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E. A. M. Ferrari & cols.
está presente em todas as etapas da ontogenia, inclusive na pelo sistema nervoso central para o controle de respostas
fase adulta e durante o envelhecimento. A capacidade de vegetativas, motoras e cognitivas. Essas respostas constitu-
modificação do sistema nervoso em função de suas experi- em os padrões comportamentais que atuam sobre e modifi-
ências, tanto em indivíduos jovens como em adultos, foi re- cam esse ambiente.
conhecida apenas nas últimas décadas (Rosenzweig, 1996). Do mesmo modo que o comportamento altera a probabili-
O presente trabalho pretende indicar as relações entre os dade de outros comportamentos (Catania, 1999), a atividade
processos comportamentais e a plasticidade neural, caracteri- neural altera a probabilidade das funções neurais. Uma das
zando as abordagens no estudo experimental da plasticidade evidências para este fato é que tanto as situações de mera ex-
neural que evidenciam essas relações. Procurar-se-á demons- posição à estimulação ambiental quanto às situações de trei-
trar que a plasticidade neural é determinada por interações namento sistemático em aprendizagem resultam em altera-
organismo-ambiente e está diretamente relacionada com a ções no comportamento e nos circuitos neurais (Rosenzweig,
plasticidade comportamental, característica dos processos de 1996). Ou seja, subjacentes aos processos comportamentais
aprendizagem e memória (Cerutti, Cintra, Diáz-Cintra & de aprendizagem e de memória encontram-se as alterações
Ferrari, 1997; Cerutti & Ferrari, 1995a, 1995b; Cerutti, Ferrari funcionais e morfológicas que ocorrem no sistema nervoso e
& Chadi, 1997; Eichenbaum, 1999; Izquierdo, Medina, que caracterizam a plasticidade neural (Cuello, 1997). Desse
Vianna, Izquierdo & Barros, 1999; Tsukahara, 1981). modo, verifica-se que os processos comportamentais e os pro-
cessos de plasticidade neural possuem relações mais estreitas
Comportamento e Plasticidade Neural e complexas do que se supôs durante muito tempo.
Em resumo, considera-se que tal como o ambiente dife-
No estudo do comportamento, um dos princípios bási- rencia e modela a forma e função das respostas de um orga-
cos afirma que as propriedades funcionais do comportamento nismo, a interação organismo-ambiente também diferencia
são determinadas pelas relações, simples ou complexas, en- e molda circuitos e redes neurais. Cada indivíduo tem um
tre os estímulos e as respostas de um organismo (Skinner, padrão comportamental característico, resultante de sua his-
1981). São essas relações que definem as contingências de tória pessoal de reforçamento, assim como tem um sistema
reforçamento que alteram a freqüência de classes de respos- nervoso com características próprias, resultantes também de
tas. Os objetivos primordiais da análise do comportamento sua história de interação com o ambiente externo. Essas ca-
relacionam-se com a identificação, a descrição e a progra- racterísticas do sistema nervoso atribuem uma individuali-
mação de relações condicionais que estabelem e controlam dade neural ao indivíduo que se relaciona, conseqüentemente,
a probabilidade de classes de comportamento (Baum, 1999; com a sua individualidade comportamental (Kandel &
Catania, 1999). Hawkins, 1992).
As pesquisas orientadas por tais objetivos permitiram o
acúmulo de um conjunto de dados e procedimentos com só- Plasticidade Neural: Abordagens Experimentais
lida fundamentação experimental e conceitual (Catania,
1999), cuja importância abrange não apenas as questões Numa forma abrangente, plasticidade neural pode ser
investigadas pela Psicologia, mas também questões de ou- definida como uma mudança adaptativa na estrutura e nas
tras disciplinas científicas. Para citarmos um exemplo, a funções do sistema nervoso, que ocorre em qualquer estágio
metodologia e os conceitos derivados da análise do compor- da ontogenia, como função de interações com o ambiente
tamento têm fornecido a possibilidade de linhas de base interno ou externo ou, ainda, como resultado de injúrias, de
comportamentais adequadas para as investigações dos me- traumatismos ou de lesões que afetam o ambiente neural
canismos biológicos subjacentes ao comportamento. Assim, (Phelps, 1990).
