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KATHERINE NICOLAS GATOS

O HOMEM CONTEMPORÂNEO E A BUSCA DO GRAAL:


A IMPORTÂNCIA DO DIVINO EM SUA VIDA SOB O
OLHAR DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA


SÃO PAULO
2008
KATHERINE NICOLAS GATOS

O HOMEM CONTEMPORÂNEO E A BUSCA DO GRAAL:


A IMPORTÂNCIA DO DIVINO EM SUA VIDA SOB O
OLHAR DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Trabalho de conclusão de curso como exigência


parcial para a graduação do curso de Psicologia,
sob orientação da Prof.ª Dr.ª Flávia Hime.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA


SÃO PAULO
2008

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Dedico este trabalho a duas pessoas muito importantes
para mim, que me deram todo o apoio necessário para eu
conseguir completar esta fase da minha vida e que
sempre estarão ao meu lado ao longo de minha jornada.
Pessoas que me mostram o sentido de viver, dedicando
todo seu o amor e felicidade àqueles que os cercam.
Minha mãe e meu avô, Cristina e Jean Rodopoulos, que
sempre me acolheram, cada qual a sua maneira, quando
sentia que algo me faltava. Definitivamente, são pessoas
muito especiais na minha vida. Mama e Papu: Amo vocês
de todo o coração! Este e qualquer feito que realize só é
possível pois tenho vocês comigo.

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Agradecimentos

À Flávia Hime por ter me acompanhando durante todo este trabalho de


maneira carinhosa e, principalmente, acolhedora. Obrigada por me amparar
nos momentos de angústia onde eu pensava que não conseguiria seguir em
frente. Em nossos encontros, sempre soube como me fazer sentir-me mais
forte, sempre se preocupando com os sentimentos que surgiam no dia-a-dia,
compartilhando suas histórias. Obrigada por acreditar em mim e por caminhar
junto a mim nesta realização, sempre se dedicando e se disponibilizando
verdadeiramente. Acima de tudo, obrigada por ser essa “mãezona” que você é,
como sempre lhe digo, não permitindo que o papel de Doutora e Professora
impeça que seus relacionamentos sejam sempre, simplesmente, verdadeiros.

À Noely Moraes por compartilhar seus conhecimentos e seu amor pela


psicologia em suas aulas. Por sempre ter a palavra certa quando a procurava
após as aulas, angustiada e ansiosa, para conversarmos sobre a prática
clínica. Obrigada por me mostrar que sou capaz e por ter acompanhado
diretamente o meu desenvolvimento como profissional. Obrigada por toda a
sua disposição e dedicação. Obrigada por ser a pessoa que mais me
incentivou e me mostrou que fiz a escolha certa em relação à minha profissão.

Ao Durval Faria que soube como me capacitar para ser uma psicóloga,
de maneira muito agradável e carinhosa, durante as supervisões. Obrigada por
me mostrar a verdadeira atuação do psicólogo e como esta requer muito amor
e atenção.

À minha família que sempre me apoiou. Obrigada por todos os


momentos em que passamos juntos e por serem aqueles quem eu procuro
quando mais necessito. Amo cada um de vocês.

Ao Leonardo Maceira por me mostrar que o amor existe. Por estar ao


meu lado nos momentos de alegria e de tristeza. Obrigada pelo carinho e pela
atenção que me dá, me escutando e tentando me entender. Obrigada por
aparecer e permanecer em minha vida e por me fazer feliz de uma maneira,

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antes, inimaginável pra mim. Não esquece que eu te amo muito, de verdade,
pra sempre.

Ao Clayton Chagas por me apresentar o mundo de uma maneira mais


colorida. Obrigada pelos seus “pensamentos filosóficos” sobre a vida e que, de
uma maneira ou de outra, fazem sentido. Obrigada pelas festas, pelos
churrascos, pelas sessões de karaokê e pelos inúmeros filmes que assistimos
juntos. E, acima de tudo, por tornar possível o sonho de ter uma família
completa.

Ao Theodore Gatos, meu companheiro de aventuras, que desde meu


nascimento esteve ao meu lado. Obrigada pelos momentos que passamos
juntos, por crescer junto a mim, acompanhando e compartilhando cada um
deles. Por dividir comigo um pouco do vasto conhecimento das coisas que
possui. Obrigada por permitir que faça parte da sua vida. Amo você como
irmão e como um grande amigo.

À Júlia Chagas, minha pequena. Obrigada por fazer a minha vida tão
completa e feliz. Ainda não compartilhamos muitos momentos juntas, mas
estive ao seu lado no mais importante deles: o seu nascimento. Obrigada pelos
sorrisos que sempre me animam e que me motivam a seguir em frente. Amo
você, Julieta!

Ao Dexter, meu amigo fiel, pela companhia que me fez durante todo este
trabalho, estando ao meu lado, literalmente, na maior parte do tempo.
Obrigada, principalmente, pela alegria que você me traz mesmo sem dizer
nenhuma palavra.

A todos os meus amigos por estarem sempre ao meu lado. Obrigada por
tornarem minha vida mais feliz e amada. Sempre terei vocês em meu coração.

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She
May be the face I can't forget
A trace of pleasure or regret
May be my treasure or the price I have to pay
She may be the song that summer sings
May be the chill that autumn brings
May be a hundred different things
Within the measure of a day

She
May be the beauty or the beast
May be the famine or the feast
May turn each day into a heaven or a hell
She may be the mirror of my dreams
A smile reflected in a stream
She may not be what she may seem
Inside her shell

She who always seems so happy in a crowd


Whose eyes can be so private and so proud
No one's allowed to see them when they cry
She may be the love that cannot hope to last
May come to me from shadows of the past
That I'll remember till the day I die

She
May be the reason I survive
The why and wherefore I'm alive
The one I'll care for through the rough and ready years
Me I'll take her laughter and her tears
And make them all my souvenirs
For where she goes I've got to be
The meaning of my life is

She, she, she

(Elvis Prestis)

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Área de conhecimento: 7.07.00.00-1
O homem contemporâneo e a busca do Graal: a importância do divino em sua
vida sob o olhar da Psicologia Analítica
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Flávia Hime
Palavras-chave: homem contemporâneo, divino, Graal

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi perceber como o homem contemporâneo se


relaciona com o divino e, assim, qual é a sua influência sobre ele. O trabalho
constou numa pesquisa teórica e na análise simbólica, sob o olhar da
Psicologia Analítica, do mito do Graal. A pesquisa teórica foi baseada na visão
de Edward C. Whitmont (1990). Seu trabalho percorreu o histórico da evolução
e do desenvolvimento da consciência, o reinado do Deus-único e,
posteriormente, a morte de Deus. Para a análise simbólica do mito do Graal
utilizei diferentes autores que compartilham a idéia de que este é o mito do
homem moderno. Concluímos que, assim como Parsifal busca o Graal, o
homem contemporâneo o busca, sendo este a pura representação do feminino.
Portanto, percebemos a importância do resgate de aspectos inconscientes,
como aqueles ligados ao feminino, para que o homem encontre o divino, o
sentido da vida e, assim, a plenitude e felicidade tão desejada por ele. O
homem contemporâneo está em uma busca constante pelo Graal.

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Sumário

Introdução ........................................................................Erro! Indicador não definido.

TEORIA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA .................................................................... 13

1. Pressupostos teóricos da Psicologia Analítica .................................................... 14


1.1 – A consciência do ego ......................................................................................... 14
1.2 – Complexos ........................................................................................................... 18
1.3 – Instintos, arquétipos e inconsciente................................................................. 23
1.4 – Persona e sombra .............................................................................................. 26
1.5 – Anima e animus .................................................................................................. 30
1.6 – Self ........................................................................................................................ 33
1.7 – O processo de individuação.............................................................................. 35
1.8 – A função do mito ................................................................................................. 37

O DIVINO E A EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA..................................................... 41

2. O desenvolvimento da consciência....................................................................... 42
2.1 – O surgimento da consciência............................................................................ 42
2.2 – A consciência e o reinado do Deus-único ...................................................... 52
2.3 – A morte do Divino ............................................................................................... 62

3. Método ....................................................................................................................... 68

4. O mito do Graal ........................................................................................................ 70

5. Análise e Discussão do mito .................................................................................. 84

6. Considerações finais.............................................................................................. 140

Referências bibliográficas ......................................................................................... 146

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Introdução:

Quando precisei escolher um tema para meu trabalho não foi necessário
pensar muito a respeito. Já tinha em mente que a minha pesquisa seria sobre
religião. A religião sempre foi um tema que me interessou, já que, apesar de
ser algo em que muitas pessoas acreditam e que seguem, por meio de
práticas, sempre tive minhas incertezas e críticas a seu respeito. Ao falar do
tema, apesar de não me considerar uma pessoa religiosa, sempre me sinto
tocada e me questiono a refletir a respeito.

Sou de uma família ortodoxa grega. Por este motivo, a religião é um


assunto presente em minha casa. Como todos, participo dos eventos religiosos
mais significativos, como o Natal e a Páscoa. Neles me sinto bem pois, apesar
de não concordar com diversas propostas e dogmas da igreja, percebo o
sentido da crença. Vejo em meus avós como a religião é importante suas
vivências. De uma maneira ou de outra, os invejo por perceber que, por sua a
crença religiosa, eles enxergam um sentido na vida e, assim, experenciam
vivências fora do meu alcance.

Por meio da psicologia analítica pude entender situações da vida antes


incompreensíveis a meu ver. O pensamento junguiano, para mim, é muito
significativo. Penso que com a pesquisa nesta abordagem sobre a influência do
divino na vida dos homens posso aprofundar minhas reflexões, lidando, assim,
com minha angústia e falta de crença, já que muitas de minhas tentativas
anteriores de experenciar o divino foram em vão. A Psicologia Analítica integra
as diferentes dimensões da experiência humana, como a pessoal e a
arquetípica, permitindo um acesso, por meio do simbólico, ao inconsciente. O
pesquisador faz parte, como totalidade, da construção do conhecimento
adquirido, sendo transformado no encontro com o conhecer.

Acho muito interessante a resposta que Jung deu ao ser questionado,


em uma entrevista de televisão, se ele acreditava em Deus: “Não preciso
acreditar, eu sei” (Bryant, 1996, p. 11). Como Bryant (1996) afirmou, Jung dá
grande importância à experiência de Deus, por ser tremenda e impressionante.

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Ele acreditava que as mudanças do mundo moderno estariam distanciando o
homem de suas raízes religiosas.

Ainda segundo Bryant (1998), Jung diferenciava a fé intelectual, que


seria uma fé sem experiências da realidade em que se acreditava, da fé
madura, onde acontece a experiência com Deus. A fé deve incluir um
compromisso da pessoa como um todo e incluir uma mínima intuição de Deus.
Jung criticava os teólogos por não ajudarem as pessoas a perceber Deus em
sua própria experiência e estarem muito preocupados em provar Sua
existência. Com isso, ele apresenta diferentes provas para mostrar como a
religião atua, influenciando positivamente a vida das pessoas.

Jung (2007) observou que a religião tem grande importância na vida dos
Homens, apontando a existência de uma função religiosa no inconsciente e do
simbolismo religioso em seus processos. Segundo ele, em “Psicologia e
religião” (2007), se o indivíduo renega sua dimensão superior e bloqueia seus
impulsos espirituais, instala-se nele um estado de ansiedade e nihilismo,
podendo ter como conseqüência a perda do significado da vida. De acordo com
Russo (2001) é a ansiedade que aparece no homem moderno que necessita
de algo para encontrar respostas para suas questões existenciais e é por esse
motivo que hoje a fé tornou-se muito procurada por todos, para minimizar a
solidão e diminuir o vazio existencial que o homem enfrenta. Aqueles que
possuem fé dão um sentido maior à vida e aqueles que não possuem levam a
vida em um sentido mais restrito e tudo deve ser provado. Neste último caso
fica mais difícil para o sujeito atribuir um significado a sua vida e, por este
motivo, a busca de sua felicidade depende muito mais do que lhe é externo do
que de si mesmo. Este é um aspecto fundamental para esta pesquisa, já que,
como veremos adiante, o grande problema da vida do homem moderno é a
falta de sentido das coisas, a falta do divino em suas vidas.

Conforme veremos melhor adiante, as vivências religiosas ocorrem nas


profundezas do inconsciente e a idéia de existência de Deus é simbólica e,
portanto, tem fundamento arquetípico. Assim, as idéias religiosas estão
presentes em todos, podendo vir à tona a qualquer momento. Segundo o olhar

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da psicologia analítica o conceito de Deus é substituído pelo de Self, que tem
como qualidade integrar todas as coisas. A aceitação de que existe um Deus,
um Self, em cada indivíduo, traz diversas críticas ao pensamento junguiano.

Atualmente, apesar dos avanços tecnológicos e da crença


inquestionável à Ciência, as emoções humanas permanecem. Persiste a
crença da existência de algo maior e mais poderoso. O homem sente-se
angustiado e busca, intensamente, o sentido da vida e a felicidade.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a importância e o significado do


sagrado na vida do homem contemporâneo. Para isto, analisarei
simbolicamente o mito do Graal, já que este representa a busca da plenitude
que o homem tanto procura.

11
“Parsifal em busca do Santo Graal", Ferdinand Leeke

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TEORIA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

A ambição de Jung era participar na criação


de uma psicologia geral que mapeasse a psique
desde as suas mais elevadas às mais inferiores dimensões,
dos domínios mais próximos aos mais longínquos,
enfim, um verdadeiro mapa da alma
(Stein, 2006, p. 83)

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1. Pressupostos teóricos da Psicologia Analítica

Dentre diversos autores consultados que explicitam os fundamentos


teóricos de Jung, como, por exemplo, Whitmont (1994), e as próprias obras de
Jung, como O eu e o inconsciente (2008), optei por recorrer a Stein (2006) em
sua obra O Mapa da Alma por apresentá-los de maneira objetiva e consistente,
sem comprometer ou prejudicar a complexidade característica da Psicologia
Analítica.

1.1 – A consciência do ego

Apesar de Jung estar mais interessado em conhecer aquilo que não era
consciente, ele descreveu e explicou a consciência, atribuindo valor social ao
ego, descrevendo suas funções e apontando a importância da consciência para
a vida humana.

A consciência humana percebe os sentimentos do homem e tem como


característica central o ego, ou seja, o eu. O ego é um elemento que se
relaciona com todos os conteúdos conscientes; deste modo, ele é o
responsável por todos os atos conscientes do indivíduo e, portanto, é o centro
da consciência. A personalidade do homem faz parte deste campo e o ego é
quem comanda as suas vontades, desejos, reflexões e ações.

A ligação, isto é, a relação do ego com a consciência é essencial. Essa


junção é quem define se os conteúdos psíquicos tornar-se-ão conscientes ou
não. Desta maneira, podemos concluir que todos os conteúdos conscientes
passaram pelo ego.

“O ego é uma espécie de espelho no qual a psique


pode ver-se a si mesma e pode tornar-se consciente. O grau
em que o conteúdo psíquico é tomado e refletido pelo ego é
o grau em que se pode afirmar que ele pertence ao domínio
da consciência” (Stein, 2006, p. 24).

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Alguns conteúdos refletem no ego e tornam-se conscientes; por outro
lado, outros permanecem inconscientes temporária ou permanentemente.
Desta maneira, o inconsciente não é apenas o desconhecido, mas inclui
aqueles conteúdos que se encontram fora da consciência. Já a consciência é
ampla e abrange outros conteúdos além do ego. Ela é “muito simplesmente, o
estado de conhecimento e entendimento de eventos externos e internos”
(Stein, 2006, p. 24). Portanto, é atenta ao que acontece ao redor e dentro do
indivíduo.

Não é a consciência o que diferencia os Homens dos animais, já que


não somos os únicos seres conscientes do mundo. Não depende de idade ou
desenvolvimento psicológico, pois podemos percebê-la em recém-nascidos.
“Ainda não sabemos exatamente quando o embrião atinge pela primeira vez
um certo nível de percepção e receptividade que possa ser definido como
consciência, mas é um processo que se inicia muito cedo e certamente no
período pré-natal” (Stein, 2006, p. 24). O ego é inato e precede a aquisição da
linguagem e da identidade pessoal. Além disso, podemos considerar a
consciência como um fator vital, já que sua ausência permanente de um corpo
pode ser considerada como morte.

Além de ter sua característica de espelho que reflete os conteúdos


conscientes, o ego tem vontades e, por isso, age para satisfazê-las. Desta
maneira, ele toma decisões, movimentando os conteúdos conscientes e os
organizando por ordem de prioridade. O ego é crítico e, por isso, pode reprimir
aspectos que não lhe agradam, ou são muito penosos a ele, para o
inconsciente, da mesma maneira como pode resgatar conteúdos inconscientes
desde que estes não estejam bloqueados pelo mecanismo de defesa e que
tenham grande associação com o ego.

“Para Jung, o ego forma o centro crítico da consciência


e, de fato, determina em grande medida que conteúdos
permanecem no domínio da consciência e quais se retiram,
pouco a pouco, para o inconsciente. O ego é responsável

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pela retenção de conteúdos na consciência deixando de os
refletir” (Stein, 2006, p. 25).

A consciência não nos diferencia dos animais, como já foi mencionado,


já que existem outros seres conscientes. O que nos diferencia é o ego, pois ele
“é o agente individualizante na consciência humana” (Stein, 2006, p. 27). Ele é
determinado e capaz de fazer escolhas, o que resulta num controle dos
instintos de autopreservação, propagação e criatividade. Além disso, o ego
mantém a organização dos conteúdos conscientes, recebendo e dirigindo
grande quantidade de dados. Apesar dessa característica do ego satisfazer
suas vontades, ele tem sua liberdade limitada, pois é influenciado por estímulos
internos e externos, ou seja, psíquicos e ambientais.

Por volta dos dois anos uma criança é capaz de dizer “eu”, ou seja, de
ter consciência de si mesma. Esse é um grande passo para a consciência, mas
não significa que seja o nascimento do ego, pois ele já existia antes mesmo
deste reconhecimento. Stein (2006) afirma que “o processo de aquisição da
consciência de si mesmo passa por muitas etapas desde a infância até a idade
adulta” (Stein, 2006, p.29). O reconhecimento de si mesmo, de um mundo
pessoal, e o desenvolvimento de um ego reflexivo é o que difere a consciência
humana da consciência animal. Essa função reflexiva permite ao individuo
saber quem ele é.

Após certo desenvolvimento o ego e a consciência passam a ser


moldados pela cultura em que o indivíduo está presente, o que resulta em uma
camada em torno do ego central, que fica mais espessa conforme o indivíduo
apreende formas e hábitos culturais durante da vida. Além dessa influência
cultural o ego está enraizado em um corpo; apesar dele não estar limitado à
base somática, pois a psique também tem participação na mente e no espírito,
ele experimenta a unidade com o corpo.

“A psique, para Jung, abrange a consciência e o


inconsciente, mas não inclui todo o corpo em sua dimensão
puramente fisiológica. O ego, sustenta Jung, está baseado

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no soma psíquico, isto é, numa imagem do corpo, e não no
corpo per se. Portanto, o ego é essencialmente um fator
psíquico” (Stein, 2006, p. 31).

A psique inclui o inconsciente e, por isso, não tem a extensão idêntica à


do ego; porém, seu território é limitado a onde o ego pode chegar, já que este
tem potencial para acessar o inconsciente. Em outras palavras, “a própria
psique tem um limite, e esse limite é o ponto em que os estímulos ou
conteúdos extrapsíquicos não podem mais, em princípio, ser conscientemente
experimentados” (Stein, 2006, p. 32).

A localização do ego é o centro da consciência, mas isso não significa


que ele consiste nisso, pois podemos distingui-lo da mesma. “O ego é um
ponto que mergulha na corrente da consciência e pode separar-se desta ao
dar-se conta de que ela é algo diferente de si mesmo” (Stein, 2006, p. 33).
Deste modo, a consciência não é totalmente controlada pelo ego já que ele
observa e seleciona a atividade motora até certo ponto, ignorando alguns
materiais que a consciência está levando em consideração. Deste modo, o ego
pode concentrar-se em uma lembrança, ao passo que a consciência está
tomando conta de outras operações que ela está habituada a realizar.

O ego desenvolve-se ao longo da vida do indivíduo através de colisões,


ou seja, conflitos, dificuldades, sofrimento. Essas colisões acontecem entre o
corpo psicofísico e o meio ambiente que exige resposta e adaptação, isto é,
quando o ego tenta satisfazer sua vontade e encontra qualquer resistência do
ambiente. “Uma quantidade moderada de conflito com o meio ambiente e certa
dose de frustração são, portanto, as melhores condições para o crescimento do
ego” (Stein, 2006, p. 34). Deste modo, as colisões podem ser positivas, pois
tendem a estimular o desenvolvimento do ego, o que capacita o indivíduo a
solucionar problemas e, assim, a uma maior autonomia.

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1.2 – Complexos

Como vimos anteriormente, a consciência do ego está sujeita a colisões


entre o indivíduo e o ambiente externo. Estas podem ter aspecto positivo, se
não forem muitos severas, já que desenvolve no homem a capacidade de
realizar a mesma tarefa cada vez melhor. Existem também colisões internas,
onde não há ligação explícita com meio externo ou com estímulos observáveis.
Assim, podemos perceber que o homem nem sempre age racionalmente.

O inconsciente pessoal é povoado por complexos. Para entender o


funcionamento deste, diferentemente de apenas formular perguntas, como era
a investigação da consciência, Jung montou uma série de experimentos, nos
quais observava as respostas verbais frente a diferentes tipos de estímulos
verbais. Este era o chamado Experimento de Associação Verbal. “Essas
palavras-estímulos, lidas uma por uma a um sujeito que tinha sido instruído
para responder com a primeira palavra que lhe acudisse à mente, suscitaram
uma grande variedade de reações” (Stein, 2006, p. 43). Jung, com isso,
pretendia entender o que acontecia com a psique do sujeito ao falar a palavra-
estímulo.

Após perceber que algumas palavras geravam associações incomuns,


Jung considerou-as como indicadores de complexos, pois estas traziam
consigo sinais de ansiedade e reações defensivas. Deste modo, eram
associações inconscientes, isto é, obscuras e encobertas, a partir da palavra
lida. Assim, um complexo era descoberto. Stein (2006) explicou este processo
da seguinte maneira:

“As associações existem, argumentou Jung, não entre


as palavras de estímulo e de resposta mas, antes, entre as
palavras-estímulos e os conteúdos ocultos, inconscientes.
Algumas palavras-estímulos ativam conteúdos inconscientes
e estes, por sua vez, estão ainda associados a outros
conteúdos. Quando estimulada, essa rede de material
associado – formada por lembranças, fantasias, imagens,

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pensamentos – gera uma perturbação na consciência. Os
indicadores de complexo são sinais de perturbação” (Stein,
2006, p. 43).

Isto prova que existem estruturas inconscientes abaixo do nível da


consciência. Os sinais de perturbações são o que define a posição de um
complexo permitindo, assim, novas explorações. Com estas, percebe-se que
perturbações podem ser agrupadas por temática. Os complexos são, portanto,
os conteúdos inconscientes que causam essas perturbações. Embora as
perturbações causadas pelos complexos sejam diferentes daquelas causadas
por fatores do mundo externo, muitas vezes elas estão relacionadas umas com
as outras. Conhecer um complexo possibilita o psicólogo a identificar quais são
os mais sérios problemas emocionais a serem trabalhados no paciente.

Nos escritos de Jung podemos encontrar a analogia que ele faz em


relação à psique e seus elementos. Ele a compara com os elementos do
universo como a Terra, a lua, as estrelas, meteoros, etc. Deste modo, a palavra
constelação é muito freqüente. “Refere-se usualmente à criação de um
momento psicologicamente carregado, um momento em que a consciência já
está, ou está prestes a ficar perturbada por um complexo” (Stein, 2006, p. 47).
Em outras palavras, é o momento em que um fator externo desencadeia um
processo psíquico que atualiza determinados conteúdos, determinados
complexos. Conhecendo os complexos de um indivíduo sabemos como ele
reagirá a determinadas situações. Quando uma pessoa está constelada há o
risco dela perder o controle sobre suas emoções e sobre seu comportamento,
já que ela reage irracionalmente por ser uma força superior a sua vontade,
dando-lhe assim a sensação de impotência e de uma personalidade alheia,
como é o caso da possessão.

“Os arquitetos dessas constelações ‘são determinados


complexos que possuem energia própria’. A ‘energia’ do
complexo refere-se à quantidade exata de potencial
requerido para o sentir e o agir que está contido no núcleo,
semelhante a um ímã, do complexo. Os complexos têm

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energia e manifestam uma espécie de ‘rodopio’ eletrônico
próprio como os elétrons que rodeiam o núcleo do átomo.
Quando são estimulados por uma situação ou evento, soltam
uma rajada de energia e pulam sucessivos níveis até
chegarem à consciência. Essa energia penetra na concha da
consciência do ego e inunda-a, influenciando-a assim para
rodopiar na mesma direção e descarregar parte da energia
emocional que foi liberada por essa colisão. Quando isso
acontece, o ego perde por completo o controle da
consciência ou, quanto a isso, o do próprio corpo. A pessoa
fica sujeita a descargas de energia que não estão sob o
controle do ego o que o ego pode fazer, se for
suficientemente forte, é conter em si mesmo parte da
energia do complexo e minimizar assim os súbitos impulsos
emocionais e físicos” (Stein, 2006, p. 47).

Por este motivo, não somos totalmente responsáveis por tudo que
dizemos ou fazemos. A psique é muito complexa, possuindo diversos centros,
cada um com sua energia própria e, algumas vezes, intenções próprias. Com
freqüência, ego e complexo conflitam-se devido aos seus propósitos.

Além disso, podemos bloquear os efeitos de um complexo quando


precisamos defender algo de nossa intimidade como, por exemplo, um
segredo. Este “filtro” que criamos pode resultar em conseqüências físicas como
mãos suadas, boca seca, tremedeira. Como Stein (2006) afirma, essa
capacidade humana é necessária para a adaptação e para a sobrevivência, já
que há momentos em que precisamos manter a “cabeça fria”.

Apesar dos complexos serem pessoais, por dependerem das


experiências próprias de cada indivíduo, ele também tem uma característica
social. Com isso, podemos pensar em uma camada cultural do inconsciente,
comum a todos, o inconsciente cultural. O inconsciente tem como modelo as
relações criadas no ambiente familiar. Assim, conforme a criança cresce, novos
e importantes elementos estruturais surgem. Porém, os antigos complexos

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induzidos pela família não desaparecem, sendo que o materno e o paterno
continuam dominando o inconsciente pessoal.

Não podemos confundir o complexo com a realidade objetiva. Ele é uma


imagem de determinada situação e, como tal, é subjetiva. A imago, como Jung
refere-se a essa imagem, é distinta do real como, por exemplo, a imago da
mãe é diferente da mãe real. “O complexo é um objeto interior e em seu núcleo
está uma imagem” (Stein, 2006, p. 51).

O complexo contém um componente arquetípico, portanto, inato e


primitivo. As reações espontâneas causadas por ele lembram a ação de um
instinto. O que os distingue é que o instinto é inato e o complexo não, pois
necessita do produto da experiência para surgir. A combinação deste produto
com o aspecto arquetípico inato resulta no complexo. “Os complexos são o que
permanece na psique depois que ela digeriu a experiência e a reconstituiu em
objetos internos” (Stein, 2006, p. 52). Assim, eles são duradouros através do
tempo e nunca podem ser completamente eliminados.

Podemos pensar no complexo, então, composto de duas partes: uma


imagem do trauma e um componente inato, o arquétipo, associado a ela. O
arquétipo é herdado e não adquirido, é o que nos caracteriza como humanos e
é vivenciado através do complexo. Portanto, a estrutura do complexo, segundo
Stein (2006) é:

“... composta de imagens associadas e memórias


congeladas de momentos traumáticos que estão enterradas
no inconsciente e não são facilmente acessíveis para
recuperação do ego. São as lembranças reprimidas. O que
une os vários elementos associados do complexo e os
mantém no lugar é a emoção” (Stein, 2006, p. 55).

Outro aspecto importante a ser ressaltado é que nem todo trauma é


produto do mundo externo. Alguns deles ocorrem no interior da psique

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individual. Ou seja, quando precisamos negar alguns de nossos sentimentos
para sobreviver.

22
1.3 – Instintos, arquétipos e inconsciente coletivo

O arquétipo é a fonte primária de energia e padronização psíquica. Ele


está relacionado com o instinto, já que, para Jung, psique e corpo são quase
inseparáveis. A descoberta destes elementos, segundo Stein (2006),
possibilitou a Jung perceber que eles são aspectos gerais da mente humana e
que, portanto, pertencem a todos os seres humanos. Arquétipos e instintos
fazem parte, assim, do inconsciente coletivo, isto é, da camada mais profunda
da psique humana.

O conceito de inconsciente coletivo é o que diferencia a psicologia de


Jung das demais. Neste nível do inconsciente nada é individual e único, pois
todos nós possuímos tais elementos. Sendo assim, eles não caracterizam a
individualidade dos homens. Esta é produto do processo de individuação, como
veremos adiante. No inconsciente coletivo encontramos um material que não
foi colocado lá por repressão da consciência; ele estava lá desde o começo.
Portanto, o homem, para Jung, segundo Stein (2006), não pode ser
considerado uma tabula rasa, já que ele nasce com aspectos herdados,
prontos para funcionar na forma humana.

O arquétipo do herói é muito importante e necessário para o


desenvolvimento da consciência. Este exige o sacrifício da mãe subjetiva para
que o homem consiga assumir as responsabilidades da vida adulta. “O
arquétipo do herói exige o abandono desse pensamento fantasioso infantil e
insiste em que se aceite a realidade de um modo ativo. Se os humanos não
tivessem sido competentes para aceitar esse desafio, teriam sido condenados
ao fracasso e a extinção” (Stein, 2006, p. 86). Ou seja, para enfrentarmos a
realidade precisamos sacrificar alguns de nossos desejos.

