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A Lingüística passou por três fases sucessivas antes de reconhecer seu verdadeiro objeto.
A primeira fase foi a Gramática, estudo iniciado pelos gregos e continuado até hoje,
principalmente pelos franceses. É uma disciplina normativa, baseada na lógica.
A seguir passou a fazer-se Filologia, que, modernamente, foi iniciada por August Wolf, a partir
de 1777. Além da língua, o principal objeto da Filologia são os textos, os quais pretende
interpretar e comentar pelo método crítico.
A terceira fase é a da Gramática comparada, quando se descobriu que as línguas podiam ser
comparadas. Iniciado por Franz Bopp (1816), seguido por Jacob Grimm, Pott, Kuhn, Benfley
e Aufrecht.
Merecem destaque, entre os últimos integrantes da escola comparatista, Max Muller, G. Curtius
e August Schleicher.
A escola comparatista constitui o primeiro período da Lingüística indo-européia, mas nunca
chegou a delimitar seu objeto de estudo.
A lingüística propriamente dita surgiu do estudo das línguas românicas e germânicas,
principalmente a partir dos neogramáticos alemães, que colocaram em perspectiva histórica
todos os resultados das comparações e encadearam os fatos em sua ordem natural.
a) As sílabas se articulam pelos órgãos vocais e são percebidas pelas impressões acústicas. Não
se pode reduzir a língua ao som, nem separar este da articulação vocal.
b) O som não constitui a linguagem. Ele forma com a idéia uma unidade complexa, fisiológica
e mental.
c) A linguagem tem um lado social e outro individual, ambos interdependentes.
d) A linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução. A unidade
que une ambas as coisas é tão íntima que é difícil separa-las.
Assim, o fenômeno lingüístico é sempre dualista, possui duas faces que se correspondem, e
uma não vale senão pela outra. Qualquer que seja o lado pelo qual se aborde a questão, o objeto
não se oferece integralmente.
Entretanto, há uma solução para todas as dificuldades: é necessário colocar-se no terreno da
língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações. Dentre tantas dualidades, a
língua parece suscetível duma definição autônoma e fornece um ponto de apoio satisfatório.
A Língua é parte fundamental da linguagem. É um produto social da faculdade de linguagem e
um conjunto necessário que permite o exercício da linguagem pelos indivíduos.
A linguagem é física, fisiológica e psíquica. Pertence ao domínio social e individual ao mesmo
tempo. É inclassificável em qualquer categoria dos fatos humanos, pois não se sabe como inferir
sua unidade. A língua, ao contrário, pode ser considerada em si mesma e tomada como princípio
de classificação.
A esse princípio de classificação, poderia objetar-se que o exercício da linguagem é natural,
enquanto a língua é convenção. Mas não está provado que nosso aparelho vocal tenha sido feito
para falar, assim como as pernas para andar.
A língua, considerada como uma instituição social, é uma convenção, e a natureza do signo
convencional é indiferente. Por esse aspecto, a questão do aparelho vocal é secundária no
problema da linguagem.
A definição do conceito de linguagem articulada poderia confirmar essa idéia. A articulação
pode designar não só a divisão da cadeia falada em sílabas, mas a subdivisão da cadeia de
significações em unidades significativas. Assim, pode-se dizer que não é a linguagem que é
natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma língua: um sistema de signos distintos,
correspondente a idéias distintas.
Para atribuir à língua o primeiro lugar nos fatos da linguagem pode se argumentar que a
faculdade – natural ou não – de articular palavras não se exerce senão com ajuda do instrumento
criado pela coletividade. A língua, então, é o que faz a unidade da linguagem.
Para encontrar o lugar da língua nos fatos da linguagem, é preciso reconstruir o circuito da fala.
O circuito pressupõe dois indivíduos, no mínimo. O primeiro forma uma imagem mental, ou
conceito, associado à representação dos signos lingüísticos ou imagens acústicas a ele
associados. Esse fenômeno é inteiramente. Esse fenômeno é inteiramente psíquico.
O cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo da imagem, através de um
fenômeno fisiológico. A propagação sonora da boca de um indivíduo ao ouvido de outro é um
fenômeno físico. Em seguida o circuito se prolonga de modo inverso.
O processo de linguagem é então físico, fisiológico e psíquico.
