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O grafo e seu funcionamento

Os grafos

Um grafo é um objeto topológico de dimensão 1 sobre uma superfície, um composto de


pontos e vetores. Os esquemas L e R são grafos, mas, no início de seu ensino, Lacan não leva
em conta a superfície que realiza o suporte; fará isto posteriormente, com um objeto
bidimensional.

Estas escritas são possíveis a partir de Descartes, que inventa as coordenadas


cartesianas para algebrizar a geometria.

O grafo do desejo é um objeto topológico de quatro segmentos e quatro pontos.

Se fizermos sobre uma esfera os círculos de Euler-Venn, e passarmos as linhas de trás


para frente, constataremos que o grafo surge; portanto, o diagrama de Euler-Venn e o grafo
do desejo, como objetos topológicos, são iguais.

Se retirarmos um disco de uma esfera, teremos um plano. Em tal plano, poderemos


fazer qualquer um destes dois grafos. Tais grafos serão planares, já um grafo sobre um toro
não é um grafo planar.

O maior grafo planar tem 4 pontos e 6 segmentos, chama-se: grafo 4 completo. Um


grafo é planar se todos os subgrafos nele que se possam isolar sejam partes dele. O grafo 5
completo já não é planar, uma vez que é necessário construí-lo sobre um toro.

O que interessa a Lacan é a orientação dos grafos, não só os segmentos, como também
os vetores que unem os pontos, os circuitos possíveis entre os pontos de cruzamento.

O grafo do desejo

Lacan iniciou os Seminários 3 e 4 com o esquema L; no Seminário 5 começa a


desenvolver o grafo do desejo. No início, são somente duas linhas que se cruzam, a cadeia
significante e a cadeia significada. Chama esses pontos de cruzamento de pontos de estofo.
No entanto, logo diz que o significado é de outra ordem, que a linha horizontal é a
cadeia significante com seu funcionamento de metáfora e metonímia. A linha que retrocede é
a do discurso corrente, de modo que as duas vão em sentidos contrários e se cortam.

De início, nomeia os cruzamentos com letras gregas, mas esta nomeação não se
mantém, passa a utilizar depois diretamente os designações que manterá ao longo de sua
obra.

é o primeiro cruzamento. Situa aí o código, isto é, o Outro (grande Outro) como


tesouro do significante.

O segundo cruzamento, , é um lugar da mensagem, onde se produz o sentido.

Acrescenta o eixo imaginário . Pode-se notar aí que é a partir do eu que se


profere o discurso.

As duas linhas progridem ao mesmo tempo, quando se encontram em constitui-se o


Outro. Retroativamente, o grito é significado como mensagem que tem sentido.

Depois, construirá um piso a mais para “o desenvolvimento que damos a fórmula do


Outro como sujeito", diz Lacan. Efetivamente, enquanto tesouro do significante, o Outro é
completo, não está barrado. Porém, a partir da pergunta que o sujeito faz, "Que quer o
Outro?", sobrevém a necessidade de atribuir-se um lugar para que o Outro barrado ser
localizado.

Lacan apresenta três circuitos no grafo:

Partindo do eu e passando pelo Outro da linguagem; o desejo sustenta o


Fantasma ( ), que está na base do sintoma e contém a imagem especular ( ). O circuito
se fecha com o vetor que, partindo do eu, alcança a imagem especular.

Esta é a linha da demanda que, partindo do sujeito mítico da necessidade ( , passa


por A e encontra a resposta, e encontra a resposta, o significado do Outro ( ), que produz
o sintoma; com os significantes da demanda se produzirão as identificações articuladas em
e em ; neste nível, a resposta da mãe dita por si mesma a lei, isto é, submete o sujeito a
sua arbitrariedade. A partir da dupla demanda, o desejo ( ) se reproduzirá para mais além,
sendo então necessária a construção do segundo piso do grafo.

Esta a linha representa a intervenção de outra instância, a presença paterna, que se


assinala numa posição para além da mãe. Em tal ponto, partindo de , uma vez que se trata aí
do sujeito constituído. Passando pelo Outro da linguagem, pelo lugar de onde a dupla

demanda perverte a necessidade, ocasionando marcas no corpo ( ). Nesta posição, o


sujeito enfrenta pergunta pela falta no Outro

O circuito se fecha com o vetor que parte do significante sem referência , que é o
objeto da privação. Alcança aí o significante da falta no Outro .

Posteriormente, Lacan vai usar os dois pisos para representar diversas coisas, como por
exemplo: enunciado e enunciação, sugestão e transferência, etc.. Trata-se, como qualquer
objeto topológico, de usá-lo como uma escrita, ou seja, usá-lo para escrever...

Aqui vemos que os circuitos são diferentes dos anteriores, em cada piso aparecem
circuitos em 8, que permitem representar a repetição:

A s(A) A i(a) m s(A) A

Este é o circuito da constituição do sujeito em relação às identificações imaginárias e


simbólicas, que se resume em frente ao espelho.

($<>D) S(A) ($<>D) d ($<>a) S(A) ($<>D)

Este é o circuito da constituição do sujeito em relação à falta no Outro.

