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Resumo
A partir dos anos 90 vem se observando um crescente interesse pela agricultura familiar no
Brasil. Recentemente, tem sido destacada a dimensão territorial do desenvolvimento rural, que se
expressa na criação da SDT (Secretaria do Desenvolvimento Territorial) e na construção de um
projeto de desenvolvimento de base territorial. A análise retrospectiva permite afirmar que no
passado foram utilizadas outras denominações para se referir à agricultura familiar: na década de
50 e 60 prevaleceu a utilização do termo “camponês”, nos anos 70 a de “pequeno produtor” e,
mais recentemente a de agricultor familiar. Na última década está havendo uma tentativa de re-
significar o conceito de agricultor familiar e de tornar esta categoria central num modelo de
desenvolvimento. Todavia, há divergências em relação ao modelo proposto para a agricultura
familiar: existe uma visão onde o agricultor familiar está fortemente inserido nos mercados e
procura sempre adotar novas tecnologias e outra que destaca a autonomia relativa do pequeno
produtor, enfatizando a utilização de recursos locais e a diversificação da produção. Também há
divergências em relação ao papel dos assentamentos no desenvolvimento do país, pois alguns
acreditam na Reforma Agrária apenas como política social compensatória, enquanto outros lhe
atribuem um papel mais significativo no desenvolvimento. Em todo caso, a passagem do modelo
setorial para o modelo de base territorial só poderá se fundamentar na valorização da agricultura
familiar, na diversificação da economia local (incentivo ao setor de serviços e à pluriatividade) e
na Reforma Agrária, sendo necessário para isto o aprofundamento da discussão sobre o modelo
tecnológico, produtivo e organizacional mais apropriado para a agricultura familiar e para os
assentamentos da Reforma Agrária.
1. Introdução
1
Professora da UFBA, e-mail: aliruiz@ufba.br
2
Professora da FTC, e-mail: cadja@gd.com.br
2
Em recente reportagem o Prof. José Eli da Veiga expressa que as vantagens de uma
estratégia centrada na agricultura familiar ainda não foram bem percebidas pela sociedade
brasileira, apesar da implementação do PRONAF e das teses da FAO e outros organismos
internacionais que estudam a problemática do desenvolvimento. Segundo ele, não há qualquer
confirmação para a crença tão generalizada no Brasil de que as fazendas patronais sejam mais
eficientes que os sítios familiares, pelo que o desprezo reinante pela agricultura familiar é de
fundo político-ideológico. Também destaca nesse artigo o brutal poder devorador de postos de
trabalho da atual modernização das grandes lavouras, exemplificado no caso da cana-de-açúcar,
onde a demanda de força de trabalho foi cortada pela metade nos anos 90, apesar da expansão de
10% da área cultivada (VEIGA, 2003).
Nos últimos dois anos vem sendo sugerida uma perspectiva que reforça as idéias acima
apresentadas que é a dimensão territorial do desenvolvimento rural, onde as atividades agrícolas e
não-agrícolas devem ser integradas no espaço local, perdendo sentido a tradicional divisão
urbana/rural e ultrapassando o enfoque predominantemente setorial do espaço rural. No âmbito
das políticas públicas, isto se traduziu na criação da SDT (Secretaria do Desenvolvimento
Territorial), subordinada ao MDA, e na presente formulação de um projeto de desenvolvimento
territorial e de um novo modelo institucional para viabilizar este projeto.
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Assim, dada a relevância que estas temáticas vem tomando no período recente, torna-se
necessário indagar qual será o modelo produtivo e organizacional mais favorável para que os
agricultores familiares e os assentados da reforma agrária possam contribuir para dinamizar e
democratizar os espaços sócio-econômicos locais, promovendo o desenvolvimento rural (ou
territorial) sustentável.
Como expressa a Profa. Nazareth Wanderley “A agricultura familiar não é uma categoria
social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na sociologia rural. No
entanto, sua utilização, com o significado e abrangência que lhe tem sido atribuído nos últimos
anos, no Brasil, assume ares de novidade e renovação” (WANDERLEY, 2001: 21).
De meados dos anos cinqüenta até o final da década de 1960, os estudiosos concentravam
suas análises sobre a natureza das relações de produção no campo, reproduzindo, em grande
parte, os argumentos do debate que no marxismo ficou conhecido como “a questão agrária” e
predominava a utilização do termo camponês. Os pequenos proprietários, os arrendatários, os
parceiros, os posseiros e outras categorias sociais estavam contidos na noção de campesinato. M.
