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A ARTE DA CATIRA

Negócios e reprodução familiar


de sitiantes mineiros
Eduardo Magalhães Ribeiro
Flávia Maria Galizoni

Catiras cavalos para fazer a barganha diante dos olhos


dos moradores do arraial e mostrar que era, real-
Ao final do século XIX, Karl Kautsky mente, especial na arte da catira.1
escrevia que raros profissionais conheciam o Como esses, existem centenas de exemplos
comércio tão bem quanto os camponeses. Eles do conhecimento que sitiantes têm dos mercados
acompanhavam as flutuações dos muitos merca- e de como sabem fazer valer seus trunfos quando
dos em que entravam com sua produção diversi- podem ganhar num negócio. Esse pequeno movi-
ficada, e a negociação com tantos vendedores e mento de trocas, regido por normas próprias e
compradores gerava um conhecimento preciso, pouco articulado aos mercados nacionais, é vital
que dificilmente seria igualado por grandes pro- para gerar, conservar e ampliar sua renda. A lógi-
dutores ou especialistas em comércio. ca peculiar desses negócios explica atitudes que
Na literatura, João Guimarães Rosa escreveu desconcertam técnicos e pesquisadores: para que
quase o mesmo no conto Corpo fechado, em que recriar bezerros se a Cooperativa compra somente
narrava as aventuras de Manuel Fulô que, por vin- o leite? Para que criar porcos se não há produção
gança, negociara com uns ciganos dois cavalos de milho? Por que gastar em bens duráveis de
imprestáveis como se fossem animais da melhor consumo o apurado na migração? Essas atitudes
qualidade. Ele engordou, ensaiou e enfeitou os
fazem parte de estratégias bem concertadas, leva-
das a cabo no correr de anos, às vezes para
Artigo recebido em dezembro/2005 apoiar a colocação profissional do filho, para
Aprovado em março/2007 ampliar o terreno familiar, para liberar a esposa

