Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
História e Epistemologia
Fábio Lamim
Prof. Everaldo da Silva
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Licenciatura em Matemática (MAD 0045) – Trabalho de Graduação
14/05/2012
RESUMO
Esta pesquisa busca relatar a sequência natural em que os números reais e as operações
aritméticas se manifestaram na História. Concluímos que esta sequência é a seguinte: 1) números
inteiros absolutos, adição e subtração; 2) multiplicação e divisão; 3) potenciação, radiciação e
logaritmação; 4) números fracionários absolutos; 5) números irracionais absolutos; 6) zero; 7)
números negativos. Objetivamos, com esta sequência, entender as relações e a evolução conceitual
destes objetos e, assim, obter uma sequência lógica de aprendizagem dos mesmos.
1 INTRODUÇÃO
“Quanto ao uso da palavra matemática diz a tradição que isso teve origem com Pitágoras”
(PATERLINI, 2012), que a criou “para descrever suas atividades intelectuais” (BOYER, 1996, p.
33). Sabemos que no final do século VI a.C. Pitágoras fundou uma escola no sul da Itália. A Escola
Pitagórica era organizada “em forma de comunidade, com iniciações, linguagem simbólica, cercada
de mistérios e de segredos [...]” (SANTOS, 2000, p. 62). Ela foi “o primeiro modelo de uma
sociedade secreta e, [...] ao mesmo tempo, o primeiro modelo de uma sociedade aberta ao universal
[...]” (MATTÉI, 2000, p. 30). Para entrar na comunidade pitagórica, se fosse considerado digno, “o
noviço seria recebido na qualidade de discípulo exotérico: durante cinco anos de silêncio [...], o
postulante deveria escutar as lições sem nunca tomar a palavra nem ver o Mestre, que falava
dissimulado por uma cortina. [...] É só no fim desses anos de provas físicas e morais que alguém
poderia se tornar um discípulo esotérico e passar para o outro lado da cortina, para entrar
plenamente para a fraternidade” (MATTÉI, 2000, p. 34-35). Esta comunidade “era constituída
essencialmente de duas grandes classes: os “Acousmáticos” (“Ouvintes”) [...] e os “Matemáticos”
ou “Pitagóricos”, que trabalhavam no “conhecimento” verdadeiro (máthema) apenas sob a direção
do Mestre” (MATTÉI, 2000, p. 35). Deve-se a ele, Pitágoras, ou ao pitagorismo o ideal de
“conhecimento demonstrativo [...] que o Ocidente chama de “ciência” [...]” (MATTÉI, 2000, p. 30).
Então a palavra matemática foi criada para designar uma disciplina de conhecimento
considerada superior do ponto de vista intelectual, a ponto de ela exigir, por sua natureza,
necessariamente, uma iniciação, um engajamento, um estudo rigoroso, como condição para a sua
aprendizagem. Condição esta que é característica de uma disciplina mais abstrata e ao mesmo
tempo mais “científica”, do ponto de vista moderno. A sua abstração exige uma iniciação ao seu
estudo, lhe confere caráter de disciplina puramente escolar, e não de disciplina que se aprende fora
da escola, sem professor, que é o caso dos conhecimentos puramente sensoriais. A sua
4
cientificidade está no racionalismo, na lógica, na demonstração dos juízos, na teorização. Esta
forma de conhecimento se opõe aquela que é limitada aos dados dos sentidos e pouco sistemática.
Há um fragmento do Anatólios, preservado por Herón, nas suas Definições, que fala sobre o
nome matemática. Diz o fragmento: “Por um lado os peripatéticos, que afirmam da
retórica e da poética e da musica popular toda, ser possível alguém freqüentá-las sem
tê-las aprendido, por outro lado, afirmam ninguém aprender, como ciência ou
conhecimento, as coisas especialmente chamadas mathemata, não estando
primeiramente engajado no conhecimento dessas coisas.” [...] Para se fazer isso que se
chama matemática se precisa de um curso de estudo, ao passo que para a retórica e a poética
se pode fazer esse tipo de atividades sem ter feito um curso de estudo. (BICUDO, 2012)
Quanto à etimologia concluímos, em pesquisa anterior, que matemática deriva do termo grego
mathematike. Este é formado pela junção dos étimos gregos mathema e tekhne. O termo mathema,
por sua vez, é formado pela junção do étimo sânscrito man com o étimo grego thema. Estes termos
traduzem-se como mente (man), tema (thema) e técnica (tekhne). A palavra matemática significa,
segundo esta reconstrução, “técnica dos temas da mente”. (LAMIM, 2011)
Tanto mathema como mathesis tem sua origem no verbo manthanô (em gr. significa
aprender, estudar, instruir-se e também ser compreendido, aperceber). [...] No sânscrito e nas
raízes indo-européias de tais conceitos [...] man é um radical que entra na composição de
termos importantes, e tem sempre o sentido de pensamento, crença, imagem, conjetura.
(SANTOS, 2012a, p. 922)
Mathesis dá como conteúdo mathema, no genitivo mathematos, e esse radical ika aponta a
arte de fazer alguma coisa. [...] A palavra mathesis indica a ação de alcançar o pensamento
positivo. E o conteúdo dessa ação de captar os pensamentos positivos, o que dela resulta é a
mathema. E a arte ou ciência para obter os conteúdos do pensamento positivo é a
mathematika. (SANTOS, 2012a, p. 921-922)
1
Anglin, W. S. e Lambek, J., The Heritage of Thales. New York, Springer Verlag, 1995.
5
Mente (do lat. mens, do radical man, pensamento)2 – Intelecto, alma, espírito.3
Tema (do gr. thema, cujo genitivo é thematos que vem do radical dhe, colocar, é o que se coloca, o
que põe, thesis é a ação de por, de colocar) – Significa o que se coloca como objeto de estudo, de
reflexão, de desenvolvimento, de discussão.4
De fato, existe no grego clássico um verbo manthano que significa ‘aprender, instruir-se’.
Desse verbo derivam dois substantivos: o substantivo mathema [...] e o substantivo mathesis.
O sufixo ma, em geral, como de um substantivo derivado de um verbo, significa ‘o resultado
da ação expressa por aquele verbo’. Então mathema seria o ‘resultado da ação expressa pelo
verbo manthano, que é aprender’, o ‘resultado de aprender’, o ‘resultado da ação de
aprender’. Na verdade, no grego moderno, mathema significa ‘lição’. [...] De mathema se
deriva um adjetivo, cuja forma masculina é mathematikos e cuja forma feminina é
mathematike. O adjetivo era usado na forma feminina porque depois do adjetivo sempre era
usado o substantivo feminino tekhne, que significa ‘arte’. Então mathematike tekhne seria a
‘arte das coisas que são aprendidas ou que precisam ser aprendidas’. Depois de muito tempo
deixou-se de escrever o substantivo e o que era adjetivo transformou-se num substantivo.
(BICUDO, 2012)
Portanto o objeto matemático, o mathema, se traduz de diversas formas, todas com o mesmo
significado essencial: “temas mentais”, “conteúdos do pensamento positivo”, “resultado da ação de
aprender” e “coisas que são aprendidas”. Em suma, “objetos positivos da mente” ou “objetos
aprendidos”, onde objeto positivo é sinônimo de tema, e aprendido é sinônimo de mentalizado
positivamente.
Portanto concluímos que a natureza geral do objeto matemático é mental. Trata-se de objeto
mental, de idéia. “[...] lidar com a matemática envolve entrar num [...] mundo dentro da mente”
(DEVLIN, 2008, p. 150). “Genericamente podemos dizer que a matemática é sobre idéias”
(JANOS, 2009). A matemática “lida com idéias” (DEVLIN, 2008, p. 98). O conceito tema7 define
que a natureza específica do objeto matemático é positiva.8 Então traduzimos literalmente mathema
como tema mental, que é sinônimo de idéia positiva.
2
SANTOS, 2012a, p. 931.
3
CUNHA, 2007, p. 513.
4
SANTOS, 2012a, p. 1334.
5
SANTOS, 2012a, p. 1319.
6
CUNHA, 2007, p. 761.
7
Sinônimo de objeto positivo.
8
Positivo – Preciso, objetivo, afirmativo, real, fatual, evidente, claro, certo, útil.
6
Interessa-nos saber que, segundo Pitágoras, o suposto criador da palavra matemática, o objeto
de estudo da matemática é o número. Toda espécie de objeto matemático inclui-se no gênero
número. Segundo Pitágoras “tudo está arranjado segundo o número” e “todas as coisas se tornam
conhecidas pelos números”. Enunciavam os pitagóricos: “Que há de mais sábio? O número”.
Filolau, pensador pitagórico, disse que “todas as coisas, as que pelo menos são conhecidas, tem
número, pois não é possível que uma coisa qualquer seja ou pensada ou conhecida sem o número”.
(SANTOS, 2000, p. 75, 86 e 105) Immanuel Kant define número como objeto mental que
possibilita a aplicação do conceito puro de quantidade aos fenômenos em geral. (KANT, 1991, p.
99-104)9 Portanto concluímos que número é sinônimo de tema mental ou de idéia positiva.
Keith Devlin diz que o objeto matemático, na visão contemporânea, é o padrão, que é
definido como “qualquer tipo de regularidade que se pode imaginar na mente” (SAWYER, 1955,
p. 12 apud DEVLIN, 2008, p. 95). A definição de matemática a seguir também afirma a natureza
mental do objeto matemático e esclarece a sua função, mencionada por Filolau e Kant:
Seja como for, o fato é que a matemática aparece-nos como um corpo altamente
desenvolvido de conhecimento puramente racional – portanto independente da experiência –
sobre entidades abstratas apenas pensáveis, e de modo algum perceptíveis por meio dos
sentidos, que não obstante são capazes de oferecer meios para organizarmos os dados dos
sentidos e estruturarmos nossa experiência do mundo a ponto de podermos prever
experiências futuras. (SILVA, 2007, p. 29)
9
Número é um objeto mediador entre o entendimento e a sensibilidade. (KANT, 1991, p. 99-104)
7
Representar ou simbolizar objetos matemáticos é apresentar realidades sensíveis no lugar das
realidades mentais que constituem os objetos matemáticos, fazendo umas corresponderem às outras,
sendo ambas, no entanto, realidades distintas: umas são objetos matemáticos e outras são
representantes ou símbolos dos objetos matemáticos. Os objetos matemáticos são realidades que
não podem ser percebidas pelos sentidos exteriores10, pois são realidades interiores e abstratas. Os
sentidos exteriores percebem apenas realidades materiais, ou seja, realidades exteriores e concretas.
Para estudarmos os objetos matemáticos, precisamos comunicá-los. Mas como comunicá-los se não
são sensíveis? Para comunicarmos os objetos matemáticos necessitamos representá-los por meio de
coisas sensíveis, visto ser sensível tudo o que comunicamos. Representamo-los principalmente de
duas formas: 1) através da fala; 2) através da escrita.11 Uma coisa é o objeto matemático, que é algo
mental, outra coisa é o representante ou símbolo do objeto matemático, que é algo sensível (uma
fala, uma escrita, etc). Então para comunicar os objetos matemáticos, precisamos apresentar coisas
sensíveis em seu lugar, substituí-los por coisas sensíveis. Porém estas coisas sensíveis apenas
representam ou simbolizam os objetos matemáticos, não sendo os próprios objetos matemáticos.