a validade do conhecimento científico sobre o comportamen- De acordo com Pia (1985), o termo plasticidade foi in-
to transcende os limites da Psicologia como disciplina cien- troduzido por volta de 1930 por Albrecht Bethe, um fisiolo-
tífica específica e integra-se a áreas de conhecimento com gista alemão. Plasticidade seria a capacidade do organismo
caráter multidisciplinar. Nesse sentido é que se desenvolve- em adaptar-se às mudanças ambientais externas e internas,
ram as disciplinas denominadas Psicofarmacologia, Psicobio- graças à ação sinérgica de diferentes órgãos, coordenados
logia e Psicofisiologia. pelo sistema nervoso central (SNC). Os trabalhos pioneiros
Mais recentemente, o desenvolvimento científico dessas de Santiago Ramón y Cajal e Eugênio Tanzi (citados por
e de outras áreas propiciaram o surgimento de uma nova Rosenzweig, 1996) sobre regeneração neural apresentam
disciplina científica integradora de metodologias e concei- relações mais diretas entre plasticidade e o sistema nervoso.
tos neurofisiológicos, psicológicos, farmacológicos, bioquí- Como assinala Rosenzweig (1996), Tanzi, propôs a hipóte-
micos, anatômicos e genéticos: a neurociência. O seu prin- se de que durante a aprendizagem ocorreriam mudanças plás-
cípio básico é que o ambiente físico e social determina a ticas em junções neuronais enquanto que Cajal aventou a
atividade de células neurais, cuja função, por sua vez, deter- possibilidade de que o exercício mental poderia causar mai-
mina o comportamento (Kandel, Schwartz & Jessell, 1995; or crescimento de ramificações neurais.
Strumwasser, 1994). O ambiente fornece estímulos/informa- Na literatura recente, os estudos sobre a plasticidade do
ções que são captados por receptores sensoriais e converti- sistema nervoso podem ser classificados como pertencentes
dos em impulsos elétricos, que são analisados e utilizados à categoria daqueles que manipulam o ambiente e analisam
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Plasticidade Neural e Comportamento
as mudanças morfológicas e/ou funcionais em circuitos rantir que: (a) o comportamento observado após a lesão
neurais, denominados de estudos de plasticidade neural ou à mantém as suas características topográficas e funcionais exis-
categoria de estudos que enfatizam as mudanças comporta- tentes numa linha de base pré-lesão; (b) a recuperação de
mentais após traumatismos ou lesão do sistema nervoso, um comportamento não interfere negativamente na ocorrên-
denominados de recuperação de função (Kolb & Whishaw, cia de outros comportamentos; e (c) o comportamento apre-
1989). Nestes casos, agudamente, ocorrem mudanças no te- senta regularidade de freqüência e se mantém a longo-prazo.
