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RESENHA

BERTH, Joice. “O que é empoderamento?”


Wallesandra Souza Rodrigues
Graduanda em Sociologia e Política pela FESPSP
(wsrodriguess@gmail.com)

Terceiro volume da Coleção Feminismos considerações finais e ainda dois blocos de notas de
Plurais da editora Letramento coordenada rodapé e referências. A autora aponta a existência
pela filósofa Djamila Ribeiro, a obra O que é de uma “tradição internacional de estudo do
Empoderamento? traz referências e reflexões da empoderamento enquanto categoria conceitual e
Arquiteta e Urbanista feminista negra Joice Berth teoria aplicada” em diversos campos de saberes.
acerca dos conceitos adjacentes e que compõem Na primeira parte que carrega o título do
o empoderamento enquanto prática. Partindo de livro, é realizada uma introdução ao tema por meio
uma perspectiva feminista negra e fazendo uso da das definições de poder encontradas nas obras de
metodologia da interseccionalidade, Berth propõe Michel Foucault e Hannah Arendt. Para a filósofa
o aprofundamento na compreensão do conceito alemã o poder se dá por meio da ‘ação coletiva’,
de empoderamento evidenciando as concepções não sendo assim propriedade de um indivíduo, mas
de diversos intelectuais, mas atentando-se ao pertencente a um grupo e cuja manutenção da união
pensamento produzido por Paulo Freire, bell hooks, desse grupo é condição sine qua non para a existência
Patricia Hill Collins, Angela Davis e Srilatha do poder. Assim, quando o poder é atribuído a
Batliwala que compreendem o empoderamento um indivíduo, isso só é possível pelo fato de um
enquanto prática que parte do processo de número de pessoas tê-lo empossado para que aja em
autoconscientização e culmina em transformação. nome do grupo. Tal qual em tese caracteriza-se um
Não sendo possível então empoderar alguém senão regime democrático. Para Foucault, segundo Berth,
nós mesmos e servirmos de amparo aos processos a preocupação era de expor a não fixidez do poder
de conscientização de outros indivíduos. Qualquer em um Estado somente, mas presente nas relações
prática contrária à descrita, nos alertam as autoras e e em toda a estrutura social, reconhecendo o poder
autor, incorre no risco da apropriação do discurso, enquanto prática social de controle e dominação.
esvaziando assim a potencialidade do fenômeno Partindo desse pressuposto, a autora pontua que
transformando-o em ferramenta de manutenção de empoderar seria conduzir os indivíduos por diferentes
um status quo. estágios de “autoafirmação, autovalorização,
A obra de linguagem acessível e direta, autorreconhecimento e autoconhecimento de si
no formato de livro de bolso, não traz sumário mesmo”. O prefixo auto é o maior indicativo que o
evidenciando o caráter direto da obra. Contem ao processo de empoderamento produz transformação
todo 161 páginas sendo dividida em cinco blocos: efetiva a partir de movimentos internos do indivíduo.
introdutório, contexto sócio histórico, contribuição A autora sintetiza o histórico do uso da
do feminismo negro, noções de empoderamento, palavra empoderamento trazendo desde o significado

Alabastro: revista eletrônica dos discentes da Escola de Sociologia e Política da FESPSP, São Paulo. Ano 7, v. 2, n. 11, 2018, p. 76-79