Tal circuito possui uma parte exterior, puramente física, uma parte psíquica, que exclui as não
psíquicas, e uma parte ativa e outra passiva, em que ativo é tudo que vai do centro de associação
de um indivíduo ao ouvido de outro.
Na parte psíquica, podemos chamar de executivo tudo que é ativo (conceito – imagem), e
receptivo tudo que é passivo (imagem – conceito).
Existe ainda uma faculdade de associação e coordenação que se manifesta desde que já não se
trate de signos isolados. Ela desempenha o principal papel na organização da língua enquanto
sistema.
Entre todos os indivíduos unidos assim pela linguagem se estabelecerá uma espécie de meio
termo, todos reproduzirão, aproximadamente, os mesmo signos unidos aos mesmos conceitos.
Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se
formam as marcas sensíveis a todos, e são elas que estão na origem da cristalização social da
linguagem.
Ao separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1) o que é social do que é individual;
2) o que é essencial do que é acessório, ou incidental.
A língua não constitui uma função do falante. Ela é o produto que o falante registra
passivamente.
A fala, ao contrário, é um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir:
1) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua para exprimir seu pensamento
pessoal; 2) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações.
Com outorgar à ciência da língua o primeiro lugar no conjunto dos estudos da linguagem,
situamos toda a Lingüística. Todos os outros elementos da linguagem, que constituem a fala,
subordinam-se a esta primeira ciência.
O estudo da linguagem comporta duas partes: uma tem por objeto a língua, que é social e
independe do indivíduo, estudo essencialmente psíquico. Outra, secundária, tem por objeto a
fala, elemento individual da linguagem, inclusive a fonação, e é psicofísica.
O conjunto global da linguagem é incognoscível, ao passo que a distinção entre língua e fala, e
a subordinação desta a aquela, formam a primeira bifurcação quando se procura estabelecer a
teoria da linguagem.
A definição de Língua pressupõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja externo ao organismo,
ao seu sistema: tudo o que compõe a Lingüística externa.
As relações da língua com a etnologia, com a história política, com as instituições e com a
geografia devem ser estudadas separadamente do funcionamento interno da Língua.
A Lingüística interna e a Lingüística externa possuem métodos distintos. A última não admite
uma disposição qualquer dos objetos de análise. A língua é um sistema que conhece somente
sua ordem própria.
Para efeito de análise, será considerado interno tudo quanto provocar mudança do sistema, em
qualquer grau.
O objeto concreto da Lingüística é o produto social depositado no cérebro de cada um: a língua.
Mas tal produto difere de acordo com os grupos lingüísticos. O lingüista está obrigado a
conhecer o maior número de línguas para tirar, por observação e comparação, o que nelas exista
de universal.
Geralmente, conhece-se uma língua somente através da escrita. Conquanto seja estranho ao
sistema interno, é impossível irrelevar um processo pelo qual a língua pe ininterruptamente
representada.
2 – Prestígio da escrita
Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos. O papel do segundo é representar o
primeiro.
A língua tem uma tradição oral independente da escrita e diversamente fixa. Os primeiros
lingüistas não distinguiam entre o som e a letra correspondente.
As causas do prestígio da escrita são inúmeras:
a) É mais fácil apreender a imagem visual de um signo que o liame natural, e único verdadeiro,
o som.
b) Na maioria dos indivíduos as impressões acústicas são mais nítidas e mais duradouras que
as impressões acústicas.
c) A língua literária aumenta a importância imerecida da escrita, e a ortografia confere à escrita
uma importância primordial.
d) Quando existe desacordo entre a língua e a ortografia, a forma escrita fatalmente prevalece.
3 – Os sistemas de escrita
a) o sistema ideográfico, em que a palavra é representada por um signo único e estranho aos
sons de que ela se compõe.
b) O sistema fonético, que visa a reproduzir a série de sons que se sucedem nas palavras,
baseado em seus elementos irredutíveis.
O alfabeto grego é o protótipo dos estudos. Ele reflete a língua de maneira assaz racional.
Quanto à lógica, esse alfabeto é particularmente notável. Mas a harmonia entre grafia e
pronúncia, que era perfeita quando da elaboração do alfabeto, não dura ao passar do tempo.
