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Ártemis
PRÓLOGO
A vida dos mortos é colocada na memória dos vivos.
Marcus Tullius Cicero
Março de 1810
Norte da Inglaterra, Estado de Boldon
1
Xeique; líder muçulmano, indivíduo muçulmano que chefia uma região, podendo ser: um país, uma cidade,
um bairro.
dote. E ele não acreditou por um momento que Carson amava outra
mulher. A paixão era mais provável. Ele se apaixonou por uma moçoila,
e antes que caísse na realidade, outro tinha tomado sua fantasia.
Enquanto Kit amava o seu irmão, ele também aceitava as suas falhas.
Suas habilidades não incluem responsabilidade ou confiabilidade.
— Você está mergulhando muito fundo, irmão, — Disse Kit
enquanto pegava o terceiro copo de licor de seu irmão gêmeo,
reconhecendo o ligeiro brilho daqueles familiares olhos castanhos. —
Vamos para a igreja, não é? Nesse ritmo, você ficará bêbedo antes do
final do café da manhã do casamento.
— Esse é o plano, senhor. Não vou sentir por um momento as
algemas que adquiri.
— Casando com o Conde de Sunderland, vou ter que pensar em
você como uma Condessa de agora em diante. — Grace terminou de
arrumar o cabelo exuberante de sua prima. As tranças delicadas
estavam espalhadas ao longo das grossas mechas loiras e intercaladas
com pequenos ramos de lilás. O roxo pálido combinava com os olhos
violetas da noiva e cheirava divino.
O vestido da noiva era de musselina francesa branca, minúsculas
flores bordadas ao longo do corpete e da bainha. Uma peliça 2 de
lavanda, enfeitada com rendas e flores combinando, abotoava logo
abaixo do busto e enchia amplamente o vestido. Ela sempre tivera
inveja da pele de porcelana e da beleza dos cabelos da prima. Grace
herdara a aparência escocesa de sua mãe, com um punhado de sardas
e o temido cabelo ruivo para combinar.
Eliza alisou as saias novamente e olhou ansiosamente para o
reflexo dela.
— Ele me odeia, você sabe.
2
Peliça: Peça de vestuário forrada ou guarnecida de peles finas e macias.
— Não seja ridícula, — Disse Grace, embora seus nervos tivessem
se desgastado desde que se encontrou com o Conde há dois dias. Algo
sobre o Conde a deixou desconfortável. — Ele mal conhece você.
— Bem, pelo menos ele odeia o casamento. — Lágrimas encheram
os olhos da menina. — Obrigada por vir, querida Gracie. Não tenho
irmãos ou irmãs e mamãe é praticamente inútil. Ela está sempre com
muito medo da conduta errada de pai. Eu precisava de alguém em
quem pudesse confiar antes da cerimônia.
Grace se abaixou e colocou seu rosto perto de sua prima, seus
próprios olhos verdes fixos com os de Eliza. Elas eram opostas de
muitas maneiras. Grace era teimosa, independente e sincera, Eliza era
dócil, complacente e incrivelmente bela. Elas eram primas em primeiro
grau por suas mães e melhores amigas por opção.
Lady Boldon nunca escondeu sua antipatia pelo marido de sua
irmã. Um canalha cruel, aquele homem. Ele trata as mulheres como se
elas não fossem melhores que as éguas de reprodução. E o Marquês
nunca hesitou em lhes bater da mesma maneira. A lei estava do lado
do homem, especialmente de um homem titulado, a menos que ele
fosse longe demais, e assassinasse sua esposa ou filha. Ele era um
homem amargo que sofreu com a perda de vários meninos e os muitos
abortos de sua esposa.
— Nem todos os homens são cruéis, Eliza. Lorde Sunderland pode
não estar apaixonado por você, mas vejo bondade em seus olhos. E ele
é muito bonito. Pelo menos, considere como uma maneira de sair de
sua terrível situação.
— Sim, vou manter isso em mente. — Ela sorriu para o reflexo de
sua prima. — Pelo menos eu não tenho contusões para explicar no dia
do meu casamento.
— Não vim para o seu casamento para uma sessão de tristezas.
Deixe-me compartilhar sua alegria hoje. — Grace beijou a bochecha da
noiva e se levantou. Ela puxou a cortina e olhou pela janela. — A
carruagem chegou. Seus pais estarão esperando. Você está pronta para
começar sua nova vida?
