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14/11/2019 Carlos Heitor Cony: literatura, política e condição humana

 REVISTA MINAS FAZ CIÊNCIA  MFC INFANTIL CIÊNCIA NO AR

Minas Gerais tem belezas


naturais, comidas típicas,
cidades históricas,
tradições… e também
cientistas e centros de
pesquisa de excelência
internacional.

O MINAS FAZ CIÊNCIA é um


Ciência na Estante   Entrevista   portal de notícias sobre

Carlos Heitor Cony:


Ciência, Tecnologia e
Inovação que traz novidades,
debates e curiosidades sobre

literatura, política e a área, com foco no que está


sendo desenvolvido em

condição humana terras mineiras.

 17 de janeiro de 2018  Maurício Guilherme Silva Jr  0 comentários

Oito de maio de 2008. Em seu organizadíssimo escritório carioca, no


Largo do Machado, o escritor Carlos Heitor Cony – falecido no último
dia 5 de janeiro, aos 91 anos –, recebe-me, entre centenas de livros,
objetos pessoais e obras de arte, para prosear sobre uma série de
questões, relacionadas ao fazer literário, à trajetória sociopolítica do Um Minuto de
Ciência 
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País, e, principalmente, às ambiguidades do ser humano e aos


reveses e belezas da existência.
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Drones e agricu…
agricu…

À época, iniciavam-se os estudos de minha tese de doutorado,


defendida, quatro anos mais tarde, junto ao Programa de Pós-
graduação em Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais (Fale/UFMG). Aquelas cerca 00:00 01:02

de duas horas de conversa só se tornariam públicas em 2014, ao


integrar os anexos do livro Cronismo de Resistência – Tensões
narrativas entre jornalismo, história e literatura em crônicas de Carlos Navegue por
Heitor Cony contra o golpe militar de 1964, lançado pela editora assunto
Prismas.
Bastidores da ciência (3)
Em homenagem ao escritor, cronista e jornalista, responsável por
Ciência e Arte (3)
obras seminais às letras nacionais – a exemplo de O ventre (1958), O
ato e o fato (1964), Pilatos (1974) e Quase memória (1995) –, buscou- Ciência na Estante (44)
se destacar, aqui, trechos reveladores da entrevista, nos quais é Ciência no Ar (67)
possível compreender meandros da produção artística e do
Ciência no Brasil (90)
pensamento intelectual de Cony.
Ciência pelo Mundo (67)

Comunicação Cientí ca (66)

Contemporâneas (26)

CT&I (23)

Curiosidades (65)

Datas Comemorativas (6)

Diário de Bordo (24)

Divulgação Cientí ca (91)

Empreendedorismo (5)

Entrevista (36)

Entrevista (1)

Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil – EBC Especial Minas Faz Ciência (15)

Eventos (136)
Comecemos pelo romance Pilatos, de 1974. Como foi o processo de
Fala Ciência (4)
escrita do livro, tido pelo senhor como um de seus melhores
FAPEMIG (54)
trabalhos?
Finit (1)
O livro começou a ser escrito por volta de 1970. Eu tinha sido preso,
Inova Minas (1)
em prisão meio estúpida, por uns dez dias. Quando voltei, estava
empregado, trabalhando nas memórias de JK na Manchete. Tinha um Inovação (11)
ordenado, realmente. E havia cado muitos anos sem nenhuma fonte Jornalismo Cientí co (15)
de renda, mas, com a história de trabalhar nas memórias de
Juscelino, fazia colaborações não só para a Manchete, mas, também,
MicrouniVersos (14)

Minas Faz Ciência (375)



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para outras revistas, simpósios etc. Estava recém-casado e,