Entre as principais causas de desacordo temos que, em primeiro lugar, a língua evolui sem
cessar, ao passo que a escrita permanece imóvel. A grafia passa a não mais representar àquilo
que deve representar.
Outro fator de desacordo pode ocorrer quando um povo toma emprestado outro seu alfabeto.
Os recursos desse novo sistema gráfico não se prestam adequadamente a sua nova função. Tem-
se que recorrer a expedientes, como a utilização de duas letras para designar um só som.
Existe ainda a preocupação etnológica, que procura a grafia correta na origem da palavra.
Entretanto, o próprio princípio é errôneo, pois o sistema escrito deve representar a pronúncia
da palavra.
O resultado das diversas tentativas de fixar a língua na escrita, ao longo do tempo, é que a
escrita obscurece a visão da língua.
Outro resultado é que quanto menos a escritura representa aquilo que deve representar, tanto
mais se reforça a tendência de toma-la por base.
O que fixa a pronúncia de uma palavra não é a escrita, mas sua história.
À força de impor-se à massa, a letra influi na língua e a modifica. Isso acontece nos idiomas
muito literários, em que o documento escrito desempenha papel considerável. (fato patológico.)
Essas deformações fônicas pertencem à língua, mas não resultam de seu funcionamento natural.
1 – Definição
Para a substituição da escrita pelo pensamento, do artificial pelo natural, precisou-se, antes,
estudar os sons da língua, pois, separados dos seus signos gráficos, eles representam apenas
noções vagas.
A fisiologia dos sons é chamada Fonética. Esse termo foi substituído por Fonologia, pois o
primeiro termo designou, no princípio, os estudos das evoluções dos sons.
A Fonética pe uma ciência histórica, analisa acontecimentos, transformações e se move no
tempo.
A Fonologia se coloca fora do tempo, já que o mecanismo da articulação permanece sempre
igual a si mesmo.
O primeiro é parte essencial da ciência da língua. O segundo não passa de disciplina auxiliar e
só se refere à fala.
2 – A escrita fonológica
O lingüista exige, antes de tudo, que lhe seja fornecido um meio de representar os sons
articulados que suprima qualquer equívoco.
O princípio da escrita fonológica é representar por um signo cada elemento da cadeia falada.
Quando se trata de uma língua viva, o único método racional consiste em:
a) Estabelecer o sistema de sons tal como é reconhecido pela observação direta;
b) Observar o sistema de signos que servem para representar – imperfeitamente – os sons.
1 – A definição de Fonema
A impressão acústica dos fonemas é a base de toda a teoria, e não o ato de fonação – a produção
dos sons pelos órgãos.
A cadeia acústica não se divide em tempos iguais, mas em tempos homogêneos, caracterizados
pela unidade de impressão (do som), que é o ponto de partida para o estudo fonológico.
Apesar do componente acústico dos fonemas ser primordial para a teoria, só podemos descrevê-
los na cadeia falada com base no ato articulatório.
O fonema, então, é a soma das impressões acústicas e dos movimentos articulatórios da unidade
ouvida e da unidade falada, das quais uma condiciona a outra.
Os elementos obtidos primeiramente pela análise dessa cadeia falada são momentos irredutíveis
que não podem ser considerados fora do tempo que ocupam.
Assim, pode-se falar do T, como espécie, e do t, em geral, levando-se em conta apenas o caráter
distintivo e deixando de parte aquilo que depende da sucessão no tempo.
São órgãos imóveis do aparelho vocal: a Laringe, a Boca, a Cavidade Nasal, os Lábios
superiores, os Dentes superiores, o Palato e o Véu palatal.
São órgãos móveis: a Glote, a Úvula, o ápice e o dorso da Língua, e o Lábio inferior.
A Glote pode abrir-se ou estreitar-se à passagem do ar. Se estreitar-se provoca uma vibração à
passagem do ar, que emite som. Se não estreitar-se, não emite som.
A Cavidade Nasal serve unicamente para ressoar as vibrações vocais que a atravessam. Não
desempenham, portanto, nenhum papel na produção do som.
A Cavidade Bucal oferece um jogo de muitas variações possíveis, e acumula as funções de
ressoar e produzir o som.
Na produção de som, os fatores que podem entrar em jogo são: a expiração, a articulação bucal,
o som laríngeo e a ressonância nasal, dos quais os dois primeiros são fatores constantes de todos
os sons, e os últimos podem ou não interferir na produção. De todos os fatores, somente a
articulação bucal não é uniforme, e se caracteriza por permitir inúmeras variações.
