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Trecho do livro "Judaísmo Nazareno"

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JUDAISMO_NAZARENO…)
Ensinam os católicos que Pedro foi o primeiro Papa. Apesar de os protestantes não
concordarem com o conceito de “Papa”, reconhecem que Pedro foi o primeiro “líder da
Igreja”.
Eis o texto utilizado por católicos e protestantes/evangélicos para a defesa de suas
crenças:
“E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi
carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus.
Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Eu te darei as chaves do Reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu,
e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mt 16: 17-19).
Este texto somente consegue ser devidamente interpretado caso se conheça poesia
semítica, em que comumente os escritores usam um jogo de palavras:
MANUSCRITO EM ARAMAICO:
‫ܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐ‬
̈
‫ܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐܐܐܐ‬ ‫ܐܐܐܐܐܐܐܐ‬
‫ܐܐܐܐܐܐܐܐܐܐܐ ܐܐܐ‬
TRADUÇÃO:
“Também Eu te digo que tu és Kifá [Rocha] e sobre esta Kifá [Rocha] eu restaurarei [ou
edificarei] a minha congregação, e as portas do sh’ol não irão subjugá-la.”
(Matityahu/Mateus 16:18).
Yeshua disse que iria restaurar a congregação, que é Yisra’el, por meio da Kifá (Rocha). E
quem é esta Kifá (‫?)ܐܐܐܐܐܐܐܐ‬
“Kifá” (aramaico) equivale à palavra hebraica “Tsur” (‫)צור‬, ambas denotando “Rocha”. E
esta “Rocha” é retratada nas Escrituras como sendo o ETERNO:
“Esqueceste-te da Rocha que te gerou; e em esquecimento puseste o Elohim que te
formou.” (Devarim/Deuteronômio 32:18).
“Como poderia ser que um só perseguisse mil, e dois fizessem fugir dez mil, se a sua
Rocha os não vendera, e YHWH os não entregara?” (Devarim/Deuteronômio 32:30).
“YHWH vive; e bendito seja a minha Rocha, e exaltado seja o Elohim da minha salvação.”
(Tehilim/Salmos 18:47; versões cristãs: Sl 18:46).
“Pois quem é Elohim senão YHWH, quem é uma Rocha senão nosso Elohim.”
(Tehilim/Salmos 18:32; versões cristãs: Sl 18:31).
“Só ele é a minha Rocha e a minha salvação; é a minha defesa; não serei grandemente
abalado.” (Tehilim/Salmos 62:3; versões cristãs: Sl 62:2).
“Porque te esqueceste do Elohim da tua salvação, e não te lembraste da Rocha da tua
fortaleza, portanto farás plantações formosas, e assentarás nelas sarmentos estranhos.”
(Yeshayahu/Isaías 17:10).
Logo, em Mt 16:18, Yeshua está ensinando que a restauração da congregação de Yisra’el
tem por fundamento a Rocha, que é YHWH. Então, no texto em aramaico, faz-se um
paralelismo, típico da poesia semita, entre Kifá (“Pedro” = Rocha) e Kifá (a Rocha =
YHWH). Quem sustentou e sustentaria Yisra’el seria o próprio YHWH, do qual emana a
salvação:
“Venham, cantemos a YHWH!
Gritemos de alegria à Rocha da nossa salvação!” (Tehilim/Salmos 95:1).
Beira ao ridículo pensar que o sustentáculo de Yisra’el é “Pedro”, homem falível como
todos nós.
Então, qual é o significado das seguintes palavras de Yeshua destinadas a Kefá (“Pedro”)?
“Eu [Yeshua] lhe darei [a Kefá] as chaves do Reino do Céu; o que você proibir na terra
será proibido no céu, e o que você permitir na terra será permitido no céu.”
(Matityahu/Mateus 16:19).
As palavras traduzidas como “proibir” e “permitir” são, literalmente, “atar” e “soltar”. São
termos técnicos do Judaísmo do primeiro século que se referem à autoridade haláquica,
isto é, ao poder de estabelecer normas interpretativas da Torá. Ora, existem muitos
mandamentos da Torá que podem receber interpretações distintas, tanto em abstrato
quanto em relação a um caso concreto. Para uniformizar a interpretação e aplicação dos
mandamentos, o ETERNO deu autoridade aos kohanim (sacerdotes) e aos juízes para
solucionarem as questões que lhes eram apresentadas, e as decisões de tais autoridades
deveriam ser obedecidas pelo povo (Dt 17:8-13). No primeiro século, cada grupo religioso
(fariseus, saduceus e essênios) desenvolveu sua própria halachá , que deveria ser
observada por seus membros.
Então, em Mt 16:19 combinado com Mt 18:18-20, Yeshua concedeu a Kefá e aos outros
emissários a autoridade para estabelecer halachá, isto é, tomar decisões sobre o sentido
da Torá, explicitando o modo pelo qual seus mandamentos deveriam ser guardados pela
comunidade de discípulos. No Judaísmo antigo, as “chaves” (Mt 16:19) são um símbolo da
autoridade haláquica (Is 22:21-22; Lc 11:52; Ap 3:7).
Em suma, já que Yeshua detém a “chave” (Ap 3:7), o Mashiach transferiu a seus sh’lichim
(emissários/“apóstolos”) a autoridade para estabelecer a verdadeira halachá, inferindo-se
daí que os nazarenos não estariam submetidos às decisões dos fariseus, saduceus e
essênios. Esta autoridade foi dada a Kefá (Mt 16:19) e a todos os sh’lichim (Mt 18:18-20),
de modo conjunto, inexistindo a concentração de poder nas mãos de “Pedro”, como
apregoa falsamente o Catolicismo Romano. Tanto é verdade que as decisões dos
nazarenos eram coletivas, e não individuais (ex: Atos 15).
Aliás, de acordo com os registros históricos, Ya’akov (Tiago), irmão de Yeshua, é quem
assumiu a liderança dos netsarim (nazarenos), conjuntamente com os demais sh’lichim
(emissários/“apóstolos”).
HaGish’fa (Hegésipo) foi um dos nazarenos que pertenceu à primeira geração dos
sucessores dos emissários (“apóstolos”), tendo vivido entre os anos 110 a 180 D.C. Em
seu livro V de “Memórias”, escreveu Hegésipo:
“Sucessor na direção da Kehilá [Congregação] é, junto com os apóstolos, Ya’akov
[‘Tiago’], o irmão do Senhor. Todos dão-lhe o sobrenome de ‘Justo’ [HaTsadik], desde os
tempos do Senhor até os nossos, pois eram muitos os que se chamavam Ya’akov
[‘Tiago’].” (citado por Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, editora Novo Século,
2002, página 47).
Por conseguinte, Pedro não foi o “primeiro Papa”, visto que a liderança dos netsarim recaiu
sobre Ya’akov (Tiago), em coparticipação com os demais emissários.

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