“[...] os símbolos contidos numa folha de papel são uma mera representação matemática. Quando
lidos por um executante competente [...], os símbolos da folha impressa tornam-se vivos – a
matemática vive e respira na mente do leitor” (DEVLIN, 2002, p. 10).
10
Visão, audição, olfato, gustação e tato.
11
Também podemos representar os objetos matemáticos de outras formas, através de qualquer meio sensível.
12
“Essa capacidade de armazenamento simbólico externo, fora das mentes, [...] é uma das maiores e mais importantes
conquistas do ser humano” (ALMEIDA, 2011, p. 141).
8
memorização externa. Isso se deve a natureza abstrata e pouco palpável dos objetos matemáticos
em geral. No processo de construção dos objetos matemáticos é necessário que a memória esteja
disponível para auxiliar cada passo da construção. Então cada parte destas construções deve ir
sendo memorizada exteriormente por meio de representantes ou símbolos. Isso permite a mente
construir as partes de um objeto matemático em série, dedicando-se integralmente a cada momento
do processo sem se preocupar em guardar na memória as partes construídas. No final de uma série
de memorizações externas, os representantes ou símbolos podem comunicar novamente ao sujeito a
série de partes de um objeto matemático, tornando possível a reconstrução do todo na mente. Os
representantes ou símbolos dos objetos matemáticos funcionam como memória exterior dos
mesmos. Esta utilização de uma memória exterior nos permite desocupar a mente de objetos
parciais e avançar no trabalho mental. Acessar posteriormente estes representantes ou símbolos
consiste em comunicar os objetos matemáticos novamente à mente. Então os representantes ou
símbolos matemáticos nos permitem comunicar os objetos matemáticos, tanto para nós mesmos
quanto para outras pessoas.
Como tais padrões são, em sua maior parte, altamente abstratos, sua descrição e estudo
exigem uma notação abstrata. [...] A complexidade e a abstração da maior parte dos padrões
matemáticos tornam proibitivamente pesado o uso de qualquer outra coisa que não seja a
notação simbólica. E, assim, o desenvolvimento da matemática envolveu um firme aumento
do uso de notações abstratas. [...] o único modo de apreciar a maior parte da matemática é
aprender como “ler visualmente” os símbolos. [...] A matemática só pode ser “vista” com os
“olhos da mente”. [...] sem símbolos [...], grande parte da matemática simplesmente não
existiria. O problema é profundo, tendo a ver com a capacidade cognitiva do ser humano. O
reconhecimento de conceitos abstratos e o desenvolvimento de uma linguagem adequada são
dois lados de uma mesma moeda. O uso de um símbolo [...] para denotar uma entidade
abstrata segue pari passu com o reconhecimento dessa entidade como uma entidade. [...] O
símbolo permite que pensemos sobre o conceito e lidemos com ele. (DEVLIN, 2008, p. 26-
28)
Em síntese, o objeto matemático é de natureza mental, só existe em nossa mente e só pode ser
pensado. Por outro lado, o representante matemático ou o símbolo matemático é de natureza
material, existe no mundo a nossa volta e pode ser percebido pelos sentidos exteriores. Os
principais tipos de representantes ou símbolos são a fala e a escrita. Por exemplo, a fala “um” e a
escrita 1 são representantes ou símbolos de um objeto matemático que está em nossa mente. A
representação sensível funciona como uma memorização sensível (externa) dos objetos
matemáticos. Tem o objetivo de desocupar a memória mental (interior) para que a mente se ocupe
9
apenas em operar sobre os objetos matemáticos. Os objetos matemáticos, por sua natureza mental,
não podem ser percebidos pelos sentidos exteriores, o que dificulta o seu manuseio. É difícil para a
mente operar sobre, e ao mesmo tempo memorizar, objetos que são em si mesmos mentais e não
sensíveis. A natureza dos objetos matemáticos demanda uma memorização externa dos mesmos,
para facilitar o trabalho mental e tornar a memorização mais sensível. A memória mental está
presente em todos os atos mentais. Na concepção de um conjunto qualquer, esta memória vai
segurando os elementos já concebidos deste conjunto e no final apresenta todos os elementos para
que a mente, num só golpe, conceba o conjunto. Neste caso, esta memória de curto prazo deve se
dedicar ao trabalho de concepção de um conjunto num dado momento, não podendo armazenar
outros conjuntos concebidos anteriormente. Por isso estes outros conjuntos já concebidos devem ser
arquivados exteriormente: devem ser eliminados da mente e representados por meios sensíveis.13
Então, na atividade matemática, a memória mental funciona como memória de trabalho, enquanto
que a representação matemática funciona como uma memorização mais permanente.
Os símbolos escritos que usaremos para representar os objetos matemáticos desta pesquisa
são: +, –, ·, ÷, √ e log, que representam, respectivamente, os operadores das operações aritméticas:
adição, subtração, multiplicação, divisão, radiciação e logaritmação. Também usaremos o símbolo
escrito / para representar o operador da fração e o símbolo escrito = para representar a relação de
igualdade. Completam a lista de símbolos escritos por nós usados na representação matemática
desta pesquisa outros dez símbolos escritos, que apresentaremos no tópico a seguir.14
13
A representação escrita é insubstituível na matemática. Porém se o estudante conseguir falar tudo o que ele escreve,
indubitavelmente a representação das suas idéias será mais eficiente, pois a fala é mais elevada forma de representação
das idéias. Outras formas de representação sensível também contribuem para o trabalho matemático, como gestos,
objetos materiais, desenhos, etc.
14
Não incluímos nesta lista os símbolos que representam as variáveis que generalizam os objetos matemáticos desta
pesquisa, nem os símbolos que representam os conjuntos numéricos.
15
“Vamos considerar como numeral qualquer signo capaz de representar um número” (ALMEIDA, 2009, p. 133).
10
nome do número e o numeral escrito nos dá a grafia do número. Cada um dos símbolos escritos que
formam um numeral escrito é um algarismo. Utilizamos atualmente os algarismos indo-arábicos:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0. (LACERDA, 2009, p. 1-23)
3.3.1 Numeração
Numeração não é um dos objetos diretos desta pesquisa, mas é por meio dela que os números
se manifestam sensivelmente na história e neste texto. Portanto a descreveremos brevemente.
Números reais inteiros: São, como o próprio nome diz, números que são inteiros. Exemplos:
1, 2, 3, 4, 5, etc. Consideramos o conceito inteiro um conceito primitivo.
Números reais não-inteiros: São, por oposição, números que não são inteiros. Tais números
são representados no sistema de numeração posicional decimal indo-arábico por numerais decimais,
que são numerais com vírgula. Exemplos:
Números reais positivos: São números maiores que zero. Os numerais que os representam
podem ser precedidos ou não do sinal +. Exemplos: +1 ou 1 e +2,5 ou 2,5.
Números reais negativos: São números menores que zero. Os numerais que os representam
são precedidos do sinal –. Exemplos: -1 e -2,5.
Números inteiros positivos: São formados pela adição sucessiva da unidade. (KANT, 1991,
p. 102) Começamos pelo 1. Em seguida adicionamos 1 ao 1 (1 + 1 = 2) para formar o 2. Na
sequência adicionamos 1 ao 2 (2 + 1 = 3) para formar o 3. Sucessivamente vamos adicionando o 1
sobre o número anterior para formar o seu sucessor e assim formar todos os números inteiros
positivos: 1, 2, 3, 4, 5, ...
Números inteiros negativos: São formados pela subtração sucessiva da unidade. Começamos
pelo zero. Em seguida subtraímos 1 do zero (0 – 1 = -1) para formar o -1. Na sequência subtraímos
1 do -1 (-1 – 1 = -2) para formar o -2. Sucessivamente vamos subtraindo o 1 do numero anterior
para formar o seu antecessor e assim formar todos os números inteiros negativos: -1, -2, -3, -4, -5, ...
O conjunto dos números inteiros é um conjunto infinito formado por todos os números
inteiros positivos e negativos, e pelo zero. Representamos este conjunto por:
Exatos: São números reais não-inteiros cuja representação é exata: os números são
representados exatamente. Também chamados de finitos ou limitados, pois possuem um número
finito ou limitado de ordens não-inteiras. Exemplos: -12,75 e 234,5.
Inexatos: São números reais não-inteiros cuja representação é inexata: os números não são
representados exatamente, pois sua representação exata exigiria infinitos algarismos, o que é
impossível. Também chamados de infinitos ou ilimitados, pois possuem um número infinito ou
ilimitado de ordens não-inteiras. Exemplos: 0,333... e -1,414213... .
Por sua vez classificamos os números reais não-inteiros inexatos em periódicos ou não-
periódicos.
Inexatos periódicos: São números reais não-inteiros inexatos cuja representação apresenta
um algarismo ou conjunto de algarismos que se repete(m) infinitamente após a vírgula. Este
algarismo ou conjunto de algarismos que se repete(m) infinitamente representa o período.
Exemplos:
Inexatos não-periódicos: São números reais não-inteiros inexatos que não apresentam
período. Exemplos: 1,414213562... e -3,141592654... .
4.5 FRAÇÕES
Frações aparentes: São frações que “parecem” frações no sentido etimológico da palavra,
mas não são. Então são aquelas que representam números inteiros. Exemplos:
a) 4/2 → 4 ÷ 2 = 2 b) 5/5 → 5 ÷ 5 = 1
Frações não-aparentes: São frações no sentido etimológico da palavra. Então são aquelas
que representam números que não são inteiros. Exemplos:
Todos os números reais inteiros podem ser representados por frações. Porém nem todos os
números reais não-inteiros podem ser representados por frações, mas apenas os exatos e os inexatos
periódicos. Os inexatos não-periódicos não podem ser representados por frações.
Números fracionários: São números reais não-inteiros que podem ser representados por
frações. (CARAÇA, 1998, p. 36) São justamente os números que podem ser representados pelas
frações não-aparentes, ou seja, os não-inteiros exatos e os não-inteiros inexatos periódicos.
Exemplos:
15
Se os números fracionários podem ser representados por frações, então eles resultam da
divisão entre dois números inteiros. Os números fracionários formam um conjunto infinito.
Números irracionais: São números reais não-inteiros que não podem ser representados por
frações. São justamente os números reais não-inteiros inexatos não-periódicos. Exemplos:
a) 1,732050808... b) 2,718281828...
Se os números irracionais não podem ser representados por frações, então eles não resultam da
divisão entre dois números inteiros. Os números irracionais formam um conjunto infinito.
Representamos este conjunto por I.
O conjunto dos números racionais é um conjunto infinito formado por todos os números que
podem ser representados por frações, ou seja, por todos os números que resultam da divisão entre
dois números inteiros. Então o conjunto dos números racionais é a união do conjunto dos números
inteiros (frações aparentes) com o conjunto dos números fracionários (frações não-aparentes).