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INFANTIL Infantil
CIÊNCIA NO(1)AR
realmente, achei que não tinha mais nada a fazer com a literatura. Eu
Mineiros lá fora (4)
tinha escrito Pilatos e estava enfarado da literatura. Estava farto!
Após 1964, depois das prisões, do ano em que passei em Cuba, achei Mulher Faz Ciência (5)

que a literatura não signi cava nada. Então, resolvi fazer o livro, uma Mulheres na ciência (8)
espécie de fala do trono, e, com o tempo, eu lavava as mãos. Daí o
Na mídia (69)
título de Pilatos. A obra era isso: o símbolo do ato de “lavar as mãos”.
Nota 7 Capes (9)
Retirei a epígrafe de [Paulo] Vanzolini: “E assim me rendi ante a força
dos fatos / Lavei minhas mãos como Pôncio Pilatos”. Não podia fazer Pint of Science (17)
nada contra a força dos fatos, a não ser lavar as mãos. Por isso, Podcast Ondas da Ciência
escrevi um livro completamente descompromissado de bom gosto, (340)
de moral, e da própria técnica literária, além de repleto de coisas
Prêmio CAPES de Tese (10)
absurdas. En m, z o livro. Uma farsa, praticamente. E o realizei,
quase todo, nos intervalos de meu trabalho. Fechei meu gabinete Prêmios (14)

para construí-lo, e dei aquele tom picaresco, bastante debochado. Tecnologias (20)
Não tive receio de me enveredar pelo caminho de Rabelais, Swift,
Três perguntas para (2)
meus modelos de literatura. Esqueci Machado de Assis, Sartre, e
Vida de pós-graduando (1)
entrei, mesmo, no terreno dos malditos: um pouco de Sade e muito
de Swift e Rabelais. Depois da publicação, percebi que o livro
continha, como pano de fundo, uma situação, uma época. Falo de
uma geração castrada. As personagens são todas marginais, vítimas –
e, até certo ponto, cúmplices – de tudo aquilo. Gostei do livro porque
é muito próprio. Acho que qualquer um poderia escrever minhas
outras obras, de modo melhor ou piro. Pilatos, só eu poderia fazer.
De tal maneira isso me satisfez, que pensei: “Bom, agora, não preciso
escrever mais nada”. E quei 21 anos sem dedicar-me à cção.

 Até Quase Memória…

Sim. Escrevi crônicas, z muita adaptação de clássicos. Cheguei às


biogra as de Getúlio, Juscelino. Apesar disso, me encomendavam
livros de cção! Eu realmente me desinteressei. Não frequentava a
literatura, nem os suplementos. Foi, digamos assim, um rompimento
de nitivo, profundo, não só com as letras, mas com as várias
manifestações da arte. Além disso, tive certo prazer em ajudar o
Juscelino a escrever suas memórias. Eu sabia que era coisa
importante, por se tratar de um depoimento à história do Brasil,
embora uma autobiogra a seja sempre facciosa, tendenciosa. Trata-
se, porém, de um ponto de referência. Nesse período, entreguei-me à
vida.

Percebo, em seus relatos de cronista – e, particularmente, em O


ato e o fato –, grande descrença em relação ao “homem moderno”.
Em seus romances, as noções de solidariedade humana somam-se
a certa náusea com relação ao mundo sensível. Nesse sentido, 
pergunto-lhe: em O ato e o fato, assim como nos romances pós-
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1964,
Pessach
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e
Pilatos,
de que
modo o
senhor
bebe na
“fonte
existen
cialista”
? Quais
os ecos
de
Sartre
nas
referida
s
person Adaptada – Foto: Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil – EBC

agens
(conyny
anas), assim como em suas crônicas?

Você tocou em assunto bastante atual. Quando publiquei o primeiro


livro [O ventre], Sartre era o grande escritor da época. Não falo, aliás,
do Sartre lósofo, pois nunca perdi muito tempo com ele – e nem
com Deus, mente, loso a
a, existencialismo. Re ro-me à cção do
autor, que me impressionava muito, com A náusea, Os caminhos da
liberdade, A idade da razão e O muro. Nesse sentido, eu era uma
pessoa inibida, imersa no espírito sartriano. Não gosto, porém, da
expressão “homem moderno”. Para mim, é, simplesmente, “o
homem”. Não tem adjetivo. O homem! E, na verdade, sempre fui um
leitor apaixonado, mesmo, de Machado de Assis. Há cerca de dez
anos [por volta de 1998], uma professora paranaense [Raquel Bueno]
fez uma tese de doutorado, na USP [Universidade de São Paulo], em
que assinalava os pontos machadianos de minha obra.