Vinhas, em “Problemas agrário-camponeses no Brasil”, publicado em 1968, classifica os
agricultores em: latifundiários, camponeses e assalariados, subdividindo os camponeses em ricos,
médios e pobres.
Era com esse argumento que, nos anos 60, se buscava cooptar os “setores progressistas”
da burguesia industrial a apoiar uma “Reforma Agrária Camponesa”, pela necessidade de
aumentar a oferta agrícola e ao mesmo tempo ampliar o consumo dos produtos das indústrias
nascentes. O Estatuto da Terra, aprovado em 1964, embora nunca chegasse a ser efetivamente
implementado, faz uma clara defesa da propriedade familiar, em parte pela influência das idéias
da Aliança para o Progresso, que buscava criar uma classe média de pequenos proprietários,
evitando o surgimento de revoluções agrárias e movimentos camponeses (GRAZIANO DA
SILVA, 1999).
Sob a ótica bem diferente, a professora Maria Isaura Pereira de Queiroz observava, em
1973, que o tradicional sitiante se enquadrava na categoria que a Sociologia Rural identificava
como camponês. Esse campesinato brasileiro, segundo a autora, teria sofrido certa invisibilidade
nos estudos sócio-antropológicos, pois muitos negavam sua existência, o que contrastava com a
forte presença desta categoria em outras manifestações, como a cultura e o folclore. Esta
invisibilidade não poderia ser explicada por sua contribuição marginal à produção ou por ser
numericamente pouco expressivo, pois constituía a maior parte da população rural e era
responsável em boa medida pelo abastecimento de alimentos para as grandes cidades. Contudo,
era reconhecido por Queiroz (1973) que o campesinato brasileiro já se encontrava em vias de
desaparecimento, persistindo ainda em certas regiões devido às condições locais. As mudanças
deveriam ser atribuídas ao crescente contato com o meio urbano e o mercado, isto é, à expansão
da produção em bases capitalistas.
Ressalte-se que a idéia de pequeno não tem ainda um conteúdo conceitual próprio e que
se procurava com essa terminologia desideologizar a questão, correspondendo ao período político
que se estava vivendo. Nesse contexto, o conceito de pequena produção tinha um caráter
operacional, normalmente vinculado à caracterização empírica dos grupos estudados, deixando
de lado a discussão sobre o camponês, categoria carregada de significado ideológico e político.
Nessa mesma época, tomou força a tese da “funcionalidade” da pequena produção, com
base nas idéias de Rosa Luxemburgo, para quem a subordinação do setor não-capitalista era
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condição necessária para a acumulação no setor capitalista, o que permitia uma espécie de
“acumulação primitiva contínua”, onde os pobres do campo alimentavam os pobres da cidade
(GRAZIANO DA SILVA, 1999).
Os camponeses são descritos por sua relativa autonomia na forma de gestão da força de
trabalho e do processo produtivo que se articula com o sistema econômico dominante. O trabalho
de Santos (1978), por exemplo, além de demonstrar os mecanismos internos de gestão e
funcionamento da economia camponesa, mostrou como essa subordinava-se ao capital.
Mais recentemente, já na década de 90, uma pesquisa realizada pela FAO (Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e pelo INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), cujo objetivo principal era estabelecer as diretrizes para um
“modelo de desenvolvimento sustentável”, escolheu-se como forma de classificar os
estabelecimentos agropecuários brasileiros pela separação entre dois modelos: “patronal” e
“familiar”. Os primeiros teriam como característica a completa separação entre gestão e trabalho,
a organização descentralizada e ênfase na especialização.
O modelo familiar teria como característica a relação íntima entre trabalho e gestão, a
direção do processo produtivo conduzido pelos proprietários, a ênfase na diversificação produtiva
e na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida, a utilização do trabalho assalariado em
caráter complementar e a tomada de decisões imediatas, ligadas ao alto grau de imprevisibilidade
do processo produtivo (Quadro 1) (FAO/INCRA, 1994).