Representamos este conjunto por:
Lê-se: “O conjunto Q dos números racionais é o conjunto de todos os números que podem ser
representados por frações a/b, com a inteiro e b inteiro e diferente de zero”.
O conjunto dos números reais é um conjunto infinito formado por todos os números racionais
e irracionais. Representamos este conjunto por:
R=QUI
16
Lê-se: “O conjunto R dos números reais é a união do conjunto Q dos números racionais com o
conjunto I dos números irracionais”.
16
Do grego arithmos = número e tekhne = técnica. (CUNHA, 2007, p. 67)
17
representa o operador, o numeral 3 representa o resultado e o sinal = representa a relação de
igualdade. (WIKIPÉDIA, Operação matemática, 2012c)
17
A operação elementar é a passagem de um número ao seguinte, ou seja, a soma de uma unidade a um número.
(CARAÇA, 1998, p. 16)
18
Potenciação: “A potência an define-se como um produto de factores iguais:
an = a · a · ... · a.”
(n)
(CARAÇA, 1998, p. 19)
“Em relação a cada uma das operações anteriores, pode pôr-se o seguinte problema: – dado o
resultado da operação e um dos dados18, determinar o outro dado. Pôr este problema é pôr o
problema da inversão das operações, e aquelas novas operações que resolvem o problema, para
cada caso, chamam-se operações inversas das primeiras.” (CARAÇA, 1998, p. 19-20)
Subtração: “[...] dada a soma e uma das parcelas, determinar a outra. [...] a subtração é a
operação pela qual se determina um número c que, somado com b, dá a:
a – b = c ← c + b = a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20)
Divisão: “[...] dado o produto e um dos fatores, determinar o outro.” A divisão é a operação
pela qual se determina um número c que, multiplicado por b, dá a:
“a ÷ b = c ← b · c = a.”
(CARAÇA, 1998, p. 20, 22)
18
Termos.
19
Reafirmaremos a classificação de Bento de Jesus Caraça e, a partir dela, afirmaremos as
nossas deduções.
A adição é a operação mais simples. A multiplicação é uma operação mais complexa, sendo
uma espécie mais avançada de adição. A potenciação é uma operação ainda mais complexa, sendo
uma espécie mais avançada de multiplicação. A subtração é operação inversa mais simples. A
divisão é uma operação inversa mais complexa, sendo uma espécie mais avançada de subtração. A
radiciação e a logaritmação são operações inversas ainda mais complexas, sendo espécies mais
avançadas de divisão.
5.3.1 Unidade formal das definições e harmonia relacional e hierárquica das operações aritméticas
a · b = c → a + a + ... + a = c
b parcelas
ab = c → a · a · ... · a = c
b fatores
c ÷ b = a → c – a – a – ... – a = 0
b subtraendos
20
b
√c = a → c ÷ a ÷ a ÷ ... ÷ a = 1
b divisores
log a c = b → c ÷ a ÷ a ÷ ... ÷ a = 1
b divisores
c ÷ ab = 1 ← ab = c
A pré-história inicia com o surgimento do gênero homo na Terra e termina com o surgimento
da escrita no Oriente Médio, quando então inicia a história. O gênero homo surge há cerca de dois
milhões de anos na África e a escrita surge por volta de 3.200 a.C. na Suméria e no Elam.20
19
Sabemos que o momento em que ocorre a transição de um período histórico para outro em cada região terrestre é
diferente. Porém aqui tentaremos uma cronologia universal, cujos marcos correspondem as primeiras manifestações de
um acontecimento na Terra.
20
A escrita foi inventada pelos contadores sumerianos e elamitas, inspirados nos algarismos, que eles inventaram cerca
de 300 anos antes. (IFRAH, 2005, p. 130-150) “[...] as tabuinhas de argila impressas [são] o primeiro uso conhecido de
marcações abstratas para denotar uma contagem de números. Na realidade, as tábuas de contagem sumerianas
constituíram o mais antigo sistema de escrita, o que significa que o uso de marcações para denotar números precedeu o
uso de marcações para denotar palavras” (DEVLIN, 2008, p. 69). “Da necessidade da manutenção de registros
numéricos permanentes surgiu a escrita, primeiramente como uma forma de armazenamento externo de registros
numéricos de modo durável, posteriormente adaptada para registrar os sons ou fonemas de uma língua. Historicamente,
21
Em seguida ao australopiteco, há cerca de dois milhões de anos, surgiu o Homo habilis. [...]
Seu cérebro era cerca de 50 por cento maior do que o do australopiteco ou do antropóide
contemporâneo (cerca de 640 centímetros cúbicos, comparado com 440 centímetros
cúbicos), embora fosse ainda apenas um terço do tamanho de um cérebro humano atual. [...]
Cerca de um milhão de anos atrás, uma outra espécie emergiu: Homo erectus. [...] De longe,
a característica mais importante da nova espécie era o tamanho de seu cérebro, que tinha
cerca de 950 centímetros cúbicos, aproximadamente duas vezes o tamanho do cérebro do
antropóide atual. [...] Na época em que surgiu o Homo sapiens – o hominídeo inteligente –,
por volta de 300.000 anos atrás, ele tinha um cérebro de cerca de 1.350 centímetros cúbicos.
Esse crescimento fenomenal aconteceu em apenas 3.500.000 anos. (DEVLIN, 2008, p. 202-
204)
Por volta de 3.200 a.C. aparecem de fato, pouco a pouco, novos signos sobre os tabletes ao
lado dos números sumerianos ou elamitas [...]. Esta etapa marca o nascimento da
contabilidade escrita, pois esses signos (desenhos mais ou menos esquemáticos
representando todo tipo de objeto ou seres) destinam-se a precisar a natureza dos gêneros ou
mercadorias envolvidas por ocasião desta ou daquela transação. (IFRAH, 2005, p. 142-143)
Os manuais de história geral costumam dividir a pré-história em Idade da Pedra e Idade dos
Metais, e a história em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.21
6.1 PRÉ-HISTÓRIA
A idade da pedra, longo período que se estende do início da pré-história até poucos milênios
antes do seu término, compreendendo quase todo o intervalo temporal pré-histórico, se divide em
Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. O paleolítico, que por sua vez compreende quase todo o
intervalo temporal da idade da pedra, se divide em Paleolítico Inferior, Paleolítico Médio e
Paleolítico Superior.
portanto, o numeral antecede a letra. [...] A escrita é, então, uma extensão da memória humana, nos dizeres de Hall”
(ALEMEIDA, 2011, p. 143).
21
Daqui para frente as nossas afirmações históricas mais gerais que são “senso comum” da ciência escolar básica, pois
estão contidas em qualquer manual de história geral ou nos específicos de pré-história, não serão, por isso,
referenciadas. Deixamos aqui apenas uma referência indireta e geral ao primeiro volume da coleção Grande História
Universal, chamado “O princípio da civilização”.
22
No início do paleolítico inferior surgiu o gênero homo como um gênero de seres que se
distinguiram pela postura ereta e pela construção de ferramentas de pedra lascada. Eram nômades e
viviam da caça de animais e da coleta de vegetais. Neste período ocorreu uma grande evolução
biológica nas espécies deste gênero. Todas estas espécies se extinguiram, exceto a nossa, a única
que sobreviveu.
Aproximadamente no início do paleolítico médio surgiu o homo sapiens, ainda numa forma
arcaica. Aproximadamente no início do paleolítico superior surgiu uma espécie de ser com as
nossas potencialidades espirituais essenciais, apesar de em ato as manifestarem de forma primitiva.
Neste período surgiu o que chamamos, em sentido moderno, de Religião, de Ciência e de Arte,
porém em formas primitivas.
Na idade dos metais o ser humano começou a fundir metais. Este período iniciou
aproximadamente dois milênios antes do surgimento da escrita, sendo o último período pré-
histórico e fazendo a transição para o período histórico. Neste período se desenvolveram as aldeias
e surgiram as primeiras cidades. De um ponto de vista mais geral, opondo ao paleolítico, podemos
considerar em conjunto o mesolítico, o neolítico e a idade dos metais como um único período que
durou aproximadamente sete milênios.
6.2 HISTÓRIA
Mencionaremos o termo antiguidade pré-clássica para nos referir ao período “histórico” que
se estendeu de meados do 4º milênio a.C. a meados do 1º milênio a.C. Neste período as ciências
eram essencialmente práticas, fundamentadas no pensamento empírico. O termo antiguidade
clássica se refere ao período que se iniciou com o surgimento da literatura grega por volta de 800
23
a.C. No século VI a.C. surgiu na Grécia uma forma de pensamento mais avançada, o pensamento
racional, dando origem a Filosofia e a Ciência Teórica. Neste período surgiram as primeiras nações.
Na idade média se desenvolveram várias nações. Neste período a civilização islâmica foi a
principal responsável pelo desenvolvimento das ciências em geral. A Religião atingiu estágios mais
avançados com o Cristianismo e o Islamismo. Este período terminou com a queda do Império
Romano do Oriente em 1.453, quando então iniciou a idade moderna.
Estudo dos números: Matemática utilitária do tipo “livro de receitas” (faça isso e aquilo com
um número e você terá a resposta).
Estudos dos números e da forma: Matemática acadêmica onde “assertivas explicitadas com
precisão podiam ser provadas logicamente através de demonstrações formais”, porém restrita às
“questões estáticas de contar, medir e descrever as formas”.
Estudo dos números, da forma, do movimento, da mudança, do espaço e das ferramentas que
são usadas nesse estudo.
Temos a questão de escolher um tempo e um espaço estratégicos para o início do nosso relato
cronológico dos acontecimentos matemáticos. Considerando a matemática como a disciplina que
manifesta os objetos matemáticos, perguntamos: Quando surgiu a matemática? Por onde começar
um relato cronológico do seu desenvolvimento?
22
Ou seja, o tempo e o espaço, que constituem a forma da matéria. (KANT, 1991, p. 39-40)
23
Posição de Pitágoras. (SANTOS, 2000, p. 110-142)
24
Não cabem no interior do tempo e do espaço.
25
Ou seja, “aquilo que possui uma única versão”.
26
Deve-se iniciar com as primeiras deduções sistemáticas em geometria, tradicionalmente
creditadas a Tales de Mileto, por volta de 600 a.C.? Ou se deve recuar mais no tempo e
iniciar com a obtenção de certas fórmulas de mensuração feitas pelas civilizações pré-
helênicas da Mesopotâmia e do Egito? Ou se deve recuar ainda mais no tempo e iniciar com
os primeiros esforços tateantes feitos pelo homem pré-histórico visando a sistematização das
idéias de grandeza, forma e número? Ou se pode dizer que a matemática teve início em
épocas pré-humanas com a manifestação de senso numérico e reconhecimento de modelos,
embora muito limitadamente, por parte de alguns animais, pássaros e insetos? Ou mesmo
antes disso, nas relações numéricas e espaciais das plantas? Ou até antes, nas nebulosas
espiraladas, nas trajetórias de planetas e cometas e na cristalização de minerais em épocas
pré-orgânicas? Ou será que a matemática, como acreditava Platão, sempre existiu, estando
meramente a aguardar sua descoberta? (EVES, 2004, p. 25)
Nossa posição filosófica está próxima da última proposta. Para sermos mais exatos, na
matemática nos identificamos principalmente com Pitágoras, cujo pensamento muito influenciou
Platão.
