protagonismo Judiciário e, de acordo com Macedo
e Bonifácio26, o Direito é indissociável da política e o Supremo Tribunal
Federal está no centro decisório entre esses dois sistemas; sua neutralidade
é no tocante ao sistema político, para não participar dos conflitos entre
governo e oposição, porém não no sentido de neutralidade interpretativa.
Destacamos que há uma fragilidade no equilíbrio do modelo de separação
de poderes, pois no mundo contemporâneo o eixo principal tende a ser
deslocamento para o juiz. Eros Grau27 ainda destaca que a “neutralidade
política” do intérprete só existe nos livros, que o ato de julgar consubstancia
uma experiência existencial.
Surge também com esse novo cenário mundial a doutrina
neoconstitucionalista, ou pós-positivismo, tendo como traços
característicos: a importância dos princípios, a rejeição do formalismo, a
irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo relacionados
aos direitos fundamentais, a reaproximação do direito com a moral e
judicialização da política e das relações sociais.28
Sobre o tema, Eduardo Cambi aponta que o neoconstitucionalismo
se propõe a superar o paradigma da validade meramente formal do direito,
é intolerável que em nome da “vontade do legislador” tudo que o Estado
faça seja considerado legítimo. Afirma ainda que a neutralidade estatal se
mostrou um fracasso ao longo dos anos. Nesse novo contexto, surge, para
o juiz, uma dimensão pragmática e de responsabilidade cívica nunca antes
outorgada à jurisdição.
Outro movimento fruto do protagonismo é a prática de reversão
legislativa dos precedentes da Corte, onde o Congresso Nacional, na forma

25. NUNES, Dierle. Acesso à justiça democrático. Dierle Nunes, Ludmila Teixeira. 1. ed. Brasília,
DF: Gazeta Jurídica, 2013.
26. MACEDO, Adriana Gomes Medeiros de; BONIFÁCIO, Artur Cortez. Supremo Tribunal
Federal: entre o direito e o político, caminhos para a afirmação da soberania estatal. (...), 2013
p. 443 a 466.
27. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011, p. 292.
28. BRAGA, Juliana Ramos Fernandes. A força normativa dos princípios constitucionais e o papel
do juiz como intérprete da norma. 2011, p. 57.
88 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

legítima e em diferentes oportunidades, tem procurado contornar algumas


decisões do Supremo – chamada “correção legislativa da jurisprudência”.29
Discorremos acerca de diversos pontos sobre o protagonismo
judicial, sobre a atenção para direitos fundamentais, fins políticos,
econômicos e do poder. Separamos adiante alguns temas recorrentes e os
desdobramentos do protagonismo, apenas para aprofundamento do tema,
sem o propósito de esgotá-lo.

4.1 DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E NORMAS COM


CLÁUSULAS ABERTAS. A ABERTURA PRINCIPIOLÓGICA

Os operadores do direito, mesmo os mais otimistas, não creem


unicamente na lei ou no legislativo para prever todas as atitudes humanas.
Surge, pois, o questionamento de como operar diante da necessidade de
interpretação da norma legal ou diante da incompletude e imprevisibilidade
de todas as atitudes humanas por parte do legislador.
Já apuramos até então que havia uma concentração de poderes no
monarca, que diante de um suposto poder divino governava a sociedade,
organização esta política e por muitas vezes jurídica também. Por fatores
históricos já elencados no capítulo 1, o Estado se apropria do discurso
jurídico e passa a ser emanador das normas jurídica por meio de uma
organização, fazendo surgir então um Estado de direito.
Ocorre que conforme demonstrado pelas crises mundiais e pela
própria evolução histórica, somente a lei não consegue tutelar a contento
todo mundo moderno e complexo. A norma então precisa ser interpretada
e o julgador, em determinados casos, terá o poder discricionário.
O sistema jurídico, ou a base legal, não é mais hermética ou fechada
no texto seco da lei, há possibilidade de interpretação e vai, assim, abaixo
o juiz “boca da lei”30. Para Eduardo Cambi31, a efetivação da Constituição
exige a superação do positivismo jurídico e do formalismo processual,
necessário um despertar do sono dogmático e avançar o estudo do Direito.

29. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 261.
30. Sobre o tema: “Os tribunais têm que trabalhar com cláusulas gerais e, ao mesmo tempo,
fazer jus ao maior grau de variação de contextos, bem como à maior interdependência de
proposições jurídicas subordinadas. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre
factividade e validade, volume II. 1. ed. reimp. (...), 2011, p. 196.
31. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 21.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 89

O nosso propósito desde o início foi estudar o poder, assim como


sua manifestação dentro da sociedade, que age de forma difusa. Com esse
poder discricionário o judiciário passa a ser ponto forte de manifestação
do poder, justificando deste modo esse presente recorte temático no livro.
A possibilidade de interpretação da norma judicial traz bons ares,
com a busca da justiça e aplicação de princípios dentro do ordenamento
jurídico, porém a discricionariedade32 judicial traz também discussão sobre
o juiz passar a ser um superpoder, podendo em alguns casos invadir a
esfera legislativa.
Essa discussão recebeu grande destaque nas doutrinas de Hart e
Dworkin33, sendo que ambos rechaçavam um positivismo sem possibilidade
de interpretações. Os autores admitiam a possibilidade de interpretações,
Hart fundamentando na discricionariedade, Dworkin34, por sua vez, na
aplicação de princípios.
Mesmo com a discussão deles, há um ponto em comum nas doutrinas
de não coerência de um sistema onde não seria possível a interpretação da
lei. Necessário ter em mente que há atualmente mais normas de caráter
aberto e, com isso, cria-se um mundo mais suscetível de interpretações e
uso da “discricionariedade”.
Discute-se não somente a abertura interpretativa do direito material,
mas também do direito processual. Para Marinoni35 é necessário que o
processo seja visto como técnica processual destinada à efetividade dos
direitos e, se a técnica for fechada em si mesma, com indiferença ao direito
material, será algo inservível36. Seria também pertinente, na visão do
32. Sobre o tema: Esses não são simples “casos difíceis”, casos polêmicos no sentido de que juristas
sensatos e bem-informados podem discordar sobre qual a resposta juridicamente correta; o
direito é, nesses casos, fundamentalmente incompleto: não oferece nenhuma resposta aos
problemas em pauta. Estes não são regulamentados juridicamente; e, para chegarem a uma
decisão em tais casos, os tribunais precisam exercer a função legislativa limitada que denomino
“discricionariedade”. HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. (...), 2009, p.
326.
33. Para mais detalhes, indicamos a leitura do livro Direito Contemporâneo – Perspectivas. Artigo
Direito e Discricionariedade. A discricionariedade do Juiz: discussão entre Dworkin e Hart.
Bruno Augusto Sampaio Fuga e Elve Miguel Cenci. Editora CRV, 2013:47/75.
34. Assim, as diversas correntes da abordagem profissional da teoria do direito fracassaram pela
mesma razão subjacente. Elas ignoram o fato crucial de que os problemas de teoria do direito
são, no fundo, problemas relativos a princípios morais e não estratégias ou fatos jurídicos.
Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem jurídica convencional. Mas, para ser
bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-los como
problemas de teoria moral. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. Tradução:
Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 12.
35. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela dos direitos. 3º ed. ver. e atual.
São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 22.
36. Sobre o tema: O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não
90 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

doutrinador, ter o juiz poder discricionário, ou “eventuais cláusulas gerais


processuais para dar efetividade à tutela jurisdicional”.
Neste sentido, para Dinamarco37, a instrumentalidade é o núcleo
e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual.
Aprimorar o serviço jurisdicional implica na efetividade a seus princípios
formativos (lógico, jurídico, político e econômico), tendência esta universal.
Para o doutrinador, os procedimentos mais avançados concedem
liberdade das formas deixadas ao juiz entre parâmetros razoavelmente
definidos e mediante certas garantias fundamentais aos litigantes. O
“formalismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do
processo”.38
Verificamos então que não somente o direito material passa a ter
ligação com efetividade, pois o direito processual também com essa
leitura contemporânea busca essa motivação, motivos pelo qual a norma
de caráter aberto (tendência da modernidade) concede, portanto, maiores
poderes para o julgador.
Deste modo, no contexto histórico pós-guerra, ocorreram
modificações no direito formal com a expansão de normas de textura
aberta, procedimentos participativos e informais de tomada de decisões,
o seu conteúdo passa a ser definido pelo resultado, tendo em vista
decisões mais adaptadas ao contexto. Há então uma alteração no plano da
neutralidade política e jurídica além da expansão do direito.
Diante desse quadro, as decisões jurídicas são, de acordo com
Koerner39, aproximadas das decisões políticas, pois são tomadas com
objetivos determinados; o direito é deste modo concebido funcionalmente,
ou seja, sua legitimação é diretamente ligada à capacidade de manter o
ajuste dinâmico do conjunto social.

significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnicas processuais e tutela dos direitos. 3º ed. ver. e atual.
São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 43.
37. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 24.
38. Ibidem, p. 152.
Sobre o tema: um sistema baseado em princípios necessita de alguma forma de permuta entre
eles, com o que a análise custo-benefício se torna inafastável; (ii) o formalismo jurídico não
deve ser estendido a ponto se separar o Direito do mundo real dos fatos. SALAMA, Bruno
Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos direito GV. Estudo 22, v. 5,
março 2008, p. 15.
39. KOERNER, Andrei. O Legado de Foucault. Direito, regulação e governamentabilidade. São
Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 228.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 91

Eros Grau aponta que, nutrida na linguagem natural, a linguagem


jurídica apresenta textura aberta, na qual proliferam as chamadas palavras
e expressões - “camaleão”40. Assegura ainda que a característica da
Constituição de 1988 é principiológica e então programática.41
Ainda neste sentido Marinoni42, pois para ele o uso inadequado
de cláusulas gerais, hoje em dia mais frequente, atribui ao juiz uma
responsabilidade social que não é a do seu ofício.
Verifica-se então que diante desse novo panorama o judiciário ganha
novas responsabilidades, pois não é somente fazer a simples subsunção ao
caso concreto, mas sim interpretar a norma diante de um quadro e contexto
social. O julgador necessita julgar em determinados casos munido de uma
discricionariedade, pois com o fim do juiz “boca da lei”, o julgador ganha
notoriedade.
Executivo e Legislativo, por sua vez, sofrem uma enorme expansão
pela cobrança de uma cidadania social e não apenas um contorno jurídico
formal. O Judiciário também não pode ser mais neutro neste Estado Social,
sobretudo ao examinar se o exercício discricionário do poder de legislar
conduz à concretização dos resultados objetivados (responsabilidade
finalística do juiz que, de certa forma, o repolitiza).43
O juiz é então chamado a exercer uma função socioterapêutica,
obrigando-se a uma responsabilidade prospectiva, preocupada com a
consecução de finalidades políticas; a responsabilidade do juiz alcança
agora a responsabilidade pelo sucesso político das finalidades impostas
aos demais poderes pelas exigências do estado social.44
A evolução histórica aqui já descrita demonstra que há um Estado
promocional, fruto também de um Welfare State e de um Estado que mais

40. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014, p. 98.
41. Sobre o tema: Sobre essa abertura principiológica, para Bedaque, o interesse de alguns para
simplificar o processo pode comprometer valores essenciais à segurança. Além disso, o
formalismo exagerado, que é sinônimo de burocracia, pode ser útil para preguiçosos e covardes
se esconderem no emaranhado de normas em prol de uma chicana processual. O processo,
para o doutrinador, não é somente forma, pois toda organização e estrutura encontra razão
de ser nos valores e princípios constitucionais. Para ele, a técnica processual tem a utilidade
de assegurar o justo processo e estabelecer o modelo constitucional ou o devido processo
constitucional. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica
processual. 3ªed. São Paulo –SP. Malheiros Editores, 2010, p. 26.
42. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014a.
43. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio
em decadência? Revista USP, n.º 21, ano 1994, p. 18.
44. Ibidem, p. 19.
92 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

se parece como produtor de serviços de consumo social. O normativismo


social não se limita a traçar os fins e princípios pretendidos, mas
modelar progressivamente o futuro, deixando aos juízes um âmbito de
discricionariedade para concretização deste futuro; o Judiciário é, portanto,
chamado a dar uma contribuição criativa à sua atuação.
O Judiciário passa a ser a nova aposta funcional para viabilizar a
atuação dos projetos políticos que se anunciam, em clara contraposição ao
período liberal que vigorava a desconfiança no Judiciário.
Evoluímos então do positivismo para a jurisprudência dos valores. E
não somente a discricionariedade e interpretação, mas uma interpretação
valorativa, fazendo com que a característica difusa do poder se aproprie
em determinados momentos deste discurso.
Há uma mudança nas estratégias hermenêuticas, pois julgadores
também passam a encarar a questão de justiça não como princípios últimos
ou valor fonte, mas também com termos pragmáticos e sociológicos.
Sobre o tema, para Eros Grau45, há uma importância dos princípios da
interpretação e também uma falsa neutralidade política do intérprete.
Destaca Eros Grau46 também que o direito posto na sociedade não é
o direito absoluto, mas o direito de uma determinada sociedade (o direito
não existe; existem os direitos) e no direito pressuposto, encontramos os
princípios (jurídicos) dessa determinada sociedade. Afirma ainda que os
princípios gerais de um determinado direito são encontrados no direito
pressuposto que a ele corresponda, compreende então normas, regras e
especialmente princípios.
Não há então somente o direito posto, pois utilizamos também
princípios, estes que podem ser interpretados e apresentam grande margem
discricionária, debate este desenvolvido nos estudos de Hart e Dworkin,
principalmente sendo a tese defendida por Hart. Assim também afirma
Eduardo Cambi47 quando assegura que quanto mais princípios existirem,
45. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014, p. 153.
46. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011.
47. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 90.
Sobre o tema: Teresa Arruda Alvim Wambier, citando Norma Marsh, acrescenta que há
situações em que a natureza cambiante da matéria e as questões sociais delicadas que se envolvem
tornam desejável que se deixe à discrição do juiz a decisão, conseguindo-se obter flexibilidade
à custa do sacrifício da certeza. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial.
Precedentes e evolução do direito. Teresa Arruda Alvim Wambier coordenação. São Paulo.
Editora Revista do Tribunais, 2012, p. 53.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 93

maior será o grau de flexibilidade e sua capacidade de acomodar situações


imprevistas.
O Juiz não pode mais somente aplicar o direito positivo estabelecido
já existente, terá ele que exercer sua discricionariedade e aplicar princípios
pertinentes dentro da ordem legal.
Temos um cenário atual em que o direito vincula o juiz, mas não
exclusiva a letra da lei, pois paralelamente, de acordo com Wambier,
passou-se a entender que o juiz teria a liberdade de decidi “conforme sua
convicção pessoal”. É no contexto dos hard cases, rico de exemplos no
mundo contemporâneo, inclusive pela possibilidade de acesso à justiça, que
o juiz tem que procurar solução normativa aplicável aos casos concretos.48
Ocorre que o problema da verdade não pode ser reduzido no próprio
ato do judicante, ou seja, não pode ser reduzida a um exercício da vontade
do intérprete (julgar conforme sua consciência)49. Complementa ainda
Lenio Luiz Streck que não se pode confundir ou tentar buscar similitudes
entre princípios constitucionais e referidas cláusulas gerais (abertas),
são coisas absolutamente distintas. Haveria com a discricionariedade e
o julgamento de acordo com a vontade do intérprete, um letal “déficit
democrático”.50
O problema é essa flexibilização do conteúdo normativo por meio
de cláusulas abertas51, pois influencia de forma decisiva a interpretação
do conteúdo do interesse público. A oposição entre interesses públicos
e interesses privados se torna mais conflituosa, pois já não é mais nítido
o limite entre essas duas searas. Os interesses de muitos sujeitos públicos
se apresentam idênticos ou muito parecidos aos interesses dos sujeitos
privados.

48. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial. Precedentes e evolução do direito.
Teresa Arruda Alvim Wambier coordenação. São Paulo. Editora Revista do Tribunais, 2012, p.
27.
49. Sobre o tema: “Porém, não importa quais sejam essas condições, é difícil crer que a
consistência interna de escolha possa ela própria ser uma condição adequada de racionalidade.
SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica
Ricardo Doninelli Mendes. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 29.
Sobre o tema: Salienta Lenio Luiz Streck que sempre voltamos ao lugar o começo, pois o
problema da democracia é a necessária limitação do poder. Discricionariedade, arbitrariedade,
positivismo jurídico: tudo está entrelaçado. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido
conforme minha consciência? 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2012, p. 53.
50. Ibidem, p. 19.
51. Sobre o tema: Em vista da percepção do inevitável envelhecimento e esgotamento das
disposições legislativas, tornou-se clara a necessidade de a lei conter espaços capazes de dar
ao juiz o poder de adaptação do texto legal às novas realidades e valores. MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes : recompreensão do sistema processual da
corte suprema. 2. ed. São Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2014, p. 69.
94 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Deste modo, apuramos até então que com o fim do clássico


positivismo jurídico, reconhecemos a necessidade de discricionariedade
judicial em determinados casos, ou seja, passa o juiz a interpretar a norma
e o poder que é difuso pode também absorver ou participar desse discurso.
Verifica-se então que com a discricionariedade e a abertura principiológica,
o juiz passa a ser peça fundamental na governabilidade.
E, neste contexto, esse uso de cláusulas abertas favorece a
interpretação das normas constitucionais, com isso elas podem receber
um novo significado, a chamada Mutação Constitucional. As chamadas
vicissitudes constitucionais possuem cunho político e levam as normas
constitucionais a se adaptarem à nova correlação de forças políticas.52
Assim como não podemos admitir um Legislativo que pode
ao seu livre alvedrio legislar sem limites, da mesma forma se refuta o
decisionismo do julgador53. Cambi também destaca que há de se impedir
um “superpoder,” pois a concentração de plenos poderes no Judiciário
redundaria no “monismo do poder”54.
A aplicação direta de princípios constitucionais, muito vagos e
imprecisos, para regular condutas concretas constituem hoje a dimensão
mais importante de ativismo judicial.55
Ainda de acordo com Streck56, deve-se combater a atividade
discricionária, voluntarista ou decisionista do Poder Judiciário e de igual
forma de doutrina positivista. Ele ainda afirma que o calcanhar de Aquiles
dos positivistas é que não há espaço para os princípios, portanto, sempre
sobrará realidade.
Sobre discricionariedade, aplicação de princípios e valores no
ordenamento jurídico, parte Perelman57 da indagação se há uma lógica
dos juízos de valores, se são eles expressões de nossos impulsos, de
nossas emoções e interesses e, portanto, irracionais, ou se há uma lógica.
Afirma ele que Gottlob Frege e Lucie Olbrechts-Tyteca (1947) chegaram
à conclusão que não havia lógica específica dos juízos de valor.
52. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014, p. 26.
53. MELEU, Marcelino da Silva. O papel dos juízes frente aos desafios do Estado Democrático de
Direito. Arraes, 2013, p. 112.
54. Ibidem, p. 201.
55. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 165.
56. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso : constituição, hermenêutica e teorias discursivas.
4 ed. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 222.
57. PERELMAN, Chain. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução: Verginia K. Pupi. São Paulo:
Martins Fontes, 1998, p. 135.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 95

O questionamento empregado por Perelman58 é este: “mediante


quais procedimentos intelectuais o juiz chega a considerar tal decisão com
equitativa, razoável ou aceitável, quando se trata de noções eminentemente
controvertidas?”
Perelman, ao comentar a obra de Platão, afirma que o filósofo grego
lembra que discutir sobre questões objetivas é de fácil solução, o problema
é consenso em questões de justiça, o injusto, o belo, feito, mal ou o bem.
Para a solução desse discurso, Platão tem estima pela dialética, a arte da
discussão.
Não comporta o ordenamento jurídico, portanto, uma lógica plena
e eficaz. A jurisprudência dos valores foi uma maneira encontrada para
criar um distanciamento do positivismo, fator este necessário diante do
contexto histórico em questão (capítulo 3.2). Ocorre que como não há
uma lógica no sistema, questionamentos surgem diante desse complexo
poder discricionário, em especial o julgador fazendo parte dessa
“responsabilidade social”.
Essa abertura principiológica traz uma maior possibilidade de
discricionariedade judicial, esta por sua vez que depende do julgador.
Quem detém o poder ou procura detê-lo, ou quem dentro da sociedade
está em situação de impor suas condutas, sabe disto e procura participar
dessa abertura interpretativa. O juiz, deste modo, conforme falamos, passa
a ser peça fundamental na governabilidade, decorrente disto, críticas são
pertinentes diante do tema já apresentado.
Há, portanto, uma plena discussão sobre esses questionamentos no
mundo moderno, especialmente críticas, pois a discricionariedade pode
(não em todos os casos) estar ligada a um aumento significativa de poder
por parte do julgador, porém superpoderes a histórica já demonstrou não
ser saudável.
Não há, portanto, uma lógica plena no sistema, ou seja: nem o
positivismo e nem a discricionariedade irrestrita. Adela Cortina59 em seu
livro “Ética sem Moral” já afirmava que “com a lógica, apenas parcialmente
se chega à realidade60”. Para ela o problema é transformar todas as vezes os
58. Ibidem, p. 139.
59. CORTINA, Adela. Ética sem moral. Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 9.
60. Sobre o tema: “Vocês, os escritores, constroem a ação seguindo as regras da lógica, como
se estivessem organizando uma partida de xadrez: aqui, o assassino; ali, a vítima; acolá, o
cúmplice; alhures, o beneficiário do crime. Ao detetive, basta conhecer as regras do jogo
para conseguir encurralar o assassino e para que a justiça triunfe. Para vocês, não contam o
contingente, o incalculável, o incomensurável; e, sem dúvida, nossas leis não se apoiam na
causalidade, e sim na probabilidade e na estatística; referem-se ao universal e não ao particular,
96 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

valores em problemas relativos à verdade, como a atitude de um sábio que


espera encontrar a única solução da ordem universal para os problemas
criados pela ação.
Necessário no nosso entender não se apoiar apenas na razão teórica,
ou seja, é necessária certa causalidade. Há, conforme afirma Habermas,
uma tensão entre facticidade e validade.61
O propósito de citar Adela Cortina é demonstrar que “com a lógica,
apenas parcialmente se chega à realidade”, ou seja, um sistema fechado
dificilmente irá apresentar uma forma de julgamento razoável e justa; o
positivismo assim tentou, mas fracassou. O julgador inevitavelmente se
apropria dessa “parcialidade da realidade” por meio da lei e julga, as vezes
com discricionariedade, e assim de fato tem que fazer. Porém necessárias
também grandes cautelas, pois o poder que é difuso verifica essa situação
e age, agindo, pode ele então participar desse discurso.
Há, de outro modo, uma clara necessidade de cláusulas abertas e,
deste modo, favorecimento de discricionariedade judicial. E não somente
pela textura aberta, mas pelo contexto histórico (vide capítulo 3.2) e pela
atitude do legislador (vide capítulo 4.3), fato este que desencadeia ainda
mais a discricionariedade. Ela (a discricionariedade) torna-se benéfica
na medida que nos afastamos assim do positivismo que foi crente em
tentar tudo prever, porém podemos mesmo assim apontar diversas críticas
conforme já aqui descrevemos, dentre elas as atitudes proativas mais
ligadas ou contexto político do que jurídico por parte do judiciário, sendo
necessária certas reservas para evitar o ativismo judicial e o protagonismo
de forma exacerbada, matéria esta que iremos tratar em tópicos adiante.
Verificaremos no capítulo 5 os reflexos da discricionariedade nos
casos concretos, momento este que ficará bem evidente a conexão desde
tema com o estudo de casos.
Continuamos com esses aspectos do protagonismo judicial, agora
com a gestão ativa de processos.
porque o indivíduo fica à margem de todo cálculo.
“E isso” – prosseguia, implacável, nosso entediado personagem – “é o que há de imperdoável
nos romances policiais: o escritor construí-los seguindo as regras de uma lógica alheia à
realidade, estranha ao contingente, ao incomensurável e ao individual. Isso é o que há de
imperdoável, porque a outra obsessão, a de encontrar um final feliz, esta justificada. Afinal
de contas, essa é uma das mentiras com que mantemos o Estado e a sociedade, incapazes de
subsistir sem a fé de seus cidadãos em uma ordem moral”. CORTINA, Adela. Ética sem moral.
Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 9.
61. Sobre o tema, Perelman afirma: enquanto os axiomas de um sistema formal fazem abstração
de qualquer contexto – o que permite comparar um sistema forma a um jogo como o de
xadrez (...). PERELMAN, Chain. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução: Verginia K. Pupi.
São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 167.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 97

4.2 GESTÃO ATIVA DOS PROCESSOS

Partiremos para uma outra face do ativismo. Não é propriamente um


ativismo, pois não implica esse gesto no mérito da questão em princípio e
sim uma gestão mais ativa dos casos, porém essa atitude estará diretamente
ligada ao resultado final da demanda, além de ter outros reflexos com
adiante veremos.
Para iniciar o estudo, partiremos de um artigo publicado no site
da suprema corte da Austrália62 Civil Procedure Workshop for Judges Case
Management Strategies The start of a discussion – one position. Afirma ele que
a gestão ativa de casos por parte dos juízes é pelo menos uma parte do
tempo desejável, pois transporta um risco para a sociedade, e não pode
afirmar que todos os casos são melhores gerenciados pelos juízes63.
Assegura ainda, ao tratar sobre a Corte Comercial da Austrália, que
as partes têm interesse no resultado de sua disputa e uma participação real
e legítima na forma como a disputa é gerenciada. Salienta também que
as partes são mais propensas a confiar em um resultado em que elas têm
controle sobre como sua disputa é gerida e resolvida.64
Ainda sobre essa forma de gestão dos casos, o artigo afirma que
as partes sabem quais recursos precisam ser alocados para a gestão e
resolução do litígio; que o juiz não tem tempo infinito e nem orçamento
adequado.

