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O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS QUE ATUAM NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM PROJETO DESENVOLVIDO NO BRASIL

Celi Espasandin Lopes


Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo - Brasil
celi.lopes@cruzeirodosul.edu.br

Introdução
Na sociedade contemporânea brasileira, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido foco de atenção das políticas
públicas, pois a falta de alfabetização e educação básica não é apenas uma fonte de atraso social, mas é um grande obs-
táculo ao desenvolvimento econômico. Disso decorre que os programas mais recentes para a educação de adultos pre-
veem um tempo maior dedicado à alfabetização e pós-alfabetização, visando garantir maior domínio dos instrumentos
da cultura letrada, para que as pessoas possam utilizá-los tanto na vida diária como na continuação de seus estudos e
para o desenvolvimento profissional.
O sistema educacional brasileiro busca promover o desenvolvimento equitativo do País; no entanto, tem sido difícil
atender aos requisitos de democratização. Os diferentes níveis de educação estão marcados pela desigualdade regional,
pela diversidade social e étnica, que parecem perpetuar a desigualdade da sociedade brasileira através da educação, o que
vem a exigir uma atenção especial para a EJA. Nesse caso, não basta abrir salas de aulas para atender a essa modalidade
de ensino: é preciso um processo de ensino e aprendizagem adequado a esses estudos, o qual não pode ser uma repro-
dução de práticas pedagógicas dos ensinos fundamental e médio regulares.

Desafios contemporâneos para o processo de


ensino e aprendizagem na EJA
A esse cenário acrescenta uma crescente preocupação com relação à iniciação matemática, a qual se constitui em outro
indicador para a ampliação da concepção de alfabetização, no sentido de uma visão mais abrangente de Educação Básica
Ao pensar o ensino e a aprendizagem da Matemática na EJA, é preciso considerar o princípio pedagógico da incor-
poração da cultura e da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou ponto de partida da prática educativa.
Entretanto, a análise das práticas tem mostrado a dificuldade de operacionalizar esse princípio. Muitos materiais didá-
ticos, geralmente os produzidos em grande escala, não atendem aos interesses e às necessidades educativas dos jovens e
adultos, perdendo-se, assim, a oportunidade de criar situações de ampliação dos instrumentos de pensamento e de visão
de mundo dos educandos e dos educadores (Lopes, 2010).
Outro desafio refere-se à escolha de uma proposta metodológica que tenha caráter crítico, problematizador e cria-
tivo na educação de jovens e adultos. Educadores identificados com esses princípios conseguem estabelecer uma rela-
ção de diálogo e enriquecimento mútuo com seu grupo. Entretanto, na passagem para o trabalho específico de leitura
e escrita ou de Matemática, torna-se difícil garantir a natureza significativa e construtiva das aprendizagens. Produz-se,
assim, uma dissociação entre os momentos de “leitura do mundo”, quando os educandos são chamados a analisar, com-
parar, elaborar, e os momentos de “leitura da palavra ou dos números”, quando devem repetir, memorizar e reproduzir 1
(Lopes, 2010).
Busca-se uma prática para ensino de Matemática para jovens e adultos na qual os estudantes da EJA socializem seus
procedimentos próprios de resolução de problemas, envolvendo quantificações e cálculos; e, a partir daí, relacionem de
forma significativa esses conhecimentos com a aprendizagem das representações matemáticas mais formais.

