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As Palavras:

Um filme sobre livros no qual a


música se destaca
Sérgio Vaz

“As Palavras” é um filme que fala sobre livros – livros, e honestidade. O nome do filme é o
nome de um livro que um dos personagens está lançando, e que, por sua vez, conta a história de
um escritor que está lançando um livro.

Fascinantemente, “As Palavras” não se baseia em um livro, e sim numa história original escrita
para o cinema.

E, na minha opinião, a melhor qualidade desse filme sobre palavras, livros, é a trilha sonora, de
autoria de Marcelo Zarvos.

Leio os parágrafos acima para Mary, aqui ao lado, e ela não concorda: diz que a trilha sonora é,
sim, belíssima, mas que o filme tem muitas outras qualidades.
Não discordo dela neste ponto específico: o filme tem muitas qualidades. Mas, na minha opinião,
a trilha de Marcelo Zarvos é a maior delas.
Dos filmes que vi recentemente, duas trilhas me impressionaram de maneira especial: a
de “W.E. – O Romance do Século”, de Madonna, sobre o romance da americana Wallis Simpson
com o príncipe Edward, depois rei Edward VIII da Grã-Bretanha, e a deste As Palavras.

Da mesma maneira que “W.E.”, da mesma maneira que nove entre dez filmes recentes, “As
Palavras” não tem créditos iniciais. A moda de não haver créditos iniciais pegou de vez, não tem
jeito. E então o pobre coitado do espectador ou bem examina a ficha técnica do filme que vai ver
na internet – e aí corre o risco de ver spoilers absurdos, porque muitas sinopses insistem em
contar coisas sobre a trama que o filme só vai revelar lá pela metade –, ou bem vê o filme sem
saber quem dirigiu, quem são os atores, quem fez a música, quem fez a fotografia.

Exatamente como havia acontecido com W.E., vi “As Palavras” impressionado com a trilha
sonora – e sem saber quem era o raio do compositor. Fiquei imaginando quem poderia ser:
Alexandre Desplat? Rachel Portman? Jan A.P.Kaczmarak? Zbigniew Preisner? Patrick Doyle?
Quem sabe Philip Glass?

Não levava jeito de ser um dos mais manjados compositores americanos, tipo John Williams ou
Hans Zimmer. Parecia mais um europeu – ou um americano próximo do erudito, como Philip
Glass.

O autor da trilha sonora de “W.E.” não era nenhum desses nomes – era de alguém de quem eu
nunca ouvira falar, Abel Korzeniowski, um polonês da Cracóvia.

Quem escreveu a maravilhosa trilha de “As Palavras” – o espectador fica sabendo depois que o
filme termina – é Marcelo Zarvos. Marcelo Uchoa Zarvos, nascido em São Paulo em 1969, um
ano depois que cheguei à cidade da qual não saí mais. Aparentemente, saiu de São Paulo tão
jovem quanto eu cheguei, e radicou-se nos Estados Unidos, onde estudou no Berklee College of
Music.

Sua página pessoal na internet – em inglês, naturalmente – diz que ele é um pianista e
compositor brasileiro que tem escrito para praticamente todos os meios, de dança às salas de
concerto, filmes, televisão e teatro.

Seu verbete no IMDb traz 48 títulos de filmes para os quais compôs a trilha sonora. Entre eles,
estão “Hollywoodland – Bastidores da Fama”, “O Bom Pastor”, um segmento de “Nova York,
Eu Te Amo”, “Atraídos Pelo Crime”, “Sentimento de Culpa”, “Você Não Conhece Jack”, “Um
Novo Despertar”, “Grande Demais para Quebrar”, “Solteiros com Filhos”.

É extraordinário: uma busca no site 50 Anos de Filmes localiza sete filmes com trilha sonora
assinada por Marcelo Zarvos.
E aí pergunto, à toa: quantas reportagens sobre Marcelo Zarvos o eventual leitor já viu nos
jornais e revistas e TV?