A pergunta que surge é por que só agora o conceito de agricultura familiar ganha
centralidade? Um dos motivos, segundo alguns analistas, está associado à posição incômoda que
a questão do campesinato ocupou nas análises de influência marxista. Abramovay (1992),
analisando os motivos da falta de protagonismo do campesinato na análise marxista, sugere que
buscar uma explicação para essa categoria a partir de sua inserção na sociedade orientada pela
lógica do capital seria um equívoco, porque para o marxismo sua existência e reprodução sob o
capitalismo seriam antes de tudo uma incongruência. Para o autor,
Desta revisão conclui-se que na última década está ocorrendo uma tentativa de re-
significar o conceito de agricultura familiar. Em primeiro lugar, procura-se afastar a análise da
tese da inevitabilidade do seu desaparecimento, que além dos autores de linha conservadora foi
uma tese repetida até a exaustão por autores de influência marxista, seja na sua versão ortodoxa,
da diferenciação camponesa, ou na versão modificada pela idéia de subordinação, de
funcionalidade ou de integração/exclusão da agricultura familiar à lógica do capital, pois estas
teorias atribuem ao agricultor familiar um papel subordinado e um destino trágico no processo de
desenvolvimento.
Nesse sentido, entre as alternativas possíveis defende-se o modelo familiar por estar mais
próximo dos ideais da sustentabilidade.
Outra forma de se estudar as propriedades rurais é pela técnica de tipologia, que separar as
propriedades em tipos ou grupos homogêneos para se proceder às comparações. No estudo
3
Diferença entre receita e despesa (BLUM, 2001, p. 64)
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Agricultores consolidados são os que estão integrados no mercado, geralmente participam do agribusiness e são
capitalizados; agricultores em transição estão em fase de capitalização e os periféricos, também conhecidos como
descapitalizados, não possuem renda para crédito, não têm acesso a tecnologia e, portanto, estão à margem do
processo de crescimento.
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O Tipo C são grupos originados de famílias com tradição rural e camponesa das áreas de
ocupação colonial, operam em estabelecimentos inferiores a 50 ha, trabalham para reprodução e
alguma acumulação.
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VBP (Valor Bruto da Produção) é o valor da produção colhida, obtida de todos os produtos animais e vegetais
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Os critérios mais freqüentemente utilizados para diferenciar os tipos estão relacionados com: tipo
de tecnologia empregada, orientação para subsistência/ mercado, tamanho da propriedade e grau
de capitalização. Por isso, quando se fala de agricultura familiar está se referindo a um universo
diversificado, o que tem levado alguns autores até a questionar a utilidade desta categoria para a
implementação de políticas públicas.
Para esse autor, em lhe sendo favorável o ambiente e com apoio do Estado, a agricultura
familiar preencherá uma série de requisitos, dentre os quais fornecer alimentos baratos e de boa
qualidade para a sociedade e reproduzir-se como uma forma social engajada nos mecanismos de
desenvolvimento rural. O pensamento de Abramovay fica claramente evidenciado quando
expressa que “Se quisermos combater a pobreza, precisamos, em primeiro lugar, permitir a
elevação da capacidade de investimento dos mais pobres. Além disso, é necessário melhorar sua
inserção em mercados que sejam cada vez mais dinâmicos e competitivos”.6
Assim, existe uma visão onde o agricultor familiar está fortemente inserido nos mercados
e procura sempre adotar novas tecnologias. Em contraposição, há uma corrente que tem sido
caracterizada como “neo-populismo ecológico”, por resgatar alguns conceitos do pensamento de
Chayanov, que destaca a necessidade de preservar a autonomia relativa do pequeno produtor,
enfatizando a utilização de recursos locais, a diversificação da produção e outros atributos que
apontam para a sustetabilidade de alguns sistemas de produção tradicionais, quando
aperfeiçoados pelo emprego de tecnologias apropriadas. Nessa visão, a sobrevivência do
agricultor familiar teria muito mais de resistência do que de funcionalidade à lógica da expansão
capitalista.
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Texto disponível no site http: www.nead.org.br (consulta 01/12/2003).
