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O
Sol é fonte de energia fundamen- custo”: um LED.1
Esdras Garcia Alves tal para o nosso planeta. A cada
Colégio Santo Agostinho, Belo Horizonte, segundo, trilhões e trilhões de Materiais semicondutores
MG, Brasil átomos de hidrogênio (H) se fundem Os materiais semicondutores são a
E-mail: egafisica@yahoo.com.br formando átomos de hélio (He). Nestas base da indústria eletrônica. Sua impor-
reações há uma diminuição da massa dos tância está na possibilidade de alteração
Andreza Fortini da Silva reagentes e uma grande liberação de ener- de suas características elétricas de forma
Escola Municipal Francisco Borges da gia, que é irradiada na forma de luz e calor “simples”. Estes materiais recebem o nome
Fonseca, Belo Horizonte, MG, Brasil para todo o espaço em seu entorno. Parte de semicondutores por não serem total-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ desta energia chega ao nosso planeta, con- mente isolantes - como a borracha, ou o
tribuindo de forma vital para a manu- vidro - mas também não serem bons con-
tenção da vida. dutores como o cobre, ou o ferro. No en-
Com a crescente preocupação em tanto, se forem adicionados átomos dife-
frear a degradação do planeta e o cons- rentes a estes materiais, eles podem ter
tante aumento pela demanda de energia, suas características elétricas alteradas. O
o Sol vem ocupando lugar de destaque co- silício (Si) é um exemplo de semicondutor
mo uma grande e muito utilizado na
importante fonte de As células fotovoltaicas são os indústria. Se um áto-
energia alternativa. dispositivos responsáveis pela mo de fósforo (P) for
Há alguns anos os ar- transformação da energia solar inserido em um cristal
quitetos passaram a em elétrica. Estas células são de silício, haverá um
se preocupar com feitas com materiais elétron a mais na rede
construções que pri- semicondutores e seu alto custo cristalina. Este elétron
vilegiam a ilumina- ainda é um fator limitante para poderá se mover pelo
ção natural; algumas uso em larga escala material, pois não está
residências utilizam a fortemente ligado ao
energia solar para o aquecimento da água, átomo. O novo material possui elétrons
por meio de coletores solares; em uma em excesso e é por isso chamado semi-
escala ainda muito pequena a energia so- condutor tipo n. O oposto ocorrerá se um
lar também é transformada em energia átomo de gálio (Ga) for inserido na rede
elétrica - as células fotovoltaicas são os cristalina de silício. Um elétron estará
dispositivos responsáveis por esta trans- faltando, e este “buraco” se comportará
formação direta da energia solar em elétri- como uma carga positiva,2 que também
ca. Estas células são feitas com materiais pode mover-se pelo material, pois um
semicondutores e seu alto custo é um fa- elétron de um átomo vizinho pode ocupar
tor limitante para uso em larga escala. este espaço. O semicondutor com falta de
Muitas pesquisas têm sido feitas no senti- elétrons é chamado de semicondutor tipo
do de tornar estas células mais eficientes, p. A Fig. 1 ilustra este processo de inserção
de modo a reduzir o custo da energia con- de átomos estranhos em uma rede
vertida por célula. cristalina, denominado “dopagem” [1].
Com a crescente demanda de energia elétrica e Neste artigo vamos enfocar o funcio- Uma célula fotovoltaica é uma junção
a atual preocupação com a preservação am- namento de uma célula fotovoltaica. Para dos dois tipos de materiais semicondutores
biental, as energias limpas se transformaram
em necessidades urgentes. A energia solar é uma
que o professor tenha condições de descritos acima. Uma junção pn, como a
excelente alternativa. As células fotovoltaicas mostrar, na prática, a transformação da denominamos, possui propriedades muito
- dispositivos construídos com materiais semi- energia solar em elétrica, sugerimos uma peculiares e é de grande interesse na indús-
condutores - podem transformar a energia so- maneira de ligar um relógio digital por tria eletrônica, tendo várias aplicações [2].
lar diretamente em energia elétrica. meio de uma “célula fotovoltaica de baixo Nas Figs. 2 e 3 há um esquema do que