RBCS Vol. 22 nº. 64 junho/2007


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de parte do trabalho doméstico e acrescentar uma entrevistas trataram de produção, terra, produtivi-
trabalhadora parcial à lavoura. dade do rebanho, família e geração de renda.
O objetivo deste artigo é investigar a lógica e Outra parte das informações veio de entre-
o propósito dessas trocas, denominadas catiras em vistas com quarenta produtores atingidos pela
quase todo o estado de Minas Gerais. Analisa-se expropriação dos 60 mil hectares, para a implan-
por que são tão recorrentes esses negócios garan- tação do Programa de Assentamento Dirigido do
tidos por relações de confiança, em que são Alto Paranaíba – Padap, que até os anos de 1990
investidas as beiradas, que criam, aos poucos, os foi a estrela do agronegócio no cerrado. Sitiantes
patrimônios materiais e simbólicos desses sitiantes. das terras desconsertadas – a topografia aciden-
tada das vertentes dos chapadões – explicaram
como remontaram seus sistemas de produção
Trocas e estratégias depois do estabelecimento do Padap para se
reproduzir à margem da integração agroindustri-
O tema da catira surgiu de maneira periféri- al que se constituíra em norma cultural.
ca em diversas pesquisas de campo entre 1985 e A terceira fonte importante de dados foi cria-
2004. Entrevistados abordavam o assunto entre da na pesquisa com quinze sitiantes, plantadores
risadas e evasivas, insistiam em reduzir sua im- de café, feijão e criadores de gado, das ladeiras
portância e regularidade, referiam-se aos negó- esconsas da Zona da Mata mineira. Neste caso, os
cios como tradição, e a sua ritualidade ocultava os pesquisadores permaneceram doze meses na
interesses materiais. Mas a freqüência com que o comunidade camponesa, registrando histórias e
tema aparecia nas pesquisas e na prática dos estratégias que surgem no encontro produtivo dos
entrevistados impôs sua relevância. A idéia deste homens com a terra.
artigo surgiu com a refocalização de cadernos de Mais tarde, outras pesquisas agregaram
campo e a releitura de subtextos de autores con- dados a essas fontes originais e, com mais algu-
solidados, que revelaram a importância dessas ma observação participante, a catira pôde
pequenas trocas que ocupam muito do cotidiano começar a ser pensada como uma prática que
de sitiantes. Este estudo partiu, assim, de pes- ocupava um lugar definido, tornando-se objeto
quisas realizadas com outros propósitos em áreas de consulta em textos que foram relidos para
rurais do Norte, Noroeste, Sudoeste, e, particular- conformar um marco teórico, impreciso ainda,
mente, Zona da Mata (municípios de Espera Feliz, que se situa na fronteira difusa entre antropolo-
Muriaé e, sobretudo, Miradouro), Alto Paranaíba gia, sociologia e economia rural.
(municípios de Rio Paranaíba, Campos Altos e A base bibliográfica deste artigo, então, veio
São Gotardo), Mucuri e Oeste de Minas Gerais de uma observação já clássica de Schultz (1965)
(municípios de Araújos, Moema e, principal- sobre o tradicionalismo rural. O autor criticava a
mente, Bom Despacho). Tudo indica que nessas identificação, freqüente e insensata, entre pobreza
regiões de pecuária leiteira mais ativa existem e irracionalidade: a pobreza, escreveu, não levaria
mais catiras ou, pelo menos, são encontrados o agricultor a organizar sua unidade de produção
mais especialistas no assunto. de forma irracional; pelo contrário, a ameaça da
Nos cerrados do Oeste mineiro, no Alto São escassez estimula a gestão criteriosa dos parcos
Francisco, foram pesquisados oitenta produtores bens e recursos, inclusive um planejamento rigo-
integrados à Cooperativa Agropecuária de Bom roso e de longo prazo que tenderia a ser eficiente
Despacho, que respondeu na década de 1990 no horizonte de possibilidades postos à sua dis-
pela maior produção leiteira do estado. Nessa posição.
região havia uma grande fragmentação das uni- Essa lição de Schultz indica que é vital com-
dades de produção – com média de 28 hectares, preender a lógica dessas sociedades rurais. Foi se-
variando entre 12 e 97 hectares –, a produção leit- guindo essa sugestão que tantos autores con-
eira distribuía-se harmonicamente entre os grupos seguiram explicar a dinâmica própria e as relações
de áreas, incluindo as glebas menores, e o trabal- específicas que parte do meio rural mantém com
ho familiar dominava em todas as explorações. As a sociedade inclusiva, pois a ação econômica dos
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agricultores tradicionais – ressalvada a ambigüi- lógica das relações tradicionais pode se articular
dade do conceito – tem por propósito reproduzir aos mercados, como mostrou Maria Sylvia de Car-
família e terra; ela ordena recursos culturais, hu- valho Franco (1974). Investigando o comércio de
manos, materiais e naturais num conjunto de café no século XIX paulista, a autora observou
ações coerentes, denominadas estratégias de que o dinamismo do negócio se devia aos laços
reprodução, que compreendem desde a inserção pessoais que uniam fazendeiros e comissários de
nas companhias integradoras (Santos, 1978; Lo- café. As relações sociais de proximidade – que
visolo, 1989) até o planejamento do consumo autorizavam ao comissário vender café sem con-
familiar (Heredia, 1979; Brandão, 1981); desde o sultar o produtor, e davam ao produtor o crédito
ciclo emigratório para formar patrimônio (Garcia para sacar dinheiro sem ter colhido o café –
Jr., 1989; Woortmann, 1990) até o uso regulado agilizavam os negócios. A confiança cimentava as
dos recursos naturais (Almeida, 1988; Godoy, relações econômicas e lastreava a circulação de
1998); e, ainda, a exclusão planejada de herdeiros mercadorias.
(Moura, 1978; Galizoni, 2002) ou a incorporação Confiança e reciprocidade são a base dos
das atividades não-agrícolas (Amaral, 1988; Sch- negócios nas sociedades tradicionais, o que ga-