 Eu pensava que era sartriano, mas me


espantei, ao ler aquele trabalho: sou
mesmo machadiano. É impressionante!
Aos olhos de ressaca de cigana oblíqua
e dissimulada de Capitu, corresponde, 
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em Helena, minha personagem, um


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olhar meio estrábico, que zombava de
tudo e me deixava sem jeito. A
segurança de Capitu dissimulada
contrastava com a insegurança de
Bentinho, assim como as famílias
sentiam-se agrupadas… O Severo e a
família de Helena eram vizinhos, a rua
em que foi morar, no Rio de Janeiro, era
em Mata Cavalos. O seminário afastou
Bentinho de Capitu; José e Helena se
afastaram pelo internato. Tanto
Bentinho quanto José sofrem muito em
relação às suas partidas. Há, ainda, a
reação de Capitu quanto ao tema da
fraternidade; e a cabeça aritmética de
Escobar, herdada por Ezequiel, traço
de nitivo da personalidade do irmão de
José. Oh, meu deus! Dois mais dois são
quatro: isso é Machado de Assis!

Gostaria de falar um pouco sobre o golpe de 1964, e acerca da arte


naquele período. Como o senhor enxerga, hoje, a implantação do
regime de exceção? Que análise, política ou literária, faz da queda
de Goulart e da implementação do governo militar?

Do ponto de vista literário, não teve nenhum Na colônia penal [livro


de Kafka]. Não teve nada. A literatura estava, digamos, voltada a
temas sociais, às perdas. Eu era beato, e não tinha nenhuma
preocupação social. Em 90% da literatura que se publicava à época,
tanto na prosa quanto na poesia – e, sobretudo, na poesia e no teatro
–, era grande o engajamento. Além disso, havia o pano de fundo da
Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois acirrados polos. O golpe de
1964 foi, dentre outras coisas, consequência da Guerra Fria. E, claro,
de certos problemas internos do Brasil. Ficou aquele resíduo da
morte do Getúlio. O exército, a nal de contas, havia derrubado
Getúlio duas vezes – uma, em 1945; outra, em 1954. O Jango assumiu,
como vice-presidente, muito enfraquecido. Tinha prestígio popular
porque tinha o partido. Era herdeiro do Getúlio no caso, mas
despreparado politicamente, e, com o tempo, foi engolfado pelas 
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esquerdas. Não só pelas esquerdas intelectuais, mas, sobretudo, pela


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pelegada, pela turma que disputava os lugares, e, ao mesmo tempo,
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procurava fazer certa legislação por meio de sucessivas greves, para


impor questões polêmicas à época, o que desagradou não só ao
exército, mas à classe média como um todo. Daí, veio 1964.

Após o golpe, muitos artistas e intelectuais se calaram. Já o senhor


passou a escrever crônicas políticas, no Correio da Manhã,
contrárias ao movimento. Qual era sua motivação?

Na hora, muita gente fugiu. Todo mundo foi para debaixo da cama,
queimou seus livros. Os que puderam fugiram. Eu não era engajado,
não tinha partido, não conhecia ninguém, não sabia nem o nome das
pessoas. Até hoje, não sei por que agi daquele modo. Se você
perguntar o nome de três ministros, eu ainda não sei. Naquela época,
muito menos. Então, comecei a reclamar, em reação à chamada
massi cação, à bossalização de uma nação diante da bota militar.
Esse era o tom.

O senhor chegou a escrever algo sobre as manifestações do


movimento “Tradição, Família e Propriedade”?