Um escritor faz a leitura do início de seu livro para um auditório cheio

A primeira tomada de “As Palavras”, enquanto o espectador ouve a música envolvente,


impressionante, de Marcelo Zarvos, mostra uma mesa organizadíssima em um belo escritório,
em que está um livro de capa dura, grosso, cujo título é absolutamente visível: “The Words”. Um
homem chega perto da mesa, em plano americano. Não vemos seu rosto. Está de terno, gravata.
Recolhe as poucas coisas que havia sobre a mesa – uma caderneta com algumas fichas anotadas,
um chaveiro, uma caneta, o livro. Guarda aqueles objetos no paletó, nos bolsos da calça. Fecha o
paletó, abotoa. Alisa o paletó cuidadosamente, e pega o livro. Corta, e na tomada seguinte vemos
que o personagem é interpretado por Dennis Quaid. Ele se olha no espelho, dá mais um
acertozinho na gravata.

A tomada ainda é esta – Dennis Quaid se olhando no espelho -, mas já ouvimos palmas. O
diretor do filme, seja ele quem for, porque o espectador só saberá seu nome nos créditos finais,
daí a 95 minutos, usa aquele recurso espertinho, aquele suave fogo de artifício, de colocar numa
tomada anterior o som de ação que só irá acontecer na tomada seguinte.

“As Palavras” foi escrito e dirigido por uma dupla, Brian Klugman e Lee Sternthal. É o primeiro
longa-metragem dirigido por cada um deles. Os dois são também os autores do roteiro original
deste filme sobre palavras, escrito diretamente para o cinema, e não para as páginas de um livro.

Corta. Plano geral do momento seguinte: vemos Dennis Quaid de costas, diante de um auditório
de bom tamanho, lotado. As palmas que se insinuaram no plano anterior continuam, é claro –
agora é que é a hora delas.
Corta. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima,
diante de dois microfones e uma pequena bancada.

Corta. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima,
diante de dois microfones e uma pequena bancada.

– “As Palavras”, de minha autoria.

Risadas na platéia.

– “Parte Um.”

A câmara faz um suave zoom em direção ao rosto de Dennis Quaid.

– “O velho estava de pé na chuva”, diz Dennis Quaid, pronunciando vagarosamente cada sílaba.

A música de Marcelo Zarvos sobe – e vemos o que o livro que o autor começa a ler relata. Uma
rua, a chuva, a porta de um hotel elegante. A voz de Dennis Quaid, lendo as palavras que o
personagem que ele interpreta, o escritor Clay Hammond, havia escrito, agora se sobrepõe às
imagens que mostram a história que seu livro começa a contar.

– “Ficou observando Rory e Dora Jensen dirigirem-se à limousine. De alguma forma, parecia
que os pingos da chuva não o atingiam.”

É uma maravilhosa tomada, enquanto ouvimos Dennis Quaid-Clay Hammond com a voz agora
em off: debaixo da chuva, a câmara faz um zoom da rua para a calçada, a entrada do hotel;
vemos os personagens Roy Jensen e sua mulher Dora entrando na imensa limousine; o zoom
continua, por sobre a limusine, o porteiro do hotel que acompanhou o casal até o carro já se foi, e
então a câmara se aproxima do velho, com uma capa cáqui, chapéu cinza. Corta, e o velho está
entrando em um pequeno quarto de hotel. Anda encurvado, sob o peso da idade. A música de
Marcelo Zarvos domina a cena. O velho toma água da pia, a porta do pequeno armário aberta
mostrando remédios. Ele fecha a porta do armário, vemos o rosto do velho refletido no espelho:
é Jeremy Irons.