O fonema fica identificado quando se determina o ato fonatório (combinação singular dos três
últimos fatores, que diferenciam um fonema dos outros), e o ato fonatório é determinado, então,
pelos movimentos articulatórios da boca, pela presença ou ausência de vibração laríngea (sons
sonoros e surdos), e pela participação ou não da cavidade nasal na emissão do som (sons nasais).
A unidade lingüística é uma coisa dupla, constituída da união de dois termos, ambos psíquicos
e unidos por um vínculo de associação: o conceito e a imagem acústica.
A terminologia utilizada é Significado, para conceito, e Significante, para a imagem acústica.
A totalidade dos conceitos é o que se chama Signo.
O laço que une o significado ao significante é arbitrário, o que equivale a dizer que o signo é
arbitrário. Como prova dessa arbitrariedade, temos as diferenças entre as línguas e a própria
existência de línguas diferentes.
Este primeiro princípio domina toda a lingüística da língua.
Arbitrário quer dizer que o significante é imotivado, não guarda relação natural com o
significado.
1 – Imutabilidade
Se em relação ao conceito o significante é arbitrário, em relação à comunidade lingüística que
o emprega é imposto. Nem a massa e menos ainda o indivíduo podem mudar o signo.
A língua, em qualquer época que a observemos, é herança da época anterior. Um dado estado
de língua é sempre produto de fatores históricos, e esses fatores explicam porque o signo resiste
a toda substituição.
Em todas as instituições sociais existe um equilíbrio ente a tradição imposta e a ação da
sociedade. A língua é dominada completamente pelos fatores históricos da transmissão, o que
exclui toda transformação geral e repentina.
Se a língua tem um caráter de fixidez, não é somente porque está ligada ao peso da coletividade,
mas também porque está situada no tempo. Os dois fatores são inseparáveis.
No fenômeno total há a conjugação destes dois conceitos antinômicos: a convenção arbitrária,
em virtude da qual a escolha se faz livre, e o tempo, graças ao qual a escolha se acha fixada.
Justamente porque o signo é arbitrário não conhece outra lei senão a da tradição, e é por basear-
se na tradição que pode ser arbitrário.
2 – Mutabilidade
O tempo, que assegura a continuidade da língua, tem outro efeito, em aparência contrário ao
primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos lingüísticos.
O signo está em condições de alterar-se porque se continua no tempo.
Seja quais forem os fatores de alteração, quer funcionem isoladamente ou combinados, levam
sempre a um deslocamento da relação entre o significado e o significante.
Uma língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores que deslocam a relação entre o
significado e o significante. É uma das conseqüências da arbitrariedade dos signos, que
distinguem a língua das outras instituições.
A língua, situada na massa social e no tempo, não permite alteração, mas o car´ter arbitrário de
seus signos pressupõem alterações livres, ao menos teoricamente. Disso resulta que a idéia e a
matéria fônica, unidas no signo, guardam uma vida própria, numa proporção inigualável em
qualquer outra parte.
A língua evolui sob influência dos agentes que possam atingir quer seus sons, quer seus
significados, e essa evolução é fatal.
As causas da continuidade estão, a princípio, ao alcance do observador. As causas da alteração
através do tempo não estão dadas.
Uma lei de acentuação, por exemplo, como tudo quanto respeita ao sistema lingüístico, é uma
disposição de termos. Um resultado fortuito e involuntário da evolução.
A língua é um sistema em que todas as partes podem ser consideradas na sua solidariedade
sincrônica. Como a alteração não ocorre no bloco, mas em algum elemento, só podem ser
estudadas fora do sistema.
A antinomia radical entre o fato evolutivo e o fato estático tem por conseqüência fazer com que
todas as noções relativas a um e ao outro sejam irredutíveis entre si.
Pode-se estudar a língua a partir de um ponto de vista pancrônicos delineando certas leis
naturais, ou seja, relações que se verificam em toda parte.
Assim, visto que existem transformações fonéticas, pode-se considerar este fenômeno como
um dos aspectos constantes da linguagem. É uma de suas leis.