Os dois pisos não dão conta de uma cadeia evolutiva, devem ser pensados como sendo
sobrepostos.
Ao final do Seminário 5, Lacan usa o grafo para pensar a neurose, colocando nele os
circuitos da histeria e da neurose obsessiva, a partir de sua relação com o desejo.

Os histéricos dedicam-se a fazer subsistir o objeto do desejo como sendo independente


de toda a necessidade, e até mesmo de toda a demanda, ignorando a sua relação com a falta;
para fazer isso, relacionam-se com o desejo por identificação.

No piso inferior, o eu – – conecta-se com a imagem especular – – sem passar


pela articulação ; no piso superior, o desejo – – articula-se com um fantasma –
($<>a) – idealizante, ignorando a articulação da pulsão – ($<>D) – com o significante da
falta no Outro – . Deste modo, não há circulação, o objeto está fixado, e não há perigo de
se deparar com a falta.

Além dessas identificações com formações que contêm o objeto, permitem ao sujeito
histérico tomar uma posição enigmática, que casa bem com a sua apresentação como uma
alma bela.

O obsessivo percebe a associação de seu desejo com o de seu rival, passando a se


empenhar em destruir o desejo deste; entretanto, como o desejo é o desejo do Outro, está
destruindo o Outro e o seu próprio desejo.

Privilegiando a demanda, mantém o desejo a uma distância suportável, que preserve o


Outro de sua destruição. De tal modo, privilegia o vetor imaginário e projeta no outro a sua
própria agressividade.

No seminário "O desejo e sua interpretação", Lacan dá seguimento ao desenvolvimento


do grafo, mas por não se dispõe dos desenhos originais, de sorte que este texto não parece ser
confiável; assim, vamos passar a utilizar o escrito "Subversão do sujeito...”, que é
imediatamente posterior.

Lacan diz que vai usar o grafo "para apresentar onde se situa o desejo em relação com
um sujeito definido através de sua articulação pelo significante."

Inicia o desenvolvimento, apresentando a célula elementar, o ponto de estofo, que já


vimos. Este é o ponto através do qual o significante detém o deslizamento da significação que,
caso contrário, seria indefinido.

O primeiro ponto de cruzamento, , o tesouro da linguagem, que já não se chama


código, pois que não se trata de signos, mas sim de uma reunião sincrônica que significa por
diferença – este é um lugar.
O segundo ponto de cruzamento, , pontuação onde se constitui a significação, é um
momento. O sujeito se constitui em , onde recebe a sua mensagem do Outro – este é um
momento. Este sujeito se constitui em , onde recebe a mensagem do Outro.

Em seguida, apresenta o que será o primeiro piso do grafo definitivo, onde, como vimos,
representam-se as identificações imaginária e simbólica, que se constrói frente ao espelho, o
que faz notar que o circuito das identificações imaginárias está em curto-circuito com o das
identificações simbólicas.

A passagem para o 2° piso estabelece o advento do "che vuoi", alargando o vetor direito
em forma de interrogação.

Uma vez que o Outro também está submetido ao significante, também está ausente; e,
sendo demanda, o sujeito pode perguntar o que quiser, até mesmo, o que quer muito, para
além do gozo daquilo que diz. “Que queres?” que para o sujeito é “Que queres de mim?”, “Que
sou objeto para ele em minha condição de vivente?”

A falta de resposta para essa pergunta é a principal fonte de angústia, cuja defesa é o
desejo que se sustenta no fantasma.

Para articular as duas demandas, termina o grafo.


Diana Rabinovich propõe pensar o lado direito como o das perguntas e o esquerdo
como o das respostas, tomando a reinterpretação do grafo que faz Lacan no ano de 68, que
situa no 1° piso, a enunciação, e no 2°, a demanda.

Situa em A pergunta “Que sou eu?”, dirigindo-se a , de onde volta, como resposta,
uma significação profundamente alienada. Neste piso, situamos o nome do sujeito do recalque
primário, a identificação imaginária em curto-circuito, e o ideal do eu como resultado.

Mas é também o sintoma, as formações do Inconsciente, as significações que o


sujeito lê como respostas à sua pergunta, no discurso do Outro; situamos aqui, portanto, o
Inconsciente, a enunciação.

No 2° piso, já o Outro é barrado por sua incapacidade de responder à pergunta acima.


De , parte da pergunta: “Que queres de mim, desejas?” para , de onde ainda
não vem a resposta. Aqui a pergunta aponta para o gozo, perdido por obra do significante, isto
é, que este é o nível do Isso.

é o ponto de debilidade, apagamento, do Outro, de Hilflosigkeit (desamparo), o


ponto de angústia perante o gozo do Outro e diante do enigma do desejo do Outro.

A partir daí, o sujeito tem que ir para além da demanda, ao desejo de sair da angústia;
mas o gravo vem nos mostrar que é um nó, porque aí chega também um vetor a partir de :
o desejo é o desejo do Outro.

A partir de , articulado, mas não articulável, novamente em curto-circuito imaginário, o


sujeito tenta uma resposta que é , o fantasma.

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