62. AUSTRÁLIA, commercialcourt.com.au.Civil Procedure Workshop for Judges Case


Management Strategies The start of a discussion – one. Disponível em: commercialcourt.
com.(...) Acesso em: 30 set. 2013
63. “For present purposes it may be assumed that active management of cases by judgesisdesirable
at least some of the time. In saying that it is important to bear in mind three things. First, that
in some cases judicial management may not be desirable. Secondly, that judicial management
of cases carries both a risk and a cost to the community. Thirdly, any judicial involvement in
the management of a case is in the context of the adversarial system of justice, which is a
sometimes forgotten, but overarching principle. Thus, we cannot and should not assume that
all cases are best managed by judges. It is the parties who have an interest in the outcome of
their dispute and who have a real and legitimate stake in how their dispute is managed”. p. 1
64. “The ability of the parties to control the management of their own dispute is an important
feature of dispute resolution in the Supreme Court. Disputants are more likely to have
confidence in an outcome in which they have control over how their dispute is managed
and ultimately resolved. The parties are usually much better placed to know how best to
manage their dispute than will the judge. Even in cases in which judicial management is more
desirable than management by the parties, it must be remembered that the parties will have
a better appreciation of the dispute and howit should be managed than the judge. It is the
parties who know what evidence theyhave: the judge generally will not. “p. 2. Disponível em:
commercialcourt.com.au. Acesso em: 30 set. 2013
98 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

A solução apresentada inicialmente é que em alguns casos não há


gestão ativa desses e a disputa deve ser gerenciada pelas partes.65 O estudo
apresentado pelo artigo acima citado66 reconhece de forma condizente que
os recursos naquela corte são limitados e precisam, portanto, ser alocados
de forma eficaz, além de que a preservação da liberdade também garante
o uso adequado dos bens públicos; a intenção é que não se use esses bens
indiscriminadamente em todos os casos.
O artigo afirma que, muitas vezes, não há oportunidade do juiz
gerenciar o processo de forma eficaz, porque para a gestão ativa o juiz
precisa estar significativamente informado sobre o caso67. Os advogados,
em algumas situações, sabem muito mais sobre os pontos fortes e fracos
do processo e podem aconselhar seus clientes68.
Verifica-se, no que fora até aqui exposto, uma real preocupação
na gestão do processo de forma a tentar compreender a participação
do julgador e das partes. Há uma notável preocupação com os custos
equivocados no possível erro de condução do processo e uma tentativa de
aperfeiçoamento.
De fato, compreender que a gestão ativa do processo é de grande
valia, porém, encarar que isso demanda tempo e investimentos às vezes
não disponíveis, é ainda mais valioso, pois contempla a realidade e o estudo
da ação humana de forma a melhorar realmente a gestão processual não
apenas no plano ilusório.
Diante do assunto aqui proposto, diversos questionamentos
poderiam ser suscitados, como as vantagens e desvantagens da gestão
ativa do juiz no processo, a participação das partes de forma colaborativa
e opinativa na gestão do processo e também os custos operacionais dessas
mudanças.
Esta é certamente uma visão mais pragmática, pois a forma de
“gerir” o ordenamento jurídico será o claro reflexo do poder, tendo em
vista que terá clara ligação com as atitudes do julgador e também do

65. “In some cases the answer may be that there should be no judicial management at all: whether
active or not. Some cases are best resolved by leaving the dispute to be managed by the parties.”
p. 3
66. “Civil Procedure Workshop for Judges Case Management Strategies The start of a discussion
– one position”
67. “By the end there is often no opportunity to manage effectively. However, for management at
the beginning to be effective, the judge needs to be meaningfully informed about the case”. p.
4
68. “That may suggest that a judge conducting a mediation may best do so through the lawyers
each of whom is likely to know much more about the strengths and weaknesses of the client’s
case than the mediating judge ever will”.p. 9
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 99

legislador, este que deverá dar suporte para a legalidade dos referidos atos
(promulgação da lei).
Sobre o tema e a possibilidade de flexibilização do procedimento em
prol da efetividade no ordenamento jurídico, Portugal incorporou ao texto
legal o denominado princípio da “adequação formal”69, ou seja, conferiu
poderes para o julgador em determinados casos fazer uso de adequações
para uma gestão mais ativa do processo.
O juiz inglês, por sua vez, com a mudança significativa na sua postura,
tem maior contato com o processo e com a produção de prova. Em
1999, na Inglaterra, foi elaborado pelo magistrado Lord Woolf o código
de processo civil denominado Rules of Civil Procedure, o qual introduziu
significativa mudança no ordenamento jurídico. Com sua promulgação
foram concedidos inúmeros poderes aos juízes (active case management),
autorizando a regular direção do litígio pelo julgador a fim de alcançar a
justiça substancial.
Com o poder conferido no direito inglês ao juiz, busca-se a solução
do conflito de maneira justa, rápida e econômica. A reforma processual
inglesa implicou a redução do tempo médio para julgamento que em 1997
era de 639, e passou para 498 dias em 2000-2001.70
A gestão ativa do direito inglês no Civil Procedure Rules é apresentada
da seguinte maneira: “1,4 (1) O tribunal deve promover ativamente o
objetivo primordial da gestão dos casos. (2) Gestão ativa de casos inclui – (a)
incentivar as partes a cooperar uns com os outros na condução do processo;
(b) identificar os problemas numa fase inicial; (c) decidir rapidamente as
questões que precisam de completa investigação e julgamento e descartar
sumariamente as outras; (d) decidir a ordem em que as questões devem
ser resolvidas; (e) incentivar as partes a utilizar procedimento alternativo
de resolução de litígios (GL) se o tribunal considerar ser apropriado,
devendo ser facilitado o uso de tal procedimento; (f) ajudar as partes para
resolver a totalidade ou parte do processo; (g) fixar prazos ou controlar o
progresso do processo; (h) considerar se os prováveis benefícios
​​ de tomar
uma determinada etapa justificam o custo de tomá-la; (i) lidar com muitos
aspectos do caso na mesma ocasião; (j) lidar com o caso sem que as partes
necessitem de comparecer no tribunal; (k) fazer uso da tecnologia, e (l) dar

69. Art. 265º-A do CPC português: Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar
às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática
dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações. 
70. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Flexibilização procedimental. Disponível em: <arcos.org.br/
periodicos/revista-eletronica-de-direito-rocessual/volume-vi/flexibilizacao-procedimental.
Acesso em: 26 jun. 2012.
100 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

diretrizes para garantir que o julgamento de um caso proceda de forma


rápida e eficiente.”71 (Tradução nossa)
Verifica-se claramente com a leitura do artigo do vigente Civil
Procedure Rules inglês a grande preocupação do legislador de impor solução
efetiva ao conflito posto para o julgamento. Deve-se, em suma, incentivar
a cooperação, identificar problemas iniciais (assim como as condições
da ação do direito brasileiro) e flexibilidade no procedimento, visando à
solução para garantir o julgamento rápido e eficiente.
Na França, ao contrário da Inglaterra onde o juiz possui vasto poder
discricionário para dirigir o processo, as partes possuem poderes para
condução do processo por meio de contratos de procedimentos. Há na
França um movimento que entrou em vigor em 1981 visando um modelo
jurídico negocial, o qual busca refletir na “contratualização da justiça”, do
processo e dos modos de regramento dos litigantes.72
Sobre o tema, pode-se visualizar essa possibilidade negocial do
procedimento no artigo 23 do Decreto n.º 1678 de 28/12/2005 do
ordenamento jurídico francês, a saber: “O terceiro parágrafo do artigo
764 é substituído pelas seguintes disposições: “Pode, depois de obter
o acordo dos advogados, definir um calendário para o pré-julgamento.
O calendário tem o número esperado e a data da troca de conclusões, a
data de encerramento, os debates e, não obstante o primeiro e segundo
parágrafo do artigo 450 afirma a entrega da decisão. “Os prazos fixados no
calendário para o estado de desenvolvimento só podem ser prorrogados
somente em casos graves e devidamente justificadas. O juiz pode também
remeter o assunto para uma conferência posterior para facilitar a resolução
do litígio”.73 (Tradução nossa)
71. justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part01. Original: “1.4 (1) The court must
further the overriding objective by actively managing cases. (2) Active case management
includes – (a) encouraging the parties to co-operate with each other in the conduct of the
proceedings; (b) identifying the issues at an early stage; (c) deciding promptly which issues need
full investigation and trial and accordingly disposing summarily of the others; (d) deciding
the order in which issues are to be resolved; (e) encouraging the parties to use an alternative
dispute resolution(GL)procedure if the court considers that appropriate and facilitating the
use of such procedure; (f) helping the parties to settle the whole or part of the case; (g) fixing
timetables or otherwise controlling the progress of the case; (h) considering whether the likely
benefits of taking a particular step justify the cost of taking it; (i) dealing with as many aspects
of the case as it can on the same occasion; (j) dealing with the case without the parties needing
to attend at court; (k) making use of technology; and (l) giving directions to ensure that the
trial of a case proceeds quickly and efficiently”. Acesso em: 27 jun. 2012.
72. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Flexibilização procedimental. Disponível em: <arcos.org.br/
periodicos/revista-eletronica-de-direito-rocessual/volume-vi/flexibilizacao-procedimental.
Acesso em: 26 jun. 2012.
73. “ l e g i f r a n c e. g o u v. f r / a f f i ch t e x t e. d o ? c i d t e x t e = j o r f t e x t 0 0 0 0 0 0 8 1 5 2 6 9 & d a t e Te
xte=&categorieLien=id. Texto original: Le troisièmealinéa de
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 101

Com a leitura do citado artigo do ordenamento jurídico francês,


verifica-se a possibilidade dos advogados obterem acordo para definir
o procedimento anterior ao julgamento, tendo em vista o princípio da
cooperação dos juízes e das partes em harmonia com o princípio do
contraditório.
O tema ganhará também grande destaque com a vigência do
CPC/2015, pois naquele dispositivo teremos a possibilidade de convenção
sobre ônus da prova (CPC/2015, art. 373, §3º), com o negócio jurídico
processual (CPC/2015, art. 190) e princípio da cooperação devidamente
positivado no dispositivo em questão, art. 6º.
Achamos necessário apresentar estes tópicos, inclusive com o estudo
do direito comparado, pois essa gestão de processo está indiretamente
ligada ao resultado final da sentença e também nos limites de atuação do
poder Judiciário frente as suas demandas. O protagonismo e os traços
característicos do poder estão diretamente ligados à gestão do processo,
à discricionariedade, ao poder Legislativo e sua produção de normas, ao
processo como estratégia do poder e a inflação legislativa, tema este que
adiante passamos a tratar.

4.3 EXCESSOS DE LEGALIZAÇÃO E USO DE SOBERANIA.


INFLAÇÃO LEGISLATIVA. A INSEGURANÇA DO PRÓPRIO
DIREITO

Procuraremos demonstrar neste tópico o movimento contraditório


e a crise nítida do mundo contemporâneo, pois quando o legislador quer
abrir o contexto para interpretação, ele cria normas de caráter aberto (open
legis), porém quando assim não quer fazer, usufrui de uma alta carga de
legislação. Ocorre que ao usufruir de soberania, ou seja, criando lei para
atender determinadas situações de maneiras pontuais, cria-se ainda mais
possibilidade de discricionariedade, pois o excesso de leis é um contexto
perfeito para o surgimento de diversas interpretações.
Neste sentido, quando se pretende tutelar algo de forma mais enérgica,
evitar margens de interpretações ou lacunas, há um aumento de formalismo,

l’article 764 est remplacé par lesdispositionssuivantes « Il peut,


aprèsavoirrecueillil’accorddesavocats, fixeruncalendrier de lamiseenétat.
«Le calendrier comporte lenombreprévisible et la date deséchanges de conclusions,
la date de laclôture, celledesdébats et, par dérogationaux premier et deuxièmealinéas
de l’article 450, celleduprononcé de ladécision. « Lesdélaisfixésdanslecalendrier de
lamiseenétat ne peuventêtreprorogésqu’encas de cause grave et dûmentjustifiée.
« Le jugepeutégalementrenvoyerl’affaireà une conférenceultérieureenvue de
faciliterlerèglementdulitige”. » Acesso em: 10 mar. 2015.
102 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

um acréscimo de legislação. No entanto, a hipótese aqui proposta é que


ocorre o inverso, pois estes fatos geram mais insegurança e aumentam
o poder discricionário. Ou seja, tentativa de evitar a discricionariedade
implica ironicamente no maior uso da discricionariedade.
Foucault74 afirma que quando se quer objetar algo contra a disciplina
e todos os efeitos do poder, o que faz concretamente o sindicato da
magistratura e outras instituições é invocar o direito, o direito formal,
que nada mais é que o direito da soberania. Porém não é recorrendo à
soberania contra a disciplina que os efeitos do poder disciplinar poderão
ser limitados. Deve-se marchar na direção de um direito antidisciplinar e
ao mesmo tempo liberado do princípio da soberania.
Já demonstramos que o poder, inclusive após o século XVIII,
procura ter fundamento pela soberania (Estado). Como afirma Adorno75,
o modelo jurídico-político é uma ficção do pensamento clássico. O poder
não funciona somente à base da soberania, da lei e do monopólio estatal
da violência e da justiça, mas sim sob a égide de micropoderes. Seriam mais
estratégicos do que táticos, mais ocultos que explícitos.
Em rápida digressão, destacamos que a configuração destes
micropoderes e seus reflexos práticos é justamente nosso objeto de estudo,
fato este que, inclusive, destacamos no capítulo 5 sobre estudo de casos.
Verificamos que o poder age pelo modo econômico, pelo patriotismo, pela
religião, além de tantos outros meios, pois ele é difuso. Fim da digressão,
voltamos ao tema.
Com o século XX o Estado deixa de ser apenas soberano para
ser responsável pela vida (concretização de direitos sociais). Com isso,
insere-se nas constituições, agora sociais, todo espectro intervencionista
socioeconômico. Para Eros Grau76, o Direito é afetado por uma
transformação em razão de instrumentar transformação da ordem
econômica (mundo do ser).
Para Faria77, a inflação legislativa e juridificação, fruto do sistema
intervencionista, regulador ou providenciário, implica na crescente
inefetividade das instituições do direito, com reflexos visíveis no

74. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 28 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014a, p. 295.
75. ADORNO, Sérgio. O Legado de Foucault. Foucault, a lei e o direito. Organizadores: Lucila
Scavone, Marcos César Alvarez, Richard Miskolci. São Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 201
a 222, p. 202.
76. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014.
77. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p.
122
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 103

rompimento do sistema da unidade lógica formal e da racionalidade


sistêmica de ordenamentos jurídicos, constituídos basicamente sob a
forma de códigos; consequentemente a eficácia das leis se tornou um dos
temas mais recorrentes no pensamento jurídico78.
Deste modo, quanto mais complexo são os sistemas sociais, menor
seria a autoridade institucional do Estado em termos de controle pelo
direito.
Já citamos aqui que Faria aponta que “a eficácia de uma determinada
ordem legal costuma ser definida com o poder de produção de efeitos
jurídicos concretos na regulação de situações”. Ainda de forma mais
precisa, continua o doutrinador: “as normas e as leis costumam ser eficazes
quando encontram na realidade por elas regulada as condições sociais,
econômicas, política, culturais, ideológicas e até mesmo antropológicas
para seu enforcement, para seu reconhecimento, para sua aceitação e para
seu cumprimento por parte de seus destinatários.” 79
O Estado ao tentar usar o direito positivo como instrumento de
planejamento e direção econômica, termina abarcando diversas matérias
e, assim, indo além do que a lógica jurídica permite. Quando o legislador
atua de maneira desenfreada, tentando acompanhar as mudanças sociais,
esquece de que quando mais complexa é a lei, mais apresentará falhas.
Conforme já discutimos, a falha também poderá ser presente quando
ligamos o direito à economia, pois ambos caminham, embora interligados,
com velocidades diferentes. O tempo de alteração do ordenamento jurídico
é mais lento se comparado as mudanças econômicas, ou seja, tentar fazer o
direito acompanhar as mudanças econômicas por meio de fúria legislativa,

78. Sobre o tema: A utilização do direito como instrumento de implementação de políticas


públicas coloca em pauta outro fenômeno, o da profusa produção de normas jurídicas pela
Administração, que Carnelutti referiu como “inflação normativa”. GRAU, Eros Roberto. O
direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 29.
É típico da condição humana (e também, portanto, da legislação) que labutemos com duas
desvantagens interligadas sempre que procuramos regulamentar, antecipadamente e sem
ambiguidade, alguma esfera de comportamento por meio de um padrão geral que possa ser
usado sem orientação oficial posterior em ocasiões específicas. A primeira desvantagem é nossa
relativa ignorância dos fatos; a segunda é a relativa imprecisão de nosso objetivo. Se o mundo no
qual vivemos tivesse apenas um número finito de características, e estas, juntamente com todas
as formas sob as quais podem se combinar, fossem conhecidas por nós, poderíamos então
prever de antemão todas as possibilidades. Poderíamos crias normas cuja aplicação a casos
particulares nunca exigiria uma escolha adicional. Poder-se-ia tudo saber e, como tudo seria
conhecido, algo poderia ser feito em relação a todas as coisas e especificado antecipadamente
por uma norma. Esse seria um mundo adequado a uma jurisprudência “mecânica”. HART,
Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. (...), 2009, p. 166.
79. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p.
123.
104 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

poderá deixá-lo mais complexo e, assim, com grandes possibilidades de


discricionariedade por parte do julgador.
É justamente este o ponto nevrálgico do tema, pois quanto mais
complexo for a norma legal, de fato maior margem para discricionariedade
apresentará.
Ainda Faria80 volta a afirmar que uma das consequências do processo
de “juridificação” provocado pela enorme produção de leis, decretos,
portarias e instruções normativas, por parte dos economistas responsáveis
pela política macroeconômica, acaba sendo a perda da capacidade de
predeterminação das decisões concretas por meio do próprio direito
positivo.
Verificamos então que diante da inflação legislativa e complexidade
do sistema, há maior possibilidade de discricionariedade judicial, porém
a norma de caráter aberto, que seria a solução para evitar essa situação,
é justamente entregar discricionariedade ao julgador. Há, evidentemente,
um judiciário com fortes poderes no mundo moderno (tema este tratado
recorrentemente no livro).
Ainda sobre o tema, Eduardo Cambi81 destaca que a Lei é resultado
de grupos de pressões (representantes de empresários, ruralistas,
religiosos, sindicalistas, servidores públicos), podendo ela ser manipulada
para promover outros interesses82. Há, conforme sugerido no título do
presente livro, de acordo com nosso entendimento, uma instrumentalidade
a priori com o objetivo de favorecer determinados grupos, fruto, inclusive,
do jogo democrático83. Ocorre que esta instrumentalidade não soluciona
todas as intenções, vez que em determinados casos necessário se faz a
racionalidade a posteriori.
O Poder Judiciário é chamado para corrigir distorções e falhas
dessa inflação legal, o que muitas vezes vai de encontro aos interesses do
administrador público, tema este tratado no capítulo 2 quando discorremos
sobre influências econômicas no direito e trataremos também ao abordar
a racionalidade a posteriori.

80. Ibidem, p. 18
81. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 183
82. Instrumentalidade a priori na nossa visão.
83. Sobre o tema: “Isso faz com que exista um controle anterior à criação do Direito e um controle
posterior à criação do mesmo, ambos de natureza eminentemente política, a fim de manter
ou alterar os direitos instituídos. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação
constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, p. 80.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 105

Verifica-se, portanto, que a eficácia da norma não tem ligação


apenas com seu texto legal. Esse novo cenário mundial de intervenção,
de aspectos globalizados, implica na conexão do texto legal a fins sociais,
econômicos, política, culturais, dentre outros. A eficácia, em determinados
casos, não seria uma questão de fatos e sim de valores.
O Estado instrumentaliza normas em uma direção no momento
de sua positivação. Para ele é uma estratégia que endossa atitudes dos
organismos governamentais. Ocorre que o sistema fechado, hierarquizado,
foi progressivamente sendo substituído por um direito organizado sob
a forma de rede, tendo em vista esses microssistemas e essas cadeias
normativas que procuram captar toda a complexidade da realidade
socioeconômica.
Aparentemente então quanto mais o Estado tenta se apropriar do
Direito para regular todos os espaços, menos o Estado intervencionista
parece capaz de mobilizar os instrumentos normativos de que formalmente
dispõe. A contradição é presente no fato de que quanto mais o Estado
legisla, mais acelera o esvaziamento da própria funcionalidade do direito, a
ponto do sistema jurídico se confundir com o sistema político.84
Afirma Eduardo Cambi85 que a Constituição é um instrumento
limitativo do poder. Questionamos se de fato é? Uma Constituição
analítica limita o poder? O texto formal de fato tem esse poder limitativo?
Destacamos que o poder é difuso e entendemos que mesmo uma
constituição analítica não limita o poder por si só, vez que seu conteúdo
pode ser interpretado (racionalidade a posteriori).
Essa incoerência ou inflação legislativa implica no descrédito e,
consequentemente, deixa o juiz como protagonista (poder discricionário)
da vida política, social e econômica. Sobre o poder discricionário, Carlos
Augusto Silva86 assegura que pode ele ser pelos Estados totalitários
contemporâneos elevados ao mais alto grau, criando-se, assim, incertezas
jurídicas ou devido ao Estado gerar uma total falta de independência do
juiz em relação ao poder político.

84. Nesse sentido: estrutura essa, conforme se afirmou há pouco, caracterizada pela existência
de diferentes microssistemas normativos dotados de lógica própria, dificilmente ajustáveis às
pretensões de coerência e completude do ordenamento. FARIA, José Eduardo. O direito na
economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p. 133.
85. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 24.
86. SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da
política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 54.
106 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

A consequência é que o aumento da discricionariedade faz do


judiciário um poder mais ativo, pois deve ele, diante da inflação de normas,
reconstruir a realidade; é o aumento da possibilidade de escolha oferecida
aos magistrados tendo em vista o excesso de leis e por leis assimétricas.
Essa reconstrução de realidade poder ser o reflexo da racionalidade
a posteriori, ou seja, para adequação dos fins pretendidos, poderá o julgador
fazer uma racionalidade diante do contexto social e não simplesmente fazer
a interpretação da norma, ou seja, haverá uma “interpretação valorativa”.
O problema é a escolha de atender quais valores presentes dentro de uma
sociedade, pois ela é plural.
Nesse quadro caótico, conforme já afirmamos quando discorremos
sobre discricionariedade judicial, surge a necessidade de pensar o devido
processo legal não somente como norma posta. Para tanto, apontamos
a necessidade também de um devido processo legal substancial87, apto
a inquinar de inconstitucionais as normas arbitrárias, desarrazoadas. José
Eduardo Faria afirma ainda que a necessidade de uma adequada técnica
processual passa por sua flexibilização. Neste sentido: “No âmbito
específico do Estado-nação, suas instituições jurídicas acabaram sendo
progressivamente reduzidas, no que se refere ao número de normas e
diplomas legais, e tornada mais ágeis e flexíveis, em termos processuais”.88
Sobre o tema, pertinente também entender que com a fúria
legislativa, devemos questionar a atitude do legislador em fazer mais
normas de caráter aberto ou não, bem como a necessidade do juiz ser mais
formalista ou não, pois a discricionariedade estaria ligeiramente ligada a
esses questionamentos.
Gajardoni sustenta que o formalismo deve ser rechaçado por
converter em fim o que não é mais do que um meio. Para ele, mesmo

87. Sobre o tema: “Due process of law”, com conteúdo substantive – “substantive due process”
– constitui limite ao legislativo no sentido de que as leis devem ser elaboradas com
justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (“reasonableness”) e de racionalidade
(“rationality”), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o
objetivo que se quer atingir. ADI. 1.511. 16.10.1996.” (grifo nosso).
“ADI 1158 MC / AM - Amazonas ementa: ação direta de inconstitucionalidade - Lei estadual
que concede gratificação de ferias (1/3 da remuneração) a servidores inativos - Vantagem
pecuniaria irrazoavel e destituida de causa - Liminar deferida. - A norma legal, que concede
a servidor inativo gratificação de ferias correspondente a um terco (1/3) do valor da
remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção
concretizadora da cláusula do “substantive due process of law”, como insuperavel
limitação ao poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio etico-
jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniaria cuja razão de ser
se revela absolutamente destituida de causa”. (grifo nosso)
88. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p.
141
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 107

as proliferações de procedimentos especiais são incapazes de atender


os diversos litígios, tendo em vista, inclusive, a sociedade moderna e
crescente de demandas judiciais; neste sentido, as alterações legislativas
são incompatíveis com a ânsia pela tutela adequada.
O doutrinador89 ainda assegura que o que legitima a decisão proferida
e, por fim, a solução do litígio, não é a simples obediência à forma, mas
sim o contraditório e a participação das partes.
Embora necessário o uso da flexibilidade procedimental em
determinados casos, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira90 aponta que
é impensável um processo justo sem formalidades mínimas, cujo
procedimento seria estabelecido pelo juiz, todavia o simples formalismo
não basta (não pode ser um pobre esqueleto sem alma). Pensa-se atualmente
não na relação processual isolada, mas na perspectiva da atividade,
poderes e faculdades do órgão judicial e das partes. O processo é um
diálogo, porém não com um juiz soberano, condicionado à vontade e ao
comportamento das partes; neste sentido o contraditório é um poderoso
fator de contenção do arbítrio do juiz.
Tendo em mira essa preocupação do direito com a realidade, a
solução concreta implicará na reinterpretação dos princípios e levar em
consequência a aplicação da regra, não somente de uma aplicação formalista
e literal do texto da lei.91 O problema, porém, é que tudo isto implicará
em conferir mais poderes aos julgadores, ou seja, novamente entramos
o assunto de que a inflação legislativa ocasiona maior discricionariedade.
Não há, para o Perelman, uma argumentação pura, uma teoria pura
do direito, pois isso seria desprezar elementos sem os quais o raciocínio
prático funcionaria, por assim dizer, no vazio; é ver o raciocínio prático
conforme o modelo de raciocínio teórico. Em tese de doutorado, Rafael
M. Iorio Filho92 aponta ainda que “a compreensão do Direito, resistente e
encastelado em si mesmo, fornece uma percepção precária e reducionista
da realidade social”.

89. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o


estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC.
São Paulo: Atlas, 2008, p. 101.
90. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. ver. São Paulo:
Saraiva 2003, p. 109.
91. PERELMAN, Chain. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução: Verginia K. Pupi. São Paulo:
Martins Fontes, 1998, p. 135.
92. IORIO FILHO, Rafael Mario. Uma questão da cidadania: o papel do supremo tribunal federal
na intervenção federal. 2009.
108 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Sobre o tema, MaCintyre93 questiona qual a alternativa existente


se o senso comum fracassa? A possibilidade, para ele, é que se deve
descobrir qual a forma do raciocínio prático ou a natureza da justiça e,
principalmente, que não se deve começar por uma teoria.
A lei não deve ser posta como um pilar de alicerce para tudo, como
única expressão de justiça. Deve ser a lei encarada como uma batalha, com
estratégia do poder, não simplesmente como estado de paz.
Em breve síntese, portanto, temos que o excesso de legalização que
tenta em determinadas situações limitar o poder do julgador, implica no
movimento contrário, ou seja, aumenta o poder discricionário. Há, com
isso, a insegurança do próprio direito. O excesso de leis produz o efeito
inverso, pois aumenta a possibilidade de interpretações do texto legal,
aliado ao fato, inclusive, da possibilidade de discricionariedade no atual
cenário de protagonismo do judiciário.
É, certamente, um grande questionamento do mundo
contemporâneo, onde a norma de caráter aberto entrega grande poder
discricionário ao julgador e o oposto, que seria formalidades excessivas,
diante da incompletude da lei, poderá em muitos casos ocasionar também
grande margem para discricionariedade.
Verifica-se pelo todo já exposto que tudo está interligado: o
protagonismo, a gestão ativa de processos, a discricionariedade judicial, a
flexibilidade procedimental e a inflação legislativa. Tudo fica dentro desse
assunto de protagonismo judicial e principalmente na entrega final da
jurisdição, que é a sentença, assunto este que iremos tratar no decorrer
dos tópicos e no capítulo 5 e 6. Adiante o “processo como estratégia do
poder”.

4.4 PROCESSO COMO ESTRATÉGIA DO PODER

Pelo todo aqui já exposto, o processo tem a função neste Estado


contemporâneo de guardar efeitos estratégicos para ser símbolo de
proteção dos direitos. Nessa linha, Niklas Luhmann constrói estudo
da legitimação dos procedimentos, pois, para ele, os procedimentos
juridicamente organizados fazem parte dos atributos mais extraordinários
do sistema político das sociedades modernas. Nesse norte, o processo
surge como meio para legitimar a jurisdição.

93. MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual Racionalidade?. Tradução: Marcelo Pimenta.
São Paulo: Loyola, 1991, p. 357.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 109

Ocorre que as normas constitucionais surgem como princípios


programáticos, que são aqueles que possuem conteúdos sociais e buscam
a interferência do Estado na ordem econômica-social. A inauguração
desse Estado Democrático no Brasil surge a partir de 1988, exigindo a
participação do Poder Judiciário na arena política.
Para Almeida94 há mudanças nas Constituições para atender às
exigências de incluir em seus textos programas econômicos. A primeira
foi a Mexicana (1917), após a de Weimar, Constituição alemã de 1919.
Assegura ainda o doutrinador que o Direito Econômico desde o século
XXI adquiriu um caráter mais procedimental, com vistas a permitir o
encontro de soluções para os conflitos no mercado.
Para Duarte, Iorio Filho e Lupetti95, o Supremo Tribunal Federal
adota a concepção finalista do processo, sendo que para esta concepção
toda preocupação principal é no resultado do processo, ou seja, é o
processo um instrumento de realização do direito material. Deve, portanto,
o processo cumprir seu fim, que é a proteção do bem da vida sob litígio
judicial. O processo, portanto, é preocupação secundária, pois o objetivo
da intervenção é assegurar a efetividade do direito material.
De acordo com a outra concepção, a procedimentalista, que objetiva
estabelecer um modelo ideal de processo, os vetores estão relacionados à
ideia de segurança jurídica, com regramento previamente ajustado para
que se concretize as garantais constitucionais processuais – há uma maior
valoração da forma.
De acordo ainda com Duarte, Iorio Filho e Lupetti96, o processo
é estratégia do poder voltada para um projeto de permanência, passa
a ser ele elemento integrante do jogo de poder97. Neste sentido, Soraya
Gasparetto Lunardi98 afirma que o processo judicial além do conjunto de

94. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia,
economia do direito, direito econômico, law and economic, análise econômica do direito,
direito econômico internacional. 4 ed. São Paulo. Saraiva, 2012, p. 287.
95. DUARTE, Fernanda; IORIO FILHO, Rafael M.; LUPETTI, Bárbara. Jurisdição Constitucional,
Poder e processo: uma proposta de metodologia de análise jurisprudencial. Conpedi Manaus.
2011
96. Ibidem, p. 10.
97. Sobre o tema Carlos Augusto Silva: “Os modelos processuais, como já ressaltado no primeiro
capítulo, refletem os valores políticos, econômicos, sociais, culturais e as estratégias de poder
das sociedades em que inserem”. SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de
poder: reflexo da judicialização da política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 74.
98. LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. Modulação temporal dos efeitos no processo de
controle de constitucionalidade e influência de argumentos econômicos. Phornesis: Revista do
Curso de Direito da FEAD, n.º 5. Janeiro/Dezembro de 2009a, p. 105.
110 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

regras e sequência de atos que busca determinadas finalidades, constitui


uma forma de exercício de estratégias de poder.
Há certamente no processo civil uma ideologia de assegurar
obediência às estratégias do poder e este é o norte deste capítulo99.
Pretende-se demonstrar qual a orientação do Estado nessa nova ordem
econômica100, inclusive contemporânea, pós crise de 2008, aliada ao fim do
puro positivismo com o término da segunda guerra mundial.
Faria101 aponta que para o Executivo as diferentes instâncias têm
sido utilizadas mais como instrumento de poder do que como sinônimo
de direitos assegurados e regulados. Há, inclusive, um título no livro do
doutrinador o direito como instrumento de organização coletiva para
relatar o quadro contemporâneo.
Questiona-se se o Estado deve fazer intervenção por meio
do processo e do direito material, se não, qual o risco do Estado não
intervencionista (leia capítulo 3). A grande preocupação atual é provocar
estudo para demonstrar qual adequada técnica processual, porém o
Estado não pode mais impor um positivismo jurídico alheio ao contexto
social; essa nova posição globalizada implica em mudanças significativas
no cenário processual (diga-se influências do poder econômico na ordem
processual).
O problema não é na simples técnica processual, e sim o grau de
legitimidade do julgador e do Estado que, inevitavelmente, utilizam o
processo como estratégia do poder para, com o direito, fazer conexão
99. Sobre o tema: Percebe-se então que o processo hoje -e isto não lhe é exclusivo- transita do
modelo jurídico discursivo para o modelo normativo disciplinar, pois ele é instrumento do
modelo de Poder vigente nas sociedades atuais e ai se encontra a razão da apropriação estatal
dos meios de solução de conflitos individuais que se estabelecem dentro do meio social e
manutenção de seu monopólio pelo Estado. BALEOTTI, Francisco Emilio. O processo como
discurso segundo o pensamento de Michel Foucault. 2015, p. 4.
Sobre o tema: “ Com as decisões judiciais, em fases de grande fervor populista e de exercício
autoritário do poder, são facilmente manipuladas, inclusive a partir da própria ideologia do
poder dominante (...). MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014a.
“Basicamente, o direito deixou, de vez por todas, de significar lei, e a jurisdição não mais se
limitou a atuar a vontade da lei.” Ibidem, p. 92
100. Sobre o tema, Soraya Gasparetto Lunardi, ao analisar os efeitos da modulação temporal no
processo de controle de constitucionalidade e influência de argumentos econômicos, afirma
que não foi possível encontrar uma ator beneficiário ou prejudicado. Destacou ainda que
a modulação é excepcional no controle abstrato e que em um universo de 2.735 ADINs
entre 1988 a 2008 apenas 12 casos tiveram modulação (0,44%). LUNARDI, Soraya Regina
Gasparetto. Modulação temporal dos efeitos no processo de controle de constitucionalidade e
influência de argumentos econômicos. Phornesis: Revista do Curso de Direito da FEAD, n.º
5. Janeiro/Dezembro de 2009a, p. 114.
101. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Saraiva,
2013.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 111

com problemas econômicos do país. O perigo seria o direito passar a ser,


em sua grande parte de utilização, uma estratégia de poder para quem
momentaneamente detenha o poder, que neste caso poderá ser o Estado.
Para Eros Grau102, o direito posto legítimo é um instrumento de
dominação de classe e, com isso, desmistifica-se a legitimidade. Os padrões
estão formados por condições históricas: houve legitimidade feudal, assim
como houve legitimidade capitalista e se poderá falar de uma legitimidade
socialista.
Dito esse novo panorama mundial, importa agora seguir para
demonstrar esse processo como estratégia do poder. Carlos Augusto Silva
afirma que a passagem do iudicium para o processus não reside na busca
do embrião da ciência processual, mas sim o processo civil nos quadrantes
do poder estatal103. 0 mundo moderno assistiu a crescente racionalização do
pensar humano, racionalização esta que pode ser definida como adequação
dos meios mais eficientes para alcançar determinados fins104.
Nesse quadro o processo civil passou a ser matéria constitucional,
pois trata sobre a regulamentação do exercício de uma das funções capitais
do Estado moderno, qual seja, o poder jurisdicional. Para obter o poder o
Estado dispensa a violência física e impõe uma estrutura para dominação
sem fazer com que os dominados percebam. Sobre o tema, Rafael Mario
Iorio Filho: “Ela dispensa a violência física por conseguir os mesmos
efeitos de maneira mais eficaz. A naturalização das crenças trabalhadas
pelo domínio através da linguagem impõe uma estrutura de pensamento
específico (habitus), que faz com que os dominados, diferentemente da
arbitrariedade física, não percebam as imposições que lhes estão sendo
colocadas, criando desta forma, uma estabilidade maior na manutenção
do poder do campo.”105

102. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011, p. 90.
103. SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da
política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 25.
104. Sobre o tema: “Esse trabalho de verificação da constitucionalidade consiste basicamente na
verificação da necessidade e adequação de cada restrição imposta às liberdades individuais para
tutelar a segurança coletiva, devendo sempre existir justificativa constitucionalmente aceita para
tanto. Esse trabalho é particularmente árduo, havendo o risco de o julgador realizar avaliações
subjetivas. Mas, independentemente dos problemas de racionalidade do exame judicial da
constitucionalidade, é necessário constatar o conteúdo de cada direito fundamental envolvido
no problema dos limites da intervenção estatal.” LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. Papel
do judiciário na segurança nacional. Seqüência. UFSC, Florianópolis, SC, Brasil. V. 30 n.º 58
(2009).
105. ORIO FILHO, Rafael Mario. Uma questão da cidadania: o papel do supremo tribunal federal
na intervenção federal. 2009.
112 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

O processo como estratégia do poder não é exclusivo apenas no


cenário político atual, Hannah Arendt106 já afirmava que Embora todos os
aspectos da condição humana tenham alguma relação com a política, essa
pluralidade é especificamente a condição. É, portanto, natural essa relação
do processo com a política e, consequentemente, com o poder.
Com o desenvolvimento ampliativo dessas regras procedimentais,
as cortes aumentam para si o grau de independência em face dos poderes
políticos. Conforme já por nós exposto, há, com isso, uma racionalidade
a posteriori, tema este já discutido em diversos tópicos e, inclusive, no
capítulo 6.
O processo, no entanto, pode estar mais ligado ao consenso, sua
característica de instrumentalidade para efetividade, e não especificamente
ao poder, porém isto em diversas situações será inevitável.
Carlos Augusto Silva questiona se as decisões proferidas pelo Poder
Judiciário carecem de racionalidade para serem tidas como legítimas. Para
Habermas107, a racionalidade processual deve conter conteúdo moral, pois
o simples procedimento não legitima o poder; nesse pensamento o autor
ainda salienta que a sociedade evoluiu para uma moral pós-convencional,
moral esta que seria alcançada por meio do agir comunicativo.
Ainda para José Eduardo Faria, o direito incorporou a racionalidade
formal, identificada como a razão instrumental e com a ética da
responsabilidade, em contraste com a racionalidade material que respeita
valores, à razão substancial e à ética da convicção. Vale ressaltar que para
Weber, citado por Carlos Augusto Silva108, não existe somente sistema
jurídico formal, tampouco legitimado pelo direito material.
Sobre o tema, manifesto também é o pensamento de Dworkin109 acerca
da necessidade de reconstrução do direito, pois a racionalidade da decisão
judicial não está completa, devido a vicissitudes da política e ao amálgama
de razões da legitimidade do direito. A intenção com a reforma é que a
decisão correta tenha que se encaixar num sistema jurídico coerente.110

106. ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Tradução: Roberto Raposo. Revisão técnica:
Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 8.
107. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011.
108. SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da
política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 62
109. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Havard University
Press, 1977/1978.
110. Sobre o tema ler também em DELAMAR, José Volpato. A teoria discursiva da aplicação do
direito: o modelo de Habermas. (...), p. 24
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 113

Diante de todo esse discurso, o direito apropria essa ordem


processual para implementar suas medidas estatais e o processo disciplina
o exercício do poder. Entendemos que este é o ponto central da presente
discussão, pois o processo poderá ser utilizado para estratégia do poder,
não apenas aplicabilidade do justo (princípios de justiça).
Como o poder é difuso, ele ficará disperso na sociedade e agirá em
diversas frentes e em diversos momentos. Como a lei parece ser uma áurea
da justiça, determinados grupos que detenham o poder poderão assim dele
utilizar para seus fins pretendidos. O processo poderá ser assim utilizado
como estratégia do poder, mas não apenas o processo, o ordenamento
jurídico como um todo poderá assim ter esse fim.
Para Dinamarco111, o direito processual é a disciplina do exercício
do poder estatal pelas formas do processo legalmente instituídas e
mediante a participação do interessado, ou interessados. Encerra ainda
o doutrinador afirmando que a teoria geral do processo chega até onde
se trata de atividades preordenadas ao exercício do poder. Faria112, por
sua vez, salienta que a eficácia de uma determinada ordem legal costuma
ser definida com o poder de produção de efeitos jurídicos concretos na
regulação de situações.
Diagnosticamos, deste modo, o processo como estratégia do
poder em duas dimensões, uma na instrumentalidade a priori, quando o
legislador ao criar as normas pensa em interesses fruto das relações de
poder, antevendo determinadas situações e, assim, criando estratégias para
a governabilidade. Pode, nessa situação, a intenção do legislador ter efeito
prático contrário, como a inflação legislativa apontada no tópico anterior,
fato este que cria mais discricionariedade.
A segunda dimensão é a racionalidade a posteriori, onde o processo
como estratégia do poder é utilizado pelo próprio julgador, principalmente
verificado nos casos de normas com caráter aberto e inflação legislativa.
Sobre o tema, voltaremos no capítulo 6, pois adiante segue a judicialização
da política.

4.5 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Dentro do tema proposto sobre o poder, Estado Democrático, Estado


Social, funções da Jurisdição, mundo contemporâneo, inevitavelmente
111. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 84.
112. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. Malheiros Editores Ltda. 2004, p.
123.
114 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

iremos tocar no assunto de “judicialização”, que é a atuação do Judiciário


em temas que deveriam ser discutidos no âmbito da política.
Para Barroso, a judicialização significa algumas questões de larga
repercussão política ou social que estão sendo decididas pelo Poder
Judiciário e não pelas instâncias políticas tradicionais. Há com isso uma
alteração significativa na linguagem, na argumentação e no modo de
participação da sociedade.
De acordo com Araújo113, a judicialização é complexa e com
inúmeras dimensões. Os magistrados, com a transferência decisória dos
poderes Executivo e Legislativo, passam a revisar e implementar políticas
públicas e a rever regras do jogo democrático. C. Neal Tate e Torbjörn
Vallinder, citado por Carlos Augusto Silva114, sobre o tema destacam que
a judicialização da política surge como uma defesa das minorias contra as
maiorias parlamentares.
A atual Carta brasileira ampliou a atuação do Poder Judiciário e
aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira. Há, assim, uma
desconfiança no legislador.
Sobre os riscos da politização da Justiça115, Barroso salienta que
Direito não é política116, porém não é possível ignorar que a linha divisória
entre Direito e Política nem sempre é nítida e certamente não é fixa. O risco
da judicialização e do ativismo117 envolvem a legitimidade democrática e
a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas

113. ARAÚJO, Fernanda Raquel Thomaz de. Controle judicial de políticas públicas e realinhamento
da atividade orçamentária na efetivação do direito à educação: processo coletivo e a cognição
do judiciário. 2013. Dissertação de Mestrado. Disponível em: uel.br. Acesso em 30 set. 2013,
p. 3.
114. SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da
política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 92.
115. Sobre o tema: “A judicialização da política e a politização do Judiciário são dois temas
conexos. As decisões judiciais têm influência no funcionamento da economia, na tomada de
decisões judiciais e no comportamento social. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e
neoprocessualismo: (...), 2011, p. 198.
116. Sobre o tema: “Não obstante, defendo a tese de que as decisões judiciais nos casos civis,
mesmo em casos difíceis como o da Spartan Steel, são e devem ser, de maneira característica,
gerados por princípios, e não por políticas”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.
3. ed. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 132.
117. Sobre o tema: pesquisa desenvolvida por Armando Castelar Pinheiro, descreve que 73% dos
juízes entrevistados concordam inteiramente ou muito que eles não aplicam somente lei, pois
devem ser sensíveis aos problemas sociais, ou seja, acreditam ser responsáveis pela criação da
lei. Em mesma pesquisa, constou que 83,4% dos juízes participantes entendem que há excesso
de formalismo na legislação. Na mesma linha de raciocínio, 82,3% acreditam que o excesso de
formalismo é obstáculo para o funcionamento do judiciário. PINHEIRO, Armando Castelar.
Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Texto para discussão, Rio de Janeiro,
n.º 966, jul. 2003.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 115

matérias. Afirma ainda que precisamos de reforma política e essa não pode
ser feita por juízes.
Eros Grau118 descreve que a interpretação da Constituição é
marcada por ser ela o “estatuto jurídico do político”, o que prontamente
nos remete à ponderação de valores políticos. Esses valores penetram o
nível do jurídico quando contemplados em princípios, sejam explícitos ou
implícitos.
Campos119 adverte que a nova disciplina constitucional e
infraconstitucional acerca da estrutura e do funcionamento do Supremo,
ampliando o acesso à justiça concentrada e abstrata e os poderes de
decisão, favorece a judicialização da política e das grandes questões sociais.
Complementa ainda que o intérprete da Constituição não se limita
a compreender textos que participam do mundo do “dever-se”, pois há
de interpretar também a realidade, os movimentos dos “fatores reais do
poder”.
Verificamos, deste modo, essa clara relação do protagonismo com
essas diversas frentes: discricionariedade, excesso de leis, processo como
estratégia do poder e também judicialização da política, são todas frentes
que desenvolvem um único tema: o protagonismo judicial.
O direito tem clara ligação com a econômica, como de fato algumas
decisões produzem grandes impactos nos gastos públicos. Streck120, por
exemplo, aponta que em São Paulo os gastos da Secretaria Estadual de
saúde com medicamentos por conta de condenações judiciais em 2011
chegaram a R$ 515 milhões, quase R$ 90 milhões gastos além do previsto
no orçamento do ano destinado a medicamentos. Salienta ainda o
doutrinador que a politização não é um mal em si, o problema é o ativismo.
Destacam também Mário Lúcio Quintão Soares e Renata Furtado
de Barros121 que o processo de judicialização da política, qualificado
por Habermas como “juridificação da política ou positivação do direito
natural”, o Supremo assemelha-se metaforicamente a um novo oráculo de
Delfos ou o umbigo do constitucionalismo brasileiro.

118. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 16º ed. Revista atualizada.
Editora Malheiros, 2014, p. 158.
119. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 240.
120. STRECK, Lenio Luiz. O ativismo e a judicialização: De como os números podem velar o
fenômeno. Arraes, 2014, p. 147.
121. SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARROS, Renata Furtado de. Limites Constitucionais do
Ativismo Judicial. Arraes, 2014, p. 180.
116 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Sobre algumas decisões significativas, temos a questão da


autorização legal de pesquisas de células-troncos embrionária (art. 5º, da
Lei 11.105/2005), que a Corte julgou (STF, Pleno, ADI 3.510/DF em
28/05/2010) pela constitucionalidade da lei.
Outro julgamento que tem ligação com esse tema de judicialização
é o da “infidelidade partidária” (MS 26.602/DF, MS 26.603/DF, MS
26.604/DF e ADI 3.999/DF). Neste, a Corte decidiu que o mandato seria
do partido e não do parlamentar.
Outra decisão foi o reconhecimento da união estável e entidade
familiar entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ).
A Corte neste caso reconheceu a equiparação jurídica entre a união estável
homoafetiva e a união estável heteroafetiva.
Campos122 lembra que foram julgados inconstitucionais com grande
repercussão macroeconômica sobre a Federação, os atuais critérios de
rateio do Fundo de Participação dos Estados (LC 62/1989), por estarem
desatualizados em face do contexto socioeconômico (ADI 875/DF em
30/04/2010).
Decisão proferida no campo da vedação ao nepotismo (ADC12/
DF, RE 579.951/RN e Súmula Vinculante n.º 13). Neste caso a Corte
no ADC validou a proibição do nepotismo quanto ao Judiciário e no RE
definiu a abrangência de todos os poderes de governo e nos três níveis
federativos.
Verificamos uma outra face do protagonismo judicial que é a
judicialização da política, que segue com movimento involuntário do
Judiciário, pois é feito no momento de inércia, sendo que é a decisão diante
da omissão do Legislativo em criar leis sobre determinados assuntos.
A judicialização da política demonstra mais uma ineficiência do
Legislativo do que do Judiciário. O Judiciário julga determinadas demandas
pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, não por ter invocado
de ofício o julgamento de determinada matéria. Não há, portanto, em
princípio, prejudicialidade neste fato isolado, podendo, porém, apresentar
perigo ou despertar maiores preocupações quando este movimento for
criado a priori por estratégia de poder de grupos ou pelos dos outros
poderes do Estado.
A judicialização da política é a atuação do Judiciário em temas que
deveriam ser discutidos no âmbito da política. Não escolhe o Judiciário
julgar essas lides, é ele impulsionado para o julgamento, não tendo, nestes
122. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 225.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 117

casos, a princípio o gesto de ativismo. A crítica é que o direito, em regra,


não deve ter essa ligação com a política, não pode ele tentar atender as
massas, ser populista, ou seja, não deve fazer o que um político faz, pois
poderíamos ter uma inversão de papel perigoso.
É fato que contamos com inúmeros precedentes nestas situações
do Supremo realizadas de maneira, ao nosso ver, acertada. Fez ele o
que deveria fazer diante da inércia dos outros poderes. Porém não é um
movimento que deve ser simplesmente incentivado, não é essa a simples
solução para crise atual. O Judiciário não está preparado para atender
questões de macrojustiça, conforme demonstramos na conta realizada
com gastos de medicamentos em São Paulo em parágrafos anteriores.
Adiante, seguimos com o tema pertinente que são as “súmulas
vinculantes”.

4.6 SÚMULA VINCULANTE

Outro reflexo do protagonismo judicial é a criação das súmulas


vinculantes. Sabe-se que a lei tem caráter abstrato, pois nasce não para
solucionar um caso concreto, mas vários conflitos se necessário. A decisão
judicial não tem caráter abstrato, pois foi proferida para determinado caso,
com todas suas peculiaridades pertinentes.
A criação da súmula vinculante é, portanto, para dar caráter abstrato
a determinada decisão, posicionamento este que recebe sérias críticas. Fato
que a própria súmula pode suscitar interpretações, como há de ser para
toda e qualquer norma geral e abstrata ao ser aplicada em casos concretos.
O conflito pertinente é a inegável necessidade de ser pragmático
em determinadas situações, em especial em conflitos de massa, porém
ter o Poder Judiciário legislando de forma positiva na edição de súmulas
vinculantes.
Um dos grandes problemas da modernidade, certamente é ter uma
sociedade muito complexa, com alto grau de pluralidade (que bom) e um
amplo acesso ao Judiciário (acesso à justiça, que bom também). Inegável
que esse modelo desperte grandes conflitos, muitas vezes com grande
complexidade, tendo o Judiciário a obrigação de dar a tutela adequada.
O problema nasce na necessária visão pragmática para o julgamento.
Certamente não comporta o sistema – tendo em vista as inúmeras ações
e a facilidade de acesso à justiça - fundamentações complexas em todas
as lides, fato este contraditório, pois se a sociedade contemporânea é
complexa, demandaria grande fundamentação para soluções de suas lides.
118 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Vimos, contudo, o contrário. O Superior Tribunal de Justiça,


certamente pela grande quantidade de processos, tem julgada complexas
pretensões com pouca tinta, de forma mais pragmática e com o fito de
pôr fim à lide. Imagina que impensável seria fundamentar todas as lides, de
forma contundente, mesmo tendo a realidade de uma sociedade de massa,
onde várias lides são semelhantes.
O STF, seguindo essa linha, utiliza-se da súmula vinculante e,
assim, procura resolver situações similares. Crítica similar encontramos
nos escritos de Hart, ao afirmar que não se pode aplicar às declarações
dos próprios tribunais, pois poderia isso implicar em discricionariedade
irrestrita, com padrões de decisões genuinamente corretas do ponto de vista
interno, neste sentido: “Não se pode aplicar às declarações dos próprios
tribunais que envolvem uma norma jurídica. Tais pronunciamentos,
conforme argumentavam os “realistas” mais radicais, podem ser um
disfarce verbal para o exercício de uma discricionariedade irrestrita; mas
podem, por outro lado, constituir a formulação de normas genuinamente
consideradas pelos tribunais, do ponto de vista interno, como um padrão
para decisões corretas”.123
Certamente a súmula vinculante (CF, art. 103-A) é criada como uma
estratégia do poder para julgamento das referidas lides. O que desperta
interesse é que isso é fruto desse jogo de poder, pois necessário foi a
instrumentalidade a priori, Emenda Constitucional n.º 45, de 2004 que
criou o artigo 103-A da C.F., para legitimar essa edição da súmula.
Elogios quanto ao procedimento seria de fácil visualização por uma
questão pragmática, pois na crescente litigiosidade de massa, adotar o
procedimento de súmula vinculante é de grande valia. Críticas também,
pois o STF ser o seu próprio intérprete não parece o melhor dos mundos.
Não é o nosso propósito esgotar o tema, que mereceria livro próprio
diante das grandes complexidades. Importante destacar que este é um
dos reflexos do poder e que, inclusive, tem alcance na sentença judicial.
Seguimos com o próximo tema, O Estado como o grande litigante.

123. “It cannot apply to the courts´ own statements of a legal rule. These must either be, as some
extremer ´Realists`claimed, a verbal covering for the exercise of an unfettered discretion, or
they must be the formulation of rules genuinely regarded by the courts from the internal point
of view as a standard of correct decision”. HART, Herbert Lionel Adolphus. The Concept
of Law. 2. ed. Oxford University Press. 1997, p. 147; ou HART, Herbert Lionel Adolphus. O
conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 190.
Protagonismo do judiciário. O poder como uso instrumental e seletivo 119

4.7 O ESTADO COMO GRANDE LITIGANTE

Ainda sobre estratégia do poder, há também um viés de estratégia


por parte do próprio Estado. Em doutrina de Nelson Nery Junior, consta
que 60% dos processos em trâmite no Brasil, são de responsabilidade do
poder público e isto tem reflexos nos cidadãos, em suas rotinas e no poder
econômico de todos, com grande relevância nos negócios jurídicos. O
poder público é responsável por mais da metade dos processos, o que
torna complicado pensar em celeridade processual e técnicas para soluções
de litígios, pois o Estado, o maior interessado, não demonstra interesse
para minimizar os reflexos da morosidade.
Esse é certamente um assunto de grande preocupação, pois se o
Estado é o grande litigante e é ele responsável pela criação da norma
(Legislativo), especial cuidado então devemos ter. Demonstramos
que o processo pode ser utilizado como estratégia do poder, que a
discricionariedade pode ser perigosa para dar aparência de legítimos aos
interesses do poder, e o Estado pode então se apropriar dessa ordem, pois
é certamente um dos grandes interessados.
Tendo o Estado como grande litigante, o protagonismo judicial
e sua forma de atuação desperta certamente grande interesse da
governabilidade. Não pode o governante agir de modo cego para estes
fins, sem pensar na instrumentalidade da norma de forma a priori para seus
interesses, assim como deve, e tenta, influenciar na racionalidade a posteriori
para determinados fins (vide capítulo 5).
O julgamento de determinadas lides cria impactos nas finanças
públicas, sendo, portanto, o ordenamento jurídico grande aliado para
alguns aspectos da governabilidade.
A grande quantidade de litígios implica problemas econômicos,
falta de investimentos, altos custos, insegurança; ironicamente, quem
deveria ser o principal combatente é o principal participante. A demora
no julgamento em diversas situações é benéfica para o Estado, estando
o cenário em terreno perigoso, pois se assim for, encontraremos uma
ausência de interesse ou mesmo uma inércia para rápidas alterações.
Diante desse cenário e pelo todo até aqui exposto, principalmente
sobre o poder, sobre direito e economia e nossa evolução histórica, além
desse protagonismo judicial, questiona-se o que é justiça? Como tratar
sobre esses assuntos, sobre esse jogo de poder e ainda assim falar sobre
justiça em sentido estrito, sobre o tema fizemos algumas considerações no
capítulo 7. Seguimos nossa pesquisa com os estudos de casos e procurando
120 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

demonstrar instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori nas


decisões.
CAPÍTULO V

ESTUDO DE CASOS (LEADING


CASES)

Apresentaremos neste capítulo alguns estudos de casos,


principalmente em lides envolvendo conflitos de massa1, com elevados
aspectos econômicos, com grandes conflitos de interesse ou grande
repercussão.
Destaca-se também que o objetivo não é o estudo do mérito, pois
estudar o ativismo não implica adentrar no mérito das discussões, mas sim
verificar o grau de poder que o julgador gozava para proferir determinada
decisão. Demonstraremos, portanto, a postura do papel institucional e não
o mérito da questão.
Campos2 destaca que em casos como “pesquisas de células-tronco
embrionárias”, as decisões são maximalistas e, com elas, o Supremo busca
“governar o futuro”. Iremos destacar esse perfil de poder, multifacetado,
desse caráter difuso e também fundamentos econômicos nas decisões a
seguir pontuadas. O principal propósito é apurar eventual instrumentalidade
a priori e racionalidade a posteriori. Seguimos, portanto, com essa temática.