Ao falar sobre instintos, Stein (2006) questiona até que ponto estes
influenciam nossos comportamentos, já que possuímos um ego que controla as
nossas vontades. Com isso, ele diz que para Jung o aspecto instintivo
determina muito menos o comportamento humano comparado a outras

23
espécies. Os homens são influenciados por questões fisiológicas, distintas da
psique.

“O aparecimento da vontade é decisivo para o


estabelecimento de uma função como psíquica. Fome e
sexualidade, por exemplo, são pulsões de base somática que
envolvem a descarga de hormônios. Ambas são instintos. A
pessoa deve comer e o corpo necessita de descarga sexual.
Mas a vontade entra em cena, uma vez que escolhas podem
ser feitas sobre o que comer ou como satisfazer os
imperativos sexuais. A vontade pode intervir até um certo
ponto, mesmo que ela não seja capaz de controlar de forma
absoluta o comportamento final da pessoa em todos os
aspectos” (Stein, 2006, p. 91).

Na consciência a energia psíquica é controlada por fatores mentais,


fazendo com que o instinto perca seu controle até certo ponto. Esses fatores
mentais não possuem base orgânica e podem controlar, de certo modo, como
os instintos, por convocarem a vontade para a ação, como também podem
resultar em mudanças físicas no indivíduo. Portanto, “O ego é motivado em
parte por instintos, em parte por formas e imagens mentais. E o ego tem certa
liberdade de escolha entre as várias opções” (Stein, 2006, p. 92).

Em relação aos arquétipos, podemos dizer que suas imagens e idéias


têm o poder de influenciar a consciência, assim como os instintos identificáveis
a eles, já que estes são orientados por imagens arquetípicas. O arquétipo tem
um caráter numinoso, isto é, aparece como algo espiritual, mágico. A
experiência vivida por ele traz ao indivíduo uma plenitude de sentido
impensável anteriormente.

“Quando o ego depara com uma imagem arquetípica,


pode ser por ela possuído, sobrepujado, e render-se-lhe
mesmo querendo resistir-lhe, pois a experiência é percebida
como algo sumamente fecundo e significativo. A

24
identificação com imagens e energias arquetípicas constitui
a definição de Jung de inflação e até, em última instância,
psicose” (Stein, 2006, p. 94).

Isto acontece porque todos os padrões de informação arquetípica


provêm do Self, que é uma entidade além da capacidade humana de
apreensão, como veremos adiante. Com isso, quando vivenciamos imagens
arquetípicas, não somos capazes de representá-las.

25
1.4 – Persona e sombra

Como já vimos, a psique é formada por diversos centros de consciência.


Com isto, num certo sentido, somos feitos de diferentes atitudes e orientações
que, por serem divergentes, podem cair em oposição resultando em diferentes
estilos de personalidade. Sombra e persona são estruturas complementares da
psique humana.

No início da vida não há diferenciação entre a personalidade do bebê e


sua mãe. Com o desenvolvimento este todo se separa e diferencia-se e, assim,
nasce a consciência do ego, tornando inconscientes alguns dos materiais da
totalidade anterior. “O inconsciente, por sua vez, é estruturado como grupos
materiais em torno de imagos, internalizações e experiências traumáticas para
formar as subpersonalidades, os complexos” (Stein, 2006, p. 98). A sombra é
um desses materiais psíquicos que não pode ser controlada pelo ego.

A sombra contém traços psicológicos escondidos do ego no


inconsciente. “Quaisquer partes da personalidade que normalmente
pertenceriam ao ego se estivessem integradas mas foram suprimidas por
causa de dissonância cognitiva ou emocional, caem na sombra” (Stein, 2006,
p. 98). Assim, seu conteúdo pode mudar mediante as atitudes do indivíduo e
das defesas do ego. Podemos pensar que a sombra é a face posterior do ego,
já que todo ego tem sua sombra.

A tendência das pessoas é esconder alguns traços de sua personalidade


como, por exemplo, o egoísmo. Na sombra estão todos aqueles conteúdos
considerados pecados. Assim, para passarem a imagem de decentes à
sociedade, agindo conforme as regras, os indivíduos escondem seus
elementos sombrios. Estes elementos podem aparecer na vida deles em forma
de projeções inconscientes, criando bodes expiatórios, já que a sombra não é
experimentada diretamente pelo ego. “Para elas [as pessoas], o lado sombrio
do ego ainda funciona, mas através do inconsciente, manipulando o meio
ambiente e a psique para que certas emoções e necessidades sejam
satisfeitas e um modo socialmente aceitável” (Stein, 2006, p. 99). Essa

26
estratégia do ego impede que o indivíduo adquira o conhecimento de seus
aspectos sombrios para que, assim, os integre na consciência.

O processo de desenvolvimento do ego contribui para a formação dos


conteúdos e qualidades que integram a sombra. “O que a consciência do ego
rejeita torna-se sombra; o que ela positivamente aceita, aquilo com que ela se
identifica e absorve em si, torna-se parte integrante de si mesma e da persona”
(Stein, 2006, p. 100). Portanto, a sombra possui aspectos incompatíveis com o
ego consciente e com a persona. Sombra e persona se diferenciam, pois uma
está disponível para a sociedade e a outra escondida, sendo possível
caracterizá-las como sendo uma o oposto da outra.

A persona é a pessoa “pública”, a identidade psicossocial do indivíduo,


resultado de sua educação e adaptação ao meio social em que vive. Como a
própria origem da palavra diz, ela é a “máscara do ator”, dos papéis em que
vivemos, facilitando a interação social. Pode ser considerada um “complexo
funcional cuja tarefa consiste tanto em esconder quanto em revelar os
pensamento e sentimentos conscientes de um indivíduo aos outros” (Stein,
2006, p. 101). Por ser um complexo, ela possui certa autonomia, não estando
sob total domínio do ego.

A sombra é um complexo funcional complementar à persona. Seus


conteúdos são considerados malignos pela humanidade. Porém, como já
dissemos, sua integração com o ego pode ser transformadora, apesar de
perigosa, já que a pessoa pode ser manchada de imoralidade.

Apesar de não possuirmos personalidades múltiplas apresentamos


diferentes tipos de caráter dependendo da situação em que nos encontramos.
A persona tem um objetivo específico. Como criamos expectativas do mundo
exterior (pessoas e objetos), precisamos assumir diferentes atitudes em cada
situação. “... uma atitude é ‘uma combinação de fatores ou conteúdos psíquicos
que... determinarão a ação nesta ou naquela direção definida’. Portanto, uma
atitude é uma característica do caráter” (Stein, 2006, p. 103). Um exemplo
desta mudança de atitude em homens urbanos é que ele precisa desempenhar

27
dois papéis: o de marido e o de trabalhador, que requerem duas atitudes
distintas. Com isso, temos uma persona funcional que usamos no dia-a-dia e
não nos identificamos com ela.

Porém, há a possibilidade de identificação com a persona. Isto acontece


quando o ego se une a objetos externos, atitudes e pessoas, sendo esse um
processo, geralmente, inconsciente. Mesmo assim, como o ego encontra-se
separado da persona, pessoas do mundo externo perceberão esta atitude de
imitar o outro, diferenciando o papel e a verdadeira identidade.

Em relação ao indivíduo, pode acontecer a influência de forças externas


ao ego. Com isso, a “egoidade” se afasta, permitindo que um novo conteúdo
seja adquirido. “Quando o ego se identifica com a persona, sente-se idêntico a
ela” (Stein, 2006, p. 105). Um exemplo deste fator é o nome que recebemos.
Com o passar do tempo, passamos a ser não apenas alguém, mas alguém
com nome.

“Assim, a pura ‘egoidade’ – a peça arquetípica – pode


ficar obscurecida e esconder-se ou desaparecer totalmente
da consciência. Então, somos verdadeiramente dependentes
da persona para a nossa inteira identidade e senso de
realidade, para não mencionar o sentimento de valor
pessoal e de afinidade com o grupo a que se pertence”
(Stein, 2006, p. 105).

Para que haja uma persona, isto é, características e papéis específicos


dentro de uma sociedade, o ego deve estar motivado para aceitar certos
valores. Caso contrário, o indivíduo não conseguirá viver em sociedade.

Outro aspecto importante é a relação do ego com a persona. Como já


dissemos, ambos são complexos. Com isso, cada um tem certa autonomia o
que resulta em certas vontades próprias. “Há no ego um forte movimento para
a autonomia, para uma ‘egoidade’ que possa funcionar independentemente. Ao
mesmo tempo, uma outra parte do ego, que é aquela onde a persona ganha

28
raízes, movimenta-se na direção oposta, no sentido do relacionamento e
adaptação ao mundo dos objetos” (Stein, 2006, p. 107). Este desejo do ego de
separação, de autonomia, é visto na sociedade como um aspecto da sombra.
Deste modo, a persona ganha seu espaço para influenciar e, assim,
predominar, passando a ser a apresentação do indivíduo no mundo. Porém,
este conflito gera ansiedade do ego.

“Essencialmente, a persona, que é a pele psíquica


entre o ego e o mundo, é não só um produto de interação
com objetos, mas inclui também as projeções do indivíduo
nesses objetos. Adaptamo-nos ao que percebemos que as
outras pessoas são e ao que querem. Isso pode ser
consideravelmente diferente de como as outras pessoas nos
vêem ou se vêem a si mesmas” (Stein, 2006, p. 110).

29
1.5 – Anima e Animus

Anima pode ser considerada a figura feminina na psique masculina e


animus a figura masculina na psique feminina. “Para melhor ou para pior, elas
revelam as características da alma e conduzem para os domínios do
inconsciente coletivo” (Stein, 2006, p, 116). O inconsciente coletivo é a camada
mais profunda do inconsciente, é o território das imagens arquetípicas.

Anima/us são figuras arquetípicas da psique e, assim, influenciam a vida


dos homens juntamente com outros aspectos inconscientes. Por ser um
arquétipo, só podemos percebê-las indiretamente, através de suas
manifestações, já que não estão ao alcance da percepção humana.
“Abstratamente, anima/us é uma estrutura psíquica que (a) é complementar à
persona e (b) vincula o ego à camada mais profunda da psique, ou seja, à
imagem e experiência do si - mesmo” (Stein, 2006, p. 118). O interesse da
anima/us é a adaptação ao mundo interior e, por isso, é um complexo
funcional. Ambas permitem que o ego penetre e tenha a experiência das
profundidades da psique. Desta maneira, ela é uma ponte do ego para as
imagens do inconsciente coletivo, para o mundo inconsciente. ”Anima/us é uma
disposição (ou atitude) que governa as nossas relações com o mundo interior
do inconsciente – imaginação, impressões subjetivas, idéias, humores e
emoções” (Stein, 2006, p. 119). Stein (2006) compara anima/us com a persona
da seguinte maneira:

“Como estrutura psíquica, anima/us é um instrumento


pelo qual homens e mulheres penetram nas partes mais
profundas de suas naturezas psicológicas e se adaptam a
elas. Assim como a persona está voltada para o mundo
social e colabora com as necessárias adaptações externas,
também a anima/us está voltada para o mundo interior da
psique e ajuda uma pessoa a adaptar-se às exigências e
necessidades dos pensamentos intuitivos, sentimentos,
imagens e emoções com que o ego defronta” (Stein, 2006, p.
120).

30
Por este motivo, há o risco de possessão de anima/us, que se
caracteriza por uma personalidade que não equivale nem ao ego e nem à
persona desejada. Neste caso, o mundo interior não é totalmente reprimido e
suas emoções e irracionalidade perturbam e distorcem as relações do indivíduo
com a vida em geral. “Não existe o menor domínio sobre pensamentos ou
afeto. Isto é também um problema de ego” (Stein, 2006, p. 121). Isto porque tal
ego não deve ser capaz de conter e preservar os conteúdos que, através de
reflexão, fluem para a consciência e tornam-se ações verbais ou físicas. Como
também pode ser o caso de uma anima/us inadequada para executar seu
trabalho. Isto acontece pois em nossa cultura não damos a devida atenção ao
nosso mundo interior. Só procuramos o desenvolvimento deste em situações
de urgência, como no caso da possessão da anima/us, que atrapalham a
nossa vida.

Um fato importante de ser lembrado sobre o conceito de anima/us é que


o encontro desta com o ego tem grande importância para o desenvolvimento
psicológico, já que é uma conexão mais profunda do que o encontro com a
sombra. “No encontro com anima/us temos um contato com níveis da psique
que têm potencial para conduzir às regiões mais profundas e mais altas (de
qualquer modo, as mais remotas) que o ego pode alcançar” (Stein, 2006, p.
128). Com isso, anima/us tem potencial para servir de ponte para o Self e é
modelada pelo inconsciente.

Anima/us é transformadora. Quando sua imagem aparece, gera atração,


estimula o desejo de união. Porém, para que haja o desenvolvimento da psique
com o aumento da consciência, é necessário que o ego esteja engajado neste
processo e não obedeça imediatamente a ação requerida pela anima/us. Stein
(2006) explica este confronto entre ego e anima/us, denominado por um termo
alemão que significa “reduzir alguma coisa a pedaços”, com a analogia entre
duas pessoas com pontos de vista divergentes:

“Colocadas frente a frente e fazendo valer seus


respectivos pontos de vista física ou verbalmente, as
diferenças entre elas, que eram no começo grosseiras e mal

31
articuladas, tornam-se mais diferenciadas. São traçadas
linhas divisórias, distinções são feitas, a clareza é, enfim,
obtida. O que começou como um confronto altamente
emocional converte-se num relacionamento consciente entre
duas personalidades muito diferentes. Talvez um acordo
seja alcançado, um contrato redigido e assinado” (Stein,
2006, p. 130).

Este é, portanto, o processo necessário para que haja a elevação do


nível da consciência, permitindo se aventurar nos níveis mais inconscientes do
próprio mundo interior. Só com isto podemos percebemos a influência da
anima/us em nossas vidas. Esta trajetória só é possível após o processo de
integração da sombra com o ego. Caso contrário, é impossível qualquer
conhecimento da anima/us. Portanto, esta integração depende do nível da
consciência alcançado anteriormente pelo indivíduo.

“A experiência do arquétipo, do inconsciente coletivo e


seus poderes, pode levar a um novo estado de consciência
no qual a realidade da psique torna-se tão consciente para o
ego quanto a realidade do mundo material para os sentidos.
A anima/animus, uma vez experimentada como
transcendente e reconhecida como Maya, converte-se na
ponte para apreensão totalmente nova do mundo. A
experiência de anima/us é a Estrada Real (a via regia) para
o si - mesmo” (Stein, 2006, p. 133).

Veremos a importância deste encontro com o Self a seguir.

32
1.6 – Self

O Self, ou si - mesmo, é a característica mais fundamental da visão


junguiana e que a distancia das demais. Segundo Stein (2006), para Jung, o
Self é transcendente, ou seja, ele não está limitado ao domínio psíquico,
situando-se além dele e, também, o define. Apesar do nome “Self” referir-se ao
si - mesmo, ao indivíduo em si, o Self é mais do que a subjetividade da pessoa.
“O si - mesmo forma a base para o que no sujeito existe de comum com o
mundo, com as estruturas do Ser. No si - mesmo, sujeito e objeto, o ego e o
outro, juntam-se num campo comum de estrutura e energia” (Stein, 2006, p.
138). Por este motivo, quando o ego está ligado ao Self, a pessoa não é
caracterizada pela “egoidade”, mas sim por uma realidade mais profunda do
que apenas considerações práticas e racionais.

A união entre ego e Self, ou seja, quando o Self é realizado pela


consciência, resulta ao indivíduo a integridade. Esta se caracteriza pela
unificação dos opostos. Podemos perceber a integridade através de alguns
símbolos que podem aparecer para o ego, como imagens de quaternidade e
mandalas. “O aparecimento de símbolos do si - mesmo significa que a psique
necessita ser unificada” (Stein, 2006, p. 144). Em outras palavras, ele gera
símbolos de integração quando há o perigo de fragmentação do ego, sendo
esta sua função de unificá-lo. A meta do Self é a unidade, é manter o sistema
psíquico unido e em equilíbrio. “O sistema psíquico é unificado na medida em
que se torna mais equilibrado, correlacionado e integrado” (Stein, 2006, p.
144).

Outra característica do Self para Jung, segundo Stein (2006), é que ele
representa a imagem de Deus em cada um dos homens. O Self “governa” a
psique, sendo sua autoridade superior. Esta visão de unidade e totalidade
característica da função do Self não se distingue, para Jung, da imagem de
Deus. Este é o motivo de Jung ser criticado por alguns teólogos.

33
O conceito de Self nos oferece uma melhor explicação para alguns
mistérios da psique. Podemos concluir a definição deste conceito com a
seguinte fala de Stein (2006):

“O sistema psíquico como um todo consiste em muitas


partes. Pensamentos e imagens arquetípicas situam-se num
pólo do espectro, as representações de pulsões e instinto no
outro extremo, e entre os dois encontra-se uma vasta
quantidade de material pessoal, como memórias esquecidas
e relembradas, e todos os complexos. O fator que ordena
todo esse sistema e o mantém unido e coeso é um agente
invisível chamado si - mesmo. Este é o que cria os
equilíbrios entre os vários outros fatores e os ata numa
unidade funcional. Em suma, o si - mesmo é o centro e
cabe-lhe a tarefa de unificar as peças” (Stein, 2006, p. 152).

34
1.7 – O processo de individuação

O processo de individuação é basicamente o processo que busca a


união do ego ao Self. “A experiência total de integridade ao longo de uma vida
inteira – o surgimento do si - mesmo na estrutura psicológica e na consciência
– é conceituada por Jung e denominada individuação” (Stein, 2006, p. 153).

Parte do processo de individuação está baseada no desenvolvimento


físico do indivíduo. “Em suma, o corpo físico cresce, amadurece, envelhece e
declina no curso de uma vida” (Stein, 2006, p. 154). Durante este processo, um
conjunto de imagens arquetípicas dá forma às atitudes e motivações de
determinada etapa da vida. “Para cada etapa da vida existem tais constelações
de instinto e arquétipo, as quais resultam em padrões de comportamento,
sentimento e pensamento” (Stein, 2006, p. 154). Porém, a visão junguiana do
desenvolvimento psicológico, o define como sendo uma oportunidade para
todos os indivíduos em qualquer idade.

O desenvolvimento psicológico acompanha o desenvolvimento físico até


certo ponto. Podemos dividi-lo em duas partes: a primeira metade da vida e a
segunda. Segundo Stein (2006), Jung descreve esta trajetória com a analogia
de um sol nascendo pela manhã, atingindo seu ápice ao meio-dia e declinando
ao longo da tarde até, finalmente, se pôr a noite. O principal objetivo da
primeira metade da vida é o desenvolvimento do ego e da persona, até que se
atinja a viabilidade individual, a adaptação cultural e, assim, a responsabilidade
pela criação dos filhos. É esperado que, assim como o herói, a pessoa jovem
desenvolva e adapte seu ego à cultura a que pertence.

A individuação resulta no indivíduo uma personalidade unificada e única,


isto é, uma pessoa integrada. Depois de concluída a primeira metade da vida, o
próximo passo é a integração da sombra, da anima/us e o contato com o Self,
ou seja, unificar o ego ao inconsciente. Esta não é uma tarefa fácil e, por este
motivo, não são todas as pessoas que conseguem obtém sucesso no processo
de individuação. “Uma pessoa pode permanecer dividida, não-integrada,
inteiramente múltipla, até chegar a uma idade avançada, e ainda assim ser tida

35
na conta de alguém que viveu uma vida social e coletivamente bem-sucedida,
embora superficial” (Stein, 2006, p. 157).

A compensação é o mecanismo por meio do qual a individuação ocorre.


A tendência do ego, como já vimos, é a unilateralidade e a autoconfiança em si
mesmo. É a função compensatória o que equilibra o sistema psíquico. No caso
do crescimento e da separação do ego é o inconsciente que executa esta
função. “Com o tempo, entretanto, essas muitas e pequenas compensações
cotidianas somam-se e convertem-se em padrões, e esse padrões
estabelecem a base espiral de desenvolvimento para a totalidade a que Jung
deu o nome de individuação” (Stein, 2006, p. 158). Por trás de todo este
processo está o Self que é a força impulsora da individuação.

36
1.8 – A função do mito

Podemos perceber que crenças pessoais e culturais têm grande


influência sobre os funcionamentos psicológico e biológico dos homens. Essas
crenças inspiram esperança e significados e a falta delas pode resultar em
depressão e, até mesmo, em enfermidades. Grande parte delas é introduzida
pela cultura, mas, para isso, são produzidas pelo inconsciente; “surgem como
fantasias espontâneas e, num momento posterior, são explicadas,
racionalizadas e interpretadas pela mente consciente. Com muita freqüência,
são erroneamente interpretadas e, então, perdem sua função assistencial”
(Whitmont, 1991, p. 47).

Há uma camada psíquica que produz os mitos; ela funciona como os


sonhos, já que, se conseguirmos entrar em contato com sua linguagem
simbólica e entender seu significado, podemos ter insights profundos em
relação a fatos e dinâmicas que não são “visíveis” a nossa percepção
consciente. Outra característica semelhante entre eles é que ambos vêm de
tomadas de consciência que necessitam de uma forma simbólica para se
expressar. Além disso, os sonhos pessoais podem ser considerados formas
personalizadas do mito, possibilitando uma avaliação dos temas que
estruturam a cultura em relação às realidades de cada um.

“Pode-se considerar os mitos como sonhos coletivos e


recorrentes da humanidade. À nossa consideração racional,
são tão irreais quanto os sonhos e, não obstante, de uma
eficácia espantosa quando cuidadosamente considerados
como indicadores e orientadores do desenvolvimento
psíquico” (Whitmont, 1991, p. 47).

Em seu livro “O Poder do Mito”, Joseph Campbell (2007) define o mito


como sendo um modelo de vida; deste modo, o mito revela aquilo que os
homens têm em comum. Além disso, ele lida com problemas humanos e sua
interpretação mostra ao homem como ele pode reagir diante a certas crises de
decepção, maravilhamento, fracasso ou sucesso.

37
“O que é um mito? A definição de dicionário seria:
História sobre deuses. Isso obriga a fazer a pergunta
seguinte: Que é um deus? Um deus é a personificação de
um poder motivador ou de um sistema de valores que
funciona para a vida humana e para o universo – os poderes
do seu próprio corpo e da natureza. Os mitos são metáforas
da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos
poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo.
Mas há também mitos e deuses que tem a ver com
sociedades especificas ou com deidades tutelares da
sociedade. Em outras palavras, há duas espécies totalmente
diferentes de mitologia. Há a mitologia que relaciona você
com sua própria natureza e com o mundo natural, de que
você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica, que
liga você a uma sociedade em particular. Você não é apenas
um homem natural, é membro de um grupo particular”
(Campbell, 2007, p. 24).

Apesar da psique produzir imagens pessoais para o indivíduo, estas são


imagens da humanidade em geral, já que referem-se a problemas humanos.
Este fato se justifica pela presença dos arquétipos na psique humana, que
fornecem padrões comportamentais que transcendem a história pessoal e,
portanto, são atemporais. Deste modo, tendências temáticas surgem tanto nos
indivíduos quanto na coletividade; assim, elas permitem, da mesma maneira
que os sonhos, que conclusões em relação à dinâmica cultural sejam feitas.

O mito aponta as potencialidades espirituais de vida, ou seja, aquilo que


o homem é capaz de conhecer e experimentar do seu ser interior. Além disso,
deve-se lembrar que toda mitologia nasceu em uma certa sociedade e que os
modelos de vida que ela oferece devem ser adaptados ao tempo em que o
homem está vivendo. Deste modo, podemos perceber ritos mitológicos em
todas as sociedades atuais.

38
“A mitologia tem muito a ver com os estágios da
vida, as cerimônias de iniciação, quando você passa da
infância para as responsabilidades do adulto, da condição de
solteiro para a de casado. Todos esses rituais são ritos
mitológicos. Todos têm a ver com o novo papel que você
passa a desempenhar, com o processo de atirar fora o que é
velho para voltar com o novo, assumindo uma função
responsável” (Campbell, 2007, p. 12).

As funções psíquicas e culturais do mito, segundo Campbell (2007), são


basicamente quatro. A primeira é a função mística, que abre para o homem a
dimensão do mistério, fazendo com que ele reconheça sua participação nela. A
segunda função é a dimensão cosmológica, ou seja, a dimensão da qual a
ciência se ocupa, cuja intenção é fornecer ao homem uma imagem do universo
compatível com os conhecimentos da época a que a mitologia se dirige. Já a
terceira função é a sociológica que valida, apóia e imprime as normas da
sociedade em que o indivíduo deve viver. E, por último, a quarta função é a
pedagógica, que guia o homem a viver em qualquer circunstância; Campbell
acredita que todas as pessoas deviam tentar se relacionar com esta função, já
que os mitos podem ensinar os homens a ter uma vida proveitosa.

Após interpretar alguns sonhos de pacientes e, inclusive, sonhos do


Jung, Whitmont (1991) conclui que “uma nova e relevante orientação relativa
aos segredos da existência está emergindo dos estratos mais fundos da
psique, onde têm origem as religiões” (Whitmont, 1991, p. 51). Esta orientação
enfatiza o feminino, o instintivo, o sensual, ou seja, aspectos característicos da
Grande Deusa que foram reprimidos e, até mesmo, negados pelo
desenvolvimento cultural do Ocidente. Se a presença desses aspectos for
desconsiderada corre-se o risco de acontecer uma onda de violência e
destruição. Porém, sua assimilação direciona essas energias para novas
formas de cultura, de conscientização e de controle da agressão.

“A integridade de uma vida individual, tanto


quanto da vida coletiva, que é a cultura, depende dos mitos.

39
Seus temas arquetípicos lhe conferem forma e significação.
Distanciar-se do significado, perder o contato com a
estruturação arquetípica, significa desintegração” (Whitmont,
1991, p. 48).

O homem deve aproveitar os mitos a seu favor, já que eles contam a


busca de verdade, de sentido e de significação do homem através dos tempos.
“São histórias de sabedoria de vida” (Campbell, 2007, p. 10) e, por isso, podem
ajudar o homem a voltar-se para dentro para captar a mensagem dos símbolos,
entrando em contato com a experiência de estar vivo. Campbell (2007) diz que
o que o homem moderno busca é a experiência de estar vivo. Entretanto,
empenhado em realizar seus objetivos, pode esquecer-se de que o que de fato
conta é o fenômeno de viver. Esta experiência deve-se refletir no interior do
seu ser, para que assim o indivíduo sinta o encantamento de viver.

40
O DIVINO E A EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA

AS QUATRO IDADES DO HOMEM


Ele com seu corpo guerreou,
Mas o corpo venceu; andou ereto.

Depois lutou com o coração;


Inocência e paz partiram.

Então lutou com a mente;


Seu orgulhoso coração ficou para trás.

Agora suas guerras começam em Deus;


Ao soar a meia-noite, Deus vencerá.
(Yeats, 1979, p. 884)

41
2. O desenvolvimento da consciência

Diferentes autores escreveram sobre o surgimento e desenvolvimento


da consciência do ego. O livro Retorno da Deusa de Edward C. Whitmont
(1990) descreve o desenvolvimento da consciência humana, enfatizando como
o patriarcado do Deus-pai dominou o matriarcado da Grande Deusa e como
este fato se relaciona com a vida psíquica do homem. Whitmont (1990) tem
uma perspectiva analítica junguiana e acredita que devemos reconquistar os
aspectos femininos que existem em nosso inconsciente, como instinto, sentido,
intuição e emoção, já que estes desempenharão um papel muito importante na
nossa sociedade patriarcal atual, dominada pela agressão e pelo poder.

2.1 – O surgimento da consciência

Para a psicologia analítica, além da evolução física do homem, a


consciência também evoluiu e por esse motivo Whitmont em Retorno da Deusa
(1991) diz que o desenvolvimento desta reproduz a história evolutiva da
humanidade; além disso, fala que por baixo de nossa mente racional estão
adormecidos meios primitivos com intencionalidade própria, que interferem e
opõem-se à postura racional. Estes meios referem-se aos recursos mágicos,
mitológicos e femininos de lidar com a existência, sendo que, atualmente,
estamos caminhando para uma nova dimensão da consciência em que estes
recursos, aparentemente, estão sendo recuperados. Para isto, a consciência
precisará ter mais autopercepção, liberdade e maior clareza.

Podemos comparar os estágios da psicologia primitiva e suas formas de


culto com os estágios de desenvolvimento infantil: a fase mágica
corresponderia ao período dos três aos setes anos; por sua vez, a fase
mitológica representaria entre os sete e ou doze anos; e, por fim, a fase mental
corresponderia à adolescência e à vida adulta.

A primeira fase de evolução da consciência é denominada por Whitmont


(1991) de fase mágica, cuja orientação era ginecolátrica, ou seja, havia a
reverência ao feminino, além do mundo ter representações simbólicas

42
referentes ao arquétipo da Grande Deusa, já que o ego ainda estava muito
imerso no inconsciente. Segundo Neumann (2000), essa fase é chamada de
ciclo matriarcal quando consciência e inconsciente estão muito próximos,
predominando as atividades do inconsciente. Este período se estende desde a
Idade da Pedra até a Idade do Bronze. Segundo Whitmont (1991):

“No termo ‘mágico’ está implícita a identidade pré-


verbal, simbiótica e unitária que era o nível de existência ou
de consciência anterior ao surgimento das imagens
mitológicas e do pensamento racional” (Whitmont, 1991, p.
58).

A “mágica” deve ser entendida como uma forma particular da


consciência e dinamismo; esta consciência expressava a dinâmica das
energias instintivas e afetivas em um período onde o campo de realidade era
unitário. Já a Grande Deusa representava ser e tornar-se; ela é descrita por
Whitmont (1991) da seguinte maneira:

“Ela é ao mesmo tempo mãe e filha, donzela, virgem,


meretriz e bruxa. É a senhora das estrelas e dos céus, a
beleza da natureza, do útero gerador, o poder nutriente da
terra, a fertilidade, a provedora de todas as necessidades, e
também o poder de morte e o horror da decadência e da
aniquilação. Dela tudo procede e a ela tudo retorna”
(Whitmont, 1991, p. 60).