Jeremy Irons aparece fortemente maquiado para parecer bem mais velho

Jeremy Irons estava com apenas 64 anos quando o filme foi lançado, em 2012. Ele é de 1948, só
dois anos mais velho do que eu. Em “As Palavras”, aparece duramente maquiado para parecer
muito, muito mais velho do que 64 anos. Se fizermos as contas, o personagem de Jeremy Irons –
que não tem nome, é apenas O Velho – teria que ter nascido em torno de 1926. Se o filme se
passa na época atual, na época em que foi feito, O Velho estaria então com uns 86 anos.
Corta. Da tomada do velho diante do espelho, passamos para a limousine que transporta Rory e
Dora Jansen (interpretados por Bradley Cooper e Zoë Saldana) para a cerimônia em que um
prestigiadíssimo prêmio literário será entregue a Rory por seu livro de estreia, “As Lágrimas da
Janela”.

Uma mulher belíssima se aproxima do escritor no intervalo da leitura

Então, recapitulando: “As Palavras” conta a história de Clay Hammond, um escritor de sucesso
que acaba de lançar um novo livro, chamado As Palavras, que por sua vez conta a história de um
escritor, Rory Jansen, que acaba de lançar seu primeiro livro, As Lágrimas da Janela, que foi de
imediato um tremendo sucesso de público e crítica. No livro de Clay Hammond, fala-se de cara
de uma figura de um Velho – estranho? sinistro? misterioso? todas as alternativas anteriores –
que é assim uma espécie de fantasma, de assombração, que está de olho no autor do livro dentro
do livro.

Neste ponto, estamos com menos de cinco minutos de filme.

Para não dar spoiler, não vou adiantar mais nada da trama do filme que conta a história de um
livro dentro de outro livro – a não ser que, quando Clay Hammond termina de ler a Parte Um de
seu livro As Palavras, uma bela mulher entra na história. Ela chega à leitura do livro pelo autor
depois que esta havia começado. E, de alguma maneira, consegue chegar à festa nos bastidores e
se aproximar de Clay Hammond. Chama-se, veremos quando a narrativa já está bem adiantada,
Daniella, e é interpretada por Olivia Wilde, essa jovem belíssima que parece ter chegado com
tudo.

Wilde, como Oscar. Como se já não bastassem todos os livros dentro de livros, toda a
metalinguagem.

Depois do intervalo, Clay Hammond volta ao auditório, e lê para a audiência a Parte Dois de seu
livro.

Por que raios as pessoas pagam para ouvir um autor lendo seu livro?

Me peguei pensando: mas isso de fato ocorre, nos Estados Unidos – leituras de uma obra pelo
próprio autor? Centenas de pessoas pagam por uma cadeira em um auditório para ouvir o autor
lendo seu próprio livro? Mas por que raios essas pessoas não vão simplesmente a uma livraria,
compram o livro e o leem em casa?

Bem, talvez seja assim que as coisas aconteçam em Manhattan. Pode perfeitamente ser assim.
Não tenho a mínima ideia de como as coisas acontecem naquela ilhota que é o umbigo do
mundo, o umbigo do capitalismo, o umbigo do umbigo.
Mas, em nome da lógica, me pergunto: faz sentido um autor ler, num auditório, dois terços de
um livraço que parece ter umas 600 páginas, para um público pagante e aparentemente
fascinado?

Três interpretações marcantes, belíssimas, dos atores principais

Em “As Palavras”, o filme, me deixaram impressionado as interpretações de Bradley Cooper,


Dennis Quaid e Jeremy Irons. Na minha opinião, são a melhor coisa do filme, depois da
extraordinária trilha sonora de Marcelo Zarvos.