26 Usando um LED como fonte de energia Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008


O LED também é constituído por uma
junção pn [4]. Na Fig. 4 há um diagrama
ilustrando o dispositivo. O lado n da jun-
ção está preso a um contato metálico, que
serve também como um espelho refletor
para direcionar a luz. No lado p há apenas
um fio estabelecendo o contato elétrico en-
tre o semicondutor e o outro terminal do
LED, de modo que a maior parte do semi-
condutor fica exposta. Esta construção é
necessária porque a luz sai diretamente
de onde houve uma combinação entre um
Figura 1. (a) Representação bidimensional de um cristal de silício. (b) Quando um átomo elétron e um buraco. Um elétron que
de fósforo é adicionado à rede ele disponibiliza um elétron, que fica livre para se mover venha da banda de condução para ocupar
pelo cristal. (c) Se for adicionado um átomo de gálio, haverá a falta de um elétron um buraco na banda de valência deve
(buraco). Como um elétron de um átomo vizinho pode ocupar este buraco, o efeito final perder energia. Esta energia é liberada na
é o de uma carga positiva se movendo pelo cristal. forma de fótons, cuja energia correspon-
de ao valor de Eg. Portanto, se forem
construídos LEDs com diferentes valores
ocorre em uma junção pn quando ela é de valência se deslocarão para a região p. para Eg - e isto é conseguido utilizando
iluminada [3]. Se um fio condutor conectar o lado p ao diferentes dopantes - pode-se produzir
A luz é constituída por fótons com lado n, teremos uma corrente de elétrons diversas cores para a luz dos LEDs. Como
energia E = hν, onde h é a constante de se movendo da região de maior concentra- o valor de Eg define a energia dos fótons
Planck e ν é a freqüência da luz. Quando ção de elétrons para a região com escassez emitidos, o espectro de emissão de um LED
estes fótons incidem sobre a junção, eles de elétrons, como em uma pilha. possui um pico bastante pronunciado em
penetram no material e podem ser absor- torno de um comprimento de onda carac-
vidos por elétrons na banda de valência.3 O LED como célula solar terístico, como mostra a Fig. 5.
Se a energia do fóton for da mesma ordem As células fotovoltaicas convencionais Embora os LEDs sejam projetados
de grandeza que a diferença de energia das ainda são muito caras e raras no mercado para emitir fótons, eles também podem
bandas, Eg na Fig. 2, o elétron poderá al- comum. Como modelo de célula fotovol- funcionar como receptores de luz. Em di-
cançar a banda de condução, onde estará taica propomos o uso de um LED, muito versos artigos na literatura encontramos
livre para se mover. A saída de um elétron mais acessível em termos de custo e o uso de LEDs como fotosensores [5-7].
da banda de valência deixa um buraco na mercado. Testamos vários tipos de LEDs, Porém, assim como a emissão é bastante
mesma. Com a iluminação constante, ha- e os melhores resultados foram encontra- pronunciada em torno de uma freqüência
verá um grande número de pares elétron- dos com LEDs vermelhos de 10 mm com característica, a recepção se dá para uma
buraco gerados pela absorção de fótons. encapsulamento transparente. Os LEDs faixa de freqüências cuja energia esteja em
Devido à presença dos átomos dopantes, vermelhos de 5 mm com encapsulamento torno de Eg. Este comportamento resso-
os elétrons da banda de condução se deslo- transparente também apresentaram bons nante dos LEDs permite que eles sejam
carão para a região n e os buracos da banda resultados. utilizados como sensores para faixas

Figura 2. Fótons com energia E = hν atingem a junção. Se a energia dos fótons for da
ordem de grandeza de Eg, um elétron da banda de valência (BV) pode absorver a energia
do fóton.

Figura 3. Absorvendo a energia do fóton, o elétron alcança a banda de condução (BC).


Os elétrons na banda de condução tendem a se concentrar no lado n e os buracos na Figura 4. Detalhes internos da estrutura
banda de valência no lado p, devido à presença dos átomos dopantes. do LED.

Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008 Usando um LED como fonte de energia 27