neider, 2001). Sempre, porém, serão estratégias rante o acesso ao crédito (Santos Filho, 1957), à
marcadas pela junção de fatores disponíveis, terra (Martins, 1981) e à rede de trocas (Garcia,
recombinando recursos que seriam inúteis noutras 1984). A importância dos mercados é mediada
sociedades rurais.2 pela ética camponesa (Woortmann, 1987), e os
Assim, é possível perceber que esses agricul- negócios são animados por relações de proximi-
tores não mantêm apenas uma relação passiva dade (Abramovay, 2004).
com os mercados. Pelo contrário, produzem con- Nessas comunidades rurais há pouca circu-
stantemente minúsculas estratégias de convívio, lação monetária e nem sempre os bens são troca-
que variam de acordo com situações, regiões, dos por dinheiro; mais freqüentemente, as trocas
condições de acesso aos recursos, cultura e eco- se baseiam em animais, bens de valor estável e
nomias locais. Recursos, conhecimentos e opor- aceitação generalizada. Os animais constituem,
tunidades definem um conjunto particular de al- portanto, o mealheiro, base do acúmulo e do
ternativas, a partir das quais são construídos os pecúlio familiar.3
arranjos específicos de negócios que cada cole- A literatura a esse respeito revela que as
tividade efetivamente pode executar. estratégias são formuladas para garantir a repro-
As possibilidades que conformam os arran- dução e, secundariamente, a ampliação do pa-
jos são, ao mesmo tempo, singulares e plurais, e trimônio; mostra também que, com base na con-
as estratégias econômicas emergem de um mes- fiança e na reciprocidade, são as circunstâncias
mo conjunto de variáveis combinadas de maneira que constroem moedas e mercados específicos.
muito diversas. Assim, fluxos de renda podem Assim, é possível compreender as catiras: pau-
surgir de migração sazonal, integração agroindus- tadas por cálculos de longo prazo, cimentadas
trial, pluriatividade, programas públicos, feiras por relações sociais costumeiras, mediadas por
locais ou pequenos negócios, mas sitiantes de um um pecúlio vivo, formam um conjunto miúdo e
lugar tendem a privilegiar mais algumas ativi- contínuo de trocas de bens de pequeno valor que
dades do que outras. As escolhas são balizadas influem decisivamente no comércio de regiões
por circunstâncias, conhecimentos e recursos – rurais e, portanto, na sua dinâmica.
materiais, naturais, sociais e simbólicos –, que se
combinam de maneiras diferentes para criar situ-
ações novas que reproduzem, renovadamente, os Os negócios
mesmos sujeitos.
Porém, comércio, dinheiro e liquidez ocu- Na economia dos sitiantes de Minas Gerais,
pam um lugar central nessas estratégias, mesmo não é somente a produção agropecuária que
quando os mercados estão em posição secundária amplia o patrimônio familiar, ou pode-se afirmar
na hierarquia de valores da sociedade rural. A que isso raramente ocorre. Por uma série de
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razões – exclusão setorial política e econômica, 1. Bens de uso generalizado e negociação fácil,
canais precários de circulação mercantil, condição como utensílios domésticos, eletrônicos e
subordinada na negociação –, a produção garante automóveis.
o sustento, mas não a ampliação da riqueza. A 2. Animais de valor, como porcos, cavalos ou
lavoura de mantimentos e/ou a integração agroin- vacas.
dustrial asseguram os alimentos; a produção de
café e/ou a integração agroindustrial pagam as 3. Partes da herança partilhada pelos pais: lotes
contas corriqueiras da família – roupas, remédios, de cunhados de um dos esposos, ou, quan-
energia etc. –, mas a expansão do patrimônio do isto não é possível, terrenos urbanos.
familiar vem de atividades que estão à margem da 4. Terrenos rurais de não-membros da família.5
produção agropecuária regular.
Na Zona da Mata, os pagamentos feitos pela
Os meios usados para alcançar tais metas
indústria garantem a mantença e o custeio dos in-
variam, mas sempre incluirão o trabalho –
tegrados da avicultura, mas seu ganhame é gera-
migração sazonal, pluriatividade e parceria, que
do no comércio de subprodutos, cama-de-frango
produzem rendas fora da produção agrícola da
e leite. Os sitiantes dessa região e, também, do
unidade familiar –, os repasses – como aposenta-
Sul de Minas Gerais produzem mantimentos,
dorias e bolsas, que produzem rendas indepen-
pagam as contas com a venda de café, mas acu-
dentemente do esforço familiar – e, finalmente, os
mulam bens com o pequeno comércio. Nos sítios negócios – que no decorrer do tempo transfor-
do Alto Paranaíba, o pecúlio forma-se em perío- mam em patrimônio os subprodutos e os bens
dos de trabalho temporário em fazendas ou com periféricos amealhados. A reprodução pode ser
parcerias em lavouras. No Norte e Nordeste, ampliada pela terra, por criame de gado ou pelas
amealha-se com a migração sazonal; no Sudoeste relações de trabalho, quando, por exemplo, a
e parte do Oeste, mais integrados, os sitiantes parceria gera um a-mais para o parceiro-propri-
ganham com a indústria a domicílio; artesanato etário. Escolher um ou outro método depende do
ou atividades urbanas costumam gerar os exce- regime agrário e das conjunturas; a lógica, porém,
dentes no Centro e no Campo das Vertentes; os sempre é a mesma, apresentada de maneira
produtores de leite no Oeste mineiro mantêm-se esquemática no Quadro 1.
com a integração, mas fazem renda com venda Essa estrutura de gestão dos bens e das
de bezerro4 fontes de recursos familiares foi resumida na frase
Em suma, nas mais diferentes regiões, os definitiva de um sitiante de Miradouro, Estevão
sitiantes formam seu patrimônio segundo um cál- Dias: “Roça é comida, lavoura é dinheiro, gado é
culo de longo prazo que difere de um para outro, negócio”. Ele explica, didaticamente, que a roça
mas perseguem, sempre, quatro metas de de mantimentos, ou lavoura branca, provê o ali-
aquisição bem definidas: mento; que a venda do café (lavoura, nesse caso,
deve ser sempre entendida como lavoura de café)