PROFMAT2011 ACTAS
A Educação Matemática e a Educação Estatística na EJA
Para discutir a formação matemática e estatística dos educandos da EJA, inicialmente considera-se o pressuposto de
que o professor seja um profissional com capacidade de decisão e comprometido socialmente com a melhora cultural
do meio em que trabalha; portanto, precisa dialogar com seus alunos sobre o processo de ensino e aprendizagem dos
conteúdos a serem priorizados durante as aulas.
O processo de ensino e aprendizagem de Matemática e de Estatística na EJA deve incorporar à prática pedagógica
conceitos, procedimentos e atitudes relativos aos conhecimentos matemáticos e estatísticos que são desenvolvidos em
meio às vivências dos alunos e que emergem nas interações sociais, nas experiências pessoais e profissionais destes e in-
tegram sua cultura. A aquisição de tais conceitos pelos estudantes, por desenvolver seu racíocinio lógico, dedutivo, ana-
lítico e crítico, contribui para que exerçam sua cidadania e desenvolvam atividades profissionais diversificadas.
É necessário incorporar à Educação Matemática e à Educação Estatística os conhecimentos e os procedimentos
construídos e adquiridos nas leituras que esses jovens e adultos fazem do mundo e de sua própria ação nele, de manei-
ra a expandir e diversificar as suas práticas de leitura do mundo, possibilitando o acesso democrático à cultura letrada
(Fonseca, 2002).
A Matemática e a Estatística são ciências vivas, dinâmicas, produtos históricos, sociais e culturais. Nessa perspectiva,
as manifestações dos estudantes devem ser geradoras de situações-problema. Eles, cada um à sua maneira, resolverão os
problemas e as questões elaboradas ou apresentadas. Ao professor cabe a função de fazer o elo desse conhecimento do
cotidiano (informal) com o conhecimento científico (formal).
A Educação Matemática e a Educação Estatística são instrumentos para essa transposição, devendo fornecer subsídios
para que os alunos se tornem indivíduos independentes, competentes, críticos e confiantes nos aspectos relacionados a
essas áreas. Elas devem subsidiar e promover o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, possibilitando-lhes adquirir
capacidades para analisar e resolver situações problemáticas, seja no contexto escolar, seja no cotidiano de sua vida.
Isso remete à necessidade de viabilizar experiências escolares nas quais os alunos façam escolhas sobre o que e como
irão investigar. Para isso, o professor precisa orientá- los quanto aos objetivos do estudo e ao tipo de questões a que eles
procuram responder, quanto à natureza do fenômeno a ser estudado e às condições em que ele ocorre (Abrantes, 1994).
Durante o segundo semestre de 2010, desenvolvemos um projeto de formação contínua de professores de matemá-
tica que atuam na EJA junto à Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo. Um dos focos abordados
foi a importância da Educação Estatística para os estudantes da EJA. A maioria dos professores que participaram dos
encontros de formação — aproximadamente 150 professores — não tem trabalhado Probabilidade e Estatística em suas
aulas.
Desenvolvemos, com esses professores, atividades relativas ao ensino e à aprendizagem da Probabilidade e da Esta-
tística, nas quais eles puderam solucionar problemas e realizar experimentos que lhes permitiram avaliar a importância
de incluir o estudo de tais temas em suas aulas.
Ao final dos encontros, deveriam elaborar uma proposta de trabalho com seus alunos, envolvendo uma das temáticas
abordadas nos encontros. Alguns desses docentes escolheram a Probabilidade e a Estatística. Apresentaremos a seguir
o projeto que dois professores enviaram, relatando o trabalho desenvolvido com os alunos.

