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NÚMEROS REAIS E OPERAÇÕES ARITMÉTICAS

História e Epistemologia

Fábio Lamim
Prof. Everaldo da Silva
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Licenciatura em Matemática (MAD 0045) – Trabalho de Graduação
14/05/2012

RESUMO

Esta pesquisa busca relatar a sequência natural em que os números reais e as operações
aritméticas se manifestaram na História. Concluímos que esta sequência é a seguinte: 1) números
inteiros absolutos, adição e subtração; 2) multiplicação e divisão; 3) potenciação, radiciação e
logaritmação; 4) números fracionários absolutos; 5) números irracionais absolutos; 6) zero; 7)
números negativos. Objetivamos, com esta sequência, entender as relações e a evolução conceitual
destes objetos e, assim, obter uma sequência lógica de aprendizagem dos mesmos.

Palavras-chave: Números reais. Operações aritméticas. Filosofia da aritmética.

1 INTRODUÇÃO

Objetivamos nesta pesquisa a sequência natural em que os objetos pesquisados se


manifestaram na História. Estes objetos são os números reais e as operações aritméticas. O conjunto
dos números reais é composto por alguns subconjuntos fundamentais. Por um lado, é composto
pelos conjuntos dos números: inteiros, fracionários e irracionais. Por outro lado, é composto pelos
conjuntos dos números: reais positivos e reais negativos, e pelo zero. Postulamos que se
manifestaram na História primeiro os números reais absolutos, depois o zero e depois os opostos
dos números reais absolutos. As operações aritméticas são sete, segundo Caraça: adição, subtração,
multiplicação, divisão, potenciação, radiciação e logaritmação. Elas se manifestaram na História
nesta mesma ordem. Buscamos a sequência natural em que se manifestaram conjuntamente estes
números e estas operações, para melhor entendermos as suas relações e a sua evolução conceitual.
Nosso objetivo é ambicioso, o que torna a sua realização algo muito relevante. Em relação à
tamanha tarefa, os resultados que apresentamos neste texto são modestos, frutos dos nossos
primeiros esforços neste sentido.
2
Nossa pesquisa é essencialmente filosófica, porém sobre temas matemáticos. Enquadramo-la
numa das opções de área de concentração a nós ofertada: “História e epistemologia da Matemática”.
Em geral, pesquisamos nas áreas: Filosofia, Psicologia, Matemática e História. Utilizamos um
formalismo matemático primário. Nos valemos, além de uma biblioteca, do raciocínio lógico, que é
o método de pesquisa em filosofia e matemática. Utilizamos muitos conceitos e juízos; porém
definimos apenas alguns conceitos e tentamos demonstrar apenas alguns juízos: ambos os mais
diretamente ligados aos objetos desta pesquisa. Diante da abundância de conceitos e juízos,
enunciamos muitos conceitos sem defini-los e muitas conjecturas. Os conceitos, por serem
primitivos, de senso comum, acessórios, polêmicos ou prematuros; as conjecturas, por serem juízos
polêmicos ou prematuros. As obras literárias que mais nos influenciaram foram: “Respostas a
algumas perguntas” de ‘Abdu’l-Bahá, “Pitágoras e o tema do número” de Mário Ferreira dos
Santos, “Conceitos fundamentais da matemática” de Bento de Jesus Caraça e “O gene da
matemática” de Keith Devlin; sem desmerecer outros títulos e autores, que estão devidamente
referenciados.

A seguir, um sumário deste texto:

- Definição da natureza geral do objeto matemático;


- Descrição do processo geral de representação matemática;
- Classificação dos números reais e definição das suas classes fundamentais;
- Classificação e definição das operações aritméticas;
- Definição e contextualização dos períodos históricos gerais e matemáticos;
- Enunciação dos conceitos primitivos da matemática;
- Definição de senso numérico e relato das suas primeiras manifestações;
- Relato da evolução cognitiva do gênero homo;
- Apresentação de um sumário geral da história da aritmética;
- Relato das primeiras manifestações dos números inteiros absolutos;
- Relato das primeiras manifestações da adição e da subtração;
- Relato das primeiras manifestações das representações numéricas;
- Relato das primeiras manifestações da multiplicação e da divisão;
- Relato das primeiras manifestações da potenciação, da radiciação e da logaritmação;
- Relato das primeiras manifestações dos números fracionários absolutos;
- Relato das primeiras manifestações dos números irracionais absolutos;
- Relato das primeiras manifestações do zero e dos números negativos;
- Analise da propriedade fechamento em relação aos conjuntos e operações em questão.
3
2 DEFINIÇÃO DE OBJETO MATEMÁTICO

Antes de tudo precisamos definir o objeto de estudo da matemática. E se estamos falando de


matemática precisamos, primeiramente, saber em quais circunstâncias a palavra matemática foi
criada e, consequentemente, o significado que a ela foi atribuído. Trata-se da origem histórica e da
etimologia desta palavra. Pensamos que estes dados serão suficientes para o nosso propósito, que é
a definição da natureza geral do objeto matemático. Porém mencionaremos breves definições mais
atuais que reforçam nossas conclusões a este respeito.

2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA PALAVRA MATEMÁTICA

“Quanto ao uso da palavra matemática diz a tradição que isso teve origem com Pitágoras”
(PATERLINI, 2012), que a criou “para descrever suas atividades intelectuais” (BOYER, 1996, p.
33). Sabemos que no final do século VI a.C. Pitágoras fundou uma escola no sul da Itália. A Escola
Pitagórica era organizada “em forma de comunidade, com iniciações, linguagem simbólica, cercada
de mistérios e de segredos [...]” (SANTOS, 2000, p. 62). Ela foi “o primeiro modelo de uma
sociedade secreta e, [...] ao mesmo tempo, o primeiro modelo de uma sociedade aberta ao universal
[...]” (MATTÉI, 2000, p. 30). Para entrar na comunidade pitagórica, se fosse considerado digno, “o
noviço seria recebido na qualidade de discípulo exotérico: durante cinco anos de silêncio [...], o
postulante deveria escutar as lições sem nunca tomar a palavra nem ver o Mestre, que falava
dissimulado por uma cortina. [...] É só no fim desses anos de provas físicas e morais que alguém
poderia se tornar um discípulo esotérico e passar para o outro lado da cortina, para entrar
plenamente para a fraternidade” (MATTÉI, 2000, p. 34-35). Esta comunidade “era constituída
essencialmente de duas grandes classes: os “Acousmáticos” (“Ouvintes”) [...] e os “Matemáticos”
ou “Pitagóricos”, que trabalhavam no “conhecimento” verdadeiro (máthema) apenas sob a direção
do Mestre” (MATTÉI, 2000, p. 35). Deve-se a ele, Pitágoras, ou ao pitagorismo o ideal de
“conhecimento demonstrativo [...] que o Ocidente chama de “ciência” [...]” (MATTÉI, 2000, p. 30).

Então a palavra matemática foi criada para designar uma disciplina de conhecimento
considerada superior do ponto de vista intelectual, a ponto de ela exigir, por sua natureza,
necessariamente, uma iniciação, um engajamento, um estudo rigoroso, como condição para a sua
aprendizagem. Condição esta que é característica de uma disciplina mais abstrata e ao mesmo
tempo mais “científica”, do ponto de vista moderno. A sua abstração exige uma iniciação ao seu
estudo, lhe confere caráter de disciplina puramente escolar, e não de disciplina que se aprende fora
da escola, sem professor, que é o caso dos conhecimentos puramente sensoriais. A sua
4
cientificidade está no racionalismo, na lógica, na demonstração dos juízos, na teorização. Esta
forma de conhecimento se opõe aquela que é limitada aos dados dos sentidos e pouco sistemática.

Há um fragmento do Anatólios, preservado por Herón, nas suas Definições, que fala sobre o
nome matemática. Diz o fragmento: “Por um lado os peripatéticos, que afirmam da
retórica e da poética e da musica popular toda, ser possível alguém freqüentá-las sem
tê-las aprendido, por outro lado, afirmam ninguém aprender, como ciência ou
conhecimento, as coisas especialmente chamadas mathemata, não estando
primeiramente engajado no conhecimento dessas coisas.” [...] Para se fazer isso que se
chama matemática se precisa de um curso de estudo, ao passo que para a retórica e a poética
se pode fazer esse tipo de atividades sem ter feito um curso de estudo. (BICUDO, 2012)

2.2 ETIMOLOGIA DA PALAVRA MATEMÁTICA

Quanto à etimologia concluímos, em pesquisa anterior, que matemática deriva do termo grego
mathematike. Este é formado pela junção dos étimos gregos mathema e tekhne. O termo mathema,
por sua vez, é formado pela junção do étimo sânscrito man com o étimo grego thema. Estes termos
traduzem-se como mente (man), tema (thema) e técnica (tekhne). A palavra matemática significa,
segundo esta reconstrução, “técnica dos temas da mente”. (LAMIM, 2011)

Apresentaremos alguns testemunhos que defendem esta nossa reconstrução. A palavra


matemática deriva do grego mathematike. (CUNHA, 2007, p. 506) “Segundo Anglin1, pág. 33, a
raiz do termo matemática deriva de uma língua Indo-Européia e seu significado é relacionado com
a palavra mente” (PATERLINI, 2012).

Tanto mathema como mathesis tem sua origem no verbo manthanô (em gr. significa
aprender, estudar, instruir-se e também ser compreendido, aperceber). [...] No sânscrito e nas
raízes indo-européias de tais conceitos [...] man é um radical que entra na composição de
termos importantes, e tem sempre o sentido de pensamento, crença, imagem, conjetura.
(SANTOS, 2012a, p. 922)

Etimologicamente, em sânscrito, ‘man’ significa mente. (COSMOS, 2012)

A instrução suprema, o conhecimento superior do homem e das coisas divinas (a Mathesis) é


uma atividade; mathema é o estudo, o conhecimento, o conteúdo adquirido, cujo genitivo
mathematos nos dá mathematika, que pitagoricamente significa a atividade para alcançar os
conteúdos do pensamento positivo superior, porque no radical ma temos pensamento e em
thesis temos posição, positividade. (SANTOS, 2012b, p. 124)

Mathesis dá como conteúdo mathema, no genitivo mathematos, e esse radical ika aponta a
arte de fazer alguma coisa. [...] A palavra mathesis indica a ação de alcançar o pensamento
positivo. E o conteúdo dessa ação de captar os pensamentos positivos, o que dela resulta é a
mathema. E a arte ou ciência para obter os conteúdos do pensamento positivo é a
mathematika. (SANTOS, 2012a, p. 921-922)

1
Anglin, W. S. e Lambek, J., The Heritage of Thales. New York, Springer Verlag, 1995.
5
Mente (do lat. mens, do radical man, pensamento)2 – Intelecto, alma, espírito.3

Tema (do gr. thema, cujo genitivo é thematos que vem do radical dhe, colocar, é o que se coloca, o
que põe, thesis é a ação de por, de colocar) – Significa o que se coloca como objeto de estudo, de
reflexão, de desenvolvimento, de discussão.4

Técnica (do gr. tekhne)5 – Arte, habilidade.6

De fato, existe no grego clássico um verbo manthano que significa ‘aprender, instruir-se’.
Desse verbo derivam dois substantivos: o substantivo mathema [...] e o substantivo mathesis.
O sufixo ma, em geral, como de um substantivo derivado de um verbo, significa ‘o resultado
da ação expressa por aquele verbo’. Então mathema seria o ‘resultado da ação expressa pelo
verbo manthano, que é aprender’, o ‘resultado de aprender’, o ‘resultado da ação de
aprender’. Na verdade, no grego moderno, mathema significa ‘lição’. [...] De mathema se
deriva um adjetivo, cuja forma masculina é mathematikos e cuja forma feminina é
mathematike. O adjetivo era usado na forma feminina porque depois do adjetivo sempre era
usado o substantivo feminino tekhne, que significa ‘arte’. Então mathematike tekhne seria a
‘arte das coisas que são aprendidas ou que precisam ser aprendidas’. Depois de muito tempo
deixou-se de escrever o substantivo e o que era adjetivo transformou-se num substantivo.
(BICUDO, 2012)

Portanto o objeto matemático, o mathema, se traduz de diversas formas, todas com o mesmo
significado essencial: “temas mentais”, “conteúdos do pensamento positivo”, “resultado da ação de
aprender” e “coisas que são aprendidas”. Em suma, “objetos positivos da mente” ou “objetos
aprendidos”, onde objeto positivo é sinônimo de tema, e aprendido é sinônimo de mentalizado
positivamente.

2.3 DEFINIÇÃO GERAL DE OBJETO MATEMÁTICO

Portanto concluímos que a natureza geral do objeto matemático é mental. Trata-se de objeto
mental, de idéia. “[...] lidar com a matemática envolve entrar num [...] mundo dentro da mente”
(DEVLIN, 2008, p. 150). “Genericamente podemos dizer que a matemática é sobre idéias”
(JANOS, 2009). A matemática “lida com idéias” (DEVLIN, 2008, p. 98). O conceito tema7 define
que a natureza específica do objeto matemático é positiva.8 Então traduzimos literalmente mathema
como tema mental, que é sinônimo de idéia positiva.

2
SANTOS, 2012a, p. 931.
3
CUNHA, 2007, p. 513.
4
SANTOS, 2012a, p. 1334.
5
SANTOS, 2012a, p. 1319.
6
CUNHA, 2007, p. 761.
7
Sinônimo de objeto positivo.
8
Positivo – Preciso, objetivo, afirmativo, real, fatual, evidente, claro, certo, útil.
6
Interessa-nos saber que, segundo Pitágoras, o suposto criador da palavra matemática, o objeto
de estudo da matemática é o número. Toda espécie de objeto matemático inclui-se no gênero
número. Segundo Pitágoras “tudo está arranjado segundo o número” e “todas as coisas se tornam
conhecidas pelos números”. Enunciavam os pitagóricos: “Que há de mais sábio? O número”.
Filolau, pensador pitagórico, disse que “todas as coisas, as que pelo menos são conhecidas, tem
número, pois não é possível que uma coisa qualquer seja ou pensada ou conhecida sem o número”.
(SANTOS, 2000, p. 75, 86 e 105) Immanuel Kant define número como objeto mental que
possibilita a aplicação do conceito puro de quantidade aos fenômenos em geral. (KANT, 1991, p.
99-104)9 Portanto concluímos que número é sinônimo de tema mental ou de idéia positiva.

Keith Devlin diz que o objeto matemático, na visão contemporânea, é o padrão, que é
definido como “qualquer tipo de regularidade que se pode imaginar na mente” (SAWYER, 1955,
p. 12 apud DEVLIN, 2008, p. 95). A definição de matemática a seguir também afirma a natureza
mental do objeto matemático e esclarece a sua função, mencionada por Filolau e Kant:

Seja como for, o fato é que a matemática aparece-nos como um corpo altamente
desenvolvido de conhecimento puramente racional – portanto independente da experiência –
sobre entidades abstratas apenas pensáveis, e de modo algum perceptíveis por meio dos
sentidos, que não obstante são capazes de oferecer meios para organizarmos os dados dos
sentidos e estruturarmos nossa experiência do mundo a ponto de podermos prever
experiências futuras. (SILVA, 2007, p. 29)

3 REPRESENTAÇÃO DO OBJETO MATEMÁTICO

Precisamos definir representação em geral antes de definirmos representação matemática.


Também precisamos distinguir objeto matemático de símbolo matemático e depois descrever as
relações entre ambos, ou seja, o processo de representação matemática. Representação é a
apresentação de algo no lugar de outro que está ausente ou que não é perceptível diretamente.
Símbolo é este algo que está no lugar do outro ausente ou imperceptível diretamente. Então
representação é simbolização, é a apresentação de um símbolo. (SANTOS, 2012a, p. 1212-1213 e
1253-1254)

3.1 REPRESENTAÇÃO GERAL DO OBJETO MATEMÁTICO

9
Número é um objeto mediador entre o entendimento e a sensibilidade. (KANT, 1991, p. 99-104)
7
Representar ou simbolizar objetos matemáticos é apresentar realidades sensíveis no lugar das
realidades mentais que constituem os objetos matemáticos, fazendo umas corresponderem às outras,
sendo ambas, no entanto, realidades distintas: umas são objetos matemáticos e outras são
representantes ou símbolos dos objetos matemáticos. Os objetos matemáticos são realidades que
não podem ser percebidas pelos sentidos exteriores10, pois são realidades interiores e abstratas. Os
sentidos exteriores percebem apenas realidades materiais, ou seja, realidades exteriores e concretas.
Para estudarmos os objetos matemáticos, precisamos comunicá-los. Mas como comunicá-los se não
são sensíveis? Para comunicarmos os objetos matemáticos necessitamos representá-los por meio de
coisas sensíveis, visto ser sensível tudo o que comunicamos. Representamo-los principalmente de
duas formas: 1) através da fala; 2) através da escrita.11 Uma coisa é o objeto matemático, que é algo
mental, outra coisa é o representante ou símbolo do objeto matemático, que é algo sensível (uma
fala, uma escrita, etc). Então para comunicar os objetos matemáticos, precisamos apresentar coisas
sensíveis em seu lugar, substituí-los por coisas sensíveis. Porém estas coisas sensíveis apenas
representam ou simbolizam os objetos matemáticos, não sendo os próprios objetos matemáticos.
“[...] os símbolos contidos numa folha de papel são uma mera representação matemática. Quando
lidos por um executante competente [...], os símbolos da folha impressa tornam-se vivos – a
matemática vive e respira na mente do leitor” (DEVLIN, 2002, p. 10).