Então mencionaremos brevemente o que possa ter relação com a matemática em questão no
período pré-humano de evolução dos reinos mineral, vegetal e animal. Iniciaremos, em detalhes, o
relato a partir do início da manifestação sensível do reino humano. Portanto o tempo e o espaço
estratégicos para o início do nosso relato cronológico será não muito antes de dois milhões de anos
atrás no planeta Terra. “Como usualmente se considera como a matemática mais antiga aquela
resultante dos primeiros esforços do homem para sistematizar os conceitos de grandeza, forma e
número, é por aí que começaremos, focalizando de início o surgimento no homem primitivo do
conceito de número e do processo de contar” (EVES, 2004, p. 25).
1) Quando um objeto matemático se manifesta pela primeira vez, de forma mais ou menos
consciente, na mente humana.
2) Quando um símbolo sensível e arbitrário para este objeto matemático surge pela primeira
vez na humanidade.
27
3) Quando este objeto matemático é manifesto integralmente pela primeira vez na humanidade
por meio de uma “teoria”,26 ou seja, quando ele é definido e são demonstradas as suas propriedades
formalmente pela primeira vez na humanidade.
7.1 UNIDADE
“[...] a origem de todos os números é um, e não dois.” (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001, p. 156)
Os primeiros filósofos gregos já reconheciam que a origem do Universo foi uma só. Note que
não importa qual a substância (material ou não) particular que cada filósofo identificava como
sendo a unidade originária. O fato é que cada uma delas era uma substância. Oras, a unidade é a
substância essencial comum em todas aquelas teses cosmogônicas. Vejamos, então, a cosmogonia
pitagórica:
26
No sentido moderno.
28
Múltiplo, princípio negativo. Ambos são princípios fundamentais, porém subordinados a um
princípio ainda mais fundamental, o Um Absoluto.
A nossa mente não pode ultrapassar o plano da dualidade, sendo a Unidade Absoluta algo
absolutamente incognoscível. Mas temos que o par de opostos “unidade e multiplicidade” ou “uno e
múltiplo” ou “um e muitos” são os conceitos mais primitivos de nossa mente – entre aqueles
conceitos positivos, cuja nossa consciência pode conceber integralmente.
A presença dos contrários impõe-se sempre para uma visão clara das coisas. Por isso, para o
pitagorismo, o conhecimento implica sempre uma dualidade cooperadora; e não só o
conhecimento, mas também todo existir criatural. O Um supremo é, assim, a transcendência
dos pares de contrários, e ao alcançá-lo, nós superamos as oposições. Portanto, a superação
da oposição só se pode obter, e só há, transcendentalmente, no Um supremo, e não nos seres
finitos. Nestes, há harmonia, a combinação dos contrários, a acordância dos discordantes, o
número, porque onde há o múltiplo há o número (arithmós). (SANTOS, 2000, p. 165) [...] A
harmonia é a “unidade do múltiplo e a acordância do discordante”, o que é manifesto em
toda parte. (SANTOS, 2000, p. 162)
Concebemos estes três pares de conceitos primitivos opostos como um único núcleo
fundamental do pensamento positivo, por meio dos juízos a seguir:
O um tem menos unidades que o muitos. O muitos tem mais unidades que o um.
27
Que está além de qualquer número.
28
O “muitos” é sempre o restante da infinidade potencial de números que está para além do último número que alguém
já contou. O infinito é sempre potencial, pois em ato ninguém nunca contou nem contará o infinito. (LAMIM, 2010, p.
35)
31
Voltemos ao estágio originário do Universo, que coincidimos com a origem do tempo e do
espaço. Note que aquilo que tem começo é aquilo que está no tempo, ou seja, começar é iniciar no
tempo. Portanto, o próprio tempo não teve começo, tendo sua origem se dado a partir de um ponto
que transcende a ele mesmo. Portanto o Universo não teve começo, é eterno no passado. “É uma
verdade, embora das mais obscuras, que o mundo da existência – este universo infinito, não teve
começo” (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001, p. 155). Não podemos conceber o começo do Universo assim
como não podemos conceber o início dos números reais absolutos. Pois qual seria o menor número
real maior do que zero? Se formos regressando no contínuo real em direção ao zero, nunca
chegaremos no início, nunca atingiremos o zero. Deixemos o eterno e incognoscível mistério da
Criação de lado.29 Mas colocamos esta questão em termos pitagóricos assim: Como do um surge o
dois? O que queremos postular é que o número, ou seja, a relação entre a unidade e a
multiplicidade, é a própria essência do Universo cognoscível. O número surgiu com o surgimento
do Universo, segundo os pitagóricos. E isso se deu num passado eterno.
A primeira e mais primitiva forma de existência a evoluir foi o ser mineral, cujos gêneros e
espécies constituem o Reino Mineral. Este reino vem sofrendo evolução a partir do nada material,
desde toda a eternidade. O ser mineral apenas existe. Sua faculdade essencial se manifesta por meio
da atração ou da interação.31 Ele conhece32 o número apenas existindo, apenas sendo mineral. O
número se manifesta no reino mineral por meio da simples existência do mineral, por meio do
simples ser um entre muitos. O fato da multiplicidade de átomos surgir de um átomo primordial ou
o fato de existir uma multiplicidade de unidades atômicas é uma manifestação primitiva do número.
No reino mineral o número é existido.
Uma segunda e mais evoluída forma de existência começou a evoluir na Terra, segundo a
ciência moderna, a partir de aproximadamente 4 bilhões de anos atrás. Esta forma de existência se
distingue essencialmente da mineral por ser viva, em oposição àquela que é bruta. Os primeiros
gêneros e espécies vivos constituem o Reino Vegetal, cujos principais distintivos, além do apenas
existir, são o alimentar-se, o crescer e o reproduzir-se. O ser vegetal conhece33 o número vivendo,
29
Isso não significa que não devamos sondá-lo, a passos de formiga, eternamente. Eis o sentido da Ciência!
30
Neste tópico as nossas afirmações cosmológicas e paleontológicas mais gerais que são “senso comum” da ciência,
pois estão contidas em manuais de divulgação científica, não serão, por isso, referenciadas. Deixamos aqui apenas uma
referência indireta e geral a obra literária “A Mais Bela História do Mundo: Os segredos das nossas origens” de vários
autores.
31
Que é a essência da existência material.
32
No seu grau de existência.
33
No seu grau de existência.
32
sendo vegetal. O número se manifesta no reino vegetal por meio da vida do vegetal, por meio do
simples crescer e decrescer. O fato de o vegetal adicionar substâncias a si mesmo e subtrair de si
outras substâncias é uma manifestação do número. No reino vegetal o número é vivido, de uma
forma primitiva de ser vivida.
Uma terceira e mais evoluída forma de existência começou a evoluir na Terra, segundo a
ciência moderna, a partir de aproximadamente 600 milhões de anos atrás. Esta forma de existência
se distingue essencialmente da vegetal por possuir a faculdade dos sentidos. E o sentido mais
primitivo é o tato. Os sentidos ampliam significantemente as relações do ser com o meio e aguçam
os seus apetites, provocando a locomoção. Os gêneros e espécies desta forma de existência
constituem o Reino Animal, cujos principais distintivos são o sentir (tatear, saborear, cheirar, ouvir
e/ou ver) e o locomover-se. O ser animal conhece34 o número sentindo. O número se manifesta no
reino animal por meio dos sentidos, por meio do sentir. O fato de o animal sentir que uma coisa
qualquer (por exemplo, um membro da sua espécie) é distinta de duas coisas quaisquer do mesmo
tipo (por exemplo, dois membros da sua espécie) é uma manifestação do número. No reino animal o
número é sentido. É vivido de uma forma mais evoluída que a vivida pelo vegetal. Enfim, é sentido.
O Homem, mesmo nas mais baixas etapas do desenvolvimento, possui uma faculdade que,
por falta de um nome melhor, chamarei de Senso Numérico. Essa faculdade permite-lhe
reconhecer que alguma coisa mudou em uma pequena coleção quando, sem seu
conhecimento direto, um objeto foi retirado ou adicionado à coleção. O Senso numérico não
deve ser confundido com contagem, que provavelmente é muito posterior, e que envolve um
processo mental bastante intrincado. (DANTZIG apud ALMEIDA, 2009, p. 121)
34
No seu grau de existência.
35
O intelecto que mencionamos aqui é aquele específico dos seres humanos, e não aquela capacidade inferior de
conhecimento animal.
33
Juntamente com diversas outras espécies animais, os humanos têm um senso numérico.
Reconhecemos a diferença entre um objeto, um grupo de dois objetos e um grupo de três
objetos. Também reconhecemos que um grupo de três objetos tem mais elementos do que
um grupo de dois. Esse senso não é algo que aprendemos; nós nascemos com ele. (DEVLIN,
2008, p. 28)
Segundo Devlin (2008, p. 44-55), o senso numérico capacita o ser a distinguir um, dois, três e
muitos, e segundo Ifrah (2005, p. 19-24), um, dois, três, quatro e muitos. Então este senso capacita
o ser distinguir até o três ou o quatro. Números maiores que estes são percebidos, por meio desta
faculdade, apenas como uma multiplicidade indefinida. A capacidade de distinguir um, dois, três e
muitos é um resultado acumulado durante toda a evolução dos seres pré-humanos, desde a origem
do Universo até alguns poucos ou muitos milhões de anos atrás, quando então uma primeira espécie
animal a manifestou. Entre as espécies animais que possuem senso numérico, Almeida (2009, p.
121) cita “os insetos (vespas, escaravelho da farinha); aves (pombos, corvos, papagaios, periquitos,
gralhas); primatas, como os prossímios (lêmures) e antropóides (rhesus, chimpanzé); ratos;
golfinhos e mesmo salamandras”. Para distinguir números maiores que três ou quatro é necessário a
contagem, e somente o homo sapiens desenvolveu esta capacidade.
Porém, como veremos mais adiante, o que definimos como sendo matemática surgiu apenas
com o surgimento daquilo que pode ser chamado de cognição sapiens.36
36
A cognição distinta da espécie homo sapiens.
34
O quadro da evolução humana que venho desenhando é o de um desenvolvimento de dois
estágios, começando com a emergência da linha hominídea, há três milhões e meio de anos.