cido nervoso que têm como função a manutenção da
homeostasia do organismo, além de promover a cicatriza- Alterações no Sistema Nervoso e experiência
ção e o reparo tecidual (Finger & Almli, 1982; Kolb &
Whishaw, 1989). Ao mesmo tempo, pode haver um período O interesse pelos efeitos da experiência, do treino e do
em que se observa uma ausência ou diminuição na freqüên- exercício sobre o cérebro já aparece em relatos do século
cia de uma ou mais classes de comportamentos. Assim, o XVIII. Experimentos de Bonnet e Malacarne (Bonnet 1779-
termo recuperação de função refere-se à situação em que se 1783; conforme citado por Rosenzweig, 1996) indicaram
observa aumento na freqüência ou magnitude de um com- que os cérebros de animais que recebiam treinamento siste-
portamento após um período de freqüência ou magnitude mático durante anos tinham um cerebelo mais desenvolvi-
zero, como conseqüência de trauma, intervenção cirúrgica do, com maior número de circunvoluções. Contudo, os con-
ou lesão do sistema nervoso. ceitos e proposições relacionando plasticidade do SNC e
As questões relativas à plasticidade neural têm sido ana- comportamento, somente foram provados experimentalmen-
lisadas tanto ao nível molecular, focalizando mecanismos e te a partir da década de 1960. Isso se deve a um grupo de
processos celulares, como também ao nível de sistemas pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley,
neurais e comportamentais. Dentre essas questões, destacam- que iniciou uma profícua linha de investigações cujos pro-
se as referentes ao desenvolvimento neural, à recuperação cedimentos e questões experimentais, embora sem que sou-
de função e à reorganização morfofuncional de circuitos bessem na época, como afirma Rosenzweig (1996), eram
neurais correlacionados com a aprendizagem, consolidação similares àqueles de seus desconhecidos predecessores.
de memória ou com lesões neurais (Morris, Kandel & Squire, O procedimento básico de Rosenzweig e colaboradores
1988; Weinberger & Diamond, 1987). Na investigação das (Rosenzweig, Krech, Bennett & Diamond, 1962) utilizou o
relações entre plasticidade neural e comportamento, verifi- arranjo de gaiolas-viveiro diferentes daquelas comumente
cam-se diferentes níveis de análise comportamental, inclu- encontradas em biotérios, contendo animais em conjunto ou
indo desde a análise de respostas específicas que são apren- alojados individualmente. No arranjo ambiental utilizado as
didas e memorizadas, até a avaliação de padrões comporta- gaiolas-viveiro eram maiores e ofereciam uma grande quan-
mentais mais complexos, envolvidos na recuperação de fun- tidade e variedade de estímulos, tais como objetos de for-
ção (Phelps, 1990; Rosenzweig, 1996; Silva, Giese, Federov, mas diferentes, espelhos, rodas de atividade, escadas, além
Frankland & Kogan, 1998). de diferentes possibilidades para conseguir alimento. Ob-
As pesquisas em plasticidade neural, segundo os critéri- servou-se, consistentemente, que, em diferentes idades, a
os propostos por Kolb & Whishaw (1989), enquadram-se interação com esses ambientes ricos em estimulação resulta
em três categorias gerais: (a) metabólicas: que analisam al- em alterações específicas do SNC. Entre essas alterações
terações da atividade metabólica em áreas corticais e estavam incluídos o aumento na espessura das camadas do
subcorticais, tanto no mesmo hemisfério em que se locali- córtex visual, no tamanho de corpos neuronais e de núcleos
zam as lesões (ipsilaterais) quanto no hemisfério oposto dos corpos neuronais, no número de sinapses e na área das
(contralaterais); (b) neuroquímicas: que focalizam as altera- zonas de contato sináptico, no número de dendritos e de es-
ções funcionais nas sinapses, investigando processos/meca- pinas dendríticas, no volume e no peso cerebral, além de
nismos que aumentam a síntese de neurotransmissores, a li- alterações em níveis de neurotransmissores. Em resumo, to-
beração de neurotransmissores ou a potencialização das res- das as características morfológicas e funcionais de áreas cor-
postas pós-sinápticas, em decorrência de situações estimula- ticais sofreram alterações importantes em função da mera
doras, de aprendizagem ou de lesões e (c) morfológicas: que exposição e da interação com ambientes que fornecem di-
caracterizam e enfatizam as modificações na estrutura das versidade de estímulos (Rosenzweig, 1996).
sinapses e neurônios, tais como a regeneração e ramificação A manipulação das condições de estímulo, restringindo-
de axônios, aumento do tamanho de corpos celulares, do as, como nos estudos de privação sensorial (Hubel & Wiesel,
número de dendritos, do número de neurônios e de sinapses. 1965), ou otimizando-as, como nos estudos de exposição a
Essas categorias não são exclusivas e podem ser combina- ambientes considerados ricos em estimulação (Krech,
das em um mesmo estudo. Rosenzweig & Bennett, 1960; Rosenzweig, 1996) constitui
A classificação de Kolb & Whishaw (1989) é didática e, uma das abordagens clássicas no estudo da plasticidade
assim, será por nós utilizada para caracterizar diferentes ti- neural. Esses estudos mostraram novas e interessantes pers-
pos de questões e de abordagens experimentais à plasticidade pectivas para a análise dos efeitos da experiência sobre o
do sistema nervoso e evidenciar que a análise comportamental sistema nervoso.