5.1 CONCENTRE SCORE

O sistema scoring trata da pontuação usada por empresas para


decidir sobre a concessão de crédito a clientes. Em 2014, havia cerca de 250

1. Sobre o tema: Faria aponta também que o fato que acelera o processo de esgotamento
do processo regulatório do Estado é os complexos heterogêneos conflitos coletivos entre
grandes conglomerados, entidades sindicais, corporações profissionais e grupos com poder
de articulação, barganha e luta. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização
brasileira. São Paulo: Saraiva, 2013, 137.
2. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 305.
122 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

mil ações judiciais no Brasil sobre o tema, motivos pelo qual escolhemos
a matéria para analisar o julgamento proferido pelo STJ.
Em seu julgamento, o STJ reconheceu como um método legal
de avaliação de risco, desde que tratado com transparência e boa-fé na
relação com os consumidores e, deste modo, criou forte precedente para
as instâncias inferiores (CPC/1973, art. 543-c e CPC/2015, art. 1.036).
Reconheceu o STJ que a simples existência de nota desfavorável ao
consumidor não dá margem à indenização por dano moral. No entanto,
havendo utilização de informações sensíveis e excessivas, ou no caso de
comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou
desatualizados, é cabível a indenização ao consumidor.
O Recurso Especial representativo de controvérsia foi o REsp
1.419.697. Entendeu-se pela licitude do sistema scoring e o ministro
Sanseverino, inclusive, explicou que as empresas que prestam o serviço
de scoring não têm o dever de revelar a fórmula do cálculo ou o método
matemático utilizado. No entanto, devem informar ao titular da pontuação
os dados utilizados para que tal valor fosse alcançado na avaliação de risco
de crédito.
O ministro João Otávio de Noronha criticou a indústria do dano
moral que nasce diariamente e afirmou que o sistema scoring é um serviço
para toda a coletividade, porque há, além de um cadastro informativo, um
método de análise de risco.
Do todo disposto no acórdão proferido no representativo de
controvérsia, apura-se voto pontual em questões técnicas, sem, contudo,
deixar de lado uma necessidade do mercado de controlar esse
sistema, tendo em vista a facilitação do crédito. Não há no acórdão
fundamentos dos aspectos econômicos da decisão proferida, limitando
mais na necessidade de controlar a concessão de crédito e proteção dos
direitos da personalidade.
Embora a decisão favoreça todas as empresas que utilizam o
sistema de consulta e que estão, portanto, no topo da relação de poder se
comparada com os consumidores, não encontramos na decisão do STJ
fundamentos econômicos ou racionalidade a posteriori para referido mérito.
É isto o que importa, portanto, para este tópico.
Estudos de casos (Leading cases) 123

5.2 PERDAS DA POUPANÇA EM PLANOS ECONÔMICOS

Passamos agora a tratar da lide acerca das perdas da poupança em


planos econômicos3. Segundo a tese, teriam direito todos os consumidores
que possuíam caderneta de poupança com aniversário entre 1 a 15 de
janeiro de 1989 (ou 1 a 15 de junho de 1987 no Plano Bresser) e que
mantiveram saldo na conta até a remuneração do mês seguinte. Ao todo
são quatro planos: Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor
2 (1991).
A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) adota projeção feita
pelo Banco Central de estimativa de R$ 150 bilhões os valores envolvidos
nas ações. O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) estima em R$ 8,4
bilhões, pois exclui R$ 81,2 bilhões referentes ao Plano Collor 1.
A discussão é travava em torno do direito de correção pelos critérios
anteriores à mudança, também sobre o prazo de prescrição a ser adotado
e o termo inicial dos juros de mora.
Forte argumento de defesa dos bancos seria danos à economia do
país. A matéria fora julgada pelo STJ em 2010, com ganho de causa aos
poupadores e o então ministro relator Sidnei Benetti propôs, inclusive, a
realização de um recall por parte dos bancos para que reconhecessem as
dívidas. O julgamento foi suspenso e o caso encaminhado para o STF. A
Febraban apontou também que única alternativa seria promover uma ação
contra o Estado para tentar o ressarcimento dos valores, o que preocupou
a Secretaria do Tesouro Nacional.
Há uma forte disputa em dados sobre eventuais prejuízos econômicos
para os Bancos. O parecer da Procuradoria Geral da República apontou
R$ 450 bilhões de ganhos para os bancos com os planos econômicos, em
razão das mudanças provocadas nas contas de poupança. O Credit Suisse
divulgou um estudo apontando que os dados dos bancos são falsos, pois
os valores estariam na casa de R$ 8 bilhões a R$ 26 bilhões.4
Há, no processo em questão no STF, diversos estudos para calcular
eventual valor envolvido por parte do Ministério Público Federal (MPF),
Federação Brasileira de Bancos. Há, inclusive, parecer favorável aos bancos
realizado por Eric Maskin, prêmio Nobel de Economia.
Em entrevista, Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda,
à Reuters5 afirmou que a pressão do governo sobre o STF pode ser
3. Este capítulo não foi atualizado pela segunda edição deste livro.
4. redebrasilatual.com.br. Acesso em: 21 nov. 2014.
5. economia.uol.com.br/noticias/reuters/2013/11/26/pressao-do-governo-no-stf-sobre-
124 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

contraproducente e levar os ministros a decidirem contra o governo. Para


ele, o STF vem tentando mostrar independência em relação ao Poder
Executivo e poderia decidir a favor da correção, independentemente dos
eventuais desdobramentos econômicos da decisão.
Delfim acredita que se o STF der ganho de causa aos poupadores,
isso causará um “prejuízo gigantesco para o crescimento econômico”.
O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o então presidente do
Banco Central, Alexandre Tombini, já foram algumas vezes ao STF para
conversar com os ministros sobre o assunto, mostrando as consequências
que veem para a economia caso os poupadores saiam vitoriosos.
De acordo com a reportagem sobre o tema6, “precisaria uma
solução pragmática que dificilmente seria justa. Desorganizaria o sistema
financeiro e traria perigosos riscos sistêmicos”, disse Delfim, sem dar
detalhes. “Ser justo com o poupador seria uma tragédia”.
Aguarda o processo ainda julgamento, todavia, sem entrar no mérito
em questão, nossas observações inquestionáveis são os argumentos
econômicos de ambas as partes. O principal argumento em questão é
o impacto econômico do país diante de eventual procedência, ou seja,
procurar dar uma racionalidade a posteriori, ou como falou por Delfim, uma
solução pragmática que dificilmente seria justa.
A instrumentalidade a priori não foi suficiente para solucionar o tema
em questão, necessitando, portanto, argumento de racionalidade posteriori
do julgador, envolvendo assuntos econômicos por um suposto bem maior
(economia do país).

5.3 FUNRURAL

A Lei 8.212/91 determinou, para o trabalhador rural/ pessoa física


que utiliza mão de obra para o auxílio na produção, que deverá contribuir,
em relação aos seus empregados, sobre o resultado da comercialização de
sua produção, em substituição à contribuição de empregador, além de ter
que satisfazer percentual de suas receitas como contribuinte individual.7
O produtor rural será considerado, para fins previdenciários, a pessoa
física proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, pesqueira
ou de extração mineral, de forma permanente ou temporária, diretamente

poupanca-pode-ser-tiro-no-pe-diz-delfim.htm. Acesso em: 21 de nov. 2014


6. economia.uol.com.br. Acesso em: 21 de nov. 2014
7. MOSS, Lucas Rezende; SPAGNOL, Ludymilla. O Fundo de Assistência ao Trabalhador rural
(FUNRURAL).
Estudos de casos (Leading cases) 125

ou por intermédio de prepostos e com o auxílio de empregados, utilizados


a qualquer título, ainda que de forma não contínua (artigo 12, inciso V, “a”
e “b”, da Lei 8.212/91).
Deste modo, ao alterar a redação do artigo 12, inciso V da Lei
8.212/91, além de outras modificações, a Lei n.º 8.540/92 criou o Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, com o propósito de
subsidiar o pagamento dos benefícios assistenciais aos trabalhadores rurais,
com custeio incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização
de produtos rurais.
O FUNRURAL é uma contribuição que substitui a cota patronal
do encargo previdenciário, além do percentual dos Riscos Ambientais do
Trabalho – RAT. A alíquota do FUNRURAL é de 2,1%, sendo 2,0% para
o INSS e 0,1% para o RAT, além da contribuição ao SENAR - Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural.
Por meio do Recurso Extraordinário n.º 363.852, o STF julgou
inconstitucional a exigência da contribuição para pessoas físicas do
FUNRURAL, determinada pelo artigo 1º, da Lei n.º 8.540/92, que alterou
a Lei n.º 8.212/91. O fundamento da inconstitucionalidade foi a instituição
da cobrança por meio de Lei ordinária e não complementar.
A decisão do STF desobrigou o recorrente, e apenas o recorrente
(Frigorífico Mataboi S.A), da retenção e do recolhimento da contribuição
previdenciária ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a receita
bruta proveniente da comercialização da produção rural de empregadores,
pessoas físicas, fornecedores de bovinos para abate. Declarou-se, então, a
inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.º 8.540/92.
O STF julgou Recurso Extraordinário n.º 596.177/RS8 com o
reconhecimento de repercussão geral e confirmou o entendimento quanto
à inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.º 8.540/92, que instituiu a
contribuição ao FUNRURAL.
Alinhando a esse entendimento proferido pelo STF, o STJ (REsp
1.070.441) reconheceu a extinção definitiva da contribuição ao Fundo de

8. “Constitucional. Tributário. Contribuição social previdenciária. Empregador rural pessoa


física. Incidência sobre a comercialização da produção. Art. 25 da Lei 8.212/1991, na redação
dada pelo art. 1º da Lei 8.540/1992. Inconstitucionalidade.  I - Ofensa ao art. 150, II, da
CF em virtude da exigência de dupla contribuição caso o produtor rural seja empregador. 
II - Necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a
seguridade social.  III - RE conhecido e provido para reconhecer a inconstitucionalidade do
art. 1º da Lei 8.540/1992, aplicando-se aos casos semelhantes o disposto no art. 543-B do CPC.
(RE 596177, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011,
Repercussão Geral - mérito DJe-165 Divulg 26-08-2011 Public 29-08-2011 Ement vol-02575-
02 PP-00211 RT v. 101, n.º 916, 2012, p. 653-662)”
126 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Apoio ao Trabalhador Rural. O recorrente daquela lide solicitou, além


do reconhecimento da extinção sobre a retenção e o recolhimento da
contribuição, o ressarcimento dos valores recolhidos desde o fim do
Funrural, em 1991.
Ocorre que em mudança abrupta de entendimento, por maioria
de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a
constitucionalidade do Funrural. A decisão foi tomada no julgamento do
Recurso Extraordinário n.º 718874, com repercussão geral reconhecida,
ajuizado pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4), que afastou a incidência da contribuição9.
A decisão proferida no Recurso Extraordinário n.º 718874 (tese
firmada) diz que “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição
social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001,
incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua
produção”
Estima-se que existiam mais de 15 mil processos aguardando o
julgamento do RE 718874. Antes do julgamento neste sentindo, afirmava-
se que a derrota poderia custar R$ 13 bilhões aos cofres públicos, isso
tendo em vista apenas os últimos cinco anos. Fundamentou o Procurador
Geral da Fazenda Nacional que, com o fim do Funrural, cerca de R$ 2,5
bilhões por ano deixarão de ser recolhidos aos cofres públicos. Para o
procurador-adjunto Fabrício da Soller, a decisão do Supremo iria fazer
com que aumentasse a sonegação na área rural: “será um enorme impacto
no orçamento da seguridade social, que já é deficitário em cinco para um,
ou seja, para cada real arrecadado, cinco são gastos com os beneficiários
do sistema”, afirma.10
A decisão que proporcionou mudança abrupta de entendimento
e reconheceu a constitucionalidade do Funrural (RE) 718874 foi
proferida em julgamento no STF por maioria de votos (6 a 5). Em sentido
contrário, pela inconstitucionalidade do Funrural julgaram o relator,
ministro Edson Fachin, a ministra Rosa Weber e os ministros Ricardo
Lewandowski e Marco Aurélio.
O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência e votou pelo
provimento do recurso. Ele ainda destacou que a Lei 10.256/2001 é
posterior à E.C. 20/1998 e foi suficientemente clara ao alterar o caput do
artigo 25 da Lei 8.212/1991 e reestabelecer a cobrança do Funrural,

9. stf.jus.br. Acesso em: 27 nov. de 2017.


10. abdir.jusbrasil.com.br/noticias/2076660/stf-poe-fim-a-cobranca-do-funrural. Acesso em: 18
mar. de 2015.
Estudos de casos (Leading cases) 127

substituindo-se às leis anteriores, consideradas inconstitucionais. De


acordo com o ministro, os incisos do artigo 25 da Lei 8.212/1991 nunca
foram retirados do mundo jurídico e permaneceram perfeitamente
válidos. “Houve a possiblidade de aproveitamento. O contribuinte tem,
ao ler a norma, todos os elementos necessários”, afirmou. Na sessão do
dia 30/03/2017, votaram pelo provimento do recurso os ministros Dias
Toffoli e Gilmar Mendes.
Destaca-se que dos seis ministros que votaram pela
constitucionalidade da contribuição (Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Luís
Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Dias Tóffoli), quatro
deles estavam presentes na sessão de julgamento de 2011, que entendeu
de forma unânime pela inconstitucionalidade: Luiz Fux, Gilmar Mendes,
Carmen Lúcia e Dias Tóffoli. 
A decisão causa grande impacto no presente (valores a serem pagos)
e também valores devidos do passado (contribuições pretéritas).
O Relator ministro Edson Fachin destacou em seu voto importantes
considerações políticas e econômicas11. Assim fez constar: “No caso,
esta Corte Constitucional possui uma responsabilidade sócio-política
perante o Estado e os contribuintes, sobretudo os produtores rurais
e os respectivos responsáveis tributários, à luz da concretude histórica
do Sistema Tributário Nacional” (p. 4); “Segundo dados da Secretaria
da Receita Federal referentes ao ano de 2013, a carga tributária no
Brasil equivale a 35,95% do Produto Interno Bruto, o que representa
aproximadamente 1,74 trilhões de reais em arrecadação tributária, ao
passo que se noticiou no mesmo referencial de tempo um crescimento
acumulado do PIB na ordem de 2,5% em relação ao ano anterior” (p.
4); Na verdade, não é dado à Justiça Constitucional cegar diante de
elementos fáticos constitucionalmente relevantes, em homenagem a
uma concepção hermeticamente fechada do jurídico; “Revela-se salutar
reconhecer a abertura da normatividade constitucional, sob pena de se
criar uma situação em que um significante da Carta Constitucional esteja,
na prática, desprovido de significado e de referente, cumprindo mero
papel simbólico na dinâmica das políticas constituinte e constituída” (p. 5).
O ministro Alexandre de Moraes inicia o voto em divergência,
terminando seus argumentos jurídicos e não de cunho político ou de
reflexos nas contas públicas na página 14.

11. De acordo com o ministro Luiz Fux em seu voto, o ministro Edson Fachin fez, inclusive,
“abordagem jus-sociológica sobre o produtor rural” (RE 718874 / RS, p. 69).
128 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, inicia afirmando


preocupação com a complexidade dos valores envolvidos e inclusive
o histórico de irracionalidade do sistema tributário. Afirma ele que “os
montantes que se discutem em matéria de possível repetição de indébito
são impensáveis em qualquer outro lugar do mundo -, em qualquer outro
lugar do mundo. Quando se fala, por exemplo, no caso do PIS/Cofins, em
que se arbitrou que, talvez, naquela demanda, estivéssemos debatendo algo
como duzentos e cinquenta bilhões de reais, é algo de apavorante”
(p. 109). Cita ele ainda em seu voto que “Muitas vezes, uma Corte com
grande responsabilidade se vê obrigada a fazer um falsete: entende que
é constitucional uma norma que sabe que é inconstitucional.”, dizia ele.
Então, a modulação de efeitos lhe dá uma saída para sancionar a
inconstitucionalidade, mas sem o risco da tragédia, do caos” (p. 110).
Continua Gilmar Mendes afirmando que “Então, o que acontece
quando declaramos a inconstitucionalidade, invariavelmente, de uma
lei tributária? E não estou dizendo que não devamos declarar, mas o
que acontece? Em geral, esse é um jogo de ..., um volume de recursos
- sobretudo, para os grandes contribuintes, isso tem, no mínimo, um
grande efeito de jogo no mercado financeiro -, mas, inevitavelmente,
haverá, na quadra atual, elevação de tributos”. (p. 110)
Ainda Gilmar Mendes aponta que “passamos, ao fim e ao cabo, a
ser responsáveis, de alguma forma, por todo esse quadro de desaguisado
financeiro.” “Veja que se faz um esforço para economizar quarenta bilhões
e nós, em uma assentada, podemos confirmar dispêndios de oitenta
bilhões, ou não entrada de receita de oitenta bilhões. Por isso que se
falou - mas hoje parece que isso está mais pronunciado, superlativamente
pronunciado - no famoso manicômio tributário.” (p. 112).
O ministro Ricardo Lewandowski destaca ainda em discussão com
Gilmar Mendes que “Então, toda vez que nós temos um embate entre
o Fisco e o contribuinte, o Fisco esgrime números absolutamente
apavorantes, oferecendo à Corte argumentos ad terrorem, como no caso
em que nós votamos na semana passada, em que se discutia a incidência
do PIS e do Cofins sobre a base do ICMS, ou seja, cobrando tributos sobre
tributos, como, inclusive, um grande jornal acentuou, ressaltou, dizendo
que era uma prática absolutamente desconhecida nos países civilizados.
Nós nos defrontamos com números que são oferecidos à Corte que
realmente, à primeira vista, são e eram aterrorizantes. Falava-se em
duzentos e cinquenta bilhões de prejuízo para o Fisco, vinte bilhões por
ano. Agora, eu vejo que esses números, e que são ofertados volta e meia a
esta Corte, não têm qualquer base empírica. Nós recebemos memoriais
Estudos de casos (Leading cases) 129

em que esses números são veiculados, mas não há nenhuma estatística,


não há nenhum dado da Fazenda mais consistente, mas tratando apenas
de argumentos para, de certa maneira, impressionar a Corte. (p. 115)
Gilmar Mendes também destaca em discussão no plenário ser
necessário ver os números, destaca ele que “Estamos de acordo que, de
fato, também o Estado tem de trazer números consistentes, mas,
qualquer que seja o número, diante do acumulado de anos, isso tem
uma repercussão enorme em um modelo que já é deficitário - no caso da
Seguridade, inevitavelmente, já estamos falando de deficit.”
O ministro Barroso, na mesma discussão levantada por Gilmar
Mendes, destaca que “Eu estou votando na mesma linha que Vossa
Excelência. Eu, como todos nós, como todo o País, também tenho
preocupações fiscais. Não nos podem ser indiferentes essas
preocupações, porque o País vive de dinheiro para prestar serviços
e para atender as demandas da sociedade. Portanto, a questão
fiscal não me é indiferente.” “Mas, fora das situações de evidente
inconstitucionalidade, em matéria econômica, matéria administrativa e
matéria tributária, o Judiciário deve intervir com grande moderação e
preocupado com as consequências sistêmicas que pode produzir.”
(p. 117)
Nesta mesma discussão a ministra Carmem Lúcia afirma a
importância do tema levantado por Gilmar Mendes e assim destaca:
“Então, é só para se ter uma ideia da gravidade realmente - como Vossa
Excelência coloca -, e como nós estamos diante de um quadro em que
acho que os próprios políticos estão ajustados e atentos a que isso
aconteça” (p. 118).
Continuando, o ministro Gilmar Mendes lembra, inclusive, que
fez às vezes é preciso uma “racionalidade”. Afirma ele que “Então, é
esse o dado que me parece e que recomenda - sei que isso não me vai
causar muita simpatia em relação aos tributaristas -, tendo em vista essa
racionalidade, em muitos casos, a modulação de efeitos, por conta
de uma racionalidade. O sistema precisa de continuar” (p. 119).
Assim, conforme já destacamos em diversos pontos deste livro, não
entramos no mérito dos casos, apenas procuramos evidenciar ou procurar
aspectos de “racionalidades” nas decisões com algum fim determinado.
Neste caso, com abrupta mudança de entendimento, entendemos sim
existir racionalidade preocupada com os aspectos financeiros da decisão,
porém o que mais preocupa é a ausência desse desejo expresso nas decisões
dos ministros.
130 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Explicamos: a decisão proferida pelo STF e toda temática é


preocupante, pois contrariou diversos precedentes da própria corte. Porém
abordaremos outro ponto. Mesmo contrariando os precedentes firmados
pela corte, mesmo com a presença de quatro ministros que, firmando novo
entendimento, não há de forma expressa essa racionalidade de decisão
(aspectos tributários e déficit na arrecadação).
O ponto auge para a nossa problemática foi a discussão levantada
por Gilmar Mendes, dizendo sobre a importância de se pensar os valores
envolvidos, esses aspectos e essa racionalidade envolvida nessas ações.
Ocorre, porém, ainda que destacando esse tema importante, mesmo outros
ministros demonstrando ser esse realmente como um fator significativo,
não há nos votos deste caso em questão expressa menção à preocupação
do caso em concreto.
Podemos assim pensar que realmente não existia essa preocupação,
que realmente o julgamento foi proferido de acordo com a lei, conforme
a interpretação do ordenamento jurídico pertinente, entretanto, não
acreditamos nessa hipótese.
O caso foi, de acordo com nosso entendimento, julgado e pensado
(não sabemos em qual amplitude) pelos aspectos tributários e pelos valores
envolvidos na decisão a ser proferida; entretanto, a discricionariedade e a
possibilidade de pensar um objetivo a ser atingido e depois procurar a
fundamentação adequada, proporciona que o julgador faça a decisão sem
constar expressamente o fim, mas sim seus fundamentos jurídicos.

5.4 USINEIROS

Trataremos agora sobre a lide acerca das indenizações às usinas


sucroalcooleiras e plantadores de cana por preços que foram congelados
abaixo do custo pelo governo federal nas décadas de 80 e 90 do século
XX. Estima-se que os valores atinjam R$ 107 bilhões pela Advocacia-
Geral da União e envolvam pelo menos 270 interessados.12
Em 2013 o STJ julgou um recurso repetitivo (REsp 1.347.136)
sobre o tema e confirmando a jurisprudência de até então, reconheceu que
o governo deve indenizar as fabricantes de álcool. Contudo, esvaziaram
sua própria decisão, pois obrigaram aos usineiros a comprovação dos
prejuízos com o tabelamento.
Até aquele momento havia mais de 40 julgados favoráveis às
indenizações no STJ e outros 30 no STF. Essa mudança repentina ilustra
12. conjur.com.br. Acesso em: 19 mar. 2015.
Estudos de casos (Leading cases) 131

o que o Ministro Humberto Gomes de Barros já afirmava em seu voto


no AgRg no Recurso Especial 382.736, que nos últimos tempos temos
“demonstrado profunda e constante insegurança”, e compara que o STJ
tem figurado como o piloto de “banana boat” que tenta derrubar os
jurisdicionados13.
Em 2005 foi proferida uma das primeiras decisões favoráveis aos
Usineiros. Em voto seguido pela maioria dos ministros da 1ª Turma,
o Ministro Francisco Falcão rejeitou o REsp 156.119 e afirmou que a
decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região se baseava em fatos e
provas, o que a Súmula 7 proíbe a corte superior de rejulgar.
Em 2006, foram proferidas as primeiras decisões de mérito
do STJ, relatadas pela ministra Eliana Calmon. Nos Recursos
Especiais 703.617 e 675.273, ela foi favorável às empresas e fundamentou
na “responsabilidade objetiva da União” pelos prejuízos — ou seja,
independente de comprovação do dano, pois as perícias já feitas pelas
usinas eram suficientes para mensurar as indenizações.
Após 7 anos o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirmou
(REsp 1.305.050) que: “A jurisprudência desta corte superior de Justiça é
pacífica quanto ao cabimento de indenização na hipótese de fixação pela
União Federal dos preços dos produtos do setor sucroalcooleiro em níveis
insuficientes para cobrir os custos de produção levantados pelo IAA/
FGV, ante o disposto nos artigos 1º, 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/65.”
O STF firmou seu entendimento no Recurso Extraordinário
422.941, julgado no ano de 2005. Por maioria, a 2ª Turma acolheu recurso
de uma destilaria, seguindo voto do ministro Carlos Velloso. No entanto
a União interpôs Embargos e desde 2007 o caso não voltou à pauta até
hoje, garantindo à União o argumento de que o processo não transitou
em julgado.

13. AgRg no Recurso Especial 382.736: “Nós somos os condutores, e eu - Ministro de um Tribunal
cujas decisões os próprios Ministros não respeitam - sinto-me, triste. Como contribuinte, que
também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele vôo trágico em que o
piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a esquerda,
dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram
que estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido.
Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos
que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter
sido feita assim. Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma
enorme bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é
fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha
reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos
os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do
piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.” Disponível em: stj.jus.
br/portal/site/STJ. Acesso em: 17 nov. 2014
132 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Alterações repentinas de entendimento se tornaram comuns na


sequência. A ministra Eliana Calmon (autora de um voto usado por anos
pelos reclamantes) foi a relatora do recurso trazido como repetitivo da
controvérsia - notícia foi comemorada pelas empresas. Porém no dia 28 de
agosto de 2013 a Ministra votou, pela primeira vez, a favor do governo.
Foi seguida pelos ministros Arnaldo Esteves Lima, Sérgio Kukina,
Napoleão Nunes Maia Filho, Herman Benjamin e Benedito Gonçalves —
os dois últimos, com diversas decisões monocráticas acumuladas em favor
das usinas. Castro Meira e Mauro Campbell foram contra. O ministro Ari
Pargendler pediu vista.14
Segundo Anna Paola Zonari15, “há um conflito institucional. Os
desembargadores devem aplicar o entendimento do STJ ou do STF? Há
uma disparidade de soluções para a mesma questão jurídica, que tem base
constitucional”. Para ela, “O STJ violou, inclusive, sua própria competência
constitucional, ao criar confusão em vez de uniformizar a jurisprudência”.
Há nos fundamentos das partes aspectos econômicos, principalmente
por parte da União, todavia não encontramos nas decisões referida
preocupação ou fundamento neste sentido. O inusitado é justamente o
esvaziamento da decisão proferida pelo STJ que vai de encontro com o
interesse da União.
Não é possível precisar o motivo de referida inversão, nem afirmar
se são motivos econômicos, pois a decisão assim não fala. Essa inclusive é
a grande dificuldade de analisar os casos, pois os princípios utilizados
como fundamentos das decisões podem ser instrumentalizados em prol
de um objetivo, sem, contudo, ficar nítido esse objetivo.
Destacamos, por fim, que há clara racionalidade a posteriori. Há
alteração de precedentes previamente conhecidos, há também amplo
poder para o julgamento, inclusive para mudança de opinião sem deixar
de ser “incoerente” ao sistema legal.
Se estudar o ativismo não implica adentrar no mérito das discussões,
mas sim verificar o grau de poder que o julgador tinha, o presente caso
em discussão fica latente o ativismo diante das alterações impostas.
Esta é, inclusive, a dificuldade em apurar eventual manobra para
racionalidade a posteriori, pois o julgador poderá em determinados casos
fazer uso da interpretação por meio de princípios16 ou apenas achar

14. conjur.com.br. Acesso em: 19 mar. 2015.


15. Idem.
16. Sobre o tema indicamos a leitura do livro Direito Contemporâneo – Perspectivas. Artigo
Direito e Discricionariedade. A discricionariedade do Juiz: discussão entre Dworkin e Hart.
Estudos de casos (Leading cases) 133

argumentos jurídicos para manter seus posicionamentos ou seus interesses.


