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LEAL, Victor Nunes.

Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime


representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1975

Capítulo 1
20 O coronelismo não pode ser desvinculado da estrutura agrária que sustenta
o setor privado brasileiro
“(...) o ‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o
poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos
chefes locais, notadamente dos senhores de terras. Não é possível, pois,
compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária, que fortalece a
base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior
do Brasil.”
24 “(...) o roceiro vê sempre no ‘coronel’ um homem rico, ainda que não o seja; rico, em
comparação com sua pobreza sem remédio. (...)”
É possível supor que isto ainda aconteça, pois o pobre vê no candidato uma
oportunidade de conseguir o que ele regularmente não tem acesso.
25 “(...) Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo
jornais, ou revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser
em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que
recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. (...)”
Será que isto ainda acontece? A impressão que tenho é que os eleitores
sabem que não dependem do candidato, mas aceitam a corrupção para
também tirar proveito daquilo que não lhes é assegurado pelo Estado.
26 Para compreender influência política dos fazendeiros, o autor afirma que é
preciso considerar a desigual distribuição de terras no país.
36 Os programas radiofônicos, na década de 40, começam a influenciar os
trabalhadores rurais na decisão sobre o voto e estes acabam “traindo” os
patrões. A questão é: estes programas não vão possibilitar a formação de
uma nova geração de “coronéis”? Sem o mesmo dinheiro, mas com carisma
no discurso?
39 “A outra face do filhotismo é o mandonismo, que se manifesta na perseguição aos
adversários: ‘para os amigos pão, para os inimigos pau”. As relações do chefe local
com seu adversário raramente são cordiais. O normal é a hostilidade. Além disso,
como é óbvio, sistemática recusa de favores, que os adversários, em regra geral, se
sentiriam humilhados de pedir.”
40 O autor diz que as animosidades entre os grupos se acirram com a
proximidade do período eleitoral e que se amenizam nos intervalos entre
os pleitos. “(...) É nessa fase que se processam os entendimentos que permitem à
facção que está no poder, ou é apoiada pelo governo estadual, engrossar suas
fileiras, pela adesão de cabos eleitorais urbanos ou de ‘coronéis’. (...)”
42 O autor menciona diversas vezes a ausência do poder público.
“A rarefação do poder público em nosso país contribui muito para preservar a
ascendência dos ‘coronéis’, já que, por esse motivo, estão em condições de exercer,
extra-oficialmente, grande número de funções do Estado em relação aos seus
dependentes. Mas essa ausência de poder público, que tem como conseqüência
necessária a efetiva atuação do setor privado, está agora muito reduzida com os
novos meios de transporte e comunicação, que se vão generalizando. (...)”
50 Autor fala sobre a perda de autonomia dos municípios. “(...) A atrofia dos
nossos municípios tem resultado de processos vários: penúria orçamentária, excesso
de encargos, redução de suas atribuições autônomas, limitações ao princípio da
eletividade de sua administração, intervenção da polícia nos pleitos locais etc. (...)”
A meu ver, a questão da autonomia dos município é de suma importância e
das mais atuais, pois os prefeitos ficam cada vez de mãos atadas e a
política se renova com outras formas de coronelismo, uma vez que o chefe
de fato acaba sendo o governador do Estado ou, em alguns casos, ministros
ou senadores da república.
51 “Entretanto, ao lado da falta de autonomia legal, a que aludimos, os chefes
municipais governistas sempre gozaram de uma ampla autonomia extralegal. Em
regra, a sua opinião prevalece nos conselhos do governo em tudo quanto respeite ao
município, mesmo em assuntos que são da competência primitiva do Estado ou da
União, como seja a nomeação de certos funcionários, entre os quais o delegados e os
coletores. É justamente nesta autonomia extralegal que consiste a carta-branca que o
governo estadual outorga aos correligionários locais, em cumprimento da sua
prestação no compromisso típico do ‘coronelismo’. É ainda em virtude dessa carta-
branca que as autoridades estaduais dão o seu concurso ou fecham os olhos a quase
todos os atos do chefe local governista, inclusive violências e outras arbitrariedades.”
(grifo nosso)
Até aqui, penso que este é um dos trechos mais importantes, pois revela
uma reflexão do autor feita na década de 40, mas que é bastante atual e
pode dar pistas para compreendermos o processo político-eleitoral
mesquinho dos nossos municípios.
51 IMPORTANTE
O autor diz que a autonomia dos municípios deveria assegurar a
representatividade do eleito. (...) mas com a autonomia legal cerceada por
diversas formas, o exercício de uma autonomia extralegal fica dependendo
inteiramente das concessões do governo estadual. Já não será um direito da maioria
do eleitorado; será uma dádiva do poder. E uma doação ou delegação dessa ordem
beneficiará aos amigos do situacionismo estadual, que porventura estejam com a
direção administrativa do município.(...)” (grifo nosso)
55 O autor diz que o que faz com que o município se apresente desta maneira
é o poder de aglutinação do governo (estadual e/ou federal, suponho), que
favorece uma predisposição dos eleitores em escolher os candidatos
governistas.
56 IMPORTANTE
Síntese sobre o coronelismo: “(...) O ‘coronelismo’ assenta, pois, nessas duas
fraquezas: fraqueza do dono de terras, que se ilude com o prestígio e poder, obtido à
custa da submissão política; fraqueza desamparada e desiludida dos seres quase sub-
humanos que arrastam a existência no trato das suas propriedades.”
57 IMPORTANTE
“A melhor prova de que o ‘coronelismo’ é antes sintoma de decadência do que
manifestação de vitalidade dos senhores rurais, nós a temos neste fato: é do
sacrifício da autonomia municipal que ele se tem alimentado para sobreviver.”