é parte fundamental dessas investigações. Em qualquer in- O Professor Hendrik Van der Loos foi também um pio-
vestigação, uma análise comportamental válida deverá ga- neiro no que se refere à análise de alterações corticais em
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função de estimulação ou privação de sensações providas lesões decorrentes de disfunções circulatórias, como em ca-
pelas vibrissas em roedores. As vibrissas de camundongos sos de acidentes vasculares cerebrais ou de intervenções ci-
são importantes receptores de estimulações sensoriais do rúrgicas, podem ocorrer perdas neuronais e distúrbios fun-
ambiente, tais como vibração, contato, pressão e desloca- cionais nessa rede neural. Nesses casos, as alterações de fun-
mento. A mobilidade das vibrissas constitui um componen- ção ocorrem não apenas nas áreas diretamente afetadas, mas
te básico da resposta de exploração nesses animais. Tais re- também em outros sítios neurais direta ou indiretamente
ceptores periféricos têm projeções específicas para regiões conectados a elas. Como resultado final são observados pre-
corticais, onde possuem uma representação topográfica, com juízos comportamentais e cognitivos (Cerutti e cols., 1997;
áreas em proporções correspondentes à sua importância fun- Cuello, 1997).
cional. As características anátomo-funcionais das regiões de Por essas razões, os estudos de recuperação de fun-
representação topográfica dos folículos das vibrissas no cór- ção após lesões ou traumas neurais, que abordam a análise
tex somatossensorial de camundongos adultos variam, as- de casos clínicos e de modelos animais da plasticidade neural,
sim, em função da quantidade e qualidades de estimulação. constituem um outro conjunto importante de investigações
O estudo de Welker, Rao, Dorfl, Melzer & Van Der Loos (Cuello, 1997; Finger & Almli, 1982; Geschwind, 1984;
(1991) é um exemplar dos estudos que analisam os substratos Stein, Finger & Hart, 1983). No laboratório, os estudos ex-
neurais da experiência com estímulos sensoriais. Camun- perimentais com animais que avaliam a organização estru-
dongos receberam implantes de minúsculas peças de metais tural do SNC após lesões fornecem modelos úteis para o
em um número restrito de vibrissas, as quais foram estimu- estudo dos mecanismos, das mudanças anatômicas e funci-
ladas passivamente por pulsos de ondas eletromagnéticas (40 onais subjacentes à recuperação de função ( Kolb & Whishaw,
mseg, 9-Hz) a cada 70 mseg. Os períodos de estimulação 1989).
passiva duraram 1, 2 ou 4 dias. A seguir tiveram um teste de
estimulação ativa pela exposição por 45 minutos a uma gai- Recuperação de alterações comportamentais induzidas
ola nova, contendo vários pedaços de madeira. Como os por lesão no SNC
autores estavam interessados em analisar o que acontecia
nos neurônios corticais desses animais, utilizaram um Diferentes classes de comportamento motor têm sido
marcador radioativo de atividade e de metabolismo neuronal analisadas no estudo da reorganização do substrato neuroana-
que era injetado alguns minutos antes da sessão de explora- tômico da recuperação comportamental após lesão no SNC.