No primeiro estágio, que responde por praticamente todo aquele período de tempo, o
tamanho do cérebro cresceu rapidamente. Isso aconteceu principalmente a fim de fornecer
aos possuidores desses cérebros maiores uma visão mais rica do mundo (mais padrões que
podiam ser reconhecidos), um maior elenco de truques para ajudar na sobrevivência (sob a
forma de respostas a determinados padrões de estímulos), e um meio mais eficaz de
comunicação. Contudo, a estrutura do cérebro pouco mudou. O desenvolvimento consistiu
primordialmente em mais e não em diferente. O segundo estágio teve lugar durante os
últimos 200.000 anos, talvez há apenas 75.000 anos. Os cérebros não ficaram maiores, mas
sua estrutura mudou. Quer consideremos ou não essas mudanças estruturais em si mesmas
como anatomicamente importantes, suas conseqüências para a atividade cerebral foram
altamente significativas. Elas nos deram o pensamento [...] “desconectado” [...], a linguagem,
o sentido do tempo, a capacidade de formular e seguir planos de ação complexos, e a
capacidade de projetar e construir uma quantidade cada vez maior de artefatos. (DEVLIN,
2008, p. 211)
Segundo Devlin, os antropóides, família superior de primatas que inclui o gênero homo e os
gêneros mais próximos deste37, surgiram há aproximadamente 30 milhões de anos atrás. Eles já
eram inteligentes, porém esta inteligência se limitava a capacidade intelectual primitiva de
“reconhecer novos padrões e desenvolver reações comportamentais a esses padrões” (DEVLIN,
2008, p. 211).38 Os antropóides viviam em árvores, quando então o clima mudou e as florestas
recuaram gradualmente, o que os obrigou a descer das árvores e se aventurarem além dos limites
das florestas, entrando nas savanas abertas, longe do abrigo das florestas e muito mais expostos ao
ataque dos predadores. Eles chegaram a este ponto há aproximadamente 7 milhões de anos atrás.
“Três aperfeiçoamentos lhes permitiram sobreviver. Primeiro, ficaram mais altos. [...] Segundo,
começaram a agir com inteligência – prevendo o perigo e tomando medidas para evitá-lo. Terceiro,
os antropóides começaram a formar grupos. [...] Todas essas três adaptações estimularam o
crescimento do cérebro humano; as duas últimas assinalaram os primórdios de certos precursores do
pensamento matemático” (DEVLIN, 2008, p. 199).
37
Por exemplo, o gênero dos chimpanzés e o dos australopithecus.
38
“[...] o que exatamente significam as palavras “padrão” e “tipo”? [...] Reconhecemos padrões que dividem as coisas
em dois ou mais grupos de uma determinada maneira. [...] Muitos trabalhos técnicos da área da cognição humana usam
a palavra tipo para denotar o conceito comumente chamado de propriedade, categoria, espécie, etc. [...] Observe que a
exigência de caráter cognitivo para a aquisição de tipos é a faculdade de reconhecer semelhanças e diferenças: de
perceber que certas coisas são semelhantes – elas são do mesmo tipo – e que outros pares de coisas são diferentes – elas
não são do mesmo tipo. Praticamente todas as criaturas vivas têm essa capacidade em certo grau; o reconhecimento de
tipos é o segredo para a vida. [...] Tudo que se precisa é que a criatura modifique o seu comportamento de modo
sistemático, de acordo com o tipo” (DEVLIN, 2008, p. 220-222).
35
do cérebro e do desenvolvimento da inteligência dos nossos ancestrais.39 Agir com inteligência
estimulou-lhes o crescimento do cérebro, e este cérebro maior, por sua vez, estimulou-lhes o
desenvolvimento da inteligência. Estes ancestrais tinham a desvantagem de serem fisicamente mais
frágeis que as demais espécies. Para sobreviverem, foram obrigados a agir cada vez mais com mais
inteligência.
O sucesso desse tipo de vida dependeu de uma visão variada do mundo – a capacidade de
reconhecer um grande conjunto de padrões. Quanto maior e mais rica era a compreensão do
mundo por parte de nossos ancestrais, maiores as suas chances de sobrevivência – prevendo,
e então ficando afastado, do perigo e imaginando de onde viria a próxima refeição e agindo
adequadamente. [...] A sobrevivência dependia de eles serem mais espertos que qualquer
outra espécie, e com toda probabilidade de serem capazes de transmitir informações muito
mais sofisticadas do que qualquer outra espécie. (DEVLIN, 2008, p. 212)
Então, a partir de 3.500.000 anos atrás o cérebro dos nossos ancestrais passou a crescer
rapidamente até aproximadamente 200.000 anos atrás, quando aparentemente parou de crescer.40 E
isso marcou o surgimento do homo sapiens, espécie que se distinguiu totalmente das demais
espécies antropóides.41 A partir deste momento a mudança essencial do cérebro dos nossos
ancestrais não foi mais no volume, mas na estrutura. Vejamos até onde o homo erectus, o nosso
ancestral direto, progrediu na capacidade matemática no final do primeiro estágio, há
aproximadamente 200.000 anos atrás. Mas antes temos que considerar quais são os atributos
mentais que contribuem para a capacidade matemática. Segundo Devlin (2008, p. 214):42
1. Um senso numérico
2. Capacidade numérica
3. Capacidade algorítmica
4. A capacidade de lidar com abstrações
5. Um senso de causa e efeito
6. A capacidade de elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos
7. Capacidade de raciocínio lógico
8. Capacidade de raciocínio relacional
9. Capacidade de raciocínio espacial
Mesmo ainda como Homo habilis, nós temos os primórdios das capacidades 1 (senso
numérico) e 9 (raciocínio espacial). Da mesma forma, dado que todos os outros primatas
contemporâneos demonstram um senso de causa e efeito (item 5), podemos supor que o
Homo habilis também tinha essa capacidade. [...] o Homo erectus tinha a capacidade 6
(elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos). O crescimento do modo de vida em
sociedade – uma característica da vida do Homo erectus (e mais tarde do Homo sapiens) [...]
39
Porém a explícita enunciação dos conceitos primitivos padrão, categoria, classe ou conjunto, e a demonstração de
suas propriedades, viria a ocorrer somente a partir de 1.874, com a Teoria dos Conjuntos de Georg Cantor. (EVES,
2004, p. 615)
40
Como já mencionamos, ele cresceu de 440 cm³ para 1.350 cm³ neste intervalo de tempo.
41
Na verdade, o homo sapiens é distinto de todo o reino animal. E mais, é uma espécie de ser distinta de todas as
espécies de seres universais conhecidas.
42
A definição de cada um destes atributos está nas páginas 28 a 30 do livro de Devlin.
36
– exige a capacidade 8 (raciocínio relacional), porque o mecanismo mental que mantém esse
estilo de vida é a capacidade de se lembrar das relações dentro do grupo e de raciocinar sobre
isso. As únicas capacidades da nossa lista que o Homo erectus não tinha eram as de número
2, 3, 4 e 7. De fato, a capacidade fundamental que lhe falta é a 4: a capacidade de lidar com
abstrações – [o] pensamento desconectado. Do momento em que somos capazes disso, todos
os itens restantes da lista se encaixam automaticamente. Pois [...] com o pensamento
desconectado temos a linguagem, e [...], quando temos a linguagem juntamente com um
senso numérico, temos a capacidade numérica, item 2. Além do mais, a capacidade
algorítmica (item 3) e a capacidade de raciocínio lógico (item 7) são, realmente, apenas
versões abstratas do item 6. Assim, com o Homo erectus, nossos ancestrais tinham muitas
das capacidades mentais necessárias para elaborar o pensamento matemático. Do momento
em que surgiu um descendente seu capaz de elaborar abstrações e de lidar com elas, todas as
peças mentais fundamentais estavam no lugar para o subseqüente desenvolvimento da
matemática. A abstração foi o passo-chave. (DEVLIN, 2008, p. 214-216)
Então o homo erectus possuía os seguintes atributos mentais matemáticos: senso numérico,
senso de causa e efeito, capacidade de elaborar e seguir uma cadeia causal de fatos e eventos,
capacidade de raciocínio relacional e capacidade de raciocínio espacial. A capacidade de lidar com
abstrações ou o “pensamento desconectado” é o que distingue a cognição do homo sapiens de todas
as demais. O surgimento desta cognição coincide, simultaneamente, com o surgimento da
linguagem humana e do pensamento matemático humano, enfim, do próprio homo sapiens.43 A
mente, o intelecto, a razão ou a cognição humana é o principal distintivo humano.
43
Nas espécies inferiores ao homo sapiens existem uma linguagem e uma matemática, mas merecem ser chamadas, no
máximo, de proto-linguagem e de proto-matemática. Os termos linguagem e matemática, em sentido moderno, devem
ser reservados exclusivamente para se referir ao homo sapiens.
44
Queremos defender que o animal não possui nenhuma faculdade além daquelas que são objeto da Biologia.
37
processo interior décadas depois do seu início, assim como pode continuar a processar dados
gerados décadas antes. E mais, ele pode dar início a um processo interior independentemente de
qualquer estímulo vindo do mundo exterior. (‘ABDU’L-BAHÁ, 2001) Posto isso, prosseguimos
com Devlin.
Como a abstração foi o passo-chave para o surgimento da cognição distinta do ser humano,
devemos classificar os níveis de abstração, para nos situarmos melhor:
Então lidar com abstrações de níveis 3 e 4 é possível somente para o homem, com o seu
grande cérebro, o seu intelecto, a sua linguagem, enfim, com o seu pensamento desconectado. Mas
o que é mesmo este pensamento desconectado? Vejamos, “o cérebro [humano] tornou-se capaz de
gerar seus próprios estímulos – de criar situações imaginárias de sua própria lavra, e pensar sobre
elas, independentemente de qualquer input vindo do mundo físico. [...] O pensamento desconectado
pode se iniciar espontaneamente no cérebro ou ser produzido por um input direto vindo de um
objeto real, ou pela combinação das duas coisas [...]” (DEVLIN, 2008, p. 259-262).
Defendo a tese de que a diferença fundamental entre o cérebro humano e o de qualquer outra
criatura, viva ou extinta, é que o humano pode simular qualquer padrão de ativação
produzido externamente, de modo a dar partida à seqüência, e percorrer essa seqüência sem,
necessariamente, gerar uma resposta corporal. É a atividade do cérebro originária do próprio
cérebro, não causada por algum estímulo externo, e realizada sem a produção automática de
uma resposta corporal que venho chamando de “pensamento desconectado”. (DEVLIN,
2008, p. 261)
Prosseguiremos agora com o nosso discurso histórico e epistemológico sobre os números reais
e as operações aritméticas.
A matemática como técnica dos temas da mente é essencialmente humana, pois envolve uma
faculdade chamada mente, intelecto ou razão. O senso matemático dos animais envolve apenas a
faculdade dos sentidos exteriores, por isso não chamaremos este tipo de conhecimento animal de
matemática. A matemática surgiu com o surgimento do homo sapiens e de sua cognição distinta.
0) Quantificação pré-aritmética;
1) Proto-aritmética;
2) Aritmética baseada em símbolos;
2 a) Nível de sistemas de símbolos dependentes do contexto;
2 b) Nível de sistemas de símbolos abstratos;
3) Aritmética teórica;
3 a) Nível de dedução em linguagem natural;
3 b) Nível de dedução formal.
45
Correspondemos este estágio humano ao tempo do homo erectus e de seus predecessores do gênero homo, ou seja, a
antes de 200.000 anos atrás.