Capítulo 2
59-60 Autor diz que o objetivo do capítulo é “compreender alguns aspectos do
municipalismo” e não discutir o municipalismo ideal. Ele destaca que vai
resgatar a questão desde o período colonial e então expor as “sucessivas
limitações impostas à autonomia dos municípios’”.
60-61 Autor começa a apresentar a história das câmaras municipais (trazidas de
Portugal) na época colonial.
“A câmara propriamente dita compunha-se dos dois juízes ordinários, servindo um de
cada vez, ou do juiz de fora (onde houvesse) e dos três vereadores. Eram também
oficiais da câmara, com funções especificadas, o procurador, o tesoureiro e o
escrivão, investidos por eleição, da mesma forma que os juízes ordinários e os
vereadores. A própria câmara é que nomeava os juízes de vintena, almotacés,
depositários, quadrilheiros e outros funcionários.”
61-62 IMPORTANTE
“Não se pode, entretanto, compreender o funcionamento das instituições daquele
tempo, inclusive das autoridades locais, com a noção moderna da separação de
poderes, baseada na divisão das funções em legislativas, executivas e judiciárias.
Havia, nesse terreno, atordoada confusão, exercendo as mesmas autoridades funções
públicas de qualquer natureza, limitadas quantitativamente pela definição, nem
sempre clara, das suas atribuições, e subordinadas a um controle gradativo, que
subia até ao Rei.”
O autor completa no parágrafo seguinte que as câmaras tinham funções
mais amplas que muitas municipalidade atuais, atuando também como
uma espécie de Ministério Público da época.
65 Este trecho ilustra bem o que eram as câmaras da época.
“(...) Durante período bem longo (...) as câmaras exerceram imenso poder, que se
desenvolveu à margem dos textos legais e muitas vezes contra eles. Não rado,
porém, a Coroa sancionava usurpações, praticadas através das câmaras pelos
onipotentes senhores rurais. Legalizava-se, assim, uma situação concreta, subversiva
do direito legislado, mas em plena correspondência com a ordem econômica e social
estabelecida nestas longínquas paragens. Seria difícil conter essas manifestações do
poder privado em uma estrutura cuja unidade fundamental – que imprimia o seu selo
nas demais instituições – era o extenso domínio rural, essencialmente monocultor e
construído sobre o trabalho escravo.”
O autor completa que o próprio rei ficava impotente diante do mandonismo
“desses potentados”.
66 Numa citação de Caio Prado Junior, diz-se que o poder político da Coroa era
encontrado de fato investido nos proprietários rurais que o exerciam
através das administrações municipais.
70 “O estuda das lutas de famílias do Brasil ilustra bastante, em outro setor da vida
social, o mesmo processo de vitalização da autoridade pública e decadência do poder
privado, cujos remanescentes ainda hoje sobrevivem, mas aliados Dio poder político,
e não mais em oposição a ele. Essas lutas são, em si mesmas, indício evidente da
ausência ou fraqueza do poder público. A intervenção do Estado em tais disputas, a
princípio em caráter de mediação, depois efetivamente como órgão jurisdicional,
acompanha a linha de fortalecimento do poder político da Coroa, na medida em que
novas condições econômicas e sociais da Colônia e da Metrópole permitiam ou
impunham essa modificação.”
74 Nas disputas de poder entre proprietários rurais e a Coroa torna-se
crescente e marca o período subsequente ao retorno de D. João VI à
Portugal. “(...) Entretanto, a lei de organização municipal, de 1º de outubro de
1828, dissipou qualquer ilusão que ainda subsistisse quanto ao futuro alargamento
das atribuições das câmaras.”
74 A lei separa o caráter administrativo (relegado à Câmara) do judiciário (aos
juízes). “(...) a ênfase que pôs a lei no caráter administrativo das municipalidades,
por um lado, constituía eficiente processo técnico de redução da sua autonomia e,
por outro, concorria para impedir que os municípios e tornassem centros de atividade
política mais intensa, capazes de estimular os interesses e aspirações das camadas
inferiores da população (...).”
75 Com a “nova” lei as Câmaras assumiram serviços que buscavam garanti a
segurança, a saúde o bem-estar da população.