ção. Utilizaram para isso uma substância similar à glicose, a A locomoção, por exemplo, constitui uma dessas classes
2-Deoxi-D-Glicose (2-DG) que, embora seja captada pelas comportamentais. A organização de padrões locomotores
células, não é metabolizada e fica nelas acumulada. Essa ocorre a partir de estímulos espaciais e proprioceptivos, que
forma foi escolhida para detectar as alterações na atividade são processados e integrados pelos dois hemisférios cere-
metabólica neuronal durante a exploração de um ambiente brais, em áreas corticais somatossensoriais e motoras bem
novo. Nessa situação os animais submetidos à estimulação como em outras estruturas que compõem os sistemas moto-
passiva das vibrissas, em comparação com os animais-con- res (medula espinhal, tronco encefálico, cerebelo, tálamo,
trole, apresentaram menor ativação neuronal ao nível do núcleos da base). Toda essa integração neural envolve uma
córtex somatossensorial e do tronco encefálico. Ao mesmo modulação neuroquímica muito sutil com a ação de diferen-
tempo, principalmente nas áreas vizinhas às colunas corticais, tes neurotransmissores, dentre os quais a dopamina tem uma
ocorreram alterações na síntese e na liberação do GABA função primordial. Um conjunto importante de neurônios
(ácido-gama-amino-butílico), o principal neurotransmissor que sintetizam e liberam a dopamina encontra-se na subs-
inibitório no sistema nervoso. Esses resultados mostram que tância negra (SNe), uma estrutura localizada no mesencefálo.
a estimulação imposta ao organismo resultou em alterações Esses neurônios dopaminérgicos projetam-se para os núcle-
de processos celulares no SNC, que são indicativas de me- os da base e seus axônios constituem o sistema dopaminérgi-
canismos que caracterizam a plasticidade neural. Ou seja, as co negroestriatal. Se houver lesão na SNe em apenas um dos
diferentes interações do organismo com uma classe de even- hemisférios, ocorrerá um desequilíbrio inter-hemisférico na
tos ambientais foram correlacionadas com mudanças no modulação dopaminérgica da motricidade, resultando em
SNC. dificuldades de locomoção e no aparecimento de um com-
portamento rotacional em torno de si mesmo, contínuo, es-
Recuperação de Função e tereotipado e assimétrico. A análise desse comportamento
Lesões Neurais no SNC rotacional induzido por lesões no sistema motor tem sido
útil para estudo de neuroplasticidade e, inclusive, como mo-
O SNC é considerado como o produto biológico mais delo animal de patologias como a síndrome de Parkinson
elaborado e complexo da nossa história evolutiva. Os bilhões (Schwarting & Huston, 1996).
de neurônios e correspondentes conexões sinápticas, asso- Morgan, Nomikos e Huston (1991) analisaram as mudan-
ciados às células da glia, formam uma rede neural complexa ças no sistema dopaminérgico negroestriatal subjacentes à
que faz a integração funcional de estruturas neurais diferen- recuperação da simetria do comportamento rotacional em ra-
tes e, muitas vezes, distantes (Moonen & cols., 1990). Quan- tos induzido por lesão. Usaram injeção unilateral de uma subs-
do o cérebro sofre traumatismos, causados por pancadas ou tância que provoca a morte de neurônios dopaminérgicos do
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sistema negroestriatal. Após as lesões, foram analisadas dife- Ambos os sistemas têm um denso padrão de axônios que se
rentes categorias de comportamento, incluindo a não ocor- projetam para as áreas pré-frontais, transmitindo informa-
rência, a diminuição ou a manutenção do comportamento ções cruciais para o córtex pré-frontal. Foi usado um marca-
assimétrico durante os testes. Os animais que mostraram recu- dor neuronal anterógrado (captado ao nível do corpo celular
peração do comportamento de rotação, ou seja, a diminuição e transportado pelo axônio até sua terminação pré-sináptica)
da assimetria, reduziram o número de rotações ipsilaterais à para analisar essas projeções. Esse marcador foi injetado nos
lesão e, com o tempo, aumentaram o número de rotações núcleos neuronais cujos axônios se projetam para o córtex
contralaterais. A análise histológica usou um marcador pré-frontal. Após o teste de alternação espacial com atraso,
neuronal retrógrado (captado nos terminais das fibras pré-siná- os animais foram sacrificados e os cérebros foram processa-
pticas e transportado até o corpo celular), injetado nos núcle- dos para a obtenção de cortes cerebrais, marcação imunohis-
os da base. Assim, foi possível observar que os animais que toquímica e análise de axônios dopaminérgicos.
