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A agonia de um laboratório
por Michel Callon
(traduzido por
Ivan da Costa Marques)
Reprodução livre, em Português Brasileiro, do texto original de Michel Callon para fins de estudo, sem
vantagens pecuniárias envolvidas.
Todos os direitos preservados.
Free reproduction, in Brazilian Portuguese, of Michel Callon’s original for study purposes.
1
Como exemplo, veja BACHELARD (1934), CANGUILHEM (1960), HESSE (1974), QUINE(1960),
POPPER (1959,1963), mas também BARNES (1977), BLOOR (1976), FEYERABEND (1979). Para
uma argumentação filosófica em favor dos estudos de laboratórios, ver HACKING (1987).
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A ciência e suas redes
2
A expressão mais elaborada deste desinteresse voluntário se encontra evidentemente em POPPER
(1959).
3
As análises de P. Thuillier colocam constantemente em cena cientistas cheios de duplicidade ob-
servados ao sairem de seus laboratórios no momento onde eles estabelecem alianças “imorais” para
consolidar seu poder ou acalmar sua sede de glória. THUILLIER (1981).
4
Este é o ponto de vista da análise mertoniana da instituição científica. Para os textos fundadores, veja
MERTON (1973).
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A agonia de um laboratório
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Veja notadamente: PELZ e ANDREWS (1960), KORNHAUSER (1960), SHINN (1988),
WHITLEY(1978).
6
LATOUR (1988), KNORR-CETINA (1981), LYNCH(1985).
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A ciência e suas redes
Para bem compreender este papel particular do laboratório, uma boa estraté-
gia é seguir, acompanhando-o até a sua desintegração, a evolução de um
deles. Da mesma maneira que a pré-história de um laboratório nos permitiu
compreender a importância das redes,7 a lenta agonia de um laboratório nos
mostrará o papel que ele desempenha na permanente transformação e
adaptação dos produtos e de seus mercados. É ele que gere a heterogenei-
dade e a complexidade dos elementos que concorrem para a fabricação e para
a universalização dos conhecimentos. Quando mudam simultaneamente a
definição de problemas, as relações de dependências internas, as demandas
industriais, as comunidades científicas de referência, os modos de experi-
mentação, os conceitos utilizados, o laboratório é o lugar e o motor destas
adaptações. Jamais se vê o laboratório tão claramente quanto quando os
movimentos se tornam tão bruscos e os rearranjos tão profundos que o labo-
ratório não pode senão se desmembrar para se recompor depois sob formas
diferentes. Para dar conta do papel desempenhado pelo laboratório nesta
gestão complexa dos conteúdos, dos recursos necessários para sua fabrica-
ção e dos contextos de sua utilização-difusão, nós introduzimos a noção de
atores-redes cuja construção coincide com a construção dos fatos científicos
eles-mesmos.
No inicio dos anos sessenta uma ação concertada (AC) visando coordenar os
esforços de diferentes laboratórios de pesquisas, universitários e industriais,
7
Veja capítulo 2.
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A agonia de um laboratório
foi lançada pelo DGRST sobre o tema geral de conversão de energia8. O de-
senvolvimento de células combustíveis - dispositivos técnicos permitindo a
transformação de energia química fornecida por um eletrólito renovável em
energia elétrica - constitui uma das prioridades estabelecidas pelo Comitê
encarregado da ação concertada9. As razões desta escolha são múltiplas.
Antes de tudo, os programas espaciais acabavam de colocar evidência o de-
sempenho das células de combustível e deixavam entrever possíveis aplica-
ções industriais. Aliás é esta a argumentação que desenvolve Baccala,
membro do comitê e diretor do laboratório de Beauregard, importante centro de
pesquisa do CNRS especializado no estudo da eletrocatálise. Além do mais
este tema, fora sua importância econômica potencial, coincide com as priori-
dades políticas do momento, pois ele tem por virtude essencial promover uma
cooperação entre industriais e universitários e, de um modo mais geral, entre
pesquisa tecnológica e pesquisa de base. Por fim, uma das principais vanta-
gens da escolha é a de delimitar um terreno fácil para o DGRST investir, pois
não havia nenhuma concorrência a temer: o CNRS ou a Universidade são
pouco dispostos a embarcar em colaborações incertas com as empresas e
hesitam em apostar em disciplinas que, como a eletroquímica, ainda só des-
frutam de um prestígio medíocre. Aproveitando estas circunstâncias favorá-
veis, Baccala impõe sem dificuldades o tema das células de combustível, de
uma só vez em seus aspectos tecnológicos e fundamentais; e no mesmo ato
coloca seu laboratório no primeiro plano da cena. Beauregard se torna um
ponto de passagem obrigatório. Dominando tanto as técnicas como os co-
nhecimentos teóricos necessários à elucidação do funcionamento das células
de combustível, este laboratório se encontra colocado, desde o início da ação
8
No curso deste estudo financiado pelo CORDES, nós pudemos consultar todos os arquivos do
DGRST (atas de reuniões dos comitês, projetos de pesquisas, ...), organismo criado em 1958 e en-
carregado de botar em operação os programas de incentivo à pesquisa. Nós consultamos igualmente
os diferentes relatórios e documentos de trabalho feitos pelos pesquisadores de Beauregard, com os
quais umas trinta entrevistas foram realizadas. O diretor do Beauregard nos deu acesso a todos os
documentos administrativos e financeiros. Para um estudo mais detalhado da política do DGRST, ver
especialmente CALLON [1980a, 1980b].