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O que é empoderamento?
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da palavra no original do Inglês empowerment faz presente uma abordagem do empoderamento por
e enfatiza a importância de uma investigação uma perspectiva econômica e das políticas públicas
genealógica das diversas abordagens do termo, enquanto tática importante de desenvolvimento
bem como as contribuições de diversas e diversos comunitário suplantando a pobreza, a exemplo
intelectuais para inclusive pensar empoderamento do movimento black money, políticas públicas de
enquanto metodologia de trabalho. renda básica mínima, etc . No entanto, nessa área
No que é compreendido como segundo do conhecimento há uma possibilidade maior de
bloco se faz a discussão acerca das dinâmicas ocorrer uma distorção do conceito tal qual nos alerta
e estruturas sociais que possibilitam relações a autora, no sentido de servir como instrumento
opressivas e a aplicabilidade da teoria, trazendo de de manutenção de práticas assistencialistas por
início a reflexão sobre o que não é empoderamento. parte de órgãos econômicos mundiais, mantendo
Não é empoderamento, portanto, considerar que assim a dependência de certas comunidades e a
a prática se dá apenas no foro individual, de influência dominadora de outras. Colocando assim o
maneira autocentrada, ignorando desta maneira empoderamento numa chave de dádiva, benfeitoria,
ações que promovem a manutenção e reprodução etc. E pensar em empoderamento e transformação
de opressões nas relações com outros grupos. social é num dado momento pensar em participação
Aqui fica evidente o caráter gradual do processo social e democracia. A autora aponta a falta de
de empoderamento. A partir desta exposição estímulo que acaba por servir à manutenção de
se torna possível compreender que pensar em sistemas de opressão como produtora da baixa
empoderamento é pensar em um agrupamento participação política da população no Brasil.
de ações que sejam antirracistas, antissexistas No terceiro bloco, reservado a pontuar
e anticapitalistas. Indivíduos empoderados são as contribuições do feminismo negro na
importantes, mas não é o fim em si, pois somente ressignificação do conceito de empoderamento,
por meio de uma coletividade empoderada é não que essas contribuições já não aparecessem nos
possível promover alterações nas estruturas sociais. blocos anteriores, a autora chama a atenção para
Mas para a efetiva conscientização coletiva, Berth a importância de se reconhecer o conhecimento
aponta algumas barreiras estruturais em que o produzido por teóricas e pensadoras negras e como
conhecimento protagoniza mais precisamente a suas contribuições servem para um aprofundamento
política de educação pública sucateada, como uma na noção do conceito de empoderamento em
barreira importante para o desenvolvimento de uma virtude da possibilidade de reexistência a partir da
consciência crítica. O silenciamento, testimonial autodefinição propiciada pelo reconhecimento das
smoothering, que consiste no abrandamento da histórias de resistência. Para corroborar com seu
vivência com a intenção de evidenciar no discurso pensamento Berth evoca a socióloga Patricia Hill
o conteúdo que o público exprime interesse em Collins quando diz que o lugar da mulher negra
captar também exerce papel fundamental para a mesmo que marginalizado é um “lugar de potência”,
manutenção das situações de opressão. Também se pois, na ação de se auto definir, as mulheres negras

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contrariam a construção do que é ser mulher negra a maneira a visão sobre si é distorcida, uma vez que
partir da ótica colonizadora. Nesse sentido também ao não condizer com aquela que é amplamente
é destacada uma fala de Angela Davis no segundo divulgada (magreza, brancura, cabelos liso, etc). A
bloco em que afirma que somente quando as partir dessa compreensão é possível acompanhar
mulheres negras estiverem plenamente livres será a construção da autora no sentido de afirmar que
possível visualizar a sociedade em um movimento para a prática do empoderamento é necessário fazer
rumo ao desenvolvimento pleno e eliminação dos uma busca de suas “raízes culturais, emocionais,
problemas mais evidentes. Desconsiderar esses artísticas, afetivas, etc.”. Um sucessivo e longo
conhecimentos produzidos compromete o exercício processo de libertação do que é imposto enquanto
do pensamento crítico, uma vez que se reforça desta belo e válido em busca de valorizar o que se é
maneira o apagamento de saberes desenvolvidos em essência. Assim, a “autoestima” se mostra
por sujeitos não brancos e não europeus reforçando para a autora como um elemento importante para
apenas uma perspectiva, e essa é a contribuição o alcance de uma prática empoderada. O outro
da interseccionalidade cunhada por Kimberlé elemento discutido e apontado pela autora e
Crenshaw e utilizada também por Audre Lorde diretamente relacionado com esse resgate interno é
e Sueli Carneiro quando da produção de suas a afetividade, que dialogando com suas referências,
reflexões acerca das especificidades produzidas por aprofunda na explanação do desencadeamento de
cada marcador social da diferença, não incorrendo consequências afetivas de uma vida pautada na
em hierarquias, apenas experiências específicas. imagem distorcida de si mesmo, como não sendo
O quarto bloco que se chama Estética e bela e, portanto não digna de admiração, respeito e
Afetividade: noções de empoderamento serve de amor próprio, primordialmente.
campo para aprofundar na discussão sobre o fato No quinto bloco Berth traz suas conclusões
de ser ou não a estética uma ferramenta na prática finais em que reforça o cuidado para o não
do empoderamento. A autora traça um percurso distanciamento dos sentidos originais do que é
de análise da etimologia da palavra estética e sua empoderamento, pois esse deslize resulta em um
relação mais direta que é a imagem. A imagem, esvaziamento do sentido original e consequente
no caso as representações estéticas, comunicam apropriação do discurso. Enfatiza também a
lugares de acesso, pertencimento e proibições. importância de se criar estratégias de fortalecimento
Assim como por meio da estética é possível econômico, estético, afetivo, entre tantos outros, para
determinar o que é belo ou não, utilizando de que surjam campos favoráveis ao empoderamento.
canais como a moda e marketing para difundir essa A autora contribui com a ampliação do
informação, essa comunicação serve de ferramenta referencial teórico para se aprofundar na discussão
para a manutenção do controle e subjugo de um conceitual sobre o empoderamento trazendo ao
determinado grupo, que mesmo majoritário diálogo todas as autoras e todos os autores citados
em número absoluto se torna minoritário em neste texto. Sua leitura proporciona ferramentas
representação e participação sociopolítica. Dessa para tecer análises sobre diversos fatos históricos