O feminino, reverenciado na era mágica, segundo Whitmont (1991), não


se interessa pelo poder, pelo pensar, não é heróico e nem rebelde, não luta
contra oposições. Ele existe no aqui e agora em um fluxo infinito, valorizando a
continuidade e o rumo das ordens naturais. É uma forma global funcional que
não expressa a atitude de uma pessoa em particular e sim a vontade da
natureza. Muito diferente deste está o masculino que representará a
descontinuidade, o contraste, a oposição, numa fase posterior de evolução da
consciência. Deve-se lembrar que no ciclo matriarcal não há dominância das

43
mulheres sobre os homens; o que existia era a atuação do coletivo com a
valorização do feminino e das mulheres.

No nível mágico só existe o aqui e agora; não há diferenciação entre


passado, presente e futuro. Da mesma maneira, não existe dentro e fora,
corpo, mente ou psique e eu e outro; sujeito e objetos estão adaptados num
todo sistemático e, portanto, não há polaridades. Segundo Whitmont (1991), os
eventos ocorridos neste período não eram causados ou planejados
racionalmente; eles aconteciam devido a forças poderosas e desconhecidas
que estão além do controle do homem:

“Expressam forças naturais inexoráveis. São


inevitáveis e não estão sujeitas ao desafio, à mudança, à
responsabilidade ou ao entendimento. Só é possível invocá-
las, aceitá-las, propiciá-las e adaptar-se ao próprio destino”
(Whitmont, 1991, p. 64).

Além disto, nesta era não existia ética e responsabilidades como


conhecemos; tratava-se de um período amoral, sendo que o comportamento
humano dessa época pode ser visto como cruel, brutal e destrutivo, assim
como de uma criança de, aproximadamente, três anos, cuja relação com a mãe
e com a família ao seu redor é simbiótica. Whitmont (1991) acrescenta que não
existia regra, lei e as atividades eram dirigidas pelo instinto, por padrões de
ação fixos, por saber e por imitação. Esse comportamento mágico era pré-
consciente; o indivíduo faz parte de um grupo, de um processo não-pessoal e,
portanto, a consciência era grupal, a vontade é do grupo e não do individuo. A
perda da identificação com o grupo leva a perda da alma, da identidade, assim
como acontece com a criança pequena.

A dinâmica mágica está apenas reprimida e imersa pela mente racional,


porém ela continua funcionando e influenciando nossos sentimentos e
condutas. A magia da raça-sangue e do dinamismo grupal devem ser levados
em conta e não reprimidos para serem integrados. Devemos confrontar de
modo consciente o arquétipo mágico para que este não nos ameace com a

44
regressão ao primitivo, ou seja, a um nível superado e, portanto, inferior. Deste
modo, o arquétipo da Deusa ressurgirá, sem que haja um retrocesso, mas sim
uma nova interação, para nos guiar a níveis mais elevados do desenvolvimento
humano.

O desenvolvimento máximo do culto da Grande Deusa acontece na era


mitológica, conhecida também como Idade do Bronze. Neste período a palavra
Homem não se restringia apenas ao gênero, mas sim ao humano. É a fase de
transição do nível mágico de funcionamento para o nível mental, isto é, entre a
decadência do matriarcado e a ascensão do patriarcado; por esse motivo, a
consciência oscila entre o campo unitário e as abstrações do pensamento,
além de ser a transferência de um mundo ginecolátrico para um mundo
androlátrico.

A evolução da consciência neste período, segundo Whitmont (1991)


aparece com a primeira noção de interiorização e da diferenciação do pessoal
com o mundo externo. O indivíduo sente em si uma identidade separada do
mundo em geral e surge o eu sou, sendo este o primeiro passo para a
percepção consciente da alma.

No início deste estágio os opostos são inclusivos e não excludentes.


Tudo faz parte de uma manifestação do sagrado. Nesta consciência, o espaço
e o tempo estão separados, mas limitados ao aqui e agora, isto é, o espaço
deve estar acessível ao agora para existir. Não há senso de história, de
continuidade; o tempo é hoje, ontem e a eternidade. Os fatos do passado são
materiais de fantasia que enriquecem o presente. Desta maneira, o mito
representa a subjetividade exposta, aquilo que a alma percebe como
existência. Com essa interiorização implica-se o eu e, posteriormente, o tu,
tornando possível o aparecimento de diferentes grupos sociais além da família
imediata. Esta organização social impõe ordem, expressa em ritos e danças
comuns a todos os elementos do grupo. Outro fator que surge na vida
estruturada em grupo é a ética e a moralidade; embora ambas sejam coletivas
e não individuais, existem obrigações sociais elementares. No nível mitológico
existe o isolamento e a rejeição de uma pessoa em relação ao grupo devido à

45
violação dos costumes, sendo que esta, diferente do nível mágico onde o
isolamento ameaçava sua própria vida, sente vergonha pelos seus atos,
perdendo sua dignidade.

Whitmont (1991) explica que neste período de transição surgem os


sacrifícios para evitar o mal, sendo este um aspecto fundamental para os
primeiros rituais religiosos. Deste modo, existia uma auto-oferta quase
voluntária em nome da transformação à sua fonte geradora, representando
renúncia ao pretenso controle e superioridade e a admissão de suas
necessidades. Na perspectiva ginecolátrica a vida precisava ser destruída para
que a mesma se renovasse, além de que nada poderia passar a existir sem
que algo equivalente tivesse deixado de existir. Para a psique não pessoal
deste período o sacrifício é uma condição fundamental para o desenvolvimento
da vida, para que possa haver transformações. Quando surge o eu, este se
recusa a entregar-se para a morte; exige-se então substitutos para a oferenda
voluntária como, por exemplo, prisioneiros de guerra ou animais, aquele que
carregava um estigma, e o sacrifício ganha outra função: torna-se uma
cerimônia com caráter de penitência. Essa alteração no comportamento reflete
um desenvolvimento psicológico de sensação pessoal de responsabilidade
pelos próprios atos, proporcionada pela sensação de vergonha e culpa, sendo
este aspecto fundamental para a individualidade e autocontrole.

Durante a era mitológica a atividade externa era percebida sob a forma


dos Deuses Gêmeos, causando a sobreposição destes sobre a Deusa; Apolo e
Dioniso representavam diferentes aspectos: o primeiro era a luz, a vida, a
permanência; já o segundo a escuridão, a morte, a interrupção. Os Deuses
Gêmeos, que no início da era faziam parte de uma polaridade, ou seja, existia
a dualidade, já que ambos faziam parte de um Grande Círculo intacto, ao final
dela se tornaram excludentes, isto é, cada um fazia parte de uma polaridade,
fazendo com que a dualidade tornasse dualismo. É neste momento que surge
a era androlátrica, onde os opostos se excluem e as formas patriarcais de
organização e de vivência religiosa assumem o primeiro plano e, por isso, eram
as divindades apolíneas e olímpicas masculinas que governavam, sendo que
os elementos dionisíacos femininos tornaram-se escuros e misteriosos e serão

46
banidos com o surgimento da era mental. Deste modo, as realidades mágica e
mitológica ficam cada vez mais distantes, sendo estas recuperadas pela
capacidade do homem moderno de ter vivências simbólicas.

Com o começo da era heróica, isto é, com o início da fase mental, em


algum momento do segundo milênio antes de Cristo, caracterizada pelo
surgimento e fortalecimento do ego consciente sobre o inconsciente, sendo
possível o desenvolvimento intelectual, houve o declínio da era mitológica e as
divindades masculinas substituíram a imagem da Grande Deusa como objeto
de adoração. O ego passa a admirar o Deus único que está no céu
pressionado a evitar o mal, já que o passo seguinte da consciência ética, que
faz parte de uma organização androlátrica, precisa de limites e vê a era da
Deusa como escuridão, como caos. Este período é dominado pela mente, o
ego e o espírito, sendo que esta abstração leva à perda dos deuses e da alma.
O recém-formado eu pessoal pode agora obedecer e desobedecer aos
mandamentos divinos e corre o risco de ser punido, já que o mal é um ato de
desobediência, seguido pela vergonha diante dos outros.

Durante a fase egóica mental existe a lei, a ética, que controla a


agressividade e os desejos do homem; a mente é quem decide, já que
violência e sexualidade são coisas más e, portanto, proibidas. O controle é do
ego e isto representa o patriarcado e o referencial androlátrico, onde existe a
desvalorização da divindade feminina, dos impulsos naturais e das emoções e
desejos espontâneos.

Neste estágio os cinco sentidos são os responsáveis pela existência das


coisas. Se algo é perceptível num espaço tridimensional, então tem existência
e o que for imaterial e não puder ser percebido não existe. Deste modo, o que
não pode ser observado, torna-se cada vez mais imaginário. A existência é
encerrada com a morte e o fim do corpo visível. Uma idéia não é tão legítima
quanto um objeto, já que ela não é visível, e as coisas são vistas como parte do
espaço, são divisões espaciais. Com isso, o ego se conscientiza de que é um
corpo espacial e torna-se capaz de afetar os outros de acordo com suas
vontades. Além disso, é através de suas vontades que a força do ego é

47
medida; esta vontade tem um propósito egóico de permanência e conforto e,
ao mesmo tempo, de controlar seus impulsos, sendo contra a vontade da
natureza.

A alma perdeu seu sentido por não ser espacial e costuma ser vista
como superstição e sentimentalismo. O dualismo característico desta era não
vê ligação entre o mundo subjetivo dos pensamentos e o mundo externo
objetivo. O pensamento não tem efeito sobre uma ação física direta por ser um
produto da mente, do cérebro. Deus também passa a ser abstrato e o divino,
que antes estava presente no objeto, torna-se pensamento. Assim, Deus é
entendido como um meio de diminuir a ansiedade ou de exercer certo controle.
A energia toma o seu lugar, sendo a capacidade trabalhar e surtir efeito; com
ela o homem trará ordem a um mundo de causas sem sentido que poderia
acabar em caos. A fase anterior foi associada à desordem, já que neste
período as polaridades mantinham a ordem e a cultura ganhou espaço. O
indivíduo passa a se ver superior à natureza, se separando da divindade e do
caráter sagrado do mundo. O Deus da fase patriarcal é a Ciência. As
representações simbólicas desse período são referentes ao arquétipo do Pai.

Diferente do período matriarcal, quando não havia o domínio das


mulheres sobre os homens, no patriarcado há o domínio do homem sobre as
mulheres, reprimindo tudo o que tem relação como o feminino. Tudo o que se
refere ao feminino é inferior enquanto o masculino é visto como o bem. Parece
haver a preocupação de o feminino ameaçar a consciência patriarcal
emergente e, por este motivo, deve ser eliminado, reprimido.

Nossas mentes não estão estruturadas para acolher com facilidade as


atitudes dos níveis mágico e mitológico, já que estes estão inconscientes na
psique após o aparecimento da consciência racional. Porém, nossa percepção
não é a mais válida e devemos aceitá-las como potencialidades e capacidades
vitais, já que essas atitudes inconscientes modificam e complementam nosso
pensar. Segundo Whitmont (1991):

48
“Nossa visão de mundo científica, os padrões morais
defendidos pela consciência coletiva, nossas metas pessoais
baseadas nesses valores, nascem de racionalizações e de
codificações dos períodos precedentes. O mito, as aspirações
poéticas, fábulas e fantasias de ontem tornam-se elementos
racionalizados no fato histórico, espacial e visíveis de hoje”
(Whitmont, 1991, p. 92).

A evolução da consciência aconteceu devido às mudanças da qualidade


das vivências íntimas e sociais. Todo período de transições significativas traz
agressão e conflitos, mas se isto não acontecer, ou seja, se não as integrarmos
em nosso pensamento racional, é provável que regridamos em vez de darmos
o próximo passo na evolução da consciência. Whitmont (1991) ainda acredita
que apesar do poder ser indispensável para o desenvolvimento do ego
patriarcal ele é responsável pela alienação, sendo pouco compatível com o
mundo natural e comunitário e acrescenta:

“O impasse crítico resultante dessa inadaptação


revela a crise de transição que prenuncia o final de um
período e o início de outro. Precisamos dar o próximo passo
na metamorfose da consciência, queiramos ou não. Com
base na experiência clínica individual, aprendemos que o
passo seguinte na evolução é inevitável, conquanto costume
ser doloroso. Mas pode ser muito facilitado quando sua
necessidade é aceita e quando se compreende o sentido de
sua direção em termos gerais” (Whitmont, 1991, p. 93).

Atualmente parecemos estar caminhando para a alteridade, talvez


vivendo um período de transformação que possa levar à vivência de
características do matriarcal e do patriarcal em conjunto, em harmonia. A
alteridade não nega nem o matriarcal nem o patriarcal e sim integra a
convivência das polaridades. Esse dinamismo é regido pelos arquétipos de
anima e animus, sendo que as polaridades devem integrar-se, sem predomínio

49
de uma sobre a outra em uma composição nova, diferenciada do que vimos até
o presente.

50
51
“A Última Ceia” – Leonardo Da Vinci, 1495-1497.
2.2 – A consciência e o reinado do Deus único

A partir da era patriarcal podemos definir o eu como centro da


consciência do ego, sendo aquele que controla, que racionaliza. Além disso,
nesse período a força controladora do universo é personificada como um
regente masculino que age através de suas vontades e intencionalidades. Ele é
o Senhor dos Senhores, vencendo seus inimigos e esperando de seus súditos
uma fidelidade heróica. Crê-se que ele criou o mundo e o governa como seu
território, sendo que a ordem social reflete essa ordem mítica, isto é, as leis da
comunidade resultam da vontade divina e são administradas por um regente
humano visto como a encarnação do divino.

A autonomia pessoal e a vontade consciente aparecem nesse reinado


como sendo própria de Deus. Com o tempo, reis, líderes, a nobreza e,
posteriormente, todos os homens (machos) passaram a possuir essa qualidade
divina, ou seja, passaram a possuir ego. Whitmont (1991) afirma que esta foi a
característica mais importante deste período no plano psicológico, isto é, a
primeira noção de individualidade e, assim, de intencionalidade racional e
vontade pessoal. Com isso, passou a ser responsabilidade do eu defender a
ordem e, desta maneira, eliminar suas qualidades femininas e seus impulsos
para o inconsciente.

Em mitos e fantasias, o eu aparece em imagens masculinas, referindo-


se a uma atitude patriarcal que é focalizada, divisiva e acentua a existência, em
detrimento da inexistência; e o feminino surge como sendo ambivalente,
conectivo, desfocado, considerando a existência e inexistência como uma coisa
só. Desta maneira, do ponto de vista da lógica racional, o feminino parece ser
irracional e é inconsciente, já que seus fundamentos estão, em grande parte,
reprimidos. “Aceitar o mundo feminino é regredir à inconsciência, do ponto de
vista do ego masculino. Assim, o ‘eu sou’ opõe-se à adoração do feminino, aos
cultos em honra da mãe e da Deusa tripla e seu consorte” (Whitmont, 1991, pg.
102).

52
O reinado egóico resultou num monoteísmo, acabando com a
pluralidade de forças, poderes e personalidades características das visões de
mundo mágica e mitológica. Deste modo, determinou-se a imposição do ego de
fazer suas vontades para defender e incentivar a ficção de ser o regente
supremo da totalidade psíquica. Como Whitmont (1991) afirma:

“Enquanto teologia, o mito aparece no conceito do


Deus único; enquanto psicologia, no conceito de um Self
unificado, de uma personalidade eu. Essa personalidade eu
deificou os aspectos conscientes da experiência e negou a
multiplicidade de aspectos e complexos pré-ego-conscientes
dos quais ela mesma emergiu” (Whitmont, 1991, p. 98).

Na Idade Média a mente moderna decretou a lealdade exclusiva ao deus


único, do mesmo modo que exigiu uma só maneira de ver as coisas, frente à
religião, política ou psicologia. Essa tendência aparece nas três grandes
religiões ocidentais: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Além disso, o
judaísmo e o cristianismo foram indispensáveis à criação da cultura e da ética
do mundo ocidental.

No final do período egóico e mental a consciência individual será


definida, não sendo mais como uma ordem externa e projetada. Esta qualidade
pode ser revelada com a frase “Eu sou o que sou” que aparece no Êxodo 3:14,
quando Moisés pede para deus identificar-se, revelando “uma existência que é
consciente de si como um eu. Aqui a experiência essencial da identidade
irrompe na consciência, trazendo consigo também os mandamentos ‘tu deves’
e ‘tu não deves’” (Whitmont, 1991, p. 99). Porém, no início desta fase os
mandamentos divinos não eram dirigidos às pessoas enquanto indivíduos, mas
sim ao coletivo, que estipula padrões de crença e comportamento. Neste
momento, Whitmont (1991) considera que o ego em formação tem
características de um superego freudiano ou da anima ou persona junguiana,
pois tende ao autocontrole e a auto-responsabilidade.

53
A obediência individual em relação a padrões coletivos de valor e
conduta é definida pela auto-responsabilidade, já que as regras e tabus ainda
estão extrínsecos ao indivíduo e, em grande parte, são contra sentimentos e
impulsos pessoais. Os padrões de certo e errado são defendidos e postos em
prática por um sistema onde existem penas, humilhações e o uso de bodes
expiatórios.

“Para o Ocidente cristão, o bom e o mau tornaram-se


essencialmente éticos. Aliás, o prazer de desfrutar o belo
pelo belo começou a ser suspeito de frivolidade, tentação do
demônio que desvia do serviço a Deus. Pureza passou a
significar um controle estrito e até mesmo impiedoso da
espontaneidade individual, das ânsias instintivas e
emocionais, das necessidades e desejos ‘egoístas’, em prol
dos padrões superegóicos” (Whitmont, 1991, p. 100).

Outra característica importante deste período de reinado do Rei Divino é


que tudo deve estar de acordo com o ideal egóico aprovado pelo coletivo, caso
contrário, deve ser reprimido. Apesar da auto-manifestação ser a meta da
disciplina do ego, dar preferência às necessidades pessoais, estando elas
contra ou não as necessidades coletivas, é rotulado como egoísta e maligno. O
ego patriarcal é heróico, orientado para a conquista de si mesmo e do mundo
com o poder de sua vontade e bravura. Seus impulsos, prazeres pessoais,
desejos, sentimentos e dores devem ser reprimidos.

“O resultado psicológico é um senso de identidade


pessoal equivalente a um Self limitado ao corpo, destacado,
sujeito às leis grupais e ao poder do Deus-rei. Agora, no
plano consciente, essa noção de identidade não está mais
confinada organicamente a um grupo, ao mundo ou ao
divino, nem forma um todo com essas instâncias. Mas,
inconscientemente, ainda está dominada pelos valores
coletivos” (Whitmont, 1991, p. 101).

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Os fundamentos que determinam a nova era mental, e pelos quais ela
se desenvolve, são a idéia da lei e o mito do legislador. Tudo deve ser baseado
em regras, sendo que a lei deve ser obedecida pelo homem que se a
desconsiderar será punido e terá sentimento de culpa. A relação causa-efeito
deve explicar todos os problemas. Deus, apesar de ser proclamado como
amor, é conhecido como o vingador das desobediências, pois é a fonte do “tu
deves”, e o amor é imposto pela vontade. Para que haja disciplina e obediência
às regras é necessário que necessidades, como agredir, e ânsias espontâneas,
como a ânsia sexual, sejam reprimidas e temidas. Esses são aspectos da
Deusa, que passam a ser poderes do Diabo, causando sentimento de culpa
naquele que possui tais desejos.

Devido à imposição de restrições, exigências e proibições, o centro


consciente é que controla a energia psíquica espontânea. O ego se desenvolve
segundo regras que dizem “tu deves” e “tu não deves”. Desta maneira,
obedecer a regras e tabus torna-se um exercício mental que educa a vontade e
pratica a autodisciplina. Além disso, através da vergonha e da culpa sentidas
pela desobediência, surge a conscientização e, também, o incentivo à
submissão ao coletivo e à disciplina, fazendo com que o ego seja executor do
padrão coletivo.

O julgamento e o autocontrole são resultados da vergonha e da culpa,


do “tu deves” e “tu não deves”. É a lei que define o que é certo e o que é errado
e a vontade individual defende essas exigências contra as ânsias naturais e
instintivas. O espírito deve domar a natureza animal do homem com um
esforço heróico.

“O ego patriarcal, condicionado a ser superego, é


orientado para conquistas. Seu senso de identidade repousa
em seu poder de defender a ordem e em sua capacidade de
conquistar, possuir e assimilar os objetos e adversários que
lhe oponham resistência. A deficiência de alguma dessas
capacidades desencadeia um sentimento de inadequação e
de inferioridade. O sentimento de inferioridade, o impulso, o

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ciúme e a compulsão para dominar e conquistar são as
marcas registradas do ego patriarcal” (Whitmont, 1991,
p.104).

Somente no final da era mental, ou seja, depois que o ego já concretizou


sua disciplina e firmeza, é que ele pode começar a se relacionar com um centro
mais profundo, mais individual, sendo este o Self que leva o ego a tornar-se o
que ele realmente é. Porém, somente nos tempos atuais é possível que o Self
tome o lugar de uma persona ou até mesmo de um ego direcionado pelo
superego, já que na fase patriarcal poucas pessoas conseguiram viver
conforme sua consciência individual, correndo o risco até de serem queimadas
vivas, como se pode constatar pela caça às bruxas. “A autoridade coletiva
externa e a vergonha e a culpa superegóicas internalizadas são, por isso, fases
necessárias e inescapáveis do desenvolvimento de um ego patriarcal”
(Whitmont, 1991, p. 105).

O Decálogo e a Regra de Ouro foram os passos iniciais para que


individualidade e a auto-responsabilidade se tornassem próprias do indivíduo;
este objetivo, porém, ainda era arquetípico. O “eu sou”, no início, era algo do
Deus-Rei e não aparecia no sujeito; deste modo, os mandamentos deviam ser
obedecidos devido à autocracia de Jeová. Com o tempo, a Igreja ocupa este
posto de autoridade e pune com morte na fogueira os hereges, ou seja,
aqueles que, por exemplo, não acreditavam que comiam literalmente o corpo
de Cristo com a hóstia. Porém, conforme a mente racional se desenvolvia,
perdia-se o significado dos ensinamentos ortodoxos. Assim, o mito foi rejeitado
e descartado pela mente consciente que não percebia seu sentido. “Contudo,
mantém-se ativo no plano inconsciente, e ali constitui as premissas sobre as
quais a racionalidade ergue seus conceitos e convicções” (Whitmont, 1991, p.
106). O código coletivo assume o lugar das regras do Deus-Rei, que continua
presente de modo inconsciente, e surge o superego. O Deus-Rei aparece
como um padrão comum do inconsciente de origem pré-egóica e resulta na
formação de um ego e de um raciocínio individual e, portanto, do julgamento e
da responsabilidade individual. Apenas os homens do povo eram privilegiados
pela individualidade potencial. Segundo Whitmont (1991), não se pode avançar

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para outra fase enquanto esta não tiver sido satisfatoriamente atingida, ou seja,
enquanto autodisciplina, percepção e controle do ego não tiverem sido
alcançados pelo indivíduo. “Primeiro precisamos aprender a atuar e a viver
como membros obedientes de um Estado e de uma comunidade, para depois
podermos nos mover no sentido de admitirmos a diretriz que vem do Self
enquanto centro que dirige diretamente a psique individual” (Whitmont, 1991, p.
107).

Os costumes aprovados pela cultura eram considerados valores


absolutos e éticos nos tempos do Deus-Rei, já que ele era considerado bom e
justo, sendo que qualquer infração de suas leis evocaria sua ira ciumenta;
deste modo, a moralidade transformou-se em legalismo. “Seja qual for o
costume que contrarie sua lei, é herege e merece as mais severas punições. O
resultado disso é um rígido sistema legal, uma codificação de atos, ações e
atitudes que supostamente representam padrões de bondade em termos
absolutos” (Whitmont, 1991, p. 108). Pode-se entender que a bondade é algo
resultante das ações do sujeito, pois é sinônimo de obediência e, portanto, é
um ato de vontade individual pela adaptação social. Deste modo, a maldade é
vista como própria do sujeito, já que ela não faz parte do Deus-Rei e, assim, é
a desobediência praticada pelo indivíduo e poderia ter sido prevenida e punida.
“Do lado positivo, esse pressuposto introduz a responsabilidade numa
dimensão pessoal. Mas é imposta uma separação entre a auto-imagem
desejada e os aspectos inaceitáveis da própria individualidade” (Whitmont,
1991, p. 109). Assim que o ego estiver formado, essa separação ego-sombra
deve ser restabelecida.

“O mal não tem existência objetiva. Deus é bom.


Criou o mundo e viu que era bom. Deus não pode ter criado
o mal e, menos ainda, tê-lo considerado intrínseco à própria
divindade. Por isso, o mal é visto apenas como um
enfraquecimento, uma negação ou ausência do bem. Mas,
portanto, é a existência diminuída ou a inexistência. (...)
Decorre logicamente do mito do legislador que ele não pode
ter criado aquilo que ele mesmo proíbe. Já que a criação do

57
mal por uma força diferente postularia a existência de um
antideus de mesma estatura, o mal não pode existir. Assim,
só pode representar a diminuição do bem universal, pela
fragilidade e pela desobediência humanas” (Whitmont, 1991,
p. 109).

Essa doutrina demonstra a negação da polaridade; assim, o indivíduo


sente-se obrigado a agradar a Deus, já que só existe o bem, e o mal,
teoricamente, pode ser eliminado. “Além disso, quando se sustenta que a
existência e a vida são sinônimas de bondade e virtude, as opostas morte e
destruição devem ser encaradas como punições” (Whitmont, 1991, p. 110).
Deste modo, morte e destruição são temidas e rejeitadas. Essa rejeição
concorda com o conceito da identificação do ego com o corpo, isto é, ele só
existe ligado a um corpo. Assim, a vida após a morte, que antes era aceita, é
racionalizada neste conceito de existência física, o que resulta num novo
significado de morte: extinção total. “Nessa medida, a sensação de que a morte
é um mal impede-nos de vivenciar o tempo e o sofrimento como dimensões
humanas criativas. O tempo torna-se um inimigo” (Whitmont, 1991, p. 110).

O grande passo do desenvolvimento psicológico desse momento é a


internalização do conflito entre valores opostos, isto é, daquilo que antes tinha
sido estipulado pelas leis de Deus. A existência tornou-se má devido ao pecado
do homem que sente essa responsabilidade como algo pessoal, além da
sensação de culpa que substitui a vergonha e o medo das punições divinas.
Por outro lado, o homem, neste período, sente a liberdade de outra forma, já
que ele “é um participante consciente de um embate social, ético e até mesmo
cósmico, é pessoalmente responsável pelo resultado do drama da existência”
(Whitmont, 1991, p. 111).

O ego controla a força da vontade que é voltada para o não-ego; sendo


assim, a psicologia do ego é uma psicologia da vontade de poder. Esta vontade
é competitiva e usa a agressão para dominar o que lhe é adverso. Na cultura
cristã, o poder deveria controlar os impulsos, desejos e necessidades pessoais.
Já a agressão, o ódio e a má vontade, apesar de terem sido reprimidos, estão

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atuando no inconsciente. Por este motivo, ou seja, já que não se pode odiar o
próximo, este sentimento agressivo é transferido para os inimigos e hereges
que podem ser combatidos e destruídos em nome da bondade. Whitmont
(1991) acredita que atualmente esta dinâmica é ameaçadora:

“Precisamos controlar nossos atos por meio da


vontade. Os sentimentos precisam ser libertados da
repressão, aceitos conscientemente, experimentados e,
dentro de determinadas circunstâncias, postos
experimentalmente em prática. Os sentimentos não podem
mais ser tratados apenas em termos superegóicos, com
assertivas do tipo ‘deves’ ou ‘não deves’. Não podem ser
compulsoriamente controlados apenas pela força do ego”
(Whitmont, 1991, p. 113).

Para que isto aconteça é preciso que exista um ego fortemente


estruturado, além de discernimento para a escolha das ocasiões onde se deve
excluir impulsos hostis, sem que haja a violação da integridade própria e alheia.
Desta maneira, Whitmont (1991) propõe uma nova orientação para a
consciência egóica, onde o ego não é apenas o assistente do superego, sem a
qual não haverá fortalecimento do ego. “Como vimos antes, o superego foi e é
necessário para o estabelecimento de padrões para a consciência. Mas
prosseguir na identificação com esses padrões limita a moralidade a uma mera
conformidade grupal” (Whitmont, 1991, p. 113).

A vontade coletiva é a representação da vontade de Deus. Sendo assim,


se algo dá errado, alguém tem que ser responsável. A culpa é sempre atribuída
a alguém, ou seja, sempre há um bode expiatório. Atualmente, estamos
vivendo pela autojustificativa e tudo o que fazemos é julgado pelo desempenho
e pelo êxito. Além disso, esquecemos que tudo pode ter, potencialmente, um
lado construtivo e um destrutivo, já que só identificamos as coisas como, por
exemplo, o bom ou o mau. “Não enxergamos que tudo vem acompanhado de
seu oposto. Uma boa motivação pode, afinal, desencadear um ato destrutivo”
(Whitmont, 1991, p. 114). Da mesma maneira, hoje as doutrinas são

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meramente obedecidas, são deveres e autonegação, e a fé que antes atribuída
ao “Assim disse o Senhor” hoje foi transferida para a ciência.

“A fé acabou significando uma cega conformidade à


doutrina coletiva. Perdeu o sentido de confiança em algo que
deve ser experimentado intuitivamente, porque não pode
ser visto ou sentido com os órgãos dos sentidos. A doutrina
tornou-se cada vez mais racionalizada, até se divorciar
completamente da experiência profunda” (Whitmont, 1991, p.
114).

O protestantismo nasce em um contexto onde o fracasso e a derrota são


negativos. As dificuldades e os erros dos homens são vistas como punições
divinas dos erros cometidos, já que Deus era tido como justo. Do mesmo modo
que o sucesso social era visto como sinal de graça, de recompensa. É preciso
estar certo e não se deve aprender com os próprios erros, já que eles devem
ser evitados. Para que isto aconteça deve-se ter obediência aos costumes. Daí
cresce a ânsia do não-conformismo e, segundo Whitmont (1991), é nesse
contexto que a Deusa tem espaço para voltar.