Em lingüística existem leis que sobrevivem a todos os acontecimentos. São, entretanto, leis
gerais, que independem de fatos concretos. Quando se considera fatos particulares e tangíveis,
já não há ponto de vista pancrônico.
a) A verdade sincrônica parece ser a negação da verdade diacrônica. Entretanto, uma das
verdades não exclui a outra.
b) A verdade sincrônica concorda de tal modo com a verdade diacrônica que se costuma
confundi-las ou julgar supérfluo desdobra-las.
9 – Conclusões
Assim, a Lingüística se acha aqui ante sua segunda bifurcação.
Tudo quanto seja diacrônico na língua, não o é senão pela fala. É na fala que se acha o germe
de toda modificação. Mas as modificações, enquanto permanecem individuais, não são levadas
em conta. Só entram no campo de observação no momento em que a coletividade as acolhe.
Na história de toda inovação encontram-se dois momentos distintos: 1) aquele em que ela surge
entre os indivíduos; 2) aquele em que se tornou um fato de língua, exteriormente idêntico, mas
adotado pela comunidade.
A Lingüística diacrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos
coexistentes e que formem sistema, tais como são percebidos pela consciência coletiva.
A Lingüística diacrônica estudará as relações que unem termos sucessivos não percebidos por
uma mesma consciência coletiva e que subsistem uns aos outros sem formar sistema entre si.
Cap. I – Generalidades
Os signos de que a língua se compõe não são abstrações, mas entidades concretas da
Lingüística, que se ocupa de suas relações.
A língua não se apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão. É uma massa
indistinta, na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os elementos particulares.
A unidade não tem nenhum caráter fônico especial, e a única definição que dela se pode dar é
a seguinte: uma porção de sonoridade que, com exclusão do que precede e do que se segue na
cadeia falada, é significante de um certo conceito.
2 – Método de delimitação
Este método é correto se considerarmos que as unidades a serem delimitadas são as palavras.
Entretanto, a noção de palavra é incompatível com a noção de unidade concreta.
Outra teoria difundida diz que as únicas entidades concretas são as frases. Entretanto, se a frase
é exclusividade da Fala, não poderia passar por unidade lingüística. As frases apresentam
grande diversidade, e se procurarmos o que as une através dessa diversidade, voltamos à
palavra, com seus caracteres gramaticais.
4 – Conclusão
Na maioria das ciências as unidades são dadas de antemão. Quando uma ciência não apresenta
unidades concretas imediatamente reconhecíveis é porque elas não são essenciais.
A língua tem o caráter de um sistema baseado completamente na oposição de suas unidades
concretas. Não podemos deixar de conhece-as, e sua delimitação, no entanto, é um problema
tão grande que nos perguntamos se elas existem de fato.
Em Lingüística estática, qualquer noção primordial depende da idéia que faça da unidade, e
depende dela.
A – Identidade sincrônica
Trata-se, aqui, da identidade entre o mesmo elemento em contextos distintos.
Se a correspondência entre a porção fônica e o conceito forma a identidade, pode, também,
haver identidade sem a mesma correspondência. Uma palavra pode exprimir idéias diferentes
sem que sua identidade fique comprometida.
A entidade não é puramente material; funda-se em certas condições a que é estranha sua matéria
ocasional.
O vínculo entre dois empregos da mesma palavra não se baseia nem na identidade material nem
na exata semelhança de sentido, mas em outros elementos.
B – Realidade sincrônica
A distinção das partes do discurso é que deve servir para classificar as palavras da língua. Mas
a distinção das palavras em classes como substantivos, adjetivos, verbos etc., não é uma
realidade lingüística inegável.
Realidade sincrônica é algo que tenha seu lugar no sistema da língua e que seja condicionado
por ela.
Fora os conceitos forjados pelos gramáticos, as entidades concretas da língua não se apresentam
por si mesmas à nossa observação. Deve-se depreende-las para tomar contato com o real e
elaborar todas as classificações necessárias à Lingüística.
C – Valores sincrônicos
Todas as noções versadas anteriormente correspondem a valores.
Nos sistemas semiológicos, os quais os elementos se mantém equilibrados de acordo com regras
determinadas, a noção de identidade se confunde com a de valor, e reciprocamente. Este é o
motivo pelo qual a noção de valor recobre as de unidade, de entidade concreta e de realidade.