3.1.1 Psicologia da representação matemática

Apresentaremos a seguir a nossa descrição psicológica da relação entre os objetos


matemáticos e as suas representações sensíveis. Os objetos matemáticos são abstratos e por isso são
difíceis de serem construidos vários ao mesmo tempo. Para se construir um objeto matemático, a
mente deve dedicar-se integralmente a este ato, não podendo estar fixada na lembrança de objetos
construidos anteriormente. É difícil para a mente construir um objeto matemático ao mesmo tempo
que memoriza os que já foram construidos. Na construção de um objeto matemático a memória
deve dedicar-se apenas a construção presente. Então os atos de memorização dos objetos
construidos anteriormente devem ser terceirizados: as lembranças dos objetos matemáticos
construidos anteriormente devem ser guardadas fora da mente: os objetos matemáticos já
construidos devem ser memorizados exteriormente.12 Ao mesmo tempo que eles devem ser
memorizados, a medida que vão sendo construídos, a memória deve estar desocupada de
lembramças e ocupada apenas no processo de construção presente. Por isso a necessidade de uma

10
Visão, audição, olfato, gustação e tato.
11
Também podemos representar os objetos matemáticos de outras formas, através de qualquer meio sensível.
12
“Essa capacidade de armazenamento simbólico externo, fora das mentes, [...] é uma das maiores e mais importantes
conquistas do ser humano” (ALMEIDA, 2011, p. 141).
8
memorização externa. Isso se deve a natureza abstrata e pouco palpável dos objetos matemáticos
em geral. No processo de construção dos objetos matemáticos é necessário que a memória esteja
disponível para auxiliar cada passo da construção. Então cada parte destas construções deve ir
sendo memorizada exteriormente por meio de representantes ou símbolos. Isso permite a mente
construir as partes de um objeto matemático em série, dedicando-se integralmente a cada momento
do processo sem se preocupar em guardar na memória as partes construídas. No final de uma série
de memorizações externas, os representantes ou símbolos podem comunicar novamente ao sujeito a
série de partes de um objeto matemático, tornando possível a reconstrução do todo na mente. Os
representantes ou símbolos dos objetos matemáticos funcionam como memória exterior dos
mesmos. Esta utilização de uma memória exterior nos permite desocupar a mente de objetos
parciais e avançar no trabalho mental. Acessar posteriormente estes representantes ou símbolos
consiste em comunicar os objetos matemáticos novamente à mente. Então os representantes ou
símbolos matemáticos nos permitem comunicar os objetos matemáticos, tanto para nós mesmos
quanto para outras pessoas.

Os matemáticos expressam suas idéias na linguagem matemática [pelo] uso da notação


abstrata [...]. A razão para que eles se apóiem em símbolos abstratos é que os padrões
estudados pelos matemáticos são padrões abstratos. [...] Para estudar esses padrões abstratos,
o matemático tem que usar uma notação abstrata. [...] Por que eles fazem isso? Porque estão
tentando descrever no papel um padrão que existe apenas na mente humana. [...] Quando um
matemático olha para uma página de símbolos matemáticos, ele não “vê” os símbolos [,] o
matemático treinado lê “através” dos símbolos matemáticos, alcançando os padrões que eles
representam. (DEVLIN, 2008, p. 98-99)

Como tais padrões são, em sua maior parte, altamente abstratos, sua descrição e estudo
exigem uma notação abstrata. [...] A complexidade e a abstração da maior parte dos padrões
matemáticos tornam proibitivamente pesado o uso de qualquer outra coisa que não seja a
notação simbólica. E, assim, o desenvolvimento da matemática envolveu um firme aumento
do uso de notações abstratas. [...] o único modo de apreciar a maior parte da matemática é
aprender como “ler visualmente” os símbolos. [...] A matemática só pode ser “vista” com os
“olhos da mente”. [...] sem símbolos [...], grande parte da matemática simplesmente não
existiria. O problema é profundo, tendo a ver com a capacidade cognitiva do ser humano. O
reconhecimento de conceitos abstratos e o desenvolvimento de uma linguagem adequada são
dois lados de uma mesma moeda. O uso de um símbolo [...] para denotar uma entidade
abstrata segue pari passu com o reconhecimento dessa entidade como uma entidade. [...] O
símbolo permite que pensemos sobre o conceito e lidemos com ele. (DEVLIN, 2008, p. 26-
28)

Em síntese, o objeto matemático é de natureza mental, só existe em nossa mente e só pode ser
pensado. Por outro lado, o representante matemático ou o símbolo matemático é de natureza
material, existe no mundo a nossa volta e pode ser percebido pelos sentidos exteriores. Os
principais tipos de representantes ou símbolos são a fala e a escrita. Por exemplo, a fala “um” e a
escrita 1 são representantes ou símbolos de um objeto matemático que está em nossa mente. A
representação sensível funciona como uma memorização sensível (externa) dos objetos
matemáticos. Tem o objetivo de desocupar a memória mental (interior) para que a mente se ocupe
9
apenas em operar sobre os objetos matemáticos. Os objetos matemáticos, por sua natureza mental,
não podem ser percebidos pelos sentidos exteriores, o que dificulta o seu manuseio. É difícil para a
mente operar sobre, e ao mesmo tempo memorizar, objetos que são em si mesmos mentais e não
sensíveis. A natureza dos objetos matemáticos demanda uma memorização externa dos mesmos,
para facilitar o trabalho mental e tornar a memorização mais sensível. A memória mental está
presente em todos os atos mentais. Na concepção de um conjunto qualquer, esta memória vai
segurando os elementos já concebidos deste conjunto e no final apresenta todos os elementos para
que a mente, num só golpe, conceba o conjunto. Neste caso, esta memória de curto prazo deve se
dedicar ao trabalho de concepção de um conjunto num dado momento, não podendo armazenar
outros conjuntos concebidos anteriormente. Por isso estes outros conjuntos já concebidos devem ser
arquivados exteriormente: devem ser eliminados da mente e representados por meios sensíveis.13
Então, na atividade matemática, a memória mental funciona como memória de trabalho, enquanto
que a representação matemática funciona como uma memorização mais permanente.

3.2 LISTA DOS SÍMBOLOS MATEMÁTICOS EM QUESTÃO

Os símbolos escritos que usaremos para representar os objetos matemáticos desta pesquisa
são: +, –, ·, ÷, √ e log, que representam, respectivamente, os operadores das operações aritméticas:
adição, subtração, multiplicação, divisão, radiciação e logaritmação. Também usaremos o símbolo
escrito / para representar o operador da fração e o símbolo escrito = para representar a relação de
igualdade. Completam a lista de símbolos escritos por nós usados na representação matemática
desta pesquisa outros dez símbolos escritos, que apresentaremos no tópico a seguir.14

3.3 NÚMERO, NUMERAL E ALGARISMO

Passemos agora a representação dos números em particular. Um dos objetos matemáticos é o


número. O número, portanto, é uma realidade mental. Por exemplo, a idéia que temos quando
pensamos na quantidade de dedos das duas mãos. O representante ou símbolo do número é o
numeral.15 Os numerais podem ser, principalmente, falados ou escritos. O numeral falado é uma
fala: o representante ou símbolo falado do número, por exemplo, “dez”. O numeral escrito é uma
escrita: o representante ou símbolo escrito do número, por exemplo, 10. O numeral falado nos dá o

13
A representação escrita é insubstituível na matemática. Porém se o estudante conseguir falar tudo o que ele escreve,
indubitavelmente a representação das suas idéias será mais eficiente, pois a fala é mais elevada forma de representação
das idéias. Outras formas de representação sensível também contribuem para o trabalho matemático, como gestos,
objetos materiais, desenhos, etc.
14
Não incluímos nesta lista os símbolos que representam as variáveis que generalizam os objetos matemáticos desta
pesquisa, nem os símbolos que representam os conjuntos numéricos.
15
“Vamos considerar como numeral qualquer signo capaz de representar um número” (ALMEIDA, 2009, p. 133).
10
nome do número e o numeral escrito nos dá a grafia do número. Cada um dos símbolos escritos que
formam um numeral escrito é um algarismo. Utilizamos atualmente os algarismos indo-arábicos:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0. (LACERDA, 2009, p. 1-23)

A palavra numeral, quando substantivo, designa os símbolos que representam números. Os


números são as realidades abstractas designadas pelos numerais. (WIKIPÉDIA, Algarismo,
2012a) [...] Um numeral é um símbolo ou grupo de símbolos que representa um número em
um deteminado instante da evolução do homem. Tem-se que, numa determinada escrita ou
época, os numerais diferenciaram-se dos números do mesmo modo que as palavras se
diferenciaram das coisas a que se referem. Os símbolos “11”, “onze” e “XI” (onze em latim)
são numerais diferentes, representativos do mesmo número, apenas escrito em idiomas e
épocas diferentes. (WIKIPÉDIA, Sistema de numeração, 2012b)

3.3.1 Numeração

Numeração não é um dos objetos diretos desta pesquisa, mas é por meio dela que os números
se manifestam sensivelmente na história e neste texto. Portanto a descreveremos brevemente.

Numeração é a atividade de representar os números ou a atividade de formar os numerais.


Sistema de numeração é o sistema utilizado na numeração. Este sistema é composto por um
conjunto de palavras e algarismos que formam os numerais, e por conceitos e juízos que regem a
sua formação. Sistema de numeração posicional é o tipo de sistema de numeração onde o valor
numérico de cada algarismo depende da posição que ocupa em um numeral. O sistema de
numeração que usamos é posicional. Por exemplo, no numeral 22 um dos algarismos representa 2
unidades enquanto que o outro representa 2 dezenas. Base é o número que serve de base para
formar grupos num sistema de numeração. No que usamos são formados grupos de 10. Por
exemplo, a dezena é um grupo de 10 unidades e a centena é um grupo de 10 dezenas. Então este é
um sistema de numeração de base dez ou decimal. Num sistema de numeração posicional a base é
também o número de algarismos necessários para formar todos os numerais. Então o sistema de
numeração que usamos utiliza dez algarismos. Valor posicional é o valor numérico que um
algarismo representa em dependência da posição que ocupa em um numeral. Por exemplo, no
numeral 22 um dos algarismos representa o número dois enquanto que o outro representa o número
vinte. Ordem é a grandeza do grupo no sistema de numeração. Por exemplo, as unidades (grupos de
1), as dezenas (grupos de 10) e as centenas (grupos de 100) formam ordens no sistema de
numeração decimal. As unidades formam a 1ª ordem, as dezenas formam a 2ª ordem e centenas
formam a 3ª ordem. Num sistema de numeração posicional a ordem é representada pela posição que
um algarismo ocupa em um numeral. Por exemplo, o numeral 34 representa duas ordens: o
algarismo 4 representa a 1ª ordem e o 3 a 2ª ordem. Classe é um grupo de ordens. No sistema de
11
numeração que usamos é um grupo de três ordens. Então cada três ordens formam uma classe. Por
exemplo, o numeral 123.456 representa duas classes. (LACERDA, 2009, p. 1-23)

4 CLASSIFICAÇÃO DOS NÚMEROS REAIS

Precisamos classificar os números reais antes de discursarmos sobre eles.

4.1 NÚMEROS INTEIROS E NÚMEROS NÃO-INTEIROS

Primeiramente classificamos os números reais em inteiros ou não-inteiros.

Números reais inteiros: São, como o próprio nome diz, números que são inteiros. Exemplos:
1, 2, 3, 4, 5, etc. Consideramos o conceito inteiro um conceito primitivo.

Números reais não-inteiros: São, por oposição, números que não são inteiros. Tais números
são representados no sistema de numeração posicional decimal indo-arábico por numerais decimais,
que são numerais com vírgula. Exemplos:

a) 0,125 b) 1,333... c) 2,236067...

4.2 NÚMEROS POSITIVOS E NÚMEROS NEGATIVOS

Também classificamos os números reais em positivos ou negativos. Excluindo o número zero,


o conjunto dos números reais pode ser dividido em duas partes de mesma cardinalidade: uma parte
positiva e outra negativa.

Números reais positivos: São números maiores que zero. Os numerais que os representam
podem ser precedidos ou não do sinal +. Exemplos: +1 ou 1 e +2,5 ou 2,5.

Números reais negativos: São números menores que zero. Os numerais que os representam
são precedidos do sinal –. Exemplos: -1 e -2,5.

O zero não é nem positivo e nem negativo.


12
4.3 CONJUNTO DOS NÚMEROS INTEIROS

Trataremos brevemente dos números inteiros.

Números inteiros positivos: São formados pela adição sucessiva da unidade. (KANT, 1991,
p. 102) Começamos pelo 1. Em seguida adicionamos 1 ao 1 (1 + 1 = 2) para formar o 2. Na
sequência adicionamos 1 ao 2 (2 + 1 = 3) para formar o 3. Sucessivamente vamos adicionando o 1
sobre o número anterior para formar o seu sucessor e assim formar todos os números inteiros
positivos: 1, 2, 3, 4, 5, ...

Zero: É formado pela subtração da unidade. Voltamos ao 1. Em seguida subtraímos 1 do 1


(1 – 1 = 0) para formar o zero.

Números inteiros negativos: São formados pela subtração sucessiva da unidade. Começamos
pelo zero. Em seguida subtraímos 1 do zero (0 – 1 = -1) para formar o -1. Na sequência subtraímos
1 do -1 (-1 – 1 = -2) para formar o -2. Sucessivamente vamos subtraindo o 1 do numero anterior
para formar o seu antecessor e assim formar todos os números inteiros negativos: -1, -2, -3, -4, -5, ...

O conjunto dos números inteiros é um conjunto infinito formado por todos os números
inteiros positivos e negativos, e pelo zero. Representamos este conjunto por:

Z = {..., -5, -4, -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, 5, ...}

4.3.1 Conjunto dos números naturais

Destacamos um importante subconjunto de Z. O conjunto dos números naturais é um conjunto


infinito formado por todos os números inteiros positivos. Representamos este conjunto por:

N = {1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, ...}

O número natural é a primeira manifestação numérica da história. “Ao primitivo, de hoje ou


dos tempos pré-históricos, não ocorre, porém, o considerar o zero como um número; por isso, não
chamaremos ao zero um número natural [...]” (CARAÇA, 1998, p. 6).
13
4.4 UMA CLASSIFICAÇÃO DOS NÚMEROS NÃO-INTEIROS

Provisoriamente classificamos os números reais não-inteiros, quanto a sua representação no


sistema de numeração posicional decimal indo-arábico, em exatos ou inexatos. (LACERDA, 2009,
p. 278)

Exatos: São números reais não-inteiros cuja representação é exata: os números são
representados exatamente. Também chamados de finitos ou limitados, pois possuem um número
finito ou limitado de ordens não-inteiras. Exemplos: -12,75 e 234,5.

Inexatos: São números reais não-inteiros cuja representação é inexata: os números não são
representados exatamente, pois sua representação exata exigiria infinitos algarismos, o que é
impossível. Também chamados de infinitos ou ilimitados, pois possuem um número infinito ou
ilimitado de ordens não-inteiras. Exemplos: 0,333... e -1,414213... .

Por sua vez classificamos os números reais não-inteiros inexatos em periódicos ou não-
periódicos.

Inexatos periódicos: São números reais não-inteiros inexatos cuja representação apresenta
um algarismo ou conjunto de algarismos que se repete(m) infinitamente após a vírgula. Este
algarismo ou conjunto de algarismos que se repete(m) infinitamente representa o período.
Exemplos:

a) -0,333... (o período é 3) b) 0,142857142857... (o período é 142857)

Inexatos não-periódicos: São números reais não-inteiros inexatos que não apresentam
período. Exemplos: 1,414213562... e -3,141592654... .

4.5 FRAÇÕES

Precisamos introduzir o conceito de fração antes de prosseguirmos com a classificação dos


números reais. O motivo para tal ficará claro mais adiante.
14
As frações representam todos os números que resultam da divisão entre dois números inteiros.
Exemplo: 1/2. O traço que separa os dois numerais é um sinal de divisão. A fração 1/2 representa o
número que resulta de 1 ÷ 2. Então 1/2 = 0,5.

A palavra fração significa, etimologicamente, “quebra”, “partição” ou “divisão”. (CUNHA,


2007, p. 366) Então as frações, originalmente, representam números que não são inteiros. Porém
também podem representar números inteiros. Exemplos:

a) 2/2 → 2 ÷ 2 = 1 b) 1/4 → 1 ÷ 4 = 0,25 c) 1/6 → 1 ÷ 6 = 0,1666...

Classificamos as frações quanto à “inteireza” ou não do número que representa em aparentes


ou não-aparentes. (DANTE, 2010, p. 158)

Frações aparentes: São frações que “parecem” frações no sentido etimológico da palavra,
mas não são. Então são aquelas que representam números inteiros. Exemplos:

a) 4/2 → 4 ÷ 2 = 2 b) 5/5 → 5 ÷ 5 = 1

Frações não-aparentes: São frações no sentido etimológico da palavra. Então são aquelas
que representam números que não são inteiros. Exemplos:

a) 1/5 → 1 ÷ 5 = 0,2 b) 1/9 → 1 ÷ 9 = 0,111...

Todos os números reais inteiros podem ser representados por frações. Porém nem todos os
números reais não-inteiros podem ser representados por frações, mas apenas os exatos e os inexatos
periódicos. Os inexatos não-periódicos não podem ser representados por frações.

4.6 NÚMEROS FRACIONÁRIOS E NÚMEROS IRRACIONAIS

Finalmente classificamos os números reais não-inteiros em fracionários ou irracionais.

Números fracionários: São números reais não-inteiros que podem ser representados por
frações. (CARAÇA, 1998, p. 36) São justamente os números que podem ser representados pelas
frações não-aparentes, ou seja, os não-inteiros exatos e os não-inteiros inexatos periódicos.
Exemplos:
15

a) 0,1 → 1/10 b) 0,666... → 2/3

Se os números fracionários podem ser representados por frações, então eles resultam da
divisão entre dois números inteiros. Os números fracionários formam um conjunto infinito.

Números irracionais: São números reais não-inteiros que não podem ser representados por
frações. São justamente os números reais não-inteiros inexatos não-periódicos. Exemplos:

a) 1,732050808... b) 2,718281828...

Se os números irracionais não podem ser representados por frações, então eles não resultam da
divisão entre dois números inteiros. Os números irracionais formam um conjunto infinito.
Representamos este conjunto por I.

4.7 CONJUNTO DOS NÚMEROS RACIONAIS

O conjunto dos números racionais é um conjunto infinito formado por todos os números que
podem ser representados por frações, ou seja, por todos os números que resultam da divisão entre
dois números inteiros. Então o conjunto dos números racionais é a união do conjunto dos números
inteiros (frações aparentes) com o conjunto dos números fracionários (frações não-aparentes).
Representamos este conjunto por:

Q = {x│x = a/b, com a Є Z, b Є Z e b ≠ 0}

Lê-se: “O conjunto Q dos números racionais é o conjunto de todos os números que podem ser
representados por frações a/b, com a inteiro e b inteiro e diferente de zero”.