“A vida está ameaçada. Os alicerces do reino


patriarcal estão abalados. O rei celestial deixou cair seu
cetro na terra. O trono de seus mandamentos está
desocupado. Ali onde caiu o cetro está brotando a fonte da
água da vida. A Deusa retorna com seu consorte Dioniso”
(Whitmont, 1991, 115).

60
“José de Arimathea colhe o sangue de
Cristo no copo da comunhão, o Santo
Graal” – Franz Stassen

61
2.3 – A morte do divino

A teologia cristã distanciou a humanidade da natureza e o culto da


divindade, extremamente ligado a ela, foi rejeitado. A natureza passou a ser
vista e valorizada apenas para contribuir com o bem-estar humano. Essas são
as raízes da crise ecológica que vivemos hoje, já que o homem moderno,
racional e não-religioso, usa a natureza apenas para o servir.

“Pode parecer estranho que padrões religiosos sejam


fatores básicos subjacentes às origens da crise ambiental,
pois atualmente a adoração e o simbolismo tradicionais
perderam seu poder de dar significado e dimensão
transcendentes às vidas de muitas pessoas. Apesar disso, as
premissas latentes de nossa cultura ainda estão enraizadas
na religião” (Whitmont, 1991, p. 117).

O homem moderno esqueceu-se da beleza e do mistério da natureza,


tirou o sagrado que havia nela e criou novos deuses para sua satisfação, sendo
eles a ciência, os bens materiais e o bem-estar físico. Ao mesmo tempo, falta o
sentido da vida ao homem, falta a alma, já que ela é cada vez mais identificada
com a razão, transformando o homem em um corpo que responde a reflexos
racionais ao meio ambiente. “O que, afinal de contas, somos nós, se nosso
mundo não passa de um agrupamento de coisas sem alma e sem mente, para
serem apenas exploradas?” (Whitmont, 1991, p. 117).

Essa falta de sentido do homem se deve ao fato dele não ter acesso ao
sagrado, como acontecia no tempo mágico; o contexto religioso em que
vivemos explica isso. No decálogo percebemos uma divindade, moldada por
Deus, alheia ao homem, isto é, ele seria incapaz de esculpir uma imagem
semelhante. Esta divindade devia ser exclusivamente adorada e tudo aquilo
que fazia parte da natureza tornou-se maligno, além da imaginação simbólica
ter sido eliminada. O reino da Deusa era a projeção do mal e, por ser o reino do
Diabo, deveria ser dominado pela parte divina do homem. “Em nome de um
sentimento independente de personalidade, o homem precisou obedecer à

62
ordem de uma única entidade patriarcal, que diz ‘eu sou o que sou’,
esquecendo a força da realidade unitária e todo-abrangente (...) A humanidade
teve que fazer a terra submeter-se e servir ao eu” (Whitmont, 1991, p. 118).

Não podemos esquecer que o homem precisa transcender a


participação mágica e a identificação mítica para evoluir; ele precisa passar por
algum conflito moral e pelo sentimento de culpa. Deste modo, os eventos do
mundo passam a ser justificados, pelo menos teoricamente, por relações de
causa e efeito e os atos do indivíduo, de sua responsabilidade, tornam-se
explicáveis e controláveis pela mente racional. Porém, este racionalismo privou
o homem de um contato consciente com o divino, o que o fez perder a visão de
um Deus vivo. “Deus está morto para nós” (Whitmont, 1991, p. 118). Só
conseguimos enxergar o divino no mundo do “tu deves” e o evitamos.

“Essa possibilidade de uma experiência direta do


divino foi destruída nos conceitos judeus e cristãos
ortodoxos (não místicos). O espírito não podia mais ser
visto-contemplado nas pedras, águas, fontes, árvores,
arbustos, animais e, enfim, nem mesmo nos seres humanos.
Em vez disso, o espírito se tornou uma abstração ética”
(Whitmont, 1991, p. 119).

Com esse distanciamento do homem em relação ao divino, a


identificação mitológica, ou seja, o viver de acordo com o mito teve fim, já que a
produção consciente de mitos não acontecia mais. A imaginação simbólica,
como já comentado, foi abolida, limitando o sagrado ao não-sensorial, isto é,
aquilo que não podia ser sentido através dos cinco sentidos e, por isso, podia
apenas ser ensinado. “Portanto, é preciso que se acredite neles. A fé não é
mais pistis (‘confiança na experiência pessoal’), e sim uma aceitação cega e
divorciada das experiências pessoais subjetivas” (Whitmont, 1991, p. 119). O
resultado deste contexto é a secularização de todos os aspectos da vida como:
o trabalho, que não é mais sagrado em si, já que serve a uma finalidade; o
prazer, que se tornou uma atividade sem alegria, sendo algo que nos parece

63
útil; além de sempre estarmos poupando ou matando o tempo, dependendo de
nossa vontade.

A satisfação dos instintos, no período medieval, foi manchada pelo peso


da culpa e da condenação. Além disso, neste momento, as pesquisas
autônomas e o pensamento independente eram suspeitos de heresia. Isto
resultou num distanciamento entre a teologia e o pensamento independente, o
que desembocou na ciência moderna. Porém, a sociedade profana percebeu
que viver em pecado era uma condição da vida humana. O homem passou a
viver com medo da morte, pois resultaria num julgamento e na condenação ao
inferno. Deste modo, a morte não era mais uma transição para outro modo de
consciência, mas significava a extinção.

A presença constante de uma autoridade condenatória faz com que o


indivíduo tente derrubá-la para viver suas vontades, mesmo que isto resulte na
condenação. Em termos psicológicos, a condenação equivale à repressão.
Com isso, a autocondenação sofrida pelo indivíduo significa autorepressão, o
que é uma ameaça mortal ao sentido da existência pessoal. “Favorece a
insatisfação das próprias necessidades, a impotência e o ressentimento dirigido
contra os demais. Derrubar a suposta fonte desta condenação, a autoridade
externa superegóica, torna-se um ato de autopreservação psicológica”
(Whitmont, 1991, p. 120). Porém, este processo torna o sistema externo de
valores condenatórios em um sistema interno. “O que antes era uma
autoridade exterior, celestial, funciona agora como acusador íntimo que
condena o indivíduo à auto-rejeição” (Whitmont, 1991, p. 120). Deste modo, os
valores do superego tornam-se padrões a serem seguidos pelo ego.

“Dessa forma, embora Deus esteja morto e os céus


estejam vazios de significado espiritual, o arquétipo
patriarcal julgador continua fazendo parte inconsciente de
nosso complexo do ego. Nossa moralidade coletiva ainda se
baseia em grande medida em padrões que datam de dois
mil anos. No mesmo estilo do Senhor dos Senhores, rígido e
não misericordioso do Velho Testamento, nosso dedo aponta

64
implacavelmente para nossas falhas, assim como para as
deficiências de nossos semelhantes” (Whitmont, 1991, p. 120)

O homem moderno não acredita numa existência além do mundo


material e racional do ego. Desta maneira, tudo aquilo que envolve sua culpa e
alienação faz parte do inconsciente e está sujeito a projeções. “Como resultado
dessa dinâmica, tanto a superioridade divina como a culpa humana são
projetadas em outras pessoas. Assume seu lugar o complexo do bode
expiatório. A sociedade, o Estado e a nação são divinizados ou satanizados”
(Whitmont, 1991, p. 121). A transformação da pequena cidade, que era
orientada pelos mitos, no Estado, que é orientado pela política, favorece essa
tendência. A estrutura organizacional do Estado é abstrata e impessoal e,
apesar de se manter unida por uma idéia coletiva, não fornece qualquer
contato pessoal. Com isso, o ego se sente mais individual e a distância entre o
homem e a natureza aumenta.

“No seio dessas estruturas, as necessidades, os


valores e as capacidades assertivas da necessidade recuam.
Aos poucos, o senso individual da personalidade do ego
aumenta, mas também aumenta o senso de desvinculação,
de alienação em relação à natureza, e de vitimização diante
da estrutura social do Estado, cada vez mais remoto e
impessoal. A sensação crescente de individualidade e de
direitos individuais caminha ao lado da impotência individual
perante o Estado e o governo impessoais” (Whitmont, 1991,
p. 121).

O homem não tem poder sobre o Estado. O grupo torna-se uma ameaça
aos direitos individuais e não satisfaz as necessidades individuais. Esse
isolamento faz com que o ego lute para atingir metas e objetivos, ou seja, para
criar algo que lhe seja próprio e que tenha significado a ele. Com isso, o ego
estará deixando sua marca no mundo, cumprindo sua história ou sua missão,
adquirindo um aparente senso de liberdade que implica em responsabilidade e
culpa pelos próprios atos de missão e de delegação.

65
O Deus masculino faz exigências aos homens e desconsidera a mulher,
o feminino. O indivíduo encara esse Deus, mas não consegue encontrá-lo.
Desta maneira, ele exerce sua vontade para tentar provar seu valor pessoal e
quer transformar o mundo em um lugar melhor para se viver, eliminando
aspectos aparentemente negativos, mas que fazem parte da condição humana
como, por exemplo, infelicidade, pobreza, doenças e até a morte. Essa
tendência aparece na ética do trabalho, que deu origem ao industrialismo, onde
o bem-estar do homem e seu objetivo de vida baseiam-se na conquista do
mundo dos objetos. Portanto, é a produção do indivíduo que dá valor a sua
vida. “O sucesso material é a recompensa e o sinal de superioridade moral.
Com o tempo, o produto nacional bruto passa a ser a garantia do bem-estar
social e humano, independentemente das necessidades e da devastação
ecológica” (Whitmont, 1991, p. 122).

Com o tempo, a teologia se distanciou das experiências reais de vida,


tornando-se abstrata e irrelevante, o que fez com que os intelectuais fizessem
o mesmo com a religião. O homem moderno precisa de uma nova religião e
elege a ciência para isso, transformando a matéria no novo deus, já que
desconhece o espírito vivo na natureza. Whitmont (1991) afirma que “a menos
que passemos a reconhecer o espírito vivo na natureza e na matéria, é
provável que pereçamos todos”. Portanto, o retorno do mundo feminino, ou
seja, da Deusa, é inevitável para a sobrevivência humana.

66
Ilustração da Tábula Redonda e do Santo
Graal, extraído de um manuscrito de “Lancelot-
Grail” escrito por Michel Gantelet, 1470

67
3. Método

Este trabalho tem como objetivo pesquisar e refletir sobre a importância


e o sentido do divino na vida do homem contemporâneo analisando
simbolicamente o mito do Graal.

Para a realização deste estudo foi utilizado o método de investigação de


pesquisa qualitativa, que se baseia nos significados construídos pelo indivíduo,
através de como este percebe sua vivência (Tognini, 2007). Deste modo,
podemos verificar como uma teoria coletiva, as generalizações, se aplicam em
uma psique individual.

O método de investigação na Psicologia Analítica aborda os fenômenos


psíquicos de forma simbólica. A interpretação simbólica é uma ponte que leva à
compreensão do dinamismo inconsciente. Assim, é possível a integração deste
à consciência.

“O método proposto por Jung para a compreensão do


material inconsciente envolve a decodificação da linguagem
simbólica através da interpretação de seu significado para a
personalidade como um todo. A meta da interpretação é
propiciar a integração de conteúdos inconscientes na
consciência, ou seja, produzindo autoconhecimento e
favorecendo o processo de individuação. A integração ou
assimilação do conhecimento novo depende de um processo
de elaboração pela consciência” (Penna, 2003, p. 184).

Assim, neste tipo de pesquisa, o pesquisador se transforma durante o


processo, assim como o pesquisado, já que ocorre a troca durante o encontro,
característico também do processo terapêutico baseado na Psicologia
Analítica.

“Portanto, nessa perspectiva é importante considerar


o pesquisador como parte do processo de coleta e análise

68
dos dados, que deve estar envolvido, mas, ao mesmo
tempo, manter um certo distanciamento, fator que lhe
permite, posteriormente, refletir sobre o que ouviu. Nesse
sentido, o pesquisador é co-participante e tem
responsabilidade pelo material produzido” (Tognini, 2007,
p.132).

Por ser uma abordagem que se baseia em fundamentos arquetípicos, a


pesquisa na Psicologia Analítica não trata apenas de buscar as causas de um
determinado comportamento, mas visa a compreensão de diferentes fatores
que o influenciam e o determinam. Assim, procura-se compreender o tema
arquetípico envolvido, isto é, o que já aconteceu em outras épocas e o que
acontece atualmente em relação ao tema, suas finalidades e o motivo a que
levou essa expressão simbólica. Esta amplificação simbólica possibilita a
ligação do indivíduo com o coletivo.

“A amplificação é valiosa também para a compreensão


de símbolos coletivos (culturais) nos quais o contexto
histórico social imediato equivale ao aspecto pessoal do
símbolo individual. Os símbolos coletivos ou culturais, na
amplificação, revelam seus aspectos arquetípicos
prospectivos, fornecendo um entendimento ampliado da
situação atual e futura da coletividade, além de sua conexão
com a história passada” (Penna, 2003, p.197).

69
4. O mito do Graal

O mito de Parsifal e a busca do Santo Graal tem diversas versões.


Usarei apenas a versão citada por Robert A. Johnson em seu livro “He”,
extraída de um poema francês de Chrétien de Troyes. Johnson (1993) justifica
tal escolha dizendo que esta é a narrativa mais antiga do mito e, “por ser mais
simples, mais direta, portanto mais próxima ao inconsciente, é a mais útil aos
nossos propósitos” (Johnson, p. 10, 1993).

“O surgimento de versões tão diferentes e os


aperfeiçoamentos por que passou esse material mostram
que ele continha vida própria e esta não se deixava
aprisionar numa forma determinada, mas andou se
transformando (...) Além disso, do ponto de vista
psicológico, isto aponta para o fato de ela girar em torno de
um problema difícil e aparentemente sem solução” (Franz,
1980, p. 25)

O Castelo do Graal, onde o Santo Graal – cálice da Última Ceia – é


guardado, está enfrentando sérios problemas, pois o Rei Pescador, monarca
do castelo, foi ferido e sofre continuamente, dada a impossibilidade de que
suas feridas venham a cicatrizar. Esse ferimento é tão grave que o impede de
viver, mas não o leva à morte. Desta maneira, o rei sofre e padece o tempo
todo. As terras do reino refletem a condição do rei; assim, o gado não reproduz
mais, as plantações não vingam, os cavaleiros são mortos, as crianças são
abandonadas, as donzelas choram. Todo o país e seu povo estão em
desolação e sofrimento devido ao ferimento do rei.

O rei foi ferido durante sua adolescência, quando, certo dia, vagando
pelos bosques, encontrou um acampamento abandonado. Nele havia um
salmão sendo assado no espeto. Faminto, serviu-se de um pedaço do peixe,
sem perceber que este estava muito quente. Ao fazê-lo, queimou seriamente
os dedos, deixando o pedaço de peixe cair e levando os dedos à boca para
aliviar a dor. Com isso, pode sentir o gosto do peixe, um gosto de que jamais

70
se esquecera. Passou então a ser conhecido como o Rei Pescador, por ter sido
ferido por um peixe. Outra versão da mesma história diz que o jovem Rei
Pescador saiu em busca de satisfazer sua paixão. Nessa procura, encontra
outro cavaleiro que, após ter uma visão da Cruz Verdadeira, saiu para
encontrar uma manifestação desta. Os dois, como bons cavaleiros,
prepararam-se para competir. O choque entre eles foi tão violento que o
cavaleiro foi morto e o Rei Pescador foi ferido na coxa, o que arruinou seu
reino.

O Rei Pescador é transportado numa liteira e, para onde quer que vá,
está sempre gemendo e gritando em seu desespero. Às vezes, porém,
consegue pescar e esses são os únicos momentos em que se sente feliz e
aliviado de sua dor.

Todas as noites, no Castelo do Graal, é feita uma cerimônia onde uma


procissão de profunda beleza e significado é assistida pelo Rei Pescador em
sua liteira. Nela, uma donzela traz a lança que perfurou o flanco de Cristo na
Crucificação, outra leva a patena usada para o pão da Última Ceia e outra traz
o próprio Graal brilhando por um efeito de luz que sai de seu interior. A cada
um é servido o vinho do Graal e todos têm seus mais profundos desejos
satisfeitos, mesmo antes de expressá-los. Todos, menos o rei ferido, que não
pode beber do Graal. Esse é o mais cruel sofrimento, pois ele impera no
castelo onde é guardado o Graal, mas não pode tocá-lo nem pode ser curado
por ele.

O bobo da corte profetizara, havia muito tempo, que o Rei Pescador se


curaria quando algum tolo, absolutamente ingênuo, chegasse à corte. O povo,
então, passou a esperar diariamente pelo bobo ingênuo que um dia chegaria e
curaria seu rei.

Um menino, natural do país de Gales cujo lugar era impensável para ser
o berço de um herói, era tão insignificante que não tinha nem nome. Referir-
nos-emos a este ingênuo e tolo como Parsifal, já que mais tarde este se torna
seu nome.

71
Parsifal vive com sua mãe viúva, que se chama Dor de Coração, sem
conhecer e sem nada saber a respeito de seu pai e seus irmãos. Cresceu em
circunstâncias primitivas, na mais completa ignorância, usando roupas
grosseiras tecidas em casa e não faz perguntas. É um jovem simples e
ingênuo.

No início de sua adolescência, enquanto brincava fora de casa, avista


cinco cavaleiros se aproximando e fica fascinado pelos arreios dourados e
escarlates, pelas armaduras, enfim, pelo vestuário que a Cavalaria adotava.
Corre para a mãe, muito emocionado com tal visão, e diz-lhe que vira cinco
deuses e que quer sair de casa para juntar-se aos magníficos reis. A mãe
chora quando percebe que seu filho seguiria os mesmos passos do pai e que
sofreria seu mesmo destino. Seu pai, cavaleiro, fora morto ao tentar salvar uma
donzela. Dor de Coração, apesar de tentar ocultar de seu filho sua linhagem,
conta a ele como seu pai e seus dois irmãos, também cavaleiros, tinham sido
mortos. Ela levara-o para um lugar afastado, na tentativa de evitar que Parsifal
sofresse o mesmo triste destino. Agora, diante do irremediável, cobre-o de
bênçãos e o liberta de seus laços. Além disso, dá-lhe três conselhos: que
respeitasse as donzelas; que fosse a Igreja de Deus sempre que necessitasse
de alimento; e que nunca fizesse muitas perguntas. Como presente, ela
entrega-lhe uma única roupa, tecida e confeccionada por ela mesma.

Parsifal parte, feliz da vida, à procura dos cinco cavaleiros e dá início à


sua carreira como homem. A todos que passam por ele faz a mesma pergunta:
“Onde estão os cinco cavaleiros?”. Recebe diversas respostas, todas as formas
de conselho e vários comentários.

Em sua jornada, encontra uma tenda; e, como em toda a sua vida


apenas conhecera uma simples cabana, supõe ser a tenda a igreja de que
falara sua mãe, já que pensou ser o lugar mais maravilhoso que já vira. Parsifal
invade a tenda para rezar e encontra uma formosa donzela. Obediente ao
conselho de sua mãe de como deveria comportar-se com as mulheres, abraça
a jovem e tira-lhe do dedo um anel, colocando em seu próprio dedo, como um
talismã de inspiração para o resto da vida, acreditando que este fosse um ato

72
de adoração. Vendo a mesa posta e supondo tratar-se do alimento da Igreja de
Deus, pôs-se a comer, achando que a vida era muito agradável, já que tudo
que sua mãe havia lhe dito estava acontecendo naquele momento. A donzela,
que estava esperando com aquele belo banquete seu amado cavaleiro, dá-se
conta que está na presença de um ser extraordinário. Não se zanga com ele
por perceber que era realmente santo, simples e singelo, mas implora a
Parsifal que se vá, pois se o seu cavaleiro o encontrasse ali, certamente o
mataria. Parsifal sai da tenda, achando que tudo estava acontecendo na mais
perfeita ordem. Afinal, havia encontrado a Igreja de Deus, uma bela donzela,
cujo anel ele agora usa, e fora bem alimentado.

Parsifal vai-se embora e, no caminho, encontra um monastério bem


junto a um convento, ambos em ruínas. A angústia dos monges e das freiras
era devido ao fato do Santo Sacramento estar fora de seu alcance, apesar de
estar no altar, não possibilitando a aproximação de ninguém. Com isso, a
lavoura não crescia, os animais não procriavam, as fontes haviam secado, ou
seja, a terra estava paralisada, semelhante ao reino do Castelo do Graal.
Parsifal não pode restaurá-lo, mas jura voltar para retirar o encantamento
quando se sentir mais forte e capaz. De fato, um dia ele volta e desfaz o
encantamento que pairava sobre o mosteiro.

Ao retornar à sua jornada, depara-se com o Cavaleiro Vermelho, que


acabava de retornar da corte do Rei Arthur. Este cavaleiro era tão forte que
todos da corte sentiam-se impotentes perto dele. Ele sempre fazia o que
desejava e, no momento do encontro, trazia consigo uma taça de prata
roubada da corte. Parsifal fica maravilhado com ele, que era uma figura
magnífica, e, após o fazer parar, pergunta-lhe: o que fazer para se tornar um
cavaleiro? O Cavaleiro Vermelho percebe a ingenuidade do jovem e não lhe
faz nenhuma mal; apenas recomenda-lhe que vá à corte do Rei Arthur para
que ele o sagre como cavaleiro. Apesar de aconselhar o jovem, o cavaleiro
prossegue em seu caminho com uma sonora gargalhada.

Parsifal dirige-se à corte e lá pergunta ao primeiro escudeiro que


encontra como ele poderia tornar-se um cavaleiro. O homem começa a rir do

73
“Parsifal despede-se de sua mãe”,
parede pintada provavelmente por
Ferdinand Piloty ou A. Spiess,
Castelo Neuscwanstein, Bavária,
1883/84

74
jovem por sua ingenuidade, suas roupas e pela espontaneidade da pergunta.
Diz-lhe que ser cavaleiro era uma honra conquistada depois de demonstrar
muito valor e nobres trabalhos. Porém, Parsifal insiste na pergunta até que é
levado à presença do Rei Arthur. O rei é um homem bom e não caçoa do
jovem, mas conta-lhe que ele precisa aprender muito e necessitaria exercitar
todas as artes da Cavalaria, ou seja, a batalha e a cortesania, antes de sua
sagração.

Naquela corte vivia uma donzela que, por algum problema, não ria havia
seis anos. Havia uma velha lenda que dizia que quando ali chegasse o melhor
cavaleiro do mundo, ela explodiria em risos e gargalhadas. Quando a jovem vê
Parsifal, desata a rir, fato que muito impressiona a corte, pois ele era apenas
um jovem ingênuo, mas que, segundo a lenda, aparentava ser o melhor
cavaleiro do mundo. Todos, após presenciarem as gargalhadas da donzela,
começam a levar Parsifal a sério e o Rei Arthur, então, sagra o jovem cavaleiro.
Um camareiro do rei revolta-se com tal fato e empurra o jovem contra uma
lareira; em seguida, esbofeteia a donzela que ri. Parsifal, furioso, jura vingança
pela jovem insultada e faz um pedido ao rei: gostaria de ter a armadura e o
cavalo do Cavaleiro Vermelho. O rei ri com tal pedido, mas cede a Parsifal,
permitindo que ele tenha tais itens desde que os consiga por si próprio.

Parsifal deixa a corte, agora equipado com um escudeiro e uma espada.


Logo em seguida, encontra o Cavaleiro Vermelho e, mais uma vez, fica
deslumbrado com os seus enfeites. O cavaleiro era impressionantemente forte
e fazia sem receio o que bem entendesse. O jovem ingênuo pede a ele sua
armadura e cavalo. O cavaleiro diverte-se com tal pedido e, com gargalhadas,
responde: “Se puderes consegui-los!”. Os dois tomam posição e depois de um
breve combate Parsifal é atirado ao solo, mas, enquanto caído, atira sua adaga
e atinge o Cavaleiro Vermelho no olho, matando-o. Esta é a única morte que
Parsifal realiza em toda a sua jornada.

Após vencer o cavaleiro o jovem toma posse de sua armadura e cavalo.


Parsifal tenta vesti-la, mas esta é muito complicada para ele que jamais vira
algo assim. Um escudeiro, vindo da corte para verificar como estava o embate,

75
“Parsifal luta com o Cavaleiro
Vermelho”, parede pintada
provavelmente por Ferdinand
Piloty ou A. Spiess, Castelo
Neuscwanstein, Bavária, 1883/84

76
ajuda o jovem com as fivelas e fechos complicados para ele. Além disso, ele o
adverte que suas roupas não ficavam bem para um cavaleiro, mas Parsifal
ignora o conselho e mantém a roupa tecida pela mãe por baixo da armadura. O
jovem monta no cavalo e segue viagem. Uma observação: apesar de conseguir
fazer com que o cavalo andasse, ninguém havia ensinado-o a fazê-lo frear.
Parsifal e o cavalo andaram o dia inteiro, até que por exaustão o animal
resolvesse parar.

Com essa viagem, Parsifal chega ao castelo de Gournamond, que se


torna uma espécie de padrinho para ele. Durante um ano, Gournamond
prepara o jovem nos caminhos da fidalguia. Treina-o e ensina-lhe o necessário
para a busca do verdadeiro espírito da Cavalaria. É ele quem consegue fazer
com que Parsifal tire as roupas feitas por sua mãe de baixo de sua armadura.
As informações que ele passou ao jovem eram vitais para que este consiga
tornar-se um homem: não deveria jamais seduzir uma donzela ou deixar-se
seduzir por ela, e deveria sair em busca do Castelo do Graal com todas as
suas forças. Chegando lá, Parsifal deveria fazer a seguinte pergunta: “A quem
serve o Graal?”.

De repente, um pressentimento de que sua mãe está em apuros, faz


com que Parsifal parta em seu encontro, mesmo com Gournamond tentando
dissuadi-lo. O jovem descobre que ela morrera de coração partido, logo após
sua partida. Sente-se culpado de tal fato, o que faz parte de seu
desenvolvimento como homem.

Ao iniciar sua viagem de volta, Parsifal encontra o castelo de Branca


Flor. Ela estava desesperada, pois seu castelo estava sitiado, e pediu ao jovem
que resgatasse seu reino, prometendo-lhe céus e terras. Parsifal desafia o
segundo homem em comando do exército inimigo em duelo, vence-o, mas
poupa-lhe a vida no último momento, ordenando-lhe que preste lealdade à
corte de Arthur. Repete o mesmo feito com o primeiro no comando. Após retirar
o cerco do castelo, Parsifal volta e passa a noite com Branca Flor. Os dois
dormiram no mais íntimo dos abraços; porém, este abraço foi casto, devido aos
votos do cavaleiro de que não seduziria uma donzela.

77
Depois de deixar o castelo, Parsifal passa o dia todo viajando em sua
heróica busca. Ao cair da noite, pergunta para um viajante se por ali havia
algum alojamento ou taverna onde pudesse passar a noite e descobre que a
habitação mais próxima estava a cinqüenta quilômetros dali. Um pouco mais
adiante, encontra em um lago um homem em seu barco pescando e lhe faz a
mesma pergunta. O homem, que era o Rei Pescador, convida o jovem a passar
a noite em sua moradia: “Desce pela estrada, há um caminho, vira à esquerda
e cruza a ponte levadiça”. Parsifal segue as instruções e assim que atinge a
ponte ela começa a erguer-se, chegando a tocar as patas traseiras de seu
cavalo, antes de fechar-se rapidamente.

Parsifal descobre que estava em um enorme castelo. Quatro pajens


correm para cuidar de seu cavalo. Depois despem-no, dão-lhe banho, vestem-
lhe lindas roupas vermelhas e o conduzem a presença do senhor do castelo, o
Rei Pescador, que se desculpa por não conseguir levantar de sua liteira para
saudá-lo como merecia. Quatrocentos cavaleiros com suas damas, ou seja,
toda a corte, estavam presentes para saudar o jovem, e uma enorme cerimônia
acontece no local. O rei, como sempre, estava gemendo de agonia e
desespero. Uma procissão se inicia com uma donzela trazendo a lança que
transpassou o flanco direito de Cristo; outra traz a patena usada na Última Ceia
e uma terceira carrega o Santo Graal. Um grande banquete é servido e a todos
é dado aquilo que desejam, vindo do Graal. Todos, em exceção o Rei
Pescador, que por causa de sua ferida não poder beber do Graal.

Uma sobrinha do rei traz uma espada que ele prende na cintura de
Parsifal e esta o acompanhará pelo resto de sua vida. O jovem fica sem
palavras perante o presente e pelo resto da noite se surpreende com cada
acontecimento que presencia. Esse jovem e inexperiente rapaz do campo está
maravilhado com as solenes cerimônias do castelo, especialmente com a
magia do Graal.

Durante o treinamento de Gournamond, o jovem aprendera que quando


encontrasse o Graal deveria fazer a seguinte pergunta: “A quem serve o
Graal?”. Com esta pergunta, o reino usufruiria da dádiva do Graal. Parsifal

78
“Parsifal encontra com o Rei
Pescador”, parede pintada
provavelmente por Ferdinand
Piloty ou A. Spiess, Castelo
Neuscwanstein, Bavária, 1883/84

79
lembra-se da recomendação de Gournamond, como também se recordava da
instrução de sua mãe que não deveria fazer muitas perguntas. O conselho da
mãe prevalece e ele fica mudo diante do esplendor do Castelo do Graal.

Havia uma lenda que circulava pelo reino que dizia que no dia em que
por lá aparecesse um jovem tolo e ingênuo e fizesse uma pergunta ao Graal,
as feridas do Rei Pescador cicatrizariam. Todos no castelo, exceto Parsifal,
sabiam desta lenda e esperavam do jovem, que possuía os atributos
esperados, que formulasse a pergunta. Mas ele não o faz e, em pouco tempo,
o rei é conduzido a seu aposento, gemendo e lamentando-se, e o jovem é
escoltado por quatro pajens ao seu quarto.

