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~ DAVID BARTON = CARMEN LEE a ie Men i UL el ey @| CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 15 2 momber ofthe Tylor Construgio de identidades glocais em espagos piblicos online . ‘Um eu textualmente mediado num mundo em constante mudanga |o 7. Posicionamento por meio da lingua e da imager Flickr como ambiente rico em postures. Dois estudos de caso de posicionamento multimodal no Levando em conta a posigao do pesquisador .... ‘omo poderasa ferramenta de anlise da ‘Tipos de discurso metalinguistico “Meu inglés 6 to ruim": discurso met 9. Aprender online todos os dias jas sobre a aprendizagem de adul '365, um ato deliberado de aprendizagem. Como as pessoas aprendem online... A aprendizagem de inguas em espagos de apoio na intern ‘omo quaLquer outro empreendimento académico, o estudo da lingua- (C rrnstsene om nen rr ost inte com ideias que evoluem gradualmente, Em outros momentos, 1a sitbitas explosbes de atividade e movimento em todas as direcdes, com pasos para tris, para os lados e também para a frente. Nessas ocasides, quando as disciplinas ¢ subdisciplinas mudam de lugar e se reagrupam, 6 necessério questionar as ideias existentes, ler coisas fora de nossa discipli- na, repensar e rasgar planos de aulas e anotagées existentes. 1. Linguagem online e educaga © estudo da linguagem chegou a esse ponto, especialmente no Noves mit neni eaprendzagen campo da sociolingu: \de os pesquisadores estao questionando 03 em sala de aula. ee ranma conceitos existentes e explorando novas ideias. As pessoas falam de Como a compreensao das pra guagear’, “translinguismo”, “superdiversidade”, com grande parte do sure eden oe interesse vindo dos estudos sobre multilinguismo e migracéo. Esse ques- lonamento, esse repensar esto acontecendo em varios lugares, como ho estudos de linguas mundiais e linguas francas e de multimodalidade. _ Ble atinge todas as areas dos estudos linguisticos, desde a sociofonética @ @ ortografia até semidtica e a pragmatica. Isso tudo torna o estudo da Fotografia popular Gravidez como pri 2. A pesquisa da salle : Nossa abordagem particular é focar nas im Bea iciacuntie eee SN ciocees sree arate So mun : # distintos, Em primeiro lugar, aos linguistas, argumentando que a 0 do mundo online ¢ essencial para 0 estudo da linguagem, 40s cientistas sociais que estudam e pesquisam a in- uma 10 do pi Capitules 1 Linguagem — no mundo digital Mudanca contemporanea neira fundamental e de que essas mudangas atingem cada aspecto da vida tem sido associada a varias inovacdes ao longo da historia, incluindo o desenvolvimento da imprensa, jornais, cameras, servigo pos- tal, radio ¢ telefone. Ela esta se tornando central na forma como pensa- ‘mos as mudangas contemporaneas nas tecnologias digitais. Tsso foi bem expresso ha mais de quarenta anos por Marshall McLuhan em relagao & televisao: Aw De que as inovagées tecnolégicas podem mudar a vida de ma- 0 meio, ou processo, de nosso tempo ~ a tecnologia elétrica — estd re- modelando e reestruturando padroes de interdependéncia social e cada aspecto de nossa vida pessoal. Por ele somos forcados a reconsiderar reavaliar praticamente todos os pensamentos, todas as agbes e todas as instituigdes anteriormente aceitos como ébvios. Tudo esté mudando ~vocé, sua familia, sua educagdo, sua comunidade, seu trabalho, seu go- verno, suas relagbes com “os outros”, E est mudando dramaticamente. (McLuhan, 1967: 8) No caso das tecnologias mais recentes, essas mudancas identi- ficadas por McLuhan continuam ocorrendo no mesmo ritmo acele- rado. Agora € mais aceito 0 fato de que todos os aspectos da vida, in- cluindo as atividades cotidianas, as préticas de trabalho e 0 mundo da ul aprendizagem, sfo transformades pelas tecnologias digitais. Para daz) tum exemplo, as préticas de fotografia foram em grande medida digitall- zadas — cameras digitais e compartilhamento online de fotos assumiram o lugar de cameras fotograficas e dlbuns de fotos impressas. Em vez de se reunirem em casa para folhear fotos de um album, hoje em dia as pessoas tendem mais a compartilhar fotos com amigos ¢ parentes na in- ternet em sites de redes sociais como o Facebook ou em sites de compar- tilhamento de fotos. Outro exemplo de mudangas contemporaneas sH0 as préticas académicas. A escrita académica foi reformulada em muitos aspectos, com o surgimento das novas tecnologias. Os autores deste livro fizeram a experiéncia disso. Muito poucas pessoas iriam escrever & mao um manuscrito completo de um livro antes de digité-1o no computador. Os estudantes ja pressupdem que entregar um trabalho significa entre- glo digitado, com o texto devidamente processado, Em nosso trabalho, Tecebemos muito mais e-mails do que bilhetes ou cartas. Outros exem- plos interessantes de atividades cotidianas digitalmente transformadas incluem reuni®es, leituras, anotagdes, preenchimento de formularios, reserva de viagens, leitura de mapas e compras. 'A tecnologia faz parte das experiéncias vividas pelas pessoas em todos os contextos, desde engajar-se numa infinidade de sites de redes sociais com amigos, até o trabalho, o estudo ou a participagao na vida familiar. De fato, é dificil encontrar uma rea da vida que nao tenha mudado, Pouco a poco, as pessoas veem como absolutamente normal a transformacdo digital das atividades cotidianas. Isso € muitas vezes referido como domesticacgo da tecnologia (como em Berker et al., 2005), conceito que captura o proceso pelo qual as tecnologias sao integradas A vida das pessoas e as medeiam; e, ao mesmo tempo, os usuarios de tec- nologia se reapropriam de tecnologias para facilitar suas atividades co- tidianas, Isto tudo tem acontecido num perfodo relativamente curto ¢ se tornou rotineiro e despercebido na vida das pessoas. Sem diivida, ainda hhé muitos problemas de acesso e diferencas