Eliza assentiu e se virou para abraçá-la.
— Você é minha amiga mais querida do mundo. Gostaria que você
morasse mais perto.
— Talvez eu pudesse voltar para uma estadia mais longa. Samuel
acabou de completar quatro anos e pode precisar de alguma distração
neste verão. Esse menino é uma batalha constante. — Grace riu. — Ele
roubou um pônei do pasto na semana passada e o prendeu a uma
carroça. Para combater o general Bonaparte com uma espada de
madeira e seus cães de confiança.
— Se você prometer visitar, eu vou encontrar muitos rufiões para
ele lutar. E você está certa. Este é o dia do meu casamento, e eu deveria
me divertir. — Elas entrelaçaram os braços, respiraram fundo e
desceram a escada com as cabeças erguidas.
A cerimônia foi curta e sombria, e uma pequena parte retornou à
Falsbury, assim que o registro foi assinado. Um grupo maior havia sido
convidado para o café da manhã de casamento. Falsbury era uma
mansão real e a refeição indicava a estatura da família. O bolo de
casamento foi exibido no centro da mesa, a dura cobertura branca
decorada com ervas e flores. O presunto, acompanhado de ovos,
pãezinhos quentes e pães torrados, encheu o ar de aromas deliciosos.
Até chocolate foi adicionado a cada mesa.
O noivo parecia um pouco jovial para tão cedo no dia. Lorde
Sunderland bebeu e brindou uma dúzia de vezes durante a festa de
casamento. Um ar de autodestruição parecia pairar sobre ele como
uma nuvem de tempestade, e Grace estremeceu quando ele puxou Eliza
para pô-la de pé e a beijou profundamente na boca. Ainda assim, ela
não viu nada malicioso no comportamento do homem e considerou sua
prima melhor desse jeito.
Por outro lado, Grace achou que Lorde Christopher era uma
imagem do decoro. Seus profundos olhos castanhos estavam sérios,
seus cabelos negros penteados para trás. O Tenente Coronel Roker faz
uma bela figura em seu uniforme militar vermelho. Ela se viu
imaginando-o em um cavalo, espada no ar e um grito de guerra em
seus lábios. Seus lábios macios e cheios.
— O que chamou a sua atenção, minha querida? — Perguntou o
seu pai no ouvido dela. — Algum rapaz bonito chamou sua atenção?
Ela riu, em seguida, deu-lhe um beijo na bochecha.
— Você não vai se livrar de mim tão facilmente, papai. Você está
gostando da festa?
— Sim, é um bom casamento. Está me dando ideias para outros
casamentos que ainda estão por vir. — Ele a cutucou gentilmente com
o cotovelo, e falando decidido em uma postura firme. — É hora de
começarmos a pensar no seu futuro. Eu tenho sido deficiente em meus
deveres. Sua mãe ficaria mortificada em saber que a mantive escondida
no campo e você tem quase vinte anos.
— Você não me escondeu. Foi minha escolha pular a temporada
de Londres.
— Duas temporadas, Grace.
— Minha casa é muito mais importante do que socializar com
aquelas moças superficiais e tolas. — A ideia de ficar de pé contra uma
parede, esperando que um homem enchesse o seu cartão e não pisasse
em seus pés durante um baile, parecia mais uma punição. E manter
uma conversa fútil, enquanto se lembrava de passos de dança, e bebida
de ponche trazida por um pretendente entediado ou exagerado,
também não era um rito de passagem que a atraísse. — Estou muito
contente com a minha posição, papai. Não há razão para perturbar
nossas vidas por causa de casamento ou de romance.
Lorde Boldon revirou os olhos castanhos claros.
— Vamos ver, filha. Pode chegar um momento em que você vai
comer essas belas palavras. — Então ele sorriu por cima da cabeça dela
para alguém. — Não é um grande dia para um casamento? É essa
música que ouço?
— De fato, Lorde Boldon. Eu vim pedir a Lady Grace a honra de
uma dança. — Atrás dela surgiu uma voz profunda de barítono que
enviou uma onda de calor para barriga dela. — Com a sua permissão?