76-77 Governo cria as assembleias provinciais que limitam mais a atuação das
câmaras. “O que parece. Entretanto, mais plausível é que às forças políticas liberais
daquela época o que interessava era fortalecer as províncias perante o Governo
Federal. A concessão de maior autonomia aos municípios certamente não concorreria
para esse resultado, porque poderia pôr em risco a homogeneidade da situação
dominante da província. Com os municípios controlados estreitamente pelas
assembleias, estariam as províncias, como unidades coesas e fortes, mais habilitadas
a resistir à absorvente supremacia do centro.”
80-81 Autor diz que a autonomia municipal foi tema de debate na elaboração da
Constituição de 1891, especialmente por incentivo dos federalistas, mas
perdeu força e foi restrito ao mínimo compatível com a nova constituição.
84-85 Os revolucionários de 30 tinham o desafio de desmontar o aparelho
burocrático da República velha e substituir por peças novas e modernas
para dar eficiência à administração municipal, assegurando a moralização
da mesma.
89-90 Na Constituição de 1934 (o autor fala na Constituição da Segunda
república), se estabelece que o papel da câmara era auxiliar a
administração municipal e fiscalizar as suas finanças.
92 “Houve, pois, contradição na obra da Constituição de 1934: ao mesmo tempo em que
procurava, por um lado, garantir melhor a autonomia municipal, por outro,
conscientemente ou não, permitia aos Estados, através dos departamentos de
municipalidade, exercer tutela administrativa e política sobre as comunas.”
92 “O legislador constituinte de 1937 foi mais coerente, porque inequivocadamente
antimunicipalista. Não só conservou os departamentos de municipalidade, como
reduziu a receita municipal e suprimiu o princípio da eletividade dos prefeitos. (...)”
93 Durante o Estado Novo a limitação da autonomia municipal chega ao
extremo do governo federal decidir atos comezinhos da administração
municipal.
94 Na constituição de 1946 a autonomia municipal é resgatada parcialmente.
“(...) A autonomia dos municípios foi garantida: pela eleição do prefeito e dos
vereadores; pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse.
Conceituou-se peculiar interesse do município, especialmente, pela decretação e
arrecadação dos tributos de sua competência, aplicação de suas rendas e organização
dos serviços públicos locais.”
97 Falando a partir de um contexto mais contemporâneo, o autor menciona
sobre a criação de discussões regionais (acima dos municípios, abaixo do
Estado) que ele acredita serem ineficientes, pois os municípios com
interesses comuns poderiam não pertencer a um mesmo Estado, ou a área
aproximar municípios por um interesse (energia, por exemplo), mas não
por outros.
99 IMPORTANTE
“O aumento da receita dos municípios pode contribuir eficazmente para a autonomia
da sua administração, mas é bem provável que ao fortalecimento econômico dos
municípios não corresponda idêntico reforço de sua autonomia política. Sem solidez
financeira não pode o município ter independência política, mas a primeira não
envolve necessariamente a segunda, porque pode vir acompanhada de um sistema
de controle. E esse sistema parece, quando não propiciado, ao menos permitido pela
própria Constituição de 18 de setembro (de 1946)”.
101 IMPORTANTE
“A concentração do poder em nosso país, tanto na ordem nacional como na provincial
ou estatal, processou-se através do enfraquecimento do município. (...)”
103 IMPORTANTE
“É evidente, porém, que a política dos ‘coronéis’ conduziu ao fortalecimento do poder
estatal de modo muito mais efetivo do que a ‘política dos governadores’ garantia o
reforçamento do poder federal. Nas relações federais-estaduais, embora o Presidente
da República dispusesse de muitos meios mais brandos e bastante eficazes para
convencer das conveniências da reciprocidade aos governadores menos
acomodatícios, a ultima ratio para o não-conformismo seria a intervenção federal,
que arrastava pelo menos a eventualidade de ação armada e cruenta. Nem sempre
conviria ao Chefe de Estado arrostar as possíveis conseqüências que a repercussão
nacional dessa medida poderia ocasionar.

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