Em linhas gerais, não. Importante ressaltar, porém, que a classe


média, como um todo, e a mídia apoiaram o golpe. Mas me
concentrei, basicamente, nos militares, e, sobretudo, no Castelo
Branco e no Ministro da Guerra. Quanto à Tradição, Família e
Propriedade, eu fui a Belo Horizonte, em 1964, para uma palestra, no
auditório Alfredo Balena, na Faculdade de Medicina. Estava no Hotel
Normandy, e, na frente, havia um caminhão, com alto falante, que
passava e gritava, no maior desaforo: “Saia de Belo Horizonte, sua
pústula”. Vieram, assim, para cima de mim.

Lembro-me do senhor, em depoimento ao Instituto Moreira Salles,


dizendo, sobre aquela época: “Eu, na verdade, achava tudo chato”.

Não tenho nenhuma simpatia pela esquerda, como também não


tenho pela direita, nem pelo centro. Nesse ponto, sou um anarquista.
Um anarquista inofensivo. O anarquista não admite a existência do
Estado. Eu não admito. O Estado é uma coisa repressora e o ideal da
sociedade seria o dia em que ele não existisse. Mas não estou
disposto a jogar bomba por causa disso. Vivo com isso. E levo isso
para o túmulo.

Em relação à literatura, o golpe, de certa forma, mudou seus


processos de criação?


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Não, não. O fato político não me interessa. Fiz minha obrigação como
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jornalista. Ou seja, me manifestei, condenei, critiquei, debochei, fui
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preso, paguei o preço, perdi o emprego. En m, z tudo o que tinha


que fazer. Agora, no meu interior, naquilo que eu chamo de “minha
persona”, esse golpe não me afetou. Em 1964, em pleno 1964, eu me
dediquei a obras, como o romance Antes, o verão, completamente
desengajadas, alienadas. No caso, um casal vai se separar. E não há
referência – nenhuma referência, mesmo! – ao fato político. Nada! Eu
z isso em 1964. Estava sendo processado pelo Costa e Silva e fui
para Campos do Jordão, por encomenda da Civilização Brasileira, que
resolveu fazer o [livro] Dez mandamentos. Então, juntou uma turma –
Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, Otto Lara Resende etc. –, e eu
z o primeiro mandamento, “Amar a Deus sobre todas as coisas”.
Não havia, nele, qualquer referência social.

Que relação, na visão do senhor, há, deve haver, ou não, entre arte
e resistência política e/ou social? E como o senhor analisa a
literatura produzida nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil?

Temos o desastroso exemplo da União Soviética. Acaba-se aquela


grande fase russa dos romancistas do século XIX, com Tolstói,
Dostoiévski, Tchekhov. Depois, tudo vira literatura engajada, de
louvores ao regime, com o partido cristalizado. Alexander Soljenítsin
foi contra; Boris Pasternak, ponderado. Falo de dois grandes
escritores surgidos depois da revolução, e que foram amaldiçoados e
perseguidos. Só não foram mortos. Mas a literatura caiu numa
mediocridade de propaganda. Na Alemanha, a mesma coisa. No
Brasil, já começava a haver certa literatura engajada. Eu, por
exemplo… Meu editor, Ênio Silveira, era muito criticado porque me
publicava. Diziam: “Você está publicando o Cony? O Cony não é de
nada; Cony é alienado, só fala em mulher, em dramas espirituais,
seminário, Deus, padres. Esse camarada não é de nada” e tal. A
preferência eram os temas engajados. Agora, após 1964, realmente,
houve uma treguazinha. Depois, começaram os livros de protesto. Aí,
já não era mais o livro engajado. Eram obras de protesto. Fiz, então,
Pessach – A travessia, e Balé Branco, também completamente
alienado. Não tinha nada, nada. E eu estava completamente no exílio.
Aí, fui preso, em 1965. Na prisão, éramos oito, entre os quais o
[Antonio] Callado, que fazia Quarup, e o Glauber [Rocha], que se
dedicava a Terra em transe.