O pai dela se levantou, segurou a mão dela e puxou Grace para
pô-la de pé, enquanto ela abria a boca para recusar.
— Minha filha adoraria dançar.
Ela olhou para os seus dedos agora colocados na palma da mão
do homem. O calor em sua barriga começou a dar piruetas e saltos em
direção à sua garganta. Quando seus olhos se moveram para o rosto
dele, o olhar escuro a manteve presa no lugar. O ar foi tirado de seus
pulmões e ela se viu incapaz de falar. Uma risada do pai a estimulou a
agir. Com uma reverência, ela reconheceu seu parceiro, e eles
caminharam para se juntar aos outros que já se reuniam para as
primeiras notas de uma dança campestre.
Grace se concentrou nas dragonas 3 douradas que adornavam
seus ombros largos, enquanto colocava uma mão enluvada na dele. O
material fez pouco para diminuir a intensidade de seu toque, enquanto
seguiam os outros casais em um círculo.
3
Dragona: pala, guarnecida ou não de franjas, usada pelos militares em cada ombro e indicadora muitas vezes
de seu posto.
— Eu entendo que você é prima da noiva. Você está satisfeita com
a união?
Seu tom era de conversa, mas ela sentiu que havia um propósito
para sua pergunta. O grupo de quatro se juntou e se separou.
— Eles formam um casal adorável e as duas famílias estão
satisfeitas. Nossa opinião é importante, meu senhor? — Ela arriscou
uma olhada em seu parceiro de dança muito masculino, enquanto ele
se movia ao redor dela. Em uma inspeção minuciosa, ela percebeu que
os irmãos não eram idênticos como pareceram na primeira vez que os
viu. É verdade que suas características eram as mesmas, mas seus
semblantes eram totalmente diferentes. Nenhuma expressão
irreverente e extravagante jamais encantaria o rosto desse homem. Ela
duvidava que um oficial militar tão orgulhoso fosse exagerar em
qualquer coisa, muito menos perder a paciência. Controle emanava
dele.
— Não, eu suponho que não, mas foi a minha tentativa fraca de
conversar, com a segunda mulher mais adorável na festa de
casamento.
Levou um momento para que suas palavras alcançassem seu
cérebro quando se viraram e se juntaram a um novo grupo de
dançarinos. Eles se separaram novamente e quando voltou para ele,
ele estava sorrindo. Sua respiração acelerou quando ele a girou ao
redor.
— Você me provoca, senhor. Não é galante de você.
— Eu não provoco, Lady Grace. Não é da minha natureza. — Ele
abriu a boca como se quisesse expandir sua natureza e depois parou.
Outro giro e ele começou novamente, o sorriso desapareceu. — Você
está gostando da sua estadia?
— Eu não vim por prazer. Ou seja, eu só vim para dar o meu apoio
e ajudar minha prima com o casamento. Ela não tem irmãos, como
você sabe. — As mulheres se moviam em torno dos homens e voltavam
para seus parceiros. — E ela queria alguém próximo de sua idade
durante os preparativos. — Os casais se juntaram e voltaram.
— Você vai ficar em Londres por muito tempo?
— Não, minha mãe morreu há vários anos e sou necessária na
propriedade de meu pai. Meu irmão tem apenas quatro anos e...
Eles se separaram e se movimentaram em torno do casal oposto.
Quando eles estavam lado a lado, ele continuou de onde eles pararam.
— Você sente a falta dele.
Grace acenou com a cabeça quando ele a girou novamente,
surpresa com a sua compreensão.
— Eu nunca o deixei antes. Nunca passei uma noite longe dele.
Suponho que é como uma mãe se sente a primeira vez, quando ela
deixa seus filhos.
Ele a girou e se aproximou.
— Você gosta do seu papel como Lady Boldon?
Sua curiosidade a fez sorrir e deixá-la à vontade.
— Sim, eu prefiro ficar ocupada e ativa. — Ela circulou em torno
dele. — Há muito o que fazer nas propriedades de Boldon.
— Uma mulher estimulada pelo conhecimento. Adorável e
inteligente, uma combinação rara. — Ele deu um passo gracioso ao
redor dela e da outra mulher no espaço.
— E está gostando do seu descanso da guerra, agora que
Bonaparte está exilado em Elba? — Grace ouviu falar da destemida
reputação do Tenente Coronel no campo de batalha. — Você sente falta
da emoção?