Jeremy Irons é um ator soberbo, dos melhores que há, tenham eles 5 ou 90 anos. Um pequeno
gesto, um simples olhar de Jeremy Irons é capaz de transmitir mais emoções do que duas dúzias
de novelas da TV Globo. Me pareceu que Jeremy Irons optou, ao interpretar O Velho, por
alternar dois tipos de atuação: uma suave, contida – nas cenas em que não fala – e outra
suavemente exagerada – nas cenas em que O Velho conta sua história. Quando está overacting,
cigarro nas mãos, na boca, parece estar brincando de exagerar. Fala em inglês americano, ele,
inglesérrimo da Ilha de Wight. Jeremy Irons saberia fazer qualquer sotaque do mundo –
exatamente como Meryl Streep, um ano mais nova que ele, que contracenou com ele em A
Mulher do Tenente Francês. Mas tudo bem, eu posso estar enganado sobre os sotaques.

Dennis Quaid também me pareceu estar uma ou duas oitavas acima do tom. Me pareceu estar
representando um personagem. Mas isso é perfeito, porque seu personagem, afinal de contas, é
um escritor de sucesso, e os escritores de sucesso e ego gigantesco costumam ser atores que
interpretam tipos.

A melhor interpretação do filme, me pareceu, é a de Bradley Cooper, esse jovem ator tão bem
dotado, inclusive de fina estampa. Bradley Cooper me pareceu terrivelmente real no papel do
escritor tomado por angústia, dúvida, amargura. Não vi ainda O Lado Bom da Vida, o filme pelo
qual ele foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas o fato é que sua interpretação como o pobre
Rory Jansen me parece merecedora de tudo quanto é prêmio.

É um filme extremamente bem realizado. Mas não cheguei a gostar dele

Então, considerações finais.

“As Palavras” é um filme extremamente bem realizado. Aborda tema importante, fundamental: a
honestidade. Tem ótimos atores, ótimas interpretações. Tem um detalhinho que adoro – o casal
inter-racial, essa coisa que por lei foi proibida em diversos Estados americanos até meados dos
anos 1960.

Se houvesse mais mestiços no mundo, se fôssemos todos mestiços, talvez houvesse menos
guerras, tumultos, cotas, pentelhações, palhaçadas, spikelees.
Tem uma trilha sonora extraordinária.

Mas…

Sei lá. Por algum motivo, não me envolvi muito com o filme. Achei bom, mas não cheguei a
gostar muito dele.

É um filme que trata de honestidade, e de alguma maneira ele me deixou uma sensação de
falsidade.

Talvez as histórias do livro dentro do livro sejam menos interessantes do que deveriam ser.

Talvez a coisa do imenso sucesso de um livro novo – que não conta uma história nada especial –
tenha me incomodado.

Talvez toda essa coisa de escritor que persegue o sonho de ser o novo Grande e Definitivo Autor
Americano me canse um pouco

Mas o fato é que Brian Klugman e Lee Sternthal têm talento. Têm garra, e vontade de fazer
direito. Que façam mais filmes.

Um P.S.

Foi só depois que postei a anotação acima que li a crítica de Jason Buchanan no AllMovie. Gosto
muito dos textos dele, e a critica sobre este “As Palavras” é especialmente boa, séria, profunda.

Quando fiz minha anotação, propositadamente não quis revelar nada do que acontece na trama a
partir dos primeiros minutos. Tenho tido muito cuidado em evitar spoilers, e a trama de As
Palavras é muito interessante, bem engendrada. Ao não revelar praticamente nada da história, no
entanto, meu texto acabou ficando fraco, capenga, porque não aborda o tema principal do filme,
a questão da honestidade.

Paciência. Foi o jeito que achei melhor para preservar os eventuais leitores de spoilers.
As Palavras
Drama / Mistério / Romance. EUA. 2012. De Brian Klugman e Lee Sternthal. Com Bradley
Cooper (Rory Jansen), Jeremy Irons (O Velho), Dennis Quaid (Clay Hammond), Olivia Wilde
(Daniella), Zoë Saldana (Dora Jansen), Ben Barnes (o jovem), Nora Arnezeder (Celia), John
Hannah (Richard Ford), Michael McKean (Nelson Wylie), J.K. Simmons (Mr. Jansen).
96 minutos.
O filme integra o acervo da Vídeo Paradiso.
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Sérgio Vaz
“As Palavras” é um filme que fala sobre livros – livros, e honestidade. O nome do filme é o
nome de um livro que um dos personagens está lançando, e que, por sua vez, conta a história de
um escritor que está lançando um livro.

