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PALESTRA 1: TOQUE E SENSIBILIDADE
CLARA TAKARABE
Eu gostaria de dar as boas vindas e agradecer a todos por estarem aqui.
Introdução
Seu caminho pode incluir batalhas com seus colegas, seus professores, seus
familiares e com a sociedade e a cultura — sem falar em suas lutas pessoais com
seus corpos e mentes na solidão de suas próprias práticas.
Eu gostaria de ajudá-los a considerar formas alternativas de olhar para a vocação
da música, as quais podem aliviar seu sofrimento. Eu usarei um vocabulário que
vocês podem considerar incomum, retirado da linguagem filosófica. Eu acredito
que a vida musical deva ser adubada de forma generosa com filosofia, a qual nos
provê com novas intuições, consolos e, talvez o mais importante, um caminho para
fora dos impasses em que você pode se encontrar.
Neste seminário, vou focar particularmente em ideias sobre incorporação e toque,
que podem nos reviver quando estivermos bloqueados pela competição brutal,
pelos medos de falhar e pelo perfeccionismo implacável. Também vou falar sobre
usar insights da filosofia para transformar nossos conceitos danosos de sucesso e
fracasso para que possamos enxergar nossa jornada musical em termos de um
florescimento multivalente, em vez de uma série rígida de marcos para se alcançar.
Vocação
Ao falar sobre a vida musical como uma "vocação" estou me referindo à raiz em
latim da palavra — vocare —, verbo que significa "chamar" ou invocar, e esse
sentido de vocação implica um chamado que você não deve ignorar. Como as
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Durante seu tortuoso caminho que durou vinte anos de volta para a casa, vindos
da Guerra de Troia, Odisseu e sua horda encontraram as perigosas e belas Sereias,
que atraíram os homens para a morte com suas promessas sedutoras de
conhecimento — por meio da extraordinária melodia de sua canção. Odisseu, que
não resistiu a seu desejo de ouvir essa música, amarrou-se a um mastro e ordenou
sua equipe, cujos ouvidos fossem vedados com cera de abelha, para que
navegassem por onde estavam as Sereias.
Nós podemos desconstruir a palavra "Sereia" tanto para observar a magnitude de
seu perigo quanto para encontrar uma pista de autopreservação. No nome,
encontramos as palavras seira e eiro, que significam "corda" e "atar ou enredar
uma música completa", o que nos dá um duplo sentido de perigo e proteção.
Como músicos, nós também perdemos nossos lares de vista. Muitas vezes, é na
música em si que encontramos um lar — um laço que pode ameaçar todas as
ligações tradicionais que nos guiam. Esse laço intenso pode também resultar em
uma certa separação do mundo. Para famílias que não conhecem o meio musical,
ele pode parecer alheio e repleto de perigos. Sem dúvidas, elas imaginam que nos
tornamos vítimas da canção das Sereias. Mas nós somos mais parecidos com
Odisseu, ouvindo às Sereias, mas procurando entender a canção que conversa
conosco direta e profundamente sobre quem nós somos. Através da música
entramos em um novo lar, o qual nos conhece intimamente, bem como a nossos
atos. É nesse lugar que está sua incrível capacidade de sedução.
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Segal, Charles. Singers, Heroes, and Gods in the “Odyssey.” Cornell University
Press, 1994.
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Eu jamais vou dissuadir alguém de sua trajetória musical, pois esta é de um imenso
valor inato, além do valor para a comunidade que cerca o músico, esteja ele
tocando ou descansando. Eu já ouvi professores de música dizerem a seus alunos
que eles não são bons, que não têm futuro e que não há nenhuma esperança para
eles. Como um tripulante no navio de Odisseu, eu quero amarrar vocês ao mastro
para que possam ouvir as Sereias e sobreviver.
Ideias de sucesso
Quando pergunto aos alunos sobre como eles concebem suas vidas na música e
como seria seu florescimento, muitas das vezes a resposta imediata é que eles
desejam ser um "sucesso". E quando questiono como isso ocorreria, de maneira
concreta e abstrata, a resposta é, frequentemente, que eles gostariam de trabalhar
na Filarmônica de Berlim, na Sinfônica de Chicago, ou de ser professor em uma
faculdade renomada.
Muitas pessoas acreditam que o sucesso pode ser incorporado em um trabalho
em particular, e que alcançar esse trabalho responde às questões ou lutas
essenciais da vida humana. Sucesso, nesse sentido, implica um estado de
realização. Se o indivíduo conquista um certo trabalho ou vence uma competição
ou é capaz de tocar o concerto para violino de Tchaikovsky, de alguma forma seus
temores sobre amor e morte e felicidade são respondidos — alguma coisa é
respondida, o que parece acalmar a ansiedade de nossa natureza
fundamentalmente transitória como músicos.
