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FREI LUÍS DE SOUSA

PERSONAGENS

Processos de caracterização:

a) Direta - dada pelas palavras que as personagens produzem acerca de si próprias e pelas
palavras de outras personagens.
b) Indireta - deduzida pelo espectador a partir das atitudes, das ações e até das próprias palavras
(na medida em que revelam procedimentos) das personagens.

Como é próprio da tragédia clássica, as personagens são nobres (aristocráticas ), sempre revelando
grande dignidade. O próprio Telmo, um serviçal, nunca perde o aprumo e a dignidade.
Todas as personagens se podem considerar, embora em diverso grau, modeladas. Com efeito, é o
conflito interior, a profundidade, a riqueza psicológica das personagens que cria a tensão dramática de
uma obra com características trágicas.

D. Madalena de Vilhena

"Em tudo o mais sou mulher, muito mulher. ”

Esta afirmação de Madalena é uma exata autocaracterizarão de uma personagem romântica. Na


realidade, D. Madalena foi sempre dominada pelo sentimento do amor. Religiosa, sim, mas não
compreendia que o amor de Deus pudesse exigir o sacrifício do amor humano. Amava a filha, sim, mas
o amor de mulher (para com Manuel de Sousa) era superior ao amor de mãe. Senhora virtuosa, como
convinha à sua dignidade social, mas essa virtude oscilava entre a realidad e e a aparência (amou o
segundo marido ainda quando vivia com o primeiro).

Uma mulher bem nascida, da família e sangue dos Vilhenas, cujos sentimentos dominam a
razão:
- O sentimento do amor à Pátria é praticamente inexistente: considera a atitude dos
governadores espanhóis como uma ofensa pessoal;
- Para ela, é inaceitável que o sentimento do amor de Deus possa conduzir ao sacrifício do amor
humano, não compreendendo, nem aceitando a atitude da condessa de Vimioso que abandonou o
casamento para entrar em votos: isto explica que, até ao limite, tente dissuadir o marido da tomada do
hábito, só se resignando quando tem a certeza de que ele já foi.

Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor de mulher, ao contrário
do que acontece com Manuel de Sousa Coutinho, que se mostra muito mais preocupado com a filha
do que com a mulher.

-> A consciência da sua condição social mantém a sua dignidade, mas tal não impediu de ter amado
Manuel de Sousa ainda em vida de D. João de Portugal e de ter casado com aquele sem a prova material
da morte deste.

Pecadora: o nome “Madalena” evoca a figura bíblica da pecadora com o mesmo nome.
Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de
abandonar o passado.

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Manuel de Sousa Coutinho

Antes do aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa era um herói clássico. Guiado sempre pela
razão, enfrentava os acontecimentos com serenidade, deliberando sempre à luz de um a ordem de valores
aceites universalmente: a liberdade, a moral, a honra, o nacionalismo.
Depois do aparecimento do Romeiro, a razão de Manuel de Sousa deixa -se perturbar pela
emoção, revelando-se aqui esta personagem mais romântica do que clássica. Veja -se, por exemplo, a
cena 1 do ato III, em que as suas palavras revelam, em tom verdadeiramente trágico, a violência
incontrolável da emoção.

-> No ato I, assume uma atitude condizente com um espírito clássico, deixando transparecer uma
serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão que domina os sentimentos e que se manifesta num
discurso expositivo e numa linguagem cuidada e erudita:
-> Revela-se patriota, corajoso e decidido;
-> Não sente ciúmes pelo passado de Madalena;
-> No ato III, evidencia uma postura acentuadamente romântica: a dor, após a chegada do Romeiro,
parece ofuscar-lhe a razão, tal é a forma como exterioriza os seus sentimentos, fazendo -o de uma forma
um tanto violenta, descontrolada e, por vezes, até contraditória (a razão leva -o a desejar a morte da
filha e o amor impele-o a contrariar a razão e a suplicar desesperadamente pela sua vida);
Pode-se, pois, concluir que esta personagem, do ponto de vista psicológico, evolui de uma
personalidade de tipo clássico (atos I e II) para uma personalidade de tipo romântico (ato III).