— Não, o combate não é um passatempo agradável para mim.
Sinto falta do regimento e dos meus homens, no entanto. — Ele virou-
a e eles voltaram para o próximo grupo.
— Então você retornará aos seus deveres?
— O mais cedo possível. É minha escolha de carreira estimada.
Eu aprecio a organização e a lógica das forças armadas. Somos de uma
mente semelhante. — Ele riu enquanto os casais se reuniam. —
Londres e sua sociedade me entediam. Eu também gosto de ser ativo.
— Nós temos algo em comum.
— Eu prefiro um mundo com ordem, um protocolo a seguir. Talvez
eu seja um cético que tenha visto muito do mundo. — Ele olhou para
ela com os olhos da cor de chocolate que sua mãe costumava beber.
Eles se encontraram e se separaram novamente. Um ligeiro sorriso
apareceu em seus lábios, e ela se sentiu despida, como se ele estivesse
olhando para sua alma e gostava do que via.
— Talvez você também seja uma combinação rara de beleza e
honestidade. — Seu juízo retornou e ela se encontrou apreciando sua
companhia. A música chegou ao fim e ele se curvou.
— Lady Grace, posso ser franco?
— Desde que nos conhecemos tão bem. — Ela respondeu com um
sorriso, estudando-o debaixo de seus cílios. Ele havia despertado o
interesse dela. — Por favor, fale o que pensa.
— Meu irmão tem suas falhas. Ele bebe demais, joga, mas não
muito atualmente, e nunca leva a culpa por uma catástrofe, grande ou
pequena, independentemente de sua participação nela. No entanto, ele
não tem um osso rancoroso em seu corpo e nunca - Nunca - causa
dano a uma Lady. — Ele fez uma pausa e continuou com um leve aceno
de cabeça. — Eu pensei que você gostaria de saber.
O sol penetrava através de uma janela, os raios brilhantes
incendiando seu uniforme vermelho e fazendo as faixas de ouro
brilharem na frente. Seu coração agitou quando ela percebeu seu
significado. Ele sabia. Ele sabia sobre seu tio e queria oferecer alguma
segurança, algum tipo de conforto para Eliza no dia de seu casamento.
Lágrimas arderam a parte detrás de seus olhos, e ela piscou
rapidamente antes de encontrar seu olhar novamente.
— Obrigada, — Ela sussurrou, ouvindo a esperança em sua voz.
— Estou muito feliz em saber disso.
— Que você tenha uma jornada segura e rápida para casa. Foi
realmente um prazer, Lady Grace.
Ele sorriu para ela. Um sorriso deslumbrante, mas sincero,
mostrando dentes brancos perfeitos que faziam sua pele bronzeada
parecer ainda mais escura. Ela estremeceu, não tendo certeza se era
pelo calor que ondulava sobre sua pele ou pelos pensamentos
impróprios que inundavam sua cabeça.
— Sim, de fato, meu senhor. Que nos encontremos de novo algum
dia. — E, enquanto o Tenente Coronel Roker se afastava, seu passo
poderoso exigindo atenção, ela esperava que se encontrassem.
CAPÍTULO 02
“Raramente, muito raramente, a verdade completa pertence a
qualquer revelação humana, raramente pode acontecer algo que não
seja um pouco disfarçado ou um pouco enganado...”
Jane Austen, Emma
17 de junho de 1815
Monte St. Jean, perto de Waterloo
7
Ale: um tipo de cerveja de alta fermentação.
A vida era difícil para muitos desses camponeses, e ele não era alguém
para julgar. Sabia que estavam acostumados ao sofrimento. Mas ele
sabia de uma coisa com certeza. Esta seria a última guerra de
Christopher Roker.
Casa. A palavra estava tocando em sua cabeça desde o primeiro
grito de guerra. Ele voltaria para Londres em menos de um mês. O rosto
carrancudo de seu pai e a imagem pairando de sua mãe de repente
pareciam um cobertor quentinho que ele queria envolver em torno de
si e descongelar o gelo que enchia seus ossos no meio de junho.