Quadro 1
Demandas e Fontes de Recursos Materiais para Sitiantes Mineiros
Demandas Fontes de suprimento ou destinação
1. Sustento alimentar – Lavoura branca ou de mantimentos; integração agroindustrial
2. Despesa da família e custeio do sítio – Lavoura de café; integração agroindustrial; feiras; ocupações não-agrícolas;
migrações sazonais; programas sociais
3. Renda líquida (sobrescrito ou ganhame) – Subprodutos da integração; ocupações não-agrícolas; migrações sazonais;
parcerias; negócios
4. Patrimonialização – Gado bovino; automóveis; terrenos urbanos; terrenos rurais
Fonte: Pesquisas de campo.
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paga as contas da casa e o custeio da produção, Catira, então, o leitor já percebeu, não é um
mas que a renda que dará forma ao patrimônio negócio qualquer, mas, uma troca essencial. A rit-
advem fatalmente dos negócios. ualidade, o respeito aos costumes e às culturas
Para os sitiantes, essas fontes não se confun- conformam os atos, o cenário, a coreografia e o
dem. Eles costumam diferenciar rigorosa, didática palco onde o cálculo humano é executado. As
e eticamente as origens dos recursos, inclusive trocas têm por base a confiança e o nome dos
para avaliar a evolução do patrimônio. Mesmo parceiros, são marcadas pelas histórias pessoais,
pequenos acréscimos têm origem num determina- carecem de muita conversa e, às vezes, de uma
do crédito, o que é evidente em frases como “este encenação emprestada ao jogo do truco, mesmo
carro veio de uma panha de café”, “esta égua veio quando, desde o começo, todos já saibam qual
na troca de uns leitões” e “este terreno aumentado será o desfecho do negócio.
veio da venda de uma ponta de gado”. Assim, As catiras nascem de bases materiais já
como o patrimônio se forma com ações indepen- dadas: apartação de bezerro-de-ano, milho no
dentes da produção imediata de alimentos, ele é paiol, uma bicicleta, leitões engordando, um Che-
considerado uma riqueza construída à margem, vette encostado, vacas niquentas – dessas que
porque expande sem sacrificar o consumo familiar. nunca amansam, que parecem esconder no corpo
E, com exceção dos recursos advindos de uma nica, ou moeda de níquel, daí o nome. Há,
migrações sazonais e ocupações não-agrícolas, o sempre, o quê negociar: “Tudo dá negócio...”,
crescimento da riqueza é creditado em parte à gostava de dizer Itamar de Mattos, criador de
“natureza mesma das coisas”, pois surge apartado gado, mensageiro da Palavra, plantador de café,
da lida concreta na roça familiar. É como se fosse meio-negociante lá do Miradouro. E negócios
um capital mágico, já que o patrimônio cresce pela surgem até de encontros que parecem acidentais:
mediação do meio natural: a lavoura que produz
seus frutos – que são antes de tudo produtos da Ele estava nesta égua e eu ia passando com um
própria terra; a terra que subordina o parceiro e milho para levar para os porcos. Ele falou que
acrescenta renda ao seu próprio preço – aparente- apreciava muito uns capadinhos. E ainda falou:
“Sabe que dá prejuízo sustentar porco com milho
mente por ser terra e não pelas relações sociais
da gente? Porco come é do nosso suor...”. Aí eu
que a envolvem; o gado criado solto que aumenta
senti que ele queria era negociar, mas eu não
em peso, bezerros e negócios. Seria apenas mági- sabia direito era o que eu queria conseguir dele.
ca, não fosse a interferência do cálculo humano, de E aí eu falei, falei mais é para valorizar o que é
um lado, e da catira, de outro: o cálculo governa a meu: “Eu fui criado com gordura de porco e nun-
lida e rege a catira; a catira dá forma material ao ca que acostumei com óleo”. Dai começou...
recurso criado à margem da produção de manti- (José Nelson, sitiante da Zona da Mata).
mentos e o converte, lentamente, em patrimônio.
A catira cria um fluxo de reconversão contínua Então, deram-se a troca dos porcos pela
que, às vezes, consome uma vida para dar forma égua, a parição da égua e a catira do potro, a pro-
patrimonial a um cálculo humano. dução das leitoas e novas, e encadeadas, séries
É por isso que catira – ou barganha, bre- de trocas, porque fêmeas dão vida às trocas,
ganha, baldroca, negócio, rolo: as denominações desde aquelas originárias, de irmãs por terra –
são muitas – é uma das instituições mais sólidas que são a base física e genética da reprodução
do meio rural mineiro. Trata-se da troca de ani- dos sítios –, até aquelas outras, rotineiras, que
mais por bens de consumo, produtos agrícolas, conduzem para o sítio os bichos-fêmeas e levam
dinheiro ou um pouco de cada, e vice-versa. Em o sitiante à prosperidade, porque a sabedoria