4.8 CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS

O conjunto dos números reais é um conjunto infinito formado por todos os números racionais
e irracionais. Representamos este conjunto por:

R=QUI
16
Lê-se: “O conjunto R dos números reais é a união do conjunto Q dos números racionais com o
conjunto I dos números irracionais”.

4.9 NÚMEROS ABSOLUTOS E NÚMEROS RELATIVOS

Os números reais podem ser considerados relativamente ou absolutamente. Em relação ao


zero um número real pode ser maior, menor ou igual a ele, sendo então um número relativo,
respectivamente, positivo, negativo ou nulo. Exemplos: +1, -1 e 0. Independentemente desta
relação, um número real é considerado em seu valor absoluto, sendo então um número absoluto.
Exemplo: 1. (CARAÇA, 1998, p. 92-93) Na história surgiram primeiro os números absolutos, e o
primeiro deles foi o um. Vimos que no princípio o zero não é considerado um número, pois ele nem
existe para o homem primitivo. Se número é valor, então o zero é a negação de qualquer valor, é um
não-número. Por isso não o consideraremos como um número absoluto, quando mencionarmos este
conceito.

5 CLASSIFICAÇÃO DAS OPERAÇÕES ARITMÉTICAS

Precisamos classificar as operações aritméticas antes de discursarmos sobre elas. Bento de


Jesus Caraça (1998, p. 16) classifica as sete operações aritméticas conforme o quadro a seguir:

Graus Diretas Inversas


1º Adição Subtração
2º Multiplicação Divisão
3º Potenciação Radiciação
Logaritmação

5.1 COMPONENTES DAS OPERAÇÕES ARITMÉTICAS

Consideramos o conceito operação, neste caso aritmética16, um conceito primitivo, porém


definiremos os seus componentes. As operações aritméticas são compostas por termos, por
operadores, por resultados e pela relação de igualdade. Os termos são os números em operação. O
operador determina qual é a operação realizada entre os números em operação. O resultado é o
número que obtém-se da operação. A relação de igualdade faz corresponder a operação ao
resultado. Por exemplo, na operação 1 + 2 = 3, os numerais 1 e 2 representam os termos, o sinal +

16
Do grego arithmos = número e tekhne = técnica. (CUNHA, 2007, p. 67)
17
representa o operador, o numeral 3 representa o resultado e o sinal = representa a relação de
igualdade. (WIKIPÉDIA, Operação matemática, 2012c)

Denominação dos termos e dos resultados das operações aritméticas:

Operação Exemplo Termo Passivo Termo Ativo Resultado


Adição 7 + 3 = 10 Parcela Parcela Soma
7 3 10
Subtração 10 – 3 = 7 Minuendo Subtraendo Diferença
10 3 7
Multiplicação 8 · 4 = 32 Fator Fator Produto
8 4 32
Divisão 32 ÷ 4 = 8 Dividendo Divisor Quociente
32 4 8
Potenciação 10³ = 1000 Base Expoente Potência
10 3 1000
Radiciação ³√1000 = 10 Radicando Índice Raiz
1000 3 10
Logaritmação log 10 1000 = 3 Logaritmando Base Logaritmo
1000 10 3
FONTE: Adaptado de Soares, 2010, p. 44.

5.2 DEFINIÇÕES DAS OPERAÇÕES ARITMÉTICAS

Definiremos as operações aritméticas de forma absoluta, independentemente de qualquer


contexto numérico particular.

5.2.1 Operações diretas

Adição: “[...] somar a um número a, dado, outro número b, é efectuar a partir de a, b


passagens sucessivas pela operação elementar.”17 (CARAÇA, 1998, p. 17)

Multiplicação: “A multiplicação define-se como uma soma de parcelas iguais:


a · b = a + a + ... + a.”
(b)
(CARAÇA, 1998, p. 18)

17
A operação elementar é a passagem de um número ao seguinte, ou seja, a soma de uma unidade a um número.
(CARAÇA, 1998, p. 16)
18
Potenciação: “A potência an define-se como um produto de factores iguais:
an = a · a · ... · a.”
(n)
(CARAÇA, 1998, p. 19)

5.2.2 Operações inversas

“Em relação a cada uma das operações anteriores, pode pôr-se o seguinte problema: – dado o
resultado da operação e um dos dados18, determinar o outro dado. Pôr este problema é pôr o
problema da inversão das operações, e aquelas novas operações que resolvem o problema, para
cada caso, chamam-se operações inversas das primeiras.” (CARAÇA, 1998, p. 19-20)

Subtração: “[...] dada a soma e uma das parcelas, determinar a outra. [...] a subtração é a
operação pela qual se determina um número c que, somado com b, dá a:
a – b = c ← c + b = a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20)

Divisão: “[...] dado o produto e um dos fatores, determinar o outro.” A divisão é a operação
pela qual se determina um número c que, multiplicado por b, dá a:
“a ÷ b = c ← b · c = a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20, 22)

Radiciação: “[...] dada a potência e o expoente, se determina a base [...]. a radiciação é a


operação pela qual, dado um número a e um número n, se determina um novo número b = n√a, tal
que seja a = bn:
a = bn → b = n√a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20, 23)

Logaritmação: “[...] dada a potência e a base, se determina o expoente [...]. a logaritmação é


a operação por meio da qual, dado um número a e um número b > 1, se determina um terceiro
número n = log b a, tal que seja a = bn:
a = bn → n = log b a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20, 24)

5.3 DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES E A HIERARQUIA DAS OPERAÇÕES


ARITMÉTICAS

18
Termos.
19
Reafirmaremos a classificação de Bento de Jesus Caraça e, a partir dela, afirmaremos as
nossas deduções.

As sete operações aritméticas se dividem em diretas e inversas. A adição, a multiplicação e a


potenciação são as operações diretas e a subtração, a divisão, a radiciação e a logaritmação são as
operações inversas das outras três. A subtração é a inversa da adição. A divisão é a inversa da
multiplicação. A radiciação e a logaritmação são as inversas da potenciação. As sete operações
aritméticas também se dividem em três graus. A adição e a subtração são as operações de 1º grau. A
multiplicação e a divisão são as operações de 2º grau. A potenciação, a radiciação e a logaritmação
são as operações de 3º grau.

A adição é a operação mais simples. A multiplicação é uma operação mais complexa, sendo
uma espécie mais avançada de adição. A potenciação é uma operação ainda mais complexa, sendo
uma espécie mais avançada de multiplicação. A subtração é operação inversa mais simples. A
divisão é uma operação inversa mais complexa, sendo uma espécie mais avançada de subtração. A
radiciação e a logaritmação são operações inversas ainda mais complexas, sendo espécies mais
avançadas de divisão.

5.3.1 Unidade formal das definições e harmonia relacional e hierárquica das operações aritméticas

Apresentaremos a nossa conclusão sobre as operações aritméticas, demonstrando a unidade da


forma das suas definições e a harmonia das suas relações e da hierarquia do conjunto.

Define-se a multiplicação como uma adição de parcelas iguais:

a · b = c → a + a + ... + a = c
b parcelas

Define-se a potenciação como uma multiplicação de fatores iguais:

ab = c → a · a · ... · a = c
b fatores

Define-se a divisão como uma subtração de subtraendos iguais:

c ÷ b = a → c – a – a – ... – a = 0
b subtraendos
20

Nota-se que de c é subtraído b vezes o a até c esgotar-se em uma diferença neutra:

c–a· b=0←a· b=c

Define-se a radiciação e a logaritmação como divisões com divisores iguais:

b
√c = a → c ÷ a ÷ a ÷ ... ÷ a = 1
b divisores

log a c = b → c ÷ a ÷ a ÷ ... ÷ a = 1
b divisores

Nota-se que c é dividido b vezes por a até c esgotar-se em um quociente neutro:

c ÷ ab = 1 ← ab = c

6 PERIODIZAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Precisamos definir os intervalos temporais e os contextos humanos antes de discursarmos


sobre os acontecimentos matemáticos. O passado da humanidade se divide em Pré-História e
História. As divisões cronológicas interiores da história são bem definidas; encontramo-las em
qualquer manual de história geral. Quanto ao início da história e da pré-história, e quanto as
divisões cronológicas interiores da pré-história devemos optar pela definição de autores
específicos.19

A pré-história inicia com o surgimento do gênero homo na Terra e termina com o surgimento
da escrita no Oriente Médio, quando então inicia a história. O gênero homo surge há cerca de dois
milhões de anos na África e a escrita surge por volta de 3.200 a.C. na Suméria e no Elam.20

19
Sabemos que o momento em que ocorre a transição de um período histórico para outro em cada região terrestre é
diferente. Porém aqui tentaremos uma cronologia universal, cujos marcos correspondem as primeiras manifestações de
um acontecimento na Terra.
20
A escrita foi inventada pelos contadores sumerianos e elamitas, inspirados nos algarismos, que eles inventaram cerca
de 300 anos antes. (IFRAH, 2005, p. 130-150) “[...] as tabuinhas de argila impressas [são] o primeiro uso conhecido de
marcações abstratas para denotar uma contagem de números. Na realidade, as tábuas de contagem sumerianas
constituíram o mais antigo sistema de escrita, o que significa que o uso de marcações para denotar números precedeu o
uso de marcações para denotar palavras” (DEVLIN, 2008, p. 69). “Da necessidade da manutenção de registros
numéricos permanentes surgiu a escrita, primeiramente como uma forma de armazenamento externo de registros
numéricos de modo durável, posteriormente adaptada para registrar os sons ou fonemas de uma língua. Historicamente,
21

Em seguida ao australopiteco, há cerca de dois milhões de anos, surgiu o Homo habilis. [...]
Seu cérebro era cerca de 50 por cento maior do que o do australopiteco ou do antropóide
contemporâneo (cerca de 640 centímetros cúbicos, comparado com 440 centímetros
cúbicos), embora fosse ainda apenas um terço do tamanho de um cérebro humano atual. [...]
Cerca de um milhão de anos atrás, uma outra espécie emergiu: Homo erectus. [...] De longe,
a característica mais importante da nova espécie era o tamanho de seu cérebro, que tinha
cerca de 950 centímetros cúbicos, aproximadamente duas vezes o tamanho do cérebro do
antropóide atual. [...] Na época em que surgiu o Homo sapiens – o hominídeo inteligente –,
por volta de 300.000 anos atrás, ele tinha um cérebro de cerca de 1.350 centímetros cúbicos.
Esse crescimento fenomenal aconteceu em apenas 3.500.000 anos. (DEVLIN, 2008, p. 202-
204)

Por volta de 3.200 a.C. aparecem de fato, pouco a pouco, novos signos sobre os tabletes ao
lado dos números sumerianos ou elamitas [...]. Esta etapa marca o nascimento da
contabilidade escrita, pois esses signos (desenhos mais ou menos esquemáticos
representando todo tipo de objeto ou seres) destinam-se a precisar a natureza dos gêneros ou
mercadorias envolvidas por ocasião desta ou daquela transação. (IFRAH, 2005, p. 142-143)

Os manuais de história geral costumam dividir a pré-história em Idade da Pedra e Idade dos
Metais, e a história em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.21

6.1 PRÉ-HISTÓRIA

A idade da pedra, longo período que se estende do início da pré-história até poucos milênios
antes do seu término, compreendendo quase todo o intervalo temporal pré-histórico, se divide em
Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. O paleolítico, que por sua vez compreende quase todo o
intervalo temporal da idade da pedra, se divide em Paleolítico Inferior, Paleolítico Médio e
Paleolítico Superior.

1. O Paleolítico, que se divide em inferior, médio e superior. O superior é o período das


magníficas pinturas nas cavernas da Espanha e do sul da França.
2. O Mesolítico, que é período intermediário, frio, quando a civilização estava em um baixo
nível, se comparada com o período antecedente e o subseqüente.
3. O Neolítico, caracterizado por ferramentas de pedra extremamente bem elaboradas, por
cerâmica de bom acabamento, e pelo desenvolvimento da agricultura, da navegação e da
arquitetura megalítica. (ALMEIDA, 2009, p. 39)

Na Europa, o Paleolítico Inferior se estendeu dos primórdios da raça humana lá localizada,


algo entre três e um milhão de anos, até cerca de 220.000 anos atrás, quando começou o
Paleolítico Médio, que durou até 45.000 anos antes do presente. O Paleolítico Superior
abrange o período de 45.000 a 10.000 anos atrás, quando principia o Neolítico. (ALMEIDA,
2009, p. 39)

portanto, o numeral antecede a letra. [...] A escrita é, então, uma extensão da memória humana, nos dizeres de Hall”
(ALEMEIDA, 2011, p. 143).
21
Daqui para frente as nossas afirmações históricas mais gerais que são “senso comum” da ciência escolar básica, pois
estão contidas em qualquer manual de história geral ou nos específicos de pré-história, não serão, por isso,
referenciadas. Deixamos aqui apenas uma referência indireta e geral ao primeiro volume da coleção Grande História
Universal, chamado “O princípio da civilização”.
22
No início do paleolítico inferior surgiu o gênero homo como um gênero de seres que se
distinguiram pela postura ereta e pela construção de ferramentas de pedra lascada. Eram nômades e
viviam da caça de animais e da coleta de vegetais. Neste período ocorreu uma grande evolução
biológica nas espécies deste gênero. Todas estas espécies se extinguiram, exceto a nossa, a única
que sobreviveu.

Aproximadamente no início do paleolítico médio surgiu o homo sapiens, ainda numa forma
arcaica. Aproximadamente no início do paleolítico superior surgiu uma espécie de ser com as
nossas potencialidades espirituais essenciais, apesar de em ato as manifestarem de forma primitiva.
Neste período surgiu o que chamamos, em sentido moderno, de Religião, de Ciência e de Arte,
porém em formas primitivas.

O mesolítico, período intermediário entre o paleolítico e o neolítico, durou aproximadamente


dois milênios. No neolítico o ser humano começou a construir ferramentas de pedra polida e a viver
de forma sedentária. Foi o início de um estágio de sociedade mais avançado, a Civilização, que se
manifestou no início como Aldeia. Neste período surgiu a agricultura e a domesticação de animais.

Na idade dos metais o ser humano começou a fundir metais. Este período iniciou
aproximadamente dois milênios antes do surgimento da escrita, sendo o último período pré-
histórico e fazendo a transição para o período histórico. Neste período se desenvolveram as aldeias
e surgiram as primeiras cidades. De um ponto de vista mais geral, opondo ao paleolítico, podemos
considerar em conjunto o mesolítico, o neolítico e a idade dos metais como um único período que
durou aproximadamente sete milênios.

6.2 HISTÓRIA

Na idade antiga surgiram as primeiras grandes civilizações e o Estado. Neste período se


desenvolveram as cidades. Este período iniciou com o surgimento da escrita e terminou com a
queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., quando então iniciou a idade média.
Queremos dividir este período usando os termos Antiguidade Pré-Clássica e Antiguidade Clássica.

Mencionaremos o termo antiguidade pré-clássica para nos referir ao período “histórico” que
se estendeu de meados do 4º milênio a.C. a meados do 1º milênio a.C. Neste período as ciências
eram essencialmente práticas, fundamentadas no pensamento empírico. O termo antiguidade
clássica se refere ao período que se iniciou com o surgimento da literatura grega por volta de 800
23
a.C. No século VI a.C. surgiu na Grécia uma forma de pensamento mais avançada, o pensamento
racional, dando origem a Filosofia e a Ciência Teórica. Neste período surgiram as primeiras nações.

Na idade média se desenvolveram várias nações. Neste período a civilização islâmica foi a
principal responsável pelo desenvolvimento das ciências em geral. A Religião atingiu estágios mais
avançados com o Cristianismo e o Islamismo. Este período terminou com a queda do Império
Romano do Oriente em 1.453, quando então iniciou a idade moderna.

Na idade moderna ocorreu um renascimento cultural na Europa. Renasceu a cultura antiga


clássica e surgiu um estágio mais avançado de desenvolvimento cultural. Neste período surgiu um
movimento ideológico que valorizava a razão e a ciência em oposição à superstição e o dogma. Este
período iniciou na época das grandes navegações, acontecimento que marcou o início de um
processo social que atualmente chamamos de globalização e que culminará numa única sociedade
global no decorrer deste 3º milênio. Terminou com a Revolução Francesa em 1.789, quando então
iniciou a idade contemporânea.

Na idade contemporânea observamos o declínio de todas as tradições religiosas, que tiveram


origens em supostas Revelações de supostos Manifestantes de Deus da antiguidade. As doutrinas
destas tradições religiosas, na forma como chegaram em nosso tempo, estão geralmente em conflito
com os conhecimentos da ciência contemporânea. O prestigio que tem a ciência atualmente lhe
confere a posição que tinha a religião na idade média. Neste período os corpos da maioria dos seres
humanos habitam um planeta que abriga uma tecnologia avançada, mas as suas almas estão presas a
culturas espirituais milenares que não dão conta de sustentar o espírito do homem contemporâneo.
Este fato gera um período altamente alienado e espiritualmente doente. Este é um período de
transição entre duas formas de sociedade bem distintas: 1) aquela forma das antigas civilizações que
viviam isoladas entre si e 2) aquela forma para a qual nos dirigimos: uma única sociedade global
formada por seres humanos mais evoluídos que os antigos. Homens espiritualmente independentes
que dispensam líderes humanos e que administram as questões públicas coletivamente, de uma
forma democrática inédita.

6.3 PERIODIZAÇÃO E CONCEITUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA MATEMÁTICA

Ubiratan D’Ambrósio (2009, p. 33) apresenta a seguinte periodização da história da


matemática:
24
1. A pré-história;
2. Antiguidade Mediterrânea;
3. Grécia e Roma;
4. A Idade Média e o Islão;
5. Os descobrimentos e o Renascimento;
6. Colônias, impérios e industrialização;
7. O século XX.

Sintetizamos a seguir uma já sintética história da evolução do conceito de matemática feita


por Keith Devlin (2008, p. 24-25):

1) Antes do século VI a.C. – Egito, Babilônia e China.

Estudo dos números: Matemática utilitária do tipo “livro de receitas” (faça isso e aquilo com
um número e você terá a resposta).

2) Do século VI a.C. a meados do XVII d.C. – Grécia, China e Arábia.