Essa atitude é possível de ser exercida diante da discricionariedade, da
abertura principiológica, sendo devidamente retratado em todo capítulo 4.

5.5 PROGRAMA MAIS MÉDICOS

De acordo com o governo17, “o Programa Mais Médicos faz parte


de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema
Único de Saúde”, que prevê investimentos além de levar mais médicos
para regiões onde não existem profissionais.
É sabido que o tema foi amplamente divulgado pela imprensa,
inclusive os diversos questionamentos da forma de planejamento do
programa mais médicos, merecendo atenção o fato de aceitar “médicos
intercambistas”.
O programa foi criado por meio da Medida Provisória número 621,
de 8 de julho de 2013, tendo como um dos propósitos diminuir a carência
de médicos nas regiões prioritárias para o SUS,
Após a implantação do sistema e início de suas atividades, algumas
liminares obtiveram êxito para determinar a suspensão das atividades
na forma proposta pelo programa. De acordo com a Advocacia Geral
da União, estavam tramitando até setembro de 201318, em todo país, 61
ações contra o programa. Dessas, 27 eram ações civis públicas em todos
os Estados (exceto no Maranhão e Roraima), movidas pelos conselhos
regionais de medicina para afastar o registro provisório.
Diante de inúmeras liminares, a Advocacia Geral da União propôs
ação de “pedido de suspensão da liminar” com fundamento na Lei 8.437
de 1992. De acordo com a Lei, em seu artigo 4º19, é possível, em suma, a
suspensão de liminar nas ações movidas contra o Poder Público em caso
de manifesto interesse público para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia pública.

Bruno Augusto Sampaio Fuga e Elve Miguel Cenci. Editora CRV, 2013:47/75.
17. portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-programas/mais-medicos/mais-sobre-
mais-medicos/5953-como-funciona-o-programa. Acesso em: 18 mar. 2015.
18. conjur.com.br/2013-set-12/trf-suspende-liminar-justica-federal-ce-programa-medicos.
Acesso em: 19 mar. 2015.
19. Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo
recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas
contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa
jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante
ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
134 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

De maneira instrumental a priori, por meio da Medida Provisória


número 621, de 8 de julho de 2013, criou-se a legalidade desse planejamento,
porém diante de inúmeras liminares, necessário se fez uma racionalidade a
posteriori para “evitar grave lesão à ordem”.
No ano de 2013, por exemplo, o TRF 5ª Região deferiu o pedido
de suspensão da liminar concedida pela Justiça Federal no Ceará (JFCE),
que desobriga o Conselho Regional de Medicina daquele Estado (CRM-
CE) de promover o registro provisório dos médicos intercambistas que
aderiram ao Projeto Mais Médicos para o Brasil.
É nítida a preocupação por meio de uma instrumentalidade a priori
na elaboração da Lei 8.437 de 1992, quando permite em seu artigo 4º, a
possibilidade de suspensão de liminar para evitar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia pública.
Além da suspensão de liminar deferida pelo TRF 5ª Região, o STF
também negou liminar da Associação Médica Brasileira (AMB) para
suspender o programa Mais Médico do governo federal.
Demostra-se com o exposto que há clara instrumentalidade com
edição de medida provisória e posterior preocupação com a racionalidade
em futuras decisões, inclusive com suspensão de liminar de decisão
proferida em primeiro grau.
Já afirmamos aqui que o processo surge como meio para legitimar
a jurisdição. Assim sendo, com a Medida Provisória foi dada a legalidade
necessária para referido programa do Governo, porém somente isto
não bastou. A decisão judicial teve que racionalizar para não impedir a
continuidade, decisão esta inclusive que suspendeu todas as ações em
trâmite no Brasil.

5.6 JUROS LEGAIS NA C.F. DE 1988. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Neste tópico apresentaremos breve comentário sobre a aplicação ou


não do revogado artigo 192, §3º da Constituição, a qual limitava em doze
por cento os juros ao ano, sob pena de tipificação por crime de usura.
No dia seguinte à promulgação da Constituição (06 de outubro
de 1988) fora publicado no Diário Oficial da União prevendo que as
instituições financeiras não estariam sujeitas à limitação de juros tendo em
vista que o citado artigo da Constituição não era norma de eficácia plena.
No dia 7 de outubro de 1988 o Presidente da República publicou
no Diário Oficial da União aprovação do parecer do Consultor Geral da
República afirmando que a norma precisava de regulamentação posterior.
Estudos de casos (Leading cases) 135

Após essa fase, iniciaram-se manobras do Poder Econômico


para o convencimento e aprovação do Supremo Tribunal Federal. O
Supremo julgou o artigo como sendo norma programática, de não
eficácia plena (ADI n.º 04/DF). Para Menezes20, com isso, houve uma
mutação constitucional para deixar sem eficácia o texto constitucional.
Posteriormente tivemos a Emenda Constitucional número 40 de 2003
alterando o referido dispositivo legal.
Campos21 afirma que neste caso o Supremo se mostrou restritivo na
interpretação de alguns direitos constitucionais, que a decisão proferida
neste caso foi um caso paradigmático no momento que a Corte entendeu
pela não aplicação imediata do dispositivo constitucional.
Verificamos neste caso expressa instrumentalidade a priori como
estratégia quando fora publicado no Diário Oficial da União que as
instituições financeiras não estariam sujeitas à limitação de juros e quando o
Presidente aprovou parecer do Consultor Geral da República (legitimidade
da intenção pretendida). Expressamente também há racionalidade a
posteriori quando o Supremo julga como sendo norma programática e
torna sem eficácia o disposto na constituição.

5.7 DESAPOSENTAÇÃO. VOTO MINISTRO BARROSO

A desaposentação trata sobre a possibilidade do trabalhador/


segurado, depois de aposentado pela primeira vez, voltar a trabalhar para
se aposentar depois com uma aposentadoria maior e com base na nova
idade. O embate no Supremo é sobre a possibilidade desse movimento ser
feito ou não.
Quando da primeira edição deste livro, o tema ainda estava em fase
de julgamento com o processo RE 661.256 e na decisão proferida em 06
de novembro do ano de 2013, desde o início, fez constar a preocupação
econômica com o objeto do recurso: “O tema da desaposentação tem
sido objeto de análise jurídica minuciosa por diversos tribunais do país e
envolve questões de ordem financeira e social de grande impacto para
a sociedade. Complementa ainda a decisão: Do ponto de vista do INSS e
da União, o deslinde da matéria envolve consideração acerca do impacto
financeiro que a medida produziria sobre o sistema de seguro”22.

20. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014.
21. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.
22. stf.jus.br (RExt 661.256). Acesso em: 11 mar. 2015.
136 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Verifica-se, portanto, desde o início, uma nítida preocupação com


os efeitos da decisão, tanto para as partes como para o sistema econômico
nacional em questão.
De acordo com dados do INSS, eram mais de 123 mil processos
ajuizados, envolvendo mais de um milhão de pessoas, o que resultaria em
um impacto de R$ 69 bilhões aos cofres federais.23
Para o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, aquele que se
aposentou mais cedo para acumular aposentadoria com salário não pode
agora quebrar a lógica do sistema.
Eram três vias adotadas naquela ocasião do julgamento. A primeira
a de permitir a desaposentação sem a devolução da aposentadoria recebida
antes de voltar ao trabalho (decisão do STJ). A segunda de permitir
com a devolução dos valores. A terceira, por sua vez, de não permitir a
desaposentação.
Barroso admitiu uma quarta via considerando a mais justa, mesmo
reconhecendo que poderia estar pisando em terreno do Congresso. Para o
ministro, a desaposentação deve ser permitida sem a devolução dos valores
recebidos, mas com o cálculo do fator previdenciário para ser levado em
conta a idade e o salário da data da primeira aposentadoria.
A novidade é a questão do cálculo da nova aposentadoria. Com a
ajuda de especialistas em ciências atuariais, com esse sistema, a segunda
aposentadoria aumentará em média 24,7% em relação à primeira, afirma
o ministro. A preocupação sobre o sistema financeiro é sentida no trecho
do voto: “Disso resulta que os proventos recebidos na vigência do vínculo
anterior precisam ser levados em conta no cálculo dos proventos no novo
vínculo, sob pena de violação do princípio da isonomia e do equilíbrio
financeiro e atuarial do sistema”24.
Em sua conclusão, o Ministro aponta que procurou “produzir uma
solução de equilíbrio entre os direitos dos segurados e os interesses fiscais
legítimos. Reconheceu ele que a decisão é certamente inovadora”25.
Sem querer entrar no mérito da questão, analisando o voto, certamente
há uma dose de ativismo judicial e, principalmente, preocupação com
aspectos econômicos da decisão a ser proferida e seguida. É isso uma

23. Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2014, 18h46. Disponível em conjur.com.br.


Título: Manobra Previdenciária Após voto de Barroso, julgamento da desaposentação é adiado
novamente. Acesso em: 19 mar. 2015.
24. stf.jus.br (RExt 661.256). Acesso em: 11 mar. 2015.
25. Idem.
Estudos de casos (Leading cases) 137

racionalidade a posteriori fruto, talvez, da inércia do Legislativo em fazer sua


atribuição.
Por fim, em atualização à segunda edição deste livro, o julgamento do
processo em questão teve fim e favorável ao INSS. A tese firmada foi que
““[n]o âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei
pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora,
previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra
do art. 18, § 2º, da Lei n.º 8213/91”.

5.8 ARTIGO 52, INCISO X DA CONSTITUIÇÃO

O julgamento teve origem na Reclamação (Rcl 4335-5/AC)


proposta pela Defensoria Pública do Estado do Acre contra o Juiz da Vara
de Execuções Criminais de Rio Branco. Fundamentou a Defensoria que o
juiz deixou de dar cumprimento à decisão do STF proferida no HC 82.959
em controle difuso de constitucionalidade, julgando inconstitucional o
artigo 2º, da Lei 8.072/90.
Logo após a decisão proferida pelo STF, a Defensoria fez
requerimento ao Juiz para a progressão de regime para diversos presos. O
pedido não foi acatado com o fundamento de que não havia previsão legal
para tanto (ausência de eficácia erga omnes). Fundamentou ainda o Juiz da
Vara de Execuções Criminais que, para referida eficácia, deveria o Senado
suspender a execução da Lei declarada inconstitucional pelo Supremo (art.
52, X da C.F.26), ponto este forte deste tópico.
Fundamenta Menezes27 que, em decisão proferida pelo STF, nos
votos de Gilmar Mendes e Eros Grau houve mutação constitucional
fundamentando não ser mais necessária a comunicação ao Senado para
ter a validade erga omnes.
Eros Grau fundamenta que há uma necessidade de complementação
do texto da Lei pela realidade social. O Estado está em permanente
evolução, sendo papel do Judiciário captar essas transformações e
transformá-las em linguagem jurídica.
Gilmar Mendes, em seu voto, aponta também uma imperiosa
necessidade de não mais existir a possibilidade de comunicação ao Senado

26. Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
27. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. Economia e mutação constitucional. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2014, p. 101.
138 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Federal da prolação de sentença que declara a inconstitucionalidade total


ou parcial da Lei.
Para Menezes28, a preocupação de Gilmar Mendes é pragmática, em
especial pela quantidade de processos idênticos que assolam o STF. A
declaração de inconstitucionalidade possui, ante a nova realidade, efeitos
transcendentes atingindo outros casos análogos.
Há, portanto, com análises de ambos votos, uma racionalidade
posteriori e, principalmente, pragmática da decisão.

5.9 SEGURO DPVAT

O tema tem previsão legal na Lei 6.194/1974, com várias alterações


legais desde a sua criação. O dispositivo contempla direito para as vítimas
de acidente de trânsito que padecerem de sequelas permanentes, despesas
médicas, ou indenização aos beneficiários legais em caso de morte29.
Pesquisa divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
contabilizou, em 2009, cerca de 1,3 milhão de mortes por acidente de
trânsito em 182 países. São 3 mil vidas perdidas por dia nas estradas e
ruas, a nona maior causa de mortes no mundo, sendo a primeira na faixa
etária de 15 a 29 anos de idade. Esses acidentes, atualmente, representam
um custo de US$ 518 bilhões por ano, um percentual entre 1% e 3% do
produto interno bruto de cada país.30
Nessa pesquisa, o Brasil aparece em quinto entre os países recordistas
em mortes no trânsito. A OMS estima que 90% das mortes acontecem
nos países em desenvolvimento, sendo que esse grupo possui menos da
metade dos veículos do planeta (48%), isso demonstra que é muito mais
arriscado dirigir um veículo — especialmente uma motocicleta — nesses
lugares.
Estima-se que no Brasil para cada 10 habitantes tenha uma moto em
circulação. São 7 mortes por 100 mil habitantes no Brasil, o que representa
a segunda maior taxa de óbitos por habitantes do mundo, atrás apenas do
Paraguai.31
O CEBELA, Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos,
divulgou o “Mapa da violência em 2013: acidente de trânsito e

28. Ibidem, p. 104.


29. Sobre o tema: Acidentes de trânsito: responsabilidade civil e danos decorrentes. Bruno
Augusto Sampaio Fuga. Editora Thoth, 3. ed. 2018.
30. senado.gov.br. Acesso em: 19 mar. 2015.
31. Idem.
Estudos de casos (Leading cases) 139

motocicletas”, o qual traz importantes dados, dentre eles relata que só em


2010 aconteceram 1,24 milhão mortes por acidente em 182 países; de 20
a 50 milhões sobreviveram com traumatismos e feridas, e estima-se que
teremos 1,9 milhão de mortes em 2020 e 2,4 milhões em 2030. No ano de
2011, mais de dois terços dos acidentes envolveram pedestres, ciclistas ou
motociclistas.
Em 2011, o custo desses acidentes foi estimado em 10,6 bilhões e,
desse valor, destaca-se 13,3% com atendimento hospitalar, 42,8% com
perda de produção, 3,7% com processos judiciais (ou seja, R$390 milhões),
2,4% com previdenciários dentre outros.32
A Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro - DPVAT, de acordo
com nota divulgada pela SUSEP33, a qual administra as operações do seguro
DPVAT sobre as indenizações pagas a vítimas de acidente de trânsito,
apresentou o balanço do ano de 2011 e os números são preocupantes. As
motocicletas representam 27% da frota do país, todavia são responsáveis
por 56% dos acidentes. Foram pagas 21.572 indenizações por morte,
das quais 37% por motocicletas que importam R$ 313,1 milhões. Das
indenizações pagas por invalidez permanente, 72% envolvem motocicletas.
Foram pagas no total 101.973 indenizações, implicando R$ 785,6 milhões,
as quais a título de invalidez permanente.
O seguro DPVAT, por meio da Seguradora Líder dos Consórcios
do Seguro - DPVAT, arrecadou R$ 6,7 bilhões com mais de 50 milhões de
proprietários de veículos automotores. O lucro divulgado das seguradoras
consorciadas atinge o valor de R$ 80,2 milhões.
O tema emprega uma grande preocupação nacional e, inclusive,
econômica por parte dos envolvidos, pois qualquer alteração legal implica
sempre altos valores envolvidos diante de grande número de acidente de
vítimas, que são também potenciais beneficiários do seguro em questão.
Sobre o tema trataremos de quatro pontos. Primeiro a decisão que
sumulou o prazo de prescrição em três anos. Segundo sobre a decisão
que pacificou o entendimento, também sumulando o tema, acolhendo a
validade da tabela para apurar o grau de invalidez permanente e, por fim,
ao acolhimento de constitucionalidade de Medida Provisória 340/2006.
O primeiro ponto trata sobre a aplicabilidade do prazo prescricional.
O tema foi sumulado pelo STJ, súmula 405: “A ação de cobrança do seguro
obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”. O dilema em questão

32. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência. Acidentes de trânsito e motocicletas.


33. BRASIL. SUSEP. Superintendência de seguros privados. Disponível em: http://susep.gov.br/.
Acesso em: 19 mar. 2015.
140 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

era pela aplicação do Código Civil, art. 205, com prazo de 10 anos ou
o art. 206, §3º, IX, com prazo de 3 anos. Em Recurso Representativo
de controversa (REsp n.º 1.071.861/SP) o voto do Ministro Luis Felipe
Salomão foi contrário à aplicação do art. 206, §3º, IX do Código Civil
para aplicar o art. 205 e, assim, estender pelo prazo de 10 anos. De acordo
com o voto, o seguro DPVAT não tem natureza de responsabilidade civil,
estando, portanto, afastada a aplicabilidade do art. 206, §3º, IX do Código
Civil.
Seguiu o voto do relator o Ministro Vasco Dela Giustina e Paulo
Furtado. Em sentido contrário, o Ministro Fernando Gonçalves, Aldir
Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Sidnei Benti.
Apura-se com a leitura do único julgamento que tratou de fato
sobre o mérito da matéria com interpretação, que se acolheu o prazo de
prescrição previsto no art. 206, §3º, IX e, assim, aplicando o prazo de
3 anos. Propositalmente ou não, a decisão causou grande economia aos
cofres das seguradoras, pois restringiu o direito ao seguro para inúmeras
pessoas, adotando, assim, o prazo menor de prescrição do Código.
Não há, e este é o ponto em questão, nenhum argumento sobre
ordem econômica no julgamento, sobre aspectos de econômico, de
abrangência de eventual decisão favorável, embora e decisão em seu
conteúdo tenha estes reflexos.
Segundo ponto, validade da tabela e aplicabilidade da relevância do
grau de invalidez para o seguro em questão. O entendimento tem Súmula
número 474 que trata da matéria: “A indenização do seguro DPVAT, em
caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional
ao grau da invalidez.” Como precedentes para criação da Súmula, são
citados pelo STJ 8 julgamentos; contudo, em nenhum o tema é tratado
com afinco, com fundamentos legais, em sua grande maioria bastando
apenas em reproduzir os julgamentos das instâncias inferiores em decisões
monocráticas.
Em nenhuma há fundamento sobre os aspectos econômicos da
decisão, inclusive da súmula, embora tenha ela produzido séria economia
aos cofres das seguradoras, pois essa decisão alterou significativamente as
decisões dos Tribunais inferiores.
O terceiro ponto versa sobre a constitucionalidade da Medida
Provisória 340/2006. Com a entrada em vigor da Medida Provisória
340/2006 em 29/12/2006, posteriormente convertida em Lei 11.482/2007,
o seguro em caso de invalidez permanente foi estipulado em R$ 13.500,00.
O valor fixo da indenização foi determinado em R$ 13.500,00, sendo que
Estudos de casos (Leading cases) 141

a Lei antiga determinava em 40 salários mínimos. Na Lei mais antiga, o


valor do seguro era anualmente determinado pelo valor do salário mínimo,
ao contrário da Lei nova, que anualmente sofre séria defasagem. Não há
critério de correção determinado pelo dispositivo legal.
Sem novamente entrar no mérito da grande questão, voltemos
nossos esforços para os julgamentos sobre os casos. Em 23 de outubro
de 2014, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou
constitucionais as alterações na legislação sobre o Seguro Obrigatório
de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre
(DPVAT). Por maioria de votos, os ministros julgaram improcedentes as
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4627 e 4350, ajuizadas pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pela Confederação Nacional de
Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS), respectivamente.
Foi também, por maioria de votos, negado provimento ao Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 704520, de relatoria do ministro Gilmar
Mendes, que foi interposto por um segurado que questionava a mudança
no valor da indenização. O recurso teve repercussão geral reconhecida e
a tese firmada será seguida em mais de 770 casos sobrestados (suspensos)
em instâncias inferiores.
O julgamento foi realizado em conjunto com os três casos e os
ministros entenderam que a fixação do valor da indenização em moeda
corrente e a desvinculação do valor da indenização ao salário mínimo,
introduzidos por dispositivos da Lei 11.482/2007 e da Lei 11.945/2009,
não afrontaram qualquer princípio constitucional.
O ministro Luiz Fux sustentou que os valores do DPVAT não são
imutáveis, podendo ser modificados pelo legislador sem que isso represente
qualquer violação dos preceitos constitucionais. Afirmou ainda que não há
qualquer proibição à fixação dos valores em moeda corrente. “As regras
atendem aos ideais de justiça e ao princípio da isonomia e proporcionalidade,
não apresentando valores irrisórios de indenização”, afirmou o relator34.
O ministro Gilmar Mendes, relator do recurso ARE 704520,
observou que a fixação do valor da indenização, em moeda corrente, não
representou violação ao princípio da proibição de retrocesso ou afronta
à dignidade da pessoa humana. No entendimento de Gilmar Mendes,
“Levar os direitos a sério requer que se considerem também os custos
para sua efetivação, que aliás serão tanto mais relevantes quanto mais

34. STF. Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4627 e 4350 e Recurso Extraordinário
com Agravo (ARE) 704520. Disponível em: stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso
em: 17 nov. 2014
142 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

dispendiosa seja a concretização do direito ou da política pública35 em


questão, concluiu o ministro (grifo nosso)36.
Em suma, apenas no ponto três há fundamentos baseados em
aspectos econômicos ou indicações de racionalidade a posteriori. Embora
com poucos fundamentos sobre eventuais impactos econômicos, em todas
as decisões, as seguradoras foram as grandes beneficiárias, ironicamente,
pois em várias decisões cita-se que o seguro tem claro sentido social.
O trecho acima de Gilmar Mendes considera que levar os direitos
a sério requer que se considerem também os custos para sua efetivação;
todavia, não fundamenta sobre quais custos foram tratados ou por qual
parte.

5.10 PROCESSO DO MENSALÃO. STF “AP 470”

Neste processo com ampla repercussão nacional um ponto se


destaca, ocorrido em 26 de fevereiro de 2014, a fala do Ministro Joaquim
Barbosa após discussão com o Ministro Luís Roberto Barroso, afirmando
que as penas pelo crime de formação de quadrilha no julgamento do
mensalão37 foram calculadas para evitar a prescrição. Segundo Joaquim
Barbosa: “Foi feito para isso mesmo, ora!”.
Exemplo de maior racionalidade posteriori não há. Fora necessária
racionalidade para evitar os efeitos da prescrição no processo por questões
políticas, midiáticas e temas afins, fato este confesso pelo então presidente
do STF.
Outro questionamento da qual apenas iremos comentar, pois entrar
no mérito precisaria de “muita tinta” para iniciar o estudo, é o critério
de competência adotado no julgamento se comparado com o “mensalão
mineiro”.
Na fase inicial do processo do mensalão (AP 470) foi discutido
bastante a competência do STF para julgar pessoas que não tinham na
35. Sobre o tema: Ministro Lewandowski, seminário “República – Impasses da Democracia
Brasileira” (21/11/2014): “Já os grandes problemas hoje, entre eles a própria governabilidade,
estão nas mãos do Judiciário. “Os juízes hoje fazem parte da confecção e da elaboração das
próprias políticas públicas, como na área do consumidor, do meio ambiente, dos povos
indígenas, da proteção à criança e ao adolescente, ao idoso e aos deficientes físicos.Portanto,
a nossa responsabilidade neste momento é enorme”, afirmou.” Disponível em: stf.jus.br/
portal/principal/principal.asp. Acesso em: 17 nov. 2014
36. STF. Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4627 e 4350 e Recurso Extraordinário
com Agravo (ARE) 704520. Disponível em: stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso
em: 17 nov. 2014
37. Ação Penal (AP) 470 STF. Disponível em: stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso
em: 17 nov. 2014
Estudos de casos (Leading cases) 143

ocasião mais foro privilegiado, porém o entendimento naquela ocasião foi


de manter o julgamento no STF. No julgamento do “mensalão mineiro”38,
contudo, a subprocuradora presente na sessão, Deborah Duprat criticou
em sustentação oral o que chamou de “vicissitudes curiosas”. Para ela,
diferentemente do que aconteceu com o “mensalão do PT, o mensalão
mineiro” foi desmembrado no STF e a maioria das ações passou a tramitar
na Justiça comum.
Verifica-se, naquela ocasião do julgamento do “mensalão do PT”,
a necessidade de racionalidade no julgamento pela peculiar exposição
do processo, decisão tomada, às vezes, para dar satisfação aos interesses
e suposta eficácia da decisão judicial, é, portanto, uma racionalidade a
posteriori.

5.11 CORREÇÃO DO FGTS

O saldo do FGTS é atualizado todo dia 10 de cada mês respeitando


a fórmula de 3% ao ano mais taxa referencial (TR). A TR é calculada
pelo Banco Central e tem como base a taxa média dos Certificados de
Depósitos Bancários (CDBs) prefixados. Ocorre que o STF concluiu que
os precatórios não poderiam ter sido atualizados pela TR, justificando,
assim, para alguns, o direito de atualização do FGTS de acordo com a
inflação.39
Advém que, se procedente, esta tese, estar-nos-íamos falando de
R$ 6,8 bilhões que deixaram de entrar no bolso dos trabalhadores entre
janeiro e fevereiro de 2014, em 2013 a cifra chegou a R$ 27 bilhões40.
Estima-se mais de 50 mil ações sobre o tema, além de 180 ações
coletivas movidas por sindicatos e uma ação civil pública movida pela
Defensoria Pública da União. Ocorre que no dia 26 de fevereiro de 2014
o Ministro do STJ Benedito Gonçalves suspendeu todas as ações relativas
à correção de saldos do FGTS.
Apresentar essa lide serve apenas para reflexão, pois estamos ainda
longe de ter solução da controversa criada. Assim como nas perdas dos
planos econômicos (texto anterior), irão ser travadas discussões econômicas

38. economia.estadao.com.br. Acesso em: 21 nov. 2014


39. No RE 718874/RS o ministro Gilmar Mendes em seu voto destacou preocupação com os
valores envolvidos na questão do FGTS e assim afirmou “Eu me lembro que, na questão do
FGTS, falava-se - e esse era o número, pelo menos, plausível, trazido pela Fazenda - de cem
bilhões. O Supremo, ao dividir os planos, fez essa conta ser mediada, portanto, para cinquenta
bilhões. Mas, veja, isso é dinheiro em qualquer lugar do mundo.”
40. economia.estadao.com.br. Acesso em: 21 nov. 2014
144 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

para eventual procedência ou improcedências das ações, necessitando, às


vezes, uma racionalidade posteriori para solução e justiça.

5.12 EMENDA CONSTITUCIONAL 62/2009. PAGAMENTO DE


PRECATÓRIO

Trata o tema sobre o pagamento dos precatórios. De acordo com


cálculo do Conselho Nacional de Justiça41, somados todos os precatórios
do país, a dívida total chega a R$ 94 bilhões. Desse total, o município de
São Paulo corresponde a 20%, com um passivo de R$ 16 bilhões.
Para os estudiosos e qualquer operador do direito, sabe-se há
grande dificuldade em receber valores oriundos de precatórios e, com
esse propósito entrou em vigor da Emenda Constitucional 62 de 2009
“instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados,
Distrito Federal e Municípios”.
A Emenda Constitucional alterou o artigo 100 da C.F. e determinou
a ordem de pagamento para os valores decorrentes de precatórios.
Acrescentou também a referida Emenda o artigo 97 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. Nela facultou aos Estados, o
Distrito Federal e os Municípios sujeitos ao regime especial, que estejam
em mora na quitação de precatórios vencidos, ou o depósito mensal do
valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes
líquidas42, conforme prevê o parágrafo 2º do artigo 97.