entre pessoas e grupos. Mas as mudangas tecnol6gicas estdo afetando as pessoas em todos os lugares ¢ transformando todos os dominios da vida. Essas mudancas decorrentes da tecnologia se encaixam em mudan- gas sociais mais amplas. A vida contemporénea esté mudando em muitos aspectos e isso impacta a linguagem e as préticas comunicativas, A tec- nologia 6 parte central disso, mas é apenas um elemento num conjunto de fatores interligados. Lankshear e Knobel (2011) chamaram a atenao para as mudangas que vém ocorrendo na natureza das instituigdes, das 12 ncuazem ovine texts 0 prticas at's midias, da economia e dos processos gerais de globalizacdo, Além disso, Kress (2003) identifica quatro processos de mudancas simulténeas: mu- @angas nas relagdes de poder social, que vém de abolir hierarquias existentes e estabelecidas e reconstruir novas; mudangas na estrutura econémica, com a escrita assumindo diferentes papéis numa economia em que a informacao é cada vez mais importante; mudancas comuni- cacionais, nas quais 0 modo dominante foi deslocado da escrita para a imagem, alterando a logica de nossas préticas comunicativas; e mudan- cas nas virtualidades tecnolégicas, deslocando a midia da pagina para a tela (como em Snyder, 1998). Como podemos ver, é essa combinagio de mudangas em diferentes areas da vida que contribui para transforma- ‘g0es em nossas praticas e paisagens comunicativas. £ importante deixar claro que as tecnologias, por si s6s, néo intro- duzem automaticamente as mudancas em nossa vida. Em outras pala. vras, novas atividades na vida nao séo tecnologicamente determinadas, © fato é que a prépria tecnologia também é parte de mudancas sociais mais amplas. E diferentes pessoas fariam usos diferentes das tecnolo- gias para alcancar seus proprios propésitos em diferentes contextos. Portanto, neste livro, e na compreensdo da relagdo entre tecnologia € vida de modo mais geral, nosso ponto de partida € 0 que as pessoas Jazem e como elas mobilizam recursos para construir sentidos em suas atlvidades cotidianas. Acentralidade da linguagem A linguagem tem um papel fundamental nessas mudangas contem- Poraneas, que s&o, antes de tudo, transformagées de comunicagio e de construgdo de sentidos. A linguagem é essencial na determinacéo de mu- dangas na vida e nas experiéncias que fazemos. Ao mesmo tempo, ela & afetada e transformada por essas mudangas. Muitos estudos da lingua- gem se basearam num conjunto de conceitos bastante estaveis, que pa- Fecem agora um tanto quanto forcados, a medida que a vida das pessoas entra online, Por exemplo, num site que combina imagens e palavras, conceitos basicos como texto tém de ser redefinidos. As unidades cen- trais da sociolinguistica como variagdo, contato e comunidade precisam ser repensadas, Muitos pesquisadores estdo cientes de que as nocSes centrais de interagao, como tomada de turno e face a face, funcionam de maneira diferente com os dados online. Nogdes de autor e pitblico tor- nam-se ainda mais complexas. Nao é totalmente claro quando devemos xno - ung nos referir a linguagem como escrita ou falada; e as atividades de leitura © escrita esto sendo redefinidas. Este livro busca compreender essas mudancas contempordneas e o papel central da linguagem nelas. Parte do livro é também dedicada a analisar novos dados e métodos na pes- quisa Linguistica, bem como novas visdes da linguagem, especialmente com relacao a espacos online. Partindo de uma vis8o da linguagem como pratica situada, este livro investiga como 0 uso da linguagem esta mudando & medida que as pessoas participam de atividades online. Abrangendo uma ampla se- lecao de ambientes online, ele examina tanto os textos online quanto as praticas das pessoas ao redor deles; tanto o modo como elas criam textos online quanto a maneira como os usam. Este livro também se concen- tra em questbes linguisticas especificas, como escolha de lingua, lingua ¢ identidade, posicionamento, relacdes multimodais entre linguagem e imagem e discursos de linguagem e aprendizagem. 0 livro demonstra especialmente a importancia da andlise da linguagem situada para com- preender a dinémica de espagos online mediados por textos. Ele mostra como as pessoas integram praticas online e offline. A abordagem ado- tada neste livro centra-se nas maneiras como as préticas se localizam os pormenores da vida cotidiana. Para a linguistica, ele fornece uma estrutura tedrica de conceitos-chave para a pesquisa de espacos online. © livro cobre uma ampla gama de plataformas digitais usadas pelas pessoas, examinando locais onde a lingua é importante de dife- rentes maneiras ¢ onde os espacos de escrita apresentam virtualidades distintas. Entre elas estao principalmente as plataformas que pesqui- samos e observamos extensivamente, como Facebook, Flickr, e servicos de mensagem instantanea. Para entender 0 que essas ferramentas sig- nificam no cotidiano e no uso linguistico das pessoas, exploramos suas “tecnobiografias”, Trata-se de detalhadas histérias de vida e narrativas do relacionamento pessoal com as tecnologias, de como as tecnologias fazem parte das experiéncias que as pessoas fazem durante a vida e de como tais relagies moldam seu uso da linguagem online em diferentes fases e dominios da vida, Também iremos além dessas trés plataformas principais ¢ usaremos as pesquisas existentes nos novos campos emer- gentes de letramento digital e discurso mediado por computador, que abrangem: estudos de sites e foruns de discussao; torpedos; blogs e mi- croblogs como 0 Twitter; wikis, dicionérios e enciclopédias online como Wikipédia; buscadores como o Google e compartilhamento multimidia como 0 YouTube. 