mostraram a recuperação comportamental apresentaram mai- Os ratos que sofreram lesões bilaterais neonatais mos-
or número de células marcadas na SNe. Esses dados sugeri- traram desempenho similar aos animais-controle. Ao con-
ram que os axônios remanescentes à lesão desenvolveram ra- trário, os ratos que foram lesados quando adultos mostra-
mificações e estabeleceram novos contatos sinápticos, um dos ram maior número de erros no teste do labirinto em T, não
processos que caracterizam a plasticidade pós-lesão. Ou seja, alcançando o critério de aprendizagem. A maioria das le-
após a lesão ocorreu uma recuperação comportamental sões realizadas no período neonatal não apresentou uma indi-
correlacionada com mecanismos celulares e processos fisio- cação morfológica precisa, exceto como uma cicatriz, en-
lógicos relacionados com a formação de novas sinapses e al- quanto que todas as lesões realizadas em ratos adultos, fo-
terações funcionais daquelas sinapses remanescentes. ram visíveis como uma cavidade limitada por tecido glial. A
análise morfológica também não revelou perda de células
Desenvolvimento, aprendizagem e correlatos dopaminérgicas, tanto após as lesões neonatais, quanto na
neuroanatômicos pós-lesão idade adulta. Contudo, em todos os ratos com lesões neona-
tais, foi observado um aumento da densidade dos axônios
O desenvolvimento do sistema nervoso é caracterizado dopaminérgicos em todas as camadas do córtex, acompa-
por mudanças que normalmente são consideradas como evi- nhado por um aumento de ramificação dos axônios e uma
dências da plasticidade do sistema. Durante a embriogênese maior quantidade de vesículas sinápticas, em comparação
são gerados números excessivos de neurônios e, por isso, com os animais controles. O aumento dos axônios e das
uma grande parte desses é eliminada por um processo de vesículas pode ser uma indicação de maior atividade dopa-
morte celular que é regulado geneticamente e que resulta minérgica ou de um acúmulo de dopamina nos terminais
num ajuste fino da população neuronal (Oliveira, 1999). Após pré-sinápticos. Em resumo, esses dados indicam a ocorrên-
o nascimento, ocorre a regulação da população e da circuitaria cia da plasticidade neural em dois momentos do desenvolvi-
neuronal em momentos que são considerados períodos críti- mento ontogenético, demonstrando uma capacidade reorga-
cos no desenvolvimento. Ou seja, durante esses períodos são nizadora mais efetiva do sistema nervoso quando as lesões
definidas tanto a sobrevivência de neurônios que estabele- ocorreram precocemente, logo após o nascimento.