Eu estou mais interessada na ideia de florescimento em oposição à ideia de
sucesso, então, eu pergunto: o que as definições convencionais de sucesso têm a
ver com florescimento humano? As ideias não são, necessariamente, mutuamente
excludentes. Mas se o sucesso significa ser contratado para um trabalho em
particular, posso dizer por experiência própria que ter o trabalho "certo" não
significa necessariamente que a pessoa está florescendo profundamente, ou seja,
que encontrou amor, um relacionamento contínuo com a beleza e a verdade, ou
uma vida entre seus amigos mais queridos ou uma vida dedicada a buscar justiça.
Ter um trabalho significa que um indivíduo vai a um determinado lugar por um
determinado período de tempo e recebe dinheiro em troca.
Eu sei que as coisas não são tão secas quanto essa transação monetária. Por
exemplo, meu trabalho como uma orquestra histórica, icônica, é recompensado
com benefícios sociais na forma de respeito e admiração, mas muito desse status
social está fundamentado em uma grande fantasia. Esse capital social não diz
respeito intrinsecamente a mim como ser humano, mas à fantasia de outra pessoa
sobre como minha vida deve ser.
Eu raramente uso a palavra "sucesso", mas quando o faço, é de maneira
cautelosa, sempre atenta à sua raiz latina, succedere, "vir depois". Alguma coisa
continua e o amanhã existe, da mesma forma que esse processo de mudança e
esse caminho musical. Contanto que a palavra mantenha um senso de
possibilidade e potencialidade, eu posso aceitar o significado de sucesso.
Competição
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A competição permeia a música. Por um lado, a competição pode ser um elemento
importante em nosso senso de descoberta, abrindo nossas mentes para novos
critérios e nos incitando a desenvolver e refinar nossas sensibilidades e nossa
técnica. A competição pode levar ao isolamento, à alienação do senso de valor
humano, e à perda da busca pela vida filosófica da música e da verdade.
Muitos estudantes de música se forçam a praticar e a exercitar por horas a fim de
obter uma vantagem em uma situação competitiva. Embora eu tenha praticado por
horas a fio na solidão, eu nao aconselho a fazer isso nesse espírito de competição.
Esse tipo de prática pode, muitas vezes, levar a ferimentos, impedindo, assim, a
possibilidade de uma vida na música a longo prazo. Eu fico espantada por ver
músicos cada vez mais jovens desenvolvendo ferimentos. Nós nos esquecemos
que nossos corpos têm limites humanos e sensibilidades que precisamos respeitar.
Há muitas formas de se abordar a prática e a aprendizagem, e o corpo tenta nos
comunicar aquilo que é melhor para nós mesmos. Na parte final deste seminário,
eu irei falar sobre como nutrir uma prática incorporada.
Ideias de fracasso
Conforme escalamos adiante nos círculos do inferno, eu pergunto: o que é
fracasso? Eu ouvi muitos alunos falando sobre seus fracassos, e eu vi as
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expressões de medo e angústia em seus rostos. Fracasso, em suas mentes, vem
de não praticar o suficiente, de uma transição falha, de uma entonação imperfeita,
de não ser capaz de tocar uma certa parte do repertório, de uma performance ruim
devido ao pânico de estar no palco, de lapsos de memória, de não vencer uma
competição, de não ganhar um certo assento em uma orquestra, de não conseguir
um trabalho, de não obter aprovação do professor ou de não satisfazer aquilo que
percebe como demanda naquela lição. Falta de percepção de como dar o
"próximo passo" ou "próxima etapa" assoma pesadamente em muitas mentes. Eu
acho que uma coisa é que o estudante tenha um entendimento fundamentado de
que há muito para se aprender e que a evolução contínua é necessária, mas uma
condenação implacável do fracasso — vindo o julgamento severo de seus
professores, seus pares ou você mesmo — é devastadora.
Essa crença em que você está falhando frequentemente leva a uma crise em que
você questiona tudo. Quando os desafios parecem intransponível, quando não
parece haver nenhum passo a se dar, ou quando seus passos parecem levar ao
fracasso — é aqui que músicos comumente pensam em desistir. Na verdade, esse
tipo de crise existencial é bem normal, mas as feridas dela podem durar por muito
tempo.