41. conjur.com.br/2013-out-24/luiz-fux-todos-precatorios-pagos-cinco-anos. Acesso em: 19


mar. 2015.
42. § 2º Para saldar os precatórios, vencidos e a vencer, pelo regime especial, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios devedores depositarão mensalmente, em conta especial criada para
tal fim, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas
correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, sendo que esse
percentual, calculado no momento de opção pelo regime e mantido fixo até o final do prazo
a que se refere o § 14 deste artigo, será: I - para os Estados e para o Distrito Federal: a) de,
no mínimo, 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), para os Estados das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal, ou cujo estoque de precatórios pendentes
das suas administrações direta e indireta corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) do
total da receita corrente líquida; b) de, no mínimo, 2% (dois por cento), para os Estados das
regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta
e indireta corresponder a mais de 35% (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida;
II - para Municípios: a) de, no mínimo, 1% (um por cento), para Municípios das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações
direta e indireta corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida;
b) de, no mínimo, 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), para Municípios das regiões
Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta
corresponder a mais de 35 % (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida. § 3º
Entende-se como receita corrente líquida, para os fins de que trata este artigo, o somatório
das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços,
Estudos de casos (Leading cases) 145

O regime especial instituído pela EC número 62 consiste na


adoção de sistema de parcelamento de 15 anos da dívida, combinado a
um regime que destina parcelas variáveis entre 1% a 2% da receita de
estados e municípios para uma conta especial voltada para o pagamento
de precatórios. Desses recursos, 50% seriam destinados ao pagamento
por ordem cronológica, e os demais 50% destinados a um sistema que
combina pagamentos por ordem crescente de valor, por meio de leilões
ou em acordos diretos com credores.
Consta ainda no parágrafo 8º do referido artigo, que “a aplicação
dos recursos restantes dependerá de opção a ser exercida por Estados,
Distrito Federal e Municípios devedores, por ato do Poder Executivo”,
obedecendo à seguinte forma descrita na sequência: ou leilão, ordem
cronológica, ou a pagamento por acordo direto com os credores, além da
possibilidade de deságio sobre o valor.
Em suma, estes são os principais pontos elencados sobre a Emenda
Constitucional, que determinou a forma de pagamento dos precatórios,
além de situação no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias para
os débitos já existentes. Por diversos questionamentos, a Emenda foi
apelidada de “Emenda do Calote”.
Foram propostas e julgadas em conjunto as Ações Diretas
de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425 que tratam sobre a
inconstitucionalidade da referida Emenda Constitucional.
A maioria dos ministros em 14 de Março de 2013 acompanhou o
então relator, ministro Ayres Britto (aposentado), e considerou o artigo
97 do ADCT inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas, como a de
garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção
à coisa julgada. O atual relator do acórdão, ministro Luiz Fux, anunciou
que deveria trazer o caso novamente ao Plenário para a modulação dos
efeitos, para definir se os parcelamentos feitos até então serão ou não
abarcados pela decisão.
Para Fux, a forma de pagamento prevista no parágrafo 15 do artigo
100 da Constituição Federal e detalhada pelo artigo 97 do ADCT era
inconstitucional43. Para Teori Zavascki, houve voto pela improcedência da
transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20
da Constituição Federal, verificado no período compreendido pelo mês de referência e os 11
(onze) meses anteriores, excluídas as duplicidades, e deduzidas: I - nos Estados, as parcelas
entregues aos Municípios por determinação constitucional; II - nos Estados, no Distrito
Federal e nos Municípios, a contribuição dos servidores para custeio do seu sistema de
previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira referida
no § 9º do art. 201 da Constituição Federal.
43. oab.org.br/noticia/25302/fim-da-emenda-dos-precatorios-veja-como-votaram-os-ministros-
146 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

ação, pois entende “que a disciplina relativa ao pagamento de precatório


está dentro do poder constituinte derivado, e continuo achando que é um
exagero supor que a disciplina dessa matéria possa atentar contra a forma
federativa de Estado; voto direito, secreto, universal e periódico; separação
de poderes; ou que tenda a abolir direitos e garantias individuais”44.
Para o ministro Teori Zavascki, o Supremo tem que estabelecer
como parâmetro não o que entender como ideal para o pagamento de
precatório, mas deverá ser feita uma escolha entre o sistema anterior e
o sistema proposto pela Emenda. “Não podemos fugir de uma verdade:
que o modelo anterior era mais perverso ainda. Os estados inadimplentes
estão inadimplentes há 15, 20 anos ou mais”45.
A Ministra Rosa Weber acompanhou integralmente o voto do
relator no sentido da procedência das duas ADIs e julgou inconstitucional
o sistema especial preconizado pela Emenda Constitucional número 62.
Para Dias Toffoli a Emenda tentou fazer foi dar racionalidade ao sistema,
instituindo também uma série de responsabilizações ao Estado, afirmou o
ministro, votando pelo indeferimento do pedido feito nas ADIs46.
Cármen Lúcia acompanhou o relator pela procedência. Gilmar
Mendes, considera a legislação atual um avanço (EC 62/2009), pois
o modelo de cálculo de correção monetária de precatórios em vigor
anteriormente praticamente impossibilitava o pagamento das dívidas dos
estados. De acordo com o Ministro, caso haja retorno à regra original
da Constituição de 1988, pois a vigência da Emenda 30 sobre o mesmo
assunto também está suspensa, restará ao Tribunal apenas a opção de
declarar intervenção nos estados para garantir a coisa julgada e o direito
adquirido. A medida vem cumprindo essa função. Qual é o sentido de
declarar sua inconstitucionalidade e retornar ao texto original? Para dizer
que o caos é o melhor que a ordem?47 Marco Aurélio julgou parcialmente
procedente as ADIs. Ricardo Lewandowski declarou inconstitucionais
partes dos dispositivos que tratam da atualização dos créditos com base
no índice da caderneta de poupança, mas admitiu os juros de mora com
base nesse índice. O ministro observou que a Emenda constitucional foi
resultado de amplo debate no Congresso Nacional, com a participação
de todas as lideranças partidárias, a fim de encontrar solução para a crise

do-stf. Acesso em: 19 mar. 2015.


44. STF. Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425. Acesso em: 17 nov. 2014.
45. Idem.
46. Idem.
47. Idem.
Estudos de casos (Leading cases) 147

vivida à época pelas fazendas públicas estaduais e municipais. Quem viveu


esse período, seja no Judiciário, na administração ou como credor da
fazenda pública, viveu essa experiência lamentável, destacou48.
O ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o voto do
relator no sentido da inconstitucionalidade. O ministro Joaquim Barbosa,
também acompanhou o relator e declarou parcialmente procedente. 
Posteriormente, enfrentando fortes pressões, o mesmo Ministro Fux
determinou que os Tribunais de Justiça (TJs) dos Estados e do Distrito
Federal deem imediata continuidade aos pagamentos de precatórios, na
forma como já vinham realizando até a decisão proferida pelo Supremo,
em 14/03/2013, segundo a sistemática vigente à época, respeitando-se a
vinculação de receitas para fins de quitação da dívida pública, sob pena de
sequestro. 
A decisão foi proferida após petição apresentada pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), informando sobre a
paralisação do pagamento de precatórios por alguns TJs, após o julgamento
conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425.
Ele ressaltou que, até que o Supremo se pronuncie sobre o alcance da
decisão (nas ADIs), não se justifica que os Tribunais locais retrocedam na
proteção dos direitos já reconhecidos em juízo.
Ou seja, parte da EC 62/2009 foi declarada inconstitucional pelo
STF em março de 2013. Contudo, em outubro de 2013, o ministro Luiz
Fux, relator do acórdão das ADIs, votou pela prorrogação do regime
instituído pela EC número 62/2009 até 2018.
Embora o julgamento tenha sido interrompido por pedido de
vista, os ministros teceram alguns comentários. Ricardo Lewandowski
concordou com Gilmar Mendes e afirmou que na hipótese dos estados
e municípios serem forçados a pagar suas dívidas imediatamente, isso
prejudicaria os cidadãos que não têm dívidas e até impediria a execução
de outros serviços públicos. Para ele, “a Constituição Federal já vincula
a receita corrente líquida a outros quesitos, como saúde e educação. O
administrador precisa prestar os serviços públicos, sob pena de caos social.
Temos de atender ao interesse do credor, mas não podemos impedir a
prestação dos serviços”49.
Nossa proposta não é entrar no mérito da questão, assim como
fizemos em todos os casos. Porém, importante destacar que há, neste caso,
48. STF. Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425. Disponível em: stf.jus.br/
portal/principal/principal.asp. Acesso em: 17 nov. 2014.
49. conjur.com.br. Acesso em: 19 mar. 2015.
148 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

certamente, um grande jogo de poder, fato é que as discussões apontadas


e os fundamentos das decisões são carregados de aspectos econômicos,
capacidade, tempo de pagamento e a importância do tema.
Embora devidamente julgado pela inconstitucionalidade, a
Emenda Constitucional vigorava em seus termos e assim operavam-se os
pagamentos após decisão do Fux que aguardava a decisão de modulação
dos efeitos.
A decisão final fora proferida em 25/03/2015 e assim concluiu
o julgamento sobre a modulação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional (EC) 62/2009. Segundo
a decisão, fica mantido parcialmente o regime especial criado pela Emenda
pelo período de cinco anos, contados a partir de janeiro de 2016. Foi ainda
fixado um novo índice de correção monetária e estabelecida a possibilidade
de compensação de precatórios vencidos com o estoque de créditos já
inscritos em dívida ativa.
Com a modulação dos efeitos, o regime especial instituído pela
EC/62 foi prorrogado parcialmente. A decisão determina que ficam
mantidas as compensações, leilões e pagamentos à vista, previstos pela
Emenda realizados até o dia de hoje, vedada a possibilidade de seu uso
a partir de então. Fica mantida, pelo prazo estabelecido de cinco anos,
a possiblidade de realização de acordos diretos com os credores de
precatórios, observada a ordem de preferência, redução máxima de 40%
do valor do crédito atualizado.
Pelo período de cinco anos também é mantida a vinculação de
percentuais mínimos da receita corrente dos estados e municípios ao
pagamento de precatórios, e mantidas as sanções para o caso de não
liberação dos recursos. Foi ainda atribuída ao CNJ a competência para
supervisionar o pagamento de precatórios segundo a decisão.
Como nosso propósito não é comentar o mérito das questões, mas
apenas investigar a possibilidade de racionalidade a posteriori, verifica-se
flagrante utilização deste pensamento no presente caso, inclusive com
grande margem de poder discricionário e, inclusive, poder.

5.13 EXECUÇÃO DA PENA APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDA


INSTÂNCIA

Não há maior exemplo de racionalidade a posteriori e influências do


poder do que o julgamento deste caso, que teve início no julgamento do
Habeas Corpus (HC) 126292 perante o STF; naquele julgamento, entende-
Estudos de casos (Leading cases) 149

se que não há impedimento do início da execução da pena após condenação


em segunda instância sem o trânsito em julgado da decisão. De maneira
clara, a decisão contrariou expressa previsão legal constitucional, art. 5º,
LVII e art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) iniciando, assim, uma
onda de discussões sobre o tema.
Como já aqui afirmamos, não iremos analisar o mérito da questão,
mas analisaremos a decisão proferida com o propósito de verificar qual foi
o fundamento utilizado.
O processo de Habeas Corpus (HC) 126292 no STF foi julgado no
dia 17/02/2016. Naquela ocasião o Tribunal, por maioria e nos termos
do voto do Relator, denegou a ordem, com a consequente revogação da
liminar, vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello
e Ricardo Lewandowski (Presidente).
Passamos então a analisar o conteúdo da decisão com total de 103
páginas. O relator foi o ministro Teori Zavascki. Em emenda, fez constar
que “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em
grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência,
afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.”
O relator afirma que a discussão “envolve reflexão sobre (a) o alcance
do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário
equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal,
que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à
sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de
justiça criminal.” (p. 4)
Destaca Teori Zavascki ainda que “Realmente, a execução da pena
na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o
núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o
acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário
criminal (...).” (p. 11).
O ministro Edson Fachin, em plenário, complementa que “Por essa
razão, na linha do que muito bem sustentou o eminente Ministro Teori
Zavascki, interpreto a regra do art. 5º, LVII, da Constituição da República,
segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória“ sem o apego à literalidade com
esta se afeiçoam os que defendem ser impossível iniciar-se a execução
penal antes que os Tribunais Superiores deem a última palavra sobre a
culpabilidade do réu. Sempre pedindo redobradas vênias àqueles que
de outra forma veem esse tema, considero que não se pode dar a essa
150 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

regra constitucional caráter absoluto, desconsiderando-se sua necessária


conexão a outros princípios e regras constitucionais que, levados em
consideração com igual ênfase, não permitem a conclusão, segundo a qual
apenas após esgotadas as instâncias extraordinárias é que se pode iniciar a
execução da pena privativa de liberdade.” (p. 21)
O ministro Luís Roberto Barroso aponta, em seu voto, na ementa,
que “Há, ainda, três fundamentos pragmáticos que reforçam a opção pela
linha interpretativa aqui adotada. De fato, a possibilidade de execução da
pena, após a condenação em segundo grau: (i) permite tornar o sistema
de justiça criminal mais funcional e equilibrado, na medida em que coíbe a
infindável interposição de recursos protelatórios e favorece a valorização da
jurisdição criminal ordinária; (ii) diminui o grau de seletividade do sistema
punitivo brasileiro, tornando-o mais republicano e igualitário, bem como
reduz os incentivos à criminalidade de colarinho branco, decorrente do
mínimo risco de cumprimento efetivo da pena; e (iii) promove a quebra do
paradigma da impunidade do sistema criminal, ao evitar que a necessidade
de aguardar o trânsito em julgado do recurso extraordinário e do recurso
especial impeça a aplicação da pena (pela prescrição) ou cause enorme
distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição, sendo certo
que tais recursos têm ínfimo índice de acolhimento.” (p. 28)
O ministro ainda aponta a mutação constitucional e afirma que “Este
novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de
uma mudança na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito,
uma releitura do que deve ser considerado ético ou justo. A tensão entre
normatividade e facticidade, assim como a incorporação de valores à
hermenêutica jurídica, produziu modificações profundas no modo como
o Direito contemporâneo é pensado e praticado.” (p. 31)
Complementa o ministro que “No mundo real, o percentual de
recursos extraordinários providos em favor do réu é irrisório, inferior a
1,5%. Mais relevante ainda: de 1.01.2009 a 19.04.2016, em 25.707 decisões
de mérito proferidas em recursos criminais pelo STF (REs e agravos), as
decisões absolutórias não chegam a representar 0,1% do total de decisões”.
“A ampla (e quase irrestrita) possibilidade de recorrer em liberdade
aproveita sobretudo aos réus abastados, com condições de contratar os
melhores advogados para defendê-los em sucessivos recursos” (p. 33).
Ainda nas palavras do ministro, “Em terceiro lugar, o novo
entendimento contribuiu significativamente para agravar o descrédito do
sistema de justiça penal junto à sociedade.” (p. 34)
Estudos de casos (Leading cases) 151

Faz ainda o ministro outra análise das circunstâncias ao afirmar


que “Alguns exemplos emblemáticos auxiliam na compreensão do ponto.
No conhecido caso “Pimenta Neves”, referente a crime de homicídio
qualificado ocorrido em 20.08.2000, o trânsito em julgado somente ocorreu
em 17.11.2011, mais de 11 anos após a prática do fato. Já no caso Natan
Donadon, por fatos ocorridos entre 1995 e 1998, o ex Deputado Federal
foi condenado por formação de quadrilha e peculato a 13 anos, 4 meses
e 10 dias de reclusão. Porém, a condenação somente transitou em julgado
em 21.10.2014, ou seja, mais de 19 anos depois. Em caso igualmente
grave, envolvendo o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista
de São Paulo, o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado em 2006 a 31
anos de reclusão, por crime ocorrido em 1992. Diante da interposição
de 34 recursos, a execução da sanção só veio a ocorrer agora em 2016, às
vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos da data
dos fatos. 35. Infelizmente, porém, esses casos não constituem exceção,
mas a regra” (p. 46).
Evidencia ainda o ministro a necessidade de fundamento
“pragmático” e aponta que decisão “produziu três efeitos negativos: o
incentivo à interposição de recursos protelatórios, o reforço à seletividade
do sistema penal e o agravamento do descrédito do sistema de justiça
penal junto à sociedade. A reversão desse entendimento jurisprudencial
pode, assim, contribuir para remediar tais efeitos perversos, promovendo
(i) a garantia de equilíbrio e funcionalidade do sistema de justiça criminal,
(ii) a redução daseletividade do sistema penal, e (iii) a quebra do paradigma
de impunidade.” (p. 50)
Preocupado com o prestígio do judiciário, Barroso volta a destacar
que “restabelece-se o prestígio e a autoridade das instâncias ordinárias,
algo que há muito se perdeu no Brasil.” (p. 51)
O ministro Gilmar Mendes complementa que “Isso tem sido objeto,
inclusive, de glosa na própria imprensa internacional. Não faz muito o The
Economist fez uma análise da jurisdição criminal no Brasil – um pouco na
linha do que falou há pouco o ministro Barroso – dizendo que nós somos
muito generosos na utilização da prisão preventiva e depois invocamos o
argumento do trânsito em julgado para a execução da sentença. Portanto,
sugerindo que há abusos.” (p. 64)
O ministro Marco Aurélio afirma que “o preceito, a meu ver,
não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de
interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e
152 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica,


e, no caso, o preceito constitucional” (p. 77).
Em 01/09/2016, o assunto voltou a ser destaque no julgamento
das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 no STF50.
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que
o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não impede o início
da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu
liminares pleiteadas. Na ocasião, o ministro Barroso afirmou que “A
presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores,
como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida
das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para
que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”.
Teori Zavascki destacou que “A dignidade defensiva dos acusados deve
ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas
de justiça depositadas no sistema criminal do país”. De acordo com o
ministro Luiz Fux, “Estamos tão preocupados com o direito fundamental
do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade, que
tem a prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal”. Por fim, a ministra
Cármem Lúcia enfatiza que “A comunidade quer uma resposta, e quer
obtê-la com uma duração razoável do processo”.
Assim, ao encerrar essa fase de análise do fundamento da decisão,
pode-se concluir facilmente uma racionalidade por parte de alguns
ministros, influenciados pela população, mídia, jornais ou fundamentando
no descrédito do judiciário, para, assim, argumentar interpretação com
o propósito de possibilitar a prisão após decisão de segundo grau sem
trânsito em julgado.
Neste julgamento, ficam evidentes as influências externas para o
resultado da referida decisão. Há então a inversão do raciocínio no ato do
julgamento, pois primeiro foi definido o fim a ser alcançado (possibilitar a
prisão sem trânsito em julgado) e, após, procurou-se fundamentar.

5.14 ALTERAÇÃO DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO

O chamado superávit primário é o dinheiro que o governo consegue


economizar (uma poupança para pagar os juros da dívida pública). É o
que gasta (em despesas que não são financeiras) menos o que arrecada
e esse saldo é usado para pagar juros da dívida pública. Trata-se de um
dado importante, pois mede o risco de o governo dar calotes na dívida ou

50. stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754
Estudos de casos (Leading cases) 153

não. Esse sistema de metas do superávit primário tem sido também um dos
principais sinalizadores para o mercado do grau de austeridade da política
fiscal brasileira.
O superávit primário tem previsão legal na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO). Prevê ela que deve o Presidente de República
atender a meta de superávit primário, sob pena de ferir a Lei de
Responsabilidade Fiscal. A presidente da República, portanto, incorre em
crime de responsabilidade se não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
No final do ano de 2014 a oposição criticou duramente o governo
de desrespeitar o prazo regimental para garantir a aprovação que alterou o
superávit primário.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014, quando
formulada, estabelecia o valor mínimo de R$ 116,1 bilhões de superávit
primário (3,1% do Produto Interno Bruto). Desse valor, o governo
poderia descontar até R$ 67 bilhões para serem usados no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) (limite máximo de desconto), reduzindo
a economia a R$ 49,1 bilhões (valor reservado ao pagamento dos juros da
dívida). O governo, porém, encaminhou ao Congresso Nacional projeto
de lei que o liberava para abater todos os investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e as desonerações tributárias da meta
de superávit primário daquele ano.
O projeto de lei convertido em lei (Lei n.º 13.053/2014) autorizou,
portanto, o governo a descumprir a meta de economia para pagamento de
juros da dívida pública de 2014. A meta era de pelo menos R$ 81 bilhões,
mas na prática o governo ficou autorizado até mesmo a fechar o ano com
as contas no vermelho.
O que tentamos demonstrar aqui, para encerrar este capítulo, é a
instrumentalidade a priori para evitar o suposto crime de responsabilidade
fiscal. São dois, portanto, os caminhos para o poder, ou a instrumentalidade
a priori ou racionalidade posteriori. Com a boa fama da Lei51 e a sua
característica de legitimidade, de grande utilidade é a solução por meio de
instrumentalidade priori pois como aprovado o projeto de Lei, teoricamente
legal é. A racionalidade a posteriori pode ocorrer quando o Judiciário for
impulsionado e analisar no mérito sua validade e constitucionalidade.

51. Sobre o tema: “ainda que apesar das disputas internas, os juristas mantêm um acerto de
sobrevivência traduzida pelo poder simbólico impostas pelos dominadores; assim cria-se a
autonomia baseada essencialmente na crença da neutralidade dos magistrados”. IORIO
FILHO, Rafael Mario e DUARTE, Fernanda. O Supremo Tribunal Federal e o processo como
estratégia de poder: uma pauta de análise. R. SJTJ, Rio de Janeiro, n.º 19, 2007, p. 119.
154 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Adiante iremos demonstrar alguns questionamentos sobre o assunto


principal deste livro, qual seja a instrumentalidade a priori e racionalidade
posteriori.
CAPÍTULO VI

SOBRE RACIONALIDADE
A POSTERIORI E
INSTRUMENTALIDADE A
PRIORI
O processo está diretamente ligado à instrumentalidade, seria o
processo instrumento para o direito material, tem ele ligação com eficiência
e eficácia. Como base teórica para o presente pensamento, tomamos os
escritos e, principalmente, a terminologia desenvolvida por Dinamarco1.
De acordo com o doutrinador, a instrumentalidade não seria um fim em si
mesmo e sim um meio para alcançar objetivos2.
De acordo com o doutrinador, a jurisdição é expressão do
poder e canaliza a realização dos fins do próprio Estado em face das
cambiantes diretrizes políticas que a História exibe, afirma ele ainda que
é a “técnica jurídica a serviço dos objetivos políticos e sociais”3. Este
tema foi perceptível e tratado de forma recorrente no capítulo 3 quando
discorremos sobre as crises mundiais.
Verificamos desde o início que o direito tem clara ligação com
o poder, assim como os fins pretendidos pelo Estado, de modo que o
contexto histórico de cada época é de fundamental importância para o
estudo do ordenamento jurídico (capítulo 3).

1. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo:


Malheiros Editores, 2009.
2. Sobre o tema: Da mesma forma, a legislação deve atender aos propósitos a que se destina,
para que se fortaleça a confiança pública, o debate democrático, e a própria legitimidade do
Direito. Num certo sentido, é para isso que serve o Direito e Economia Positivo: para verificar
a pertinência entre meios e fins normativos. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em
direito e economia? Cadernos direito GV. Estudo 22, v. 5, março 2008, p.26.
3. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 179.
156 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Destacamos, inclusive, que de acordo com Habermas4 o Estado


se vale desse interesse de ser o responsável pelo bem-estar social e
usurpa o sistema processual pelos escopos da jurisdição5, valendo-se da
instrumentalidade do processo e seu viés “social e político”. O direito,
o acesso à justiça, e também toda sua interpretação, são respostas a
determinadas situações sociais.
Nessa linha de pensamento, há uma instrumentalidade do processo
determinada a alcançar certos objetivos, mas não somente objetivos de
justiça ou de eficácia, pois em determinados tempos são estes objetivos
ligados às estratégias do poder: fins econômicos, governamentais, Políticas
de Governo, de Estado e etc. Ou seja, há uma instrumentalidade do processo
conforme afirma Dinamarco, porém há também a instrumentalidade à
priori para atender determinados fins, conforme iremos analisar.
Procura-se com o processo um método para atingir resultados
previamente estipulados e, conforme narrado acima, o objetivo em
questão pode ser em diversas dimensões. Dinamarco6 salienta ainda que
deve haver um enquadramento do processo não somente com posturas
jurídicas, mas também com enquadramento político, pois há também um
panorama sócio-político que é inserido na função do processo.
Deste modo, teríamos a instrumentalidade do processo para atender
o direito material e diretamente ligado à eficácia, porém há também uma
instrumentalidade ligada à estratégia do poder e de legitimidade dos
interesses ligados ao poder, este que por sua vez é difuso.
Thomas Piketty7 questiona, por exemplo, se devemos deixar o
mercado e seu sistema de precificação operar livremente ou devemos
modificar a estruturalmente a maneira com as forças de mercado produzem
a desigualdade?8 Essa dúvida, de acordo com nosso entendimento, é
justamente uma possibilidade de instrumentalidade a priori, onde o Estado
4. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1. ed.
reimp. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011.
5. Sobre o tema veja o processo como estratégia do poder, capítulo 4.
6. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 181.
7. PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Tradução André Telles. 1 ed. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2015.
8. Ainda sobre o tema: “ O Estado intervém fixando regeras, e não somente arrecadando
impostos para financiar despesas e transferências. PIKETTY, Thomas. O capital do século
XXI. Tradução Monica Baumgarten da Bolle. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 464.
“A redistribuição moderna é construída em torno de uma lógica de direito e um princípio de
igualdade de acesso a certo número de bens julgados fundamentais. PIKETTY, Thomas. A
economia da desigualdade. Tradução André Telles. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p.
467.
Sobre racionalidade a posteriori e instrumentalidade a priori 157

adotaria uma Política de Governo ou Política de Estado e precisaria de


legitimidade para impor suas políticas, ou seja, instrumentalidade a priori
da norma legal.
Ainda sobre o tema e essa ligação de racionalidade e instrumentalidade,
Marinoni9 afirma que o direito foi capaz de garantir o fim ou o resultado
ao comentar sobre calvinismo e valores religiosos; que o direito é como
instrumento de racionalização da vida orientada pela religião e dirigida à
obtenção de fins.
Destaca ainda o doutrinador que os valores calvinistas deram origem
a um comportamento racional que contribuiu para o desenvolvimento
do capitalismo e exigiu um direito racional e previsível. Além disso,
que os valores e cultura de um povo podem e devem ser relacionados à
racionalidade do direito e da administração da justiça10.
Como apontamos uma questão temporal (a priori e a posteriori)
importante delimitar qual seria esse marco temporal, pois a priori é uma
locução latina e significa a partir do que é anterior e opõe-se a à posteriori.
A instrumentalidade é a priori pois terá ligação com tudo anterior à
propositura da ação (este é o marco temporal) e principalmente as razões
que motivam a elaboração da norma. A racionalidade é a posteriori, tudo
posterior ao ajuizamento do processo, e daí já entramos no outro termo,
que tem ligação com a atitude do julgador após a propositura da ação.
O julgamento ou eventual decisão judicial terá que ser tomado de
forma racional, em grande parte dos casos essa racionalidade a posteriori
será evidente na sentença, todavia não achamos impossível de ser tomada
no despacho saneador ou eventual despacho onde a racionalidade se
operaria para determinados fins.
Verificamos também que aplicar judicialmente leis com propósitos
sociais passa a ser estratégia para realização política de determinados
objetivos e determinados valores. Apuramos que há uma inversão no
raciocínio jurídico, pois não é tão somente aplicar regra geral a abstrata,
pois as leis sociais atuam como instrumento de consecução de equilíbrios e
de mudanças sociais, com isso a racionalidade jurídica teria um problema
de ser definida não a priori, mas tão-só a posteriori.

9. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014a, p. 30.
10. Sobe o tema: “A decisão deixa de ser situar no local da procura o sentido exato da lei e
passa a ocupar o lugar da justificativa das opções interpretativas, ou seja, da racionalidade
da interpretação. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 65.
158 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

A propositura da ação é um marco temporal para nosso pensamento,


onde há certamente uma inversão e uma complexidade de fatores que
possibilita o emprego da racionalidade por parte do julgador, racionalidade
esta posterior à propositura da ação e da elaboração da norma, daí a origem
do termo racionalidade a posteriori.
Essa racionalidade pode ser desenvolvida com reflexos do poder,
com reflexos econômicos, políticos, Políticas de Governo e de Estado,
tudo devidamente pesquisado nos tópicos do livro. Ou seja, o processo de
cognição do juiz implica nessa inevitável racionalidade.
Para Bruno Meyerhof Salama11 como o juiz ao interpretar a lei deve
sopesar as prováveis consequências das diversas interpretações, o direito
continuará sendo uma arte, não uma ciência.
Sobre a instrumentalidade, está ela diretamente ligada ao processo
e às formalidades necessárias. Sabe-se que não é possível um sistema
processual eficaz sem formalidades, sem determinadas formas, ou seja, deve
o processo atender à instrumentalidade necessária. Essa instrumentalidade
é pensada de maneira a priori, ou seja, pretende-se tutelar, por exemplo,
o rito processual, deve-se antes pensar na realidade social, na estrutura
do Judiciário, no contexto histórico, experiências já vividas e qual será
o fim almejado com o procedimento12. A instrumentalidade é, portanto,
vislumbrada antes da elaboração da norma, antes de sua vigência, motivos
pelo qual escolhemos instrumentalidade a priori e não racionalidade a priori.
Não iremos tratar com exaustão sobre a terminologia instrumentalidade
do processo, pois nosso propósito é outro. O enfoque é falar sobre uma
instrumentalidade a priori, que tem outro sentido por nós proposto diante
do pacto semântico aqui criado (vide nota de rodapé da introdução).
Já aqui descrevemos que a instrumentalidade13 é o núcleo e a
síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual.
Tudo está ligado ao serviço jurisdicional, à efetividade e seus princípios
formativos (lógico, jurídico, político e econômico). Não há no processo
uma preocupação metafísica, pois deve ser ele instrumento para seus fins,

11. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos direito GV.
Estudo 22, v. 5, março 2008, p. 34.
12. Sobre o tema: Sergio Alves Gomes escreve que as normas devem ser construídas em consonância
com os valores que fundamentam o convívio social e identificam referida sociedade em face de
outras. GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Constitucional: Um Contributo à Construção do
Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2008, p. 163.
13. Sobre o tema ler: Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo. S. Paulo:
Malheiros (2009).
Sobre racionalidade a posteriori e instrumentalidade a priori 159

ou seja, visão mais pragmática. Há uma busca para alcançar os remédios


processuais necessários para os fins almejados (estratégias do poder).
O processo é instrumento por excelência, prestando ao serviço de
certos objetivos. É ele meio em função de seus fins a que se destina. É
uma técnica para objetivos estabelecidos, sejam eles políticos ou sociais,
Políticas de Estado e Políticas de Governo; é o processo um instrumento
para uma ordem.
Deste modo, o processo passa a ser útil para implantar os fins
pretendidos pelo Estado ou por quem detenha o poder, pois, conforme
já mencionando, é ele difuso (o poder) e poderá se manifestar em suas
diversas formas. Há então uma instrumentalidade a priori para atender fins
pretendidos (legitimação dos interesses).
O termo racionalidade vem complementar a instrumentalidade no
mundo atual, complementar ou criar uma crise, depende do ponto de
vista. Diante do todo exposto (que neste capítulo estamos sintetizando)
a racionalidade se faz necessária em determinadas lides, é uma forma de
agir do juiz “dentro” da sentença ou desde o ajuizamento da ação por
meio de decisões interlocutórias. Principalmente após a Segunda Guerra
Mundial a norma, mais propriamente a decisão judicial, passa a ser
carregada de conteúdos valorativos, principiológicos e com “preocupações
econômicas”, motivos pelo qual há uma situação de protagonismo judicial
(capítulo 4).
Não há mais no mundo contemporâneo (pelos menos no Brasil)
uma simples subsunção do fato à norma. Grande parte do conteúdo legal
é feita por normas de caráter aberto, ou seja, abertas para interpretações
por parte do julgador. Em determinados momentos se “faz necessário”
ao julgador adequar o provimento final, a sentença, para determinados
propósitos éticos, midiáticos, econômicos, utilitaristas e temas afins14, ou
seja, deve haver uma racionalidade a posteriori diante do caso concreto.
Embora o termo escolhido seja este (instrumentalidade a priori
e racionalidade a posteriori), não é impossível pensar também em uma
racionalidade a priori, pois embora a técnica seja em princípio neutra (fato
que não acreditamos presente na maioria dos casos), é ela construída
também de acordo com uma visão de objetivos a serem atingidos,
objetivos estes, às vezes, ideológicos, propositais e, portanto, com cunho
de racionalidade15.

14. Não entramos aqui no mérito sobre a viabilidade dessas adequações. Apresentamos, contudo,
exemplos no capítulo 5.
15. Outro termo poderia ser descrito aqui, razão instrumental a posteriori para definir a racionalidade
160 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

Não seria incorreto também em princípio falar em uma


instrumentalidade a posteriori à propositura da ação, porém não achamos o
mais adequado, pois instrumentalidade tem mais ligação com o processo e
a elaboração da norma para ser eficaz ou atingir determinados fins. Após
o ajuizamento há, por parte do julgador, muito mais uma racionalidade do
que uma instrumentalidade.
Deste modo, por questão metodológica, para delimitar o tema e tendo
em vista o pacto semântico descrito em notas de rodapé da introdução,
adotamos a denominação indicada no título do livro, pois entendemos ser
ela suficiente para ilustrar o cenário contemporâneo, conforme já exposto
em diversos tópicos. Ressalvamos, contudo, os parágrafos anteriores com
as devidas explicações.
Ainda sobre o tema, apontamos aqui uma necessidade de
racionalidade a posteriori no capítulo 3.4 quando discorremos sobre a crise
europeia. A decisão judicial deverá analisar sim determinadas condições
econômicas ao proteger certos direitos diante de um quadro de crise, pois
um Judiciário alheio ao contexto econômico poderá ser um grande perigo
para a governabilidade e, consequentemente, para a população.
Discorremos sobre racionalidade a posteriori quando doutrinadores
apontam que o Direito deve integrar cálculos de custos e benefícios,
ou seja, fundamentam que o Direito deve ter função de maximização
da riqueza, ou uma visão de “pragmatismo jurídico”. Outro exemplo é
quando o Judiciário é chamado para corrigir distorções e falhas da inflação
legislativa, ou quando é vital a utilização de critérios de macrojustiça e,
por fim, quando decisões podem causar graves consequências à ordem, à
economia, às finanças ou à saúde pública. A decisão, certamente, não pode
causar um mal maior, deve ela, portanto, ser racional (a crítica, porém,
certamente, é o limite dessa racionalidade).
Exemplos também de racionalidade a posteriori encontramos
expressamente nas argumentações das perdas da poupança, nas discussões
sobre o FUNRURAL, no Programa mais Médicos (neste caso Políticas de
Governo e não Políticas de Estado), na decisão judicial sobre os juros legais,
no voto sobre a Desaposentação do Ministro Barroso, a interpretação do
art. 52, inciso X da C.F, no processo do “Mensalão” e no andamento do
processo que questiona a Emenda Constitucional número 62/2009, tema
este tratado no capítulo 5.12.
Pelos fundamentos até então depositados, em determinados
momentos a racionalidade a posteriori será inevitável, pois o homem é
a posteriori.
Sobre racionalidade a posteriori e instrumentalidade a priori 161

maximizador racional em relação a seus fins em vida (valor, utilidade e


eficiência norteiam escolhas) e um julgador desconecto de determinados
fins parece distante, ao nosso ver, da justiça.16
Marinoni, citando doutrina de Weber, destaca que o state decisis (o
sistema de precedentes obrigatórios) é importante para a previsibilidade.
Para o doutrinador, a fundamentação é um requisito para a racionalidade
do sistema e também para o desenvolvimento do capitalismo, ou seja, a
administração da justiça não deixaria o empreendedor desamparado.17
Questionamos, porém, como se dá a formação dessa decisão diante
desses “problemas” aqui propostos e essa racionalidade para atender
determinados fins. Como então respeitar esse precedente diante dessa
possibilidade de racionalidade a posteriori.
Destacamos que o precedente pode ser fruto dessa relação do poder
que foi devidamente descrita anteriormente, em especial no capítulo 4
quando tratamos sobre o protagonismo.
Conforme já afirmamos, há uma inversão no raciocínio jurídico, pois
não é tão somente aplicar regra geral e abstrata, com isso a racionalidade
jurídica teria um problema de ser definida não a priori, mas tão-só a posteriori,
causando com isso uma crise na própria democracia.
Ainda na instrumentalidade a priori, diagnosticamos o processo
como estratégia do poder quando o legislador ao criar as normas sofre as
pressões fruto das relações de poder, antevendo determinadas situações
e, assim, criando estratégias para a governabilidade (Políticas de Estado
ou do Governo). Pode, nessa situação, a intenção do legislador se reverter
em sentido contrário, como a inflação legislativa apontada no capitulo
4.3, fato este que cria mais discricionariedade e, consequentemente, mais
racionalidade a posteriori, tornando, deste modo, um círculo vicioso.
Na instrumentalidade a priori leis são criadas para estabelecer
condições de intervenção do Estado na vida econômica e social para um
desenvolvimento nacional. Apontamos que exemplo de instrumentalidade
a priori foi a criação da súmula vinculante, bem como a alteração do

16. Sobre o tema: “Também pode haver o que se chamou, algumas vezes, de “fraqueza de
vontade”, fenômeno que tem recebido a atenção de muitos filósofos desde a Antiguidade –
os antigos gregos o chamavam akrasia. Uma pessoa pode muito bem saber o que deve fazer
de forma racional, e ainda assim deixar de agir dessa forma. As pessoas podem comer em
excesso ou beber em excesso (...). SEN, Amartya Kumar. A ideia de justiça. Tradução Denise
Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 210.
17. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014a, p. 41.
162 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

superávit primário e a edição da Medida Provisória número 621, de 8 de


julho de 2013, que criou o programa mais médicos (capítulo 5).
Deste modo, com a instrumentalidade a priori o Estado dá legitimidade
aos seus interesses, ou seja, o ordenamento jurídico é pensando a priori
para implantar Políticas de Governo e Políticas de Estado. Conforme já
falamos, não somente o Estado, pois o poder é difuso e em determinados
momentos pode alguém ou alguma instituição estar no alto da hierarquia18,
impondo, assim, seus interesses e dessa forma serão eles legítimos por
meio do sistema legal.
Importante destacar que estes questionamentos se tornam relevantes
a partir do momento que entendemos que o método nada vale no campo
da tecnologia jurídica, na medida em que esta não se opera com a verdade,
mas com adequação de meios e fins dados.
Interessante também voltar a destacar o comentário já apontado
no início do trabalho, pois a instrumentalidade a priori e a racionalidade a
posteriori não se operam apenas com propósitos econômicos, mas com os
diversos reflexos do poder. Por exemplo, sobre o conteúdo do capítulo
5, o programa mais médico é reflexo do poder e Política de Governo,
o processo que trata sobre Desaposentação há também Política de
Governo no voto proferido e o Processo do Mensalão não tem influências
econômicas, as vezes midiáticas ou patrióticas.
Neste sentido, se justifica o estudo do capítulo 1 para demonstrar
que o poder é difuso, em especial o capítulo 1.1, que faz uma análise do
mundo contemporânea e essa característica da impossibilidade de o Estado
legislador controlar todas as situações por meio de um sistema positivo.
Porém, há sim também uma influência econômica em determinadas
discussões, conforme já apontamos (capítulo 5), assim como um
protagonismo judicial para tanto (capítulo 4).
Importante para tanto ponderar que a forma de implementação
da instrumentalidade a priori se dá por meio do processo legislativo, em
especial quem tem poder de influência sobre esse procedimento (CF, art.
59 e seguintes). De outro lado, a racionalidade a posteriori é presente na
interpretação legal do julgador – normas de caráter aberto, princípios,
discricionariedade, ponderação de valores, incompletude da lei e etc.

18. Sobre o tema: “Isso tudo certamente penetrou na administração da justiça, levando, por
exemplo, à formação dos famosos “grupos” nos tribunais, quando passa a prevalecer a ética
do tudo em favor do colega alinhado e, pior do que isso, a manipulação das decisões em favor
daqueles – inclusive dos governos e das pessoas e corporações ligadas ao poder político – que
detêm relações com os que ocupam os “cargos”. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos
precedentes. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 85.
Sobre racionalidade a posteriori e instrumentalidade a priori 163

Críticas podemos apontar e várias referente a esta forma


(instrumentalidade e racionalidade). Primeiro, o acesso à justiça no mundo
contemporâneo é consolidado por meio da razão instrumental. Segundo,
o juiz assume o projeto estatal distributivo, equacionando desigualdades
socioeconômicas com compensações jurídicas formais. O Judiciário
passando a ser mais ativo, transforma o sistema processual em instrumento
de grande utilidade para os interesses do poder e, assim, mais nocivo para
o aprofundamento da democracia inclusiva.
A instrumentalidade a priori pode transformar o legislador em um
instrumento para a “fúria legiferante”, porém quanto mais complexo são os
sistemas sociais, menor é a autoridade institucional do Estado em termos
de controle do direito. Ou seja, o excesso de instrumentalidade a priori para
atender determinados fins, implica no processo inverso, pois precisará de
mais racionalidade a posteriori para correções de eventuais abusos.
Quanto mais o Estado se apropria do Direito para regular todos os
espaços, menos o Estado intervencionista parece capaz de mobilizar os
instrumentos normativos de que formalmente dispõe. Há clara contradição,
pois quanto mais o Estado legisla, mais acelera o esvaziamento da própria
funcionalidade do direito. Um excesso de instrumentalidade a priori não
soluciona a pretensão do Estado, pois a crise é presente também com a
racionalidade a posteriori. Há, com isso, uma mistura de sistemas políticos,
com instrumentalidade vinculadas aos fins políticos e em determinadas
lides a racionalidade também vincula a esses fins.
Desde o início fizemos clara ligação do direito com o poder, ambos
andam interligados. O Estado e, às vezes, instituições com poder de
intervenção, se apropriam da base legal, ou de um sistema supostamente
vertical de poder. Porém destacamos que o poder é difuso, principalmente
no mundo contemporâneo.
Essa racionalidade a posteriori e instrumentalidade a priori, bem como
seus reflexos do poder no mundo jurídico, acabam por gerar neste Estado
contemporâneo, para o homem comum e para o operador do direito,
um tipo de insegurança até então insuspeitada: a insegurança do próprio
sistema legal e, consequentemente, do direito.
Adiante seguirá o estudo com o último capítulo que tratará sobre
“considerações sobre justiça” diante dos diversos quadros aqui descritos
no mundo contemporâneo. Ademais, o capítulo tem fina sintonia
com o presente capítulo que trata sobre a racionalidade a posteriori e
instrumentalidade a priori, pois o questionamento é principalmente presente
164 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

quando indagamos o que é justiça diante desse quadro de racionalidade e


instrumentalidade.
CAPÍTULO VII

CONSIDERAÇÕES SOBRE A
JUSTIÇA. Como pensar em
justiça diante desse cenário
de jogo do poder e da razão
instrumental?
Diante do que foi até aqui exposto, com essa relação do direito com
o poder, do direito com a economia, o papel do Estado e, principalmente,
do judiciário, questiona-se o que seria justiça1. Não há pretensão de
buscar uma resposta clara e precisa, nossa proposta é tecer comentários
e provocações. Certamente desde o início da vida humana discutir o que
é justiça, ou tentar uma resposta adequada para esta questão, o tema é
recorrente.
Temos neste cenário inúmeras teorias de justiça, desde Aristóteles,
Platão, John Rawls, Amartya Sem, Thomas Piketty, dentre tantos outros;
filósofos, teóricos, estudiosos, religiosos, enfim, várias teorias. Algumas
com explicações metafísicas, outras mais pragmáticas, algumas ligadas
aos seus contextos históricos, outras atemporais. Nossa preocupação é
discutir como vislumbrar uma teoria da justiça diante dessa relação de
poder, com esse suposto poder difuso, com essa instrumentalidade a priori
e racionalidade posteriori.2

1. Sobre o tema: “Considera-se que um determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto
se, e somente se, for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de
alguma outra pessoa”. SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Tradução Laura Teixeira
Motta; revisão técnica Ricardo Doninelli Mendes. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1999, p. 47.
Sobre o tema: “No coração do problema específico de uma solução imparcial única para a
escolha da sociedade perfeitamente justa, está a possível sustentabilidade de razões de justiça
plurais e concorrentes, todas com pretensão de imparcialidade, ainda que diferentes – e rivais
– umas das outras. SEN, Amartya Kumar. A ideia de justiça. Tradução Denise Bottmann,
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 43.
2. Sobre o tema: Tercio Sampaio Ferraz Jr. ao propor questionamento sobre Poder e Justiça, afirma
em sua conclusão que a perda do sentido de justiça é também perda do sentido da existência.
166 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

John Rawls afirmou que a Constituição ideal seria um procedimento


balizado por princípios de justiça, capaz, inclusive, de conformar as forças
políticas responsáveis pela produção normativa.
Esse assunto foi também aventado por Dworkin, pois para o
doutrinador, mesmo aspirando que as decisões judiciais sejam questões de
princípios, isto não é completamente alcançado, pois com frequência se
verificam argumentos de princípios equivocados. Na visão do doutrinador,
ganha-se mesmo assim com a tentativa.
Afirma ele que “No sistema atual, aspiramos que uma decisão judicial
seja uma questão de princípio. Isto não pode ser completamente realizado,
pois todos nós achamos que os juízes, às vezes, e talvez com frequência,
apresentam argumentos de princípios equivocados. Mas saímos ganhando
mesmo com a tentativa”.3
Para Dworkin4, há nações em que os cidadãos estariam em melhor
situação se não houvesse um livro público que determinasse todas as leis.
Na ânsia de impor tirania e ávidos por poder, os governantes utilizam da
boa reputação da lei. Assim, ratificamos que seria benéfico, em algumas
situações, se não houvesse um livro público determinando normas de
comportamento e fossem respeitados princípios básicos e inerentes aos
cidadãos.
Sobre justiça e direito, citamos Habermas5 ao tratar sobre a relação
externa entre facticidade e validade, uma tensão entre norma e realidade,
que constitui um desafio para uma elaboração normativa. O mesmo
doutrinador6 destaca ainda haver uma consciência de que existe uma teoria
social e que esse exercício da justiça não pode mais permanecer alheio ao
seu modelo social.7
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito e Poder, Nas instituições e nos valores do público
e do privado contemporâneos. (...), 2005, p. 181.
3. “Under the present system, we aspire that adjudication be a matther of principle, The
aspiration cannot be fully realized, because each of us will think that judges sometimes, and
perhaps often, make mistaken arguments of principle. But we gain even through the attempt”
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Havard University
Press, 1977/1978, p. 338; ou em português DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.
3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 518 .
4. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Havard University
Press, 1977/1978, p. 338.
5. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume I. 2. ed. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 61.
6. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1.
ed.reimp. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 129.
7. Sobre o tema: “No entanto, como o direito também se relaciona internamente com a
política e com a moral, a racionalidade do direito não pode ser questão exclusiva do direito”.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume II. 1.
Considerações sobre a justiça. como pensar em justiça diante desse cenário de jogo 167
do poder e da razão instrumental?

Para Willis Santiago Guerra Filho8, o direito é uma camuflagem do


poder, apropriado pelos “autores-intérpretes” desta grande montagem
que é a sociedade; o verdadeiro e o falso no direito, na política e setores
afins determinam-se pela coerência da narrativa.
De acordo com Foucault9, a paralisia da justiça está ligada
menos a um enfraquecimento que uma distribuição mal regulada do
poder a sua concentração em certo número de pontos e aos conflitos
e descontinuidades que daí resultam. Essa disfunção do poder se faz
advindo de um superpoder ou um excesso de poder central.
Continua ainda o doutrinador que o direito é criticado pelos
privilégios da justiça, sua arbitrariedade, arrogância arcaica, pelas misturas
de fraquezas e seus excessos, exageros e lacunas. Há um equívoco em
considerar que a justiça esteja somente inserida no direito (sentido de justo
ou injusto), pois é um valor inserido dentro de uma sociedade.
Coelho10 questiona o que seria a lógica do razoável. Embora ela se
desenvolva a partir de razões e valores da realidade social, entre os valores
e os fins ou entre os fins e os meios, o direito não pode ser lógico.
Podemos afirmar o que seria justiça, o que é o justo diante de tantas
relações de poder existentes no mundo, desses fatores históricos e os
contextos até então expostos? O que temos pode ser justiça?11 Verifica-
se desde o início que não estamos preocupados com considerações
metafísicas, mas sim em discutir sobre justiça no plano mais prático, pois
democracia não é sinônimo de consenso, tendo em vista a proteção dos
direitos fundamentais e da diversidade.
Thomas Piketty12 afirma inclusive que há certo consenso a respeito
de diversos princípios básicos de justiça social, como que a desigualdade se

ed.reimp. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 230.


8. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: a expansão política do direito. 2
ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 208.
9. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 41, ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 77.
10. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 99.
11. Sobre o tema: Foucault com muita segurança afirma que o conhecimento é sempre uma
relação estratégica em que o homem se encontra situado. FOUCAULT, Michel. A verdade e as
formas jurídicas. (...) 1999, p. 15.
Sobre o tema: “Aumentar a renda de todos elevará a felicidade de todos?”; “nenhum
denominador comum de sentimentos é possível”. SEN, Amartya Kumar. A ideia de justiça.
Tradução Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras,
2011, p. 332.
12. PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Tradução André Telles. 1 ed. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2015, p. 10.
168 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

deve, ao menos em parte, a fatores fora do controle dos indivíduos, com


desigualdade das dotações iniciais transmitidas pela família ou pela sorte.
Gustavo de Castro Faria13 aponta ainda que a ideologia é marcada
como argumento persuasivo, além de informar, gera emoção que sustenta
a crença e a ação, além de mostrar como mecanismo estruturado de
dominação14. Para Azevedo15, o pensamento ideológico não podendo
alterar a realidade altera a compreensão e, consequentemente, o significado.
Seria então possível alcançar legitimidade se as relações de poder
fossem ocultadas? Ainda com este pensamento, a legitimidade ou relação
de justiça não será alcançada por meio, certamente, de um juiz virtuoso
chamado Hércules como afirmava Dworkin16, ou a criação, interpretação
e aplicação do direito depender de um decisor solipsista manipulado como
instrumento de poder.17
Não há uma argumentação pura, uma teoria pura do direito, pois isso
seria desprezar elementos sem os quais o raciocínio prático funcionaria,
por assim dizer, no vazio; é ver o raciocínio prático conforme o modelo
de raciocínio teórico18. Sobre o tema, interessantes também são os escritos
de Dworkin sobre a necessidade de reconstrução do direito, pois a
racionalidade da decisão judicial não está completa devido a vicissitudes
da política e ao amálgama de razões da legitimidade do direito. A intenção
com a reforma é que a decisão correta tenha que se encaixar num sistema
jurídico coerente19.
Como seria possível falar em justiça, sobre a visão social e não liberal
atual, sobre, inclusive, maior ativismo judicial para implantar direitos
13. FARIA, Gustavo de Castro. Jurisprudencialização do direito: reflexões no contexto da
processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p. 14.
14. Sobre o tema: “O direito não apenas possui uma linguagem, mas é uma linguagem, na medida
em que instrumenta uma modalidade de comunicação entre os homens, seja para ordenar
situações de conflito, seja para instrumentalizar políticas. Também a ideologia, por outro lado,
é uma linguagem ou discurso. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto.
8ª ed. revista e ampliada. Editora Malheiros, 2011, p. 57.
15. AZEVEDO, Plauto Faraco de Azevedo. Aplicação do Direito e contexto social. 3.ed. rev.,
atual. ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014a, p. 20.
16. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
17. Sobre o tema: “De outro lado, a positividade do direito não pode fundar-se somente na
contingência de decisões arbitrárias, sem correr o risco de perder seu poder de integração
social”. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade, volume I. 2.
(...) 2012, p. 60.
18. PERELMAN, Chain. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 168.
19. Sobre o tema: DELAMAR, José Volpato. A teoria discursiva da aplicação do direito: o modelo
de Habermas. e DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
Considerações sobre a justiça. como pensar em justiça diante desse cenário de jogo 169
do poder e da razão instrumental?

sociais? Almeida20 salienta que os formalistas estão em extinção, há uma


predominância das ideologias sociais, o que aumenta o “Custo Brasil” e
prejudica a sociedade com o aumento de escassez.
Desde o início nossa preocupação não é identificar quem exerce
o poder (ou a função estatal), mas como tal deve ser exercido em prol da
efetivação dos direitos fundamentais.
Sobre o protagonismo do Judiciário, que também afeta as discussões
sobre justiça, destacamos que ele é fruto também da evolução histórica e
foi presente quando discorremos sobre as crises mundiais. Para garantir
direitos fundamentais se fez necessário ampliar o uso de princípios e
valores na sociedade, principalmente após a Segunda Guerra, iniciando,
assim, os contornos desse atual cenário.
É o juiz, portanto, um protagonista de uma revolução democrática
da justiça e, logo, passa a ser ele uma figura importante para quadros
econômicos e políticas públicas.
A discussão é latente e após longos anos de pacifismo, o protagonismo
entra em ascensão, com algumas discussões, inclusive, fervorosas pela
defesa irrestrita de poderes para o Judiciário, ao nosso ver, perigosa. Assim
como a neutralidade é perigosa, pois faz do legislador um superpoder, o
protagonismo irrestrito também o é, pois faz do Judiciário também um
superpoder, podendo ele ser utilizado para estratégia do poder em sua
versão de racionalidade a posteriori.
Uma jurisdição politizada compartilha a responsabilidade pelo uso
da violência e transforma o juiz em justiceiro, torna a justiça politizada,
podendo ela se aproximar do marketing das opiniões.
Necessário, em nosso entendimento, um estudo do procedimento
adequado, não afastando o uso de valores, de princípios, pois conforme
afirmou Dworkin, pode o soberano fazer uso da boa fama das leis para
impor seus interesses. Para evitar isso, portanto, necessário se faz um
processo substancial, um juiz com poderes, mas não irrestrito como um
juiz Hércules, pois exceto na mitologia, no mundo real não deve haver
messianismo.
Quanto mais complexo o sistema jurídico, mais ineficaz ele será.
Verificamos isso em assuntos econômicos, em que o Estado tenta impor
determinada instrumentalidade para atender seus fins, porém poderá essa
instrumentalidade sofrer racionalidade a posteriori. A inflação legislativa

20. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia,
economia do direito, direito econômico, law and economic, análise econômica do direito,
direito econômico internacional. 4 ed. São Paulo. Saraiva, 2012, p. 311.
170 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

pode ainda ser fruto das relações de poderes existentes na sociedade,


ou seja, leis criadas para atender determinados interesses, fator este que
reforça ainda mais o esvaziamento do sistema legal em determinados
pontos.
Já destacamos que, para Faria, a contradição é presente no momento
em que quanto mais o Estado legisla, mais acelera o esvaziamento da
própria funcionalidade do direito, a ponto do sistema jurídico se confundir
com o sistema político. O protagonismo judicial é, portanto, também fruto
dessa “fúria legiferante”.
Ainda sobre a ótica da justiça, o ganhador do prêmio Nobel Amartya
Sen21 e um dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
esclarece que a “economia supostamente se ocupa de pessoas reais”,
observando ser difícil crer que pessoas reais poderiam ser totalmente
indiferentes ao alcance do autoexame induzido pela questão socrática
“Como devemos viver? [...]”.
Afirma ainda Amartya Sen22 que a Economia teria sido
substancialmente empobrecida pelo distanciamento crescente entre
economia e ética. Observa que a questão do afastamento entre Economia
e Ética se dá pela noção de neutralidade e objetividade científica.
Ainda na visão de Amartya Sen, a fome, existente apesar da
abundância circundante de bens, não se deve à escassez de recursos
naturais, humanos e técnicos, mas tem explicação pela falta de direitos,
não pela falta de bens23. Finaliza afirmando que em função de problemas
desse gênero, a relação entre Economia, Direito, Ética e Justiça é da maior
relevância teórica e prática, devendo ser abordado ao se pretender estudar
o campo jurídico a partir do saber econômico.
Para Bruno Meyerhof Salama24, noções de justiça que não levam
em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são, em
termos práticos, incompletas. Destaca ainda ele que os magistrados devem
pensar como legisladores, pois sua atividade também é política, inclusive
pela existência de normas de caráter aberto e programáticas.
21. SEN, Amartya Humar, 1999. Sobre ética e economia. Tradução Laura Teixeira Motta; revisão
técnica Ricardo Doninelli Mendes. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 18.
22. Idem.
23. Sobre o tema: Segundo a teoria econômica predominante, desarranjos como inflação, déficits
públicos e dívida privada ou pública excessiva resultam de um conhecimento insuficiente
das leis que regem a economia, essa máquina de geração de riqueza, ou da desconsideração
dessas leis na busca egoísta de poder político. STREECK, Wolfgang. As crises do capitalismo
democrático. Novos estudos. - CEBRAP n.º 92. São Paulo Mar. 2012.
24. SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos direito GV.
Estudo 22, v. 5, março 2008.
Considerações sobre a justiça. como pensar em justiça diante desse cenário de jogo 171
do poder e da razão instrumental?