algumas regiões é um negócio bastante freqüente ensina que “é bicho que urina para trás que bota
e os negociadores são extremamente dedicados; o dono para a frente”. No entanto, mulheres rara-
em Minas Gerais serve para dispor bens sem ser- mente fazem catiras, que estão muito ligadas ao
ventia, trocar o miúdo pelo remediado e este pelo papel e à representação masculina.6
graúdo, para encorpar, aos poucos, os bens que Os preços que correm no mercado nacional
compõem o patrimônio familiar. são apenas balizas para as catiras. Elas são mar-
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cadas, sobretudo, pelas peculiaridades locais e salvar Donizete, dos Bernardinos, da Chapada do
por um horizonte limitado de benefícios, de for- Doce, em Moema –, se o negócio está em acordo
ma que se tornam um jogo onde ganham todos com o cálculo. Assim, cresce a massa de bens, de
os que se reconhecem: os que sabem a utilidade estoques e animais, e sempre parece que isto vem
do bem que recebem, os que adivinham o desti- do fato de que alguns bens e a própria terra
no do produto que dispõem. Por isso esse tipo de gozam da capacidade de se valorizar sem a medi-
barganha é, também, um jogo regulador do ação do esforço humano. O progresso material
patrimônio e da fortuna – uma redistribuição, pode ser percebido no decorrer da vida de uma
conforme definiu Mauss –, porque realoca os família, mas nunca aparece em estatísticas porque
bens nas parcelas necessárias para cada jogador os censos registram apenas fragmentos, fotogra-
fazer seu jogo. E como, às vezes, a arte serve mas, dessas vidas, e porque o jogo redistributivo
ao cálculo, o rito funciona como o pano que cai da herança sempre recoloca o filho no ponto em
para ocultar o ator que esqueceu sua fala que que o pai partira. Ao longo dos anos, os bens
modificaria, para melhor, o cenário: ele torce o multiplicam-se nas mãos de quem sabe o momen-
assunto para fugir de um tema delicado, oferece to certo de dispor, por exemplo, de um fusca para
um café para mudar um diálogo que não estava adquirir uma nesguinha de terra.
no roteiro que previra, começa a fazer um cigar- Tudo sempre é bom para uma barganha,
ro de palha quando a proposta recém-apresenta- mas o gado bovino, conforme Totonho Alves,
da pelo parceiro gasta cálculo mais lento, conta sitiante do Capivari dos Macedos, Bom Despacho,
um caso passado há anos – aparentemente sem é o “mais principal”, o melhor, mesmo, para con-
propósito, mas finalizado com boa lição moral verter bens, mercadorias e dinheiro. Solto nos
para a situação presente – no momento em que o pastos, rende por si: medeia negócios, é líquido,
negócio está chegando ao desenlace para aumen- é meio de produção, aumenta, pode ser estocado,
tar a tensão do parceiro e fazê-lo aluir mais fracionado, reunido, cedido à meia e, até, alu-
ligeiro; ou sugere, com infinita sutileza, que sabe gado – uma inovação criada por alguns produ-
por que o outro deseja o bem que adquire, para tores de leite do Oeste mineiro quando querem ir
mostrar que domina os resultados da catira.7 passar uns dias pagando promessas no santuário
Nos sítios, a troca de bens é constante, diver- católico de Aparecida do Norte, em São Paulo.
sificada e, possivelmente, muito mais negociada do Por isso os sitiantes gostam de manter parte do
que nos grandes mercados; é regulada por uma patrimônio em gado, que é garantia sólida na
gama variada de regras e avaliações objetivas e inflação alta e no juro baixo, além de ser quase-
subjetivas. Os termos das trocas são abertos num moeda, pois, na definição exata de Estevão Dias,
leque tão amplo quanto a variedade de bens que da Fazenda Pica-pau, de Miradouro: “Gado é din-
se troca, porque nas catiras a necessidade e o cál- heiro andando”.
culo individuais são referências muito objetivas. As reses não se enquadram muito nos
Lidando com tantas trocas e dominando um varejo padrões do mercado formal, pois o gado rara-
extenso – como notava Kautsky –, os sitiantes ga- mente é terminado, isto é, nunca chega às 16
nham um insuspeitado conhecimento de merca- arrobas convencionadas para o abate. Selecionam
dos, preços e oportunidades. Mas negociar não é as fêmeas por juventude, rusticidade e habilidade
apenas um meio para conseguir bens materiais, materna; importa menos a produtividade leiteira.
serve também para confirmar laços, refazer acor- Essa cultura que envolve o rebanho territorializa
dos e complementar necessidades; é um meio de sua liquidez, mas não a elimina, ou seja, há sem-
tornar os homens iguais, tanto porque eles se pre um ajustamento de preço às demandas do
encaram olho-no-olho – e a medida do homem mercado nacional, ao menos em parte. A criação