Na manhã seguinte, ao despertar, Parsifal percebe que todas as


pessoas do castelo não estavam mais lá e encontra apenas seu cavalo selado
e pronto para partir no pátio do castelo. O jovem chega até mesmo a gritar,
mas só consegue ouvir seu próprio eco. Monta e dirige-se a ponte que, mais
uma vez, começa a fechar rapidamente e toca as patas traseiras de seu
cavalo. Parsifal volta ao mundo comum, onde não há ninguém por perto em um
raio de cinqüenta quilômetros.

Parsifal continua sua viagem e encontra uma jovem em grande


sofrimento, envolvendo em seus braços seu namorado morto. Ela explica ao
jovem que seu cavaleiro fora morto pelo namorado ciumento de uma donzela.
Este era o namorado da donzela da tenda que, furioso com o que Parsifal havia
feito, atacou o primeiro cavaleiro que apareceu em seu caminho. Portanto,
Parsifal fora o culpado por essa morte. Quando a moça fica sabendo que ele
viera do Castelo do Graal, repreende-o duramente pelos seus erros, dizendo-
lhe que as terras e o povo continuam na desolação e na miséria porque ele não
fizera a pergunta que lhe haviam ditado. Antes de Parsifal continuar sua
jornada, a jovem lhe pergunta seu nome (até este ponto da narrativa seu nome
não havia sido mencionado). E o jovem descobre quem ele é, após ter estado
no castelo do Graal: Parsifal.

80
Mais tarde, o jovem também encontra a donzela da tenda chorando, pois
estava sofrendo e sendo maltratada por seu cavaleiro, desde a visita de
Parsifal. Esta, como a donzela encontrada antes, reprime o jovem por sua
atitude no castelo. E adverte-o de que a espada que lhe foi dada no Castelo do
Graal quebrar-se-á na primeira vez em que for usada e que só poderá ser
soldada pelo armeiro que a fez. Depois disso, jamais tornará a partir-se.

No curso de sua jornada, Parsifal derrota muitos cavaleiros e os vai


mandando à corte do Rei Arthur. Quando lá estivera, não fora reconhecido
como herói, mas o próprio Arthur, agora, vai procurá-lo para que a corte possa
honrá-lo, sem saber que Parsifal está acampado ali bem perto.

Enquanto isso no acampamento de Parsifal, um falcão ataca três


gansos, ferindo um deles e três gotas de sangue caem sobre a neve. Quando o
jovem vê o sangue, entra em um estado de transe lembrando-se de Branca
Flor. Os homens de Arthur o encontram neste estado e tentam persuadi-lo a
voltar à corte com eles, mas Parsifal luta com eles e acaba por quebrar o braço
de um deles. Este é justamente aquele homem que esbofeteou a donzela que
gargalhou ao ver Parsifal, depois de seis anos sem um sorriso. A jura de
vingança do jovem estava cumprida. Um terceiro cavaleiro, Gawain,
gentilmente convence-o a ir à corte, onde é recebido em triunfo.

Na corte, Parsifal é o centro das atenções. Em sua homenagem


prepararam três dias de festivais e torneios. Parsifal certamente merecia. A
alegria termina quando uma donzela horripilante, montando uma mula
decrépita, se aproxima e enumera todas as falhas do jovem, inclusive a maior
falha de todas: não ter formulado a pergunta ao Graal. Conta ainda a situação
em que o reino ficou por causa disso e culpa o cavaleiro por todos esses
graves acontecimentos. Apontando-lhe o dedo em riste acusa: "é tudo culpa
sua!". Parsifal é humilhado e silenciado diante de toda a corte que, instantes
antes, o colocava nos céus.

81
“Parsifal com o eremita da
floresta”, parede pintada
provavelmente por Ferdinand
Piloty ou A. Spiess, Castelo
Neuscwanstein, Bavária, 1883/84

82
Parsifal passa por muitos outros episódios. Em algumas versões, viaja
por vinte anos. Neste transcurso, se torna amargo e desiludido. Distancia-se
cada vez mais de sua amada Branca Flor. Chega a esquecer o porquê está
usando a espada em sua jornada. Vence cavaleiros sem saber a razão,
sentindo cada vez menos alegria e menos compreensão.

Certo dia, depara-se com alguns peregrinos que lhe perguntam o motivo
de estar armado numa Sexta-feira Santa e pedem para que ele os acompanhe
até o eremita da floresta para se confessar na preparação do Domingo de
Páscoa. De repente, Parsifal dá-se conta de sua situação. Recorda-se do que
sua mãe havia lhe ensinado sobre a Igreja. Lembra-se de branca Flor, do
Castelo do Graal e é atingido pela nostalgia. Cheio de remorso, acompanha-os
até um eremita, para a confissão.

Quando Parsifal encontra com o eremita, passa por uma experiência


semelhante à que vivenciou com a Donzela Tenebrosa. O eremita o acusa,
recitando uma longa lista de suas falhas e erros, inclusive o principal deles.
Porém, logo o velho eremita suaviza o tom e diz que tudo que lhe acontecera
havia sido por causa de sua mãe. Mas agora o eremita absolve-o e direciona-o
ao Castelo do Graal.

O poema de Chrétien de Troyes é interrompido neste ponto. Porém,


outros autores tentaram concluí-lo. Numa das versões, Parsifal caminha até o
Castelo, já que está preparado para tal fato. Ele encontra tudo como antes: o
Rei Pescador estava sofrendo, a mesma procissão estava acontecendo. Agora,
com mais maturidade, Parsifal formula a pergunta: “A quem serve o Graal?”. A
resposta ecoa pelos salões do castelo: "O Graal serve ao Rei do Graal". O Rei
Pescador ferido se levanta, curado e feliz. O milagre aconteceu e a lenda
concretizou-se. Este, portanto, não é mais o Rei Pescador, mas o Rei do Graal,
aquele que habita o centro do Castelo do Graal que vive do Vinho do Graal,
sendo uma sutil e disfarçada imagem de Deus, a representação terrena do
Divino. O Graal é trazido e seu alimento é dado a todos, inclusive ao rei. A paz
é perfeita, a alegria e o bem-estar são estabelecidos.

83
5. Análise e Discussão do mito

Como vimos anteriormente, Campbell (1990) define o mito como sendo


um modelo de vida, revelando aquilo que os homens têm em comum. Cada
era, vivida pela humanidade, segue determinado mito. Segundo Johnson
(1993), o mito acompanha certo período, expressando o que irá acontecer e,
com isso, traz sábios conselhos para se lidar com os elementos psicológicos
desse momento. “No mito de Parsifal e a busca do Santo Graal – cálice da
Última Ceia – encontramos a receita para nosso próprio tempo” (Johnson,
1993, p. 9). Isso acontece já que idéias, atitudes e conceitos atuais tiveram
suas origens nos tempos em que este mito surgiu.

O mito do Graal é como um conto de fadas. Seu enredo baseia-se na


busca de uma preciosidade difícil de ser obtida e da libertação de um feitiço.
Essa história se entrelaça com uma lenda cristã, sendo a preciosidade o
recipiente onde José de Aritmatéia recolheu o sangue de Cristo ao descê-lo da
cruz.

“Essa curiosidade mescla de conto de fadas e lenda


confere cunho especial à literatura do Graal, pelo qual o
conto ‘eterno’ entra na esfera do drama temporal da era
cristã e, desse modo, não reflete apenas os problemas
básicos da humanidade, mas também os dramáticos eventos
psíquicos que constituem o fundo de nossa cultura cristã”
(Franz, 1980, p. 09).

A origem da lenda do Graal é incerta. Ela faz parte dos chamados


Contes bretons, mais especificamente dos Romances da Tábula Redonda, que
se baseiam em torno da figura do rei Arthur e dos feitos de seus cavaleiros.
Além disso, esses contos contêm um elemento familiar às mulheres: o
irracional, isto é, o mundo das fantasias. “Os poemas do Graal nasceram
provavelmente de uma necessidade de dar um desenvolvimento criativo a
certos problemas que permaneceram abertos como o da sexualidade, o da
sombra e o do inconsciente” (Franz, 1980, p. 15).

84
Ilustração acompanhando a história do Graal,
“L’Estoire du Graal”, início do século XIV

85
Podemos perceber neste mito a tendência à irracionalidade e o
simbolismo do “país do além”. Além disso, é evidente a presença do feminino.
Em conjunto, esses elementos expressam a reanimação do inconsciente em
épocas dominadas pela cultura da religião. O “país do além” é um traço do
mundo das idéias célticas. Além de ser morada dos mortos, também é um país
dos vivos. “É um país isento de doenças e de morte, no qual os homens vivem
ao lado de seres semelhantes a deuses, saboreiam deliciosos pratos e bebidas
e ouvem música maravilhosa. Como, no entanto a humanidade perdeu esse
país, é menor o número de eleitos que ainda podem encontrar o caminho que
leva a ele” (Franz, 1980, p. 17). Podemos assemelhar este país ao Jardim do
Éden. Da mesma maneira que fomos expulsos do paraíso e não temos acesso
a ele, não é fácil entrar no país do além. Este país, no mito, aparece como o
reino do Graal, governado pelo Rei do Graal.

Penso ser necessário enfatizar que alguns aspectos do mito aparecerão


diversas vezes de diferentes formas. “Os mitos repetem o mesmo tema muitas
e muitas vezes, de modo diverso, mostrando um mesmo princípio que se
manifesta em diferentes níveis” (Johnson, 1993, p. 31). Assim, aspectos como
anima, relação simbiótica, alteridade e feminino aparecerão no mito
repetidamente.

O Castelo do Graal, onde o Santo Graal – cálice da


Última Ceia – é guardado, está enfrentando sérios
problemas, pois o Rei Pescador, monarca do castelo, foi
ferido e sofre continuamente, dada a impossibilidade de
que suas feridas venham a cicatrizar. Esse ferimento é tão
grave que o impede de viver, mas não o leva a morte;
desta maneira, o rei sofre e padece o tempo todo. As
terras do reino refletem a condição do rei; assim, o gado
não reproduz mais, as plantações não vingam, os
cavaleiros são mortos, as crianças são abandonadas, as

86
donzelas choram. Todo o país e seu povo estão em
desolação e sofrimento devido ao ferimento do rei.

O rei foi ferido durante sua adolescência, quando,


certo dia, vagando pelos bosques, encontrou um
acampamento abandonado. Nele havia um salmão sendo
assado no espeto. Faminto, serviu-se de um pedaço do
peixe, sem perceber que este estava muito quente. Ao
fazê-lo, queimou seriamente os dedos, deixando o pedaço
de peixe cair e levando os dedos a boca para aliviar a dor.
Com isso, pode sentir o gosto do peixe, um gosto de que
jamais se esquecera. Passou então a ser conhecido como
o Rei Pescador, por ter sido ferido por um peixe. Outra
versão da mesma história diz que o jovem Rei Pescador
saiu em busca de satisfazer sua paixão. Nessa procura,
encontra outro cavaleiro que, após ter uma visão da Cruz
Verdadeira, saiu para encontrar uma manifestação desta.
Os dois, como bons cavaleiros, prepararam-se para
competir. O choque entre eles foi tão violento que o
cavaleiro foi morto e o Rei Pescador foi ferido na coxa, o
que arruinou seu reino.

O Rei Pescador é transportado numa liteira e, para


onde quer que vá, está sempre gemendo e gritando em
seu desespero. Às vezes, porém, consegue pescar e esses
são os únicos momentos em que se sente feliz e aliviado
de sua dor.

O ferimento do rei reflete-se no bem-estar de seu reino. Este ferimento,


independente da versão do mito, deixa o rei infértil, sem capacidade para
produzir, para gerar. O reino depende da virilidade e do poder de seu

87
governante. Sociedades primitivas, segundo Johnson (1993), ainda hoje
executam seu rei se este for incapaz de gerar descendência. “A crença é de
que o reino não vai prosperar sob um rei fraco ou enfermiço” (Johnson, 1993,
p. 14). Há aqui a sugestão de uma consciência matriarcal operando, quando
não se dissocia parte e todo. Se a parte, o rei, está enferma, toda a
comunidade adoecerá.

Podemos pensar, então, no rei como o Self de sua comunidade. Assim,


ele é o espírito divino da tribo, o que faz com que dependa dele o bem-estar
físico e psíquico de seu povo, já que ela é orientada por ele. Desse modo, “no
nível cultural primitivo, ele é sempre ritualmente morto após determinado tempo
ou quando manifesta sinais de doença ou de senilidade, a fim de que o
‘espírito’ da tribo possa prosseguir a sua atuação de modo mais efetivo no
corpo do seu sucessor” (Franz, 1980, p. 142).

É possível relacionar o Rei Pescador a Deus e o seu reino à sociedade


atual. Como vimos, Deus está morto para o homem moderno (Whitmont, 1990).
Porém, esta morte tem seus efeitos na humanidade. O homem alienado, além
de sentir-se abandonado, está sempre à procura do que foi perdido. Com isso,
para sentir-se útil e feliz, o indivíduo produz, utiliza, além dos seus, todos os
recursos da natureza, destruindo-a, rompendo a harmonia que caracterizava a
relação do homem com seu meio na fase matriarcal. Porém, se no nível cultural
primitivo é de se esperar que haja a morte do rei para que a comunidade
prossiga com outro sucessor, a morte de Deus já era “esperada” e acarreta o
aparecimento de outro rei. Talvez agora seja à hora de percebermos o divino
de outra maneira, sem que haja um rei masculino poderoso, e sim, resgatando
aspectos femininos inconscientes para os encontrarmos em nós mesmos e,
assim, avançarmos um nível da evolução da consciência. Franz (1980) cita um
pensamento de Jung em relação à morte de Deus e à evolução da consciência,
com a ação do aspecto feminino de integração:

“Jung mostra que também na alquimia o mistério do


regicídio e da renovação do rei se manteve vivo como idéia,
o que comprova o grande significado universal do tema.

88
Expõe também como a imagem de Deus – que centraliza e
domina a da consciência – necessita ser renovada, de
tempos em tempos, porque a dominante da consciência só
pode estar ‘certa’, quando corresponde às exigências do
consciente e do inconsciente. É que só desse modo ela pode
coordenar as suas tendências antagônicas numa unidade.
Quando, porém, a dominante é fraca ou incompleta demais,
‘a vida se consome num conflito infecundo’. Mas, quando a
velha atitude de consciência se renova pelo aprofundamento
no inconsciente, surge deste um novo símbolo de
integridade, que se comporta diante do velho rei, assumindo
a mesma posição de filho” (Franz, 1980, p. 142).

Em outras palavras, o Self “envelhece” durante o tempo e, por isso, deve


rejuvenescer. Isto pode acontecer, também, com a presença de uma figura
nova em seu lugar. Com isso, a vida psíquica se auto-renova permitindo que
seus aspectos inconscientes estejam eternamente novos e surpreendentes.

Parsifal será o sucessor do Rei Pescador, como veremos adiante.


Porém, a doença do rei não o deixa morrer, o que impede que esta renovação
aconteça. Penso que o que pode estar impedindo a presença de um sucessor
para Deus é o medo que a humanidade tem de assumir seus aspectos
femininos.

No mundo céltico cuja religião era pré-cristã, o salmão representa todos


os peixes. É o animal da ciência sagrada. “O salmão é um dos símbolos da
sabedoria e da alimentação espiritual” (Chevalier, 2008, p. 799). O peixe é o
símbolo das águas; com isso, está associado ao nascimento ou à restauração
cíclica. “Se Cristo é freqüentemente representado como um pescador, sendo
os cristãos peixes, pois a água do batismo é seu elemento natural e o
instrumento de sua regeneração, Ele próprio é simbolizado pelo peixe”. “Visto
que o peixe é também um alimento, e que Cristo ressuscitado o comeu, ele se
transforma no símbolo do alimento eucarístico” (Chevalier, 2008, p. 704). Com

89
esta definição podemos sugerir que o rei se queimou ao ter seu primeiro
contato com o divino.

O fato de seu ferimento ter acontecido quando ainda estava na


adolescência, mostra que o rei não estava preparado para lidar com o aspecto
religioso que existe dentro dele. “É como se o aspecto escuro de Deus o
tivesse agredido para despertar nele uma atitude religiosa mais consciente”
(Franz, 1980, p. 155). Isto é expresso no fato do rei se queimar ao tocar o
peixe. “Seu primeiro contato com o que mais tarde será sua redenção causa-
lhe uma ferida. É o que o torna um Rei Pescador ferido. O primeiro lampejo de
consciência no jovem aparece sob a forma de uma ferida ou um sofrimento”
(Johnson, 1993, p. 16). Este fato, esta ferida, acontece na vida de todos os
homens. Ela é essencial para que haja a evolução da consciência, tornando-se
a consciência do Self. Johnson (1993) assemelha a ferida à queda do Jardim
do Éden. Penso que o homem moderno apresenta características do Rei
Pescador adolescente, pois se sente ferido e não consegue viver com essa
ferida, que representa uma nova consciência: a consciência de seus
verdadeiros sentimentos, vontades e angústias e da necessidade do retorno de
aspectos reprimidos. A predominância e valorização do dinamismo patriarcal
levou à repressão de aspectos associados ao feminino, como os citados
anteriormente. A “ferida” simboliza a necessidade de uma nova integração, que
poderá levar à alteridade.

Ao analisarmos a outra versão do mito, onde o rei duela com outro


cavaleiro e é ferido na coxa, percebemos que esta colisão representa uma
realidade do homem do período patriarcal. Neste período, um embate resulta
sempre em uma morte. Devido à polarização existente na era patriarcal, dois
conceitos que, por alguma razão, se “enfrentam”, tornam-se antagônicos,
sendo que um anula o outro. Na era matriarcal era diferente, pois não existiam
opostos, já que não havia a separação dos conceitos. Desde modo, sua
característica era a integração e um movimento fluido entre o que
posteriormente foi considerado como polaridades.

90
“Parece que o Rei do Graal tinha sido ‘atingido’ por
um impulso surgido do inconsciente e com o qual não soube
se defrontar... Este impulso vem da camada pagã da alma,
ou seja, de um adversário escuro por trás do qual o próprio
Deus parece estar. Enquanto esse impulso inconsciente não
se efetuar no consciente, o sofrimento do rei continua”
(Franz, 1980, p. 67).

Essa versão mostra o enfrentamento entre instinto, representado pelo


cavaleiro que teve uma visão da Cruz Verdadeira, e a natureza, representada
pelo rei apaixonado. O resultado desta colisão, segundo Johnson (1993), pode
resultar em “ou o mais alto nível de evolução ou um conflito fatal, capaz de
promover a destruição psicológica” (Johnson, 1993, p. 15). Penso que esta é a
maneira como o autor explica a diferença entre a integração do matriarcado
(“evolução”) e a separação do patriarcado (“destruição”). Ele completa
afirmando que o legado deste embate é a “morte de nossa natureza sensual e
um ferimento terrível em nossa visão cristã”. “Sua paixão é morta e sua visão
muito ferida” (Johnson, 1993, p. 15). O que me intriga é o fato do autor trocar
as personagens, afinal, quem morre é o cavaleiro, a visão religiosa, e quem
sobrevive com uma ferida é o rei, a paixão. Além disso, ao meu ver, instinto e
natureza são semelhantes; ambos fazem parte da essência do homem. Com
isso, posso relacionar este duelo ao conflito que o matriarcado enfrentou com o
surgimento do patriarcado: o homem precisou reprimir sua essência, sua
natureza, já que esta era vista como maligna, e ele começou a viver no mundo
racional. Porém, este homem patriarcal leva consigo uma ferida, isto é, a falta
de reconhecimento e integração dos aspectos femininos, que será sentida
durante toda essa era. A integração, a convivência em harmonia destes dois
aspectos, seria uma evolução psicológica, seria a alteridade.

Neste momento do mito, percebemos a mudança de período do


desenvolvimento da consciência do Rei Pescador. Para Whitmont (1991), isto
estaria representando a passagem do matriarcado para o patriarcado, ou seja,
para o surgimento da consciência racional. A terceira fase seria a alteridade.
Essas fases são explicadas por Johnson (1993) da seguinte maneira:

91
“Potencialmente existem três estágios no
desenvolvimento psicológico do homem. O padrão
arquetípico é aquele em que um ser passa da perfeição
inconsciente da infância para a imperfeição consciente da
meia-idade para, depois, atingir a perfeição consciente da
velhice. Assim, o ser caminha partindo de uma plenitude
ingênua, na qual o mundo interior e exterior estão unidos,
para um estágio em que se dá a separação e a diferenciação
entre esses dois mundos, denotando, portanto, a dualidade
da vida, para finalmente, atingir o satori, a iluminação –
quando acontece uma reconciliação consciente do interior
com o exterior, em harmoniosa totalidade” (Johnson, 1993,
p. 18).

O autor acredita que, diferentemente de Whitmont (1991), a alteridade é


atingida na velhice. Whitmont (1991) acredita que a alteridade é o próximo
passo na evolução da consciência da humanidade, mas, para isto acontecer, o
homem moderno precisa reintegrar o feminino à sua consciência patriarcal.
Lembro que é esta a visão que sigo ao analisar o mito e a vida do homem nos
tempos atuais. Apesar de não concordar com a visão de Johnson (1993) sobre
a evolução da consciência, seu trabalho traz outras questões coerentes com o
meu pensamento e, por este motivo, escolhi a sua obra para analisar o mito do
Graal. Entretanto, recorro também a outros autores para participar deste
diálogo (Whitmont, Chevalier, Franz e Alvarenga).

Voltando à análise do mito. O rei tocar no salmão pela primeira vez


representa o início de sua vida individual, ou seja, ele passa a ser alguém por
si próprio. Esta individualidade retira o sujeito do coletivo, que é um aspecto
matriarcal. “Seu relacionamento com outras pessoas e com a vida está
destruído, mas ele não está distanciado o suficiente, o que significa que ainda
não se tornou um indivíduo que possa relacionar-se bem com a vida (...) ele
está numa espécie de limbo” (Johnson, 1993, p. 19). Este pensamento do autor
me fez relacionar o homem moderno com o Rei Pescador, mais uma vez, mas
agora com outra visão: o homem moderno também se encontra neste limbo. A

92
alienação dos tempos modernos comprova este fato. O homem sente-se
isolado, não percebe o sentido e o significado da vida, não entende sua
existência. Para começar a se relacionar bem, o indivíduo precisa sair desta
situação, precisa voltar a perceber o divino e a importância da vida coletiva do
encontro. “A ferida do Rei Pescador é o carimbo do homem moderno”
(Johnson, 1993, p. 19). Na tentativa de curar esta ferida e inverter sua situação,
o indivíduo satisfaz as vontades do seu ego com coisas supérfluas e, muitas
vezes, faz coisas sem sentido.

O Rei Pescador não consegue andar e vive em sua liteira, gemendo e


gritando em seu desespero. A dor de sua ferida passa quando ele está
pescando. Durante a pesca, o rei está “executando seu trabalho interior, dando
prosseguimento à tarefa de conscientização, da individuação, que ele,
despreparado, iniciou com o ferimento em algum momento de sua juventude”
(Johnson, 1993, p. 20). É este trabalho interior que o homem, nos tempos
atuais, deve fazer. É esta busca pelo significado e este é o caminho para a
individuação. Enquanto o Rei Pescador ferido estiver habitando o inconsciente
do homem moderno o sofrimento e a alienação farão parte de sua vida.

O nome “Rei Pescador” surge, já que a ferida do rei foi causada por um
peixe. Podemos perceber que ele é um rei sem nome até então. Era
identificado apenas com o seu papel, sua persona, “rei”. Com a ferida, ele
ganhou uma identidade. Se analisarmos a figura do peixe de outra perspectiva,
ele possui outro significado. “O peixe é ainda símbolo de vida e de
fecundidade, em função de sua prodigiosa faculdade de reprodução e do
número infinito de suas ovas. Símbolo que pode, bem entendido, transferir-se
para o plano espiritual” (Chevalier, 2008, p. 704). Com essa definição, o peixe
ganha um aspecto feminino, já que a mulher é quem representa a fertilidade.
Portanto, o contato do rei com o Divino foi através do feminino. Porém, ele, que
faz parte de uma dinâmica patriarcal, explícita em seu papel hierarquizado, não
estava preparado para admitir o contato e a presença do feminino em seu
consciente e em sua vida. Não podemos esquecer que o peixe vive no mar, na
água. A água possui, também, aspectos femininos (fertilidade) e inconscientes
(submerso/sombrio). “A água é o símbolo das energias inconscientes, das

93
virtudes informes da alma, das motivações secretas e desconhecidas. A água,
símbolo do espírito ainda inconsciente, encerra o conteúdo da alma, que o
pescador se esforça a trazes à superfície e que deverá alimentá-lo. O peixe é
um animal psíquico...” (Chevalier, 2008, p. 22). Pode também simbolizar o
batismo, que possui uma característica de volta às origens para se renovar.
Isto também descreve a alteridade, que exige que o homem tenha contato com
suas origens e, a partir deste, transformar-se em um novo homem. “Mergulhar
nas águas, para delas sair sem se dissolver totalmente, salvo por uma morte
simbólica, é retornar às origens, carregar-se de novo, num imenso reservatório
de energia e nele beber uma força nova” (Chevalier, 2008, p. 15). Portanto, a
simbologia do peixe e da água remete a aspectos femininos como a vida, o
nascimento e renascimento, a transformação, a fertilidade, pureza. “A água se
torna o símbolo da vida espiritual e do Espírito, oferecidos por Deus e muitas
vezes recusado pelos homens” (Chevalier, 2008, p. 17).

Outra associação que se pode fazer, utilizando-se a amplificação


simbólica, é que “Rei Pescador” é a junção do masculino, que denomina papéis
hierárquicos na sociedade, com o feminino, que reproduz, que cria. Essa
junção poderá resultar na alteridade, desde que haja uma integração da
multiplicidade de possibilidades.

Todas as noites, no Castelo do Graal, é feita uma


cerimônia onde uma procissão de profunda beleza e
significado é assistida pelo Rei Pescador em sua liteira.
Nela, uma donzela traz a lança que perfurou o flanco de
Cristo na Crucificação, outra leva a patena usada para o
pão da Última Ceia e outra traz o próprio Graal brilhando
por um efeito de luz que sai de seu interior. A cada um é
servido o vinho do Graal e todos têm seus mais profundos
desejos satisfeitos, mesmo antes de expressá-los. Todos,
menos o rei ferido, que não pode beber do Graal. Esse é o
mais cruel sofrimento, pois ele impera no castelo onde é

94
guardado o Graal, mas não pode tocá-lo nem pode ser
curado por ele.

O fato do Rei Pescador não poder usufruir do vinho do Graal causa


grande sofrimento. Ele tem em suas mãos o poder de cura, mas não pode
tocá-lo. “O fato de ter todas as coisas que o poderiam fazer feliz não adianta,
porque elas não cicatrizam as feridas do Rei Pescador, e ele sofre justamente
pela sua incapacidade de tocar as coisas boas, a felicidade que tem ao seu
alcance” (Johnson, 1993, p. 22). O homem moderno, assim como o rei,
também está ferido. Tem em suas mãos a cura de sua angústia, o sentido da
vida, mas não consegue acessá-lo. Isto lhe causa grande sofrimento, assim
como o Rei Pescador sofre. Temos o feminino guardado dentro de nós, no
nosso inconsciente. Porém, por algum motivo maior (talvez o medo que o
homem tem de resgatar aspectos inconscientes), não aceitamos a sua volta.
Além disso, tememos o feminino por ele fazer parte da nossa sombra. Os
aspectos sombrios são aqueles que não são aceitos pelo ego e passam a ser
considerados “defeitos” da personalidade do homem. Além disso, são aspectos
ameaçadores, pois são elementos considerados pelo ego como as
características mais repugnantes de uma pessoa. O ego defende-se destes, o
que torna o acesso à sombra muito difícil, apesar de necessário.

Outro aspecto que percebemos nesta passagem é que o Graal realiza


todos os desejos dos homens instantaneamente, mesmo que estes não sejam
expressos. Este fato me fez pensar na simbiose entre mãe e filho, nos
primeiros anos de vida deste. Como vimos, Whitmont (1991) compara os níveis
de consciência do homem às fases de sua vida física. A fase mágica, que
apresenta características matriarcais, está relacionada aos primeiros três anos
de vida do homem. Desta forma, percebemos que a relação do Graal com os
homens é simbiótica e é esta relação que traz a felicidade dos homens.
Portanto, o mito nos conta que é preciso ter o contato com o feminino para que
haja plenitude.

95
O Graal em si possui alguns significados e, por ter uma importância
universal, pode ser considerado uma idéia arquetípica. “Simboliza a plenitude
interior que os homens sempre buscaram” (Chevalier, 2008, p. 476). Porém,
para se ter acesso ao Graal é necessário ter uma vida interior singular, ou seja,
uma vida espiritual. Esta condição impede o homem moderno de ter acesso a
ele, já que este se mostra mais preocupado com sua condição material que
com as condições espirituais. “As atividades exteriores impedem a
contemplação que seria necessária e desviam o desejo. Ele está perto e não é
visto. É o drama da cegueira diante das realidades espirituais, tanto mais
intensas quando mais se crê na sinceridade da busca” (Chevalier, 2008, p.
476). O desejo do Graal inacessível simboliza a aventura espiritual e a
exigência de interioridade, isto é, do contato com seu interior para se obter o
acesso ao Graal. “A perfeição humana se conquista não a golpes de lança
como um tesouro material, mas por uma transformação radical do espírito e do
coração” (Chevalier, 2008, p. 477). A perda do Graal simboliza a perda da
conexão interna. Desta maneira, para atingirmos a alteridade precisamos
encontrá-lo, já que isto implica na ligação consciente – inconsciente necessária
para a volta do feminino. O Graal é visto como fonte de felicidade e, por isso,
traz consigo a lembrança do estado paradisíaco. Portanto, com o seu encontro
o homem moderno encontrará a felicidade que tanto procura.