Estudos dos números e da forma: Matemática acadêmica onde “assertivas explicitadas com
precisão podiam ser provadas logicamente através de demonstrações formais”, porém restrita às
“questões estáticas de contar, medir e descrever as formas”.

3) De meados do século XVII ao final do XIX – Europa.

Estudo dos números, da forma, do movimento, da mudança, do espaço e das ferramentas que
são usadas nesse estudo.

4) A partir do final do século XIX – Terra.

Explosão de conhecimento matemático, consistindo atualmente em mais de sessenta


categorias distintas.

6.4 DEFINIÇÃO DE ACONTECIMENTO MATEMÁTICO


25
Precisamos definir acontecimento em geral antes de definirmos acontecimento matemático.
Acontecimento é “o que sucede determinadamente no tempo e no espaço” (SANTOS, 2012a, p. 59).
Conforme nossas definições anteriores os representantes ou símbolos dos objetos matemáticos estão
totalmente contidos nos limites do tempo e do espaço, pois o tempo e o espaço são os limites da
matéria ou da realidade sensível. (KANT, 1991, p. 39-40) E quanto aos objetos matemáticos, que
são realidades mentais, estão eles contidos nestes limites? A resposta para esta questão não é objeto
direto desta pesquisa, porém temos que assumir uma posição. Há tanto quem diga que o próprio
tempo e espaço são objetos da matemática quanto quem diga que tais objetos os transcendem.
Assumiremos conjuntamente as duas posições, ou seja, a de que os objetos matemáticos
correspondem simultaneamente aos limites da matéria22 e às relações destes limites com o que lhes
é transcendente.23 Nesta perspectiva os objetos matemáticos dependem apenas parcialmente dos
acontecimentos matemáticos, porém tais acontecimentos dependem integralmente dos objetos
matemáticos. Tais objetos são, então, realidades essencialmente a-históricas.24

Definimos, para os propósitos desta pesquisa, acontecimento matemático como “manifestação


histórica do objeto matemático” ou como “manifestação no tempo e no espaço do objeto
matemático”. O acontecimento matemático diz respeito, então, simultaneamente ao representante
ou símbolo matemático e ao processo de representação matemática, pois estes estão contidos no
tempo e no espaço e sujeitos a evolução material. Não diz respeito a essência do objeto matemático.
Partiremos da posição, então, de que a História da Matemática ou a evolução matemática não é a do
objeto matemático, e sim a da sua representação ou manifestação no mundo sensível. Por exemplo,
o um sempre foi, nunca deixou de ser e nunca deixará de ser o que é, mas as suas representações
variam conforme o tempo e o espaço. Desde a origem do Universo o um existe, pois o que é isto
que chamamos de Universo senão “um (uni) vir-a-ser (verso)”?25

6.4.1 Início do relato cronológico dos acontecimentos matemáticos

Temos a questão de escolher um tempo e um espaço estratégicos para o início do nosso relato
cronológico dos acontecimentos matemáticos. Considerando a matemática como a disciplina que
manifesta os objetos matemáticos, perguntamos: Quando surgiu a matemática? Por onde começar
um relato cronológico do seu desenvolvimento?

22
Ou seja, o tempo e o espaço, que constituem a forma da matéria. (KANT, 1991, p. 39-40)
23
Posição de Pitágoras. (SANTOS, 2000, p. 110-142)
24
Não cabem no interior do tempo e do espaço.
25
Ou seja, “aquilo que possui uma única versão”.
26
Deve-se iniciar com as primeiras deduções sistemáticas em geometria, tradicionalmente
creditadas a Tales de Mileto, por volta de 600 a.C.? Ou se deve recuar mais no tempo e
iniciar com a obtenção de certas fórmulas de mensuração feitas pelas civilizações pré-
helênicas da Mesopotâmia e do Egito? Ou se deve recuar ainda mais no tempo e iniciar com
os primeiros esforços tateantes feitos pelo homem pré-histórico visando a sistematização das
idéias de grandeza, forma e número? Ou se pode dizer que a matemática teve início em
épocas pré-humanas com a manifestação de senso numérico e reconhecimento de modelos,
embora muito limitadamente, por parte de alguns animais, pássaros e insetos? Ou mesmo
antes disso, nas relações numéricas e espaciais das plantas? Ou até antes, nas nebulosas
espiraladas, nas trajetórias de planetas e cometas e na cristalização de minerais em épocas
pré-orgânicas? Ou será que a matemática, como acreditava Platão, sempre existiu, estando
meramente a aguardar sua descoberta? (EVES, 2004, p. 25)

Nossa posição filosófica está próxima da última proposta. Para sermos mais exatos, na
matemática nos identificamos principalmente com Pitágoras, cujo pensamento muito influenciou
Platão.

Então mencionaremos brevemente o que possa ter relação com a matemática em questão no
período pré-humano de evolução dos reinos mineral, vegetal e animal. Iniciaremos, em detalhes, o
relato a partir do início da manifestação sensível do reino humano. Portanto o tempo e o espaço
estratégicos para o início do nosso relato cronológico será não muito antes de dois milhões de anos
atrás no planeta Terra. “Como usualmente se considera como a matemática mais antiga aquela
resultante dos primeiros esforços do homem para sistematizar os conceitos de grandeza, forma e
número, é por aí que começaremos, focalizando de início o surgimento no homem primitivo do
conceito de número e do processo de contar” (EVES, 2004, p. 25).

6.4.2 Uma classificação dos acontecimentos matemáticos

Queremos distinguir três momentos bem distintos da manifestação de um mesmo objeto


matemático, ou seja, três espécies distintas de acontecimento matemático que observamos.
Procuraremos identificar cada um destes três momentos da manifestação de cada um dos objetos
desta pesquisa. Note que a distância temporal entre o segundo e o terceiro momento costuma ser
geralmente muito grande.

1) Quando um objeto matemático se manifesta pela primeira vez, de forma mais ou menos
consciente, na mente humana.
2) Quando um símbolo sensível e arbitrário para este objeto matemático surge pela primeira
vez na humanidade.
27
3) Quando este objeto matemático é manifesto integralmente pela primeira vez na humanidade
por meio de uma “teoria”,26 ou seja, quando ele é definido e são demonstradas as suas propriedades
formalmente pela primeira vez na humanidade.

7 ANTES DO HOMO SAPIENS

Começaremos, então, o nosso discurso histórico e epistemológico sobre os números reais e as


operações aritméticas. Primeiramente faremos uma viagem à origem do tempo e do espaço, que são
intuições de nossa mente, segundo Kant. (1991, p. 39-40) Portanto estaremos fazendo uma viajem
ao interior de nossa mente, para que lá possamos identificar os fundamentos primeiros da
matemática.

7.1 UNIDADE

“[...] a origem de todos os números é um, e não dois.” (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001, p. 156)

Os primeiros filósofos gregos já reconheciam que a origem do Universo foi uma só. Note que
não importa qual a substância (material ou não) particular que cada filósofo identificava como
sendo a unidade originária. O fato é que cada uma delas era uma substância. Oras, a unidade é a
substância essencial comum em todas aquelas teses cosmogônicas. Vejamos, então, a cosmogonia
pitagórica:

E nos pitagóricos e néo-pitagóricos, encontramos sempre a afirmativa do Um acima de todas


as coisas e este Um ultrapassa o nosso conhecimento, enquanto há o segundo Um, que é o
ser inteligível, o compreensível. [...] Eudoro, antes de nossa era, dizia que “quanto aos
pitagóricos, não é somente dos seres físicos, mas absolutamente de todas as coisas que eles
consideravam o Um princípio de tudo, colocando os contrários como princípios secundários
e elementares, aos quais, embora não sendo primeiros, subordinavam também as duas séries
paralelas”. E prosseguia: “No plano superior, é mister dizer que os Pitagóricos colocam
como princípio de todas as coisas o Um. No segundo plano, há dois princípios da realidade,
Um e a natureza oposta ao Um. [...].” O Um é princípio e é do Um que saem os elementos
(storkeia), aos quais dão o nome de múltiplos. (SANTOS, 2000, p. 171-172)

Segundo os pitagóricos, num plano transcendente e absoluto existe o Um, incognoscível,


inatingível. Num segundo plano, já cognoscível, existem os opostos, a dualidade, que marca o início
da multiplicidade. Estes opostos são o segundo Um, princípio positivo, e o que lhe é oposto, o

26
No sentido moderno.
28
Múltiplo, princípio negativo. Ambos são princípios fundamentais, porém subordinados a um
princípio ainda mais fundamental, o Um Absoluto.

O Um é absolutamente necessário, lógica e ontologicamente, porque não podemos


ultrapassá-lo. A idéia do múltiplo o impõe com antecedência ontológica e lógica. [...] Se
partimos da posição aristotélica, primacialmente empirista, o múltiplo é o que nos surge à
experiência, mas o múltiplo implica sempre o um, porque não podemos conhecer senão o
que é um, pois o que não o é, é nada, porque não é um. Não tendo unidade, não apresenta
contornos, não apresenta limites e, como tal, não poderia ser objeto de conhecimento. [...]
tudo quanto percebemos é sempre um [...], pois toda percepção é sempre uma singularidade e
a singularidade é sempre uma. Não podemos ultrapassar o um, porque mais um que o um é
impossível conceber-se. O um é, necessariamente, exigido pelo nosso conhecer, não só
lógica como ontologicamente. E quando nos surge a idéia do múltiplo, esta implica,
automaticamente, o um, porque o múltiplo é de qualquer modo formado de muitos uns. E
também todos os valores o implicam e todo conhecimento o implica sempre. É ele, assim, a
raiz de todo o nosso conhecimento. (SANTOS, 2000, p. 154)

7.2 CONCEITOS PRIMITIVOS DA MATEMÁTICA

Identificamos três pares de conceitos primitivos para os objetos desta pesquisa.

7.2.1 Unidade e multiplicidade

A nossa mente não pode ultrapassar o plano da dualidade, sendo a Unidade Absoluta algo
absolutamente incognoscível. Mas temos que o par de opostos “unidade e multiplicidade” ou “uno e
múltiplo” ou “um e muitos” são os conceitos mais primitivos de nossa mente – entre aqueles
conceitos positivos, cuja nossa consciência pode conceber integralmente.

A presença dos contrários impõe-se sempre para uma visão clara das coisas. Por isso, para o
pitagorismo, o conhecimento implica sempre uma dualidade cooperadora; e não só o
conhecimento, mas também todo existir criatural. O Um supremo é, assim, a transcendência
dos pares de contrários, e ao alcançá-lo, nós superamos as oposições. Portanto, a superação
da oposição só se pode obter, e só há, transcendentalmente, no Um supremo, e não nos seres
finitos. Nestes, há harmonia, a combinação dos contrários, a acordância dos discordantes, o
número, porque onde há o múltiplo há o número (arithmós). (SANTOS, 2000, p. 165) [...] A
harmonia é a “unidade do múltiplo e a acordância do discordante”, o que é manifesto em
toda parte. (SANTOS, 2000, p. 162)

O número é, para os pitagóricos, “o produto das relações entre os opostos na substância


universal” (SANTOS, 2000, p. 111). O número é a harmonia dos opostos. O número é a relação
entre a unidade e a multiplicidade ou, em termos contemporâneos, a pertinência entre elemento e
conjunto. Kant diz que os mais primitivos conceitos puros do entendimento não formam um par,
mas um trio, onde o terceiro deles faz a relação entre os outros dois, que são opostos entre si. São
eles: unidade, multiplicidade e totalidade. Kant identifica o número com o conceito de totalidade.
(KANT, 1991, p. 68-74)
29

7.2.2 Igualdade e desigualdade

Igualmente primitivo, do ponto de vista positivo, é o par de conceitos opostos “igualdade e


desigualdade” ou “igual e desigual”. Estes conceitos nos permitem distinguir a unidade da
multiplicidade. Eles possuem correspondência com os princípios ontológicos e aos seus submetidos
princípios lógicos:

1) Todo objeto é idêntico a si mesmo – Esta é a enunciação do chamado princípio ontológico


da identidade. Este princípio fundamental da Ontologia clássica o é também para a Lógica
Formal. Por ora, cabe-nos apenas apresenta-lo como um verdadeiro fundamento axiomático
da Ontologia e também, consequentemente, da Lógica Formal. [...] Deste princípio
fundamental decorrem outras conseqüências, que são dadas, em geral, como princípios
ontológicos e, portanto, também lógicos:
2) Nenhum objeto pode ser ao mesmo tempo êle e não êle. Princípio ontológico de não-
contradição. Enuncia-se dizendo que A não pode ser ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto Não-A.
3) Todo objeto tem que ser A ou não A. [...] Princípio ontológico do terceiro excluído, pois
exclui um intermediário entre ser e não-ser. (SANTOS, 1959, p. 24)

Rebaixamos o par de opostos “identidade e alteridade” ou “mesmo e outro” da Ontologia aos


correspondentes “igualdade e desigualdade” da Matemática, simplesmente por serem mais
positivos. Note como identidade e alteridade são mais subjetivos, profundos e, portanto, são
concebidos pela consciência de forma menos integral.

7.2.3 Adição e subtração

Ainda no primeiro plano de primitivismo conceitual, temos o par de opostos “adição e


subtração” ou “mais e menos” ou “maior e menor”. Estes conceitos são a própria relação entre
unidade e multiplicidade e entre igualdade e desigualdade. Pois o que é a multiplicidade senão a
adição da unidade? E o que é a desigualdade senão a igualdade sofrida de adição ou de subtração?

Concebemos estes três pares de conceitos primitivos opostos como um único núcleo
fundamental do pensamento positivo, por meio dos juízos a seguir:

O um é igual ao um. O muitos é igual ao muitos.

O um é desigual ao muitos. O muitos é desigual ao um.

O desigual é maior ou menor que o igual.

O um é menor que o muitos. O muitos é maior que o um.


30

O menor tem menos unidades. O maior tem mais unidades.

O um tem menos unidades que o muitos. O muitos tem mais unidades que o um.

Então o um é desigual ao muitos, porque o um é menos do que muitos. E o muitos é desigual


ao um, porque o muitos é mais do que um.

7.3 SENSO NUMÉRICO

Antes do surgimento do homo sapiens os seres possuíam no máximo um senso numérico.


Definiremos esta faculdade mais adiante. E ainda antes de prosseguirmos, a partir da origem
histórica do número, precisamos deduzir as conseqüências imediatas dos conceitos primitivos
enunciados.

7.3.1 Um, dois, três e muitos

Teoricamente, dado o par de opostos primitivos um e muitos, o próximo passo é começar a


distinguir os muitos tipos de muitos. O primeiro e menor tipo de muitos é o dois. Temos, assim, três
conceitos: um, dois e muitos. Deste muitos que restou ao distinguirmos dele o dois, distinguimos em
seguida, por sua vez, o seu primeiro e menor tipo de muitos: o três. Temos, assim, quatro conceitos:
um, dois, três e muitos. Note que à medida que vamos distinguindo o próximo tipo de muitos da
sequência, sempre resta o muitos, formado por muitos tipos de muitos. Atualmente o ser humano
avançou muito na sequência numérica. Para além do maior número que alguém possa conceber,
sempre haverá o muitos, que corresponde a um valor ainda não definido, maior que o maior valor já
definido. Chamamos esta multiplicidade indefinida, que está além de qualquer multiplicidade
relacionada a unidade27, de infinito. O infinito é, portanto, o “último” ou o “maior” tipo de muitos.28
Note que o conjunto de conceitos um, dois, três e muitos inclui os conceitos um, muitos, igual,
desigual, mais e menos, pois “dois é igual a um mais um” e “três é igual a dois mais um”.

7.3.2 Origem histórica do número

27
Que está além de qualquer número.
28
O “muitos” é sempre o restante da infinidade potencial de números que está para além do último número que alguém
já contou. O infinito é sempre potencial, pois em ato ninguém nunca contou nem contará o infinito. (LAMIM, 2010, p.
35)
31
Voltemos ao estágio originário do Universo, que coincidimos com a origem do tempo e do
espaço. Note que aquilo que tem começo é aquilo que está no tempo, ou seja, começar é iniciar no
tempo. Portanto, o próprio tempo não teve começo, tendo sua origem se dado a partir de um ponto
que transcende a ele mesmo. Portanto o Universo não teve começo, é eterno no passado. “É uma
verdade, embora das mais obscuras, que o mundo da existência – este universo infinito, não teve
começo” (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001, p. 155). Não podemos conceber o começo do Universo assim
como não podemos conceber o início dos números reais absolutos. Pois qual seria o menor número
real maior do que zero? Se formos regressando no contínuo real em direção ao zero, nunca
chegaremos no início, nunca atingiremos o zero. Deixemos o eterno e incognoscível mistério da
Criação de lado.29 Mas colocamos esta questão em termos pitagóricos assim: Como do um surge o
dois? O que queremos postular é que o número, ou seja, a relação entre a unidade e a
multiplicidade, é a própria essência do Universo cognoscível. O número surgiu com o surgimento
do Universo, segundo os pitagóricos. E isso se deu num passado eterno.

7.3.3 Pré-história do senso numérico30

A primeira e mais primitiva forma de existência a evoluir foi o ser mineral, cujos gêneros e
espécies constituem o Reino Mineral. Este reino vem sofrendo evolução a partir do nada material,
desde toda a eternidade. O ser mineral apenas existe. Sua faculdade essencial se manifesta por meio
da atração ou da interação.31 Ele conhece32 o número apenas existindo, apenas sendo mineral. O
número se manifesta no reino mineral por meio da simples existência do mineral, por meio do
simples ser um entre muitos. O fato da multiplicidade de átomos surgir de um átomo primordial ou
o fato de existir uma multiplicidade de unidades atômicas é uma manifestação primitiva do número.
No reino mineral o número é existido.