Falhas na pedagogia
Eu fico surpresa com o número de professores egoístas, cruéis e narcisistas que
usam e abusam de seus estudantes. Eu testemunhei professores dizerem a seus
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alunos que, para que melhorassem — e esta é uma citação real —, eles
precisariam "se colocar dentro de uma jaula e tocar escalas o dia todo". Isso foi
dito sem qualquer instrução sobre as diversas formas por meio das quais uma
pessoa pode explorar uma escala e sobre como praticar pode trazer um certo
entendimento, refinamento ou funcionalidade musical ao ato de tocar. É como se o
professor acreditasse que a simples, habitual repetição de escalas por horas traria
automaticamente o aprimoramento em vez de um possível dano físico e provável
desmoralização.
Dizem a alunos que eles fracassam em melhorar porque lhes falta disciplina e eles
falham em praticar o suficiente, mas não tem havido qualquer tipo de
direcionamento sobre como praticar de alguma forma pragmática.
Isso em especial me dói, pois a entonação é uma matéria complexa, e a
exploração de seus mistérios pode ser profundamente agradável.
Outros professores tratam seus alunos como propriedade, acreditando que eles
têm a posse de tudo aquilo que o estudante precisa para aprender. Qualquer
tentativa de buscar orientação por parte de outras pessoas de fora do estúdio é
considerada um ato de traição. Alunos não são propriedades; eles não pertencem
a um professor e deveriam tomar quaisquer medidas que precisarem para se
ajudar em seu próprio desenvolvimento.
Perfeccionismo e humilhação
Eu venho tocando em uma orquestra renomada, muito estabelecida, por 18 anos,
desde que eu tinha 23. Muitos membros alcançaram seu padrão desejado para
tocar, mas muitos ainda trabalham duro diariamente para manter seus níveis de
atuação, e muitos sentem que ainda não atingiram seu nível mais alto, apesar do
tamanho de suas vidas musicais — incluindo o estudo, o ensino e a performance
de um vasto repertório. O domínio de um instrumento é um objetivo que está
sempre desaparecendo ao longe — mas a inabilidade de obter aquele último
desejo não é algo de que você precise se arrepender. Em vez disso, você pode
apreciar o fato de que a luta irá lhe alimentar por toda sua vida.
Uma das alegrias de se tocar com uma grande orquestra é o senso de
tranquilidade e conforto e felicidade, bem como o espírito com o qual cometemos
erros. Todos cometem erros. Obviamente, nem todos os erros são encarados com
satisfação, e alguns desencadeiam uma resposta obscura. Mas quando nós
comunalmente zombamos de nós mesmos ou transformamos nossos erros em luz,
é realmente motivo de alegria. É engraçado, é hilário. Com esse tipo de resposta,
nós admitimos que há um amanhã, que nós somos humanos, que nossas vidas
como músicos irá continuar sem ameaças. Com humor, nós admitimos que nossa
realidade não é nossa realidade, e que nossa realidade não é nossa potencialidade.
Contudo, há ocasiões para todos os músicos, talvez muitas ocasiões, em que não
apenas você tocou mal, mas que você sentiu que humilhou a si mesmo. Com
frequência você se culpa, e você pode, na verdade, perder a consideração dos
outros. Isso pode resultar em exclusão social, o que pode significar ser deixado de
fora de uma performance musical em particular ou ser rejeitado de um grupo
musical em particular. Essa experiência humilhante pode levar ao isolamento e ao
afastamento de seu contexto social musical rico — e até de si mesmo. Você perde
um senso de possibilidade e de potencialidade, suas esperanças são substituídas
com a memória de uma experiência que foi atormentadora e traumática.
A situação terrível, mas trivial em que você sente que humilhou a si mesmo pode
se tornar uma posição existencial prejudicial. Na maioria das vezes, se não todas
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as vezes, você fez tudo o que podia para se preparar e praticar e analisar, para
fazer justiça à música. Você se sente degradado e despedaçado. Você perde seu
senso de dignidade, de confiança e de respeito por si mesmo. Capturado pelo
terror, você se encontra sentindo desamparado, emboscado por seu próprio corpo
e por sua mente.
Agora, eu gostaria aqui de reconhecer as crises de sentimento e de entendimento
do valor intrínseco de alguém como músico. Nós lutamos para compreender nosso
lugar no mundo e tememos que possa não haver um lugar para nós como músicos.
Para sentir que podemos seguir adiante, que podemos ter sucesso no sentido de
fazer a próxima coisa acontecer, nós precisamos de um senso de validação
daquilo que nós somos, em qualquer estágio de desenvolvimento musical que
estejamos.