possa utilizar para ilustrá-la na prática.
Tendo estes aspectos em vista, procuramos
abordar de forma sucinta o funciona-
mento das células fotovoltaicas a fim de
fornecer uma base teórica para a compre-
ensão da transformação direta da energia
solar em elétrica. Enquanto educadores,
acreditamos que promover o contato de
jovens estudantes com tecnologias poten-
cialmente transformadoras é uma forma
de sensibilizá-los quanto à necessidade de
uma busca de soluções concientes para a
sociedade.
O uso deste material não se restringe
apenas a estudantes da educação básica,
onde o professor pode usá-lo em seqüên-
cias sobre transformações de energia. Em
diversas oficinas que realizamos com pro-
fessores e estudantes de graduação, há
Fig. 5. Espectro de emissão de um LED azul.
sempre um grande espanto quando vêem
restritas do espectro. Fótons com energias dar dois fios nos terminais da mesma (su- um relógio funcionando com a energia
muito diferentes de Eg não são efetiva- gerimos desmontar o relógio e soldar os “gerada” por um LED. A física de semi-
mente absorvidos pelos elétrons e não fios diretamente na placa). Ligue os termi- condutores pode ficar mais atrativa com
haverá a geração de pares elétron-buraco nais do LED aos fios do relógio e ilumine o estes experimentos que surpreendem nos-
nestas situações. Um LED que emita luz LED com uma luz bastante intensa, de pre- so senso comum.
verde, por exemplo, será um bom recep- ferência o Sol, e veja se o relógio funciona.
tor para luz verde, Se não funcionar, in- Notas
mas não para outras Muitos livros falam sobre o uso verta os fios, pois tanto 1
Diodo emissor de luz, em inglês. Os
cores do espectro. É das células fotovoltaicas, mas o LED quanto o relógio LEDs são aquelas lampadazinhas facil-
por este motivo que não fornecem detalhes sobre possuem polaridade. É mente encontradas nos painéis de equipa-
sugerimos utilizar seu funcionamento e nem possível fazer o relógio mentos eletroeletrônicos.
como fontes de luz, sugestões alternativas que o funcionar com uma 2
O buraco não é fundamentalmente
nos experimentos a professor possa utilizar para lâmpada incandescente uma carga positiva, mas sim, como o pró-
seguir, o Sol ou uma ilustrá-la na prática. Assim, - indicada para as de- prio nome sugere, a ausência de um elé-
lâmpada incandes- abordamos de forma sucinta o monstrações em dias tron.
cente, pois estas fon- funcionamento dessas células, nublados - mas neste 3
A banda de valência é a última banda
tes possuem um es- fornecendo uma base teórica caso devem ser usados de energia com elétrons ligados aos áto-
pectro contínuo de para a compreensão da no mínimo três LEDs mos em um sólido.
radiação, possuindo transformação direta da ligados em série. Esta
todas as freqüências energia solar em elétrica é uma estratégia para Referências
da luz. alcançar maior tensão, [1] Eduardo de Campos Valadares, Alaor S.
Para verificar a produção de tensão elé- se o professor desejar aplicá-lo em outras Chaves e Esdras Garcia Alves,
trica em um LED iluminado, basta ligar os situações. Em nossa versão, mostrada na Aplicações da Física Quântica: Do Tran-
seus terminais a um voltímetro para medir Fig. 6, colocamos os LEDs em um disco de sistor à Nanotecnologia (Livraria da
tensões contínuas na escala de 2 V e ilu- madeira e o fixamos em uma bola de Física, São Paulo, 2005), 1ª ed.
[2] Robert Boylestad e Louis Nashelsky,
minar o LED com uma fonte de luz intensa. desodorante roll-on. Utilizando este arti-
Dispositivos Eletrônicos e Teoria de
A tensão pode chegar a 1,5 V se o LED for fício é possível orientar os LEDs para a posi- Circuitos (Prentice-Hall do Brasil, Rio
exposto ao Sol. Embora a tensão seja ção de máxima incidência de luz. de Janeiro, 1994), 5ª ed.
relativamente alta, a corrente alcançada não [3] Reginaldo da Silva, Adenilson J.
passa de poucos microamperes, mesmo sob Conclusão Chiquito, Marcelo G. de Souza e
iluminação intensa. Tal fato pode ser Muitos livros falam sobre o uso das Rodrigo P. Macedo, Revista Brasileira
compreendido observando o tamanho do células fotovoltaicas, mas não fornecem de Ensino de Física 26
26, 379 (2004).
semicondutor do LED, que não passa de detalhes sobre seu funcionamento e nem [4] Marisa Almeida Cavalcante, Cristiane
R.C. Tavolaro, Dione Fagundes de
1 mm2. Uma célula fotovoltaica convencio- sugestões alternativas que o professor
Souza e João Muzinatti, Física na
nal possui uma grande área de material Escola 3 :1, 24 (2002).
semicondutor exposta à luz, de forma a [5] L. Nieves, G. Spavieri, B. Fernades e R.A.
poder absorver uma grande quantidade de Guevara, The Physics Teacher 3535, 108
fótons, ou seja, muita energia. Portanto é (1997).
necessária uma carga compatível para [6] Marisa Almeida Cavalcante, Cristiane
funcionar com uma corrente tão baixa; um R.C. Tavolaro e Rafael Haag, Fisica na
relógio digital é ideal para esta aplicação. Escola 6 :1, 75 (2005).
[7] Marisa Almeida Cavalcante e Rafael
O relógio digital usado por nós é do
Haag, Revista Brasileira de Ensino de
tipo encontrado em lojas de produtos po- Figura 6. LEDs funcionando como célula Física 27
27, 343 (2005).
pulares. É necessário retirar a bateria e sol- fotovoltaica.

28 Usando um LED como fonte de energia Física na Escola, v. 9, n. 1, 2008

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