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O CONTROLE DAS MENTES, A VIGILÂNCIA CONSTANTE E A SOCIEDADE DO

ESPETÁCULO1

Discente: Alex Cruz Freire de Carvalho

Professora: Isabella Silva dos Santos

Disciplina: Produção e recepção de Textos

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo realizar uma discussão em torno da sociedade de
massa e a banalização da privacidade, do ato de tornar tudo espetáculo. Utilizamos como base
para esta análise a obra 1984, de George Orwell, que toca em temas pertinentes para esta breve
explanação. Para um comparativo utilizaremos pesquisas em torno das redes sociais, em
especial o Instagram e a sua influência e controle no cotidiano de diversas pessoas.

Palavras-chave: Cotidiano; Espetáculo; Instagram; Sociedade.

George Orwell (1903-1950) foi uma figura marcante do século XX com suas obras de
impacto social e discussões que lhe eram contemporâneas, consolidou-se ao abordar temas
importantes sem perder o “tato” ao retratar a vida cotidiana com riqueza de detalhes com a
criticidade e o engajamento político, marcas de suas obras. Situou seu tempo como político,
pois segundo Orwell “a guerra, o fascismo, os campos de concentração, os cassetetes de
borracha e as bombas atômicas são no que pensamos todos os dias e, portanto, escrevemos”
(2005, p. 155-156). Dentre as suas obras, foi selecionada 1984 onde ele assume um diálogo
com as relações de poder em sociedade. Vale destacar que esta obra ainda permanece atual ao
problematizarmos as relações políticas e sociais que nos são contemporâneas.

Em 1984, Orwell apresenta uma sociedade que vive sob um regime totalitário,
denominado na obra de Oceania. A história é vista a partir do personagem de Winston Smith
que trabalha para o Partido dominante nessa sociedade que tem por lemas: “Guerra é paz;

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Artigo desenvolvido como pré-requisto para obtenção de nota na disciplina produção e recepção de textos
ministrada pela professora Isabella Silva Santos no ano de 2019 na Faculdade São Luís de França.
Liberdade é escravidão; Ignorância é a força.”. A força do poder político vigente na narrativa
se constrói através dos mecanismos de controle de imprensa, do reforço ideológico, da figura
do “Grande Irmão” (símbolo maior de representação do Partido), além dos “Dois minutos de
Ódio” diários que reforçavam a idolatria para com o grande irmão, além de promover um
reforço ideológico na população da Oceania.

Na primeira parte da obra já temos um contato claro com o que Guy Debord denominou
como “Sociedade do Espetáculo”, obra publicada em 1997, que traz uma discussão sobre como
o espetáculo é uma visão de mundo que se objetivou nas sociedades contemporâneas. Sob todas
as suas formas particulares- informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de
divertimentos-, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. A
alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade
inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria
existência e seu próprio desejo. (p.24). É dessa forma que se constrói a imagem da população
na obra: controlada, alienada. Segue um trecho da obra que exemplifica essa imagem:

“O mais horrível dos Dois Minutos de ódio não era o fato de a pessoa ser
obrigada a desempenhar um papel, mas de ser impossível manter-se à
margem. Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase
horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar,
de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como
uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade
em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria” (ORWELL, p. 25).

Nesse momento, a ideologia já não é uma arma, mas um fim. A mentira que não é
desmentida torna-se loucura. A realidade, tanto quanto o objetivo, são dissolvidos na
proclamação ideológica totalitária: tudo o que ela diz é o que é. O protagonista Smith afirma
que “se todos aceitassem a política imposta pelo partido- se todos os registros contassem a
mesma história-, a mentira tornava-se história e virava verdade” (ORWELL, p. 47). Assim, ao
decorrer da obra, vemos uma sociedade altamente controlada por câmeras (ou teletelas) que
estão em todos os espaços de convivência, sejam públicas ou privadas e que controlam todos
os passos e comportamentos dos indivíduos da Oceania.

O embate da obra se desenvolve através da recusa de Smith em sucumbir ao Partido e


em seus conflitos internos e externos que ocorrem nas relações sociais e individuais, onde o
simples ato de iniciar um diário pessoal o torna um criminoso que poderia ser punido a qualquer
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momento pelo partido, caso fosse descoberto. Além disso, suas relações pessoais com a
personagem Júlia também se configuram como subversão. Nesse sentido, podemos destacar
que das redes de promoção/controle, passa-se para as redes de vigilância/desinformação. Antes
só se conspirava contra a ordem estabelecida. Hoje, conspirar em causa própria é a profissão
em desenvolvimento. Sob a dominação espetacular, essa conspiração é parte integrante do seu
funcionamento.

Orwell aproxima-se do campo da filosofia ao apresentar elementos do pós-


estruturalismo ao dialogar com Michael Foucault. Baseando-se na perspectiva da vigilância
panóptica, onde Foucault realizou um amplo estudo a respeito do panoptismo de Bentham,
modelo de arquitetura carcerária onde somente um guarda garantiria a observação de centenas
de presos simultaneamente e, para isso, a torre central se localizaria no centro e a estrutura seria
circular, permitindo uma vigilância constante, a individualização dos sujeitos dominados e a
impossibilidade de comunicação entre observador e observado.

Foucault realizou um estudo desse princípio e apresentou como essa técnica ainda se
apresenta nas instituições modernas, com o princípio de disciplinar os indivíduos e garantir a
eficiência desses mecanismos. São nas teletelas apresentadas por Orwell em 1984 que podemos
perceber esse sistema da panóptica de Foucault relacionado com a obra. A tela ao mesmo tempo
recebia todos os passos dos indivíduos e transmitia o que era de seu interesse.