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Contudo, a agroecologia não está pensando numa agricultura apenas de subsistência, mas a
integração ao mercado de produtos e insumos deve ser olhada com cautela, para não aumentar a
dependência do produtor. Por outro lado, a maioria dos autores que enfatizam a necessidade de
modernizar a agricultura familiar, também não ignoram os impactos ambientais e sociais que
muitas das chamadas técnicas modernas tem provocado ou poderão vir a provocar. Por isso,
pode-se concluir que estas visões não são antagônicas e que poderão ser compatibilizadas através
de conceitos como o comércio justo, a certificação solidária, o pagamento de serviços ambientais
e outros, que apontam para as dimensões econômicas, sociais e ambientais da agricultura
familiar.
Percebe-se que o ambiente rural brasileiro vem mudando no decorrer dos últimos anos,
principalmente, quanto as suas relações sociais e de trabalho, isso “[...] transforma as noções de
urbano e rural em categorias simbólicas construídas a partir de representações sociais que, em
algumas regiões, não correspondem mais a realidades distintas cultural e socialmente”
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(CARNEIRO, 1997, p. 11). A delimitação de fronteiras entre a cidade e o campo, a partir de uma
classificação sustentada em atividades econômicas ou mesmo em hábitos culturais, se torna cada
vez mais difícil.
Jara (2003) expressa que na época atual, marcada pela complexidade, contradição e
incerteza, taxas de mudança acelerada, interações intensas e fluxos de informação acelerados:
“estamos pressionados a auto-organizar o processo de desorganização permanente através de
novas institucionalidades”.
Estes conceitos sempre foram campo da sociologia e da antropologia, mas nos últimos
anos, e de forma paradoxal, em paralelo à expansão dos mercados, da competição e da
globalização, estas instituições locais passaram também a ser objeto da ciência econômica, na
chamada nova economia institucional ou sociologia econômica. O apoio mutuo e a confiança
pode se traduzir na redução de custos de transação para negociar com fornecedores e
colaboradores, representando uma vantagem competitiva que se expressa no conceito de “capital
social”.
Vale ressaltar que a política territorial não consiste em redistribuir riquezas já criadas, mas
em despertar os potenciais para a criação de riquezas, iniciativas e coordenações novas. Os
territórios não são um espaço neutro, mas eles vão se tornando verdadeiros atores, na medida em
que promovem e fortalecem as interações entre os atores locais. Isto é, o território está
constituído além da dimensão espacial, mas por uma dimensão social.
A maior parte dos territórios rurais no Brasil terá como um agente fundamental para a
construção dessa nova institucionalidade os agricultores familiares e suas organizações, pois eles
constituem a maior parte da população nos territórios não-urbanos no Brasil. Eles representam a
maior fonte de geração de emprego e renda nos municípios essencialmente rurais e, de modo
geral, constituem a categoria social mais organizada nesses territórios.
Sob esta ótica, os territórios: são projetos estratégicos que pressupõem a participação real
dos grupos interessados e uma nova relação entre sociedade civil e Estado, não mais centrada em
transferência controlada de recursos, mas em contratos de desenvolvimento entre atores locais e
Estado. O Fórum Internacional “Território, Desenvolvimento Rural e Democracia” (promovido
pelo IICA, MDA e EMBRAPA, com apoio do Banco Mundial e da CONTAG), que ocorreu em
Fortaleza-CE, em novembro de 2003, revela a articulação de diversas entidades, como
organizações internacionais, movimento sindical, governo, representantes do meio acadêmico e
entidades de apoio, como SEBRAE e Banco do Nordeste, na construção, ainda incipiente, desse
novo enfoque.
Para o Estado, os desafios colocados são, por um lado, que os grupos locais assumam o
próprio processo de desenvolvimento e, por outro, redefinir seu papel nessa construção. Já para
os agricultores familiares, os principais desafios estão associados à capacidade de organização,
capacitação e acesso a mercados diferenciados, para o qual será essencial a construção de
parcerias.
Embora quase todos os analistas concordem com a necessidade de realizar algum tipo de
reforma, há divergências em relação a seu caráter e dimensão. É freqüente a argumentação de que
a Reforma Agrária não pode ser colocada nos mesmos termos das décadas de 50 e 60, devido às
transformações sofridas pelo setor agrícola e pela sociedade nesse período. Palmeira e Leite
(1998) observam que houve uma inversão em relação ao sentido dos termos em relação aos anos
50 e 60: ao invés da bandeira da reforma agrária ser objeto de uma conscientização dos
camponeses promovida por uma elite urbana, o problema era agora as organizações de
trabalhadores “venderem” a uma cidade também transformada a idéia da reforma agrária e
conseguirem, junto com forças urbanas, levar o governo a realizá-la.