As experiências relatadas pela Profa. Dirce e pelo Prof. Francisco


A Profa. Dirce relatou a atividade que desenvolveu com uma turma de 4o. Termo da EJA, focalizando o estudo da Esta-
tística a partir da realização de um experimento. De acordo com o relato da professora, a atividade «foi escolhida por-
que era o assunto que estava trabalhando com os alunos, análise, interpretação, construção de gráficos: colunas, barras e
setores e também durante o ano os números decimais e porcentagens foram estudados em sala de aula». Ela relatou ter
os seguintes objetivos: coletar dados para pesquisa, compreender o conceito de frequência e frequência relativa, elabo-
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rar e interpretar tabelas de frequências, calcular e interpretar as medidas de tendência central: média, mediana e moda,
construir histograma, operar com números decimais e calcular porcentagens.
A atividade desenvolvida com os alunos foi vivenciada pela professora em um dos encontros de formação que coor-
denamos. Ela propôs aos alunos que construíssem um avião de papel. Cada um arremessou o seu e foram registradas as
distâncias atingidas por eles, em um total de 32 registros. Os alunos tabularam esses dados e construíram uma tabela de
distribuição de frequências; em seguida, calcularam as frequências relativas, passando ao estudo das medidas de posição
e à construção do histograma.
Na avalição da professora,
a atividade foi bem desenvolvida, a participação foi de 100% dos alunos, demonstrando total interesse na realização. Nas etapas
que os alunos não tinham conhecimento como média, mediana e moda, bem como na construção do gráfico, eles trabalharam em
conjunto, o que facilitou a aprendizagem. O cálculo mental também foi utilizado. Os objetivos propostos foram atingidos, com
uma parte dos alunos, não total, devido à grande dificuldade que eles possuem em Matemática. Valeu a pena aplicar a atividade, foi
gratificante. (Profa. Dirce, 23/10/2010).
Observa-se que a professora teve o cuidado de problematizar uma situação que envolve a aleatoriedade, para, a partir
daí, propor o desenvolvimento das etapas de um processo estatístico que permitiu aos alunos uma análise sobre o expe-
rimento realizado.
Já o Prof. Francisco optou por trabalhar a Probabilidade com uma turma da etapa final da EJA durante cinco aulas.
Em seu relato ele destaca como objetivo a resolução de problemas simples que envolvam eventos contextualizados com
o cálculo de Probabilidade.
Na primeira aula, o prof. Francisco, relata que a turma foi dividida em grupos de quatro a cinco alunos, e foi distri-
buída para cada grupo uma tabela com espaço para registro das apostas sobre o resultado da soma dos pontos de dois
dados, quando lançados aleatoriamente. Cada componente de cada grupo poderia fazer cinco apostas ou indicar na ta-
bela cinco valores, que seriam marcados, a caneta, por meio das iniciais do nome de cada componente e poderiam ocu-
par a mesma coluna de uma soma ou ser registrados em até cinco somas. Em cada lançamento com dois dados, os alu-
nos deveriam eliminar a coluna do número correspondente à soma sorteada. O primeiro componente que conseguisse
riscar todas as iniciais de seu nome, marcadas na tabela, ganharia a partida.
Após os grupos terem os alunos vencedores, foi feito os seguintes questionamentos aos grupos: qual é a soma que
tem mais chance de ocorrer? e qual é a soma que tem menos chance de ocorrer? Após algumas respostas dos alunos, foi
distribuída a cada grupo uma tabela, representando os dois dados e todas as suas somas possíveis, para que eles tirassem
suas conclusões.
Dando continuidade ao trabalho, o professor apresentou para a turma um vídeo que abordava os conceitos básicos
de Probabilidade e, em seguida, formalizou o conceito de Probabilidade. Ele relatou que houve dificuldades por par-
te dos alunos de entenderem o significado da palavra “evento” e o número de casos possíveis, o que levou o professor a
explorar outras situações com os estudantes. Após a sistematização, os alunos resolveram outros problemas propostos
pelo professor, analisando as possibilidades de os eventos ocorrem em situações de contextos diversos.
O professor valorizou a realização de um experimento que envolveu o lançamento de dados, através de uma situação de
jogo, para permitir aos alunos observações sobre o caráter aleatório presente e, então, abordar o conceito de Probabili-
dade, que ainda não havia sido trabalhado.

Considerações
Percebe-se que os professores precisam inserir-se em processos de formação contínua que focalizem Combinatória, Pro-
babilidade e Estatística a partir de situações centradas na resolução de problemas, a fim de permitir ao aluno analisar
e utilizar procedimentos matemáticos e estatísticos, sem que necessariamente ele domine os conceitos formalmente.
Na EJA, a abordagem da Análise Combinatória deve focalizar o estudo sobre agrupamentos possíveis e a resolução
de problemas de contagem; não se deve envolver o estudo de fórmulas, mas trabalhar pelo princípio fundamental da
contagem. O estudo da Probabilidade deve ser centrado na realização de experimentos em que se possa observar o mo-
vimento aleatório presente nos fenômenos e nas propostas de situações-problema com temáticas diversas.
As atividades de ensino em estatística devem considerar a onipresença da variabilidade considerando a proposta de
problemas estatísticos, a realização de projetos de investigação estatística, a realização de experimentos e de confronto
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com simulações para exercitar a tomada de decisão.
Assim a Educação Matemática contribuirá de forma significativa para a formação dos educandos da EJA, viabilizan-
do que eles adquiriam maiores possibilidades, ao ocuparem seus espaços na vida em sociedade.

PROFMAT2011 ACTAS
Referências Bibliográficas

Abrantes, P. (1994). O trabalho de projeto e a relação dos alunos com a matemática. A experiência do projeto Mat 789. Lisboa:
Associação dos Professores de Matemática.

Fonseca, M. da C. F. R. (2002). Educação Matemática de jovens e adultos: especificidades, desafios e contribuições. Belo
Horizonte: Autêntica.

Lopes, C. E. (2010). Caderno de orientações didáticas para EJA -—matemática: etapas complementar e final. Secretaria Municipal
de Educação. São Paulo, SME/DOT.

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