9
As outras direções de pesquisa apoiadas pelo comitê de ação concertada eram as seguintes: ter-
moelementos, termofotovoltaíco, termoiônico, fotocélulas, plasmas, lasers, ótica, energia solar,
magnetohidrodinâmica e supercondutividade.
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A ciência e suas redes
Baccala, seguido sem discussão pelo comitê, acrescenta duas novas tradu-
ções que prolongam a precedente: a) para promover novas formas de energia,
uma das escolhas prioritárias é o desenvolvimento de células de combustível;
b) para alcançar este objetivo, a prioridade das prioridades é otimizar cada um
dos elementos constitutivos da célula, e em particular aperfeiçoar o desem-
penho dos eletrodos. Estas três operações de tradução alinhadas criam um
curto-circuito impressionante entre, de um lado, o futuro industrial e a inde-
pendência política da França e, de outro lado, as pesquisas conduzidas por um
10
Sobre a noção de tradução, ver CALLON (1980b, 1986a, 1986b) e LATOUR (1984, 1987).
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A agonia de um laboratório
Uma tradução, qualquer que ela seja, raramente se dá sem problemas. Ela
está freqüentemente sujeita à controvérsias. Aquelas propostas por Baccala
não escapam a esta regra e suscitam rapidamente vivas oposições. Muitos
cientistas, não representados no seio do comitê, estimam que seja prematuro
estudar a estrutura dos eletrodos e que, antes de se lançar ao desenvolvi-
mento das células, a prioridade deva ser dada a um problema mais funda-
mental: a elucidação dos mecanismos de eletrocatálise propriamente ditos e,
mais particularmente, a utilização da mecânica quântica para descrever e
compreender o papel exato dos catalizadores. Muito rapidamente sua argu-
mentação é descartada. Baccala consegue agregar suficientes interesses em
torno de sua tradução para impô-la sem a menor dificuldade.11 Durante um
longo período, esta equivalência não será contestada nos meios da política
científica que vão mobilizar importantes financiamentos para apoiá-la e con-
solidá-la. A linha de pesquisa indiscutível é o estudo do transporte dos rea-
gentes, a colocação em contato do eletrodo e do eletrólito assim como a ciné-
tica das reações e não a eletrocatálise enquanto tal, que, supõe-se, se produz
de modo não problemático na interface.12
Quando, uma vez tomadas estas decisões, Baccala volta para Beauregard,
não é só um homem que reencontra seu laboratório. Ele se tornou um pode-
roso macro-ator que fala em nome do comitê da ação concertada do ministério
da Pesquisa como também da política francesa de independência nacional.
Graças às traduções impostas, ele se encontra investido de uma missão na-
11
Para a análise desta agregação de interesses, ver CALLON (1980).
12
Este é o resultado de um colóquio organizado por Baccala e que se traduziu por uma derrota com-
pleta dos cientistas que pleiteavam um desvio pela física do estado sólido.
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A ciência e suas redes
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A célula hidrogênio/oxigênio é aquela cujo funcionamento está neste caso mais dominado. O obje-
tivo é otimizar o rendimento dos eletrodos porosos que asseguram o contato entre o combustível (o
oxigênio), o catalisador (que favorece a reação) e o eletrólito (o potássio).