Podemos pensar no Graal também como símbolo do feminino. É um


objeto que possui um interior côncavo (cálice, taça, prato, copo). Isto simboliza
o ventre feminino e, portanto, a fertilidade, o acolhimento, a proteção, o
conservar, o conter. A maternidade envolve todos esses aspectos e, com isso,
é evidente a simbologia da imagem da mãe. “O Castelo do Graal é o local da
mais preciosa feminilidade, e o Graal é a síntese de tudo que é feminino, é o
seu mais puro símbolo, a quintessência da expressão feminina. É exatamente
o que os cavaleiros buscam por toda a vida, porque é o que dá ao homem o
que deseja, antes mesmo que ele venha a pedir. É a perfeita felicidade, o
próprio êxtase” (Johnson, 1993, p. 70). Esta relação do Graal com o homem é
a relação simbiótica que, como vimos no início deste trecho, leva o homem a
atingir a plenitude, semelhante aquela encontrada no Paraíso, onde todos seus
desejos e vontades são realizados.

96
A palavra Graal determina diversos sentidos e, deste modo, o próprio
Graal se modificou com o tempo. Até mesmo os acontecimentos que o
envolvem variam. Pensando em um dos sentidos da palavra:

“Graal deriva de grandale ou gradal, quer dizer em


francês uma tigela larga e algo aprofundado, onde se
serviam comidas deliciosas aos ricos, sendo as diversas
iguarias dispostas em camadas. Diz-se popularmente
também graal, por ser agradável e bom servir-se dela, em
parte devido ao recipiente, que talvez seja de prata ou de
outro material precioso, e, em parte, por causa do conteúdo
e do arranjo variado de comida deliciosas” (Franz, 1980, p.
21).

É interessante perceber que na versão original de Chrétien o objeto


aparece como um Graal e não como o Graal, já que determina um tipo de
recipiente. Mesmo pensando no Graal como um recipiente, muito bonito e rico,
com deliciosas comidas, consigo percebê-lo como algo que todos querem
possuir, ou devido a sua beleza ou ao seu conteúdo, e que pode nos fornecer
algo muito bom. Portanto, ainda assim podemos associá-lo ao feminino e ao
potencial que este tem, além da necessidade de tê-lo presente em nossas
vidas.

A lança é um símbolo fálico e, portanto, representa o masculino e seu


poder. O fato do Graal e da lança serem guardados juntos representa a
integração da agressividade masculina com a alma do homem, ou seja, sua
anima, sempre na busca de amor e união. Deve existir equilíbrio entre esses
dois elementos para que não haja conflitos internos.

Ambos os símbolos, Graal e lança, podem ser analisados em relação ao


sangue de Cristo que, no caso do Graal, o conservou e, no caso da lança, o
possuía. Porém, esta seria uma simbologia extensa para descrever, além de
fugir um pouco de nosso tema, e, portanto, optei por não incluí-la neste
trabalho.

97
“Parsifal no Montsalvat, o Castelo
do Graal”, parede pintada
provavelmente por Ferdinand
Piloty ou A. Spiess

98
O bobo da corte profetizara, havia muito tempo,
que o Rei Pescador se curaria quando algum tolo,
absolutamente ingênuo, chegasse à corte. O povo, então,
passou a esperar diariamente pelo bobo ingênuo que um
dia chegaria e curaria seu rei.

Um menino, natural do país de Gales cujo lugar era


impensável para ser o berço de um herói, era tão
insignificante que não tinha nem nome. Referiremo-nos a
este ingênuo e tolo de Parsifal, já que mais tarde este se
torna seu nome.

Apesar de soar estranho para nós que um tolo curaria a dolorosa ferida
do Rei Pescador, é freqüente em mitos a presença de pessoas inimagináveis
para encontrar a salvação. Essas pessoas não parecem ter poder suficiente
para isso. Podemos identificar nesta “tolice” a parte mais inocente do homem.
Isto sugere que o rei deverá encontrar em seu interior a sua cura, ou seja,
permitir que a parte jovem-tolo que o constitui inconscientemente participe de
sua vida consciente para curá-lo. “Para realmente sarar ele precisará permitir a
entrada em seu consciente de algo completamente diferente dele mesmo, para
que esse algo venha a mudá-lo” (Johnson, 1993, p. 23). Portanto, o mito nos
diz que para que o homem moderno cure sua ferida e caminhe para a
alteridade, ele deve deixar alguns conteúdos inconscientes seus tornarem-se
conscientes, dentre eles os aspectos femininos.

A mulher está conquistando espaço no mundo atual. Luta arduamente


para se igualar ao homem, principalmente em relação ao trabalho, já que este
tem muito valor para sociedade. Independente do que ela faça, ela sempre
corre o risco de ser julgada, diminuída e recriminada por ser apenas mulher. O
feminino é o tolo e ingênuo do mito do homem moderno. Penso que, talvez,
para a humanidade patriarcal seja muito difícil aceitar que um ser impensável e
insignificante para ele como a mulher é a cura de sua ferida. “O que significa

99
que nossa redenção, segundo o mito, vem do lugar menos esperado.
Novamente isso nos faz lembrar que será uma experiência muito humilhante
descobrir qual o caminho para a redenção de nossa sofisticadíssima ferida-Rei-
Pescador” (Johnson, 1993, p. 25). Seria, então, humilhante para os indivíduos
perceberem a importância da mulher e do feminino e se abrirem para eles, pois
seu orgulho é muito grande, e esta nova postura ameaçaria o poder de muitas
pessoas.

“O herói mais humano é mais apreciado do que o


nobre cavaleiro convencional, porque ser capaz de duvidar
de si mesmo e, sozinho e inseguro, percorrer passo a passo
o próprio caminho parece representar um esforço bem mais
de conscientização do que seguir ingenuamente os ideais
coletivos” (Franz, 1980, p. 157).

Em relação ao nome Parsifal, este tem como significado mais profundo


“aquele que mantém os opostos juntos” (Johnson, 1993, p. 26). Esta
característica de manter os opostos juntos, ou seja, convivendo em harmonia, é
uma característica feminina e, também, da alteridade.

Parsifal vive com sua mãe viúva, que se chama Dor


de Coração, sem conhecer e sem nada saber a respeito de
seu pai e seus irmãos. Cresceu em circunstâncias
primitivas, na mais completa ignorância, usando roupas
grosseiras tecidas em casa e não faz perguntas. É um
jovem simples e ingênuo.

A infância na floresta com a mãe deixa o horizonte de Parsifal limitado, o


que ilustra bem a situação de uma criança não consciente. Este estado
psicológico é enfatizado pelo fato dele não ter conhecido seu pai e por viver
sozinho com a mãe. O processo de conscientização mostrará a ele o mundo

100
real, distante de sua mãe. Apesar de ele estar vivendo em um mundo
maravilhoso, paradisíaco, repleto de proteção e felicidade, através da relação
simbiótica com a mãe, ele precisa deixá-lo para amadurecer. “Ter de deixar
este mundo maravilhoso desperta muitas vezes a mais veemente resistência,
porque aquilo que se obtém em troca é quase sempre menos atraente” (Franz,
1980, p. 30). Perceberemos a resistência de Parsifal ao longo do mito.

No início de sua adolescência, enquanto brincava


fora de casa, avista cinco cavaleiros se aproximando e fica
fascinado pelos arreios dourados e escarlates, pelas
armaduras, enfim, pelo vestuário que a Cavalaria adotava.
Corre para a mãe, muito emocionado com tal visão, e diz-
lhe que vira cinco deuses e que quer sair de casa para
juntar-se aos magníficos reis. A mãe chora quando
percebe que seu filho seguiria os mesmos passos do pai e
que sofreria seu mesmo destino. Seu pai, cavaleiro, fora
morto ao tentar salvar uma donzela. Dor de Coração,
apesar de tentar ocultar de seu filho sua linhagem, conta
a ele como seu pai e seus dois irmãos, também
cavaleiros, tinham sido mortos. Ela levara-o para um lugar
afastado, na tentativa de evitar que Parsifal sofrera o
mesmo triste destino. Agora, diante do irremediável,
cobre-o de bênçãos e o liberta de seus laços. Além disso,
dá-lhe três conselhos: que respeitasse as donzelas; que
fosse a Igreja de Deus sempre que necessitasse de
alimento; e que nunca fizesse muitas perguntas. Como
presente, ela entrega-lhe uma única roupa, tecida e
confeccionada por ela mesma.

Parsifal parte, feliz da vida, à procura dos cinco


cavaleiros e dá início a sua carreira como homem. A todos

101
que passam por ele faz a mesma pergunta: “Onde estão
os cinco cavaleiros?”. Recebe diversas respostas, todas as
formas de conselho e vários comentários.

A vontade de Parsifal para juntar-se aos cavaleiros revela seu impulso


de viver e de fazer algo. “A criança normalmente também deseja o mundo, que
se lhe afigura atraente, interessante e cheio de oportunidades” (Franz, 1980, p.
32).

Nesta passagem, percebemos que Parsifal era muito ligado a sua mãe e
que, por só ter contato com ela, com a morte de seu pai, só a tem como
referência. A orfandade paterna do herói é comum em mitos e contos. “Talvez
desse modo, tudo o que predisponha um menino sem pai a tornar-se ‘herói’ se
fortaleça e aumente pelo fato de ele ter de procurar sozinho o seu caminho e
ser obrigado a desenvolver certa autonomia e senso de responsabilidade”
(Franz, 1980, p. 32). Isto nos mostra que Parsifal poderá desenvolver uma
autonomia precoce para tornar-se um herói, ou seja, ele poderia ter facilidade
de ingressar no mundo patriarcal das responsabilidades. Mas veremos que não
parece ser tão fácil para ele livrar-se da imagem, inconsciente, de mãe que ele
tem, isto é, seu complexo materno.

Dor de Coração é uma mãe super-protetora e tenta afastar de seu filho


os males do mundo. Com isto, ela afasta também Parsifal de suas
responsabilidades e do sofrimento necessário para que ele cresça. Eles têm
uma relação simbiótica. Como vimos, esta relação é característica da fase
mágica do desenvolvimento da consciência, que corresponde a bebês de até
três anos. Apesar de enfatizarmos o retorno de aspectos matriarcais, a relação
de simbiose não é boa para nenhum indivíduo com mais de três anos. Vivemos
num mundo patriarcal; retornar ao matriarcal, além de ser impossível, seria um
erro, seria uma regressão. Enfatizo a importância do resgate do feminino, mas
não a volta à era matriarcal. Esta relação simbiótica implica na perda da
autonomia e da individualização. Com isto, o indivíduo não consegue

102
diferenciar o que é seu e o que é do outro, no caso, de sua mãe. Deste modo,
ele não precisa agir efetivamente, já que tem tudo que precisa através de sua
mãe. Assim, não tem suas responsabilidades e, por isso, é incapaz de se
relacionar e de se comprometer com as coisas. Para isto, de algum modo, ele
deve evoluir e se separar da mãe, como Parsifal faz ao sair à procura dos
cavaleiros.

O nome da mãe, Dor de Coração, expressa o sentimento de qualquer


mãe ao ser deixada pelo filho. Porém, esta separação é necessária. Para um
filho crescer ele, em algum momento, frustrará sua mãe. Isto faz parte da
jornada do herói. Esta serve de modelo para todos os jovens, já que estes
devem separar-se de suas mães para crescer, para atingir a individualidade
plena. É uma necessidade para que o processo de individuação obtenha
sucesso. Suas bênçãos acompanharão Parsifal em sua jornada. É como se ela
estivesse junto a ele, mantendo sua relação simbiótica, o que implicará
conseqüências no futuro do garoto.

O número cinco aparece e tem como significado “a totalidade da vida e é


a raiz da palavra quintessência, a quinta essência. Cinco significa totalidade,
inteireza” (Johnson, p. 29, 1993). Além disso, “ele é o símbolo da união e,
também, do centro, da harmonia e do equilíbrio” (Chevalier, 2008, p. 241).
Pode-se encontrar ainda que o cinco simboliza o homem, a perfeição, a ordem.
Com isto, ele possui elementos que caracterizam a alteridade, já que esta,
como vimos, unirá as coisas, integrará, para que cheguemos à perfeição. Isto
também pode ser expresso em algumas religiões. “No simbolismo hindu, cinco
é a conjunção de dois (número feminino) e de três (número masculino)”
(Chevalier, 2008, p. 242). Mais uma vez, encontramos no cinco o símbolo da
alteridade.

A admiração que Parsifal sentiu pelos cavaleiros é o que o motiva para a


busca da alteridade. Ele os considera deuses e os deseja alcançar e se tornar
um deles. Quer vestir suas vestimentas, quer sentir esta plenitude nele mesmo.
Este aspecto é a representação da persona, que revela sua identidade e seu
senso de realidade. A persona manifesta o sentimento de valor pessoal e de

103
afinidade com o grupo a que se pertence. “Tal identificação com o grupo de
iguais ajuda o adolescente a emancipar-se dos pais, um passo necessário para
se alcançar a maturidade” (Stein, 2006, 108). Assim, a persona permite que o
ego viva no mundo real. Parsifal se identifica com os cavaleiros e deseja torna-
se um deles. “Tem certeza absoluta de que quer ser cavaleiro. Esse saber e
querer é a primeira manifestação do despertar da consciência de si mesmo e já
se revela aqui – é verdade que, por ora, só na forma de um desejo infantil –
que se revelará como o seu objetivo final e verdadeira vocação” (Franz, 1980,
p. 36). Este despertar da consciência pode representar o início do caminho que
levará Parsifal ao encontro do Self, ou seja, é o processo de individuação, que
poderá levá-lo a atingir a evolução da consciência, isto é, a alteridade. Se o
herói estiver obstinado a atingir seu objetivo, outros fatores de sua vida ficarão
em segundo plano. No mito, Parsifal decide deixar sua mãe instantaneamente
para seguir seu caminho, desconsiderando suas preocupações por ele seguir
os passos de seu pai e de seus irmãos. São cavaleiros como estes que o
homem moderno precisa encontrar para ir atrás do divino, para perceber que
existe algo maior, que existe algo melhor, e que a vida não se trata apenas de
conquistar bens materiais.

Em sua jornada, encontra uma tenda; e, como em


toda a sua vida apenas conhecera uma simples cabana,
supõe ser a tenda a igreja de que falara sua mãe, já que
pensou ser o lugar mais maravilhoso que já vira. Parsifal
invade a tenda para rezar e encontra uma formosa
donzela. Obediente ao conselho de sua mãe de como
deveria comportar-se com as mulheres, abraça a jovem e
tira-lhe do dedo um anel, colocando em seu próprio dedo,
como um talismã de inspiração para o resto da vida,
acreditando que este fosse um ato de adoração. Vendo a
mesa posta e supondo tratar-se do alimento da Igreja de
Deus, pôs-se a comer, achando que a vida era muito
agradável, já que tudo que sua mãe havia lhe dito estava

104
acontecendo naquele momento. A donzela, que estava
esperando com aquele belo banquete seu amado
cavaleiro, dá-se conta que está na presença de um ser
extraordinário. Não se zanga com ele por perceber que
era realmente santo, simples e singelo, mas implora a
Parsifal que se vá, pois se o seu cavaleiro o encontrasse
ali, certamente o mataria. Parsifal sai da tenda, achando
que tudo estava acontecendo na mais perfeita ordem.
Afinal, havia encontrado a Igreja de Deus, uma bela
donzela, cujo anel ele agora usa, e fora bem alimentado.

Percebemos que Parsifal segue estritamente os conselhos de sua mãe.


Isto irá refletir em seu futuro, já que com esta atitude ele não está crescendo,
não esta evoluindo.

Esta foi a primeira donzela que Parsifal encontrou em sua jornada. Esta,
e todas aquelas que ele encontrará, representarão sua anima. O anel tem
como simbologia o elo, a vinculação. Podemos pensar que este anel simboliza
a necessidade de união da anima com o ego para que haja o desenvolvimento
psicológico. A anima é transformadora, é a ponte para que o ego consiga
atingir o inconsciente mais profundo, o Self, e permitir, assim, a realização do
processo de individuação. A simbologia de poder do anel enfatiza esta
capacidade da anima.

Parsifal vai-se embora e, no caminho, encontra um


monastério bem junto a um convento, ambos em ruínas.
A angústia dos monges e das freiras era devido ao fato do
Santo Sacramento estar fora de seu alcance, apesar de
estar no altar, não possibilitando a aproximação de
ninguém. Com isso, a lavoura não crescia, os animais não
procriavam, as fontes haviam secado, ou seja, a terra

105
estava paralisada, semelhante ao reino do Castelo do
Graal. Parsifal não pode restaurá-lo, mas jura voltar para
retirar o encantamento quando se sentir mais forte e
capaz. De fato, um dia ele volta e desfaz o encantamento
que pairava sobre o mosteiro.

Percebemos nesta passagem que o mito traz, mais uma vez, a


importância da virilidade do governante de um reino. Se este está, de alguma
maneira, impossibilitado de procriar, isto reflete no reino todo. Além disso, outra
característica semelhante ao reino do Graal é que não é possível o acesso ao
Santo Sacramento, o que causa grande sofrimento aos monges e às freiras.
“Ter ao alcance das mãos tudo aquilo de que necessita e não poder usar é a
condição angustiante da estrutura neurótica do homem dividido e fraturado”
(Johnson, 1993, p. 31). Penso que este acesso ao Santo Sacramento pode ser
a representado pela hóstia no catolicismo. Ela, que representa o corpo de
Cristo, permite que os homens o tenham dentro de si, tornando-o parte de
quem se é. Esta representação requer uma análise mais completa, porém, não
me aprofundarei no assunto.

Um aspecto que me intriga nesta passagem é o fato de o reino ser


considerado amaldiçoado, isto é, dominado por algum encantamento. Parece
que o que acontece no reino foi denominado como encanto, pois pode ser
considerado muita “falta de sorte” tudo dele dar errado, nada procriar. Porém,
se considerarmos que é um encanto que toma conta de lá, a solução está num
simples toque de mágica e não na busca interior, na força de vontade do
homem. Encantamento é diferente de inacessibilidade. O encanto requer a
mágica, já a inacessibilidade sugere a busca, no caso, a busca espiritual, como
reflexão interior. A não ser que este encantamento que o autor se refere,
implique em desvendar-se um enigma, descobrir-se algo que está oculto.

106
Ao retornar a sua jornada, depara-se com o
Cavaleiro Vermelho, que acabava de retornar da corte do
Rei Arthur. Este cavaleiro era tão forte que todos da corte
sentiam-se impotentes perto dele. Ele sempre fazia o que
desejava e, no momento do encontro, trazia consigo uma
taça de prata roubada da corte. Parsifal fica maravilhado
com ele, que era uma figura magnífica, e, após o fazer
parar, pergunta-lhe: o que fazer para se tornar um
cavaleiro? O Cavaleiro Vermelho percebe a ingenuidade do
jovem e não lhe faz nenhuma mal; apenas recomenda-lhe
que vá à corte do Rei Arthur para que ele o sagre como
cavaleiro. Apesar de aconselhar o jovem, o cavaleiro
prossegue em seu caminho com uma sonora gargalhada.

Parsifal dirige-se à corte e lá pergunta ao primeiro


escudeiro que encontra como ele poderia tornar-se um
cavaleiro. O homem começa a rir do jovem por sua
ingenuidade, suas roupas e pela espontaneidade da
pergunta. Diz-lhe que ser cavaleiro era uma honra
conquistada depois de demonstrar muito valor e nobres
trabalhos. Porém, Parsifal insiste na pergunta até que é
levado à presença do Rei Arthur. O rei é um homem bom
e não caçoa do jovem, mas conta-lhe que ele precisa
aprender muito e necessitaria exercitar todas as artes da
Cavalaria, ou seja, a batalha e a cortesania, antes de sua
sagração.

Naquela corte vivia uma donzela que, por algum


problema, não ria havia seis anos. Havia uma velha lenda
que dizia que quando ali chegasse o melhor cavaleiro do
mundo, ela explodiria em risos e gargalhadas. Quando a
jovem vê Parsifal, desata a rir, fato que muito impressiona

107
a corte, pois ele era apenas um jovem ingênuo, mas que,
segundo a lenda, aparentava ser o melhor cavaleiro do
mundo. Todos, após presenciarem as gargalhadas da
donzela, começam a levar Parsifal a sério e o Rei Arthur,
então, sagra o jovem cavaleiro. Um camareiro do rei
revolta-se com tal fato e empurra o jovem contra uma
lareira; em seguida, esbofeteia a donzela que ri. Parsifal,
furioso, jura vingança pela jovem insultada e faz um
pedido ao rei: gostaria de ter a armadura e o cavalo do
Cavaleiro Vermelho. O rei ri com tal pedido, mas cede a
Parsifal, permitindo que ele tenha tais itens desde que os
consiga por si próprio.

O rei Arthur traz uma imagem de superioridade. É uma figura que todos
os cavaleiros desejam alcançar em suas jornadas. “O rei em si encarnava, de
certo modo, o Anthropos, o aspecto da integridade humana idealizada, de
modo amplamente consciente e tornado visível, nesse sentido simbolizando
Arthur também a idéia da totalidade” (Franz, 1980, p. 41). Com esta definição,
o rei pode representar então a evolução da psique humana. Esta evolução
também poderá ser atingida por aqueles que têm como objetivo assemelhar-se
à sua imagem e lutarão para isso. Digo “poderá”, pois esse novo nível de
consciência exige, além da determinação, uma busca espiritual interior, como
vimos ao falarmos do Rei Pescador e do Graal.

A donzela, como já vimos, representa o feminino de Parsifal, ou seja,


sua anima. “Quando alguém consegue despertar o Parsifal num homem, outra
parte de sua natureza imediatamente fica feliz” (Johnson, 1993, p. 33). Isto
pode ser explicado pelo fato de que quando encontramos, em nosso interior, a
nossa humildade, simplicidade, ou seja, nosso tolo-ingênuo, conseguimos
também entrar em contato com nosso feminino, com a anima. Além disso,
através deste contato, encontramos a possibilidade de cura, de felicidade. Por

108
isso, esta ligação da consciência com a inocência interior faz com que a vida
de dentro do homem floresça.

Parsifal deixa a corte, agora equipado com um


escudeiro e uma espada. Logo em seguida, encontra o
Cavaleiro Vermelho e, mais uma vez, fica deslumbrado
com os seus enfeites. O cavaleiro era
impressionantemente forte e fazia sem receio o que bem
entendesse. O jovem ingênuo pede a ele sua armadura e
cavalo. O cavaleiro diverte-se com tal pedido e, com
gargalhadas, responde: “Se puderes consegui-los!”. Os
dois tomam posição e depois de um breve combate
Parsifal é atirado ao solo, mas, enquanto caído, atira sua
adaga e atinge o Cavaleiro Vermelho no olho, matando-o.
Esta é a única morte que Parsifal realiza em toda a sua
jornada. Os outros cavaleiros que serão derrotados por ele
deverão se apresentar à corte de Arthur e se colocar a
serviço dele.

Após vencer o cavaleiro o jovem toma posse de sua


armadura e cavalo. Parsifal tenta vesti-la, mas esta é
muito complicada para ele que jamais vira algo assim. Um
escudeiro, vindo da corte para verificar como estava o
embate, ajuda o jovem com as fivelas e fechos
complicados para ele. Além disso, ele o adverte que suas
roupas não ficavam bem para um cavaleiro, mas Parsifal
ignora o conselho e mantém a roupa tecida pela mãe por
baixo da armadura. O jovem monta no cavalo e segue
viagem. Uma observação: apesar de conseguir fazer com
que o cavalo andasse, ninguém havia lhe ensinado a fazê-

109
lo frear. Parsifal e o cavalo andaram o dia inteiro, até que
por exaustão o animal resolvesse parar.

Mais uma vez aparece no conto um combate, onde apenas um sairá


vivo. Esta é a dinâmica patriarcal que não integra, que reprime um dos
aspectos e aceita o outro, tornando-os opostos. Porém, como podemos
observar, esta é a única morte que Parsifal realiza em sua jornada. Podemos
pensar que ele irá evoluir e, com isso, não matará mais seus oponentes. Isto
pode representar a integração da alteridade, já que ao vencer uma batalha,
Parsifal, no lugar de matar seu adversário, pedia-lhe que jurasse lealdade ao
rei Arthur e participasse de sua corte.

A morte do Cavaleiro Vermelho ajuda Parsifal a se desenvolver. “No


instante em que mata o Cavaleiro Vermelho, Parsifal transporta uma grande
quantidade de energia de se adversário – o instinto – para si próprio, como
ego” (Johnson, 1993, p. 35). Podemos dizer, então, que neste momento ele
deixou de ser adolescente e tornou-se um homem. Com a teoria de Whitmont
poderíamos dizer que foi nesse momento que ele se tornou consciente.

A cor vermelha também traz significados. “Símbolo fundamental do


princípio da vida, com sua força, seu poder, seu brilho...” (Chevalier, 2008, p.
944). Em alguns rituais de iniciação usa-se o vermelho. Portanto, simboliza a
transformação, fato este que confirma a importância do Cavaleiro Vermelho
para o desenvolvimento psíquico de Parsifal.

Alternativa a este duelo seria a sobrevivência o Cavaleiro Vermelho.


Com isso, no lugar de matar essa energia, ela seria acrescentada ao ego. “Mas
nossa maneira ocidental é partir pela senda heróica, lutar – matando ou
conquistando – e encontrar a vitória” (Johnson, 1993, p. 36). Em outras
palavras, nosso pensamento patriarcal não permite a integração, mas sim, a
separação dos opostos.

110
De qualquer forma, devemos perceber que a força masculina do
Cavaleiro Vermelho é o desejo e a necessidade de que todos os jovens em
desenvolvimento precisam. Assim, a morte física do cavaleiro eleva a confiança
do jovem, que se sente vitorioso por superar um obstáculo, que requeria
grande coragem. “A vitória parece mais doce na presença de outro que perdeu.
Talvez isso seja inerente à masculinidade, mas também pode ser uma fase de
evolução, que um dia será superada” (Johnson, 1993, p. 37). Mais uma vez, o
autor descreve uma característica do patriarcado, porém com a possibilidade
de evolução, isto é, de acesso à alteridade. Com a alteridade, talvez, não será
necessária a vitória, já que o fato de enfrentar o Cavaleiro Vermelho integraria
sua força ao ego do jovem.

O Cavaleiro Vermelho pode ser visto como a sombra de Parsifal. A


sombra possui o caráter mais escuro do homem, seus traços inferiores. Apesar
de o ego caracterizá-la como algo negativo, sua integração com este pode ser
muito positiva. Neste aspecto considerar o Cavaleiro Vermelho como a sombra,
“isto é uma porção de emocionalidade e brutalidade bárbaras, que ele precisa
superar antes de tornar-se um cavaleiro cristão” (Franz, 1980, p. 42). Com isto,
podemos entender que o contato com a sombra e uma possível integração dela
com o ego é necessária para que o homem se torne um herói. Isto remete,
novamente, à necessidade do indivíduo entrar em contato com seu interior. Na
atualidade, isto é possível no processo terapêutico, que visa ajudar o paciente
a lidar com seu mundo interno, seu lado sombrio, para que ele possa integrá-lo
à consciência.

“Visto pelo ângulo do descontrole da agressividade, o


Cavaleiro Vermelho é a sombra da masculinidade, o
negativo, o lado potencialmente destrutivo. Para realmente
tornar-se um homem, a personalidade-sombra precisa ser
trabalhada, não pode ser reprimida, pois ele necessita do
poder masculino sombra-Cavaleiro-Vermelho para abrir
caminho no mundo adulto e tornar-se um vencedor. A
questão é fazer um ego forte o suficiente para não ser
vencido pela ira” (Johnson, 1993, p. 38).

111
A dimensão interior desta disputa remete à agressividade. Precisa haver
o domínio desta energia bruta para que o garoto torne-se homem. Desta forma,
ele precisa saber como ser agressivo, já que esta é uma energia necessária e
presente, mas deve ser controlada para estar à disposição do ego, da
consciência. “Deixar-se vencer pela ira e pela violência não é bom sinal, pois
mostra que sua masculinidade ainda não está formada” (Johnson, 1993, p. 38).
Hoje vemos que esta é uma característica presente na humanidade. A
agressividade é valorizada e prova a masculinidade entre os homens e dos
homens em relação às mulheres e crianças. Penso que na evolução do homem
seja necessário o domínio sobre a agressão não como prova de masculinidade,
mas sim, para que seja conscientemente controlada e, desta forma, usada
apenas quando necessário e de uma maneira construtiva e não destrutiva.

Não podemos esquecer que este mito, apesar de mostrar a importância


do feminino na vida do homem moderno, foi escrito por um homem, como
todos nós, que vive mergulhado no patriarcado. Com isto, sua fala, em alguns
momentos, parece ambivalente e contraditória. É muito difícil perceber o
mundo mágico da Deusa com a cabeça racional do patriarcado.

Com a morte brutalmente agressiva do Cavaleiro Vermelho, Parsifal


desmerece o seu caráter. “A morte do cavaleiro das sombras corresponde,
psicologicamente, à violenta repressão dos próprios afetos e emoções como
primeiro grau da formação da personalidade consciente” (Franz, 1980, p. 43).
Percebemos aqui uma regra para que se atinja a consciência para viver no
mundo mental patriarcal. Devem-se reprimir seus afetos, emoções e todas
aquelas características que pertencem ao feminino. Além disso, a
agressividade e o poder, apesar de serem considerados aspectos sombrios e,
portanto, malignos, são os conceitos dominantes do mundo atual. Percebemos
isso no mito pela ambição de Parsifal pelas armaduras do Cavaleiro Vermelho.

Independentemente da visão com que olharmos esta batalha devemos


lembrar que para vencê-la o jovem deve superar sua covardia e o desejo de
sempre ser protegido pela mãe, como ocorria em sua relação simbiótica.