4 Lngussom amin tents pribcos seas a Este capftulo de abertura apresenta aos leitores a abordagem geral adotada por este livro para a linguagem, os letramentos e a internet, com foco sobre o que acontece com a linguagem e as préticas quando entram online. A préxima secao comeca com uma viséo geral da atual pesquisa sobre linguagem online. Depois passamos para a abordagem especifica em que nos baseamos. Trata-se de uma visdo social pratica da Linguagem e do letramento, com atencao especifica para a escrita feita online, explorando 0 que acontece com textos e praticas quando as pes- soas participam de atividades online. O préximo capitulo apresenta um Conjunto de dez motivos por que os interessados em linguagem precisam Prestar atencdo a internet, Estes dois capitulos esto estreitamente rela- cionados com 0 capitulo 3, que consiste numa visio geral dos conceitos te6ricos fundamentais adotados ao longo do livro. Abordagens da linguagem online: trés direcées fundamentais Novas midias online tém gerado muito interesse multidisciplinar nos uiltimos anos, da ciéncia da informacao aos estudos de midias, psi- cologia ¢ sociologia. Lingufstica e letramentos digitais sao duas reas que enfatizam atividades de escrita online. Ao longo das tiltimas duas décadas aproximadamente, trabalhos de linguistas e teéricos do letra- mento desenvolveram duas tradicOes de pesquisa, aparentemente sepa- radas, mas complementares, com suas prdprias terminologias, quadros tebricos ¢ metodologias. Esses corpora introduziram novos métodos de pesquisa e, ao mesmo tempo, se reapropriaram de teorias e conceitos tradicionais em resposta &s mudancas nas virtualidades das novas mi- | dias. Esta segao identifica e descreve trés abordagens principais da lin- guagem online no ambito da linguistica. Tradicdes dos estudos sobre le- tramento serdo apresentadas numa secdo posterior. @ Caracteristicas estruturais da comunicagio mediada por computador Uma das primeiras ¢ talvez das mais dominantes tradicdes de pes- quisa online com foco em linguagem & a identificacdo e descrigio de caracteristicas e estratégias Linguisticas nao comumente encontradas em autros modos de comunicacao. Um tema de grande interesse dentro desta tradi¢ao inicial foi comparar estratégias de linguagem na midia ‘online com os modos de comunicacao existentes. Um tépico relevante no woos etar 15 vo0 1 -Lnguagen ro ambito dessa vertente € saber se a comunicaggo mediada por computa- dor baseada em texto (CMC) deveria ser tratada como fala ou como es- crita, ou como um hibrido de fala e escrita (Herring, 1996; Baron, 2003). ‘Assim, 0 ponto de partida da investigago da CMC foi empregar conceitos Lnguisticos jé existentes para entender a linguagem online. Em relagéo a isto, outra direcdo tentou descrever a CMC como uma “nova” varledade de linguagem caracterizada por tragos como + acronimos e siglas (ex: PFV para “por favor"; rs para “risos"); » redugdes de palavras (por exemplo, blz para “beleza’, ve para “voe8”; q para “que”; kd para *cadé")s homéfonos letra/ntimero (por exemplo, U para “you” e 2 para “to”), grafia estilizada (por exemplo, “eu estou muwuuuuuito feliz!) ‘emoticons (por exemplo, © e ©), + pontuacdo néo convencionallestilizada (por exemplo, “Hut”, a ” Em consequéncia, apareceram muitas outras denominacdes para descrever 0 conjunto de caracteristicas peculiares discursivas Identifi- cadas na CMC como e-mailismo (Petrie, 1999), internetés (Crystal, 2008), discurso escrito interativo (Ferrara et al, 1991) e outros termos publica~ mente reconhecidos como e-linguagem, chatspeak, textspeak, linguagem cibernética e giria de internet, para citar apenas alguns. Esses trabalhos tinham, no entanto, uma visdo um tanto determinista, segundo a qual exam principalmente as novas possibilidades tecnol6gicas que forenta- ‘vam de modo natural novas formas de linguagem na CMC. No inicio, néo havia quase nenhuma discussdo sobre os fatores contextuais e sociais que também poderiam ter contribuido para essas caracteristicas lin- guisticas. Grandes quantidades de dados online publicamente acessaveis (por exemplo, salas de bate-papo IRC) eram muitas vezes coletadas alea- toriamente e analisadas sem levar em conta seus contextos discursivos e sociais imediatos. Foram feitas generalizagdes com base em anélises estatisticas da distribuicto de diferentes caracterfsticas nos corpora. Nesse ponto, 0s dados dos corpora foram combinados com a anélise do discurso, 0 termo guarda-chuva “anélise do discurso mediado por com- putador” (ADMC) também surgiu para descrever abordagens analitico- “discursivas da CMC (Herring, 2001). Por exemplo, Ko (1996) compara as caracteristicas estruturais de um corpus de dados sincrénicos de CMC coletados da InterChange, uma plataforma educacional online, com corpora falados e escritos, recolhidos de contextos offline. Os achados desses corpora realmente ofereceram percepcées teéricas importantes € 16 Lngusg online tno pats cs abriram novas oportunidades para a pesquisa linguistica. No entanto, havia por vezes uma tendéncia a generalizar em demasia os resultados de tais estudos e concluir que existem convengdes estaticas e previsiveis em toda a linguagem da CMC. Na verdade, o que na vida real pode ser chamado de caracteristicas de “internets” nao 6 empregado em todos os tipos de CMC nem em todos os contextos de uso. Existem variedades nos usuarios individuais, bem como nas diferentes plataformas online. (ii) Variacao social do discurso mediado por computador Géneros escritos nao podem ser separados de seus usuérios e con- textos sociais (Hyland, 2002). Pesquisadores da CMC comecaram a per- ceber que a linguagem da CMC é moldada por varios fatores sociais € esta situada em contextos espectficos de uso (Herring, 2002; Giltrow e Stein, 2009). Essa linha de pesquisa reconhece que, por um lado, as se- melhangas e diferencas regulares acorrem dentro e para além de um tinico modo de CMC; por outro lado, na realidade, os usuarios nao apli- cam o mesmo conjunto de caracteristicas de CMC a todos os contextos; a0 contrério, eles