Fascinantemente, “As Palavras” não se baseia em um livro, e sim numa história original escrita
para o cinema.

E, na minha opinião, a melhor qualidade desse filme sobre palavras, livros, é a trilha sonora, de
autoria de Marcelo Zarvos.

Leio os parágrafos acima para Mary, aqui ao lado, e ela não concorda: diz que a trilha sonora é,
sim, belíssima, mas que o filme tem muitas outras qualidades.

Não discordo dela neste ponto específico: o filme tem muitas qualidades. Mas, na minha opinião,
a trilha de Marcelo Zarvos é a maior delas.
Dos filmes que vi recentemente, duas trilhas me impressionaram de maneira especial: a
de “W.E. – O Romance do Século”, de Madonna, sobre o romance da americana Wallis Simpson
com o príncipe Edward, depois rei Edward VIII da Grã-Bretanha, e a deste As Palavras.

Da mesma maneira que “W.E.”, da mesma maneira que nove entre dez filmes recentes, “As
Palavras” não tem créditos iniciais. A moda de não haver créditos iniciais pegou de vez, não tem
jeito. E então o pobre coitado do espectador ou bem examina a ficha técnica do filme que vai ver
na internet – e aí corre o risco de ver spoilers absurdos, porque muitas sinopses insistem em
contar coisas sobre a trama que o filme só vai revelar lá pela metade –, ou bem vê o filme sem
saber quem dirigiu, quem são os atores, quem fez a música, quem fez a fotografia.

Exatamente como havia acontecido com W.E., vi “As Palavras” impressionado com a trilha
sonora – e sem saber quem era o raio do compositor. Fiquei imaginando quem poderia ser:
Alexandre Desplat? Rachel Portman? Jan A.P.Kaczmarak? Zbigniew Preisner? Patrick Doyle?
Quem sabe Philip Glass?

Não levava jeito de ser um dos mais manjados compositores americanos, tipo John Williams ou
Hans Zimmer. Parecia mais um europeu – ou um americano próximo do erudito, como Philip
Glass.

O autor da trilha sonora de “W.E.” não era nenhum desses nomes – era de alguém de quem eu
nunca ouvira falar, Abel Korzeniowski, um polonês da Cracóvia.

Quem escreveu a maravilhosa trilha de “As Palavras” – o espectador fica sabendo depois que o
filme termina – é Marcelo Zarvos. Marcelo Uchoa Zarvos, nascido em São Paulo em 1969, um
ano depois que cheguei à cidade da qual não saí mais. Aparentemente, saiu de São Paulo tão
jovem quanto eu cheguei, e radicou-se nos Estados Unidos, onde estudou no Berklee College of
Music.

Sua página pessoal na internet – em inglês, naturalmente – diz que ele é um pianista e
compositor brasileiro que tem escrito para praticamente todos os meios, de dança às salas de
concerto, filmes, televisão e teatro.

Seu verbete no IMDb traz 48 títulos de filmes para os quais compôs a trilha sonora. Entre eles,
estão “Hollywoodland – Bastidores da Fama”, “O Bom Pastor”, um segmento de “Nova York,
Eu Te Amo”, “Atraídos Pelo Crime”, “Sentimento de Culpa”, “Você Não Conhece Jack”, “Um
Novo Despertar”, “Grande Demais para Quebrar”, “Solteiros com Filhos”.

É extraordinário: uma busca no site 50 Anos de Filmes localiza sete filmes com trilha sonora
assinada por Marcelo Zarvos.

