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Como funciona a saúde nos Estados Unidos: sem SUS, mas

com atendimento garantido


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garantido/

O cirurgião cardíaco Ashish Shah, do Johns Hopkins Hospital, um dos melhores dos EUA:
medicina de primeira qualidade| Foto: Divulgação
Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

[05/01/2020] [18:44]

O repórter exibe uma fotografia de um garoto recebendo atendimento no chão de um


hospital público, de forma improvisada, por causa da falta de leitos. Encurralado, o político
tenta se esquivar mas acaba admitindo que o sistema de saúde falhou. A cena soa familiar
para qualquer brasileiro que assista ao telejornal local, mas na verdade ocorreu com o
primeiro-ministro britânico Boris Johnson no começo de dezembro.

Assim como o Brasil, a Inglaterra tem um sistema único de saúde mantido pelo Estado.
Assim como no Brasil (embora em escala muito menor), pacientes se queixam da demora
por atendimento.

Cenas do tipo praticamente inexistem nos Estados Unidos. Justamente por ter um setor
de saúde majoritariamente privado é que os Estados Unidos conseguem oferecer uma
cobertura mais ampla, com atendimento mais célere.

Incentivo à competição

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Ao contrário do que diz o senso comum, a falta de um sistema único de saúde e o
pequeno número de hospitais públicos não significam que os mais pobres não têm acesso
a tratamento de saúde nos Estados Unidos. As regras variam de acordo com os estados,
mas um princípio geral vale para todos: em vez de manter hospitais, os governos (federal
e estaduais) priorizam o auxílio nas despesas com seguro-saúde para os que não podem
pagar. Famílias de baixa renda podem participar do Medicaid, que oferece cobertura a
custo zero.

O Medicaid permite que o paciente escolha a seguradora que quer contratar. Com isso,
há um incentivo à competição e, como consequência, um aumento na eficiência do
atendimento. O setor privado tem uma capacidade maior de se adequar às demandas, o
que é muito mais difícil no setor público emperrado pela burocracia.

Uma outra consequência desse sistema é que, como regra, não há hospitais de primeira e
segunda classes como no Brasil. Karina Brahemcha, enfermeira brasileira que trabalha
nos Estados Unidos, diz que na cidade onde trabalhou, no estado do Maine, não havia
distinção: “O paciente rico e o pobre iam para o mesmo hospital e têm o mesmo tipo de
tratamento”, diz ela, que se lembra de ter atendido moradores de rua no hospital
particular.

Há ainda outras opções para os americanos de baixa renda. É comum que hospitais
universitários ofereçam tratamento a custo zero ou muito reduzido. Além disso, entidades
beneficentes auxiliam as pessoas a pagarem os custos de tratamentos de saúde caso elas
tenham uma renda muito alta para entrar no Medicaid e precisem arcar com alguma
despesa médica inesperada.

Por fim, em alguns estados e cidades, há unidades públicas de saúde que oferecem preços
simbólicos para serviços mais básicos. Na Filadélfia, por exemplo, há nove pontos de
atendimento como esses, que equivalem aos postos de saúde brasileiros.

Sem filas
Mas mesmo quando o paciente não é segurado e precisa ir para um hospital particular,
não existe risco de ficar sem atendimento.

“Qualquer tratamento médico que seja necessário vai ser provido pelo hospital, quer o
paciente possa pagar, quer não. Isso inclui a transferência de hospital caso a unidade não
esteja apta a oferecer o tipo de atendimento necessário”, diz a enfermeira americana Julia
Winter, que trabalha em um hospital no interior do Michigan.

Na unidade em que ela atua, por exemplo, não há equipamento para realizar
cateterismos. Se um paciente chega e precisa desse tipo de intervenção com urgência, ele
vai ser removido de ambulância ou helicóptero para uma cidade vizinha. O pagamento?
Será feito depois, nas condições em que o paciente puder — e se puder. Não há qualquer
triagem prévia. “Na verdade, os hospitais frequentemente oferecem serviços pelos quais
eles nunca serão reembolsados”, diz Julia.