será dada por sua capacidade de enfrentar o outro é orientada para reprodução, troca e reserva de
–, como porque a circularidade das trocas tende a valor:
equilibrar os ganhos.
Por isso nos sítios tudo está para negócio – Estou criando estas novilhas e esperando elas
“menos a mulher e os meninos”, gostava de res- para leite. Mas elas estão para negócio, ou se
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apertar a gente negocia. Os garrotes também são balho – para garantir o sustento diário, fazer
para recria, mas se apertou a gente vende e se sobras e poder comprar mais gado.
aparecer negócio a gente faz. Para ver: eu estava Nessa combinação, a família forma o pecúlio
devendo meu cunhado. Ele veio, olhou um gado
ao longo do tempo. Independentemente da quan-
e ficou com ele pela dívida. Sempre tem um aper-
to de pasto, um aperto de dinheiro, vende um tidade de bens que possui, ou chega a possuir, o
garrote para comprar um adubo de café, estamos estilo de aquisição e as combinações que deve
sempre vendendo ou trocando (Ivo Almeida, fazer são as mesmas. Sempre, também, ao final de
sitiante do Oeste de Minas Gerais). um ciclo de vida o sitiante se encontra, no máxi-
mo, no ponto em que seu pai chegara: reuniu as
Mas, antes de tudo, gado é um meio para terras que foram partilhadas entre irmãos e cun-
adquirir terra. A terra “cria” o gado, que é troca- hados, criou seus filhos e partilhou entre eles o
do por mais gado, que, recriado, produz mais patrimônio amealhado. Aí então o ciclo reco-
terra. É por isso que os ganhos da migração, as meçaria, mas fatores externos podem mudar a
sobras da panha de café, as rendas não-agrícolas situação, como vem acontecendo desde a década
e do trabalho a-dias são convertidos em gado. A de 1980 com a queda brutal da natalidade, que
sobra, o apurado, o ganhame viram gado, que, se aumentou a legítima dos herdeiros ao reduzir a
espera, produza mais sobras, e, por fim, mais partilha e reduziu o monte-mór com a diminuição
terra: da massa de trabalho-sobrante que seria estocada
pela família do fim da infância ao início da idade
Vendi o gado e comprei a terrinha, com um adulta dos muitos filhos. Além disso, a universa-
sócio, e daí pra frente todo cobrinho que sai da
lização das aposentadorias e das pensões rurais e
minha mão é para comprar mais um gadinho. A
gente faz é fundo [gado pior] e cabeceira [gado a quase generalização do acesso aos recursos de
melhor], mas vende indiferente: quer cabeceira? programas compensatórios contribuíram para in-
Vai cabeceira! Junta um café, um mantimento que verter o padrão histórico de dependência e repro-
sobrou, faz mais uns bezerros. Hoje mesmo, se dução entre gerações e gêneros, ao tornar os ido-
meu sócio der de vender a parte dele, eu desfaço sos mais líquidos do que os adultos jovens e as
desse gado, que já dá para pagar. [“E fica sem mulheres mais endinheiradas do que os homens.
gado?”] Vou refazendo, e de um capado mais uns
No entanto, a lógica permanece. Com bolsas
alqueires de arroz sai mais bezerra... [“E se ele
não quiser vender?”] Se for outro caso, eu desfaço e pensões, aposentadorias e transferências, os
das novilhas do mesmo jeito, para botar noutra sitiantes vão adquirindo e trocando porcos por
coisa mais parada, noutro terreno (Estevão Dias, gado, produtos por animais, animais por
sitiante da Zona da Mata de Minas Gerais). equipamentos, e vice-versa, e, quando é preciso,
tudo por dinheiro, e novamente por gado, e final-
É esse cálculo demorado que o sitiante faz, mente por mais terra. Com efeito, o rumo das tro-
avaliando as oportunidades de economizar, criar, cas não muda: machos por fêmeas, adultos por
catirar e, finalmente, adquirir terra. Quando quer jovens, poucos por muitos, semoventes por mais
partes de terras da herança comum dominada parados.
por irmão ou cunhado, o sitiante corta despesas, Nas regiões mineiras onde as trocas são mais
descobre novas receitas e catira animais para ir fortes, sitiantes podem até se tornar, em definitivo
comprando terra aos poucos, porque quanto mais ou por uns tempos, catireiros profissionais. Esses
compra mais tem condição para tornar a comprar. lidam a maior parte das vezes com vacas ou be-
É uma combinação de cálculo de longo prazo – zerros descartados e fazem seus negócios com
que avalia disponibilidades, recursos, prazos, pre- prazos estabelecidos. São muito úteis porque dão
cisões e oportunidades –, sorte – para a boa saú- um destino ao bezerro – o macho imprestável no
de do gado e da família, para que apareçam as rebanho leiteiro especializado –, à vaca de fundo
transações que precisa fazer –, esperteza – para e, ao mesmo tempo, um pecúlio aos sitiantes. A