E aí pergunto, à toa: quantas reportagens sobre Marcelo Zarvos o eventual leitor já viu nos
jornais e revistas e TV?
Um escritor faz a leitura do início de seu livro para um auditório cheio

A primeira tomada de “As Palavras”, enquanto o espectador ouve a música envolvente,


impressionante, de Marcelo Zarvos, mostra uma mesa organizadíssima em um belo escritório,
em que está um livro de capa dura, grosso, cujo título é absolutamente visível: “The Words”. Um
homem chega perto da mesa, em plano americano. Não vemos seu rosto. Está de terno, gravata.
Recolhe as poucas coisas que havia sobre a mesa – uma caderneta com algumas fichas anotadas,
um chaveiro, uma caneta, o livro. Guarda aqueles objetos no paletó, nos bolsos da calça. Fecha o
paletó, abotoa. Alisa o paletó cuidadosamente, e pega o livro. Corta, e na tomada seguinte vemos
que o personagem é interpretado por Dennis Quaid. Ele se olha no espelho, dá mais um
acertozinho na gravata.

A tomada ainda é esta – Dennis Quaid se olhando no espelho -, mas já ouvimos palmas. O
diretor do filme, seja ele quem for, porque o espectador só saberá seu nome nos créditos finais,
daí a 95 minutos, usa aquele recurso espertinho, aquele suave fogo de artifício, de colocar numa
tomada anterior o som de ação que só irá acontecer na tomada seguinte.

“As Palavras” foi escrito e dirigido por uma dupla, Brian Klugman e Lee Sternthal. É o primeiro
longa-metragem dirigido por cada um deles. Os dois são também os autores do roteiro original
deste filme sobre palavras, escrito diretamente para o cinema, e não para as páginas de um livro.

Corta. Plano geral do momento seguinte: vemos Dennis Quaid de costas, diante de um auditório
de bom tamanho, lotado. As palmas que se insinuaram no plano anterior continuam, é claro –
agora é que é a hora delas.

Corta. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima,
diante de dois microfones e uma pequena bancada.
Corta. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima,
diante de dois microfones e uma pequena bancada.

– “As Palavras”, de minha autoria.

Risadas na platéia.

– “Parte Um.”

A câmara faz um suave zoom em direção ao rosto de Dennis Quaid.

– “O velho estava de pé na chuva”, diz Dennis Quaid, pronunciando vagarosamente cada sílaba.

A música de Marcelo Zarvos sobe – e vemos o que o livro que o autor começa a ler relata. Uma
rua, a chuva, a porta de um hotel elegante. A voz de Dennis Quaid, lendo as palavras que o
personagem que ele interpreta, o escritor Clay Hammond, havia escrito, agora se sobrepõe às
imagens que mostram a história que seu livro começa a contar.

– “Ficou observando Rory e Dora Jensen dirigirem-se à limousine. De alguma forma, parecia
que os pingos da chuva não o atingiam.”

É uma maravilhosa tomada, enquanto ouvimos Dennis Quaid-Clay Hammond com a voz agora
em off: debaixo da chuva, a câmara faz um zoom da rua para a calçada, a entrada do hotel;
vemos os personagens Roy Jensen e sua mulher Dora entrando na imensa limousine; o zoom
continua, por sobre a limusine, o porteiro do hotel que acompanhou o casal até o carro já se foi, e
então a câmara se aproxima do velho, com uma capa cáqui, chapéu cinza. Corta, e o velho está
entrando em um pequeno quarto de hotel. Anda encurvado, sob o peso da idade. A música de
Marcelo Zarvos domina a cena. O velho toma água da pia, a porta do pequeno armário aberta
mostrando remédios. Ele fecha a porta do armário, vemos o rosto do velho refletido no espelho:
é Jeremy Irons.