O primeiro passo para sair desse estado de medo ou desmoralização trazido por
sentimentos de humilhação é reconhecer seu caminho musical como
intrinsecamente valioso, independentemente de sua proficiência. Muitos músicos
estão comprometidos em uma luta dolorosa para alcançar o próximo estágio de
desenvolvimento, mas eu os incito a apreciar qualquer estágio em que estejam
agora e a explorá-lo com o coração aberto.
Incorporação
Se tornar um músico é formar nosso próprio corpo a partir de um estado nao
formado, o que é um processo difícil. Comece reconhecendo a si mesmo como um
ser humano incorporado — com isso quero dizer: Respeite as vulnerabilidades e
sensibilidades que você tem como um corpo físico. Porque é realmente seu corpo
que está criando música, você deve aprender a ouvir esse corpo e a ser gentil com
ele, para se poupar tanto de danos físicos quanto de sofrimento psíquico.
Em seu ensaio, Uses of the Erotic, a feminista e ativista pelos direitos civis Audre
Lorde fala sobre uma forma de vida que é inteira e humana. Ela usa uma ideia de
"erótico" com a qual vocês podem não estar familiarizados, uma ideia que não é
sexual nem pornográfica. Ela define o erótico como
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um lugar entre a incipiente consciência de nosso próprio ser e o caos de nossos
sentimentos mais fortes. É um senso íntimo de satisfação ao qual, uma vez que o
tenhamos vivido, sabemos que podemos almejar. Porque uma vez tendo vivido a
completude dessa profundidade de sentimento e reconhecido seu poder, não
podemos, por nossa honra e respeito próprio, exigir menos que isso de nós
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mesmas.
Com essa ideia do erótico em mente, podemos começar a navegar pelos
paradoxos da realidade e possibilidade. Lorde diz:
Mas a demanda íntima pela excelência que aprendemos do erótico não pode ser
mal-entendida como exigir o impossível nem de nós mesmas nem das outras. Tal
exigência incapacita todo mundo no processo. Porque o erótico não é sobre o que
fazemos; é sobre quão penetrante e inteiramente nós podemos sentir durante o
fazer. E uma vez que saibamos o tamanho de nossa capacidade de sentir esse
senso de satisfação e realização, podemos então observar qual de nossos
empenhos vitais nos coloca mais perto dessa plenitude.
Essa é uma passagem enigmática — o que Audre Lorde quer dizer é que nós
precisamos tratar a nós mesmos com gentileza a fim de não ficarmos assustadas
por demandar o impossível de nós mesmos.
Quando eu digo que você não deveria causar dor a si mesmo esperando e
demandando aquilo que é impossível — "a demanda íntima pela excelência" de
Lorde, eu não quero dizer que você não deveria tentar expandir seus limites ou
colocar o máximo de energia que puder em crescer e evoluir. Mas você deve voltar
seu olhar crítico para seu próprio senso de impossibilidade. Não se permita ser
intimidado pelo que parecem dificuldades intransponíveis. Pare por um momento
para avaliar quais elementos estão criando o seu senso de impossibilidade em vez
de julgar toda a situação como sem esperança. Esse processo de análise pode ser
uma forma de arte por si só, e suas descobertas podem ser bastante imaginarias
ou incomuns.
As respostas para destravar o caminho a seguir não são sempre cognitivas, mas
profundas, sentidas emocionalmente e é daí que vem o progresso. Minha
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Lorde, Audre. “Uses of the Erotic: The Erotic as Power.” Paper delivered at the Fourth
Berkshire Conference on the History of Women. Mount Holyoke College, August 25,
1978.
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libertação do senso de impossibilidade veio na forma de um alegre, estimulante
professor, cuja crença em mim e o apoio para minha trajetória diretamente
contribuíram para que eu entrasse na orquestra com a qual toco atualmente, a
Sinfônica de Chicago. As aulas com ele eram como fazer uma caminhada em uma
bela montanha florestada — não uma caminhada fácil, mas uma árdua caminhada
repleta de fascinação e beleza. Uma aprendizagem alegre é como uma conversa
víva, que prende, não um abatimento alienante que muitos de nós suportamos. O
ensino estimulante torna tantas coisas possíveis, as quais não eram antes
aparentemente visiveis.
Aprender é o processo de se tornar algo que você não é, e começa com nossos
corpos. Tornar-se um músico é ir da falta de forma à forma, através de um
processo de adaptação. Nossa potencialidade humana é um mistério, um
desconhecido que nós podemos, no entanto, intuir. Tanto a potencialidade quanto
a realidade se aprofundam em um relacionamento comprometido uma com a outra
— um enigma metafísico que eu considero eletrizante.