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passados e presentes, como quando numa por uma situação como essa, é difícil termos
passagem no segundo bloco em que a autora trata (pessoas negras) uma ação pragmática assertiva,
do silenciamento é possível fazer uma ligação dada a natureza da violência que destoa da ideia
direta com um caso recente ocorrido em Duque de propagada socialmente de que vivemos em um
Caxias no estado do Rio de Janeiro1. No episódio país miscigenado e por sermos todos iguais
uma advogada negra é algemada no exercício de basta nos esforçamos para chegar aonde se quer.
seu dever jurídico durante uma audiência, fato esse Valéria dos Santos quis acreditar nessa ideia e se
nunca registrado pela Ordem dos Advogados do esforçou fazendo um faculdade de Direito e mais
Brasil – OAB, órgão que regulamenta e ampara os ainda seguindo o exame da ordem dos advogados
profissionais do direito. Respaldada pela OAB, a que é muito disputado, no entanto seu esforço
advogada em coletiva de impressa acha importante e inteligência nunca foram os reais motivos
em sua fala não atribuir a violência sofrida ao para ela como tantas outras mulheres e homens
marcador raça, mas apenas como uma agressão à negros compartilhassem vivências de privações
classe. Nesse ato, a advogada fragilizada conformou e escassez. É possível dizer que se Valéria dos
seu discurso em busca de uma sensibilização e apoio Santos estivesse empoderada de sua condição
de sua classe laboral em favor da apuração justa dos enquanto mulher negra em uma sociedade racista
fatos, mas desta maneira se fez necessário que ela como a brasileira, ela tivesse evidenciado o caráter
ignorasse a natureza racista das estruturas sociais e racista da violência sofrida durante a primeira
estatais, que não isenta nem mesmo os profissionais coletiva? Pelo conteúdo que Berth brilhantemente
e áreas designadas à execução da justiça a qual organiza e tratamos até então, sim. Mas enquanto
ela faz parte. Isto torna esse ato um exemplo do mulher negra e que me considero empoderada,
conceito trazido de testimonial smoothing. Fato é rememorando tantas violências advindas do
que o tratamento a ela destinado, em se falando no racismo que já sofri e as ações que consegui e pude
contexto brasileiro, provavelmente (?) seria outro, fazer, sinceramente não sei dizer.
não fosse ela mulher e negra.
Embora o episódio tenha sido revelado Referência bibliográfica
como uma manifestação de racismo por parte da
juíza leiga que deu ordem de prisão à advogada, Berth, Joice. O que é empoderamento?. Belo
essa afirmação veio de uma representante da Horizonte (MG): Letramento, 2018
comissão de discussões de gênero e raça na OAB
presente na coletiva de imprensa. Essa denúncia
não foi apropriada pela advogada injustamente
detida, o alvo do racismo. Quando se passa

1 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/


cotidiano/2018/09/advogada-e-algemada-por-pms-durante-
-audiencia-judicial-no-rio-de-janeiro.shtml. Acessado em
12/11/2018.

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