Sobre o tema, Faria25 também questiona como seria possível


assegurar direitos individuais nessa nova ordem constitucional, em meio
a uma situação de dificuldades econômicas generalizadas, que exige do
Executivo um alto poder discricionário de intervenção estabilizadora.
Destaca Luiz Fernando Sgarbossa26 que a discussão da relação entre
eficiência, ética e justiça perpassa, necessariamente, a questão relativa à
intervenção do Estado na ordem econômica. Finaliza o doutrinador
que “Em suma, concepções do Direito calcadas na economia ortodoxa
nada mais fazem do que buscar legitimar ou naturalizar os resultados
indesejáveis da operação do modo de produção capitalista em busca do
maior lucro possível, à revelia de quaisquer considerações sobre os efeitos
éticos e sociais da operação de suas instituições”.27
Evidenciamos a necessidade de um olhar na conexão da economia
com o direito. Os institutos têm ligações importantes, devendo cada qual
se ajudar. Amartya Sen28 destaca que a economia pode se tornar mais
produtiva se der uma atenção maior e mais explícita às considerações
éticas que moldam o comportamento e o juízo humano.
Ainda sobre ética, destaca Eros Grau29 que o “retorno à moralidade”,
ou seja, uma “eticização do direito”, pode conduzir a um mundo amargo e
cruel, pois não existe uma ética universal, as éticas são inúmeras.
Isso posto, contata-se que, até então, ponderamos que a justiça não
deve ser vista em uma visão formal, que o simples sistema positivo não é,
necessariamente, sinônimo de justo, ou seja, a Lei por si só não é reflexo
da justiça. Que princípios, portanto, são de grande importância. Que há
uma necessidade de reforma política, pois o sistema legal está impregnado
de vicissitudes políticas, ou seja, pode ocorrer do ordenamento não ser
reflexo puro da justiça.
Vimos também que o direito pode ser reflexo de toda estratégia do
poder (capítulo 4), que o legislador e o julgador podem ser tendenciosos,
pois ambos podem legitimar o interesse do poder. Que a lógica, o sistema
positivo ou uma supercorte de julgamento não necessariamente será

25. FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 151.
26. SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à redução da justiça à eficiência: da justiça plutocrática
à justiça focada em realizações. 2013, p. 415.
27. Ibidem, p. 541.
28. SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica
Ricardo Doninelli Mendes. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
29. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. revista e ampliada.
Editora Malheiros, 2011, p. 109.
172 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

sinônimo de justiça. A ética também não é a explicação para todos os fins


pretendidos, pois certamente varia conforme os vários grupos.
Destaca-se que o direito pode ser muito útil para a economia, assim
como a economia para o direito. Uma sentença, independente da relação
de poder existente, não pode ser alheia aos fatores econômicos envolvidos.
Não se trata de afirmar aqui uma visão utilitarista, de garantir o bem para
a maioria, mas sim de identificar os efeitos econômicos de uma decisão
(racionalidade posteriori), assim como identificar os efeitos econômicos na
instrumentalidade a priori, pois uma lei criada sem essa visão certamente
pode ter problemas na interpretação e, inclusive, pelo todo já exposto no
protagonismo judicial, ter na sua interpretação certos ajustes.
O distanciamento da economia na produção do direito não parece
ser sinônimo de justiça, dizemos isso tanto da produção a priori (a Lei),
quanto ao resultado final que é a sentença judicial.
Não adotamos uma visão reducionista do direito à economia. O
direito tem e deve ter grande preocupação com fins econômicos, mas não
em uma visão estritamente econômica. O contrário, porém, é perigoso, e
muito perigoso, pois o direito não pode estar alheio aos fins econômicos.
Em um estado de crise do Estado Social (crise europeia), por
exemplo, não pode o ordenamento jurídico em sua instrumentalidade
a priori continuar a produzir normas que elevam o gasto social e suas
despesas inerentes. Assim como também não pode a racionalidade a
posteriori continuar a manter precedentes que elevam o gasto público, é
uma clara necessidade de racionalização diante do novo contexto social.
O direito deve, portanto, acompanhar essas mudanças.
A instrumentalidade a priori é, inquestionavelmente, importante por
ser instrumento de transformação social, daí a clara ligação do direito
com a economia. O direito não é, portanto, apenas para harmonização
de conflitos e à legitimação do poder, pois tem papel fundamental na
implementação de políticas públicas, tanto em sua instrumentalidade a
priori quanto em sua racionalidade a posteriori.
A crítica bem presente, porém, é diante desse cenário o direito passar
a ser apenas função longa manus da intervenção político social. Ou seja, ao
invés do direito vislumbrar os benefícios de sua ligação com a economia,
verificar que essa ligação pode ser melhor utilizada para estratégias de
poder, estratégias de governabilidade (presença esta, ao nosso ver, bem
marcante no governo de terra brasileira).
Pode, ainda na crítica apresentada, o fator econômico ser utilizado
para fins estratégicos de poder, tanto na instrumentalidade a priori quanto
Considerações sobre a justiça. como pensar em justiça diante desse cenário de jogo 173
do poder e da razão instrumental?

na racionalidade a posteriori, fato que justifica a atual crise do Judiciário. O


perigo presente na crise é a racionalidade jurídica ser definida não a priori,
mas tão-só a posteriori.
O processo nesse quadro pode ser uma estratégia do poder. Pode
ser tanto em sua instrumentalidade a priori, quanto em sua racionalidade a
posteriori. A norma, por exemplo, que tenta interferir na ordem econômica-
social, é estratégia do poder, assim como a norma editada para atender
determinados fins ou propósitos de instituições. O Direito posto é
um instrumento de dominação de classe e, com isso, desmistifica-se a
legitimidade.
Há sim então a necessidade de reconstrução do direito, pois
a racionalidade da decisão judicial apresenta vicissitudes políticas e
deficiências de legitimidade do direito. O processo como estratégia do
poder poderá dar início ao mesmo círculo vicioso da inflação legislativa,
pois poderá implicar mais poder discricionário e, com isso, aumentar a
necessidade de interpretação. A norma como estratégia do poder poderá
ser questionada perante o Judiciário, estando, portanto, presente uma das
vertentes da crise do Judiciário.
Em resumo, o que é possível concluir? Ou melhor, em uma visão
pragmática, com essa realidade, como é possível ser justo ou buscar a
justiça?
O que motiva o mundo não são as respostas, mas sim as perguntas.
Jostein Gaarder, em “Ei! Tem alguém aí?”, falava que uma boa pergunta
é digna de reverência. Não que objetivemos uma reverência, longe disso,
mas a pretensão do estudo é questionar, pois resposta para o que vem a ser
justiça não temos, assim como essa é uma pergunta provavelmente feita
por toda humanidade desde sua existência.
Justiça não é encontrada em um sistema positivista clássico, nem
em um sistema sem formalidades mínimas. A formalidade é necessária
e é o pilar de qualquer processo. A lei não irá prever todas as situações
(impossível), deste modo necessário o uso de princípios e valores existentes
dentro da sociedade. Ao julgador compete utilizar o poder discricionário,
porém não de forma irrestrita, sempre com limites cuidadosamente
estabelecidos pelo sistema legal (daí a necessidade de formalidades).
Necessária certa tutela sobre o poder, pois por ser difuso, pode
assumir temporariamente certa hierarquia, ou seja, pode determinado
interessado estar temporariamente no alto grau da hierarquia do poder
e, assim, conduzir determinadas mudanças para seus interesses (tanto
na instrumentalidade a priori quanto na racionalidade a posteriori). Então
174 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

um sistema judiciário que não controla ou tenta controlar essas forças


certamente não será justo.
A instrumentalidade a priori deve ser também vislumbrada em uma
visão econômica, assim como a racionalidade a posteriori. Não há uma
escassez de recursos naturais, humanos ou técnicos, o que faltam são
direitos previamente determinados e criados para atender esses fins.
Logicamente, há dificuldade em determinar quais são esses fins,
religiosos, econômicos, de grandes grupos, das maiorias, das minorias,
porém destaca Amartya Sen ainda que a economia pode se tornar mais
produtiva se der atenção maior e mais explícita às considerações éticas que
moldam o comportamento e o juízo humano.
Contudo, destacamos especial atenção no mundo contemporâneo
aos fundamentos éticos para explicar a justiça. Não são os fundamentos
éticos uma pedra segura para se lançar e contemplar todos os princípios
de justiça, o perigo é definir qual conteúdo ético será esse (conforme já
expusemos).
O processo se faz necessário em qualquer sistema legal que
discuta justiça, a instrumentalidade a priori também. A lei, por sua vez,
não acompanha todas as alterações de uma sociedade no decorrer da sua
evolução, sendo necessário também em determinados casos a racionalidade
a posteriori.
A instrumentalidade a priori e a racionalidade a posteriori quando
utilizadas para fins justos, necessários, ao nosso ver, são de extrema
importância. A dificuldade é encontrada quando utilizadas como
estratégias do poder. Até quando utilizados para fins econômicos parece
em determinados casos guardar ligação com a justiça; porém, é inegável
que determinar qual fim econômico a ser seguido é tarefa árdua.
POSFÁCIO

Já são mais de dois anos decorridos após o término da escrita da


primeira edição deste livro. A primeira edição esgotou, o CPC/2015 entrou
em vigor, lecionei em várias aulas de pós-graduação sobre o tema, sobre o
CPC; debati muito o assunto, tive diversas outras leituras e pontos de vista
e publiquei diversos outros livros e capítulos de livros1. Necessário, então,
fazer a segunda edição deste livro.
Não optei em fazer uma ampla alteração do livro; não há uma
necessidade de atualização, o livro já foi escrito à luz do CPC/2015.
Algumas decisões abordadas no capítulo 5 foram julgadas, assim, foi
basilar revisitar o capítulo 5.3 sobre o Funrural, atualizando-o; apontar
o julgamento final do processo de Desaposentação do capítulo 5.7 e
acrescentar o capítulo 5.14, tendo em vista a importância temática.
Além dessa atualização, o livro como um todo foi revisado com o
propósito de melhorar em pontos específicos os discursos, a metodologia
e diversas citações.
O livro traz uma ideia central de influências do poder nas decisões
judiciais e na elaboração da lei. O fator preponderante é essa ideia. A
ideia já foi traçada, importa agora o leitor, e talvez também o operador do
Direito, observar esse fato (para nós notório).
Pois bem. Primeiro ponto que destacamos no nosso posfácio, que
talvez na primeira edição ainda não estava tão evidente, é: o CPC/2015

1. FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Recursos em espécie no Código de Processo Civil: estudos
avançados sobre o sistema recursal civil brasileiro / Bruno Augusto Sampaio Fuga, Thiago
Caversan Antunes. Londrina, PR: Thoth, 2017.
Hart. Análise da necessária discussão sobre a discricionariedade judicial in FUGA, Bruno
Augusto Sampaio. BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José (Org.). Filosofia do Direito. Belo
Horizonte: Arraes, 2017.
FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Direito e poder. A evolução histórica e o atual cenário jurídico
in SOUZA, André Peixoto de; ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto. Questões contemporâneas
do Direito. ILAAJ, 2017, p. 18 a 37.
FUGA, Bruno Augusto Sampaio. O inevitável uso dos valores na interpretação: por uma teoria
além da hermenêutica tradicional. Temas Atuais do Direito à Luz do Constructivismo Lógico-
Semântico. Editora Thoth, 2018.
176 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

entrou em vigor e com ele diversas técnicas aptas e criar precedentes


(muitos deles obrigatórios). O “poder” analisa esse novo cenário e age.
Agiu, age a agirá muito mais no futuro, o cenário jurídico será abruptamente
alterado em futuro breve.
Foi criado com o CPC/2015 precedentes obrigatórios (art. 927),
principalmente precedentes representados por IRDR (incidente resolução
de demandas repetitivas) e IAC (incidente de assunção de competência). É
sabido que tendo cabimento legal poderá o interessado recorrer e discutir
o tema (pretensões) por meio de Recurso Especial ou Extraordinário,
ocorre, porém, que, diante da existência destes precedentes obrigatórios,
não mais poderá o interessado pedir a revisão da tese posta do precedente
obrigatório (salvo se o próprio tribunal assim desejar), pois o recorrente
não possui armas processuais para pedir a revisão da tese. Há, assim, um
engessamento do Direito.2
Este engessamento é bem representado pela impossibilidade de
interpor recurso especial ou extraordinário da decisão proferida nas
hipóteses descritas no art. 927, 1.042 e 1.030 § 2º. Não explicaremos
aqui essa sistemática recursal (já abordamos esse tema em livro próprio);
entretanto, importante apontar que, em determinadas situações, após a
decisão do precedente, cria-se a impossibilidade de discussão do feito.
Qual o meu propósito então abordando esse assunto? Digo: se
durante o livro inteiro tentei deixar evidente que há um forte ativismo
judicial, com claro poder do julgador diante da discricionariedade judicial,
cláusulas abertas (open legis) (vide capítulo 4), com o CPC/2015 essa
possibilidade será mais bem evidenciada.
Demonstrei, ao longo da discussão suscitada no livro, que o poder
penetra e influencia o conteúdo da decisão judicial, principalmente em
leading cases. Penso que, com essa nova sistemática processual, a atividade
jurisdicional, sobretudo as decisões de cortes superiores descritas no rol do
art. 927, terá muita relevância e consolidará temas importantes. O poder,
que penetra sutilmente (às vezes nem tão sutil assim), estará presente e
decisões serão proferidas com essas características descritas nos capítulos
6, 5 e 2.
Mesmo em cenário em que os precedentes não guardavam essa força,
as decisões judiciais já eram bem preponderantes, inclusive como exemplo
de influências do poder, acredito que, com a criação de precedentes
2. Não entraremos em detalhes sobre a sistemática recursal, pois isso já foi objeto de recurso em
livro próprio: FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Recursos em espécie no Código de Processo
Civil: estudos avançados sobre o sistema recursal civil brasileiro / Bruno Augusto Sampaio
Fuga, Thiago Caversan Antunes. Londrina, PR: Thoth, 2017.
Posfácio 177

obrigatórios, essas marcas (econômicas, midiáticas, religiosas, enfim de


poder) serão bem mais evidentes.
Em breve futuro teremos diversos precedentes obrigatórios que
terão resolvidos importantes assuntos econômicos, políticas de estados e
de governo, além de outros assuntos afins. Nestes casos, o poder agirá (veja
o que é poder no capítulo 1) e, agindo, criará precedentes obrigatórios em
que absurdamente não há meio recursal para o interessado pedir a revisão
do julgado (salvo se o Tribunal desejar alterar, CPC art. 1.030, § 2º).
Ponto dois. Neste ato farei algumas considerações sobre o capítulo
5 e o estudo de casos. No capítulo 6 e 7 já fiz pontuações sobre o assunto,
em especial teci comentários dos diversos casos descritos no capítulo 5.
Desse modo, faço a sugestão ao leitor que primeiro faça a leitura desses
capítulos para, despois, seguir lendo o restante aqui posto. Pois bem, feito
isso, sigo com minhas considerações.
No decorrer dos estudos afirmei que as influências do poder,
presentes por meio de instrumentalidade, a priori (lei) e racionalidade,
a posteriori (julgamento), não estavam muito presentes nos casos (vide
capítulo 5). Afirmei que em muitos casos, existindo essa influência externa,
o julgador por meio de discricionariedade julga, consegue argumento legal
e legítimo será o julgamento.
Na primeira edição constatei que no julgamento da Ação Penal 470
do STF (“Mensalão”) ficou evidente uma influência midiática e popular;
isso ocorreu também no voto do Gilmar Mendes quando do julgamento
envolvendo assuntos do DPVAT, pois afirmou que “Levar os direitos a
sério requer que se considerem também os custos para sua efetivação...”
Em atualização à segunda edição, ficou evidente, sobretudo pela
discussão proposta por Gilmar Mendes no julgamento do Funrural,
que os aspectos econômicos das decisões têm influência no julgamento,
embora esse assunto tenho sido abordando apenas nas discussões e não
no fundamento do voto (vide capítulo 5.3). Acrescentei também o capítulo
5.13, ao abordar o tema sobre possibilidade de prisão após decisão de
segundo grau, sem trânsito em julgado; naquele julgamento, nas discussões
e também no fundamento do voto de alguns ministros, ficam evidentes as
influências do poder midiático, da população e da visão do judiciário como
um todo.
Ocorre, porém, que ainda é tímida a manifestação dessas
influências no fundamento das decisões. Mesmo existindo um fim a ser
atingido com o julgamento (aspectos econômicos, midiáticos, populistas,
utilitários, políticas de estado ou de governo e outros temas afins), por
178 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

meio da discricionariedade, o julgador fundamenta sua decisão. O direito


proporciona essa saída (às vezes, perigosa) para os julgamentos, em que
o julgador tem um fim a ser alcançado, determinado a priori, e buscam-se
argumentos para o fundamento da decisão, é a total inversão da ordem.
O surpreendente é que nem sempre as influências ficam então
impressas no voto. Com a análise dos casos, conclui-se que é muito tímida
a manifestação das influências do poder no julgamento, na fundamentação
da decisão.
Ponto três3. Este ponto foi inserido neste livro e elaborado durante o
crédito de doutorado na PUC/SP, disciplina de Paulo de Barros Carvalho.
Pois bem, dito isso, já foi ventilado em outro escrito meu4 que a norma
cria essa noção de legalidade e o poder se apodera desse discurso e passa
a participar da trama legislativa e interpretativa. O processo passa a ser,
dessa maneira, um instrumento de governabilidade (Estado passa a utilizá-
lo) e também outros setores que possam, em determinados momentos, ter
esse poder de participação e influência.
Já afirmamos que a decisão judicial não pode ser desconexa do
contexto histórico, social e econômico do momento da elaboração da
sentença. Normalmente, decisões de cortes superiores podem criar grandes
impactos nas contas públicas ou nas contas de grandes empresas5. Assim,
após o ajuizamento da ação, pode o julgador fazer uma racionalidade
a posteriori (posterior ao ajuizamento da ação e da lei) para atender
determinados fins políticos, econômicos ou sociais (além de outros fins,
pois o poder age e é difuso)6.
Nesse sentido, o ato de interpretar não fica atrelado apenas aos valores,
mas também às influências do poder. É importante destacar que não se
está falando de ilicitudes, mas sim o ato de interpretar, ligados aos valores,
discricionariedade e também os reflexos do poder. Para Paulo de Barros
Carvalho, escolhido um valor, tal como “segurança jurídica”, defini-lo é
3. Partes do conteúdo a seguir foi também abordado em: “FUGA, Bruno Augusto Sampaio. O
inevitável uso dos valores na interpretação: por uma teoria além da hermenêutica tradicional.
Capítulo de livro a ser publicado no ano de 2018.”
4. Hart. Análise da necessária discussão sobre a discricionariedade judicial. FUGA, Bruno
Augusto Sampaio; BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José (Org.). Filosofia do Direito. 1ª
ed. Belo Horizonte: Arraes, 2017. Adiantes, teremos alguns trechos na pesquisa desenvolvida
neste livro.
5. Para levar os direitos a sério requer que se considere também os custos para sua efetivação, que
aliás serão tanto mais relevantes quanto mais dispendiosa seja a concretização do direito ou da
política pública. Gilmar Mendes. (STF ADI4627 e 4350 e ARE 7045200)
6. Sobre o tema: “Não há dúvida de que, para Weber, há uma íntima relação entre racionalidade
do direito e capitalismo”. MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 27.
Posfácio 179

inatingível, pois cada um dirá um conceito de segurança jurídica, que pode


ser em diversos sentidos sem, contudo, cair em incorreções semânticas
(características de “indefinibilidade”). Influenciados por poderes ou
valores, o julgador poderá interpretar o texto ou sofrer as influências
do poder, sem constar expressamente isto no julgamento, ou seja, a
interpretação pode ser desenvolvida no contexto da discricionariedade
judicial (veja capítulo 4.1).7
Assim, estabelece-se a conexão com esse ponto elementar que está
presente no ato da interpretação. Deste modo, as influências do poder,
que são de maneira externa incorporadas no ato da interpretação, também
estão atreladas ao momento da axiologia, a diferença que a axiologia é
intrínseca ao sujeito do julgador, e o poder extrínseco; ou, como afirma
Foucault, há uma microfísica e em muitos momentos o poder age de
forma imperceptível.
Já afirmamos insistentemente que o julgador pode identificar a
forma desejada de julgar para depois conseguir argumentos legais em
sua decisão; esse é o problema de uma inversão, pois em alguns casos
o julgador não busca primeiro na lei a solução do caso; antes, porém,
pensa primeiro no fim desejado para, depois, conseguir o fundamento
legal, atingindo, assim, o fim pretendido. Destaca Miguel Reale8 que, muito
frequentemente, sacrifica-se a justiça pela ordem e pela segurança.
Outro ponto que merece atenção por ser perigoso é o judiciário
atender a determinado contexto por questão de pressão social, atendimento
de grupos, aspectos midiáticos etc. O judiciário não foi concebido ou não
está preparado para fazer cálculos de custos e benefícios e também não
deve estar subordinado a pressões sociais – outros poderes sim (legislativo
e executivo, mas o judiciário não); no fundo, esses assuntos dizem respeito
a um plano muito maior: governabilidade e sistema democrático como
um todo. Um desequilíbrio entre os três poderes afeta o Estado Nação

7. Sobre o tema: “Assim, se por um lado, não há como afastar Direito e justiça, por outro,
não há como negar o caráter relativo desta última. O que é justo ou injusto pode variar no
tempo e no espaço, além de abranger elementos conscientes ou inconscientes, intuitivos ou
até metafísicos, os quais poderão pesar no julgador no momento da decisão. VIANNA, José
Ricardo Alvarez. Erro judiciário e sua responsabilização civil. José Ricardo Alvarez Vianna.
São Paulo: Malheiros, 2017, p. 143.
8. REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
199.
180 O ORDENAMENTO JURÍDICO O PODER E A ECONOMIA.
Instrumentalidade a priori e racionalidade a posteriori

e, por conseguinte, a democracia9. A história tem demonstrado10 que se


devem evitar excessos de poderes em pessoas e também em uma única
instituição11.
Sobre o tema, manifesto também é o pensamento de Dworkin12
acerca da necessidade de reconstrução do Direito, pois a racionalidade da
decisão judicial não está completa, devido a vicissitudes da política e ao
amálgama de razões da legitimidade do direito.
Dessa forma, encerra-se essa linha de raciocínio. O texto para
produzir sentido precisa de valoração, esta que, por sua vez, depende do
intérprete. Nos julgamentos de leading cases e hard cases, além da axiologia, o
poder age e também influencia decisões judiciais.
Ligando o conteúdo posto na inicial deste posfácio com o ponto dois
e três, além do todo já exposto com as influências do poder e sua forma
de agir, tem-se que a alteração recursal que proporciona engessamento do
Direito e criação de precedentes obrigatórios dará mais força ao poder
judiciário e, assim, o poder agirá (Estados, grandes empresas, aspectos
religiosos, midiáticos, populistas e tantos outros temas afins).
No que tange aos precedentes e ao CPC/2015, a segurança jurídica e
a racionalização do ordenamento jurídico como um todo que proporciona
o respeito aos precedentes é de grande importância (menos recursos,
julgamentos mais rápidos, etc.); porém, o engessamento e a impossibilidade
de questionar a superação dos precedentes, em contrapartida, são muito
perigosos.
Também destacamos que, embora ainda tímidas as manifestações
de poder nos fundamentos das decisões, são elas cada dia mais inegáveis
(discussões julgamento Funrural, DPVAT, Mensalão e outros). Acredito
que, por constrangimento do julgador em afirmar que a decisão se
fundamenta unicamente em cálculos de custo e benefício ou por estar
o julgador influenciado no contexto axiológico da discussão, preferente
9. Conclusão obtida em capítulo de livro publicado em: FUGA, Bruno Augusto Sampaio; CENCI,
Elve Miguel. Direito Contemporâneo – Perspectivas. Artigo Direito e Discricionariedade. A
discricionariedade do Juiz: discussão entre Dworkin e Hart. Bruno Augusto Sampaio Fuga e
Elve Miguel Cenci. Editora CRV, 2013.
10. Recomenda-se procurar no Youtube o vídeo premiado intitulado “A História dos Direitos
Humanos (legenda)”
11. Mas então o que deve ser levada em conta a oposição no sentido de que o Poder não possa estar
centrado apenas num órgão ou personificado em uma pessoa. BRENE, Tiago. O Judiciário
entre a interação e a fragmentação da tripartição do poder: análise da dupla dimensão de
validade do direito sob a perspectiva das competências típicas e atípicas. In Direito & Teoria
Crítica. Organizar Clodomiro José Bannwart Júnior, Boreal, 2015, p. 65.
12. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Havard University
Press, 1977/1978.
Posfácio 181

ele fundamentar a discussão, tendo em vista a própria discricionariedade


judicial, até mesmo porque a ausência de fundamentação neste sentido
traria uma maior insegurança.
São essas considerações necessárias neste posfácio, são esses os três
pontos. Entendo necessário o estudo do Direito com esse viés, com esse
olhar de influência do poder para, assim, questionar o que seria a justiça.
Neste sentido e com essa premissa, percebo que o presente livro cumpre
seu papel de iniciar um debate teórico e também prático sobre o tema,
proporcionando ao operador do Direito um rico meio para pesquisa e
debates.

Dionísio Cerqueira
Dezembro de 2017 enquanto
aguardo o término do primeiro dia
de trabalho da minha esposa no
TRE, parabéns por essa conquista
Mariana.
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