Uma segunda e mais evoluída forma de existência começou a evoluir na Terra, segundo a
ciência moderna, a partir de aproximadamente 4 bilhões de anos atrás. Esta forma de existência se
distingue essencialmente da mineral por ser viva, em oposição àquela que é bruta. Os primeiros
gêneros e espécies vivos constituem o Reino Vegetal, cujos principais distintivos, além do apenas
existir, são o alimentar-se, o crescer e o reproduzir-se. O ser vegetal conhece33 o número vivendo,

29
Isso não significa que não devamos sondá-lo, a passos de formiga, eternamente. Eis o sentido da Ciência!
30
Neste tópico as nossas afirmações cosmológicas e paleontológicas mais gerais que são “senso comum” da ciência,
pois estão contidas em manuais de divulgação científica, não serão, por isso, referenciadas. Deixamos aqui apenas uma
referência indireta e geral a obra literária “A Mais Bela História do Mundo: Os segredos das nossas origens” de vários
autores.
31
Que é a essência da existência material.
32
No seu grau de existência.
33
No seu grau de existência.
32
sendo vegetal. O número se manifesta no reino vegetal por meio da vida do vegetal, por meio do
simples crescer e decrescer. O fato de o vegetal adicionar substâncias a si mesmo e subtrair de si
outras substâncias é uma manifestação do número. No reino vegetal o número é vivido, de uma
forma primitiva de ser vivida.

Uma terceira e mais evoluída forma de existência começou a evoluir na Terra, segundo a
ciência moderna, a partir de aproximadamente 600 milhões de anos atrás. Esta forma de existência
se distingue essencialmente da vegetal por possuir a faculdade dos sentidos. E o sentido mais
primitivo é o tato. Os sentidos ampliam significantemente as relações do ser com o meio e aguçam
os seus apetites, provocando a locomoção. Os gêneros e espécies desta forma de existência
constituem o Reino Animal, cujos principais distintivos são o sentir (tatear, saborear, cheirar, ouvir
e/ou ver) e o locomover-se. O ser animal conhece34 o número sentindo. O número se manifesta no
reino animal por meio dos sentidos, por meio do sentir. O fato de o animal sentir que uma coisa
qualquer (por exemplo, um membro da sua espécie) é distinta de duas coisas quaisquer do mesmo
tipo (por exemplo, dois membros da sua espécie) é uma manifestação do número. No reino animal o
número é sentido. É vivido de uma forma mais evoluída que a vivida pelo vegetal. Enfim, é sentido.

7.3.4 Senso numérico

Definimos senso numérico ou sensação numérica como sendo a faculdade de reconhecer


pequenos números por meio dos sentidos, sem uso do intelecto35, ou seja, é a faculdade de perceber
diretamente pequenos números, sem nenhum processo intelectual. O senso numérico é algo muito
mais primitivo que a contagem, coisa esta que já é essencialmente intelectual. O número que se
manifesta no ser por meio do senso numérico é uma sensação, ou seja, um objeto dos sentidos, e
não ainda um conceito ou uma idéia, ou seja, um objeto do intelecto ou da mente. Esta manifestação
numérica é ainda extremamente primitiva. O senso numérico é uma faculdade comum ao ser
humano e a diversas espécies animais. Quando o gênero homo surgiu, ele já estava capacitado com
tal faculdade, pois a herdou do reino animal.

O Homem, mesmo nas mais baixas etapas do desenvolvimento, possui uma faculdade que,
por falta de um nome melhor, chamarei de Senso Numérico. Essa faculdade permite-lhe
reconhecer que alguma coisa mudou em uma pequena coleção quando, sem seu
conhecimento direto, um objeto foi retirado ou adicionado à coleção. O Senso numérico não
deve ser confundido com contagem, que provavelmente é muito posterior, e que envolve um
processo mental bastante intrincado. (DANTZIG apud ALMEIDA, 2009, p. 121)

34
No seu grau de existência.
35
O intelecto que mencionamos aqui é aquele específico dos seres humanos, e não aquela capacidade inferior de
conhecimento animal.
33

Juntamente com diversas outras espécies animais, os humanos têm um senso numérico.
Reconhecemos a diferença entre um objeto, um grupo de dois objetos e um grupo de três
objetos. Também reconhecemos que um grupo de três objetos tem mais elementos do que
um grupo de dois. Esse senso não é algo que aprendemos; nós nascemos com ele. (DEVLIN,
2008, p. 28)

Segundo Devlin (2008, p. 44-55), o senso numérico capacita o ser a distinguir um, dois, três e
muitos, e segundo Ifrah (2005, p. 19-24), um, dois, três, quatro e muitos. Então este senso capacita
o ser distinguir até o três ou o quatro. Números maiores que estes são percebidos, por meio desta
faculdade, apenas como uma multiplicidade indefinida. A capacidade de distinguir um, dois, três e
muitos é um resultado acumulado durante toda a evolução dos seres pré-humanos, desde a origem
do Universo até alguns poucos ou muitos milhões de anos atrás, quando então uma primeira espécie
animal a manifestou. Entre as espécies animais que possuem senso numérico, Almeida (2009, p.
121) cita “os insetos (vespas, escaravelho da farinha); aves (pombos, corvos, papagaios, periquitos,
gralhas); primatas, como os prossímios (lêmures) e antropóides (rhesus, chimpanzé); ratos;
golfinhos e mesmo salamandras”. Para distinguir números maiores que três ou quatro é necessário a
contagem, e somente o homo sapiens desenvolveu esta capacidade.

Antes de abandonarmos definitivamente o período pré-humano e prosseguirmos a partir de


não muito antes de dois milhões de anos atrás, faremos uma distinção entre a matemática animal e a
matemática humana:

A matemática animal, como denominamos, parece estar correlacionada à necessidade de


sobrevivência das espécies. O Homem também necessita sobreviver [...]. O que distinguiria,
portanto, a matemática animal da matemática humana? A diferença primordial parece estar
em que o homo, satisfeitas suas necessidades de sobrevivência, busca explicações, o
conhecimento, tem sede de transcender. (ALMEIDA, 2009, p. 126)

Porém, como veremos mais adiante, o que definimos como sendo matemática surgiu apenas
com o surgimento daquilo que pode ser chamado de cognição sapiens.36

7.4 EVOLUÇÃO COGNITIVA DO GÊNERO HOMO

Faremos agora um relato do desenvolvimento cognitivo do gênero homo ocorrido entre


aproximadamente 3.500.000 e 75.000 anos atrás, ou seja, no paleolítico inferior e médio. Tal relato
não passará de paráfrases sintéticas e citações do discurso encontrado em O Gene da Matemática de
Keith Devlin.

36
A cognição distinta da espécie homo sapiens.
34
O quadro da evolução humana que venho desenhando é o de um desenvolvimento de dois
estágios, começando com a emergência da linha hominídea, há três milhões e meio de anos.
No primeiro estágio, que responde por praticamente todo aquele período de tempo, o
tamanho do cérebro cresceu rapidamente. Isso aconteceu principalmente a fim de fornecer
aos possuidores desses cérebros maiores uma visão mais rica do mundo (mais padrões que
podiam ser reconhecidos), um maior elenco de truques para ajudar na sobrevivência (sob a
forma de respostas a determinados padrões de estímulos), e um meio mais eficaz de
comunicação. Contudo, a estrutura do cérebro pouco mudou. O desenvolvimento consistiu
primordialmente em mais e não em diferente. O segundo estágio teve lugar durante os
últimos 200.000 anos, talvez há apenas 75.000 anos. Os cérebros não ficaram maiores, mas
sua estrutura mudou. Quer consideremos ou não essas mudanças estruturais em si mesmas
como anatomicamente importantes, suas conseqüências para a atividade cerebral foram
altamente significativas. Elas nos deram o pensamento [...] “desconectado” [...], a linguagem,
o sentido do tempo, a capacidade de formular e seguir planos de ação complexos, e a
capacidade de projetar e construir uma quantidade cada vez maior de artefatos. (DEVLIN,
2008, p. 211)

7.4.1 Primeiro estágio (aprox. 3.500.000 – 200.000 anos atrás)

Segundo Devlin, os antropóides, família superior de primatas que inclui o gênero homo e os
gêneros mais próximos deste37, surgiram há aproximadamente 30 milhões de anos atrás. Eles já
eram inteligentes, porém esta inteligência se limitava a capacidade intelectual primitiva de
“reconhecer novos padrões e desenvolver reações comportamentais a esses padrões” (DEVLIN,
2008, p. 211).38 Os antropóides viviam em árvores, quando então o clima mudou e as florestas
recuaram gradualmente, o que os obrigou a descer das árvores e se aventurarem além dos limites
das florestas, entrando nas savanas abertas, longe do abrigo das florestas e muito mais expostos ao
ataque dos predadores. Eles chegaram a este ponto há aproximadamente 7 milhões de anos atrás.
“Três aperfeiçoamentos lhes permitiram sobreviver. Primeiro, ficaram mais altos. [...] Segundo,
começaram a agir com inteligência – prevendo o perigo e tomando medidas para evitá-lo. Terceiro,
os antropóides começaram a formar grupos. [...] Todas essas três adaptações estimularam o
crescimento do cérebro humano; as duas últimas assinalaram os primórdios de certos precursores do
pensamento matemático” (DEVLIN, 2008, p. 199).

Segundo Devlin, a capacidade antropóide de padronizar, categorizar ou classificar os dados do


mundo exterior é a raiz direta do pensamento matemático humano e a causa central do crescimento

37
Por exemplo, o gênero dos chimpanzés e o dos australopithecus.
38
“[...] o que exatamente significam as palavras “padrão” e “tipo”? [...] Reconhecemos padrões que dividem as coisas
em dois ou mais grupos de uma determinada maneira. [...] Muitos trabalhos técnicos da área da cognição humana usam
a palavra tipo para denotar o conceito comumente chamado de propriedade, categoria, espécie, etc. [...] Observe que a
exigência de caráter cognitivo para a aquisição de tipos é a faculdade de reconhecer semelhanças e diferenças: de
perceber que certas coisas são semelhantes – elas são do mesmo tipo – e que outros pares de coisas são diferentes – elas
não são do mesmo tipo. Praticamente todas as criaturas vivas têm essa capacidade em certo grau; o reconhecimento de
tipos é o segredo para a vida. [...] Tudo que se precisa é que a criatura modifique o seu comportamento de modo
sistemático, de acordo com o tipo” (DEVLIN, 2008, p. 220-222).
35
do cérebro e do desenvolvimento da inteligência dos nossos ancestrais.39 Agir com inteligência
estimulou-lhes o crescimento do cérebro, e este cérebro maior, por sua vez, estimulou-lhes o
desenvolvimento da inteligência. Estes ancestrais tinham a desvantagem de serem fisicamente mais
frágeis que as demais espécies. Para sobreviverem, foram obrigados a agir cada vez mais com mais
inteligência.

O sucesso desse tipo de vida dependeu de uma visão variada do mundo – a capacidade de
reconhecer um grande conjunto de padrões. Quanto maior e mais rica era a compreensão do
mundo por parte de nossos ancestrais, maiores as suas chances de sobrevivência – prevendo,
e então ficando afastado, do perigo e imaginando de onde viria a próxima refeição e agindo
adequadamente. [...] A sobrevivência dependia de eles serem mais espertos que qualquer
outra espécie, e com toda probabilidade de serem capazes de transmitir informações muito
mais sofisticadas do que qualquer outra espécie. (DEVLIN, 2008, p. 212)

Então, a partir de 3.500.000 anos atrás o cérebro dos nossos ancestrais passou a crescer
rapidamente até aproximadamente 200.000 anos atrás, quando aparentemente parou de crescer.40 E
isso marcou o surgimento do homo sapiens, espécie que se distinguiu totalmente das demais
espécies antropóides.41 A partir deste momento a mudança essencial do cérebro dos nossos
ancestrais não foi mais no volume, mas na estrutura. Vejamos até onde o homo erectus, o nosso
ancestral direto, progrediu na capacidade matemática no final do primeiro estágio, há
aproximadamente 200.000 anos atrás. Mas antes temos que considerar quais são os atributos
mentais que contribuem para a capacidade matemática. Segundo Devlin (2008, p. 214):42

1. Um senso numérico
2. Capacidade numérica
3. Capacidade algorítmica
4. A capacidade de lidar com abstrações
5. Um senso de causa e efeito
6. A capacidade de elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos
7. Capacidade de raciocínio lógico
8. Capacidade de raciocínio relacional
9. Capacidade de raciocínio espacial

Mesmo ainda como Homo habilis, nós temos os primórdios das capacidades 1 (senso
numérico) e 9 (raciocínio espacial). Da mesma forma, dado que todos os outros primatas
contemporâneos demonstram um senso de causa e efeito (item 5), podemos supor que o
Homo habilis também tinha essa capacidade. [...] o Homo erectus tinha a capacidade 6
(elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos). O crescimento do modo de vida em
sociedade – uma característica da vida do Homo erectus (e mais tarde do Homo sapiens) [...]

39
Porém a explícita enunciação dos conceitos primitivos padrão, categoria, classe ou conjunto, e a demonstração de
suas propriedades, viria a ocorrer somente a partir de 1.874, com a Teoria dos Conjuntos de Georg Cantor. (EVES,
2004, p. 615)
40
Como já mencionamos, ele cresceu de 440 cm³ para 1.350 cm³ neste intervalo de tempo.
41
Na verdade, o homo sapiens é distinto de todo o reino animal. E mais, é uma espécie de ser distinta de todas as
espécies de seres universais conhecidas.
42
A definição de cada um destes atributos está nas páginas 28 a 30 do livro de Devlin.
36
– exige a capacidade 8 (raciocínio relacional), porque o mecanismo mental que mantém esse
estilo de vida é a capacidade de se lembrar das relações dentro do grupo e de raciocinar sobre
isso. As únicas capacidades da nossa lista que o Homo erectus não tinha eram as de número
2, 3, 4 e 7. De fato, a capacidade fundamental que lhe falta é a 4: a capacidade de lidar com
abstrações – [o] pensamento desconectado. Do momento em que somos capazes disso, todos
os itens restantes da lista se encaixam automaticamente. Pois [...] com o pensamento
desconectado temos a linguagem, e [...], quando temos a linguagem juntamente com um
senso numérico, temos a capacidade numérica, item 2. Além do mais, a capacidade
algorítmica (item 3) e a capacidade de raciocínio lógico (item 7) são, realmente, apenas
versões abstratas do item 6. Assim, com o Homo erectus, nossos ancestrais tinham muitas
das capacidades mentais necessárias para elaborar o pensamento matemático. Do momento
em que surgiu um descendente seu capaz de elaborar abstrações e de lidar com elas, todas as
peças mentais fundamentais estavam no lugar para o subseqüente desenvolvimento da
matemática. A abstração foi o passo-chave. (DEVLIN, 2008, p. 214-216)

Então o homo erectus possuía os seguintes atributos mentais matemáticos: senso numérico,
senso de causa e efeito, capacidade de elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos,
capacidade de raciocínio relacional e capacidade de raciocínio espacial. A capacidade de lidar com
abstrações ou o “pensamento desconectado” é o que distingue a cognição do homo sapiens de todas
as demais. O surgimento desta cognição coincide, simultaneamente, com o surgimento da
linguagem humana e do pensamento matemático humano, enfim, do próprio homo sapiens.43 A
mente, o intelecto, a razão ou a cognição humana é o principal distintivo humano.

7.4.2 Segundo estágio (aprox. 200.000 – 75.000 anos atrás)

Antes de prosseguirmos, precisamos esclarecer certos pontos. A diferença essencial do reino


humano para o reino animal é que o animal se limita a faculdade dos sentidos exteriores, enquanto o
homem possui aquela faculdade superior que chamamos de mente, intelecto ou razão. Os cinco
sentidos exteriores (tato, gustação, olfato, audição e visão) fornecem dados apenas do mundo
exterior, do mundo espaço-temporal, do aqui e do agora. A mente humana, por outro lado,
transcende o tempo e o espaço, nos fornecendo dados sobre passado e futuro, e sobre lugares além
daquele onde está o nosso corpo. O animal não possui aquilo que no homem chamamos de mente,
apenas corpo.44 E os sentidos exteriores são faculdades essencialmente corporais. O animal recebe
estímulos do meio imediato e imediatamente responde a este meio, sem nenhum processamento
essencialmente interior destes estímulos. O homem, com sua faculdade interior essencial, processa
estes estímulos, transformando-os em informações que podem se tornar totalmente transcendentais.
O homem não responde, necessariamente, a este meio imediato, e nem assume a obrigação de
processar tais estímulos imediatamente. O homem pode muito bem deixar para concluir um

43
Nas espécies inferiores ao homo sapiens existem uma linguagem e uma matemática, mas merecem ser chamadas, no
máximo, de proto-linguagem e de proto-matemática. Os termos linguagem e matemática, em sentido moderno, devem
ser reservados exclusivamente para se referir ao homo sapiens.
44
Queremos defender que o animal não possui nenhuma faculdade além daquelas que são objeto da Biologia.
37
processo interior décadas depois do seu início, assim como pode continuar a processar dados
gerados décadas antes. E mais, ele pode dar início a um processo interior independentemente de
qualquer estímulo vindo do mundo exterior. (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001) Posto isso, prosseguimos
com Devlin.

Como a abstração foi o passo-chave para o surgimento da cognição distinta do ser humano,
devemos classificar os níveis de abstração, para nos situarmos melhor:

Na abstração de nível 1 não há realmente nenhuma abstração. Os objetos sobre os quais


pensamos são todos objetos reais acessíveis à percepção no ambiente imediato. [...] Muitas
espécies animais parecem ser capazes da abstração de nível 1.
A abstração de nível 2 diz respeito a objetos reais familiares a quem pensa, mas que não são
acessíveis à percepção no ambiente imediato. Chimpanzés e outros primatas parecem
capazes da abstração de nível 2.
Até onde sei, apenas os humanos são capazes da abstração de nível 3. Aqui os objetos de
pensamento podem ser objetos reais que o indivíduo conheceu de alguma forma, mas que
nunca encontrou, na realidade, ou versões imaginárias de objetos reais, ou variações
imaginárias de objetos reais, ou combinações imaginárias de objetos reais. Embora os
objetos no nível de abstração 3 sejam imaginários, eles podem ser descritos em termos de
objetos reais [...]. a capacidade de pensar no nível de abstração 3 é, para todos os propósitos
e objetivos, equivalente a ter uma linguagem.
Na abstração de nível 4 temos, enfim, o pensamento matemático. Os objetos matemáticos
são inteiramente abstratos; eles não têm ligação simples ou direta com o mundo real, ou que
não seja abstraída do mundo [...]. (DEVLIN, 2008, p. 143-144)

Então lidar com abstrações de níveis 3 e 4 é possível somente para o homem, com o seu
grande cérebro, o seu intelecto, a sua linguagem, enfim, com o seu pensamento desconectado. Mas
o que é mesmo este pensamento desconectado? Vejamos, “o cérebro [humano] tornou-se capaz de
gerar seus próprios estímulos – de criar situações imaginárias de sua própria lavra, e pensar sobre
elas, independentemente de qualquer input vindo do mundo físico. [...] O pensamento desconectado
pode se iniciar espontaneamente no cérebro ou ser produzido por um input direto vindo de um
objeto real, ou pela combinação das duas coisas [...]” (DEVLIN, 2008, p. 259-262).