constantemente se reapropriam de suas formas de escrita em diferentes modos de CMC para adequé-los a diferentes propésitos. Em vista disso, comecaram a surgir os estudos de variacio social na lin- guagem de CMC. Houve detalhadas andlises de discurso de tipos parti- culares de CMC, incluindo blogs (Myers, 2010a) e SMS (Tagg, 2012). Um crescente corpus se concentra na linguagem e na identidade online, com destaque para estudos de diferencas de género na CMC (por exemplo, Herring, 1996; Danet, 1998) e para o modo como as identidades sociais se realizam na adocdo de determinadas caracteristicas e estilos linguisti- cos (Bechar-Israeli, 1995; Nakamura, 2002). Tomando os sites de redes so- ciais como espacos de contacéo de historias cotidiana, Page (2011) adota uma abordagem narrativa do desempenho identitario nas midias sociais e examina como novos géneros narrativos surgem quando as pessoas reformatam géneros tradicionais em novas midias. Seguindo essa ten- déncia sociocultural, outro grupo de pesquisadores vem investigando caracteristicas da CMC em diferentes culturas e substratos linguisticos. Em vez de analisar a CMC numa perspectiva puramente monolingue, geralmente a inglesa, um crescente corpus de pesquisa esta interessado em ver como os falantes de diversas linguas adotaram essas novas for- mas de escrita em diferentes graus (por exemplo, capitulos de Danet ¢ Herring, 2007). Essa tradicao é muitas vezes informada pela pragmatica, croinnettnguagen na mine eta! 17 pela sociolinguistica e, especialmente, pela andlise do discurso - dreas da Linguistica que comecam a levar em conta 0 efeito do contexto e da percepso que os internautas tém do que eles fazer online. Enquanto andlises baseadas em corpora ainda so um método importante na pes- quisa da CMC, os pesquisadores passaram a perceber a importancia de explorar as perspectivas dos usuarios online mediante outros métodos, como as entrevistas (por exemplo Cherny, 1999). ii) Ideologias linguisticas e metalinguagem A vertente mais recente da pesquisa linguistica adota uma abor- dagem mais critica dos dados da linguagem das novas midias. Grande parte desse trabalho se baseia em conceitos da sociologia e da ideologia linguistica (por exemplo, Blommaert, 1999). Estudos nesta abordagem nao estao apenas interessados nas caracteristicas minimas da lingua- gem online, mas também em como as formas de comunicagao so mol- dadas por ideologias sociais, e como tais ideologias sto discursivamente construidas em novas midias. Esse tipo de trabalho muitas vezes se de- senvolveu a partir de abordagens discursivas da linguagem e de meios de comunicacao tradicionais, como jornais, cinema e TV (como em John- son e Ensslin, 2007). Um tema recorrente é 0 modo como a linguagem é comentada online, muitas vezes referido como metalinguagem. Teorias linguisticas populares sobre a linguagem em novas midias stio frequen- temente representadas nos meios de comunicagao de massa (Thurlow, 2007), Essa linha de pesquisa é relativamente recente, razo pela qual os pesquisadores tendem a mostrar interesse pela midia da Web 2.0, espe- cialmente aquela cujo contetido multimodal é gerado pelo usuario, como Flickr (Thurlow e Jaworski, 2011) e YouTube (Chun e Walters, 2011). Ca- racteristica marcante dessa abordagem de pesquisa é que, em sua dis- cussao, alguns pesquisadores deliberadamente assumem um olhar cri- tico e problematizam seus dados. Uma questao importante dessa linha de pesquisa 6 a forma como a postura do pesquisador é expressa por meio de sua especificidade na andlise e interpretacao de dados. (Cf. ca- pitulo 7.) Ver a linguagem como uma ferramenta de comunicagéo é um ponto jé ultrapassado por essa linha de pesquisa, agora mais preocupa- da em compreender como a linguagem é representada, ou talvez mal representada, tanto online quanto na sociedade de forma mais ampla. Paralelamente a essas abordagens do estudo académico da linguagem online, o impacto das novas midias sempre esteve presente no centro do VB revneer ontne txts prateasigias debate publico. Um conjunto de panicos morais acompanha a discusséo das novas midias, incluindo preocupagbes com “os jovens”. Esses tecno- pAnicos giram em torno da incerteza e dos receios diante da novidade e da mudanga constantes, junto aos temores com a decadéncia dos padrdes de linguagem e letramento. (Temas pormenorizadamente examinados em Thurlow, 2007) Identificamos essas trés abordagens principais do estudo da lingua- gem online, Elas também podem ser vistas como fases de desenvolvimen- to, cada uma das quais se alicercando na abordagem anterior, Estamos comecando a vislumbrar uma quarta fase, em que os conceitos tradicio- nais da linguistica so descartados em favor de novos enquadramentos ‘nos quais conceltas como superdiversidade (Blommaert e Rampton, 2011) e supermobilidade revelam nova compreensao da linguagem online e das mudangas contemporaneas. Isto sera explorado nos préximos capitulos. Questées abrangentes para discutir a linguagem online Problemas de terminologia Comecemos por explicar a prépria nogdo de “online”. No titulo do livro, Linguagem online, “online” & usado como um termo conveniente @ uma abreviagdo para todas as formas de comunicacao realizadas em Aispositivos de rede, Dito isto, este livro no assume uma dicotomia on- line-offline estrita. Quando dizemos online e offline, estamos nos referin- do aos diferentes contextos situacionais em que a comunicagao ocorre. Nao estamos afirmando que a vida das pessoas se realiza online ou offli- ne, nem estamos sugerindo que 0 online esteja substituindo o offline. Como veremos ao longo do livro, muitas praticas sociais contemporane- as entrelagam perfeitamente atividades online e offline, que n&o podem ser separadas. Como Wellman (2001: 18) aponta em sua discussao das redes sociais, [a] comparagao ciberespago/espaco fisico € uma dicotomia falsa. Mui- tos lagos se operam no ciberespaco e no espaco fisico. {..] Comunicagoes mediadas por computador suplementam, organizam e amplificam co- municagbes pessoais e telefonicas, em vez de substitu‘-las. A internet fornece facilidade e flexibilidade em termos de quem se comunica com quem, que meios usam para se comunicar, o que comunicam e quando se comunicam, carro -Lngagen aa mungsagtsl 19) Neste livro, usamos uma gama de termos e conceitos para nos refe- rir de modo amplo ao contexto, as ferramentas ¢ & atividade de leitura e escrita associadas ao tema da linguagem online. Estes termos no esto livres de problemas, razo pela qual é preciso ser cauteloso ao interpre- té-los. No contexto deste livro, eles servern como descritores titeis em diferentes pontos da discussao. > Quando usamos as palavras “online”, “internet” e “web”, esta- ‘mos nos referindo ao contexto e dominio amplos em que a comu: nicagao online ocorre. > Quando usamos “comunicagio mediada por computador”, ‘midia digital”, “comunicacdo digital”, “novas midias’, “novas tecnologias” ou “ferramentas digitais", “sites” e “plataformas”, estamos nos referindo as ferramentas que as pessoas usam para realizar sua comunicagao online. Nesse sentido, mensagens de texto também estiio Inclufdas em nosso estudo como uma forma de comunicacao mediada por computador, pois um telefone celu- lar 6, basicamente, um computador portatil e é, sem divida, um aparato de comunicacéo digital. > Quando dizemos “letramentos digitais”, “novos letramentos (pelas novas midias)” e “novos letramentos vernaculares”, esta- mos nos referindo de modo geral as atividades cotidianas de ler e escrever online. Preferimos 0 termo plural “letramentos” para capturar 0 fato de que o letramento nao se baseia em habilida- des, mas que ha muitos tipos diferentes de letramento utilizados pelas pessoas para diferentes fins. » Quando usamos as expressdes “linguagem online”, “textos onli- ne”, “escrever online” e “discurso mediado per computador”, es- tamos nos referindo aos processos e produtos linguisticos resul- tantes da comunicacao online. Isto é referido por Crystal (2011) como “output” linguistico. A questo do “novo” ‘As novas tecnologias nao sdo mais novas: e-mail e mensagens instan- taneas sto referidos como midias velhas, quando comparados com sites da Web 2.0, como o Facebook, que também ja nao € novo. A ideia de se comu- nicar online e participar de atividades virtuais era nova na década de 1990, ‘mas uma geracao de pessoas esté crescendo e vendo a midia digital como algo rotineiro. Assim como certo lugar chamado New College pode ter sido 20 neuseen onine tros epraeas awies criado em 1379, as novas tecnologias e 0s novos estudos de letramento so novos apenas no nome. Embora sempre haja algo na vanguarda, néo pode- mos mais falar de avancos tecnologicos como novos em si mesmos. Em vez de nos concentrar numa nova atividade especifica, a ideia de mudanca constante € agora mais aceita. Para usar um conceito lin- guistico, o letramento e o que significa ser letrado podem ser vistos como déiticos, ou seja, eles apontam para uma situacao atual (Coiro et al., 2008: 5-7). No entanto, rapidamente se tornam ultrapassados. Qualquer des- crigdo do que as pessoas fazem online situa-se no presente e provavel- mente passard por alguma mudanga. No tempo que leva para um Livro ser publicado ou para um curso universitario ser concluido, as praticas das pessoas j4 mudaram, e o livro e o curso ficaram desatualizados. Contudo, vale a pena Identificar onde ha continuidade nas préticas existentes € onde existem praticas que possam ser consideradas novas. Em nossa pesquisa, observamos que a participacao online das pessoas muda ao longo do tempo. Quando usam um site pela primeira vez, elas fre- quentemente trazem consigo velhas préticas, isto 6, fazem coisas velhas de novas maneiras. Por exemplo, uma pessoa que usa um site de fotos para compartilhar fotos de aniversdrios na familia ou de casamentos pode, ini- cialmente, ver isto como continuagao de uma prética offline. Com o tempo isso muda, pois essas pessoas passam a enxergar novas oportunidades. E participam de atividades consideradas novas para si de modo que podem estar cientes de que as fotos serao vistas por um mimero maior de pessoas. Ao discutir “novos” fenémenos relacionados com a linguagem na CMC, Susan Herring deixa claro que nem todos os fenémenos linguis- ticos em sites da Web 2.0 sao novos. Ela fornece uma triplice distingao ao caracterizar as praticas discursivas na midia convergente ou o que ela chama de discurso mediado por computador na midia convergente (DMCMC) do seguinte modo: Fendmenos familiares dos modos mais antigos de discurso mediado por ‘computador (DMC), tais como e-mail, bate-papo e féruns de discussio que parecem transitar para ambientes Web 2.0 com diferengas mini- ‘mas; fendmenos de DMC que se adaptam a ambientes da Web 2.0 e so reconfigurados por eles; e fenomenos novos ou emergentes que nao exis- tiam — ou, se existiam, nao aleancaram 0 nivel de consciéncia publica ~antes da era da Web 2.0, (Herring, 2013a) Voltaremos a ideia de novidade ao diferenciar estuddos de letramento de estudos de letramentos. carrito -Lingugem ro marco acts! 20 ‘A dicotomia Web 1.0 / Web 2.0 Estamos focando principalmente na Web 2.0, ou seja, em aplicativos da Web que permitam aos usuérios criar e publicar seu préprio con- tetido online. Criadores de aplicativos como 0 Facebook fornecem uma moldura forte, com o layout e as virtualidades de suas aplicagdes. Dentro dessas estruturas, o contetido que os usuarios fornecem é relativamente livre, embora possa haver formas de moderagéo ¢ conflitos resultantes de censura. Weblogs e Twitter sio exemplos comuns da Web 2.0, onde, dentro de determinado 4mbito, as pessoas publicam seus proprios tex tos, compartilhando-os com os