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A conta com as despesas só será enviada ao paciente posteriormente. Caso ele não
pague, o caso pode parar na Justiça. Mas, se o paciente comprovar absoluta falta de
condições para arcar com o tratamento, a dívida na prática deixa de ser cobrada. Ou seja:
nos Estados Unidos, um morador de rua pode ser atendido com custo zero em um
hospital particular. E isso independe do estado: esse tema é regulado por uma lei federal
aprovada pelo Congresso americano em 1986.

Por causa do sistema predominantemente privado de saúde, os Estados Unidos não têm
problemas com filas intermináveis nas salas de espera. “O SUS é muito centralizado, e por
isso padece do problema clássico conhecido na Economia como o problema do
conhecimento. Há fragmentos de informação que são relevantes mas só estão acessíveis
no nível local. O planejador central não consegue satisfazer a necessidade que se
apresenta no nível local, porque ele usa uma regra que se aplica ao geral, mas não ao
particular”, analisa o professor Lucas Freire, do Centro Mackenzie de Liberdade
Econômica.

No Reino Unido, que tem um sistema similar ao brasileiro, um quarto dos pacientes acaba
esperando mais de quatro horas por atendimento na emergência. Dos que necessitam de
algum tipo de tratamento, a espera também pode ser longa: um em cada quatro
pacientes acaba esperando seis meses ou mais. Os dados são de um relatório divulgado
em março de 2019 pelo Royal College of Surgeons, entidade que congrega cirurgiões do
Reino Unido.

Por causa disso, a sobrevida dos pacientes de câncer, por exemplo, é inferior à dos
Estados Unidos: 81% das mulheres com câncer de mama sobrevivem cinco anos ou mais
no Reino Unido, contra 89% nos Estados Unidos. Nos casos de câncer de próstata, a
discrepância é maior: 83% no Reino Unido ante 97% nos Estados Unidos. Os números
americanos também são superiores ao de outros países desenvolvidos como Alemanha,
Canadá, França e Japão.

A vantagem dos Estados Unidos no quesito eficiência não esconde um problema grave do
sistema de saúde americano: o custo elevado.

Custo
Nos Estados Unidos, os mais pobres têm direito ao Medicaid e os ricos não costumam se
preocupar com o tamanho da conta dos planos de saúde. Por isso, é a classe média quem
mais se queixa dos altos custos dos serviços de medicina no país. Nenhum país do mundo
os tratamentos de saúde são tão caros quanto nos Estados Unidos. Uma angioplastia, por
exemplo, custa em média U$32,200, contra US$6,400 na Holanda e US$7,400 na Suíça.

O uso intenso de tecnologia, os altos salários pagos aos profissionais e o valor dos
medicamentos tornam os custos muito altos, e os planos de saúde repassam a conta nas
mensalidades cobradas dos clientes. Além disso, por causa de sua complexidade do
sistema e das muitas regulações, os hospitais e seguradoras gastam muito com a área
administrativa.

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“O sistema foi montado de forma que pressiona os preços para cima, e as agências
reguladoras ligadas às agências de saúde, como as que regulam a propriedade intelectual,
acabam criando várias barreiras no mercado de forma que a concentração de mercado
aumenta”, diz o professor Lucas Freire.

Por causa disso, pré-candidatos democratas à Presidência têm defendido a adoção de um


sistema mais parecido com o do SUS, com gratuidade universal. “Na minha opinião, a
solução não passa por socializar a saúde, mas por liberalizar mais o mercado, criando um
ambiente mais favorável, por exemplo, a pequenos provedores de saúde”, afirma Lucas.

Correção
O texto original trazia erroneamente o programa Medicare no lugar de Medicaid. O texto
foi corrigido

Corrigido em 07/01/2020 às 18:20

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