40
data se consolidou o nível 2 b), de sistemas de símbolos abstratos, onde realmente surgiram
os primeiros numerais verdadeiros. Legítimos representantes de números abstratos.46 [...]
O estágio 3) é baseado em conceitos aritméticos (aritmética teórica), na forma de sistemas de
proposições matemáticas logicamente estruturados. Sua característica mais importante é
trabalhar com proposições aritméticas gerais, concernentes às propriedades dos números
abstratos. Divide-se em dois níveis, o 3 a), de dedução em linguagem natural e o 3 b), de
dedução em linguagem simbólica. O nível 3 a) é caracterizado pelo fato de que os sistemas
dedutivos consistem de afirmações e provas formuladas em linguagem natural [...]. Já o nível
3 b), de dedução formal, a linguagem natural é substituída por linguagens formais, que
corresponde ao estágio da matemática atual. (ALMEIDA, 2009, p. 145-147)
Então, baseado no que já expomos e no restante das nossas referências, podemos facilmente
determinar, com aproximação, a cronologia para este sumário histórico:
Primeiramente temos que distinguir algo. Os números como idéias positivas ou temas mentais,
são conceitos, objetos da mente humana ou da cognição sapiens. Os objetos do senso numérico são
objetos dos sentidos exteriores, sensações. Postulamos que os números começaram a se manifestar
de forma positiva, conceitual, consciente, a partir de aproximadamente 200.000 anos atrás. Porém
no princípio isso ocorreu lentamente e timidamente. Conjecturamos que a transcendência do senso
numérico, a partir deste momento, se deu simultaneamente de duas maneiras:
46
O nível 2 b) se consolidou nesta data, porém começou a surgir já aproximadamente em 3.500 a.C.
41
2) A sensação muitos continuou, progressivamente, a se manifestar consciente, conceitual ou
mental. Primeiramente a multiplicidade indefinida maior que três, como um todo, começou a se
definir progressivamente; em seguida o quatro se definiu, se manifestou consciente, conceitual ou
mental; e depois o cinco, etc.
Portanto, temos postulado que os números como idéias positivas ou temas mentais se
manifestaram pela primeira vez, de forma mais ou menos consciente na mente humana, há
aproximadamente 200.000 anos atrás. Quanto à manifestação explicita e integral dos números
inteiros absolutos ou dos números naturais, por meio de uma teoria, ela começou a ocorrer na
humanidade somente no século VI a.C. Nesta época Pitágoras e os pitagóricos começaram a teorizá-
los, enunciando os pares de conceitos opostos: limitado e ilimitado, ímpar e par, uno e múltiplo, e
outros; além de outros conceitos importantes da Teoria dos Números, tais como: números primos e
números compostos. Porém uma teorização formal para estes números foi ocorrer, ao que parece,
somente em 1.889. Neste ano Giuseppe Peano apresentou em sua obra de aritmética os seus
famosos axiomas.
1. Todo número natural possui um único sucessor, que também é um número natural.
2. Números naturais diferentes possuem sucessores diferentes, ou ainda: números que têm o
mesmo sucessor são iguais.
42
3. Existe um único número natural que não é sucessor de nenhum outro. Este número é
representado pelo símbolo 1 e chamado de “número um”.
4. Se um conjunto de números naturais contém o número 1 e, além disso, contém o sucessor
de cada um de seus elementos, então esse conjunto coincide com N, isto é, contém todos os
números naturais.
(SOARES, 2010, p. 25)
“A adição é a operação mais simples e da qual todas as outras dependem. A idéia adicionar ou
somar está já incluída na própria noção de número natural – o que é a operação elementar de
passagem de um número ao seguinte, senão a operação de somar uma unidade a um número?”
(CARAÇA, 1998, p. 16). A adição surgiu, primitivamente, como a operação elementar n + 1, onde
n é um número natural qualquer. Primitivamente, a adição é sucessão. E sucessão é a operação
elementar onde dado um número natural, resulta-se o seu sucessor.
Kant disse que o número, como esquema de um conceito puro do entendimento, nasce da
intuição pura de tempo. Se o tempo é, em essência, sucessão, então a adição é, em essência, o
tempo, e o número o é também. Segundo Kant, o número é uma determinação a priori de tempo
segundo regras que se referem à série do tempo. “[O] número [...] é uma representação que enfeixa
a sucessiva adição de um a um [...]. Portanto, o número não é senão a unidade da síntese do
múltiplo de uma intuição homogênea em geral, mediante o fato de que produzo o próprio tempo na
apreensão da intuição.” O número “contem e faz representar a produção [...] do próprio tempo na
apreensão sucessiva de um objeto [...].” (KANT, 1998, p. 102-103) E a intuição pura de tempo
surgiu, como vimos, com o homo sapiens.
Se o número e a adição estão fundidos um ao outro, então a adição como idéia positiva ou
tema mental começou a se manifestar na mente humana também a partir de aproximadamente
200.000 anos atrás. Quanto à subtração, ela nada mais é que a operação inversa da adição. A
subtração surgiu, primitivamente, como a operação elementar n – 1, onde n é um número natural
qualquer. Primitivamente, a subtração é antecessão. E antecessão é a operação elementar onde dado
um número natural, resulta-se o seu antecessor. A subtração como idéia positiva ou tema mental
começou a se manifestar na mente humana a partir de quando o homem considerou a sequência
numérica de forma inversa. Este acontecimento foi a primeira prova real numérica da humanidade.
Para checar se avançou corretamente na sequência numérica, o homem arcaico regressou na
43
sequência, dando origem a subtração. Este acontecimento deve ter começado a se manifestar
positivamente não muito depois de aproximadamente 200.000 anos atrás.
À medida que o ser humano vai representando sensivelmente os números por meio de
qualquer tipo de numeral,48 ele vai adquirindo sustentação exterior para mergulhar em seu próprio
interior e se conscientizar dos números já sentidos por meio do senso numérico. Assim, ele vai
avançando na sequência numérica: primeiro um número sucessor se manifesta como sensação e,
progressivamente, vai se manifestando como conceito. Por outro lado, à medida que o ser humano
vai mergulhando em seu próprio interior e se conscientizando dos números, ele vai representando
sensivelmente estes números. Os elementos que resultam da representação dos números são os
representantes ou símbolos dos números, ou seja, os numerais.
Então símbolos mais ou menos sensíveis e arbitrários para os números surgiram pela primeira
vez na humanidade também há aproximadamente 200.000 anos atrás.49 Deste momento inicial da
numeração até o surgimento de símbolos escritos abstratos, se passou muito tempo. Os numerais
47
Postulamos esta ordem para o processo de exteriorização dos números, por a considerarmos lógica, mas também
baseados nas referências.
48
Falas, gestos, conjuntos de objetos, impressões, etc.
49
Provavelmente estes símbolos, no início, não passavam de falas primitivas, a princípio para “um” e “muitos”. “Os
primeiros símbolos foram, provavelmente, transmitidos por signos orais ou gestuais [...]” (ALMEIDA, 2011, p. 140).
44
evoluíram de primitivas falas, passando por várias formas intermediárias, até numerais formados
por algarismos impressos em tabletes de argila. Este último acontecimento – a numeração escrita
abstrata – ocorreu pela primeira vez na humanidade aproximadamente em 3.500 a.C. na Suméria e
no Elam.
8.5.1 Contagem
Conjecturamos que os dedos das mãos, como numerais gestuais, surgiram posteriormente, no
paleolítico superior, para ampliar a representação numérica e atender a necessidade de contar
conjuntos ainda no limite do dez. Em seguida, para contar conjuntos ainda reduzidos, surgiram,
como numerais calculi, os conjuntos de objetos semelhantes e facilmente manipuláveis (pedrinhas,
etc). E em seguida surgiram, como numerais escritos primitivos, as impressões em mídias
primitivas (chão, parede, pedra, osso, pau, etc). Todas estas formas de numeração são ainda
primitivas, não passam de contagens, de numerações de base um, onde o único processo aritmético
45
é a correspondência um a um. Cremos que neste período (de aprox. 45.000 a 12.000 anos atrás) o
homem primitivo não ultrapassou o nível proto-aritmético.
8.5.2 Base
Quando se tornou necessário efetuar contagens mais extensas, o processo de contar teve de
ser sistematizado. Isso foi feito dispondo-se os números em grupos básicos convenientes,
sendo a ordem de grandeza desses grupos determinada em grande parte pelo processo de
correspondência empregado. Esquematizando-se as idéias, o método consistia em escolher
um certo número b como base e atribuir nomes aos números 1, 2, ..., b. Para os números
maiores do que b os nomes eram essencialmente combinações dos nomes dos números já
escolhidos. (EVES, 2004, p. 27)
O surgimento, pela primeira vez, da base dois constitui um novo grau operatório, pois contar
de dois em dois já é, além de adicionar parcelas iguais, também multiplicar. A multiplicação surgiu,
primitivamente, como a obtenção do múltiplo de um número natural qualquer. Primeiramente, a
obtenção dos múltiplos de dois50, ou seja, 2n = n + n, onde n é um número natural qualquer. Em
seguida, a obtenção dos múltiplos de três, ou seja, 3n = n + n + n, onde n é um número natural
qualquer. E assim por diante. Então a multiplicação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana também a partir de aproximadamente 12.000 anos atrás, quando
então surgiu a idéia de uma base auxiliar para a numeração e, com isso, a numeração sistemática.
Estes acontecimentos simultâneos constituíram o surgimento de uma nova mentalidade, que é o
nível aritmético baseado em símbolos.51 A princípio este estágio aritmético se manifestou como
nível de sistemas de símbolos dependentes do contexto.
Quanto à divisão, ela nada mais é que a operação inversa da multiplicação. A divisão surgiu,
primitivamente, como a obtenção do fator de um múltiplo. Primeiramente, a obtenção do fator de
um múltiplo de dois, ou seja, 2n ÷ 2 = n, onde n é um número natural qualquer. Em seguida, a
50
Pois os múltiplos de um já haviam surgido com os próprios conceitos primitivos de multiplicidade e de sucessão.
51
Aqui os símbolos já representavam números abstratos maiores que um, e não apenas a unidade, que cada dedo,
pedrinha ou entalhe representava na correspondência um a um.
47
obtenção do fator de um múltiplo de três, ou seja, 3n ÷ 3 = n, onde n é um número natural qualquer.
E assim por diante. Por exemplo, digamos que um homem conte de dois em dois, ou seja, obtenha
múltiplos de dois; então ele pode desfazer estas multiplicações e obter os fatores destes múltiplos. A
divisão como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana a partir de
quando o homem desfez a obtenção de um múltiplo. Para checar se obteve um múltiplo
corretamente, o homem primitivo desfez esta multiplicação, dando origem a divisão. Este
acontecimento deve ter começado a se manifestar positivamente não muito depois de
aproximadamente 12.000 anos atrás. Neste período os resultados das divisões eram sempre números
inteiros. Cremos que no neolítico não se passava pela mente humana a possibilidade de um número
não-inteiro, pois esta concepção exigiria uma abstração além daquela que eles possuíam.