O que amo sobre o ensaio de Lorde é sua invocação de um senso de totalidade
como uma forma de proceder com a tarefa de ser. Como ela diz, "é sobre quão
penetrante e inteiramente nós podemos sentir durante o fazer". O que ela está se
referindo aqui é o conceito de "sensação sentida", definido pelo filósofo Eugene
Gendlin como pessoas funcionando através de uma combinação de incorporação
física, intuição, consciência e emoção. O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty
fala da "carne do mundo" sendo uma forma de conhecimento e de percepção. Eu
insisto para que vocês usem seus corpos como uma forma de vir a conhecer e
aprender música.
intemporal de estar vivo e ser incorporado, em vez de um ambiente de medo e
contração.
Aprendizagem e toque
Ser um músico diz respeito a tocar; quando eu falo sobre toque, quero dizer real
percepção sensorial — estar ciente de como o instrumento se posiciona em suas
mãos, de como as pontas dos dedos se sentem na transição e de ouvir com
curiosidade o formato da transição, por exemplo. Cinestesia, a habilidade de saber
onde seu corpo está no espaço, é um dos elementos-chave para se aprender
como tocar fisicamente seu instrumento.
Escalas
Eu pergunto aos alunos: como vocês normalmente abordam seus estudos e seu
repertório com seu professor? Na maioria das vezes, os alunos irão responder que
têm uma escala, alguns estudos e seu repertório para apresentar.
Eu pergunto aos alunos: qual o objetivo de praticar uma escala? E obtenho
respostas sobre entonação, transições, tom, padrão dos dedos e técnica de
curvatura. Tudo isso é crítico e importante para se adquirir a técnica que finalmente
permite nossa expressividade. Mas eu gostaria de enfatizar a condição sob a qual
o músico explora esses elementos de técnica. Essa condição deveria ser uma de
sintonização sensível e vivacidade.
Em vez de um exercício seco ou mecânico, a escala pode ser uma experiência
total de incorporação física e emocional. É como o nascer do sol, a abertura do
dia. Começar a escala é um tipo de centramento, de descoberta do próprio corpo,
uma prática de respiração, de ser, de sentir a pele em sua mão e o movimento que
a escala traz à tona em seu corpo.
Quantas vezes eu toquei uma escala para me deparar com lugares congelados ou
insensíveis, lugares que eu não sentia em meus braços, minhas pernas, minhas
mãos? Lugares que estavam congelados ou adormecidos e que precisavam ser
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Começar aqui, com sintonização e reconhecimento de seu corpo sensível, irá
ajudar para que a escala, o estudo e o repertório sejam infinitamente fascinantes e
de alguma forma vivos para você. Sem esse tipo de incorporação, essa
consciência sensual, estudantes, sem saber, seguem o caminho perigoso da
prática rotineira que com frequência leva a machucados a longo prazo.
Eu fui requisitada a praticar escalar duas horas por dia, por professores que me
deram bastante orientação sobre como posicionar meus dedos, e como executar
corretamente mudanças do arco.
Mas eu ansiava por um entendimento mais profundamente sensual e filosófico do
que uma escala poderia ser. Meus professores poderiam ter explicado a natureza
filosófica da escala para mim, poderiam ter me despertado para os insights que
poderiam ser aprendidos por se viver todos os dias com escalas.
O elemento de se estar inteiramente desperto para seu próprio corpo enquanto se
faz uma escala é a fundação a partir da qual se inicia o estudo disciplinado. Esse
tipo de prática transforma a escala de uma prática rotineira de exercícios
desincorporados para um total engajamento de um ser por completo com a
produção do som, revelando novas camadas de significado e conexão.
a você que tragam seu ser inteiramente incorporado para todo encontro musical,
inclusive o de tocar escalas.
A história das Sereias em Odisseia é uma metáfora rica, paradoxal, para o que
procuramos, o que encontramos, e os perigos que podem nos acontecer em nossa
jornada musical. A enormidade do repertório, a avassaladora experiência sensual
da música, a vasta quantidade de trabalho requerida para criarmos os sons que
desejamos, tudo isso pode ser esmagador, pode nos deixar com medo de
perdermos a nós mesmos, de sermos engolidos e devorados pelo encantador som
da sereia.
Ate-se ao mastro da incorporação, do aqui e do agora, e seu caminho estará
sempre aberto para o sucesso: O que quer que venha depois, a próxima coisa, o
próximo dia.
Então, eu insisto que sigam adiante na música, com um senso de filosofia e de
incorporação. Eu desejo que vocês possam ser abastecidos de uma forma positiva
pela ansiedade em vez de aprisionados por ela. E eu desejo a vocês muitas
amizades profundas, preenchidas com beleza e com o sublime que a música tem a
oferecer.