Em termos práticos seria interessante começar por decupar as unidades, subunidades e as
unidades maiores.
As idéias e os sons, os dois elementos que entram em jogo no funcionamento da língua, bastam
para entender porque a língua é um sistema de valores puros.
Nosso pensamento é uma massa amorfa e indistinta. Sem o recurso dos signos seríamos
incapazes de distinguir duas idéias de modo claro e constante.
O som, a substância fônica, é nada mais que uma matéria plástica que se subdivide em partes
distintas para fornecer os significantes de que o pensamento tem necessidade.
A língua é uma série de subdivisões contíguas marcadas simultaneamente sobre o plano
indefinido das idéias confusas e o plano indeterminado dos sons (A/B).
O papel da língua frente ao pensamento é servir de intermediário entre o pensamento e o som,
em condições tais que uma união conduza a delimitações recíprocas de unidade. Trata-se do
fato de o pensamento-som implicar divisões, e de a língua elaborar suas unidades constituindo-
se entre duas massas amorfas.
A lingüística trabalha no terreno limítrofe onde os elementos dessas duas ordens se combinam.
Esta combinação produz uma forma, não uma substância.
Não só as idéias e os sons são massas amorfas, como a escolha da porção acústica para tal idéia
é arbitrária. Não existe elemento imposto de fora. E por causa da arbitrariedade, os valores
continuam a ser inteiramente relativos.
O fato social serve, por si só, para criar o sistema lingüístico. Estabelece os valores cuja única
razão de ser está no uso e no consenso geral.
O valor, sob o prisma conceitual, constitui um elemento da significação, e é difícil saber como
a significação se distingue do valor, apesar de estar sob sua dependência.
O conceito é a contraparte da imagem acústica no interior do signo, e este signo é, igualmente,
a contraparte dos outros signos da língua.
A língua é um sistema em que todos os termos são interdependentes e o valor de um resulta da
presença simultânea de outros.
Temos que: 1) o valor é constituído por uma coisa dessemelhante, suscetível de ser trocada por
outra; 2) o valor é constituído por coisas semelhantes, que podem ser comparadas com o valor
do signo que se leva em conta.
Esses dois fatores são necessários para a existência de um valor.
No interior de uma língua, todas as palavras que exprimem idéias vizinhas se limitam
reciprocamente. Inversamente, existem termos que se enriquecem pelo contato com outros.
Assim, o valor de qualquer termo está determinado por aquilo que o rodeia.
O que ocorre com as palavras se aplica a qualquer termo da língua.
Se as palavras fossem encarregadas de representar conceitos dados de antemão, cada uma delas
teria, de uma língua para outra, correspondentes exatos para o sentido. Então, ao invés de idéias
dadas de antemão, são os valores que emanam do sistema.
Se a parte conceitual do valor é constituída por relações e diferenças com os outros termos da
língua, pode-se dizer o mesmo de sua parte material.
O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir
uma palavra de todas as outras, pois são elas que levam a significação. Arbitrário e diferencial
são duas qualidades correlativas.
O som não pertence à língua. É secundário. Todos os valores convencionais apresentam esse
caráter de não se confundir com o elemento tangível que lhes serve de suporte.
O significante lingüístico não é fônico, mas incorpóreo. É constituído unicamente pelas
diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras.
Esse princípio se aplica aos fonemas. Eles são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e
negativas.
Na língua só existem diferenças. E diferenças sem termos positivos, porque o que haja de
matéria fônica ou de idéia num signo importa menos do que o que existe em redor dele nos
outros signos.
Mas dizer que na língua tudo é negativo é verdade somente em relação ao significado e ao
significante tomados separadamente: desde que consideramos a totalidade do signo estamos
perante uma coisa positiva em sua ordem.
Um sistema lingüístico é uma série de diferenças de sons com uma série de diferenças de idéias,
e essa confrontação engendra um sistema de valores, e é tal sistema que constitui o vínculo
efetivo entre os elementos fônicos e psíquicos no interior de cada signo.
Alguns fatos diacrônicos elucidam a questão: há casos em que a alteração do significante
provoca a alteração da idéia, e a soma das idéias distinguidas é a soma dos signos distintivos.
Inversamente, toda diferença percebida pelo espírito busca exprimir-se por significantes
distintos, e duas idéias que o espírito não mais distingue, tendem a se confundir no mesmo
significante.