Cremos que no neolítico os sistemas de numeração não atingiram este nível que envolve
unidades de ordem superior a segunda ou potências de uma base. O surgimento, pela primeira vez,
da segunda potência de uma base constitui um novo grau operatório, pois multiplicar um número
por ele mesmo já é, além de multiplicar fatores iguais, também elevar a um expoente. Postulamos
que a potenciação como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana
aproximadamente em 3.500 a.C. na Suméria, no Elam e no Egito, quando surgiram os seus sistemas
de numeração abstratos. (IFRAH, 2005, p. 130-180) Então a numeração escrita abstrata e a
potenciação surgiram simultaneamente no início da antiguidade pré-clássica. Estes acontecimentos
inauguraram o nível de sistemas de símbolos abstratos.
48
Posteriormente, por generalização, o homem antigo começou a obter o quadrado de um
número qualquer52, ou seja, n², onde n é um número qualquer. Dado o comprimento de um
segmento de reta qualquer, ele pode obter a área do quadrado construído sobre este segmento de
reta. Em seguida ele começou a obter o cubo de um número qualquer, ou seja, n³, onde n é um
número qualquer. Dado o comprimento de um segmento de reta qualquer, ele pode obter o volume
do cubo construído sobre este segmento de reta. “Supõe-se que os babilônios53 se utilizavam dos
cálculos de quadrados e cubos [...]” (GALVÃO, 2008, p. 48). Talvez na antiguidade pré-clássica a
potenciação não tenha ultrapassado a obtenção de números quadrados e números cubos. Mas por
generalização, em algum momento, a potenciação se constituiu também na obtenção de potências
de graus maiores. Porém é fato que, no início, a potenciação se resumia a obtenção de potências
perfeitas, ou seja, potências de termos inteiros.
Quanto à radiciação, ela nada mais é que uma operação inversa da potenciação. A radiciação
surgiu, primitivamente, como a obtenção da base de uma potência. Primeiramente, a obtenção da
base de um número quadrado qualquer54 ou a obtenção do comprimento do lado de um quadrado de
área dada, ou seja, ²√n² = n, onde n é um número qualquer. Em seguida, a obtenção da base de um
número cubo qualquer55 ou a obtenção do comprimento da aresta de um cubo de volume dado, ou
seja, ³√n³ = n, onde n é um número qualquer. Por exemplo, digamos que um homem tenha
registrado apenas um número quadrado ou a área de um quadrado; então ele pode obter a base deste
número quadrado ou o comprimento do lado deste quadrado. O mesmo pode acontecer com um
número cubo ou o volume de um cubo. A radiciação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana a partir de quando o homem desfez a obtenção de uma potência.
Dada uma potência, o homem antigo desfez a obtenção desta potência, dando origem a radiciação.
Este acontecimento deve ter começado a se manifestar positivamente não muito depois de
aproximadamente 3.500 a.C. “O cálculo de raízes quadradas também era conhecido pelos
babilônios [...]” (GALVÃO, 2008, p. 48). Talvez na antiguidade pré-clássica a radiciação não tenha
ultrapassado a obtenção de raízes56 de números quadrados e de números cubos. Mas por
generalização, em algum momento, a radiciação se constituiu também na obtenção de raízes de
potências de graus maiores. Porém é fato que, no início, a radiciação se resumia a obtenção de
raízes de potências perfeitas, ou seja, raízes inteiras.
52
A princípio de números naturais.
53
A Babilônia surgiu no final do terceiro milênio a.C.
54
A princípio de números quadrados perfeitos.
55
A princípio de números cubos perfeitos.
56
Bases.
49
Quanto à logaritmação, ela nada mais é que a outra operação inversa da potenciação. A
logaritmação surgiu, primitivamente, como a obtenção do grau de uma potência. Primeiramente, a
obtenção do grau dois, quando dado um número qualquer57 e a sua segunda potência ou dado o
comprimento de um segmento de reta qualquer e a área do quadrado construído sobre ele, ou seja,
log n n² = 2, onde n é um número qualquer. Em seguida, a obtenção do grau três, quando dado um
número qualquer e a sua terceira potência ou dado o comprimento de um segmento de reta qualquer
e o volume do cubo construído sobre ele, ou seja, log n n³ = 3, onde n é um número qualquer. Por
exemplo, digamos que um homem tenha registrado apenas um número e uma potência sua ou o
comprimento de um segmento de reta e a medida de um quadrado ou de um cubo construído sobre
este segmento de reta, sem saber qual o grau desta potência ou qual o número de dimensões desta
medida58; então ele pode obter o número de vezes que este número ou que o comprimento deste
segmento de reta precisa ser multiplicado por ele mesmo para resultar nesta potência ou nesta
medida, e assim descobrir o grau desta potência ou número de dimensões desta medida, ou seja, o
logaritmo desta potência nesta base. A logaritmação como idéia positiva ou tema mental começou a
se manifestar na mente humana a partir de quando o homem obteve o grau de uma potência. Dada
uma potência e uma base, o homem antigo obteve o número de vezes que esta base precisava ser
multiplicada por ela mesma para resultar nesta potência, dando origem a logaritmação. Talvez este
acontecimento tenha começado a se manifestar positivamente ainda na antiguidade pré-clássica.
Quanto à manifestação explícita e integral dos logaritmos, por meio de uma teoria, ela começou a
ocorrer na humanidade, ao que parece, somente no século XVII, principalmente com John Napier.
(EVES, 2004, p. 341-347)
Quando um número inteiro não é divisível59 por outro e é necessário dividi-lo exatamente por
este outro número, surge a necessidade de um novo tipo de número que não seja inteiro para ser o
resultado desta divisão. Por exemplo, 3 ÷ 2 = f, onde f é um número não-inteiro. Então, a partir
deste tipo de divisão, surge o número fracionário. Postulamos que o número fracionário como idéia
positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana também aproximadamente em
3.500 a.C. – no início da antiguidade pré-clássica.
57
A princípio números naturais.
58
Se a medida for a área de um quadrado, tem duas dimensões; se for o volume de um cubo, tem três dimensões.
59
Ser divisível é o mesmo que ser múltiplo.
50
8.8.1 Fração
Então o número racional como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na
mente humana no início da antiguidade pré-clássica. Porém uma teorização formal – explícita e
integral – para este tipo de número foi ocorrer, ao que parece, somente na modernidade, apesar de
ter-se iniciado já na antiguidade clássica. A seguir, iremos parafrasear uma teorização moderna para
os números racionais, feita em 1.941 por Bento de Jesus Caraça.
60
287-212 a.C.
51
Só por acaso a unidade se contém um número inteiro de vezes na grandeza a medir. Como
então fazer para exprimir ainda numericamente a medição de uma grandeza com uma unidade de
medida quando esta não se contém um número inteiro de vezes na grandeza a medir? Dividamos a
unidade de medida num número de partes iguais o suficiente para que cada uma delas caiba um
número inteiro de vezes na grandeza a medir. Que pode dizer-se da medida da grandeza a medir
em relação à antiga unidade de medida? Dizemos que a medida é dada pela razão do número de
vezes que a nova unidade se contém na grandeza a medir pelo número de vezes que a mesma se
contém na antiga unidade de medida. Mas essa razão não existe em números inteiros, visto que o
primeiro número desta razão não é divisível pelo segundo. (CARAÇA, 1998, p. 33)
Definição de número racional: Sejam uma grandeza a medir e uma unidade de medida, em
cada um dos quais se contém um número inteiro de vezes uma subunidade u: a grandeza a medir
contém m vezes e a unidade de medida contém n vezes a subunidade u. Diz-se, por definição, que a
medida da grandeza a medir, tomando a dada unidade de medida, é o número m/n, quaisquer que
sejam os números inteiros m e n; se m for divisível por n, o número m/n coincide com o número
inteiro que é quociente da divisão; se m não for divisível por n, o número diz-se fracionário. O
número m/n diz-se, em qualquer hipótese, racional – ao número m chama-se numerador e ao
número n denominador. (CARAÇA, 1998, p. 35)
Já mencionamos que a matemática é a mais antiga ciência, sendo, então, a mais fundamental.
Isso significa que uma mudança de paradigma na matemática corresponde também a uma mudança
de paradigma na ciência geral. Sabemos que o início da antiguidade clássica constituiu também o
surgimento de uma nova mentalidade, que é o nível aritmético teórico. De fato, na Grécia do século
VI a.C. surgiu o pensamento racional, a teoria, e com isso, a Filosofia e a Ciência Teórica. Esta
mentalidade consistia essencialmente em “demonstrar os juízos enunciados a partir de juízos já
aceitos como verdadeiros” e, incluía também, “definir os conceitos enunciados a partir de conceitos
mais primitivos”. Essa nova mentalidade foi ditada pela matemática, e a Escola Pitagórica foi a
maior responsável pela sua fundação. A princípio este estágio aritmético61 se manifestou como nível
de dedução em linguagem natural. Cremos que os números irracionais se manifestaram na mente
humana apenas neste estágio. Ironicamente, os irracionais somente podem ser percebidos por uma
mente puramente racional – como a que surgiu neste período – e não por uma mente
predominantemente empírica – como a que existia antes deste período.
Quando um número inteiro não é uma potência perfeita62 e é necessário dele extrair
exatamente uma raiz de índice inteiro, surge a necessidade de um novo tipo de número que não seja
inteiro para ser o resultado desta radiciação. Por exemplo, √2 = i, onde i é um número não-inteiro.
Então, a partir deste tipo de radiciação, surge o número irracional. Porém os números irracionais
não são obtidos apenas a partir da radiciação.63 Ao que parece, o número irracional como idéia
positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente humana no século V a.C. dentro da
Escola Pitagórica, com Hipaso de Metaponto. (BOYER, 1996, p. 50)
É lógico aceitar que o primeiro número irracional manifesto foi a raiz quadrada de dois.
Quando é dado um quadrado de área 2, o comprimento do seu lado é √2 = 1,4142... . As suas duas
diagonais determinam quatro triângulos retângulos isósceles, cada um com catetos de medida 1 e
hipotenusa de medida √2. Naquele tempo surgiu o problema de medir esta hipotenusa usando a
medida de um dos catetos como unidade de medida, e concluiu-se que a medida procurada não
poderia ser um número racional. “Sempre que dois segmentos de recta estão nesse caso, diz-se que
eles são incomensuráveis (o que quer dizer que não têm medida comum)” (CARAÇA, 1998, p. 52).
61
E não é exagero reduzir a ciência positiva à aritmética. Pois como dizia Gauss, a aritmética é a rainha da matemática e
esta é a rainha da ciência.
62
Potência de termos inteiros.
63
Por exemplo, o número π = 3,1415..., que é a medida de uma circunferência em relação ao seu diâmetro.
53
8.9.1 Demonstração da irracionalidade de √2
Suponhamos, então, que √2 seja um número de forma a/b, com a e b inteiros, e que esta
fração esteja reduzida à sua forma mais simples, ou seja, a e b não tenham fatores em comum.