ceram contatos sinápticos eficientes quanto a manutenção
dessas sinapses. Essa regulação da circuitaria neural resulta Efeitos a longo prazo de lesões neurais sobre a
de uma coordenação sutil e complexa entre as atividades interação neurônio-glia e a aprendizagem
dos elementos pré- e pós- sinápticos, que garantem a inte-
gridade e a plasticidade do neurônio. Além de toda a importância da função neuronal, deve-se
Muitas vezes, o conceito de períodos críticos é usado lembrar que o tecido neural é constituído de um agregado
como justificativa para a existência de maior plasticidade complexo de células que constitui uma rede de comunica-
neural ou de maior capacidade de reorganização e de recu- ção entre os neurônios e a neuroglia. A literatura tem colo-
peração funcional em cérebros jovens, em comparação com cado ênfase crescente no fato de que neurônios e células
cérebros adultos. Foi nesse sentido que Brabander, Van Eden gliais atuam como uma unidade fisiológica com função fun-
e De Bruin (1991) investigaram se haveria diferenças de damental na organização neural do comportamento. As cé-
aprendizagem entre ratos que sofreram lesões do córtex pré- lulas gliais sempre foram consideradas elementos importan-
frontal medial no período neonatal ou na idade adulta. A tes do microambiente neural por participarem em processos
análise da manutenção da função comportamental avaliou o durante o desenvolvimento neural e na regulação do meio
comportamento de escolha entre os braços do labirinto em extracelular neural. Porém, apenas recentemente surgiu uma
T, com alternação a cada tentativa, inicialmente com um in- maior compreensão das complexas interações neurônio-
tervalo de zero segundos (sem atraso) e com intervalo de 15 astrócito/microglia e de sua participação no desenvolvimen-
segundos (com atraso). Foram investigadas as mudanças to de plasticidade de conexões sinápticas e, consequente-
neuroanatômicas em dois sistemas neurais com conexões ao mente, em processos de plasticidade neural e de aprendiza-
córtex pré-frontal medial: uma projeção talâmica e uma pro- gem (Aldskogius & Kozlova, 1998; Cerutti & Ferrari, 1995b;
jeção de fibras dopaminérgicas (sistema dopaminérgico Moonen & cols, 1990; Ridel, Malhotra, Privat & Gage, 1997).
meso-cortical) da área tegmental ventral do mesencéfalo. A correlação entre ativação de células da glia e recupe-
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ração do SNC fundamenta-se na presença de substâncias sos sanguíneos, observada no tálamo (núcleo rotundus, re-
tróficas na área da lesão (Cerutti & Chadi, 2000; Chadi, Cao, gião que transmite informações para as áreas visuais do
Pettersson & Fuxe, 1994). As interações astroglia/microglia telencéfalo). Tais alterações morfológicas foram interpreta-
exercem papel fundamental em mecanismos tróficos de das como evidências de mecanismos de plasticidade neural.
neurônios no SNC. Os neurônios que sofreram danos libe- Diferentes mecanismos celulares estão envolvidos na ma-
ram secreções que estimulam as microglias que, por sua vez, nutenção do neurônio e no fortalecimento de seus contatos
interagem com os astrócitos e induzem a produção de outras sinápticos e conseqüente funcionalidade. O aumento da
substâncias tróficas. Todas essas respostas são importantes vascularização possivelmente constitui um mecanismo com-
para manter a homeostase local e garantir a sobrevivência pensatório para o sistema, no sentido de garantir o supri-
do neurônio. mento energético adequado para a sobrevivência e funcio-
Nesse contexto, as funções dos astrócitos têm recebido nalidade dos poucos neurônios restantes após a lesão.
grande atenção (Bignami, 1984). Recentemente, Cerutti,
Ferrari & Chadi (1997) demonstraram aumento no número Implicações dos Estudos de Plasticidade Neural
de astrócitos, quatro meses após a lesão massiva de tecido
neural do telencefálo de pombos. Essa lesão provoca perda De um modo geral, pode-se afirmar que a análise da
transitória do comportamento alimentar, associada a altera- plasticidade neural e de recuperação de função, em suas di-
ções imediatas na postura e no ciclo sono-vigília. Por isso, ferentes abordagens, tem sido realizada por meio de investi-
os animais são mantidos em ambiente controlado e alimen- gações que utilizam métodos de análise do comportamento
tados no bico, três vezes por dia até a recuperação de com- aprendido associados à metodologia neurobiológica, princi-
portamento alimentar que ocorre cerca de um mes depois da palmente à de lesão e/ou estimulação neural. O desenvolvi-
lesão. Os pombos foram sacrificados quatro meses após a mento histórico desse conhecimento biomédico tem sido
lesão e os cérebros preparados para análise por técnicas de claramente ligado ao uso de animais, principalmente mamí-
marcação imunohistoquímica. Foi observada uma maior feros e aves, na pesquisa básica sobre aspectos plásticos do
marcação para a proteína ácida fibrilar de glia (GFAP) no SNC e processos biológicos relacionados com os comporta-
tálamo (núcleo rotundus) dos animais com lesão, indicando mentos, aprendizagem e memória.
