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Como síntese dos objetivos do artigo, seria difícil resumir melhor que o

elaborado pelo próprio autora, motivo pelo o reproduzimos.


“O objetivo deste artigo é analisar sociologicamente a constituição cultural
do ambiente familiar de oito músicos brasileiros eruditos e populares (Almeida
Prado, Carlos Gomes, Chico Buarque, João Bosco, Magdalena Tagliaferro, Milton
Nascimento, Tom Jobim e Villa-Lobos). Tomando seus depoimentos e biografias
como material de pesquisa, o estudo analisa suas trajetórias sob a perspectiva do
capital cultural, conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. O
trabalho delineia, assim, o papel da família como primeiro ambiente de
musicalização do indivíduo, oferecendo uma perspectiva crítica à noção de talento
musical inato ou dom e entendendo o desenvolvimento da habilidade artística como
um fator socialmente constituído.”
A autora contrapõe sua tese à idéia, segundo ela predominante no senso comum,
que considera a habilidade musical um dom divino. Porém não houve preocupação
em demonstrar se, de fato, este é o ponto de vista predominante. No meio
acadêmico uma maneira de buscar desqualificar um ponto de vista coloca-lo como
sendo um senso comum.

Ao considerar execução artística possível somente por alguns “escolhidos”,


porém, termina-se, sob outro ângulo, por deslocar o músico, o pintor, o ator do mercado
de trabalho “comum”, composto pelas profissões tradicionais, o que gera uma certa
desvalorização do fazer artístico, identificando-o como uma atividade mais recreativa,
pouco séria, que exige pouco esforço intelectual de seu praticante, que já teria nascido
com habilidades inatas para aquela execução.
Tal afirmação busca associar a ideologia do dom à desvalorização do artista, porém o
argumento, não é mais que uma opinião que elocubra conseqüências sociais negativas à
ideologia do Gênio,ao invés de indicar algum fato que possa refutar o ponto de vista
contrário. É um exemplo da chamada “falácia das conseqüências adversas”. O
argumento não me convence, mas isso não importa, de fato. Seja ele verdadeiro ou
falso, é indiferente em relação á hipótese central da discussão, a opinião das pessoas e
as conseqüências dessas opiniões não interferem na existência da genialidade ou dom
(embora do ponto de vista etnológico, o discurso das pessoas seja o que de fato
interesse)
Contrariamente à opinião da autora, ao meu ver o reconhecimento de um dom
inato ou genialidade deveria contribuir para a valorização da criação musical e não o
contrário. Essa pouca valorização ocorre apenas ao artista que não possui o
reconhecimento de sua genialidade, artistas famosos ou reconhecidos tem uma
valorização extraordinária, muito superior às profissões tradicionais. Assim, a
genialidade e o dom são, sim muito valorizados porém essa valorização está
concentrada em poucos indivíduos. Perdoe a comparação mas o mercado da arte
assemelha-se nesse aspecto ao do trafico de drogas, isto é poucos são milionários e
respeitados como mafiosos e uma maioria corre riscos elevados por um salário baixo e
não tem o respeito que almejam.
O seguinte trecho indica o modo como a autora distorce ou exagera as citações e
idéias originais dos autores, não “perdoando” nem mesmo Platão; escreve ela:
“Também na filosofia, encontramos diversos pensadores de grande importância na
constituição do pensamento científico e social humanos que pregavam o inatismo
do saber. Platão (1973, p. 15), por exemplo, escreveu em A República : “há,
diremos nós, mulheres que são naturalmente aptas para a medicina e para a
música e outras que não o são”. Não há, nesta citação de Platão, defesa do
inatismo do saber, mas apenas defesa da existência de diferentes aptidões.
Em outro trecho a autora faz uma afirmação sobre o estado da arte em uma
área que não possui qualificação como se fosse uma autoridade no assunto, uma
vez que não se utiliza de nenhuma referencia para embasar a seguinte afirmação:
“a vinculação da habilidade musical a um fator genético, prevendo que alguns
indivíduos já nascem com uma predisposição às artes – com um gene da música –
não apresenta fundamentação científica, uma vez que os estudos nessa área do
conhecimento ainda não permitem apontar conclusões nesse sentido” . No entanto
após uma ligeira pesquisa no google sobre o assunto (herança genética talento
musical) encontramos uma autoridade no assunto, a pós-doutora Mayana Zatz 1 em
genética afirmando, em um artigo para revista veja que “ sabemos que talento
musical ou habilidade para esportes tem um componente genético”2
Criticar é naturalmente um papel importante em uma resenha crítica, mas não é
de bom grado “perseguir” o autor ou focar apenas nos aspectos negativos do artigo. Por
isso devo reconhecer que há ótimas citações, por exemplo cita a frase de Schroeder “Os
próprios músicos, com a “naturalização” do comportamento musical pela prática,
perdem de vista o seu processo de desenvolvimento e o tomam por “dom”, pensam
já ter nascido assim.” Essa observação indica que os próprios músicos não são
fontes confiáveis para explicar suas habilidades. Mas é difícil elogiar as citações
sem observar que as passagens interessantes do texto sejam citações de terceiros
e não elaboradas pela autora.

1
Link para o currículo lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4783424Z0
2
http://veja.abril.com.br/blog/genetica/arquivo/crime-genetico/

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