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14
Sobre os conhecimentos tácitos e seu papel na formulação dos problemas, ver COLLINS (1975) e
CAMBRÓSIO (1988). Sobre a desconfiança como relação de forças, consulte AUGÉ (1975),
FAVRET-SAADA (1977), e sobre o paralelo entre programa de pesquisa e o processo de acusação,
ver LATOUR (1987).
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A ciência e suas redes
Nós escolhemos a prata como constituinte das paredes, por um lado porque
muitos catodos para células de gás são construídos com este metal e, por
outro, porque o método de metalização é aparentemente bastante simples.17
15
BLONDELET e PELLETIER (1961).
16
Entrevista com Blondelet e Pelletier.
17
BLONDELET e PELLETIER (1962).
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18
Ibid
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Esta tradução e o objeto que ela constitui recebem ao longo dos meses que se
seguem, o apoio de novos reforços.
É assim que são recrutados dois novos pesquisadores (um deles é um esta-
giário americano) de formação em eletrônica. Tomando como não problemá-
tico o objeto de pesquisa (o eletrodo monotubular) construído por Blondelet,
eles propõem um estudo puramente elétrico dos mecanismos eletroquímicos
sediados no eletrodo. As disposições de Villa e Pommier, são estes os nomes
destes dois pesquisadores, fazem-nos por vocação ocupar as posições que
lhes são propostas. Jovens, e um deles estrangeiro além de estagiário, eles se
encontram na impossibilidade de reunir os recursos que lhes permitiriam
transformar redes e objetos de pesquisa. Escolhendo estudar o triplo contato
independentemente de qualquer consideração sobre a catálise, reduzindo-o a
algumas variáveis elétricas que o caracterizam, eles reforçam o eletrodo mo-
notubular e todas as suas ramificações sociais, econômicas, políticas e tec-
19
Para dar conta desta vontade de ficar em Beauregard, seria necessário descrever todas as redes
familiares, afetivas e outras que impelem Blondelet a permanecer onde está. Sem esta investigação
mais ampla só podemos registrar a escolha do pesquisador sem explicá-la totalmente.
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A agonia de um laboratório
Nos efetivos globais do laboratório, que entre 1960 e 1964 passam de 41 a 73,
a relação entre o número de pesquisadores e o número de técnicos cai bru-
talmente de 1 para 0,5. Uma análise detalhada dos recrutamentos e das atri-
buições mostra que durante todo este período, o ritmo do crescimento demo-
gráfico do laboratório e a natureza deste crescimento são inteiramente impu-
táveis à influência crescente de Blondelet e de seu eletrodo monotubular. A
interpretação desta evolução é simples se se admite que o recrutamento ma-
ciço de técnicos no lugar de universitários traduz a vontade estratégica de
consolidar objetos [de pesquisa] estratégicos já constituídos. O aumento de
seus efetivos fortalece sem dúvida o eletrodo monotubular como objeto de
pesquisa e reforça as escolhas iniciais operadas por Baccala.21
20
Visto através da metáfora elétrica, um eletrodo ao qual se aplica um potencial é comparável a um
condensador (camada dupla) e a uma “self” (correspondendo à intensidade variável da reação de
oxido-redução). O eletrodo monotubular pode então ser interpretado como um caso particular de linha
de transmissão dos telegrafistas. A empreitada de redução conduzida por Blondelet instigado por
Baccala é prolongada. “Nossas experiências confirmam a validade da representação em linha da
transmissão do eletrodo monotubular de triplo contato. Portanto é possível aplicar esta teoria aos
eletrodos porosos empregados industrialmente”, Relatório DGRST (1963).
21
Sobre este ponto, ver LEMAINE et al. (1977)
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vidade de seu diretor que se torna aos olhos do maior número de pessoas a
principal orientação da pesquisa de Beauregard.
Atores-redes e laboratórios
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tidade dos actantes que o compõem não está fixada de uma vez por todas: é
um compromisso que resulta do entrecruzamento das definições que cada um
dentre eles propõe para todos os outros. Baccala faz do comitê de ação con-
certada, que nada predispunha a priori a desempenhar este papel, uma pos-
sante máquina de guerra a favor das células de combustível, organiza o apoio
do CNRS à eletroquímica, transforma a célula de combustível em eletrodo
monotubular que se torna a razão de ser de uma tropa de técnicos e de pesqui-
sadores. Mas, em contrapartida, a própria estratégia dos pesquisadores assim
como o comportamento do eletrodo monotubular vão acabar por “ressoar pela
proximidade*” sobre os projetos de Blondelet, de Baccala, modificando-os, e
depois, enfim, sobre as orientações políticas da DGRST: se os catalizadores
se envenenam obstinadamente, se a camada dupla se desestabiliza, se os
cientistas transformam a catálise em realidade problemática, então é a política
da DGRST, seu papel e em particular sua determinação de apoiar o desen-
volvimento das células de combustível e, mais amplamente, de promover
novas formas de conversão de energia, que correm o risco de serem questi-
onadas.