Quando se comparam os signos – positivos – já não se pode falar de diferenças, mas de
oposição. Todo mecanismo da linguagem se funda em oposições desse tipo e nas diferenças
fônicas e conceituais que engendram.
O que é verdadeiro do valor também o é da unidade. Ela é, pois, diferencial.
Outra conseqüência desse princípio é que o que se de chama fato de linguagem (como a
formação do plural, por exemplo) é, em última análise, a definição de unidade, pois exprime
sempre uma oposição de termos.
Unidade ou fato de gramática servem somente para expor as oposições lingüísticas.
Assim considerada, a língua é uma forma, e não uma substância. Todos os erros da nossa
terminologia provêm da suposição involuntária de que haveria uma substância no fenômeno
lingüístico.
2 – As relações sintagmáticas
As relações sintagmáticas não se aplicam somente às palavras, mas aos grupos de palavras e às
unidades complexas de toda espécie, inclusive as frases.
A frase é o tipo por excelência de sintagma. Mas a frase pertence à fala, e o sintagma à língua.
Há que se questionar, então, o grau de liberdade dos sintagmas, em comparação com a liberdade
de combinações que permite a fala.
As frases feitas, as expressões idiomáticas, as palavras caracterizadas por anomalias
morfológicas, pertencem à língua. Esses torneios não podem ser improvisados. São fornecidos
pela tradição.
Cumpre atribuir à língua e não á fala todos os tipos de sintagmas construídos sobre formas
regulares. Tanto as palavras compostas que seguem um tipo determinado (anarquia, anacoluto
etc.), como as frases e grupos de palavras estabelecidos sobre padrões regulares.
Entretanto, no domínio do sintagma, não há limite categórico entre o fato da língua e o fato da
fala.
3 – As relações associativas
Os grupos formados por associação mental não se limitam a aproximar os termos que
apresentam algo em comum. O espírito capta também a natureza das relações que os unem em
cada caso e cria com isso tantas séries associativas quantas relações diversas existirem.
Os termos de uma cadeia associativa não se apresentam sem em número definido, nem numa
ordem determinada.
Ensinamento
Ensinar aprendizagem elemento
Ensinemos educação lento
Etc. etc. etc.
1 – As solidariedades sintagmáticas
O conjunto das diferenças fônicas e conceituais que constituem a língua resulta de duas espécies
de comparações; as aproximações são ora associativas, ora sintagmáticas. Estes agrupamentos
são estabelecidos pela língua. E é esse conjunto de relações usuais que a constitui e que lhe
preside o funcionamento.
A primeira coisa que chama atenção nessa organização são as suas solidariedades
sintagmáticas, pois quase todas as unidades da língua dependem seja do que as rodeia na cadeia
falada, seja das partes sucessivas de que elas próprias se compõem.
Via de regra, não falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, que são eles próprios
signos. Na língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz, também, a agrupamentos.
O mecanismo da língua pode ser apresentado sob outro ângulo particularmente importante.
O princípio da arbitrariedade do signo não impede distinguir, em cada língua, o que é
radicalmente arbitrário (imotivado) do que é relativamente arbitrário (relativamente motivado).
Assim, ‘vinte’ é imotivado, mas ‘dezenove’ não o é no mesmo grau, porque evoca os termos
dos quais se compõe e outros que lhe são associados, com dez, nove, vinte e nove, setenta.
A motivação é tanto mais completa quanto a análise sintagmática seja mais fácil e o sentido das
subunidades mais evidente.
Portanto, a noção do relativamente motivado implica uma relação sintagmática e uma relação
associativa.
Até aqui, as unidades não apareceram como valores, como os elementos de um sistema, e foram
consideradas sobretudo nas suas oposições; agora reconhecemos as solidariedades que as
vinculam: são de ordem associativa e sintagmática, e ambas limitam o arbitrário.
Tudo quanto se refira à língua quanto sistema exige que a abordemos do ponto de vista da
limitação do arbitrário.
Em certo sentido, as línguas em que a imotivação atinge o máximo são mais lexicológicas, e
aquelas em que se reduz ao mínimo, mas gramaticais. Os exemplos mais extremos dos dois
exemplos são, de um lado, o chinês, e do outro, o indo-europeu e o sânscrito.