Assim:
a/b = √2
a²/b² = 2 → a² = 2b²
Significa que a² é um número par, de onde se conclui que a também é par, digamos 2p. Dessa
forma:
Essa igualdade indica que b² é par, ou seja, que b é par. Logo, a e b são pares, mas isto é uma
contradição com nossa hipótese inicial de que a e b não têm fatores comuns.
Então o número real como idéia positiva ou tema mental começou a se manifestar na mente
humana no início da antiguidade clássica. Porém uma teorização formal – explícita e integral – para
este tipo de número foi ocorrer, ao que parece, somente na idade contemporânea. Em 1.872 Richard
Dedekind enunciou um axioma para a continuidade em sua obra que tratava deste tema e dos
números irracionais. Antes de apresentá-lo, precisamos definir corte, e depois apresentaremos,
então, a definição de número real.
Definição de corte: Seja [...] uma recta e um ponto P sobre ela; é evidente que em
relação ao ponto P, todos os pontos da recta se repartem em duas classes: a classe (A), dos
pontos que estão à esquerda de P, e a classe (B), dos pontos que estão à direita de P. O
próprio ponto P, que produz a repartição, pode ser colocado indiferentemente na classe (A)
ou na classe (B). Sempre que, numa recta, se tem uma repartição dos seus pontos em duas
classes (A) e (B) satisfazendo às duas condições: 1) nenhum ponto escapa à repartição; 2)
todo ponto da classe (A) está à esquerda de todo ponto da classe (B) – diz-se que se tem um
corte, do qual (A) e (B) são as classes constitutivas [...]. Pelo que vimos acima, podemos
afirmar que todo o ponto P da recta produz nela um corte. (CARAÇA, 1998, p. 56)
Definição de número real: “chamo número real ao elemento de separação das duas classes
dum corte qualquer no conjunto dos números racionais; se existe um número racional a separar as
duas classes, o número real coincidirá com esse número racional; se não existe tal número, o
número real dir-se-á irracional” (CARAÇA, 1998, p. 60).
8.10 ZERO
Quando o homem pensou pela primeira vez no zero como resultado de uma operação com
números? Certamente quando subtraiu um número dele mesmo, ou seja, quando efetuou n – n, onde
n é um número qualquer. Achamos óbvio pensar que a primeira operação deste tipo foi 1 – 1. Note
que no princípio o homem primitivo não concebia o zero nestas operações, pois ele considerava-as
simplesmente operações sem resultados. Se ele subtraia os elementos de um conjunto, não restava
conjunto algum, ou seja, não resultava número nenhum. Portanto não resultava o zero como
número, pois não havia resultado numérico. Então o zero ainda não era concebido como número.
Note que apenas depois de surgir todos os números reais absolutos a partir do um, o homem
retornou ao um, de forma consciente, e subtraiu do um ele mesmo, ou seja, 1 – 1, dando origem ao
zero. Então o zero surgiu da subtração, como antecessor do um. Primeiramente, na antiguidade
clássica, o zero surgiu como um algarismo para reservar uma posição vazia em um numeral de um
sistema de numeração posicional64, e não como um conceito abstrato – como um número. (IFRAH,
2005, p. 261-262) O zero como número, ou seja, como idéia positiva ou tema mental começou a se
manifestar na mente humana, ao que parece, talvez já no final da antiguidade clássica, mas com
certeza no início da idade média, na Índia. No século VII d.C., por meio dos matemático da Índia, o
zero “já significava indistintamente “vazio” ou “nada”, tendo sido enriquecido pela aquisição do
sentido que atribuímos hoje à “quantidade nula” ou “número zero” [...]” (IFRAH, 2005, p. 293).
Porém é provável que o zero, como número, e não apenas como algarismo, tenha surgido já há
alguns séculos antes em algum lugar da Terra. O que postulamos é que somente depois de o homem
explorar os números reais absolutos, ao menos introdutoriamente, é que foi surgir em sua mente o
zero como idéia positiva ou tema mental.
64
E mesmo assim o zero ainda não era usado plenamente como algarismo em todas as posições de um numeral.
Geralmente não era usado ainda para representar a ausência de unidades de primeira ordem.
55
Então depois de surgir todos os números reais absolutos e o zero, o homem prosseguiu com a
operação de antecessão, aplicando-a primeiramente ao zero, em seguida ao seu antecessor, etc.
Assim surgiram os números negativos, ou seja, por meio da subtração sucessiva da unidade.
Primeiramente surgiram os números negativos inteiros, e depois, por generalização, surgiram os
números negativos fracionários e irracionais, enfim, os números negativos reais. Generalizando o
processo, os números reais negativos surgiram ao subtrair-se do zero cada número real absoluto, ou
seja, 0 – r = -r, onde r é um número real absoluto qualquer e -r o seu oposto. O oposto de um
número é aquele número que está a mesma distância numérica do zero, porém em sentido oposto. O
conjunto dos números reais negativos é formado pelos opostos de cada um dos números reais
absolutos. Em relação aos números negativos, os números absolutos passam a ser chamados de
números positivos, e o zero de número nulo. O termo negativo significa que um número negativo
nega um determinado número absoluto. Já o zero nega qualquer número absoluto.
Aproximadamente no século III a.C., “os chineses já faziam cálculos usando duas coleções de
barras de bambu, marfim ou ferro – uma de barras vermelhas para indicar os números positivos e
outra de barras pretas para indicar os números negativos” (PAIVA apud GAYO, 2010, p. 67).
Porém suspeitamos que nesta época, se ainda não havia surgido o zero como número, mas apenas
como algarismo, também os números negativos ainda não haviam surgido como números, mas
apenas como numerais, pois não é lógico que o número negativo tenha surgido antes do número
zero. Postulamos que o número negativo como idéia positiva ou tema mental começou a se
manifestar na mente humana talvez já no final da antiguidade clássica, mas com certeza no início da
idade média, logo em seguida ao surgimento do número zero.
Graças a isto [ao número zero], o matemático e astrônomo Brahmagupta pôde ensinar, numa
obra do ano de 628, o modo de efetuar simplesmente as seis operações fundamentais (adição,
subtração, multiplicação, divisão, elevação a potências e extração de raízes), em relação ao
que foi denominado “os bens”, “as dívidas” e “o nada”, isto é, em termos modernos, os
números positivos, negativos ou nulos. A álgebra moderna acabava de nascer, e o sábio
descobrira uma de suas regras fundamentais: uma dívida subtraída do nada torna-se um
bem, e um bem subtraído do nada torna-se uma dívida (o oposto de um número positivo é
negativo, e inversamente). (IFRAH, 2005, p. 293)
Foi a partir do final da idade antiga, na Índia, com o surgimento do seu sistema de numeração
posicional decimal, do número zero e dos números negativos, que se começou a ser aprimorada a
56
representação dos números, primeiramente dos números inteiros, e mais tarde dos números reais. E
por conta disso, se começou a ser aprimorado também os algoritmos das operações fundamentais.
Um maior aperfeiçoamento das representações e das teorias sobre os números reais e as operações
aritméticas foi ocorrendo progressivamente durante a idade média. E com o surgimento do nível de
dedução formal, no século XVII, seguiu-se um avanço ainda mais significativo na matemática
geral, culminando numa “explosão de conhecimento matemático”, a partir do final do século XIX.
Mas será que alguns dos objetos de nossa pesquisa65 já foram perfeitamente teorizados?
9 FECHAMENTO
Por fim, analisaremos brevemente o fechamento em cada etapa da evolução que expomos
neste texto. A propriedade fechamento diz que um conjunto é fechado para uma operação quando o
resultado desta operação entre elementos deste conjunto é ainda um elemento deste conjunto.
(WIKIPÉDIA, Fechamento, 2012d)
65
Por exemplo, números irracionais, radiciação e logaritmação.
57
dos números inteiros absolutos também é fechado para a potenciação, ou seja, a potência de termos
inteiros absolutos é sempre um número inteiro absoluto. Mas não é fechado para a radiciação e a
logaritmação; nem sempre é possível obter uma raiz ou um logaritmo neste conjunto, ou seja, nem
sempre um número inteiro absoluto soluciona uma radiciação ou uma logaritmação. Este é o caso
quando o radicando ou o logaritmando não são potências perfeitas. A impossibilidade da radiciação
ou da logaritmação, nestes casos, demanda a criação de um novo conjunto numérico.
Portanto o conjunto dos números inteiros absolutos é fechado para as operações diretas, mas
não para as inversas. Por conta das impossibilidades operatórias em certos casos das operações
inversas, surgiu a demanda de estender-se o conjunto dos números inteiros absolutos.
Então depois criou-se, a partir da divisão, o conjunto dos números racionais absolutos. Este
conjunto é fechado para a adição, a multiplicação e a divisão, mas não para a subtração, a
potenciação, a radiciação e a logaritmação.
Depois criou-se, a partir da subtração, primeiramente o zero, que é o primeiro número criado a
partir da subtração. Em seguida criou-se, também a partir da subtração, o conjunto dos números
reais negativos, que é o conjunto dos números opostos de todos os números reais absolutos. Com a
criação dos números reais negativos surgiram novas impossibilidades operatórias, como por
exemplo, a raiz de índice par de números reais negativos.
O conjunto formado pelos números inteiros absolutos, pelo zero e pelos opostos dos números
inteiros absolutos é chamado de conjunto dos números inteiros. Este conjunto é fechado para as
operações: adição, subtração e multiplicação. O conjunto formado pelos números racionais
absolutos, pelo zero e pelos opostos dos números racionais absolutos é chamado de conjunto dos
números racionais. Este conjunto é fechado para as operações: adição, subtração, multiplicação e
divisão (exceto com divisor nulo). O conjunto formado pelos números reais absolutos, pelo zero e
pelos opostos dos números reais absolutos é chamado de conjunto dos números reais. Este conjunto
é fechado para as operações: adição, subtração, multiplicação, divisão (exceto com divisor nulo) e
potenciação (exceto com ambos os termos nulos).
58
10 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BOYER, Carl B. História da matemática. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.
59
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3. ed. 2ª imp. Rio de
Janeiro: Lexikon, 2007.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prática. 17. ed. Campinas: Papirus,
2009.
DEVLIN, Keith. Matemática: a ciência dos padrões. Porto: Porto Editora, 2002.
GALVÃO, Maria Elisa Esteves Lopes. História da matemática: dos números à geometria.
Osasco: Edifieo, 2008.
IFRAH, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. 11. ed. São Paulo: Globo,
2005.
JANOS, Michel. Matemática e natureza. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Volume I)
LACERDA, José Carlos Admo. Praticando a aritmética. 4. ed. Rio de Janeiro: Dissonnarte, 2009.
SANTOS, Mário Ferreira dos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. Disponível em:
<http://www.4shared.com/account/document/bOrcnl0W/Mrio_Ferreira_dos_Santos_-_Dic.html>.
Acesso em: 14 maio 2012a.
SILVA, Jairo José da. Filosofias da matemática. São Paulo: UNESP, 2007.