uma significante presença de astrócitos. Inversamente, a As últimas quatro décadas do século XX culminaram com
marcação de neurofilamentos, para identificação de neurô- a chamada década do cérebro nos anos 90 e constituem um
nios íntegros, indicou que os animais lesados apresentaram período fascinante no que concerne à identificação de pro-
menor número de neurônios. Esse dado é muito interessante cessos de plasticidade neural, à busca de mecanismos subja-
por sugerir que nesse momento, longo tempo após a lesão, centes a esses processos e às interrelações com as mudanças
as funções de astrócitos estariam diretamente relacionadas comportamentais (Rosenzweig, 1996; Strumwasser, 1994).
aos processos de plasticidade neural. Os avanços recentes no conhecimento da biologia molecular
Essas análises estendem as observações de Cerutti e cols. têm levado a novas perspectivas em termos de controle de
(Cerutti, Cintra, Diáz-Cintra & Ferrari, 1997; Cerutti & mecanismos de plasticidade neural. O próprio conceito de
Ferrari, 1995a) sobre a aprendizagem de discriminação dos sinapse sofreu uma modificação na medida em que passou a
pombos destelencefalados. Após a recuperação de compor- ser considerado como um processo de comunicação neuronal,
tamento alimentar, pombos foram treinados em discrimina- bidirecional e automodificável (Jessell & Kandel, 1993). As
ção operante sucessiva, com luz vermelha no disco correla- interações sinápticas entre neurônios envolvem interação
cionada com reforçamento em esquema de razão-variável e elétrica e química complexas, que dependem do meio extra-
luz amarela no disco, correlacionada com extinção. Os pom- celular e de sistemas especiais de receptores celulares (Iz-
bos lesados aprenderam a discriminação operante após um quierdo, 1992; Izquierdo & cols, 1999). A ativação desses
treinamento mais longo para a aquisição da resposta de bi- mecanismos receptores desencadeiam sistemas de sinaliza-
car o disco e para alcançar o critério de estabilidade do com- ção intracelular, envolvendo segundo-mensageiros que po-
portamento discriminativo, em comparação aos pombos- dem regular canais iônicos, coordenar mecanismos de ativa-
controle. Porém, na condição de reversão da discriminação, ção e de fosforilação de proteínas e, ainda, modificar prote-
os pombos lesados não alcançaram os critérios de aprendi- ínas regulatórias da transcrição gênica. A ativação de meca-
zagem e de estabilidade do comportamento discriminativo. nismos de transcrição gênica e de regulação de síntese
Esses resultados comportamentais foram correlacionados protéica vão resultar em maior disponibilidade de proteínas
com análises histológicas (com marcação de fibras mielínicas que serão utilizadas como o material básico da célula. As-
e de corpos celulares, seguida de morfometria quantitativa sim, maior síntese proteica pode garantir mudanças estrutu-
em estruturas das vias visuais) que mostraram (a) padrões rais de longa duração nas sinapses, contribuindo tanto para
anormais na orientação dos axônios (fibras neurais) e na or- a função e comunicação sináptica, quanto para a organiza-
ganização das camadas neuronais características do teto ção funcional de circuitos locais. Sem dúvida alguma, as
óptico (estrutura importante para o processamento visual em aplicações e implicações de todo esse conhecimento consti-
aves) e (b) uma reducão significativa no número de neurônios, tuem desafios para todos aqueles interessados em compor-
inversamente relacionada a um aumento no número de va- tamento e sistema nervoso.
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Plasticidade Neural e Comportamento
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Recebido em 25.01.2000
Primeira decisão editorial em 28.03.2000
Versão final em 03.07.2001
Aceito em 12.11.2001 n
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