Jeremy Irons aparece fortemente maquiado para parecer bem mais velho

Jeremy Irons estava com apenas 64 anos quando o filme foi lançado, em 2012. Ele é de 1948, só
dois anos mais velho do que eu. Em “As Palavras”, aparece duramente maquiado para parecer
muito, muito mais velho do que 64 anos. Se fizermos as contas, o personagem de Jeremy Irons –
que não tem nome, é apenas O Velho – teria que ter nascido em torno de 1926. Se o filme se
passa na época atual, na época em que foi feito, O Velho estaria então com uns 86 anos.

Corta. Da tomada do velho diante do espelho, passamos para a limousine que transporta Rory e
Dora Jansen (interpretados por Bradley Cooper e Zoë Saldana) para a cerimônia em que um
prestigiadíssimo prêmio literário será entregue a Rory por seu livro de estreia, “As Lágrimas da
Janela”.
Uma mulher belíssima se aproxima do escritor no intervalo da leitura

Então, recapitulando: “As Palavras” conta a história de Clay Hammond, um escritor de sucesso
que acaba de lançar um novo livro, chamado As Palavras, que por sua vez conta a história de um
escritor, Rory Jansen, que acaba de lançar seu primeiro livro, As Lágrimas da Janela, que foi de
imediato um tremendo sucesso de público e crítica. No livro de Clay Hammond, fala-se de cara
de uma figura de um Velho – estranho? sinistro? misterioso? todas as alternativas anteriores –
que é assim uma espécie de fantasma, de assombração, que está de olho no autor do livro dentro
do livro.

Neste ponto, estamos com menos de cinco minutos de filme.

Para não dar spoiler, não vou adiantar mais nada da trama do filme que conta a história de um
livro dentro de outro livro – a não ser que, quando Clay Hammond termina de ler a Parte Um de
seu livro As Palavras, uma bela mulher entra na história. Ela chega à leitura do livro pelo autor
depois que esta havia começado. E, de alguma maneira, consegue chegar à festa nos bastidores e
se aproximar de Clay Hammond. Chama-se, veremos quando a narrativa já está bem adiantada,
Daniella, e é interpretada por Olivia Wilde, essa jovem belíssima que parece ter chegado com
tudo.

Wilde, como Oscar. Como se já não bastassem todos os livros dentro de livros, toda a
metalinguagem.

Depois do intervalo, Clay Hammond volta ao auditório, e lê para a audiência a Parte Dois de seu
livro.

Por que raios as pessoas pagam para ouvir um autor lendo seu livro?

Me peguei pensando: mas isso de fato ocorre, nos Estados Unidos – leituras de uma obra pelo
próprio autor? Centenas de pessoas pagam por uma cadeira em um auditório para ouvir o autor
lendo seu próprio livro? Mas por que raios essas pessoas não vão simplesmente a uma livraria,
compram o livro e o leem em casa?

Bem, talvez seja assim que as coisas aconteçam em Manhattan. Pode perfeitamente ser assim.
Não tenho a mínima ideia de como as coisas acontecem naquela ilhota que é o umbigo do
mundo, o umbigo do capitalismo, o umbigo do umbigo.

Mas, em nome da lógica, me pergunto: faz sentido um autor ler, num auditório, dois terços de
um livraço que parece ter umas 600 páginas, para um público pagante e aparentemente
fascinado?

Três interpretações marcantes, belíssimas, dos atores principais


Em “As Palavras”, o filme, me deixaram impressionado as interpretações de Bradley Cooper,
Dennis Quaid e Jeremy Irons. Na minha opinião, são a melhor coisa do filme, depois da
extraordinária trilha sonora de Marcelo Zarvos.

Jeremy Irons é um ator soberbo, dos melhores que há, tenham eles 5 ou 90 anos. Um pequeno
gesto, um simples olhar de Jeremy Irons é capaz de transmitir mais emoções do que duas dúzias
de novelas da TV Globo. Me pareceu que Jeremy Irons optou, ao interpretar O Velho, por
alternar dois tipos de atuação: uma suave, contida – nas cenas em que não fala – e outra
suavemente exagerada – nas cenas em que O Velho conta sua história. Quando está overacting,
cigarro nas mãos, na boca, parece estar brincando de exagerar. Fala em inglês americano, ele,
inglesérrimo da Ilha de Wight. Jeremy Irons saberia fazer qualquer sotaque do mundo –
exatamente como Meryl Streep, um ano mais nova que ele, que contracenou com ele em A
Mulher do Tenente Francês. Mas tudo bem, eu posso estar enganado sobre os sotaques.