Esse controle da realidade é tratado por Orwell como o ‘duplipensamento’, onde o


indivíduo aceita simultaneamente duas crenças mutualmente contraditórias como corretas. As
pessoas estão sendo vigiadas a todo o momento e acostumam-se com a ideia e nesse caso,
apresenta-se o que Foucault denominou como “vigilância constante”, onde o próprio indivíduo,
apenas pelo fato de crer nesse estado de permanente vigilância, pratica o ato de repelir suas
ações, em uma coerção interna movido apenas pela ideia de que pode ser punido pelas suas
ações.

Nesse caso, o medo torna-se o instrumento de manutenção do controle e da obediência


às normas vigentes, resultado de uma “microfísica do poder” que atua entre os instrumentos de
disciplina e os corpos, se concentrando nas relações de poder implícitas e cotidianas. Essa
microfísica faz parte da forma que o sujeito pensa o mundo e se comporta nele e, nesse sentido,
o panopismo regularia essa manutenção de condutas praticadas em sociedade.

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Percebemos, na atualidade, um sentimento de vigilância constante promovido pela
utilização das mídias sociais, como o Instagram, por exemplo. Somos constantemente levados
a utilizar esta plataforma como um “diário” pessoal, porém diferentemente daquele diário
tradicional, escrito e particular, o Instagram é feito para que todos saibam onde está, o que está
fazendo. Somos coibidos a demonstrar uma realidade ilusória de felicidade, bem-estar e riqueza
a fim de angariar likes, seguidores e comentários. Essa relação tornou-se opressora e, muitas
vezes, cobrada por nossos pares. As pessoas que não possuem essas redes são vistas como
“estranhas” ou como indivíduos que tem algo a esconder. Como mencionado anteriormente “as
pessoas estão sendo vigiadas constantemente e acostumam-se com a ideia”. A coerção aparece
no sentido de sempre parecer que devemos algo à sociedade. Segundo Aprobato (2018):

O território online descrito aqui não se resume a pessoa estar conectada de


alguma forma à rede, mas considera que a pessoa participa nesse território de
forma atuante, com capacidades técnicas multifuncionais em seu aparelho – seja
o celular, seja um tablet, um notebook. Não se trata apenas, assim, de estar
online, mas ao "jeito de viver". Estar online pode ser um jeito de viver, ou seja,
um jeito de atuar na vida.

Muitas vezes os usuários são pressionados a mostrar todos os passos, pois acreditam que
“se não posto é porque não fiz determinada coisa”. De acordo com Furtado (2018) “nas redes
sociais esse comportamento teatral que gera o espetáculo é o mais gritante, pessoas comuns não
aceitam a falta de emoção que o cotidiano carrega, precisam de atrativos, de show” Esse
movimento de abertura da sua vida a desconhecidos advém desta sociedade do espetáculo e na
já mencionada regulamentação dos comportamentos que sejam socialmente aceitáveis e
“formadas basicamente por exibição constante, cenas e expressões dramáticas, discurso
superficial e muito suspense para prender e hipnotizar seus espectadores, as redes sociais estão
aí para quem quiser apreciar esse comportamento teatral” (FURTADO, 2018). Caso não seja
“aprovada” alguma atitude do usuário, o mesmo é bombardeado com ofensas, deslikes e até
mesmo exposição em outros perfis, categorizando a pessoa como alguém ruim/ofensivo e que
deve ser excluído das redes e, até mesmo do convívio social.

Nessa perspectiva a vida é constantemente controlada, as ações, os corpos, o lugar de


fala são, por vezes, censurados. As atitudes devem seguir um manual virtual que sequer existe,
pois ele cria-se no dia-a-dia, no uso e na imagem que o outro passa em seu perfil. Muitos seguem
o exemplo de famosos e das pessoas que ou admiram ou invejam. De qualquer maneira, estas

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atitudes sobrecarregam e causam diversos transtornos psicológicos, pressão pela perfeição e
medo da rejeição dentro e fora dessas redes sociais.

Concluímos que, relacionando este tema com a obra de Orwell percebe-se que a
extensão das problemáticas levantadas por ele em sua obra são atemporais no sentido de que
podem ser aplicadas para além do seu lugar de fala. A vigilância e o controle das mentes e
corpos se propagam no tempo e nas relações sociais, sendo inclusive, instrumento de
manutenção social nos tempos atuais. Somos constantemente “vigiados e punidos” por nossos
atos e por muitas vezes essa punição parte de nossos pares e até de nós mesmos. O que é
comunicado são ordens e os responsáveis por elas são os mesmos que vão dizer o que pensam
delas, pois a dominação promovida por essa “sociedade do espetáculo” educou gerações
submissas a suas leis que obedecerão a linguagem do espetáculo, a única que conhecem, aquela
que lhe ensinaram a falar.

Referências:

APROBATO, Valéria C.. Corpo digital e bem estar na rede Instagram: um estudo sobre as
subjetividades e afetos na atualidade. Bol. - Acad. Paul. Psicol. [online]. 2018, vol.38, n.95,
p. 157-164. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2018000200003.
Acesso em 30/11/2019.
BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Organização de Tomaz Tadeu; Tradução de Guacira
Lopes Louro, M. D. Magno, Tomaz Tadeu.- 2 ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo/ Guy Debord; tradução Estela dos Santos Abreu.
– Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
FOUCALT, Michael. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.
FURTADO, Cintia. O Preço da Sociedade do Espetáculo de Guy Debord na Mente e
Redes Sociais. Disponível em: https://melkberg.com/2018/07/31/o-preco-da-sociedade-do-
espetaculo-de-guy-debord-na-mente-e-redes-sociais/. Acesso em 30/11/2019.
ORWELL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso, 29. Ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2007.

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