outros. Outros exemplos incluem a Wi- kipédia e outras enciclopédias dicionarios online que dependem de dados gerados por usuarios. Outra ideia central da Web 2.0 € a de rede social, ou seja, participagao e colaboragio nas comunidades de usuarios. Geralmente isso se dé pela interacdo das pessoas por escrito, mas tam- bém inclui upload de imagens e de videos. Sites de redes sociais como 0 Facebook e o Twitter sao plataformas para as pessoas interagirem umas com as outras e se conectarem pela palavra escrita e outros contetidos multimodais. Os usuarios desses sites geralmente compartilham seus in- teresses e experiéncias cotidianos, avaliando e reagindo A miisica que ouviram, aos livros que leram e aos hotéis e restaurantes que visitaram. Outra caracteristica importante comum aos espagos da Web 2.0 sdo seus sistemas de comentarios. No YouTube, por exemplo, as pessoas interagem ao deixar comentérios sobre 0 contetido enviado por outra pessoa, Comentar é um ato importante de se posicionar e posicionar os ‘outros; isto constitui um posicionamento, como seré discutido no capitu- lo 7. Tais atividades sao mediadas majoritariamente por textos (Barton, 2001); e todas elas fornecem novas virtualidades, novas possibilidades e restrigdes para a aco das pessoas. (Cf. 0 capitulo 1 de Knobel e Lane shear, 2007, para mais discussio sobre as caracteristicas distintivas dos letramentos da Web 2.0.) Neste livro, a Web 2.0 nao é um rétulo dado a apenas determinado conjunto de sites, nem deve se referir a sites desen- volvidos em determinado momento historico. Ao contrario, quando usa- mos 0 termo Web 2.0, estamos nos referindo a caracteristicas particula- res de design dos sites, tais como contetido autogerado e interatividade, que tendem a ser mais comuns nos meios de comunicagao “mais novos”. ‘Também estamos cientes de que os sites mais antigos esto adotando re- cursos da Web 2.0, motivo pelo qual nao ha uma fronteira clara entre Web 1.0 e Web 2.0. 22 meuoger antes woos «pists gas O conceito de nativos digitais A ideia de que os jovens so particularmente habeis no uso de novas tecnologias e de que podem ser considerados “nativos digitais” ja existe hd algum tempo (Prensky, 2001). A ideia é que eles cresceram cercados pelas midias digitais e podem ser diferenciados dos “imigran- tes digitais", pessoas mais velhas, que cresceram com a midia impressa e tiveram de passar ~ ou migrar — para as novas tecnologias (Prensky, 2001), Essa divisdo pode ter sido ttil durante algum tempo por velta do ano 2000, quando havia uma geragio de pessoas sem contato com a in- ternet; e durante certo tempo pesquisadores que haviam presenciado a mudanga do impresso para a tela estudaram os mais jovens, que tinham crescido com as novas tecnologias. Grande parte da pesquisa sobre a lin- guagem e as novas tecnologias se dedica as atividades online dos jovens ~ geralmente estudantes - e frequentemente aos seus usos das midias so- ciais. £ importante nao estereotipar o uso da internet como consistindo primordialmente em atividadles de jovens em sites de midia social. Na verdade, a ideia de nativos digitais, e de divisao digital, mascara a varie- dade de conhecimentos e experiéncias entre os jovens (Hargittai, 2010; Bennett et al., 2008), ¢ também entre as pessoas mais velhas. Além do mais, no ha idade clara para marcar uma diferenca no uso da tecnolo- sia, Em vez disso, cada ano traz diferengas na familiaridade das pessoas com as novas midias. £ melhor pensar nisso deiticamente, como algo que aponta para uma situa¢do particular em que hé constantes mudan- gas. E por isso que este livro tem uma abordagem situada da linguagem online. Estudar as teenobiografias das pessoas serve como uma maneira de compreender 0 impacto e as continuas mudancas de uso da lingua- gem online, de que todos nés fazemos parte. 0 problema dos panicos morais Desde o inicio da internet, tém sido feitas criticas a caracteristicas linguisticas que aparecem com frequéncia na comunicacao online, tais como abreviacio de palavras e ortografia estilizada, comumente usadas ‘em mensagens de texto. Esses discursos publicos, ou panicos morais, grandemenie reforcados pelos meios de comunicacéo de massa, estio centrados em como a linguagem adotada pelos jovens em sua comunica- Go online poderia afetar negativamente suas habilidades de letramento. Alega-se que o fato de as pessoas lerem menos livros ou terem habilida- des de leitura e de concentragao mais reduzidas se deve ao aumento do canto —Uneusgen no mancoagiat 2B uso de novas midias (por exemplo, Carr, 2010). Criaram-se rotulos para o que talvez pareca ser um género de linguagem de mensagens de texto, como “textese” e “textspeak”, Na verdade, esses tecnopanicos existem hA bastante tempo na historia, eles ja existiam quando as tecnologias anteriores foram inventadas, como 0 radio, a Tv € 0 estilo de escrita de telegrama, como Crystal (2011) assinalou. Essas alegagées tendem a ser opinides infundadas, baseadas em observagbes superficiais e muitas vezes contrarias & pesquisa académica sobre a linguagem da nova midia discutida. Isso tem gerado uma crescente tensdo entre as compreensdes académicas e nao académicas da linguagem online. ‘Um problema relacionado a isso ¢ o das previsoes sobre a influén- cia da internet no uso da lingua. Uma previséo € que o inglés domina- rd a internet. Isso pode ter sido verdade por breve tempo na década de 41990, mas agora a internet e seus usuarios estio se tornando cada vez mais multilingues, tanto que as pessoas rotuladas de monolingues agora inevitavelmente se envolvem em préticas translingues. (Cf. capitulos 4 5) Outra previsio é que os elementos do “internetés” ameagam a lin- gua padrao. No entanto, como Crystal (2011) observa quanto ao inglés, apenas uma pequena proporcao do vocabulério foi modificado para a comunicacgo na internet. Formas