Defendo a tese de que a diferença fundamental entre o cérebro humano e o de qualquer outra
criatura, viva ou extinta, é que o humano pode simular qualquer padrão de ativação
produzido externamente, de modo a dar partida à seqüência, e percorrer essa seqüência sem,
necessariamente, gerar uma resposta corporal. É a atividade do cérebro originária do próprio
cérebro, não causada por algum estímulo externo, e realizada sem a produção automática de
uma resposta corporal que venho chamando de “pensamento desconectado”. (DEVLIN,
2008, p. 261)

“Falando de modo geral, o pensamento desconectado é a capacidade de raciocinar de uma


maneira abstrata e hipotética” (DEVLIN, 2008, p. 193). Mencionamos que o pensamento
desconectado ou a cognição sapiens surgiu simultaneamente com a linguagem e com o pensamento
matemático. “O pensamento desconectado nos dá automaticamente a linguagem completa. Ou, mais
38
precisamente, o pensamento desconectado e a linguagem são os dois lados de uma mesma moeda.
Não se pode ter uma sem a outra. [...] Quando se pensa desconectado, temos a linguagem integral, e
vice-versa” (DEVLIN, 2008, p. 264-269). A linguagem “surgiu, quase que por acaso, como um
subproduto do fato de nossos ancestrais adquirirem a capacidade de uma compreensão cada vez
mais rica do mundo em que se encontravam – tanto do ambiente físico como do seu mundo social
crescentemente complexo” (DEVLIN, 2008, p. 192). Quanto ao pensamento matemático, ele “é
apenas um tipo especial de pensamento desconectado [...].” Então, “a matemática é uma
conseqüência automática do pensamento desconectado.” (DEVLIN, 2008, p. 271-275)

8 A PARTIR DO HOMO SAPIENS

Prosseguiremos agora com o nosso discurso histórico e epistemológico sobre os números reais
e as operações aritméticas.

8.1 ORIGEM HISTÓRICA DA MATEMÁTICA

A matemática como técnica dos temas da mente é essencialmente humana, pois envolve uma
faculdade chamada mente, intelecto ou razão. O senso matemático dos animais envolve apenas a
faculdade dos sentidos exteriores, por isso não chamaremos este tipo de conhecimento animal de
matemática. A matemática surgiu com o surgimento do homo sapiens e de sua cognição distinta.

Hauser considera quatro ingredientes da cognição humana que a tornam única: 1) a


habilidade de combinar e recombinar diferentes tipos de informação e conhecimento para
obter novos insights; 2) a capacidade de aplicar a mesma ‘regra’ ou solução de um problema
a uma situação inteiramente nova em um contexto diferente; 3) a capacidade de criar e
facilmente compreender representações simbólicas a partir de inputs sensoriais e
computacionais; 4) a habilidade de elaborar raciocínios abstratos a partir de inputs sensoriais
e perceptuais brutos. Essas habilidades podem ser classificadas como matemáticas, pois são
basilares ao raciocínio matemático. Desse modo, pode-se afirmar que talvez a principal
competência cognitiva que distingue o homem dos demais animais que não a possuem seja
sua capacidade de pensar matematicamente. A Matemática, portanto, é básica às estruturas
cognitivas de pensamento que classificamos como pensamento puramente humano. A
Matemática é, portanto, estruturante do pensamento humano. (ALMEIDA, 2009, p. 127)

As primeiras manifestações matemáticas do ser humano transcenderam definitivamente o


senso matemático animal. O início do desenvolvimento destas manifestações coincidiu com o
surgimento da tal cognição sapiens, há aproximadamente 200.000 anos atrás. Porém, até
aproximadamente 12.000 anos atrás a matemática era extremamente primitiva. Neste período, ou
seja, no paleolítico médio e superior, o desenvolvimento matemático ocorreu muito lentamente e se
39
manifestou sensivelmente de forma muito tímida. De qualquer forma, a matemática é a mais antiga
ciência.

8.2 SUMÁRIO GERAL DA HISTÓRIA DA ARITMÉTICA

Apresentaremos agora um sumário geral da história da aritmética, que é o ramo da matemática


que trata de números e de operações numéricas, ou seja, dos nossos objetos de pesquisa. Faremos
isso segundo Damerow apud Almeida (2009, p. 145):

0) Quantificação pré-aritmética;
1) Proto-aritmética;
2) Aritmética baseada em símbolos;
2 a) Nível de sistemas de símbolos dependentes do contexto;
2 b) Nível de sistemas de símbolos abstratos;
3) Aritmética teórica;
3 a) Nível de dedução em linguagem natural;
3 b) Nível de dedução formal.

Entende como o nível de quantificação pré-aritmética o estágio no qual nenhuma atividade


aritmética, exceto comparações, pode ser encontrada. No nível pré-aritmético as
comparações, bastante primárias, são feitas de um modo consciente e refletido, ao contrário
do que ocorre no senso numérico, onde comparações são feitas instintivamente, em um nível
sub-consciente. Pode-se, portanto, admitir que ocorreu a existência de um estágio anterior a
este proposto por Damerow, em que a humanidade fazia apenas emprego do senso numérico,
inato.45 No estágio de quantificação pré-aritmética não há seqüências estruturadas de
contagem e nem técnicas de contagem como a dos entalhes, contagem corporal, contagem
por nós ou por calculi (contadores). As línguas nesse estágio possuíam apenas termos de
natureza qualitativa para quantidades. [...]
No segundo estágio, correspondente ao nível proto-aritmético, a representação de
quantidades é feita mediante correspondência um-a-um com conjuntos de objetos concretos
ou outros símbolos. [Já] no Paleolítico Superior o homem pré-histórico tinha noções do
conceito de número, ao menos no nível cognitivo proto-aritmético. [...]
O nível 2 é caracterizado pelo surgimento de signos numéricos, capazes de representarem
simbolicamente números. O estágio 2 a) é uma fase transicional entre o nível proto-
aritmético e aritmética baseada em símbolos. [...] Nessa fase os símbolos têm seus valores
numéricos determinados pelo contexto metrológico respectivo, mudando de acordo com sua
área de aplicação, sem qualquer tentativa aparente de se fixar um valor numérico não
ambíguo para os signos. Esta fase parece ser característica das culturas da região da
Mesopotâmia e do Elam, não se tendo conhecimento, até o presente, de outros exemplos.
Nessas culturas, desde o momento da emergência da escrita, primeiro na Suméria e algo
depois no Elam, em torno de 3.200 a.C., até a invenção do sistema sexagesimal posicional,
em cerca de 2.000 a.C., exclusivamente sistemas simbólicos dependentes do contexto foram
empregados. Somente com a introdução deste sistema surgiu um sistema de notações
numéricas que unificou todas as formas de notações. Pode-se dizer que unicamente nesta

45
Correspondemos este estágio humano ao tempo do homo erectus e de seus predecessores do gênero homo, ou seja, a
antes de 200.000 anos atrás.
40
data se consolidou o nível 2 b), de sistemas de símbolos abstratos, onde realmente surgiram
os primeiros numerais verdadeiros. Legítimos representantes de números abstratos.46 [...]
O estágio 3) é baseado em conceitos aritméticos (aritmética teórica), na forma de sistemas de
proposições matemáticas logicamente estruturados. Sua característica mais importante é
trabalhar com proposições aritméticas gerais, concernentes às propriedades dos números
abstratos. Divide-se em dois níveis, o 3 a), de dedução em linguagem natural e o 3 b), de
dedução em linguagem simbólica. O nível 3 a) é caracterizado pelo fato de que os sistemas
dedutivos consistem de afirmações e provas formuladas em linguagem natural [...]. Já o nível
3 b), de dedução formal, a linguagem natural é substituída por linguagens formais, que
corresponde ao estágio da matemática atual. (ALMEIDA, 2009, p. 145-147)

Então, baseado no que já expomos e no restante das nossas referências, podemos facilmente
determinar, com aproximação, a cronologia para este sumário histórico:

0) Nível pré-aritmético: surgiu no paleolítico médio (aprox. há 200.000 anos atrás);


1) Nível proto-aritmético: surgiu no paleolítico superior (aprox. há 45.000 anos atrás);
2) Nível aritmético baseado em símbolos: surgiu no neolítico (aprox. há 12.000 anos atrás);
2 a) Nível de sistemas de símbolos dependentes do contexto: surgiu no neolítico (aprox.
há 12.000 anos atrás);
2 b) Nível de sistemas de símbolos abstratos: surgiu na antiguidade pré-clássica (aprox.
em 3.500 a.C.);
3) Nível aritmético teórico: surgiu na antiguidade clássica (aprox. em 600 a.C.);
3 a) Nível de dedução em linguagem natural: surgiu na antiguidade clássica (aprox. em
600 a.C.);
3 b) Nível de dedução formal: surgiu na idade moderna (aprox. em 1.600 d.C.).

8.3 NÚMEROS INTEIROS ABSOLUTOS OU NÚMEROS NATURAIS

Primeiramente temos que distinguir algo. Os números como idéias positivas ou temas mentais,
são conceitos, objetos da mente humana ou da cognição sapiens. Os objetos do senso numérico são
objetos dos sentidos exteriores, sensações. Postulamos que os números começaram a se manifestar
de forma positiva, conceitual, consciente, a partir de aproximadamente 200.000 anos atrás. Porém
no princípio isso ocorreu lentamente e timidamente. Conjecturamos que a transcendência do senso
numérico, a partir deste momento, se deu simultaneamente de duas maneiras:

1) As sensações um, dois, três e muitos começaram a se manifestar conscientes, conceituais ou


mentais. Primeiramente os pares de opostos primitivos, um, muitos, igual, desigual, mais e menos;
em seguida o dois e depois o três.

46
O nível 2 b) se consolidou nesta data, porém começou a surgir já aproximadamente em 3.500 a.C.
41
2) A sensação muitos continuou, progressivamente, a se manifestar consciente, conceitual ou
mental. Primeiramente a multiplicidade indefinida maior que três, como um todo, começou a se
definir progressivamente; em seguida o quatro se definiu, se manifestou consciente, conceitual ou
mental; e depois o cinco, etc.

A consciência do homo sapiens arcaico foi avançando na sequência numérica lentamente e


timidamente até aproximadamente 12.000 anos atrás. Segundo as nossas referências, temos motivos
para crer que, no fim deste período, este avanço não ultrapassou o número dez. Mas é fato que, na
aprendizagem numérica de qualquer ser humano, ocorre duas coisas, simultaneamente:

1) Os primeiros números da sequência numérica vão se manifestando mais positivos,


conceituais e conscientes; em suma, vão se afirmando, de modo a sustentar o resto da sequência.
2) A sensação numérica vai se ampliando para multiplicidades cada vez maiores; o muitos vai
se referindo cada vez mais a um valor maior. Consequentemente, os números intermediários da
sequência adquirida vão se manifestando como intermediários entre conceitos e sensações.

Portanto, temos postulado que os números como idéias positivas ou temas mentais se
manifestaram pela primeira vez, de forma mais ou menos consciente na mente humana, há
aproximadamente 200.000 anos atrás. Quanto à manifestação explicita e integral dos números
inteiros absolutos ou dos números naturais, por meio de uma teoria, ela começou a ocorrer na
humanidade somente no século VI a.C. Nesta época Pitágoras e os pitagóricos começaram a teorizá-
los, enunciando os pares de conceitos opostos: limitado e ilimitado, ímpar e par, uno e múltiplo, e
outros; além de outros conceitos importantes da Teoria dos Números, tais como: números primos e
números compostos. Porém uma teorização formal para estes números foi ocorrer, ao que parece,
somente em 1.889. Neste ano Giuseppe Peano apresentou em sua obra de aritmética os seus
famosos axiomas.

8.3.1 Axiomas de Peano

Reescrevendo os axiomas de Peano em uma linguagem mais natural, temos:

1. Todo número natural possui um único sucessor, que também é um número natural.
2. Números naturais diferentes possuem sucessores diferentes, ou ainda: números que têm o
mesmo sucessor são iguais.
42
3. Existe um único número natural que não é sucessor de nenhum outro. Este número é
representado pelo símbolo 1 e chamado de “número um”.
4. Se um conjunto de números naturais contém o número 1 e, além disso, contém o sucessor
de cada um de seus elementos, então esse conjunto coincide com N, isto é, contém todos os
números naturais.
(SOARES, 2010, p. 25)

8.4 ADIÇÃO E SUBTRAÇÃO

“A adição é a operação mais simples e da qual todas as outras dependem. A idéia adicionar ou
somar está já incluída na própria noção de número natural – o que é a operação elementar de
passagem de um número ao seguinte, senão a operação de somar uma unidade a um número?”
(CARAÇA, 1998, p. 16). A adição surgiu, primitivamente, como a operação elementar n + 1, onde
n é um número natural qualquer. Primitivamente, a adição é sucessão. E sucessão é a operação
elementar onde dado um número natural, resulta-se o seu sucessor.

Kant disse que o número, como esquema de um conceito puro do entendimento, nasce da
intuição pura de tempo. Se o tempo é, em essência, sucessão, então a adição é, em essência, o
tempo, e o número o é também. Segundo Kant, o número é uma determinação a priori de tempo
segundo regras que se referem à série do tempo. “[O] número [...] é uma representação que enfeixa
a sucessiva adição de um a um [...]. Portanto, o número não é senão a unidade da síntese do
múltiplo de uma intuição homogênea em geral, mediante o fato de que produzo o próprio tempo na
apreensão da intuição.” O número “contem e faz representar a produção [...] do próprio tempo na
apreensão sucessiva de um objeto [...].” (KANT, 1998, p. 102-103) E a intuição pura de tempo
surgiu, como vimos, com o homo sapiens.

Se o número e a adição estão fundidos um ao outro, então a adição como idéia positiva ou
tema mental começou a se manifestar na mente humana também a partir de aproximadamente
200.000 anos atrás. Quanto à subtração, ela nada mais é que a operação inversa da adição. A
subtração surgiu, primitivamente, como a operação elementar n – 1, onde n é um número natural
qualquer. Primitivamente, a subtração é antecessão. E antecessão é a operação elementar onde dado
um número natural, resulta-se o seu antecessor. A subtração como idéia positiva ou tema mental
começou a se manifestar na mente humana a partir de quando o homem considerou a sequência
numérica de forma inversa. Este acontecimento foi a primeira prova real numérica da humanidade.
Para checar se avançou corretamente na sequência numérica, o homem arcaico regressou na
43
sequência, dando origem a subtração. Este acontecimento deve ter começado a se manifestar
positivamente não muito depois de aproximadamente 200.000 anos atrás.

8.5 REPRESENTAÇÃO DOS NÚMEROS

O número começa a se manifestar plenamente na consciência de um ser quando ele começa a


desenvolver o pensamento desconectado e, consequentemente, a linguagem. Segundo Devlin (2008,
p. 215) “com o pensamento desconectado temos a linguagem, e [...], quando temos a linguagem
juntamente com um senso numérico, temos a capacidade numérica”, ou seja, o número como idéia
positiva ou tema mental. Nossa explicação para isso é a seguinte. Os objetos do senso numérico,
quando são captados por uma “mente desconectada”, ativam uma resposta exterior ou uma
representação sensível. Primeiramente, a representação falada, depois a representação gestual (a
princípio por meio dos dedos da mão), depois a representação por meio de qualquer conjunto de
objetos independentes do corpo (por exemplo, pedrinhas ou quaisquer conjuntos de objetos
semelhantes e facilmente manipuláveis) e por último aquela representação mais permanente: a
escrita (que na sua forma mais primitiva consiste em impressões no chão, na parede, em pedras, em
ossos, em paus ou em qualquer mídia primitiva).47 Todos estes representantes ou símbolos sensíveis
de uma mente desconectada são respostas corporais desta mente. Considerando também o processo
de produção destas respostas, temos o que chamamos de linguagem.

À medida que o ser humano vai representando sensivelmente os números por meio de
qualquer tipo de numeral,48 ele vai adquirindo sustentação exterior para mergulhar em seu próprio
interior e se conscientizar dos números já sentidos por meio do senso numérico. Assim, ele vai
avançando na sequência numérica: primeiro um número sucessor se manifesta como sensação e,
progressivamente, vai se manifestando como conceito. Por outro lado, à medida que o ser humano
vai mergulhando em seu próprio interior e se conscientizando dos números, ele vai representando
sensivelmente estes números. Os elementos que resultam da representação dos números são os
representantes ou símbolos dos números, ou seja, os numerais.

Então símbolos mais ou menos sensíveis e arbitrários para os números surgiram pela primeira
vez na humanidade também há aproximadamente 200.000 anos atrás.49 Deste momento inicial da
numeração até o surgimento de símbolos escritos abstratos, se passou muito tempo. Os numerais
47
Postulamos esta ordem para o processo de exteriorização dos números, por a considerarmos lógica, mas também
baseados nas referências.
48
Falas, gestos, conjuntos de objetos, impressões, etc.
49
Provavelmente estes símbolos, no início, não passavam de falas primitivas, a princípio para “um” e “muitos”. “Os
primeiros símbolos foram, provavelmente, transmitidos por signos orais ou gestuais [...]” (ALMEIDA, 2011, p. 140).
44
evoluíram de primitivas falas, passando por várias formas intermediárias, até numerais formados
por algarismos impressos em tabletes de argila. Este último acontecimento – a numeração escrita
abstrata – ocorreu pela primeira vez na humanidade aproximadamente em 3.500 a.C. na Suméria e
no Elam.

Queremos classificar as representações numéricas em dois tipos principais, segundo as


definições a seguir: 1) contagem e 2) sistema de numeração. Ambos são chamados de “numeração”,
de “representação dos números” ou de “formação de numerais”. Definimos a contagem como
numeração primitiva ou numeração de base um. E o sistema de numeração como numeração
sistemática ou numeração de base dois ou de base maior.