Alentejano (1996) identifica três visões sobre a Reforma Agrária nos anos 90: a) reforma
agrária como política social compensatória; b) reforma agrária como política distributiva; c)
reforma agrária como uma política voltada para a transformação do modelo de desenvolvimento
vigente.
Uma variante desta visão é a posição defendida por Graziano da Silva (1998) que, embora
reconhecendo algumas virtudes da reforma agrária, considera muito limitadas as possibilidades
de criação de empregos agrícolas, constatando que em diversos países o processo de
desenvolvimento esteve associado ao crescimento dos agricultores part-time e famílias
pluritativas, integrando atividades agrícolas e não agrícolas. O crescimento das atividades não
agrícolas também é constatado por este autor no Brasil, conformando o ele que denominou “novo
mundo rural”. Assim, Graziano defende a realização de “uma reforma agrária não essencialmente
agrícola”. Nas suas palavras: “os problemas fundamentais e dos preços podem ser revolvidos por
nossos complexos agroindustriais.(...) Por que não um assentamento que, além de arroz e feijão,
produzisse também casas populares? Ou um “pesque pague”que desse uma opção de lazer barato
às nossas classes médias baixas confinadas nas grandes metrópoles? Ou guardas ecológicos que
protegessem o entorno de nossos parques e reservas florestais e servissem de guias turísticos? Ou
de caseiros de “chácaras de recreio” com o acesso gratuito às terras garantido por regime de
comodato?” (GRAZIANO DA SILVA, 1998: 83-84).
A segunda visão está associada com contribuições teóricas que tem destacado a
centralidade da agricultura familiar e da reforma agrária. Algumas posições recentes de
organismos multilaterais, como o Banco Mundial resgatam o sentido econômico e não apenas
social da reforma agrária. Há argumentos que questionam a existência de significativas
economias de escala na agricultura e evidências do erro de considerar que a relação entre
redistribuição de renda e o crescimento econômico seria forçosamente negativa nas fases iniciais
do processo de desenvolvimento. Assim, foi se delineando a idéia de que a distribuição de ativos
(terra e educação) teria um papel a cumprir no processo de crescimento e desenvolvimento
econômico (GUANZIROLI et al. 2001).
Na visão de Abramovay e Carvalho Filho (1993) a reforma agrária pode ser definida
como o processo que permite ampliar a quantidade de pobres rurais capazes de se incorporar
como produtores na vida nacional pelo apoio que receberem de instrumentos de política agrícola.
Assim, esses excluídos poderiam se incorporar como produtores e consumidores através da
reestruturação do minifúndio, da transformação de arrendatários em proprietários, da
incorporação dos filhos dos agricultores como produtores rurais, dinamizando o processo de
crescimento econômico e fundamentando o desenvolvimento sobre bases mais sustentáveis.
Assim, aos argumentos clássicos para defender a realização da reforma agrária como a
necessidade de promover uma melhor distribuição de renda, aumento da oferta agrícola e
democratização do poder local, soma-se agora as novas “funções”, como a dinamização dos
espaços regionais, geração de emprego e sustentabilidade ambiental.
Mas, ao mesmo tempo em que a reforma agrária retomava sua centralidade no debate
sobre estratégias de desenvolvimento econômico, começaram a se discutir as estratégias mais
adequadas para implementar essas reformas. A proposta Marked Oriented do Banco Mundial
privilegia o crédito fundiário como forma de diminuir os problemas atribuídos às desapropriações
(falta de agilidade, escolha pouco apropriada das terras, preços elevados, etc.). Foi essa estratégia
que orientou, desde 1997, o projeto piloto, conhecido como “Cédula da Terra” e mais tarde o
Banco da Terra, que tem merecido severas críticas.
7. Considerações finais
No entanto, para que a agricultura familiar e a Reforma Agrária possam representar a base
do desenvolvimento territorial torna-se necessário aprofundar a discussão sobre o modelo
tecnológico, produtivo e organizacional destas unidades e sua contribuição para a construção da
sustentabilidade. Seria muito difícil imaginar o desenvolvimento dos territórios no Brasil atual se
não se acredita no potencial da agricultura familiar e da Reforma Agrária.
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