reconhecer a boa oportunidade, alongar os pra- atividade vai ocupar muito do seu tempo: trocam
zos e levar a cabo trocas vantajosas sem preju- ou compram pequenos lotes, às vezes refazem o
dicar ninguém das proximidades – e muito tra- gado em bons pastos para barganhar mais adiante
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por bens ou outro gado e muitas vezes reúnem Catiras, dons, riquezas
uma bezerrada macha para negociar com in-
vernistas que carecem de gado macho, jovem e O negócio da catira, como a dança da cati-
magro para terminar e levar ao abate. Catireiros ra, tem coreografia e ritmo próprios, num e
são elos ativos nessa cadeia produtiva torta que noutra só aparecem os homens. Negócio e dança
leva gado sem serventia nos sítios para a ponta da formam patrimônios – semoventes, materiais, sim-
terminação ou do consumo.8 bólicos e culturais – que dão vigor e perenidade
Catireiro tem que ser conhecido, ter bens a essas sociedades rurais que se celebram e se
próprios e sua rede de informantes; tem que revelam nessas suas artes.
saber onde existe algum gado, animal ou bem Mas o negócio é uma arte particular. Ligado
para ser barganhado e, também, onde há alguém à vida mesma de todo dia, funciona como um
interessado naquilo que ele tem ou que pode mecanismo que produz e ajusta a riqueza que,
adquirir. Mas, sobretudo, precisa ter um bom por sua vez, se expande das coisas para as
nome: “Catireiro não prospera com embondo famílias e das famílias para o lugar, porque os
[logro ou embaraço]”, resumia Jarico Rodrigues, bens, ao circular, cimentam as bases que fundam
do Paranaíba, ele mesmo um raro sitiante que a economia dessas regiões rurais. Por isso é que
adquiriu mais terra do que a herança paterna às não deve haver assombro nem preconceito ao ver
custas de muito trabalho e maestria na catira.9 sitiantes, com catiras, dar nova forma material aos
Os catireiros dependem desse bom nome, produtos da lavoura, da migração, da pluriativi-
pois com isso podem até mesmo fazer negócio dade, das aposentadorias e de outros meios de
sem ter capital, na base apenas da confiança e aquisição de renda.
dos prazos. Eles dizem que os prazos “dão os Essas habilidades e costumes, porém, são
seus dias” – “prazo, um dia, vence...”, assegura recebidos com certo desrespeito por parte de téc-
Valtervi, sitiante do Capivari dos Macedos. Mas nicos e especialistas em desenvolvimento rural.
enquanto os prazos correm por um lado, os cati- Os mais puristas garantem ser inútil esse conhe-
reiros rodeiam pelo outro lado para produzir cimento que sitiantes têm do mercado – costuma
bens ou dinheiro que seus compromissos exigem. ser dito assim mesmo, como se fosse um ente
Por isso o tempo e as informações sobre o seu único –, uma vez que esse tipo de lógica de
mercado são essenciais: para ver um animal, sobrevivência e reprodução só lhes traz prejuízos,
saber de precisões dos outros, esperar novidades. como, por exemplo, trocar dinheiro por bens
Parece que o bom catireiro não trabalha, que tem imóveis e esterilizar investimentos, barganhar
a vida inteira à sua disposição. Gasta tempo se uma safra por novilhas de sobre-ano e estar sem-
informando sobre preços nos mercados na- pre montando e refazendo gados para, ao termo,
cionais, sobre os apertos de dinheiro do produtor, convertê-los em bens “mais parados”. Os sitiantes
sobre seus planos e interesses, enfim, tudo o que careceriam de cursos, de conhecer os meandros
vale saber sobre a vida alheia. Mas finge não da circulação das mercadorias, dos preços e das
saber: por exemplo, vai ao sítio procurando por- finanças, para se tornarem, enfim, devedores
cos para trocar por uma bicicleta, sabendo que o prósperos e empreendedores ativos.
sitiante tem mesmo é garrotinho com precisão de Grande engano, pois as catiras são es-
vender para pagar no mês que entra parte de um senciais para a reprodução dessas famílias e dos
terreno que comprou. O catireiro finge ser sonso, regimes agrários. Dinamizam grandes e pequenos
no jogo de deixar a palavra inicial do negócio ao negócios, agilizam a circulação de bens, criam e
parceiro, que, forçado a abrir a catira, revela seu distribuem riquezas, consolidam poupanças, ex-
teto de cálculo e fornece o galeio – o balanço do pandem o patrimônio comercial ao firmar relações
valor –, onde o catireiro se apóia para começar a costumeiras de confiança que alicerçam novas e
desenrolar a trama de possibilidades que carrega, continuadas trocas entre os agentes econômicos.
já há muito, na cabeça. Criam, portanto, estabilidade na economia rural ao
criar oportunidades para muitos. Isso fica evidente
na força do pequeno comércio e indústria familiar
A ARTE DA CATIRA 73