 Talvez o melhor livro da década de


1960 seja, justamente, Quarup. Mas, no 
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início, era um livro apenas sobre os


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índios, questão cara ao Callado, que era
muito amigo do Darcy Ribeiro, dos
irmãos Villas Boas, e fora várias vezes
ao Xingu. Depois da prisão, achei que
era época de fazer algo, já que havia
escrito livros sobre várias coisas.
Precisava ter um personagem escritor
[Paulo Simões]. Mas qual? Em Pessach,
tomei por base minha própria vida,
minha experiência, minha vida
particular. Terminei entrando numa
jogada: quis sair e não pude, mas não
por vontade. Eu queria sair, fugir, e me
disseram: “Você não pode fugir mais
porque conhece o mapa da mina”.
Então, quei ali, prisioneiro de pessoas
que queriam fazer uma guerrilha, e
terminei envolvido na história contra a
vontade.

Não
queria,
mesmo,
se
engajar
?

Tinha
repugn
ância
pelo
fato
Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil – EBC político.

Mas,
em Pilatos, a referência política é direta. A própria castração da
personagem não simboliza a ausência de direitos dos cidadãos?

Sim, esse é o de pano fundo. O importante de Pilatos era eu fazer


uma “fala do trono”. Assim como em Pessach – A travessia, eu tinha

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envergado a personagem. Não eu, mas a personagem se envergara à


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força dos fatos. Assim como em Pilatos, no qual, porém, a
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personagem lava as mãos.

Gostaria, agora, de falar sobre o “cronista Cony”. Gênero


relacionado às nuances da história, a crônica, no Brasil, se
particulariza, ao abarcar, conforme costumo dizer, “as
tempestades e as sinfonias do dia a dia”. De que modo o senhor
caracterizaria tal tipo de texto? Em seu ofício, prevalece o desejo de
abordar o banal cotidiano ou a macro-história?

A crônica não é um gênero nosso. Montaigne era um cronista. Ao


mesmo tempo, a crônica é nosso exercício, e ganhou, realmente, um
jeitinho brasileiro. Temos afeição à crônica, por exemplo, devido à
falta de bons articulistas e ensaístas. Nossos escritores – sobretudo,
aqueles prendados, com bom estilo e que dominam bem a língua –
têm linguagem própria, têm charme, e o diabo a quatro. Mas eles se
recusam a fazer artigos porque não têm profundidade. Eles não têm
a capacidade necessária ao ensaio, gênero que deixam para os
professores e para o “território acadêmico”.

 O cronista, na verdade, é um peixe de


aquário. Ele tem a obrigação de ser
charmoso, de ser bonito, de fazer
piruetas. Vive no aquário iluminado,
nas luzes – da mídia, do jornal, da
revista. Ele escreve hoje, e, amanhã, sai
sua crônica. Então, ele está ali presente,
naquela iluminação toda, na água
limpa, renovada. O dono do jornal
muda a água, bota comidinha para ele,
a comida cai no aquário. Eles são peixes
vermelhinhos. Há diversas categorias.
Uns mais bonitos do que os outros.

E são frágeis…

Seu universo é o aquário, um mundo limitado, de vidro e de água


limpa. A pessoa olha e ca. Você, às vezes, pode passar horas
olhando o aquário. Mas não há nada a não ser aquela beleza
faiscante. Eis a crônica! Com o escritor, tudo é diferente. Ele é um

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peixe feio, repugnante, do mar, que vive nas profundezas e não


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chega à luz do sol. Ele não é obrigado a fazer cambalhotas, nem a
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agradar. Não precisa cortejar o público, pois não existe para ser visto.
Sua vantagem? Ele tem todo o oceano. Sim, ele é o senhor dos
oceanos.

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Tags: Carlos Heitor Cony, cronista, escritor, livros

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