Normalidade, é o que sua alma ansiava. Acordar e não ter vidas na
balança. Para vigiar seu irmão e repreendê-lo quando ele ficasse
endividado ou apostasse demais. Para que sua decisão mais difícil do
dia fosse entre um passeio no Hyde Park ou uma luta de boxe no
Jackson's.
Bom Deus, que confusão sentimental encheu sua cabeça nas
últimas horas. Em seguida, ele estaria em uma cadeira de balanço com
um cobertor aquecendo seus joelhos.
Um dia depois, um mensageiro chegou de Londres enquanto se
preparava para sair de Bruxelas. Ele havia conseguido acomodações
em um hotel e acabara de tomar o café da manhã. Quando Kit viu o
selo do Marquês de Falsbury e a caligrafia de seu pai no envelope, seu
estômago se apertou. Sua família não escrevia socialmente. Algo estava
errado e o pesadelo que ele tivera pouco antes de Waterloo passou por
sua mente. Ele amaldiçoou e seus dedos quebraram a cera.
17 de junho de 1805
Caro Christopher
Sua mãe está muito perturbada para compor uma carta, então a
tarefa cai para mim. Carson teve um terrível acidente na noite passada.
Parece que ele estava em seu estado habitual depois dos clubes, e
decidiu correr em nosso garanhão mais rápido ao amanhecer. A besta
tropeçou e C. caiu para a morte. Seu pescoço estava quebrado. Eu não
acho que ele sofreu. Minha única bênção neste tempo sombrio.
Você deve voltar para casa imediatamente. Eu entendo que você foi
brilhante contra os franceses e espero que você tenha se fartado da vida
militar. Você é agora o Conde de Sunderland e herdeiro de Falsbury. Eu
preciso desesperadamente de sua ajuda com as duas mulheres
histéricas em minhas mãos. Se apresse. É um dia maldito quando um
homem tem que enterrar o seu filho.
Falsbury
Seus pulmões congelaram. Seus membros viraram chumbo. Ele
não conseguia tirar os dedos do papel ou os olhos da tinta. As palavras
nadaram diante dele.
— Você está bem, meu senhor? — Perguntou o mensageiro. —
Devo responder ao marquês.
O ar finalmente penetrou no peito de Kit, e ele respirou fundo,
depois soltou o ar lentamente. Seu treinamento militar seria
extremamente necessário agora.
— Vá até o pub e me traga uma garrafa de seu melhor conhaque.
Eu terei uma resposta quando você voltar. — Ele jogou uma moeda
para o homem e esperou a porta se fechar. Com uma reserva que ele
não sabia que possuía, Kit caminhou lentamente até a escrivaninha,
sentou-se e abriu o frasco de tinta. Escreva a carta, e então eu vá beber
até ficar entorpecido. Queixo para cima. Queixo para cima.
Ele compôs uma nota curta, contando ao pai o choque e a
preocupação com a família e que partiria imediatamente. Quando o
mensageiro retornou, Kit trocou a carta pela garrafa e ofereceu ao
homem um bom dia. Ele tirou o uniforme e trocou por roupas civis,
deixando a camisa de linho aberta e botas. Então ele esperou a
escuridão descer.
— Carson, este é por sua liberdade. — O líquido âmbar escaldou
sua garganta, e ele deu boas-vindas a ela. — E este por estar finalmente
conseguindo o seu caminho. — O próximo copo não queimava tanto,
então ele mediu um terceiro. — Você finalmente ganhou sua batalha,
irmão mais velho.
Sua determinação diminuiu e ele afundou em uma cadeira em
frente à janela. Uma carruagem passou, as pessoas corriam pela rua,
um cachorro latia para um cavalo nervoso. A dor estava aumentando.
Tinha começado em seu estômago e agora subiu para sua garganta,
expandindo e tornando difícil engolir. Sua mandíbula se apertou,
tentando empurrar a dor de volta para baixo. Mas a miséria não seria
ignorada. Entrou em sua cabeça, uma batida que forçou seus olhos a
fechar. Cegamente, ele tomou outro copo do conhaque.
— Trabalhe, maldição. Ainda posso sentir. — A ardência por trás
de suas pálpebras provocou mais xingamentos. — Por quê? Por quê?
— Uma lágrima escapou, deixando-o furioso.