Para dar conta desta estranha entidade coletiva, cujo futuro é ao mesmo tempo
compartilhado e decidido por uma série de actantes heterogêneos que se en-
tre-definem, as noções tradicionais de redes ou de atores são insuficientes.
Este é o porquê de introduzirmos a noção de ator-rede para descrever estas
múltiplas interações heterogêneas entre actantes eles próprios heterogêneos
que se esforçam permanentemente para consolidar ou para transformar ao
mesmo tempo sua própria identidade, a identidade de outros actantes e a
natureza das relações que os une. O ator-rede forma um conjunto compósito,
cuja constituição (repertório de actantes e de suas relações) está sujeita a
flutuação e cuja extensão evolui, que é móvel em certos lugares e que se
endurece em outros. É ele que permite seguir a evolução conjunta dos con-
13
Sobre esta simetria na análise das associações humanas e não-humanas, ver Callon [1986].
*
N. do T.: “retentir de proche en proche”.
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**
N. do T. Em françês “enjeu”, isto é, mais literalmente, um “cacife” ou uma “aposta” nacional.
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Assim novamente mergulhado nos atores-redes que ele contribui para gerir e
animar, o laboratório aparece como um dispositivo essencial para separar e
colocar em relação permanente os conteúdos e os contextos. E por isso a
transformação dos objetos de pesquisa, que passa necessariamente por uma
transformação, e até uma multiplicação, dos atores-redes dentro dos quais age
o laboratório, chega algumas vezes a colocar em questão a própria existência
deste último. É esta aventura que vai viver o laboratório de Beauregard e que
nós vamos agora brevemente apresentar sem entrar no detalhe dos problemas
de pesquisa, mas insistindo sobre sua transformação e sobre aquela simul-
taneidade das alianças que eles estabelecem.
Casto recita sua lição. Ele aprendeu que o eletrodo é a sede de vários fenô-
menos: a) a carga da camada dupla; b) a reação de óxido-redução propria-
mente dita; c) a difusão dos reagentes. O método da impulsão dupla, que é a
partir de então seu método, permite isolar e estudar a reação de óxi-
do-redução. Confrontado com a solicitação de Baccala (estudo da cinética),
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A agonia de um laboratório
mobilizando os únicos recursos que ele pode mobilizar, Casto conduz expe-
riências que visam capturar em sua pureza a reação eletroquímica propria-
mente dita. A construção de Baccala, estabilizada por Blondelet sob a forma do
eletrodo monotubular, não foi ainda abalada; ela foi simplesmente prolongada.
14
Relatório de atividades do CNRS [1962].
15
Relatório DGRST [1964].
193
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16
Latour [1988].
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A ciência e suas redes
*
N. do T.: Esta palavra, no contexto do artigo original, indica um egresso da prestigiosa École
Polytechnique que forma a elite técnica da França.
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17
Relatório DGRST [1964].
197
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Garantido assim na frente que ele define como tecnológica (não se poderá
mais censurá-lo por suas escolhas de pesquisa sob o pretexto de que elas não
são diretamente eficazes no plano industrial), Blondelet se dedica a se pro-
teger no seu outro flanco. Ele manda para lá Pelletier, seu colaborador fiel. A
missão que ele lhe confia é clara: reduzir o mais rapidamente, e por todos os
meios possíveis aí incluída a teoria, as instabilidades e as irregularidades das
quais Lavillier e seus aliados se fizeram os porta-vozes. Pelletier se dedica à
missão tirando do estoque de teorias disponíveis aquela que ele é capaz de
dominar e que lhe permitirá abrir um interminável desvio do lado da física do
sólido. A escolha se impõe bastante rapidamente a ele: “A teoria dos orbitais,
correntemente utilizada pelos metalurgistas, é um método concreto que per-
mite previsões.” 19 Ele opõe assim a eficácia a curto prazo desta teoria às
promessas talvez mais excitantes, mas que ele estima menos diretamente
rentáveis, da teoria dita dos “efeitos de tela” desenvolvida pelos físicos do
sólido e mantida por Lavillier e seus colegas no próprio seio do laboratório de
Beauregard. A operação de estabilização assim realizada é tanto mais hábil
quanto ela organiza vias de passagem: sobre certos pontos, por exemplo, o
problema da absorção, as teorias podem, segundo a opinião do próprio Lavil-
lier, se completar: “Agora as questões estão colocadas e mais ainda, bem
colocadas. Cabe a nós elaborar as teorias que respondam a elas.”20
Para conduzir esta dupla reorientação a bom termo, Blondelet conta sempre
com o apoio de Baccala. Este utiliza seu crédito no seio do comitê da ação
concertada (AC) para obter a recondução de importantes financiamentos fa-
voráveis às pesquisas sobre as células de combustível. Entre 1964 e 1972,
18
Entrevista com Pelletier.