Maria de Noronha

Menina inteligente e imaginativa, influenciada pela intranquilidade inevitável da mãe e pelo


sebastianismo de Teimo, também ela vivia no pressentimento de que qualquer coisa de terrível esta
eminente sobre a família. Daí a sua fantasia incontrolável e a sua curiosidade invencível.
Maria não nos aparece nunca como uma personagem real, tal o grau de idealização em que foi
concebida. Angélica como uma criança e perspicaz como uma adulta, Maria não se imp õe ao espetador
(ou leitor) como uma criança real.

Uma personagem idealizada:


 a ingenuidade, a pureza, a meiguice, o abandono, etc., próprios duma alma infantil, e a
inteligência, a experiência, a cultura, a intuição, características de um espírito adulto, confluem
numa personagem pouco real, só entendida à luz do desvelo que Garrett votava a sua filha
Maria Adelaide e à condição social que, para a mesma, resultara da morte prematura da mãe;
 protótipo da mulher-anjo, tão do agrado dos românticos;
 a sua dimensão psicológica resulta, por isso, contraditória, ao revelar comportamentos,
simultaneamente, de criança e de adulto;
Alguns traços caracterizadores de Maria:
- ternura;
- culto sebastianista; culto do passado;
- dom de sibila (dom da profecia);
- cultura;
- coragem, ingenuidade e pureza;
- tuberculosa.

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D. João de Portugal
No decorrer dos dois primeiros atos, é uma personagem abstrata: só existe na fantasia de
Madalena, Maria e Telmo. Toma-se uma personalidade concreta quando aparece, no segundo ato, na
figura de romeiro, concretizando assim os receios que torturavam Madalena e quando tenta mesmo
interferir na ação dramática, procurando impedir o desenlace fatal.
Mesmo nesta segunda fase, como entidade concreta, esta personagem não vale por si própria, tem
apenas a força simbólica que movimenta as outras personagens.
D. João de Portugal é, pois, uma espécie de fantasma que personifica a fatalidade, o trágico
destino, não em relação a si, mas em relação às outras personagens

Casado com D. Madalena, mas desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir, revela -se como:
Uma existência abstrata (uma espécie de fantasma omnipresente) até à cena XII do ato II,
inclusive, permanecendo em cena através dos receios evocativos de Madalena, da crença de
Teimo em relação ao seu regresso e do sebastianismo de Maria (se D. Sebastião pode regressar,
o mesmo pode acontecer em relação a D. João de Portugal);

Uma existência concreta a partir da cena XIII do ato II:


- regressa a Portugal ao fim de 21 anos, depois de ter passado 20 em cativeiro, em África e na
Ásia, surgindo na figura do Romeiro (mesmo assim, a sua identidade só é revelada no final do ato II);
- procura interferir voluntariamente na ação dramática, tentando impedir, com a
cumplicidade de Teimo, a entrada em hábito de Madalena e de Manuel de Sousa;
- acaba por assistir à morte de Maria e à tomada de hábito dos ex -cônjuges.

Telmo

Com os seus presságios, com os frequentes comentários aos acontecimentos, tudo imbuído num
sebastianismo arreigado, Telmo encarna em si o papel de coro na tragédia clássica. E também confidente,
sobretudo em relação a D. Madalena e Maria.
Apesar de personagem secundária, Telmo é dotado de uma certa profundidade psicológica,
provocada pelo conflito interior que o divide entre a fidelidade a D. João de Portugal e a fidelidade a
Maria.

Frei Jorge

E também confidente e participa com Teimo no papel próprio do coro da tragédia clássica. Ele é,
porém, a personagem que contribui para que os acontecimentos trágicos sejam suavizados por uma
perspetiva cristã.

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