8.5.1 Contagem

A contagem é a primeira forma de representação dos números, de numeração ou de formação


de numerais. É um acontecimento matemático que surgiu simultaneamente com o surgimento de
outro: o número como idéia positiva ou tema mental. Enquanto a contagem é a primeira
manifestação sensível do número, o número é a primeira manifestação matemática na consciência
humana. O número, como idéia positiva ou tema mental, é o conceito que permite aos sentidos
exteriores conceberem a matéria indefinida como um conjunto de objetos definidos. Na contagem,
enquanto o número da mente vai definindo os objetos dos sentidos exteriores, o corpo vai
respondendo ao número com numerais.

As primeiras formas de numerais foram, provavelmente, falas primitivas, ou seja, numerais


falados, a princípio muito primitivos. No paleolítico médio o homem arcaico começou a representar
os números pela fala, representando primeiramente a sua consciência da distinção entre “um” e
“muitos”. Cremos que neste período (de aprox. 200.000 a 45.000 anos atrás) o homem arcaico não
ultrapassou o nível pré-aritmético, onde os únicos numerais eram falas primitivas.

Conjecturamos que os dedos das mãos, como numerais gestuais, surgiram posteriormente, no
paleolítico superior, para ampliar a representação numérica e atender a necessidade de contar
conjuntos ainda no limite do dez. Em seguida, para contar conjuntos ainda reduzidos, surgiram,
como numerais calculi, os conjuntos de objetos semelhantes e facilmente manipuláveis (pedrinhas,
etc). E em seguida surgiram, como numerais escritos primitivos, as impressões em mídias
primitivas (chão, parede, pedra, osso, pau, etc). Todas estas formas de numeração são ainda
primitivas, não passam de contagens, de numerações de base um, onde o único processo aritmético
45
é a correspondência um a um. Cremos que neste período (de aprox. 45.000 a 12.000 anos atrás) o
homem primitivo não ultrapassou o nível proto-aritmético.

8.5.2 Base

Quando se tornou necessário efetuar contagens mais extensas, o processo de contar teve de
ser sistematizado. Isso foi feito dispondo-se os números em grupos básicos convenientes,
sendo a ordem de grandeza desses grupos determinada em grande parte pelo processo de
correspondência empregado. Esquematizando-se as idéias, o método consistia em escolher
um certo número b como base e atribuir nomes aos números 1, 2, ..., b. Para os números
maiores do que b os nomes eram essencialmente combinações dos nomes dos números já
escolhidos. (EVES, 2004, p. 27)

O um é a base de todos os números e, consequentemente, de toda numeração. Porém o


conceito base é empregado, especificamente, para se referir a uma base auxiliar num sistema de
numeração, sempre maior que um. A base um constitui a unidade fundamental, ou unidade de
primeira ordem de toda numeração. Já a base auxiliar, ou base do sistema de numeração, constitui a
unidade de segunda ordem dum sistema de numeração e define a base distintiva deste sistema.
Conjecturamos que num primeiro momento, um sistema de numeração possui apenas a unidade de
primeira ordem – o um – e a unidade de segunda ordem – a base do sistema. E por adição das
unidades de primeira ordem – os múltiplos de um – com as unidades de segunda ordem – os
múltiplos da base do sistema – formam-se todos os numerais menores que a unidade de terceira
ordem.

8.5.3 Sistema de numeração

O sistema de numeração é a forma sistemática de representação dos números, de numeração


ou de formação de numerais. Enquanto a contagem é a numeração de base um, onde representa-se
os números de um em um, o sistema de numeração é a numeração de base dois ou de base maior,
onde representa-se os números também de dois em dois, ou de três em três, ou de quatro em quatro,
etc. Postulamos que esta numeração sistemática surgiu com o surgimento do neolítico, há
aproximadamente 12.000 anos atrás. Consideramos este um estágio essencialmente distinto do
estágio anterior, onde ocorria apenas a simples contagem primitiva. Porém um sistema de
numeração bem aprimorado começou a surgir somente no final da idade antiga, na Índia. Foi
aprimorado e difundido durante a idade média pelos árabes e, a partir da idade moderna, começou a
ganhar o mundo, como uma linguagem universal. Trata-se do sistema de numeração posicional
decimal indo-arábico.
46
8.6 MULTIPLICAÇÃO E DIVISÃO

Sabemos que a passagem do paleolítico para o neolítico constituiu também a passagem de


uma forma de sociedade para outra, bem distinta. No paleolítico o homem primitivo era nômade,
caçava animais, coletava vegetais, produzia ferramentas de pedra lascada e adaptava-se a natureza.
Já no neolítico ele se tornou sedentário, começou a plantar, a domesticar animais, a produzir
ferramentas de pedra polida e a adaptar a natureza as suas necessidades. A partir daí, cada
coletividade humana começou a crescer significativamente, bem como o número de ferramentas
produzidas, de vegetais colhidos, de animais abatidos, etc. A administração e contabilidade destas
coisas exigiram que o homem primitivo avançasse significativamente na sequência numérica,
abstraindo mais os números, representando-os de forma mais sistemática e realizando operações
além das simples adições e subtrações de unidades, ou seja, além da contagem um a um. “Não
devemos esperar encontrar na Matemática Paleolítica conceitos [...] elementares como
multiplicações e divisões” (ALMEIDA, 2009, p. 115). Por isso postulamos que no paleolítico o ser
humano apenas adicionava e subtraía. A multiplicação e a divisão surgiram, então, no neolítico com
o advento da “multiplicação dos objetos do cotidiano humano” e da “divisão dos mesmos entre os
indivíduos de uma coletividade maior”.

O surgimento, pela primeira vez, da base dois constitui um novo grau operatório, pois contar
de dois em dois já é, além de adicionar parcelas iguais, também multiplicar. A multiplicação surgiu,
primitivamente, como a obtenção do múltiplo de um número natural qualquer. Primeiramente, a
obtenção dos múltiplos de dois50, ou seja, 2n = n + n, onde n é um número natural qualquer. Em
seguida, a obtenção dos múltiplos de três, ou seja, 3n = n + n + n, onde n é um número natural
qualquer. E assim por diante. Então a multiplicação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana também a partir de aproximadamente 12.000 anos atrás, quando
então surgiu a idéia de uma base auxiliar para a numeração e, com isso, a numeração sistemática.
Estes acontecimentos simultâneos constituíram o surgimento de uma nova mentalidade, que é o
nível aritmético baseado em símbolos.51 A princípio este estágio aritmético se manifestou como
nível de sistemas de símbolos dependentes do contexto.

Quanto à divisão, ela nada mais é que a operação inversa da multiplicação. A divisão surgiu,
primitivamente, como a obtenção do fator de um múltiplo. Primeiramente, a obtenção do fator de
um múltiplo de dois, ou seja, 2n ÷ 2 = n, onde n é um número natural qualquer. Em seguida, a

50
Pois os múltiplos de um já haviam surgido com os próprios conceitos primitivos de multiplicidade e de sucessão.
51
Aqui os símbolos já representavam números abstratos maiores que um, e não apenas a unidade, que cada dedo,
pedrinha ou entalhe representava na correspondência um a um.
47
obtenção do fator de um múltiplo de três, ou seja, 3n ÷ 3 = n, onde n é um número natural qualquer.
E assim por diante. Por exemplo, digamos que um homem conte de dois em dois, ou seja, obtenha
múltiplos de dois; então ele pode desfazer estas multiplicações e obter os fatores destes múltiplos. A
divisão como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana a partir de
quando o homem desfez a obtenção de um múltiplo. Para checar se obteve um múltiplo
corretamente, o homem primitivo desfez esta multiplicação, dando origem a divisão. Este
acontecimento deve ter começado a se manifestar positivamente não muito depois de
aproximadamente 12.000 anos atrás. Neste período os resultados das divisões eram sempre números
inteiros. Cremos que no neolítico não se passava pela mente humana a possibilidade de um número
não-inteiro, pois esta concepção exigiria uma abstração além daquela que eles possuíam.

8.7 POTENCIAÇÃO, RADICIAÇÃO E LOGARITMAÇÃO

Conjecturamos que a potenciação surgiu, primitivamente, com o surgimento de uma unidade


de terceira ordem de um sistema de numeração, ou seja, como a obtenção da potência de uma base
de um sistema de numeração. Primeiramente, a obtenção da segunda potência de uma base
(potência de segundo grau de uma base ou o quadrado de uma base), ou seja, b² = b · b, onde b é
uma base qualquer. Em seguida, a obtenção da terceira potência desta base (potência de terceiro
grau desta base ou o cubo desta base), ou seja, b³ = b · b · b, onde b é uma base qualquer. E assim
por diante, foram obtidas as potências de graus maiores desta base. A partir daí, por generalização, a
própria base torna-se a primeira potência desta base ou a potência de primeiro grau desta base, ou
seja, b1 = b, onde b é uma base qualquer. E o um torna-se a potência de zero grau de uma base
qualquer, ou seja, b0 = 1, onde b é uma base qualquer.

Cremos que no neolítico os sistemas de numeração não atingiram este nível que envolve
unidades de ordem superior a segunda ou potências de uma base. O surgimento, pela primeira vez,
da segunda potência de uma base constitui um novo grau operatório, pois multiplicar um número
por ele mesmo já é, além de multiplicar fatores iguais, também elevar a um expoente. Postulamos
que a potenciação como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana
aproximadamente em 3.500 a.C. na Suméria, no Elam e no Egito, quando surgiram os seus sistemas
de numeração abstratos. (IFRAH, 2005, p. 130-180) Então a numeração escrita abstrata e a
potenciação surgiram simultaneamente no início da antiguidade pré-clássica. Estes acontecimentos
inauguraram o nível de sistemas de símbolos abstratos.
48
Posteriormente, por generalização, o homem antigo começou a obter o quadrado de um
número qualquer52, ou seja, n², onde n é um número qualquer. Dado o comprimento de um
segmento de reta qualquer, ele pode obter a área do quadrado construído sobre este segmento de
reta. Em seguida ele começou a obter o cubo de um número qualquer, ou seja, n³, onde n é um
número qualquer. Dado o comprimento de um segmento de reta qualquer, ele pode obter o volume
do cubo construído sobre este segmento de reta. “Supõe-se que os babilônios53 se utilizavam dos
cálculos de quadrados e cubos [...]” (GALVÃO, 2008, p. 48). Talvez na antiguidade pré-clássica a
potenciação não tenha ultrapassado a obtenção de números quadrados e números cubos. Mas por
generalização, em algum momento, a potenciação se constituiu também na obtenção de potências
de graus maiores. Porém é fato que, no início, a potenciação se resumia a obtenção de potências
perfeitas, ou seja, potências de termos inteiros.

Quanto à radiciação, ela nada mais é que uma operação inversa da potenciação. A radiciação
surgiu, primitivamente, como a obtenção da base de uma potência. Primeiramente, a obtenção da
base de um número quadrado qualquer54 ou a obtenção do comprimento do lado de um quadrado de
área dada, ou seja, ²√n² = n, onde n é um número qualquer. Em seguida, a obtenção da base de um
número cubo qualquer55 ou a obtenção do comprimento da aresta de um cubo de volume dado, ou
seja, ³√n³ = n, onde n é um número qualquer. Por exemplo, digamos que um homem tenha
registrado apenas um número quadrado ou a área de um quadrado; então ele pode obter a base deste
número quadrado ou o comprimento do lado deste quadrado. O mesmo pode acontecer com um
número cubo ou o volume de um cubo. A radiciação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana a partir de quando o homem desfez a obtenção de uma potência.
Dada uma potência, o homem antigo desfez a obtenção desta potência, dando origem a radiciação.
Este acontecimento deve ter começado a se manifestar positivamente não muito depois de
aproximadamente 3.500 a.C. “O cálculo de raízes quadradas também era conhecido pelos
babilônios [...]” (GALVÃO, 2008, p. 48). Talvez na antiguidade pré-clássica a radiciação não tenha
ultrapassado a obtenção de raízes56 de números quadrados e de números cubos. Mas por
generalização, em algum momento, a radiciação se constituiu também na obtenção de raízes de
potências de graus maiores. Porém é fato que, no início, a radiciação se resumia a obtenção de
raízes de potências perfeitas, ou seja, raízes inteiras.

52
A princípio de números naturais.
53
A Babilônia surgiu no final do terceiro milênio a.C.
54
A princípio de números quadrados perfeitos.
55
A princípio de números cubos perfeitos.
56
Bases.
49
Quanto à logaritmação, ela nada mais é que a outra operação inversa da potenciação. A
logaritmação surgiu, primitivamente, como a obtenção do grau de uma potência. Primeiramente, a
obtenção do grau dois, quando dado um número qualquer57 e a sua segunda potência ou dado o
comprimento de um segmento de reta qualquer e a área do quadrado construído sobre ele, ou seja,
log n n² = 2, onde n é um número qualquer. Em seguida, a obtenção do grau três, quando dado um
número qualquer e a sua terceira potência ou dado o comprimento de um segmento de reta qualquer
e o volume do cubo construído sobre ele, ou seja, log n n³ = 3, onde n é um número qualquer. Por
exemplo, digamos que um homem tenha registrado apenas um número e uma potência sua ou o
comprimento de um segmento de reta e a medida de um quadrado ou de um cubo construído sobre
este segmento de reta, sem saber qual o grau desta potência ou qual o número de dimensões desta
medida58; então ele pode obter o número de vezes que este número ou que o comprimento deste
segmento de reta precisa ser multiplicado por ele mesmo para resultar nesta potência ou nesta
medida, e assim descobrir o grau desta potência ou número de dimensões desta medida, ou seja, o
logaritmo desta potência nesta base. A logaritmação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana a partir de quando o homem obteve o grau de uma potência. Dada
uma potência e uma base, o homem antigo obteve o número de vezes que esta base precisava ser
multiplicada por ela mesma para resultar nesta potência, dando origem a logaritmação. Talvez este
acontecimento tenha começado a se manifestar positivamente ainda na antiguidade pré-clássica.
Quanto à manifestação explícita e integral dos logaritmos, por meio de uma teoria, ela começou a
ocorrer na humanidade, ao que parece, somente no século XVII, principalmente com John Napier.
(EVES, 2004, p. 341-347)

8.8 NÚMEROS FRACIONÁRIOS ABSOLUTOS

Quando um número inteiro não é divisível59 por outro e é necessário dividi-lo exatamente por
este outro número, surge a necessidade de um novo tipo de número que não seja inteiro para ser o
resultado desta divisão. Por exemplo, 3 ÷ 2 = f, onde f é um número não-inteiro. Então, a partir
deste tipo de divisão, surge o número fracionário. Postulamos que o número fracionário como idéia
positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana também aproximadamente em
3.500 a.C. – no início da antiguidade pré-clássica.

57
A princípio números naturais.
58
Se a medida for a área de um quadrado, tem duas dimensões; se for o volume de um cubo, tem três dimensões.
59
Ser divisível é o mesmo que ser múltiplo.
50
8.8.1 Fração

A fração é a primeira forma de representação de números fracionários e surgiu no início da


antiguidade pré-clássica. “No neolítico [o] uso de frações era perfeitamente dispensável, bastava se
considerar a fração em pauta como uma nova unidade” (ALMEIDA, 2011, p. 273). “Os homens da
Idade da Pedra não usavam frações, mas com o advento de culturas mais avançadas durante a Idade
do Bronze parece ter surgido a necessidade do conceito de fração e de notação para frações”
(BOYER, 1996, p. 9). A palavra fração é a origem da palavra número fracionário, obviamente, pois
as frações originais representavam apenas números fracionários. Parece que o primeiro tipo de
fração a surgir foi a fração unitária, ou seja, fração cujo numerador é um. Esta surgiu, ao que
parece, no Egito Antigo, na segunda metade do quarto milênio a.C. “[Os] egípcios, em 3.000 a.C.,
já realizavam cálculos com frações unitárias” (GAYO, 2010, p. 68).

Depois de um tempo a representação fracionária foi sendo generalizada e passou a representar


qualquer número racional (fracionário ou inteiro). Na Grécia Antiga, do século III a.C., já
encontramos esta generalização, quando então iniciou-se a teorização dos números racionais. “[A]
ciência antiga da aritmética não admitiu sua existência [das frações] até o tempo de Arquimedes.”60
[...] “Os gregos, resumindo, reconheciam apenas os números inteiros como números. Frações eram
consideradas como quocientes de números inteiros. Operavam, portanto, apenas com os números
hoje conhecidos como racionais.” (ALMEIDA, 2011, p. 230-231) Mais tarde, no século XVI d.C., a
partir do sistema de numeração posicional decimal indo-arábico – que a princípio representava
apenas números inteiros – e a partir de frações decimais, surgiu uma forma mais cômoda de
representação de números fracionários, bem como de números irracionais. Neste sistema, tais tipos
de números foram representados genericamente por numerais decimais. (IFRAH, 2005, p. 326-329)

8.8.2 Números racionais absolutos

Então o número racional como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na
mente humana no início da antiguidade pré-clássica. Porém uma teorização formal – explícita e
integral – para este tipo de número foi ocorrer, ao que parece, somente na modernidade, apesar de
ter-se iniciado já na antiguidade clássica. A seguir, iremos parafrasear uma teorização moderna para
os números racionais, feita em 1.941 por Bento de Jesus Caraça.