112
O fato de Parsifal vestir as armaduras do Cavaleiro Vermelho por cima
das roupas tecidas por sua mãe “significa, por um lado, que ele sente que elas
lhe pertencem essencialmente, mas, por outro lado, significa também que, no
fundo, ele ainda não é o cavaleiro que gostaria de ser e do qual mostra, por
enquanto, apenas a aparência exterior” (Franz, 1980, p. 44). Isto representa a
persona de Parsifal, ou seja, uma característica que não pertence a ele, porém
é aquele que ele deseja mostrar ao mundo externo. Este fato pode ser
justificado pela consciência inicial de Parsifal: ela não percebe sua separação
do ambiente como indivíduo e, com isso, apenas aceita o papel que lhe foi
dado. A persona não pode ser pensada apenas como uma máscara, mas sim,
como algo fundamental à adaptação do homem. “A persona só se torna mera
máscara quando não cumpre mais a sua finalidade, mas passa a encobrir o
vazio ou algo pior ainda e, desse modo, falsifica o ser verdadeiro do homem
em questão” (Franz, 1980, p. 44). Pensando sobre este fato em relação ao
homem moderno, que cada vez mais desenvolve dezenas de papéis, podemos
considerar que a persona pode não estar mais desempenhando seu papel e,
sim, revelando a necessidade do homem esconder quem realmente é, isto é,
talvez o homem perceba suas emoções e sentimentos, mas não deve
demonstrá-los, já que não há espaço para isso no mundo de hoje. Os papéis
do homem não permitem que ele expresse seus aspectos femininos, pois deve
manter essas características em sua sombra e deixar o ego mostrar sua força
masculina.

Com essa viagem, Parsifal chega ao castelo de


Gournamond, que se torna uma espécie de padrinho para
ele. Durante um ano, Gournamond prepara o jovem nos
caminhos da fidalguia. Treina-o e ensina-lhe o necessário
para a busca do verdadeiro espírito da Cavalaria. É ele
quem consegue fazer com que Parsifal tire as roupas
feitas por sua mãe de baixo de sua armadura. As
informações que ele passou ao jovem eram vitais para
que este consiga tornar-se um homem: não deveria

113
jamais seduzir uma donzela ou deixar-se seduzir por ela,
e deveria sair em busca do Castelo do Graal com todas as
suas forças. Chegando lá, Parsifal deveria fazer a seguinte
pergunta: “A quem serve o Graal?”.

De repente, um pressentimento de que sua mãe


está em apuros, faz com que Parsifal parta em seu
encontro, mesmo com Gournamond tentando dissuadi-lo.
O jovem descobre que ela morrera de coração partido,
logo após sua partida. Sente-se culpado de tal fato, o que
faz parte de seu desenvolvimento como homem.

Gournamond parece fazer o papel de pai para Parsifal. Quando ele entra
em sua vida, o jovem consegue tirar a carga do complexo materno,
representado pelas roupas tecidas pela mãe, para tornar-se um adulto. Este é
um importante momento do processo de individuação. Além disso, como já
vimos, o menino tem uma relação muito forte com sua mãe, que parece ser
simbiótica. Este fato também é expresso quando Parsifal sente que sua mãe
está em apuros, já que na relação de simbiose não há discriminação entre as
individualidades.

A culpa que Parsifal sente é natural e necessária para o


desenvolvimento de sua individualidade. “Nenhum filho consegue a maioridade
sem que, num certo sentido, seja desleal para com a mãe” (Johnson, 1993, p.
41). Após atingir sua independência, o jovem poderá descobrir um novo
relacionamento com sua mãe, em outro nível. Seu afeto, seu lado feminino,
será transferido para outra mulher ou interior (anima) ou exterior (companhia
feminina).

Porém, veremos adiante, quando Parsifal encontra o Castelo do Graal,


que sua separação com a mãe não está completa e real. Ainda há a relação
simbiótica que impede seu desenvolvimento.

114
Ao iniciar sua viagem de volta, Parsifal encontra o
castelo de Branca Flor. Ela estava desesperada, pois seu
castelo estava sitiado, e pediu ao jovem que resgatasse
seu reino, prometendo-lhe céus e terras. Parsifal desafia o
segundo homem em comando do exército inimigo em
duelo, vence-o, mas poupa-lhe a vida no último momento,
ordenando-lhe que preste lealdade à corte de Arthur.
Repete o mesmo feito com o primeiro no comando. Após
retirar o cerco do castelo, Parsifal volta e passa a noite
com Branca Flor. Os dois dormiram no mais íntimo dos
abraços; porém, este abraço foi casto, devido aos votos
do cavaleiro de que não seduziria uma donzela.

Branca Flor representa, mais uma vez, a anima de Parsifal. Por esta
personagem ser de grande importância para o herói, refletiremos um pouco
sobre o papel da anima. Esta tem importante papel na jornada do herói, pois o
motiva a seguir em frente, dando-lhe um sentido maior à vida. A anima, como o
próprio nome diz, anima, é a fonte de vida em seu coração. “Vista como sua
feminilidade interior, lá no fundo do coração do homem, ela é o âmago da
inspiração e a que dá sentido às coisas” (Johnson, 1993, p. 44). Não se trata,
portanto, de uma mulher de carne e osso, mas sim, de uma mulher interior. “Na
literatura do Graal, encontram-se muitas figuras femininas que têm o caráter da
anima e devem ser consideradas menos como mulheres reais do que como
figuras da anima que possuem caráter sobre-humano e traços arquetípicos”
(Franz, 1980, p. 50).

Os votos do cavaleiro de não desrespeitar uma donzela representam as


leis da psique em relação a como o homem deve tratar sua mulher interior, sua
anima. O autor enfatiza que não podemos aplicar essas leis internas ao
externo. Acrescenta ainda:

115
“Muito de nossa herança espiritual é um mapa ou
conjunto de ensinamentos do mais profundo significado de
nossa vida interior, e não um conjunto de leis dirigidas às
condutas externas. As leis que lidam com essa parte íntima
devem tornar a vida interior significativa. Poucas são as
pessoas que se dão conta dessa diferenciação. E mais:
entender nossos ensinamentos religiosos somente na
dimensão literal é perder sua significação espiritual”
(Johnson, 1993, p. 49).

Com isto, não podemos confundir as leis internas com as externas, caso
contrário, teremos problemas. Na Idade Média, quando o homem começou a
sentir sua anima agindo e a perceber como ela poderia ser perigosa, iniciou-se
a caça as bruxas. Este é um exemplo onde o homem, ao invés de entender e
dominar seu interior, exteriorizou tal fato. As “bruxas”, na verdade, eram
mulheres independentes, mas sábias, sexualmente libertas e donas do saber
relativo à cura pelas plantas, ou viúvas com posses, que atraíam a cobiça dos
homens. Esta caça acontece até hoje com as mulheres modernas, que de
alguma maneira desafiam o poder instituído. Porém, devemos lembrar que a
solução não é queimar a anima, já que esta pode voltar-se contra o homem e
queimá-lo também. “A mulher exterior merece grande respeito e toda a ternura,
mas será profundamente infeliz, e seu relacionamento com o homem não dará
certo, se ele a confundir com a anima” (Johnson, 1993, p. 50). Desta maneira,
se um homem usar exteriormente sua anima, esta não terá eficácia. A anima
torna-se uma roupagem que ele usará para se relacionar com o mundo. Se isto
acontecer o indivíduo é dominado pela anima e por humores que ela acarreta.
É necessário conhecer sua anima, aprender a se relacionar com ela, tê-la
como companhia interior para que, assim, ela lhe traga benefícios. O que o
mito do Graal nos diz é exatamente isto. Parsifal, em seu processo de
individuação, precisa lidar com Branca Flor, ou seja, sua anima, usando-a a
seu favor, não permitindo que esta o seduza, isto é, o use, já que assim ela o
aprisionaria com sua manifestação. “Ou seja, nos termos do mito, seduzir ou
ser seduzido por uma donzela – a anima – faz desaparecer as chances de um
homem chegar ao Graal” (Johnson, 1993, p. 55).

116
O homem moderno muitas vezes se mostra dominado pela sua anima.
Suas características incluem a depressão e a inflação do ego. Pela busca do
sentido da vida, o indivíduo, como já falamos anteriormente, compra
excessivamente, possui tudo que lhe convém. Sente ser necessária a compra
de inúmeros bens para que se sinta feliz. Essa é uma atitude negativa de sua
anima. “Exigir que a felicidade venha do meio em que se vive é o sombrio ato
de seduzir a donzela interior. Isso anuvia o caminho do Graal e tem o mesmo
peso de deixar-se seduzir pela formosa donzela, apesar de ser menos óbvio.
Portanto, mais difícil de ser detectado” (Johnson, 1993, p. 58). Essa euforia da
busca da felicidade que resulta na inflação do ego terá sua compensação, isto
é, a depressão da realidade. A verdadeira felicidade só poderá ser encontrada
se o homem conseguir se posicionar entre, ou seja, no caminho do meio entre
a inflação do ego e a depressão. É ai que se encontra a realidade e o sentido
das coisas. Johnson (1993) descreve a “arte da felicidade: satisfação com
aquilo que é. Sua felicidade é com aquilo que ‘acontece’”. (Johnson, 1993, p.
60). Com isto, percebemos que a felicidade, o sentido da vida, aparecem
quando nos conhecemos e deixamos a vida acontecer. Não podemos deixar
que a anima domine nossa vida, mas caso isso aconteça, devemos saber o
que está ocorrendo, nos conscientizando e, com isso, não deixar que isto tenha
poder sobre nós. A relação entre Parsifal e Branca Flor exemplifica um tipo de
relação perfeita entre o homem e sua anima: eles estão próximos, cada um
alimentando o outro e, assim, trazendo um significado maior à vida.

O homem tem muito menos controle dos aspectos femininos do que a


mulher. Por isso, penso que quando a humanidade perceber a importância do
feminino, deixando que este retome seu lugar na psique humana, a busca da
felicidade será completa. Encontraremos o sentido da vida, o nosso Graal.

Podemos refletir também sobre o nome da donzela: Branca Flor. A cor


branca remete a transformação, à mudança. “O branco – candidus – é a cor do
candidato, i.e., daquele que vai mudar de condição” (Chevalier, 2008, p. 141).
Desta maneira, o encontro com a donzela remete a transformação de Parsifal,
a mudança de um nível de consciência para outro. “É uma cor de passagem,
no sentido a que nos referimos ao falar dos ritos de passagem: e é justamente

117
a cor privilegiada desses ritos, através dos quais se operam as mutações do
ser, segundo o esquema clássico de toda iniciação: morte e renascimento”
(Chevalier, 2008, p. 141). Assim, esta cor remete ao estado anterior ao
nascimento, a mudança. A flor pode simbolizar, em algumas culturas, o alcance
do estado espiritual. Além disso, “muitas vezes a flor apresenta-se como figura-
arquétipo da alma, como centro espiritual” (Chevalier, 2008, p. 439). Desta
maneira, a análise simbólica do nome da donzela enfatiza a importância desta
personagem e, assim, da anima, para a vida de Parsifal e de todos os homens.

Depois de deixar o castelo, Parsifal passa o dia todo


viajando em sua heróica busca. Ao cair da noite, pergunta
para um viajante se por ali havia algum alojamento ou
taverna onde pudesse passar a noite e descobre que a
habitação mais próxima estava a cinqüenta quilômetros
dali. Um pouco mais adiante, encontra em um lago um
homem em seu barco pescando e lhe faz a mesma
pergunta. O homem, que era o Rei Pescador, convida o
jovem a passar a noite em sua moradia: “Desce pela
estrada, há um caminho, vira à esquerda e cruza a ponte
levadiça”. Parsifal segue as instruções e assim que atinge
a ponte ela começa a erguer-se, chegando a tocar as
patas traseiras de seu cavalo, antes de fechar-se
rapidamente.

Não parece ser fácil entrar no Castelo do Graal. Esta passagem


representa um momento de transição de Parsifal para o mundo do Graal. Este
mundo tem tudo a lhe oferecer, mas depende de sua maturidade. Penso que o
castelo representa o inconsciente humano. É de difícil acesso e, mesmo que
consigamos entrar em contato com ele, muitas vezes não estamos preparados
para isso. Além disso, acho que é por este motivo que não conseguimos ainda
trazer o feminino para sua devida importância, ou seja, temos acesso a ele, já

118
que está dentro de todos nós, mas não estamos preparados para integrá-los a
consciência.

O significado do símbolo da ponte pode nos ajudar a entender esta


representação. A ponte permite passar de uma margem para a outra, mas com
certa dificuldade. “Nota-se, portanto, dois elementos: o simbolismo da
passagem, e o caráter freqüentemente perigoso dessa passagem, que é o de
toda viagem iniciatória” (Chevalier, 2008, p. 729). Pode-se dizer também que “a
ponte simboliza uma transição entre dois estados interiores, entre dois desejos
em conflito: pode indicar o resultado final de uma situação de conflito. É preciso
atravessá-la; fugir à passagem nada resolverá” (Chevalier, 2008, p. 730).
Podemos associar este significado à necessidade do homem moderno lidar
com o feminino. Existe o conflito: o indivíduo hoje sofre e sabe que sua solução
será humilhante para ele (como já vimos, será um “tolo” que solucionará o
problema). Porém, é preciso atravessar essa ponte, lidar com este conflito,
para que a humanidade encontre o sentido da vida. Existe o desejo do ego
patriarcal de dominar, mas também existe o desejo de entender a vida. A ponte
implica em uma superação perigosa, mas muito necessária. O homem precisa
atravessar esta ponte para alcançar o Castelo do Graal, isto é, sua felicidade
plena e a compreensão do significado da vida.

Parsifal descobre que estava em um enorme castelo.


Quatro pajens correm para cuidar de seu cavalo. Depois
despem-no, dão-lhe banho, vestem-lhe lindas roupas
vermelhas e o conduzem à presença do senhor do castelo,
o Rei Pescador, que se desculpa por não conseguir
levantar de sua liteira para saudá-lo como merecia.
Quatrocentos cavaleiros com suas damas, ou seja, toda a
corte, estavam presentes para saudar o jovem, e uma
enorme cerimônia acontece no local. O rei, como sempre,
estava gemendo de agonia e desespero. Uma procissão se
inicia com uma donzela trazendo a lança que transpassou

119
no flanco direito de Cristo; outra traz a patena usada na
Última Ceia e uma terceira carrega o Santo Graal. Um
grande banquete é servido e á todos é dado aquilo que
desejam, vindo do Graal. Todos, em exceção o Rei
Pescador, que por causa de sua ferida não poder beber do
Graal.

A grandiosidade do castelo representa a entrada de Parsifal no mundo


interior. O símbolo do castelo pode nos ajudar a entender sua relação com a
teoria. “O que é protegido pelo castelo é a transcendência do espiritual. Julga-
se que ele resguarde um poder misterioso e inatingível” (Chevalier, 2008, p.
199). Este poder que é guardado pelo castelo é representado pelo Graal no
mito. É ele que o homem busca e precisa para atingir um novo nível de
evolução, sua transcendência.

O número quatro é ressaltado nesta passagem. Este número representa


a integridade, a totalidade, a plenitude, a paz. “Quatro aparece como signo de
potencialidade, esperando que se opere a manifestação, que surge com o
cinco” (Chevalier, 2008, p. 761). Portanto, ele representa o poder que o castelo
tem. Podemos esperar então que os cinco cavaleiros do começo do mito
representam a manifestação necessária para a potencialidade do castelo se
revelar. Parsifal tornou-se um cavaleiro e, por isso, tem esse poder em suas
mãos também. Além disso, “para os dogons do Mali, quatro é o número da
feminilidade, e, por extensão, o do Sol, símbolo da matriz (útero) original.
Quatro é igualmente o nome dado ao prepúcio, considerado como alma fêmea
do homem, que é circuncidado por essa razão” (Chevalier, 2008, p. 761). Com
essa simbologia, mais uma vez, percebemos a presença do feminino no mito e,
principalmente, no símbolo do Graal. Esse aspecto é necessário para a
maturidade do homem e, também, para que ele encontre o sentido da vida.

Outra representação do número quatro é que ele aponta para o


processo de individuação. “A individuação significa um processo psíquico cujo

120
objetivo é a diferenciação do indivíduo da psique coletiva e o desenvolvimento
deste no sentido de uma personalidade individual” (Franz, 1980, p. 63). A
verdadeira personalidade individual aparecerá, posteriormente com a
adaptação, quando houver a união do coletivo com o individual, pois o
indivíduo não é apenas um ser solitário, mas necessita também do
relacionamento com os outros. Este conflito entre o individual e o coletivo na
psique do homem exige uma conscientização. “Por isso, o processo de
individuação é também um processo de conscientização, que anda, por um
lado, de mãos dadas com a discussão entre o indivíduo e o mundo e, por outro,
entre o indivíduo e o seu mundo objetivo interior (o inconsciente)” (Franz, 1980,
p. 63). Com isso, este processo se inicia no início da vida, quando há a
separação do bebê com a mãe, sendo que a conscientização aumenta com o
contato deste com o mundo. Mas é só na segunda metade da vida que ela
passa a ser uma conscientização da individuação. Parsifal ainda não se
encontra neste segundo momento.

A donzela que traz o Santo Graal na procissão tem grande importância.


Ela pode ser considera, também, como a anima de Parsifal. Uma das funções
da anima é transmitir imagens do inconsciente. “A razão pela qual cabe a ela
este papel se explica, entre outras razoes, pelo fato de a percepção ou a visão
exige uma atitude feminina (receptiva), ao passo que a compreensão e o
entendimento do percebido são tornados possíveis pelo espírito masculino”
(Franz, 1980, p. 58). Devemos lembrar também que o lado feminino do homem
é desconhecido para ele, de modo que as funções da anima ocorrem
inconscientemente. Penso então que a donzela trouxe à consciência de
Parsifal seu conteúdo inconsciente mais importante, afinal, ele traz a plenitude.
Relacionando isso com o Graal do homem moderno, podemos dizer que o mito
evidencia a importância do feminino, aspecto inconsciente, para a vida do
indivíduo do mundo masculino.

Já a lança, do mesmo modo trazida na procissão, é um símbolo do


masculino. Suas características são apontar e acertar. “Tal característica pode
ser entendida no sentido figurado como a orientação para o objetivo ou
aspiração consciente ou para as possibilidades distantes postas na mira e

121
alcançadas” (Franz, 1980, p. 61). Além disso, para os britânicos ela
representava o símbolo da pátria a ser reconquistada.

Uma sobrinha do rei traz uma espada que ele


prende na cintura de Parsifal e esta o acompanhará pelo
resto de sua vida. O jovem fica sem palavras perante o
presente e pelo resto da noite se surpreende com cada
acontecimento que presencia. Esse jovem e inexperiente
rapaz do campo esta maravilhado com as solenes
cerimônias do castelo, especialmente com a magia do
Graal.

Com esta espada, Parsifal ganha sua masculinidade e poder para seguir
sua jornada. “A espada é o símbolo do estado militar e de sua virtude, a
bravura, bem como de sua função, o poderio” (Chevalier, 2008, p. 392). Outro
significado para a espada é a razão, que permite ao homem julgar após
pensar, algo que até então não acontecia com Parsifal. Com isto, podemos
pensar que ela representa outro aspecto adquirido por Parsifal em seu novo
nível de consciência, o patriarcal, diferenciado de sua mãe (que ainda não está
bem estabelecido, como veremos adiante). Além disso, a espada está
associada a luminosidade, que também é símbolo da consciência. Portanto,
este presente é muito importante para qualquer herói seguir em frente.

Em algumas versões a jovem que traz a espada a Parsifal é a mesma


que carrega o Graal na procissão. Com isto podemos pensar que sua anima
está lhe dando uma arma para enfrentar o mundo. Isto também representa o
desenvolvimento de Parsifal, que necessita de eu consciente para que encarar
o mundo. Este passo demonstra o início do processo de individuação. “A
espada representa aquele impulso vital que leva ao reconhecimento do Self”
(Franz, 1980, p. 64).

122
Durante o treinamento de Gournamond, o jovem
aprendera que quando encontrasse o Graal deveria fazer
a seguinte pergunta: “A quem serve o Graal?”. Com esta
pergunta, o reino usufruiria da dádiva do Graal. Parsifal
lembra-se da recomendação de Gournamond, como
também se recordava da instrução de sua mãe de que
não deveria fazer muitas perguntas. O conselho da mãe
prevalece e ele fica mudo diante do esplendor do Castelo
do Graal.

Havia uma lenda que circulava pelo reino que dizia


que no dia em que por lá aparecesse um jovem tolo e
ingênuo e fizesse uma pergunta ao Graal, as feridas do
Rei Pescador cicatrizariam. Todos no castelo, exceto
Parsifal, sabiam desta lenda e esperavam do jovem, que
possuía os atributos esperados, que formulasse a
pergunta. Mas ele não o faz e, em pouco tempo, o rei é
conduzido a seu aposento, gemendo e lamentando-se, e
o jovem é escoltado por quatro pajens ao seu quarto.

Na manhã seguinte, ao despertar, Parsifal percebe


que todas as pessoas do castelo não estavam mais lá e
encontra apenas seu cavalo selado e pronto para partir no
pátio do castelo. O jovem chega até mesmo a gritar, mas
só consegue ouvir seu próprio eco. Tudo desaparecera.
Monta e dirige-se a ponte que, mais uma vez, começa a
fechar rapidamente e toca as patas traseiras de seu
cavalo. Parsifal volta ao mundo comum, onde não há
ninguém por perto em um raio de cinqüenta quilômetros.

123
Com a pergunta “A quem serve o Graal?” Parsifal é “posto diante do
problema de ter de descobrir de que forma a verdadeira vida da alma da figura
de Cristo continuaria a existir e o que significa” (Franz, 1980, p. 82). A
explicação deste fato é que Cristo seria uma imagem do Self. Deste modo,
Parsifal deve descobrir como fazer com que o Self se manifeste e, com isso,
mantenha vivo o divino, no caso, representado por Cristo. Estas manifestações
interiores causadas pelo contato com o eu interior, levará a uma elevação do
nível da consciência, como veremos adiante. “Se Parsifal tem de solucionar o
enigma do Graal, isso significa então que, na verdade, ele deve se
conscientizar da própria tarefa da sua alma e do seu interior mais amplo”
(Franz, 1980, p. 83). Portanto, assim como o homem moderno, Parsifal deve se
conscientizar da importância de elementos inconscientes.

Este vazio, este nada que aparece no final desta passagem pode
representar o momento em que Parsifal percebeu que lhe faltava algo e, por
isso, decide tentar retornar ao castelo para encontrar o Graal. “O nada, o vazio,
seria, portanto, a condição prévia do nascimento do Self. É que este não está
de antemão já presente de modo perceptível, mas só se manifesta com a
queda violenta da vida vivida” (Franz, 1980, p. 100). Parsifal teve esta queda
violenta: em uma noite estava rodeado de tesouros e belezas e, em seguida,
isto tudo desaparece. Este fato mostra que ele não conseguiu fazer o contato
com o Self, representado pelo Graal (e sabemos que isto não aconteceu, pois
Parsifal não estava preparado para tal, como veremos adiante). O Self não está
pronto dentro de nós. Ele existe como possibilidade e só pode se revelar pela
evolução do processo de individuação. O Self é a integridade psíquica
transcendente da consciência humana. O processo de individuação torna o
Self, pouco a pouco, consciente. Com isso, a integridade da alma, constituída
de partes conscientes e inconscientes da personalidade, entra no campo da
consciência, o que resulta na amplificação e transformação constate deste
campo. Isto acontece pelas experiências cotidianas do homem, desde que se
aplique à consciência de modo correto, ou seja, a manifestação do Self
depende da atitude interior que o indivíduo assume diante das experiências de
sua vida.

124
“Mas, além disso, ocorre também, com muita
freqüência, a vivência numinosa dessa inteireza d’alma, na
qual o eu presencia isso, quase sempre com profunda
emoção, como uma epifania do divino. Por isso, a vivência
do Self não pode ser praticamente distinta de uma vivência
de Deus; significa que as auto-ilustrações do Self,
originárias do inconsciente, coincidem com a imagem de
Deus da maioria das religiões” (Franz, 1980, p. 72).

Por este motivo enfatizo nesta análise a importância do homem entrar


em contato com seu eu interior, para que haja a evolução do nível da
consciência. O contato com o Self pode ser considerado o contato com o
divino. É este encontro que o homem moderno procura, assim como Parsifal no
mito. Se ele acontecer com cada um dos homens, a humanidade não mais se
sentirá desamparada, abandonada. Perceberá que o verdadeiro divino está
dentro de cada um de nós e não depende da Igreja ou de alguma religião para
que se manifeste.

O jovem não estava preparado para fazer a pergunta quando chegou ao


castelo. Não tinha maturidade suficiente, não tinha estrutura. “Nenhum menino
sabe, quando o Castelo do Graal surge pela primeira vez. Quando o perde, ao
final de sua primeira experiência, sai à procura do Graal perdido,
incessantemente, sem parada ou descanso, na ânsia de reencontrar a beleza
apenas vislumbrada” (Johnson, 1993, p. 74). O jovem sente a necessidade da
espiritualidade e sabe que o Graal trará a plenitude. Para a humanidade chegar
à alteridade não basta querer, tem que haver preparo. Podemos ter acesso ao
inconsciente, mas há a probabilidade de não sabermos o que fazer com seus
conteúdos. Por este motivo, para integrar o feminino que resultará na alteridade
devemos nos preparar, ou seja, conhecer o inconsciente, saber usufruir de sua
capacidade, conseguir dominá-lo. Só assim estaremos preparados para atingir
o Graal.

O mito nos mostra que, de alguma maneira, Parsifal ainda está ligado a
sua mãe. Esta ligação não permite que o herói tenha acesso ao Graal, isto é,

125
ao Self. Ele está dominado pelo complexo materno. Este domínio tem uma
característica regressiva que deseja voltar a dependência da mãe, voltar a
relação simbiótica. “É o desejo de fracassar que está dentro dele mesmo, sua
característica de derrota, sua fascinação subterrânea pela morte ou pela
fatalidade, sua necessidade de ser cuidado. É puro veneno na psicologia do
homem” (Johnson, 1993, p. 78). Portanto, o complexo materno impede que o
homem siga com seu processo de individuação, isto é, a transformação e,
assim, não atinge o Graal.

Parsifal continua sua viagem e encontra uma jovem


em grande sofrimento, envolvendo em seus braços seu
namorado morto. Ela explica ao jovem que seu cavaleiro
fora morto pelo namorado ciumento de uma donzela. Este
era o namorado da donzela da tenda que, furioso com o
que Parsifal havia feito, atacou o primeiro cavaleiro que
apareceu em seu caminho. Portanto, Parsifal fora o
culpado por essa morte. Quando a moça fica sabendo que
ele viera do Castelo do Graal, repreende-o duramente
pelos seus erros, dizendo-lhe que as terras e o povo
continuam na desolação e na miséria porque ele não
fizera a pergunta que lhe haviam ditado. Antes de Parsifal
continuar sua jornada, a jovem lhe pergunta seu nome
(até este ponto da narrativa seu nome não havia sido
mencionado). E o jovem descobre quem ele é, após ter
estado no castelo do Graal: Parsifal.

O fato de ele descobrir quem ele é, seu nome, sua identidade, mostra
uma grande evolução em seu desenvolvimento em relação à consciência. A
identidade só pode ser formada quando não há mais simbiose entre mãe e
filho. Desta maneira, é possível agora que o indivíduo encare suas
responsabilidades, angústias e sofrimentos, já que estas são necessárias para

126
que ele cresça como homem. Esta é a característica principal da era mental da
consciência (Whitmont, 1990).

Com a conscientização Parsifal encontra seu objetivo de vida, sua


tarefa. Essa capacidade de não perder de vista um objetivo, perseguindo-o até
alcançá-lo é uma conquista do desenvolvimento dele. “Evidentemente Parsifal
alcançou agora essa consciência, que poderia ser considerada o resultado
essencial da sua iniciação, ou seja, da sua primeira visita ao castelo do Graal”
(Franz, 1980, p. 138).

Na versão original de Chrétien é esta a donzela que conta a Parsifal que


sua mãe havia morrido (até então, ele estava à procura dela – fato que
modifica alguns aspectos simbólicos do mito). Por este motivo, ele sente culpa
pela morte de mãe e, assim, se identifica como Parsifal, já que “A tomada de
consciência de si mesmo está intimamente relacionada com a conscientização
da culpa” (Franz, 1980, p. 134). O jovem sente-se duplamente culpado: por não
ter feito a pergunta do Graal e pela morte de sua mãe. “Pode-se dizer então
que, por não ter perguntado pela mãe, também não perguntou pelo Graal. Isso
é esclarecedor, quando se considera que o Graal, como imagem original da
mãe, a representa, de modo que, num sentido mais profundo, trata-se de uma
única e mesma culpa” (Franz, 1980, p. 134). Num certo sentido, a culpa é de
ter agido de forma inconsciente nos dois momentos.

A donzela envolvendo seu namorado morto nos braços, em algumas


versões, é parente de Parsifal, o que acarretaria numa longa discussão sobre
esta simbologia. Este é outro aspecto que não acho necessário para
compreender o objetivo desta análise e, portanto, não discorrerei a respeito.
Porém, acho interessante uma imagem que Franz (1980) captou da donzela:

“A jovem com o homem morto no regaço dá a


impressão de uma ‘pieta’; ela alude à mater dolorosa, que
chora a morte do seu divino filho-amante, isto é, aquele
aspecto do próprio Parsifal pelo qual ele estava destinado a
ser o ‘filho divino da Mãe’, isto é, uma figura do tipo de

127
Cristo ou de redentor. Mas, pela sua morte no reino do
Graal, ou seja, no mundo das imagens prefiguradas do
futuro, Parsifal acaba de nascer como homem consciente, no
mundo do aquém, do qual partiu saindo do círculo dos
cavaleiros do rei Arthur; e, mesmo expulso do reino do
Graal, por ser culpado, recebeu algo: a idéia da anima como
figura interna que conduz ao processo de individuação”
(Franz, 1980, p. 133).

Parsifal estava destinado a encontrar o Self e, portanto, evoluir


psicologicamente, mas não conseguiu tal fato por não estar preparado e,
principalmente, por estar dominado pelo complexo materno. Com a saída do
Castelo do Graal, que corresponde ao inconsciente, ele se torna consciente. O
encontro com a donzela representa o encontro com sua anima que, como já
vimos, apresenta aspectos positivos para o processo de individuação.