19
Nota de trabalho, 1969.
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80% dos artigos co-assinados pelo diretor do laboratório são artigos saídos da
equipe células de combustível. Além do que, os efetivos desta equipe são
mantidos no mesmo nível e a importância relativa do número de técnicos não é
modificada.
20
Entrevista com Lavillier.
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A ciência e suas redes
O confronto
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Este apoio firme à rede de Blondelet se revela tanto mais eficaz porque este
conselheiro é nomeado no mesmo momento presidente do comitê da ATP do
CNRS intitulado: Energia e Eletroquímica. A isto convém acrescentar a aliança
que Blondelet faz com os eletroquímicos organicistas que, se interessando
pouco pela interface e mais pelo eletrólito, estão prontos para resistir à colo-
nização do eletroquímica pelos físicos. Este apoio é tanto mais precioso por-
que, no seio do CNRS, a eletroquímica está ligada ao departamento de quí-
mica.
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dois, pontos de encontro, relações de troca, lutas pela definição dos problemas
mas também pelo controle de recursos e de posições, pela colocação hie-
rárquica. O laboratório transborda de todos os lados. As oposições internas ao
laboratório correm ao longo das redes. Elas são apanhadas mais adiante por
outros atores que as amplificam. Os choques, sobretudo quando portadores
dos aspectos mais estritamente científicos, colocam em briga a EDF, o CNRS,
empresas e comunidades científicas inteiras.
O laboratório impossível
No começo dos anos 1980 a existência de Beauregard se torna cada vez mais
problemática. A dinâmica do confronto entre os atores-redes fêz explodir o
laboratório que não é mais capaz de desempenhar os três papeis antes as-
sinalados:
21
Entrevista com Lavillier.
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Comentários finais
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Seria igualmente um erro não ver nos laboratórios nada além de puros e sim-
ples centros de produção e difusão de conhecimentos científicos. Antes de
tudo porque uma tal definição apaga a diversidade de seus modos de funci-
onamento reais. Laboratórios-fábricas, laboratórios-estúdios, laboratórios de-
finindo sua própria política ou ao contrário laboratórios realizando as escolhas
efetuadas por outros, laboratórios de atividades diversificadas e laboratórios
especializados em um só campo: seria muito longa a lista que mostraria a
variedade de situações conceptíveis, isto é, a variedade de posições dos la-
boratórios no seio dos atores-redes. Mas o essencial é compreender como um
laboratório delimita, organiza, gere e transforma o ambiente no qual ele difunde
os conhecimentos que ele produz, ambiente este que, em troca, lhe concede
margens de manobra. Nesta perspectiva a noção de ator-rede adquire toda a
sua significação, pois ela permite ligar a produção dos conhecimentos com a
conformação dos sistemas sociais nos quais estes conhecimentos são avali-
ados e utilizados. Os atores-redes elaboram teorias, ajustam técnicas expe-
rimentais e, simultaneamente, adotam ofertas e demandas, definem e hie-
rarquizam posições, fixam os interesses e organizam as relações entre as
instituições. Assim Blondelet, escolhendo o tamanho e as características de
seu eletrodo monotubular, definiu os interesses relativos da Universidade e da
indústria, a divisão de tarefas entre pesquisa fundamental e pesquisa aplicada
assim como o círculo da concorrência, e este conjunto heterogêneo se reor-
ganiza ao mesmo tempo que ele reformula seus problemas de pesquisa. Vi-
sualizados nesta perspectiva, os laboratórios são as unidades flutuantes que
se deformam com os atores-redes que os atravessam e os estruturam. Para
estes, o controle e a organização do laboratório representam apostas (inte-
resse-risco) de grande porte, como bem mostra a estratégia de Blondelet que
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