60
287-212 a.C.
51
Só por acaso a unidade se contém um número inteiro de vezes na grandeza a medir. Como
então fazer para exprimir ainda numericamente a medição de uma grandeza com uma unidade de
medida quando esta não se contém um número inteiro de vezes na grandeza a medir? Dividamos a
unidade de medida num número de partes iguais o suficiente para que cada uma delas caiba um
número inteiro de vezes na grandeza a medir. Que pode dizer-se da medida da grandeza a medir
em relação à antiga unidade de medida? Dizemos que a medida é dada pela razão do número de
vezes que a nova unidade se contém na grandeza a medir pelo número de vezes que a mesma se
contém na antiga unidade de medida. Mas essa razão não existe em números inteiros, visto que o
primeiro número desta razão não é divisível pelo segundo. (CARAÇA, 1998, p. 33)

Estamos em face de um dilema. Uma de duas: Ou renunciamos a exprimir numericamente a


medição da grandeza a medir com a antiga unidade de medida. Ou desejamos poder exprimir
sempre a medida por um número e então temos que reconhecer que o instrumento numérico até
aqui conhecido – o conjunto dos números inteiros – é insuficiente para tal e há que completá-lo,
aperfeiçoá-lo neste sentido. Como? Em geral, sempre que feita a subdivisão da unidade em n
partes iguais, uma dessas partes caiba m vezes na grandeza a medir, a dificuldade surge sempre
que, e só quando, m não seja divisível por n, isto é, no caso da impossibilidade da divisão exata em
números inteiros. Se queremos resolver a dificuldade, devemos criar um novo campo numérico de
modo que com os novos números sejam abrangidas todas as hipóteses de medição e que eles se
reduzam aos números inteiros sempre que a grandeza a medir contenha um número inteiro de vezes
a unidade de medida. (CARAÇA, 1998, p. 34-35)

Definição de número racional: Sejam uma grandeza a medir e uma unidade de medida, em
cada um dos quais se contém um número inteiro de vezes uma subunidade u: a grandeza a medir
contém m vezes e a unidade de medida contém n vezes a subunidade u. Diz-se, por definição, que a
medida da grandeza a medir, tomando a dada unidade de medida, é o número m/n, quaisquer que
sejam os números inteiros m e n; se m for divisível por n, o número m/n coincide com o número
inteiro que é quociente da divisão; se m não for divisível por n, o número diz-se fracionário. O
número m/n diz-se, em qualquer hipótese, racional – ao número m chama-se numerador e ao
número n denominador. (CARAÇA, 1998, p. 35)

Encontramo-nos com um novo conjunto numérico, o conjunto dos números racionais, ou o


campo racional – que compreende o conjunto dos números inteiros e mais o formado pelos
números fracionários; estes são, de fato, os números novos. (CARAÇA, 1998, p. 36)
52
8.9 NÚMEROS IRRACIONAIS ABSOLUTOS

Já mencionamos que a matemática é a mais antiga ciência, sendo, então, a mais fundamental.
Isso significa que uma mudança de paradigma na matemática corresponde também a uma mudança
de paradigma na ciência geral. Sabemos que o início da antiguidade clássica constituiu também o
surgimento de uma nova mentalidade, que é o nível aritmético teórico. De fato, na Grécia do século
VI a.C. surgiu o pensamento racional, a teoria, e com isso, a Filosofia e a Ciência Teórica. Esta
mentalidade consistia essencialmente em “demonstrar os juízos enunciados a partir de juízos já
aceitos como verdadeiros” e, incluía também, “definir os conceitos enunciados a partir de conceitos
mais primitivos”. Essa nova mentalidade foi ditada pela matemática, e a Escola Pitagórica foi a
maior responsável pela sua fundação. A princípio este estágio aritmético61 se manifestou como nível
de dedução em linguagem natural. Cremos que os números irracionais se manifestaram na mente
humana apenas neste estágio. Ironicamente, os irracionais somente podem ser percebidos por uma
mente puramente racional – como a que surgiu neste período – e não por uma mente
predominantemente empírica – como a que existia antes deste período.

Quando um número inteiro não é uma potência perfeita62 e é necessário dele extrair
exatamente uma raiz de índice inteiro, surge a necessidade de um novo tipo de número que não seja
inteiro para ser o resultado desta radiciação. Por exemplo, √2 = i, onde i é um número não-inteiro.
Então, a partir deste tipo de radiciação, surge o número irracional. Porém os números irracionais
não são obtidos apenas a partir da radiciação.63 Ao que parece, o número irracional como idéia
positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana no século V a.C. dentro da
Escola Pitagórica, com Hipaso de Metaponto. (BOYER, 1996, p. 50)

É lógico aceitar que o primeiro número irracional manifesto foi a raiz quadrada de dois.
Quando é dado um quadrado de área 2, o comprimento do seu lado é √2 = 1,4142... . As suas duas
diagonais determinam quatro triângulos retângulos isósceles, cada um com catetos de medida 1 e
hipotenusa de medida √2. Naquele tempo surgiu o problema de medir esta hipotenusa usando a
medida de um dos catetos como unidade de medida, e concluiu-se que a medida procurada não
poderia ser um número racional. “Sempre que dois segmentos de recta estão nesse caso, diz-se que
eles são incomensuráveis (o que quer dizer que não têm medida comum)” (CARAÇA, 1998, p. 52).

61
E não é exagero reduzir a ciência positiva à aritmética. Pois como dizia Gauss, a aritmética é a rainha da matemática e
esta é a rainha da ciência.
62
Potência de termos inteiros.
63
Por exemplo, o número π = 3,1415..., que é a medida de uma circunferência em relação ao seu diâmetro.
53
8.9.1 Demonstração da irracionalidade de √2

Suponhamos, então, que √2 seja um número de forma a/b, com a e b inteiros, e que esta
fração esteja reduzida à sua forma mais simples, ou seja, a e b não tenham fatores em comum.
Assim:

a/b = √2

a²/b² = 2 → a² = 2b²

Significa que a² é um número par, de onde se conclui que a também é par, digamos 2p. Dessa
forma:

(2p)² = 2b² → 4p² = 2b² → 2p² = b²

Essa igualdade indica que b² é par, ou seja, que b é par. Logo, a e b são pares, mas isto é uma
contradição com nossa hipótese inicial de que a e b não têm fatores comuns.

(GARBI apud GAYO, 2010, p. 71)

8.9.2 Números reais absolutos

Então o número real como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente
humana no início da antiguidade clássica. Porém uma teorização formal – explícita e integral – para
este tipo de número foi ocorrer, ao que parece, somente na idade contemporânea. Em 1.872 Richard
Dedekind enunciou um axioma para a continuidade em sua obra que tratava deste tema e dos
números irracionais. Antes de apresentá-lo, precisamos definir corte, e depois apresentaremos,
então, a definição de número real.

Definição de corte: Seja [...] uma recta e um ponto P sobre ela; é evidente que em
relação ao ponto P, todos os pontos da recta se repartem em duas classes: a classe (A), dos
pontos que estão à esquerda de P, e a classe (B), dos pontos que estão à direita de P. O
próprio ponto P, que produz a repartição, pode ser colocado indiferentemente na classe (A)
ou na classe (B). Sempre que, numa recta, se tem uma repartição dos seus pontos em duas
classes (A) e (B) satisfazendo às duas condições: 1) nenhum ponto escapa à repartição; 2)
todo ponto da classe (A) está à esquerda de todo ponto da classe (B) – diz-se que se tem um
corte, do qual (A) e (B) são as classes constitutivas [...]. Pelo que vimos acima, podemos
afirmar que todo o ponto P da recta produz nela um corte. (CARAÇA, 1998, p. 56)

Axioma da continuidade de Dedekind: “se uma repartição de todos os pontos da recta em


duas classes é de tal natureza que todo o ponto de uma das classes está à esquerda de todo o ponto
54
da outra, então existe um e um só ponto pelo qual é produzida esta repartição de todos os pontos
em duas classes, ou esta decomposição da recta em duas partes” (DEDEKIND apud CARAÇA,
1998, p. 57).

Definição de número real: “chamo número real ao elemento de separação das duas classes
dum corte qualquer no conjunto dos números racionais; se existe um número racional a separar as
duas classes, o número real coincidirá com esse número racional; se não existe tal número, o
número real dir-se-á irracional” (CARAÇA, 1998, p. 60).

8.10 ZERO

Quando o homem pensou pela primeira vez no zero como resultado de uma operação com
números? Certamente quando subtraiu um número dele mesmo, ou seja, quando efetuou n – n, onde
n é um número qualquer. Achamos óbvio pensar que a primeira operação deste tipo foi 1 – 1. Note
que no princípio o homem primitivo não concebia o zero nestas operações, pois ele considerava-as
simplesmente operações sem resultados. Se ele subtraia os elementos de um conjunto, não restava
conjunto algum, ou seja, não resultava número nenhum. Portanto não resultava o zero como
número, pois não havia resultado numérico. Então o zero ainda não era concebido como número.

Note que apenas depois de surgir todos os números reais absolutos a partir do um, o homem
retornou ao um, de forma consciente, e subtraiu do um ele mesmo, ou seja, 1 – 1, dando origem ao
zero. Então o zero surgiu da subtração, como antecessor do um. Primeiramente, na antiguidade
clássica, o zero surgiu como um algarismo para reservar uma posição vazia em um numeral de um
sistema de numeração posicional64, e não como um conceito abstrato – como um número. (IFRAH,
2005, p. 261-262) O zero como número, ou seja, como idéia positiva ou tema mental começou a se
manifestar na mente humana, ao que parece, talvez já no final da antiguidade clássica, mas com
certeza no início da idade média, na Índia. No século VII d.C., por meio dos matemático da Índia, o
zero “já significava indistintamente “vazio” ou “nada”, tendo sido enriquecido pela aquisição do
sentido que atribuímos hoje à “quantidade nula” ou “número zero” [...]” (IFRAH, 2005, p. 293).
Porém é provável que o zero, como número, e não apenas como algarismo, tenha surgido já há
alguns séculos antes em algum lugar da Terra. O que postulamos é que somente depois de o homem
explorar os números reais absolutos, ao menos introdutoriamente, é que foi surgir em sua mente o
zero como idéia positiva ou tema mental.

64
E mesmo assim o zero ainda não era usado plenamente como algarismo em todas as posições de um numeral.
Geralmente não era usado ainda para representar a ausência de unidades de primeira ordem.
55

8.11 NÚMEROS NEGATIVOS

Então depois de surgir todos os números reais absolutos e o zero, o homem prosseguiu com a
operação de antecessão, aplicando-a primeiramente ao zero, em seguida ao seu antecessor, etc.
Assim surgiram os números negativos, ou seja, por meio da subtração sucessiva da unidade.
Primeiramente surgiram os números negativos inteiros, e depois, por generalização, surgiram os
números negativos fracionários e irracionais, enfim, os números negativos reais. Generalizando o
processo, os números reais negativos surgiram ao subtrair-se do zero cada número real absoluto, ou
seja, 0 – r = -r, onde r é um número real absoluto qualquer e -r o seu oposto. O oposto de um
número é aquele número que está a mesma distância numérica do zero, porém em sentido oposto. O
conjunto dos números reais negativos é formado pelos opostos de cada um dos números reais
absolutos. Em relação aos números negativos, os números absolutos passam a ser chamados de
números positivos, e o zero de número nulo. O termo negativo significa que um número negativo
nega um determinado número absoluto. Já o zero nega qualquer número absoluto.

Aproximadamente no século III a.C., “os chineses já faziam cálculos usando duas coleções de
barras de bambu, marfim ou ferro – uma de barras vermelhas para indicar os números positivos e
outra de barras pretas para indicar os números negativos” (PAIVA apud GAYO, 2010, p. 67).
Porém suspeitamos que nesta época, se ainda não havia surgido o zero como número, mas apenas
como algarismo, também os números negativos ainda não haviam surgido como números, mas
apenas como numerais, pois não é lógico que o número negativo tenha surgido antes do número
zero. Postulamos que o número negativo como idéia positiva ou tema mental começou a se
manifestar na mente humana talvez já no final da antiguidade clássica, mas com certeza no início da
idade média, logo em seguida ao surgimento do número zero.

8.12 APRIMORAMENTO DAS TEORIAS ARITMÉTICAS

Graças a isto [ao número zero], o matemático e astrônomo Brahmagupta pôde ensinar, numa
obra do ano de 628, o modo de efetuar simplesmente as seis operações fundamentais (adição,
subtração, multiplicação, divisão, elevação a potências e extração de raízes), em relação ao
que foi denominado “os bens”, “as dívidas” e “o nada”, isto é, em termos modernos, os
números positivos, negativos ou nulos. A álgebra moderna acabava de nascer, e o sábio
descobrira uma de suas regras fundamentais: uma dívida subtraída do nada torna-se um
bem, e um bem subtraído do nada torna-se uma dívida (o oposto de um número positivo é
negativo, e inversamente). (IFRAH, 2005, p. 293)

Foi a partir do final da idade antiga, na Índia, com o surgimento do seu sistema de numeração
posicional decimal, do número zero e dos números negativos, que se começou a ser aprimorada a
56
representação dos números, primeiramente dos números inteiros, e mais tarde dos números reais. E
por conta disso, se começou a ser aprimorado também os algoritmos das operações fundamentais.
Um maior aperfeiçoamento das representações e das teorias sobre os números reais e as operações
aritméticas foi ocorrendo progressivamente durante a idade média. E com o surgimento do nível de
dedução formal, no século XVII, seguiu-se um avanço ainda mais significativo na matemática
geral, culminando numa “explosão de conhecimento matemático”, a partir do final do século XIX.
Mas será que alguns dos objetos de nossa pesquisa65 já foram perfeitamente teorizados?

9 FECHAMENTO

Por fim, analisaremos brevemente o fechamento em cada etapa da evolução que expomos
neste texto. A propriedade fechamento diz que um conjunto é fechado para uma operação quando o
resultado desta operação entre elementos deste conjunto é ainda um elemento deste conjunto.
(WIKIPÉDIA, Fechamento, 2012d)

No princípio surgiram simultaneamente os números inteiros absolutos e a adição. Em seguida


surgiu a operação inversa da adição – a subtração. O conjunto dos números inteiros absolutos é
fechado para a adição, ou seja, a soma de dois números inteiros absolutos é sempre um número
inteiro absoluto. Mas não é fechado para a subtração; nem sempre é possível subtrair neste
conjunto, ou seja, nem sempre um número inteiro absoluto soluciona uma subtração. Este é o caso
quando o minuendo é menor ou igual ao subtraendo. A impossibilidade da subtração, nestes casos,
demanda a criação de um novo conjunto numérico.

Depois surgiu, a partir da adição, uma operação de grau superior – a multiplicação. Em


seguida surgiu a operação inversa da multiplicação – a divisão. O conjunto dos números inteiros
absolutos também é fechado para a multiplicação, ou seja, o produto de dois números inteiros
absolutos é sempre um número inteiro absoluto. Mas não é fechado para a divisão; nem sempre é
possível dividir neste conjunto, ou seja, nem sempre um número inteiro absoluto soluciona uma
divisão. Este é o caso quando o dividendo não é divisível pelo divisor. A impossibilidade da
divisão, neste caso, demanda a criação de um novo conjunto numérico.

Depois surgiu, a partir da multiplicação, uma operação de grau superior – a potenciação. Em


seguida surgiram as operações inversas da potenciação – a radiciação e a logaritmação. O conjunto

65
Por exemplo, números irracionais, radiciação e logaritmação.
57
dos números inteiros absolutos também é fechado para a potenciação, ou seja, a potência de termos
inteiros absolutos é sempre um número inteiro absoluto. Mas não é fechado para a radiciação e a
logaritmação; nem sempre é possível obter uma raiz ou um logaritmo neste conjunto, ou seja, nem
sempre um número inteiro absoluto soluciona uma radiciação ou uma logaritmação. Este é o caso
quando o radicando ou o logaritmando não são potências perfeitas. A impossibilidade da radiciação
ou da logaritmação, nestes casos, demanda a criação de um novo conjunto numérico.

Portanto o conjunto dos números inteiros absolutos é fechado para as operações diretas, mas
não para as inversas. Por conta das impossibilidades operatórias em certos casos das operações
inversas, surgiu a demanda de estender-se o conjunto dos números inteiros absolutos.

Então depois criou-se, a partir da divisão, o conjunto dos números racionais absolutos. Este
conjunto é fechado para a adição, a multiplicação e a divisão, mas não para a subtração, a
potenciação, a radiciação e a logaritmação.

Depois criou-se, a partir da radiciação e da logaritmação, o conjunto dos números reais


absolutos. Este conjunto é fechado para a adição, a multiplicação, a divisão, a potenciação, a
radiciação e a logaritmação, mas não para a subtração.

Depois criou-se, a partir da subtração, primeiramente o zero, que é o primeiro número criado a
partir da subtração. Em seguida criou-se, também a partir da subtração, o conjunto dos números
reais negativos, que é o conjunto dos números opostos de todos os números reais absolutos. Com a
criação dos números reais negativos surgiram novas impossibilidades operatórias, como por
exemplo, a raiz de índice par de números reais negativos.

O conjunto formado pelos números inteiros absolutos, pelo zero e pelos opostos dos números
inteiros absolutos é chamado de conjunto dos números inteiros. Este conjunto é fechado para as
operações: adição, subtração e multiplicação. O conjunto formado pelos números racionais
absolutos, pelo zero e pelos opostos dos números racionais absolutos é chamado de conjunto dos
números racionais. Este conjunto é fechado para as operações: adição, subtração, multiplicação e
divisão (exceto com divisor nulo). O conjunto formado pelos números reais absolutos, pelo zero e
pelos opostos dos números reais absolutos é chamado de conjunto dos números reais. Este conjunto
é fechado para as operações: adição, subtração, multiplicação, divisão (exceto com divisor nulo) e
potenciação (exceto com ambos os termos nulos).
58
10 CONCLUSÃO

Concluímos que a sequência natural em que os objetos pesquisados se manifestaram na


História é a seguinte:

1. Números inteiros absolutos, adição e subtração: surgiram no paleolítico médio (aprox. a


partir de 200.000 anos atrás);
2. Multiplicação e divisão: surgiram no neolítico (aprox. a partir de 12.000 anos atrás);
3. Potenciação, radiciação e logaritmação: surgiram na antiguidade pré-clássica (aprox. a
partir de 3.500 a.C.);
4. Números fracionários absolutos: surgiram na antiguidade pré-clássica (aprox. a partir de
3.500 a.C.);
5. Números irracionais absolutos: surgiram na antiguidade clássica (aprox. a partir de 450
a.C.);
6. Zero: surgiu na idade média (aprox. a partir de 500 d.C.);
7. Números negativos: surgiram na idade média (aprox. a partir de 500 d.C.).

No futuro, com o aprofundamento desta pesquisa, objetivamos uma sequência lógica de


aprendizagem individual destes objetos, fundamentada numa sequência natural de aprendizagem
coletiva dos mesmos.

REFERÊNCIAS

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