Dennis Quaid também me pareceu estar uma ou duas oitavas acima do tom. Me pareceu estar
representando um personagem. Mas isso é perfeito, porque seu personagem, afinal de contas, é
um escritor de sucesso, e os escritores de sucesso e ego gigantesco costumam ser atores que
interpretam tipos.

A melhor interpretação do filme, me pareceu, é a de Bradley Cooper, esse jovem ator tão bem
dotado, inclusive de fina estampa. Bradley Cooper me pareceu terrivelmente real no papel do
escritor tomado por angústia, dúvida, amargura. Não vi ainda O Lado Bom da Vida, o filme pelo
qual ele foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas o fato é que sua interpretação como o pobre
Rory Jansen me parece merecedora de tudo quanto é prêmio.

É um filme extremamente bem realizado. Mas não cheguei a gostar dele

Então, considerações finais.

“As Palavras” é um filme extremamente bem realizado. Aborda tema importante, fundamental: a
honestidade. Tem ótimos atores, ótimas interpretações. Tem um detalhinho que adoro – o casal
inter-racial, essa coisa que por lei foi proibida em diversos Estados americanos até meados dos
anos 1960.

Se houvesse mais mestiços no mundo, se fôssemos todos mestiços, talvez houvesse menos
guerras, tumultos, cotas, pentelhações, palhaçadas, spikelees.

Tem uma trilha sonora extraordinária.

Mas…

Sei lá. Por algum motivo, não me envolvi muito com o filme. Achei bom, mas não cheguei a
gostar muito dele.
É um filme que trata de honestidade, e de alguma maneira ele me deixou uma sensação de
falsidade.

Talvez as histórias do livro dentro do livro sejam menos interessantes do que deveriam ser.

Talvez a coisa do imenso sucesso de um livro novo – que não conta uma história nada especial –
tenha me incomodado.

Talvez toda essa coisa de escritor que persegue o sonho de ser o novo Grande e Definitivo Autor
Americano me canse um pouco

Mas o fato é que Brian Klugman e Lee Sternthal têm talento. Têm garra, e vontade de fazer
direito. Que façam mais filmes.

Um P.S.

Foi só depois que postei a anotação acima que li a crítica de Jason Buchanan no AllMovie. Gosto
muito dos textos dele, e a critica sobre este “As Palavras” é especialmente boa, séria, profunda.

Quando fiz minha anotação, propositadamente não quis revelar nada do que acontece na trama a
partir dos primeiros minutos. Tenho tido muito cuidado em evitar spoilers, e a trama de As
Palavras é muito interessante, bem engendrada. Ao não revelar praticamente nada da história, no
entanto, meu texto acabou ficando fraco, capenga, porque não aborda o tema principal do filme,
a questão da honestidade.

Paciência. Foi o jeito que achei melhor para preservar os eventuais leitores de spoilers.

As Palavras
Drama / Mistério / Romance. EUA. 2012. De Brian Klugman e Lee Sternthal. Com Bradley
Cooper (Rory Jansen), Jeremy Irons (O Velho), Dennis Quaid (Clay Hammond), Olivia Wilde
(Daniella), Zoë Saldana (Dora Jansen), Ben Barnes (o jovem), Nora Arnezeder (Celia), John
Hannah (Richard Ford), Michael McKean (Nelson Wylie), J.K. Simmons (Mr. Jansen).
96 minutos.
O filme integra o acervo da Vídeo Paradiso.
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