abreviadas existiam anteriormente & internet. Além disso, a estrutura gramatical bésica da lingua ndo mudou por causa da internet, Estudos académicos comecaram a surgir como Teaco a esses equivocos. Por exemplo, a pesquisa de Plester e Wood (2009) revela uma relacio positiva entre mensagens de texto e habilida- des ortograficas entre as criangas briténicas. Linguagem online como textos e praticas A abordagem adotada neste livro procura combinar o estudo das préticas com a andlise de textos, a fim de entender a linguagem online. Nosso pano de fundo e ponto de partida especifico é o trabalho em estu dos de letramento investigando praticas de linguagem. As praticas sociais em que a linguagem esta inserida tém importancia particular quando se examina a linguagem online, especialmente por causa das constantes mudangas, do aprendizado continuo e da fluidez dos textos. Uma parte crucial do contexto de textos online é situé-los nas praticas de sua criagao e utilizacao. Passemos agora a uma visao geral da abordagem dos estudos de letramento como uma maneira de examinar textos e préticas online. Estudos de letramento constituem uma area de pesquisa desenvol- vida nos tiltimos trinta anos. £ uma teoria sociocultural de leitura e 2A. nase onie tontos eprtias aot escrita de “nivel médio”, que parte do que as pessoas fazem com a lin- guagem escrita em suas vidas. Ela examina em detalhes as préticas so- ciais mais amplas, observando que muitas delas contém textos de algum tipo e que vivemos num mundo social textualmente mediado (cf. capitu- 10 3), onde os textos sao parte do tecido da vida social, Nessa abordagem sociocultural da linguagem escrita, o letramento é uma atividade social, a melhor forma de descrevé-lo é em termos de préticas de letramento das pessoas. Essas praticas se baseiam em eventos de letramento media- dos por textos escritos. A nog de prdticas de letramento é fundamental para 0s estudos de letramento, Existem padrées comuns na utilizagao da leitura e da escrita numa situacao particular em que as pessoas contri- buem com seu conhecimento cultural para uma atividade. Outro conceito-chave é o de evento de letramento. A nocdo de evento de letramento e as metodologias de estudos de letramento tém raizes na ideia sociolinguistica de eventos de fala e nas abordagens etnograficas associadas a Dell Hymes (1962). Para os estudos de letramento, isto forne- ce tanto uma ligagdo com a vertente dominante do pensamento sociolin- sguistico quanto uma quebra. Em vez. de focar em préticas da linguagem falada, os estudos de letramento enfatizam a materialidade da lingua- gem escrita, mediante a fisicalidade dos textos. Uma das primeiras pes- quisadoras dos estudos de letramento, Shirley Brice Heath, define os eventos de letramento como “toda ocasiao em que um fragmento de texto 6 parte integrante da natureza das interacdes e dos processos interpreta- tivos dos participantes” (1982: 50). 0 essencial nos eventos de letramento éa interacdo da escrita e da fala, pois um evento de letramento pode ter fala em torno de um texto. Para juntar os dois termos, as préticas de le- tramento sao as maneiras culturais gerais de utilizacao de letramento a qque as pessoas recorrem num evento de letramento. Exemplos de eventos e praticas de letramento podem ser encontrados em todos os campos da vida, online e offline. Por exemplo, comentar uma noticia online, reservar uum ingresso, jogar ou marcar um encontro com um amigo implica nego- ciar lingua escrita; ¢ todas essas atividades sao eventos de letramento. Ao decidir onde e quando fazer essas coisas, juntamente com quais estilos de linguagem usar, os participantes empregam suas praticas de letra- mento. (Essa abordagem social prética do letramento foi apresentada em mais detalhes em outros trabalhos, por exemplo, Barton, 2007) Ha muitas maneiras de ler e escrever, nao um tinico conjunto de praticas de letramento. Sempre que diferentes préticas se aglomeram em grupos coerentes, é muito util se referir a elas como diferentes 1 25 lecramentos, Um letramento ¢ uma configuracdo de praticas estavel, coe- Tente e identificavel, tais como aquelas associadas com locais de traba- Iho especificos. Historicamente, os estudos de letramento identificaram diferentes letramentos associados a diversos dominios da vida, tais como educacao e trabalho. Sao lugares diferentes em que as pessoas agem di- ferentemente e usam a linguagem de maneira diferente em sua vida. No entanto, a realidade é mais fluida, especialmente quando se considera a vida online. E as pessoas podem se mover facilmente para dentro e fora de diferentes dom{nios de atividade. Em determinados domfnios de atividade, tais como casa, escola ou lo- cais de trabalho, vemos padres comuns de atividade e podemos cantras- tar as maneiras como os letramentos so utilizados nesses diferentes do- minios. Partir de determinados dominios é uma maneira titil de ver como dominios diferentes interagem e se sobrepdem e como ha muito hibridis- mo e fusdo. As fronteiras, transig6es e 05 espacos entre dominios se torna- ram muito relevantes. Frequentemente os estudos de letramento tomam © cotidiano como ponto de partida, possibilitando uma discussao sobre a imprecisdo entre os dominios de trabalho, educacao e vida cotidiana. A visio do letramento como sendo parte de praticas sociais inferi- das de eventos e mediadas por textos requer certa metodologia. E uma metodologia de atencio aos detalhes intensamente baseada em aborda- ‘gens etnogréficas. Ela lida com a andlise de eventos particulares, a fim de compreender as préticas mais amplas. Os pesquisadores unem uma variedade de métados, incluindo observacao, entrevistas, andlise de tex- tos, uso da fotografia etc. Pode-se dizer que se trata duma abordagem ecolégica, para a qual todas as atividades sao situadas e as aces das pes- soas tanto afetam como so