Ele jogou o copo do outro lado da sala com toda a fúria da semana
passada. O cálice bateu na lareira e se quebrou em pequenos pedaços
como a sua compostura. Raios de luz entravam pelas janelas, as lascas
de cristal piscavam e cintilavam no tapete verde-escuro. Kit olhou
acusadoramente para o dia claro, como se o sol não tivesse o direito de
brilhar.
Conversas sussurradas em seu ouvido. Planos para mudar de
lugar, mudar de função. Você é o Conde. Ninguém jamais saberá. Você
é muito mais adequado para um título. E se eles tivessem ido em frente?
Carson ainda estaria vivo? Ou ele teria se juntado ao exército e se
matado? Ele poderia ter tentado o regimento. Kit bufou, lembrando-se
do seu irmão especialista em disparates. Sim, um mediador lhe seria
apropriado. A raiva ressurgiu.
— Pelo sangue dos diabos, como vou viver sem a minha outra
metade? Você pode me dizer isso, seu bastardo egoísta? — Ele pegou a
garrafa e tomou um longo gole, em seguida, riu sem alegria.
— Você achou que eu era o mais forte. Sempre aquele que te
resgata de problemas, suaviza as coisas com o nosso pai. — Sua voz
falhou. — Bem, eu estou fora de mim agora.
O decantador caiu de seus dedos com um baque surdo, o líquido
dourado, penetrando no tapete enquanto a alma vazava de seu irmão.
O pesadelo foi com Carson, tentando explicar o que havia acontecido.
Seu irmão engraçado, doce e imprudente, cuidando dele de maneira
inepta.
Kit segurou seu peito, a ferida em seu coração. Os gêmeos eram
conhecidos por terem um vínculo misterioso e eles não eram diferentes.
Uma parte dele estava morta junto com seu irmão. Era uma tristeza
que ele sabia que nunca iria deixá-lo. Então ele aceitou a dor e a deixou
lavar seu corpo.
— Maldito seja você, Carson. Maldito.
CAPÍTULO 04
Mas o orvalho da noite que cai, e em silêncio, chora,
Deve iluminar com verdura a sepultura onde dorme
E a lágrima que derramou, embora em segredo rola,
Por muito tempo manterá sua memória verde em nossas almas.
Thomas Moore, Oh, não respire seu nome
Junho de 1815
Boldon Estate, fora de Londres
8
Ton, nata da sociedade.
— Não, suponho que você esteja certo. Embora ele conseguisse
desacelerar um pouco. — O Conde riu e colocou o chapéu de volta na
cabeça. — Espero ver você na próxima semana, meu senhor. Mais uma
vez, minhas condolências. É uma tristeza.
Kit observou o Conde se afastar, sinalizando para um cavalo e um
condutor na estrada. Um phaeton9 parou, e Coventry saltou para ele
com a graça e velocidade de um homem muito mais jovem. Ele se
perguntou sobre os Condes perversos. Eles não poderiam ser tão ruins
se Weston fosse um deles. Ele não tinha visto seu amigo de infância
desde o casamento de Carson. Seria útil e animador ter um amigo de
confiança ao seu lado agora que ele estava em casa.
Quando ele voltou para a propriedade, seu pai estava esperando
por ele na biblioteca com conhaque derramado em um copo.
— Eu não costumo tomar isso no início da tarde, mas parece que
tem sido um maldito longo dia. — Disse Falsbury, enquanto entregava
a Kit um copo de cristal. — Sente-se, filho. Há muito a discutir e não
adianta adiar.
Colocando a casaca escura na parte detrás de uma cadeira, ele se
inclinou contra a lareira e tirou a gravata.
— Onde devemos começar?
Falsbury entregou-lhe um copo e sentou-se atrás da escrivaninha.
— Primeiro, seu irmão tem algumas somas não pagas. Eu
apreciaria que você cuidasse dessas dívidas o mais rápido possível.
Kit assentiu.
— Ele estava endividado?
— Não, surpreendentemente. Ele jogou muitas vezes, mas não
pesadamente. Nunca ficou pendurado no meu dinheiro. — Ele olhou
pela janela, com um olhar angustiado no rosto. — Sinto como se fosse
9
Phaeton ou Faeton é uma carruagem aberta.
um tempo perdido. Se eu soubesse o que aconteceria, teria pulado
aqueles confrontos.