ao longo da rota Centro Oeste-Triângulo Mineiro, 7 O senhor Abel, sitiante de São Gotardo, contou,
na demorada estabilidade econômica da Zona da por exemplo, que o vizinho avisou que “vinha
Mata mineira, na diversificação das atividades catirar a charrete, p’r’eu pensar que ele queria
rurais e urbanas dos pequenos municípios do Alto dois garrotinhos [novilhos]; mas eu sei que ele
queria mesmo é o cavalinho, porque está sem
Paranaíba. Nessas regiões de base agrária familiar,
animal para puxar [transportar] leite”.
de boa pecuária e catira forte, dia-a-dia os sitiantes
Barganharam o cavalinho por três arrobas de
refazem seus negócios e dão fôlego às suas tra- café, uma leitoa e Cr$ 1.000,00 em quarenta dias.
jetórias tão iguais e diversas que conformam o
campo do país dos mineiros. 8 Em Bom Despacho há um lugar onde os
catireiros ficam esperando negócios; essa banca
de trabalho é apelidada de Catiródromo.

Notas 9 Catireiros cumprem seus acordos mesmo que isso


signifique sua própria falência. Um deles, em São
Gotardo, adquiriu bezerros e os vendeu para um
1 As categorias de uso local virão em itálico na sua
frigorífico que faliu; vendeu a herança da esposa –
primeira aparição neste artigo.
o bem que lhes restara –, mas não deixou de hon-
2 Para análise dessas estratégias, ver Garcia (1984), rar seus compromissos; pagou as dívidas e seguiu
Garcia Jr. (1989), Schneider (2001) e Abramovay catirando com os parceiros de sempre.
(2004). Um estudo clássico sobre o lugar da
família na estratégia de reprodução foi realizado
por Chayanov (1974).
3 A esse respeito consultar Lovisolo (1989) sobre BIBLIOGRAFIA
sociedades camponesas; Teixeira da Silva (1997)
sobre fazendas; Queiroz (1997) sobre o Sul do ABRAMOVAY, R. (2004), Laços financeiros na luta
Brasil; Ribeiro (1998) sobre o Sudeste; Andrade contra a pobreza. São Paulo, Anna-
(1986) sobre o Nordeste. Para estudos mais anti- blume/Fapesp.
gos consultar Santos Filho (1957) e mais recentes,
ver Schröder (2004). Como o animal é um bem ALMEIDA, A. W. B. de. (1988), “Terra de preto,
que resulta da ação combinada da natureza e do terra de santo, terra de índio: uso co-
trabalho, não possui o caráter perverso e usurário mum e conflito”. Humanidades, ano IV
da moeda. Sobre a imagem espúria do dinheiro (15): 42-58, Brasília, UnB.
nas sociedades camponesas, consultar Martins
(1981) e Woortmann (1987). AMARAL, L. (1988), Do Jequitinhonha aos cana-
viais. Dissertação de mestrado, Belo
4 Esses sitiantes produzem leite, matrizes leiteiras e
Horizonte, UFMG, Fafich.
recriam machos, que vendem junto com vacas de
descarte; criam mais gado que seus pastos supor- ANDRADE, M. C. (1986), Terra e homem no Nor-
tam e as vacas lactantes correspondem a menos de deste. São Paulo, Brasiliense.
um terço dos rebanhos (Sebrae, 1996; Ufla, 1997).
BRANDÃO, C. R. (1981), Plantar, colher, comer.
5 A diferença entre o terceiro e o último tipo de Rio de Janeiro, Graal.
aquisição é grande, pois irmãos(ãs) ou cunha-
dos(as) tendem a vender terras com preços e pra- CARVALHO FRANCO, M. S. (1974), Homens livres
zos favorecidos, e muitas vezes os negócios são na ordem escravocrata. São Paulo, Ática.
casados, isto é, vendem as suas glebas para com-
CHAYANOV, A. V. (1974), La organización de la
prar terras de outros parentes. A esse respeito,
unidad económica campesina. Buenos
ver Moura (1978).
Aires, Nueva Visión.
6 Mulheres costumam vender produtos, mas quase
nunca fazem negócios como as catiras. Osório GALIZONI, F. M. (2002), “Terra, ambiente e her-
Dudu, sitiante da Vereda das Araras, no rio Acari, ança no alto Jequitinhonha”. Revista de
ao Norte, explica que “juízo de mulher [para bar- Economia e Sociologia Rural, 40 (3):
ganhas] só dura até o meio-dia”. 175-201.
74 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 64

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 191

A ARTE DA CATIRA: NEGÓ- THE ART OF CATIRA: BUSI- L’ART DE LA CATIRA: AF-
CIOS E REPRODUÇÃO FAMI- NESS AND REPRODUCTION FAIRES ET REPRODUCTION
LIAR DE SITIANTES MINEIROS OF SMALL FARM FAMILIES OF FAMILIALE DES PAYSANS DE
MINAS GERAIS L’ÉTAT DE MINAS GERAIS

Eduardo Magalhães Ribeiro Eduardo Magalhães Ribeiro Eduardo Magalhães Ribeiro


Flávia Maria Galizoni Flávia Maria Galizoni Flávia Maria Galizoni

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Agricultura familiar; Estratégias Family agriculture; Reproduction Agriculture familiale; Stratégies
de reprodução; Extensão rural; strategies; Rural extension; Mi- de reproduction; Extension rura-
Reciprocidade; Minas Gerais. nas Gerais. le; Minas Gerais.

Este artigo analisa os negócios cos- This article analyzes the usual busi- Cet article analyse les affaires coutu-
tumeiros de sitiantes de Minas nesses of small landholders of Minas mières des paysans de Minas Gerais,
Gerais, as catiras, investigando por- Gerais, the so-called “catiras”, inves- les catiras, en cherchant les raisons
que se empenham nessas transa- tigating why they insist on these pour lesquelles ils s’intéressent à ces
ções, quais destinos dão aos ganhos transactions, the destination given to transactions, quelle est la destination
que obtém, e como constroem sóli- the earnings that they obtain, and de leurs gains et comment ils cons-
das redes de trocas baseadas em how they construct solid exchange truisent un réseau solide d’échanges
relações de confiança. Assim for- networks based on trust relation- basé sur des relations de confiance.
mam, aos poucos, importantes ships. Through these they steadily Ils ont, ainsi, peu à peu, formé des
patrimônios materiais e simbólicos. form important material and sym- patrimoines matériels et symboliques.
Esse movimento econômico local, bolic patrimonies. This local eco- Ce mouvement économique local, ré-
regido por regras próprias e articula- nomic movement, governed by its gi par des règles propres et lié aux
do perifericamente aos mercados own rules and peripherally articula- marchés nationaux, est vital par ses
nacionais, é vital para as suas ted to national markets, is vital for stratégies de reproduction pour pro-
estratégias de reprodução, para ge- their reproduction strategies, as well duire, conserver et agrandir les patri-
rar, conservar e ampliar os patri- as to generate, conserve, and enlar- moines. La logique particulière de ces
mônios. A lógica peculiar dessas tro- ge their patrimonies. The peculiar échanges explique plusieurs con-
cas explica vários procedimentos, logic of those exchanges explains duites qui sont généralement consi-
que geralmente são considerados several procedures, which are usual- dérées peu rationnelles par les spé-
pouco racionais por técnicos e pes- ly considered by technicians and cialistes et chercheurs, mais qui font
quisadores, mas que fazem parte de researchers as a little irrational, partie de nombreux calculs dévelop-
muitos cálculos, levados a cabo por although they are part of many cal- pés au long de plusieurs années pour
anos, para ampliar o pecúlio da culations, firmly employed for years augmenter le capital de la famille.
família. to enlarge the families’ savings.

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