afetadas pelo ambiente em que esto. Nao ha uma causalidade simples; ¢, em vez de falar de “efeitos” de tecnologias, ela discute as virtualidades que as tecnologias oferecem para a ago, como sera visto no capitulo 3, Isso no permite ir além do determinismo tecnolégico quando discutimos mudangas. Agama de estudos, os desenvolvimentos da teoria e da metodologia € as ligagbes com a prética ao longo dos iiltimos vinte anos sao a prova do sucesso dos estudos de letramento. (Para um panorama, ver, por exemplo, Baynham e Prinsloo, 2009, que identificam diferentes geracoes de pesquisa de letramento). Esses estudos tém sido usados para desa- flar teorias deficientes e mitos sobre o letramento. Ao mesmo tempo, a abordagem oferece um conjunto de conceitos, tais como redes, media- dores ¢ patrocinadores, tteis na compreensao da dinamica linguistica 26 inguaser onine ton da interacao. A abordagem dos estudos de letramento se assemelha a dados, mas ao mesmo tempo teoriza por fornecer conceitos e se vincular a teorias mais amplas, O letramento pode ser uma poderosa lente para examinar a mudan- $a das praticas sociais. Isto inclui o impacto das novas tecnologias, uma ‘vez que o envolvimento com textos de varios tipos é central na vida online. Ao examinar a mudanca do papel desempenhado pelos textos, revela- mos as tenses ceritrais das mudancas contempordneas: novas praticas de letramento oferecem possibilidades empolgantes em termnos de aces- 50 ao conhecimento, criatividade e poder pessoal; ao mesmo tempo, 0 ‘mundo social textualmente mediado fornece uma tecnologia de poder e controle, bem como de vigiléncia. (Barton 2009: 39) Em relasao & globalizacdo, o exame das praticas de letramento ofe- rece uma forma de estabelecer elos entre as priticas locals e globais e de documentar formas locais de apropriacao e resistencia. Ele também ode mostrar as maneiras como novas praticas de letramento so gera- das a partir das jé existentes (Barton e Hamilton, 2012). Essa drea, em srande parte inexplorada, precisa do trabalho empirico de compreender as praticas das pessoas, para compreendermos e termos algum contrale Sobre esses futuros possiveis e em competicao, Ao tomar em consideragao 0 mundo online, os estudos de letramen- to experimentaram uma “virada digital” (Mills, 2010); e a pesquisa esta cada vez mais examinando a linguagem online e “os letramentos digi- tais” a ela associados (como em Gillen e Barton, 2010). Para enfatizar © foco online, alguns pesquisadores identificam novos letramentos (no plurab e distinguem estes estudos de letramentos mais recentes dos es- fudos de letramento mais estabelecidos (como em Lankshear e Knobel, 2011; Coiro et al., 2008). Os letramentos permanecem centrais, uma vez que grande parte da internet é mediada por atividades letradas: ela é escrita ¢ lida, Frequentemente, as atividades implicam escrita e leitura, 20 passo que as formas linguisticas estéo mais préximas da chamada Jinguagem falada. E preciso repensar a relago entre escrita e fala, No- wamente, ela é déitica; e 0 que é verdade hoje pode nfo ser no futuro, fom uma mudanga no uso das instrugdes de voz para telefones e com. Iputadores, e onde a fala pode ndo ser com pessoas reais nem realizada ;Por pessoas reais. Preferimos nos referir a préticas de linguagem online nao salientar uma distingdo entre escrita e fala. cea 27 Como mostrado anteriormente ao discutir diferentes abordagens a pesquisa da linguagem online, a andlise de discurso tem sido funda- mental para ela. Os estudos seguem uma ampla gama de abordagens de anélise do discurso andlise critica do discurso. Uma abordagem que situa explicitamente a andlise do discurso em atividades é a da anélise do discurso mediado, associada a Ron Scollon e colegas (Scollon, 2001). ‘A unidade bésica de andlise ¢ a aco mediada, que é efetivamente a pr: tica na qual o texto é usado. Rodney Jones, vendo as praticas como im- portantes para a compreensao do contexto, argumenta que os analistas do discurso precisam desenvolver novas maneiras de ver a interagao s0- cial, “maneiras que abranjam multiplos modos e facam uso de muiltiplos métodos, que n&o comecem com textos, mas com aces e experiéncias das pessoas ao redor de textos” (Jones, 2004: 31). Em outro trabalho que vai além do texto, Ruth Wodak e colabo- radores desenvolveram uma abordagem histérico-discursiva da anélise critica do discurso (Wodak e Meyer, 2009), em que os pesquisadores co- letam textos para desenvolver uma compreensdo do contexto, ao mesmo tempo em que se baseiam em conhecimentos prévios. A linha de traba- Iho que visa reunir a analise de discurso com abordagens etnograficas € a “etnografia online centrada no discurso” (EOCD) de Androutsopou- los (2008). Essa abordagem se desenvolveu a partir de seu trabalho em ambientes virtuais alemdes. Por exemplo, um de seus projetos examina estilos sociolingufsticos € construgbes de identidade em sites dedicados a cultura hip-hop. Ao fazer EOCD nesses sites, Androutsopoulos come¢a com a observagio sistematica do discurso dos sites, para em seguida en- trevistar os internautas, a fim de ter acesso as perspectivas dos sujeitos envolvidos. Ao trabalhar com textos e préticas, os estudos de letramento tendem a comecar pelas préticas e, a partir deste trabalho, identificam textos pertinentes para a anélise. A andlise do discurso muitas vezes comeca pelos textos e, em seguida, utiliza métodos empiricos para forne- cer mais informacdes. Pesquisadores estao encontrando varias manei- ras de reunir esas abordagens. ‘A centralidade da linguagem em pesquisas online € reforgada no capitulo seguinte, onde apresentamos dez razdes pelas quais os linguis- tas e aqueles que esto interessados no mundo digital deveriam prestar atengio a questées da linguagem online. 2B unessse one tte «astess eta=

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