Mais tarde, o jovem também encontra a donzela da


tenda chorando, pois estava sofrendo e sendo maltratada
por seu cavaleiro, desde a visita de Parsifal. Esta, como a
donzela encontrada antes, reprime o jovem por sua
atitude no castelo. E adverte-o de que a espada que lhe
foi dada no Castelo do Graal quebrar-se-á na primeira vez
em que for usada e que só poderá ser soldada pelo
armeiro que a fez. Depois disso, jamais tornará a partir-
se.

No curso de sua jornada, Parsifal derrota muitos


cavaleiros e os vai mandando à corte do Rei Arthur.
Quando lá estivera, não fora reconhecido como herói, mas
o próprio Arthur, agora, vai procurá-lo para que a corte
possa honrá-lo, sem saber que Parsifal está acampado ali
bem perto.

128
O herói segue sua jornada e neste caminho encontra alguns desafios e
elementos que o ajudarão a ser mais maduro. Todos os aspectos presentes na
jornada de Parsifal poderiam ser analisados. Porém, não acho que isto seja
necessário em relação ao objetivo deste trabalho. Desta maneira, veremos
estas passagens como representações do processo de individuação do
homem.

Enquanto isso no acampamento de Parsifal, um


falcão ataca três gansos, ferindo um deles e três gotas de
sangue caem sobre a neve. Quando o jovem vê o sangue,
entra em um estado de transe lembrando-se de Branca
Flor. Os homens de Arthur o encontram neste estado e
tentam persuadi-lo a voltar à corte com eles, mas Parsifal
luta com eles e acaba por quebrar o braço de um deles.
Este é justamente aquele homem que esbofeteou a
donzela que gargalhou ao ver Parsifal, depois de seis anos
sem um sorriso. A jura de vingança do jovem estava
cumprida. Um terceiro cavaleiro, Gawain, gentilmente
convence-o a ir à corte, onde é recebido em triunfo.

Na corte, Parsifal é o centro das atenções. Em sua


homenagem prepararam três dias de festivais e torneios.
Parsifal certamente merecia. A alegria termina quando
uma donzela horripilante, montando uma mula decrépita,
se aproxima e enumera todas as falhas do jovem,
inclusive a maior falha de todas: não ter formulado a
pergunta ao Graal. Conta ainda a situação em que o reino
ficou por causa disso e culpa o cavaleiro por todos esses
graves acontecimentos. Apontando-lhe o dedo em riste
acusa: "é tudo culpa sua!". Parsifal é humilhado e

129
silenciado diante de toda a corte que, instantes antes, o
colocava nos céus.

Parsifal passa por muitos outros episódios. Em


algumas versões, viaja por vinte anos. Neste transcurso,
se torna amargo e desiludido. Distancia-se cada vez mais
de sua amada Branca Flor. Chega a esquecer o porquê
está usando a espada em sua jornada. Vence cavaleiros
sem saber a razão, sentindo cada vez menos alegria e
menos compreensão.

Neste trecho da história o número três foi ressaltado. “Quando sonhos


ou mitos apontam para números, é certo que profundos pontos do inconsciente
coletivo estão agindo” (Johnson, 1993, p. 88). O três representa a necessidade,
a imperfeição, o esforço, a consumação. Após ter sido tocado pela totalidade
do Graal, Parsifal precisa lidar agora com coisas do aqui-e-agora que
necessitam de sua atenção como seus amores, sua busca como cavaleiro, seu
lugar na corte do Rei Arthur. Porém, a vida não poder ser dominada pelo três,
já que a consciência representada por ele não suporta durante muito tempo
sua intensidade sem que haja propulsão. Esta consciência precisará de um
impulso para que haja um insight da iluminação, do número quatro, e, assim,
evolua.

“Jung sentiu que o trabalho real do homem moderno


seria o de promover a expansão da consciência representada
pela evolução do três para o quatro – da consciência
devotada ao fazer, ao trabalho, à realização, ao progresso –
para aquela caracterizada pela paz, pela tranqüilidade, pelo
existencial. O cerne da questão é que o quatro contém o
três, mas o três não pode conter o quatro. Alguém que
tenha a plena consciência do quatro é capaz de realizar
todas as coisas praticas na vida, mas sem ficar preso a elas.

130
O que está no mundo do três não é capaz de apreciar os
elementos associados ao número quatro” (Johnson, 1993, p.
90).

Com este pensamento, Johnson (1993) mostra que o homem moderno


está a caminho da transformação da consciência do três para a do quatro,
sendo este um bom caminho para fugirmos do caos em que nosso mundo atual
está mergulhado. Este pensamento assemelha-se ao da teoria de Whitmont
(1990), dizendo que a humanidade precisa evoluir para não ser extinta; desta
maneira, ela caminha para a alteridade que unirá aspectos masculinos e
femininos, que conviverão em harmonia. Creio que é coerente explicitar o
pensamento de Johnson (1993) a respeito:

“Isso sugere que estamos passando por uma evolução


de consciência que vai do todo-ordenado conceito masculino
de realidade – a visão trinitária de Deus – para a
quaternária, que inclui o feminino, assim como outros
elementos difíceis de ser colocados também, se se insistir
nos valores antigos.
Parece-nos ser agora o propósito da evolução
substituir uma imagem de perfeição pelo conceito de
plenitude e totalidade. Perfeição sugere algo totalmente
puro, sem mácula, pontos escuros ou áreas questionáveis.
Totalidade inclui as trevas, mas mescladas com os
elementos da luz, resultando em um conjunto mais real e
completo do que qualquer idealização. É uma tarefa
assustadora, e a pergunta que enfrentamos é se a
humanidade será capaz ou não desse esforço e crescimento.
Preparados ou não, estamos no processo” (Johnson, 1993, p.
90).

O homem, por excluir o feminino de sua consciência, enxerga-o como


algo maligno, negativo e destruidor. Com isto, deixa-o cada vez mais nas
profundezas do inconsciente sem permitir que ele mostre sua força e

131
importância. A evolução da consciência permitirá que nossa personalidade
inclua esses elementos vistos como sombrios até então.

O falcão é um símbolo másculo e diurno. Em algumas mitologias


representa o Sol, símbolo do masculino. Além disso, ele pode indicar
superioridade ou uma vitória em contos da Idade Média. “De modo mais geral,
é a vitória do princípio másculo, diurno e solar sobre o principio feminino,
noturno e lunar” (Chevalier, 2008, p. 417). Já o ganso, é um equivalente do
cisne que tem como uma de suas representações uma ave de luz celeste, de
beleza deslumbrante e imaculada. Essa luz celeste é feminina e fecundada.
Apesar de o cisne aparecer em alguns trechos da mitologia grega como
símbolo do masculino, solar e fecundador, ele também aparece representando
o feminino. “Os gregos, combinando deliberadamente as duas acepções diurna
e noturna, fizeram da ave um símbolo hermafrodita” (Chevalier, 2008, p. 358).
Nos mitos egípcios o cisne também aparece como a representação da luz
lunar, ou seja, feminina. Com estas simbologias, podemos pensar que o falcão
atacar os gansos representa o masculino atacando o feminino que, apesar de
não morrer, se fere e sangra. É a partir deste sangue, resultado desta luta, que
Parsifal entra em transe e pensa em Branca Flor.

Em outra tradução do mito de Chrétien o falcão ataca um pato. A


interpretação feita por Franz (1980) em relação a essa passagem é que o
falcão, aquele que caça, é o símbolo do amante e a pata, ao contrário, é a
imagem da esposa enfeitiçada pela bruxa. No mito, este feitiço representa a
influência da imagem da mãe na esposa. Assim, “a imagem do falcão que feriu
a pata-selvagem representa um sinal enviado a Parsifal pelo inconsciente, que
o obriga a refletir, pois este sinal lhe indica, na linguagem augurium (sinal dos
pássaros), aquilo que na realidade acontecera: que o logos masculino cometeu
um roubo na alma que se nutria da relação sentimental” (Franz, 1980, p. 136).
A atitude de Parsifal para com Branca Flor foi de um falcão, pois ele se
apossou dela, não permitindo uma relação humana, ferindo o sentimento que
existia.

132
A donzela tenebrosa aparece na vida de todo homem bem sucedido,
trazendo-lhe dúvidas e desespero. Parece que quanto maior o poder e a fama
do homem no mundo exterior, menor o sentimento de sucesso e significado da
vida. O indivíduo sente-se fracassado, em dúvida e desespero. No mito,
Parsifal fica desiludido, chegando a não saber mais qual era o objetivo de sua
espada e não compreendendo o sentido das coisas. É esta a característica da
humanidade nos tempos atuais. Apesar de ele dominar a natureza, ter diversos
bens materiais e mostrar riquezas, o homem não encontra sentido em sua vida,
sentindo-se cada vez mais deprimido. Penso que este sentimento causa um
círculo vicioso, pois quanto mais negativo estão os pensamentos do indivíduo,
mais ele sente a necessidade de produzir e de consumir. Se, ao invés de dar
valor aos bens materiais neste momento, ele parasse para refletir, ou seja, para
fazer uma busca interior, as chances de elevar-se a um nível superior de
consciência e, assim, de sentido da vida, seriam muito maiores.

A chegada da donzela tenebrosa, porém, traz uma característica positiva


ao processo de individuação do homem. A partir das dúvidas e
questionamentos que ela deixa para ele, este percebe a necessidade de seguir
seu caminho individualmente, ou seja, ele deverá encontrar o sentido das
coisas sozinho, com seu próprio caminho. Não há a ajuda do coletivo neste
momento. A donzela representa uma característica forte do patriarcado que,
diferente do matriarcado que valoriza o coletivo, separa as responsabilidades
do indivíduo às do coletivo. É a partir da visita da donzela na vida do homem
que este percebe a necessidade de encontrar o Graal, como acontece com
Parsifal no mito.

Certo dia, depara-se com alguns peregrinos que lhe


perguntam o motivo de estar armado numa Sexta-feira
Santa e pedem para que ele os acompanhe até o eremita
da floresta para se confessar na preparação do Domingo
de Páscoa. De repente, Parsifal dá-se conta de sua
situação. Recorda-se do que sua mãe havia lhe ensinado

133
sobre a Igreja. Lembra-se de Branca Flor, do Castelo do
Graal e é atingido pela nostalgia. Cheio de remorso,
acompanha-os até um eremita, para a confissão.

Quando Parsifal encontra com o eremita, passa por


uma experiência semelhante à que vivenciou com a
Donzela Tenebrosa. O eremita o acusa, recitando uma
longa lista de suas falhas e erros, inclusive o principal
deles. Porém, logo o velho eremita suaviza o tom e diz
que tudo que lhe acontecera havia sido por causa de sua
mãe. Mas agora o eremita absolve-o e direciona-o ao
Castelo do Graal.

Como dizem alguns relatos, citados por Franz (1980), Parsifal passou
muitos anos sem entrar em uma igreja e, portanto, perdera a lembrança de
Deus. Por isso, ele segue os peregrinos até o eremita para se confessar, pois
sente muita culpa e arrependimento. Este realmente lista os erros de Parsifal,
mas enfatiza que ele fez tais coisas inconscientemente, principalmente por
causa de sua mãe. O eremita absolve Parsifal, mas lhe recomenda a
penitência de ir à igreja todos os dias para que se torne honrado e consiga
chegar ao paraíso.

Percebemos então que a perda da fé em deus, recomendada por sua


mãe, remetia à morte desta. “Por isso, deve-se entender a morte da mãe
simbolicamente como a ‘morte da alma’, isto é, a perda total do contato com o
inconsciente” (Franz, 1980, p. 163). Como no homem moderno, “com a morte
da alma, ‘Deus está morto’, também, porque Deus somente desenvolve a Sua
atuação perceptível ao homem no recipiente da alma” (Franz, 1980, p. 163).
Parsifal não se compreendia mais desde que não conseguiu fazer a pergunta
ao Graal, assim como o homem contemporâneo não se compreende.

134
A figura do eremita “personifica a tendência à interiorização e ao
desligamento do mundo como primeiro exercício preparatório para a solução
do problema do Graal” (Franz, 1980, p. 163). Com isso, Parsifal deu um passo
importante para o caminho de seu desenvolvimento pessoal. Esta visita ao
eremita representa a transição do cavaleiro egocêntrico para uma
espiritualidade maior que aproxima-o ao Castelo do Graal. O homem moderno
ainda não visitou o eremita, não chegou nesta fase de transição. Está
estagnado no egoísmo. Podemos pensar em Parsifal como o símbolo do
caminho da individuação do homem moderno. Se pensarmos que os mitos nos
dão respostas para nossa era, então, assim como Parsifal, o indivíduo passará
por essa transição e será capaz de encontrar o Graal.

O poema de Chrétien de Troyes é interrompido


neste ponto. Porém, outros autores tentaram concluí-lo.
Numa das versões, Parsifal caminha até o Castelo, já que
está preparado para tal fato. Ele encontra tudo como
antes: o Rei Pescador estava sofrendo, a mesma procissão
estava acontecendo. Agora, com mais maturidade, Parsifal
formula a pergunta: “A quem serve o Graal?”. A resposta
ecoa pelos salões do castelo: "O Graal serve ao Rei do
Graal". O Rei Pescador ferido se levanta, curado e feliz. O
milagre aconteceu e a lenda concretizou-se. Este,
portanto, não é mais o Rei Pescador, mas o Rei do Graal,
aquele que habita o centro do Castelo do Graal que vive
do Vinho do Graal, sendo uma sutil e disfarçada imagem
de Deus, a representação terrena do Divino. O Graal é
trazido e seu alimento é dado a todos, inclusive ao rei. A
paz é perfeita, a alegria e o bem-estar são estabelecidos.

O herói está preparado para enfrentar o Castelo do Graal e seus


aspectos femininos. Por este motivo, consegue formular a pergunta e, assim,

135
salvar o Rei Pescador e seu reino. Esta pergunta implica em descobrir o
significado da vida humana. Sua resposta traduzida, significa que a vida serve
a Deus ou, em geral, a vida serve a algo maior que nós humanos. Para Jung,
segundo Johnson (1993), a vida serve o Self e o processo de vida implica na
recolocação deste no centro de gravidade, já que hoje é o ego quem controla.
Este é um processo para toda a vida. “Quando Parsifal aprende que ele não é
o centro do Universo – nem de seu pequenino reino – fica livre da alienação e,
por fim, o Graal deixa de ser vedado a ele. Agora ele pode entrar e sair do
castelo pelo resto da vida, quando quiser” (Johnson, 1993, p. 104). Isto
acontece, pois Parsifal atingiu outro nível de consciência e, agora, tem o Graal
a sua disposição. Para atingir este nível, como percebemos, ele precisou deixar
ser tão egoísta e reconhecer que ele não é dono do mundo, que ele não
domina tudo como pensava. Este é o mesmo passo que o homem moderno
deve tomar. Como já falamos anteriormente, o indivíduo, para perceber o
sentido das coisas, o sentido da vida, deve fazer uma reflexão internar e não
permitir que seu ego, suas vontades, dominem sua vida com bens materiais.
Com isso, o homem irá perceber a importância do feminino, do divino, ou seja,
do seu encontro com o Self no processo de individuação. “É, pois, como se
Parsifal se personificasse o homem natural posto diante do problema do mal,
da relação com o feminino e, desse modo, diante da tarefa da própria
ampliação da consciência, e realizando assim, após muitas voltas a libertação
do reino do Graal, de que, finalmente, se torna o rei” (Franz, 1980, p. 83).

O mito nos diz que “O objetivo da vida não é a felicidade, mas servir a
Deus ou ao Graal. Todas as buscas do Graal são para servir a Deus” (Johnson,
1993, p. 105). Esta felicidade citada pelo autor é aquela que, como falamos
anteriormente, é encontrada nos bens e produtos adquiridos pelo homem.
Penso que não devemos falar que a felicidade só será encontrada se servimos
a Deus. Isto poderia ser mal interpretado. Não estou defendendo o fanatismo
por Deus apresentado por algumas religiões (este, por sinal, poderia ser o tema
de outro trabalho). Por este motivo, prefiro pensar que devemos servir ao
Divino, independente deste ser encontrado em Deus, na Grande-Deusa, em
religiões ocidentais ou orientais. O homem precisa perceber que a força de seu
ego em dominar o mundo não está o satisfazendo interiormente como ele

136
pensa. Além disso, como vimos em nossa teoria, o homem sente-se
abandonado. Ele precisa encontrar a sua alma perdida com a morte de Deus e,
para isso, deverá resgatar o feminino, simbolizado pela figura do Graal no mito.
Talvez, com isso, ele perceba que não é dono do mundo.

“Através da conscientização efetuada pelo


cristianismo, criou-se, ao mesmo tempo, pouco a pouco a
‘perda da alma’ e a violentação da natureza, o que
representa uma grande ‘perda da alma’. O símbolo feminino
do Graal indica uma compensação oriunda do inconsciente
pela qual o elemento feminino e a alma da natureza
deveriam ser aceitos novamente como legítimos” (Franz,
1980, p. 150).

Já vimos na análise do conto que este vazio que o homem sente é a


condição para que o Self se manifeste. Existe a potencialidade do Self na
psique do indivíduo e é ele, através de suas relações e experiências, que
capacitará o nascimento deste. O Self permite a integração e, portanto, a partir
do momento em que ele existe na vida do homem, os opostos terão a
possibilidade de conviver em harmonia. O indivíduo é quem os receberá e,
assim como a figura do Graal, ele conterá esses aspectos.

“Ocorre agora – como que pela lenda do Graal – o


subseqüente enriquecimento do símbolo do Self, pelo qual
se pretende dar fim à continuação da separação dos opostos
e levá-los a reconciliação. Para esta, no entanto, é o
indivíduo humano que serve de recipiente, porque os
opostos só podem se unir quando aparecem integrados ao
homem. Desse modo, o indivíduo passa a ser o receptáculo
das transformações do problema dos antagonismos na
imagem de Deus” (Franz, 1980, p. 84).

Se considerarmos que o Graal representa o inconsciente, percebemos


que há muito tempo o homem está disposto a transmitir seus conteúdos

137
inconscientes para a consciência. Com isso, podemos dizer que a verdadeira
causa do adoecimento do rei é a falta de transmissão desses conteúdos já
amadurecidos para a conscientização. Além disso, a culpa sentida por Parsifal
tem outro caráter com a tomada da consciência desses elementos.

A redenção do herói acontece devido à pergunta que ele faz ao Graal.


Deste modo, ela não ocorre por causa de Deus, mas sim, pelo esforço de
Parsifal e pela realização de seu Self. Franz (1980) explicita diversos
parentescos durante o mito do Graal.

O fato de Chrétien não ter chegado a um final e de diversos autores


proporem soluções diferentes para ele, ilustra como havia dúvidas em relação
a como seria um final correto para ele. Isto mostra que a integração do símbolo
do Graal e de seus significados não era possível pela consciência do homem
medieval.

“A história de Parsifal antecipa problemas psíquicos


que rumam para um futuro tão distante que nem poderiam
ser compreendidos pela mentalidade medieval. Antes é
preciso que continue o processo psíquico de assimilação do
símbolo cristão. Foi por isso, talvez, que o contemporâneo
de Chrétien, Robert de Boron, empreendeu a tentativa de
uma formulação nesse sentido, isto é, ligando a lenda do
Graal mais estreitamente à tradição cristã” (Franz, 1980, p.
214).

138
“Perceval” - M. Wieghan

139
6. Considerações finais

Realizar este trabalho foi muito satisfatório e gratificante para mim. É


nítida a minha mudança de opinião e de visão pessoal em relação ao divino na
vida do homem. Hoje, consigo perceber como a falta da alma e, assim, do
divino, afeta na vida de cada um e como é importante o resgate do feminino.
Muitas vezes, percebi que me perdia no tempo ao ler sobre o assunto, pois
estava mergulhada neste contexto e, inevitavelmente, foi um exercício de
reflexão. Este trabalho proporcionou-me um contato pessoal com meu mundo
interior que não era atingido há algum tempo. O processo foi difícil, afinal, sou
um ser humano que vive no mundo patriarcal, que foi culturalmente educado
com a força do masculino. Muitas vezes, me faltavam palavras para descrever
algumas situações relativas ao matriarcado. Mas espero ter conseguido
proporcionar ao leitor um pouco do que senti com este encontro com o divino.
Com isso, creio que este trabalho poderá ajudar àqueles que não percebem ou
se negam a perceber a importância do fator religioso, por ter algum tipo de
preconceito com isso, como era o meu caso.

Este trabalho é apenas uma visão deste contexto. Com a leitura das
mesmas bibliografias feita por outra pessoa, outros aspectos interessantes
podem surgir. O mito do Graal, por exemplo, apresenta inúmeros símbolos o
que o torna impossível de se analisar em um trabalho. Além disso, dependendo
da visão do autor, esta leitura se modifica. Portanto, o entendimento do divino
na vida do homem não está acabado. É fato que ele é importante e que o
feminino deve ser reintegrado, porém, pesquisas futuras poderão contribuir
com as minhas conclusões. Penso que uma boa contribuição para entender
melhor o sentimento que o homem tem em relação a Deus é realizar uma
pesquisa sobre a imagem de Deus.

Um primeiro aspecto importante a ser lembrado é que a religião que


vimos até agora neste trabalho é diferente da religião do senso comum. Ela
não se resume em Cristianismo, Judaísmo ou Espiritismo. É o modo como o
Divino interfere e faz parte da vida da humanidade. Envolve o modo como nos

140
relacionamos com os outros, como vemos a vida, como reagimos ao mundo
externo.

O homem moderno está sem religião e, como vimos, Deus está morto.
Ele não saber lidar com ela e a evita pensando que não quer ser religioso, já
que isto implicaria em privar-se de muitos desejos e instintos seus. Não aceita
a religião do Deus que define o que é certo e errado, o que é bom e o que é
pecado. Com isso, o indivíduo prefere sentir-se desamparado e sozinho a ter
esse Deus vigiando-o e controlando sua vida.

Penso que este Deus controlador tenha contribuído para o


desenvolvimento do egoísmo do homem moderno. Esse Deus diz “tu deves” e
“tu não deves”. O ego o vê como ameaçador e, muitas vezes, parece decidir
agir apenas para provar a ele “quem manda”. Com isso, o ego toma força e se
afasta cada vez mais de Deus.

Esse desamparo é a grande causa de como o homem está vivendo na


modernidade. Ele, sem perceber o Divino em sua vida, vive à mercê do ego.
Prefere escutar dele o que deve ou não fazer. Porém, o homem percebe que
não vê sentido ou significado na vida. Por que vivemos? Por que estamos
aqui? Para que? Não conseguimos responder essas perguntas sem sentir o
Divino em nós.

O sentido da vida para o homem moderno e seu ego exigente resume-se


aos bens materiais adquiridos por ele durante sua vida. Portanto, o homem
procura este sentido entre os bens materiais, as produções, que ele obtém
durante sua vida. Esta é a maneira que ele encontra para buscar a felicidade e
o significado da vida. Além disso, percebemos na clínica essa angústia do
homem em busca do significado das coisas. Muitos chegam reclamando que
nada parece dar certo em suas vidas, ou que todos conspiram contra eles, ou
até mesmo que não agüentam mais viver em um mundo de stress como o
mundo moderno.

141
Sem a presença do Divino na vida do homem patriarcal, o ego ganha
espaço para agir como bem entender. Hoje parece que podemos fazer tudo o
que quisermos, pois, apesar de sermos julgados por nossas atitudes pela
sociedade, parece que tudo é aceito e justificável. Encontramos nas notícias
diárias ações absurdas que o ser humano pratica pelo simples fato de cansar-
se de algo ou não concordar com alguma coisa. Violências contra crianças
impotentes e atentados terroristas podem exemplificar esse fato.

O homem hoje contesta mistérios, crenças religiosas, “milagres”. Porém,


ele acredita fielmente na Ciência. Algo que é comprovado cientificamente é
visto como algo certo. Não há dúvidas sobre a Ciência. Isto afeta muito a vida
da humanidade. Hoje, por exemplo, os cientistas provam a qualidade de certos
alimentos para a vida humana. A cada alimento que entra na lista dos
“saudáveis”, uma nova dieta é exposta na mídia e, mais e mais pessoas
aderem este estilo. Perceba que não estou criticando o estilo de vida, mas sim,
a falta de crítica, a plena confiança. A Ciência tomou o lugar de Deus e, de uma
maneira ou de outra, diz para a humanidade o que “deves” e o que “não deves”
fazer.

A Ciência é um fazer humano carregado, portanto, de valores,


representações, normas, que devem passar por reflexão a fim de não
vincularmos de maneira “cega” princípios com os quais não nos identificamos.
O paradigma positivista, que via a Ciência como neutra, objetiva, à procura de
uma verdade única, está sendo substituído por outro, contextual e que olha
para a complexidade, sendo o pesquisador/cientista co-construtor da realidade,
buscando uma possibilidade de compreensão, e não “a” verdade absoluta.
Nós, psicólogos, somos agentes ideológicos. Precisamos, portanto, “olhar para
o nosso olhar”, fazendo ciência de maneira crítica e comprometida.

A natureza, tão importante durante o período matriarcal, hoje sofre com


o egoísmo do homem, que gera agressividade e poder. A crise ambiental
acontece pois o homem, com suas vontades e exigências, sente poder sobre
tudo. Ele se esquece da beleza, poder e grandiosidade da Natureza e usa
todos os seus recursos para satisfazer seus desejos.

142
O egoísmo moderno leva à deposição de conteúdos negativos em bodes
expiatórios. Isso acontece pelo fato do homem não viver mais coletivamente.
Apesar de a teoria nos dizer que o indivíduo precisa da sociedade para
sobreviver, parece-me que não se sabe viver em uma. O homem se vê perfeito,
sem defeitos. A culpa deve ser evitada, já que ela afeta o ego forte e onipotente
do indivíduo. Com isso, a culpa, inevitável nos dias de hoje, precisa ser
projetada no outro. Não podemos nos esquecer que a perfeição do ego não
aceita defeitos; aquelas características que não estão na sombra, e sim no ego,
ou, que apesar de serem aparentes e características, são consideradas
negativas, sempre são projetadas no outro.

O homem da alteridade precisa mudar essa característica egoísta.


Precisamos retomar aspectos do período matriarcal em relação à vida coletiva.
Somos todos responsáveis por tudo que acontece no mundo e por todos ao
nosso redor. Desta maneira, a responsabilidade, característica do patriarcado,
se unirá ao aspecto coletivo do matriarcado. Se percebermos que a nossa
responsabilidade vai além das atitudes do nosso próprio ego, não haverá a
necessidade da presença de bodes expiatórios entre nós. Assim, nos
sentiremos responsáveis por tudo que acontece, sem a necessidade da
projeção no outro. Este fato não inclui apenas “coisas negativas” para o
homem. Aspectos positivos, ao invés de endeusarem alguma celebridade ou
instituição serão percebidos também como responsabilidade do “homem
comum”. Somos capazes de tudo, temos em nós, como Jung afirmou, a
potencialidade de sermos tudo. Por que não aceitar os nossos mais profundos
defeitos e as mais belas qualidades? Por que a necessidade de endeusarmos
ou satanisarmos os outros ao invés de percebemos que nós mesmos somos
tudo?

O homem precisa voltar a sentir o Divino para não sentir-se tão só, tão
desamparado e, com isso, realizar ações sem sentido para tentar entender ou
justificar o significado da vida.

Podemos perceber que algumas religiões orientais e muito antigas estão


na moda. Além disso, yoga e o uso de mantras já fazem parte da vida

143
moderna. O que justifica essa febre mundial? A procura do homem moderno
pelo significado das coisas. Este fato nos mostra a necessidade do Retorno da
Deusa, como vimos na teoria do Whitmont (1990).

Apesar desta força negativa que o ego pode exercer, existe também a
procura dele pelo sentido da vida. Essas antigas seitas e religiões
proporcionam ao homem algo novo, uma visão diferente do mundo. Com isto,
ele pode sentir o Divino nele mesmo, mesmo sem denominá-lo como tal. A
procura do processo terapêutico também é resultado desse desamparo
espiritual. Parece-me que fazer terapia hoje está na moda. As pessoas
perceberam que não têm tempo de pensarem em si mesmas, não têm tempo
para conhecerem seus mundos interiores. Cinqüenta minutos por semana com
seus analistas satisfazem muitas delas. Apesar deste o tempo não representar
quase nada na vida corrida do homem moderno, ele é precioso e muito
significativo, pois neste momento seu egoísmo ganha um aspecto positivo, já
que ele pára para pensar e refletir sobre ele mesmo de uma maneira que
capacita a integração de conteúdos inconscientes à consciência. Penso que
pode haver uma contrapartida daqueles que fogem da terapia. Estes parecem
temer o que irão descobrir. Não estou me referindo a características negativas
da personalidade, mas sim, ao fato deles poderem perceber que suas vidas
não tem o sentido que achavam que tinha, que, na realidade, o desamparo em
relação a Deus é a causa de todo o seu comportamento.

O feminino envolve a continuidade, fertilidade, beleza e natureza. Essas


características fazem falta ao homem moderno e são necessárias à
continuação da humanidade. Estamos a caminho do caos. Precisamos retomar
alguns aspectos, hoje reprimidos e vistos como malignos. Esta mudança é
lenta, difícil e dolorosa. O ego patriarcal lutará fortemente contra os aspectos
inconscientes do homem. Mas já percebemos que estamos a caminho da
alteridade, ou seja, da união e harmonia dos aspectos dos períodos matriarcal
e patriarcal numa nova integração. O homem procura uma nova dinâmica e
tem ânsia de achar o sentido da vida. Ele busca a explicação fora da Igreja, já
que não quer ter aquele Deus-rei por perto, impedindo suas ações de serem
realizadas.

144
“O milagre do Graal” – Wilhelm Hauschild

145
Referências bibliográficas

ALVARENGA, Maria Zélia de. O Graal: Arthur e seus cavaleiros. São Paulo: Dimensão
editora, 1997.

BRYANT, C. Jung e o cristianismo, São Paulo, Edições Loyola, 1996.

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