— Como é que vamos saber? — Raios de sol do fim da tarde
salpicavam a mesa e destacavam o cinza no cabelo de seu pai. As linhas
ao redor de seus olhos e boca se aprofundaram. Ele envelhecera desde
que Kit o vira pela última vez. — Você está certo, estamos começando
de novo. Não sei nada sobre administrar Falsbury ou suas outras
propriedades.
— Você vai aprender. Deus não pode levar meus dois filhos. —
Seus olhos castanhos se encheram de lágrimas. Ele virou a cabeça e
limpou a garganta. — Pelo menos você tem o temperamento do título.
Não será uma batalha difícil.
— Sim, eu sempre fui o filho obediente. Então, novamente, eu não
fui forçado a fazer qualquer coisa que eu não gostava. — Ele tomou um
gole do conhaque e apreciou a queimadura lenta em sua garganta. —
Mas eu sou um homem de honra e cumprirei o meu dever.
— Eu sei que você vai, Christopher. Talvez vocês dois devessem
ter mudado de identidade. Eu sei que Carson tentou convencê-lo disso.
— Com um suspiro pesado, o homem mais velho voltou para os papéis
em sua mesa. — Muitas legalidades para lidar, receio. O advogado
terminará de redigir os papéis para nomeá-lo como quinto Conde de
Sunderland e herdeiro de Falsbury. O segundo filho é agora um futuro
Marquês. Como se sente?
— Muito ruim. Vai demorar um pouco para me acostumar ao
título, suponho.
— E depois há Lady Sunder, Lady Eliza, — Acrescentou ele,
tamborilando os dedos sobre a mesa. — Eu suponho que ela vai voltar
para casa, para sua família. Seu pai mandou avisar que ele fará os
preparativos assim que estivermos prontos.
— O pai dela é um considerado traiçoeiro, você sabe disso. — Kit
lembrou-se da conversa com Lady Grace há um ano. — Ele bate em
suas mulheres. Não consigo imaginar que ela queira voltar para isso.
O Marquês acenou com a mão.
— Essa não é minha preocupação. Ela terá uma renda arrumada
até voltar a se casar e, como viúva, poderá fazer o que quiser. Eu não
a vejo tendo espinha suficiente para ser independente, mas como eu
disse, será a decisão dela.
— Eu preciso ir a Londres na próxima semana, então posso parar
no escritório do advogado. — Kit decidiu que a próxima conversa seria
com a viúva. — Vamos nos encontrar por um tempo determinado todos
os dias para começar a me familiarizar com meus deveres e suas
expectativas?
— Sempre o militar, hein? Mesmo quando menino, você gostava
de rotina, tudo em ordem e mantido em seu lugar. Mas você costumava
sorrir mais. Era a única coisa que você e seu irmão tinham em comum.
A guerra, suponho?
Kit grunhiu.
— Certamente não alivia a disposição de alguém, não é?
— Não, eu imagino que não. — Seu pai inclinou a cabeça e
terminou o conhaque. — Eu me sinto velho hoje. Primeira vez na minha
vida em que os anos estão pesando em mim.
— Desagradável para todos nós. Se não há nada mais, meu
senhor, preciso verificar a mamãe. — Ele pegou a casaca e parou. —
Será que teria feito diferença se eu estivesse aqui?
Seu pai sorriu fracamente e balançou a cabeça.
— Essa é a ironia dessa tragédia. Carson tinha recuperado a
consciência. Não há mais rumores sobre ele nos bordéis ou nos
infernos dos jogos, nada de excitante. Ele tratou sua esposa com
deferência e educação e até pareceu gostar de sua companhia. Eu tinha
tantas esperanças.
Quando o olhar do velho vagou para a janela novamente, Kit saiu
silenciosamente da sala. Bom Deus, como ele ia fazer isso? Ele já sentia
falta do exército. Possuía uma segurança, uma garantia do que o futuro
traria, se alguém não caísse em batalha. Mas esse era um preço que
todo soldado tinha que estar disposto a pagar. Na sua idade, como
começar de novo? Aprender a administrar as propriedades não seria
um problema, ele argumentou. Ele deu um jeito em centenas de
homens de todas as classes. O herdeiro e o matrimônio eram o
problema. Agora ele sabia como Carson se sentira. Exceto que isso
havia sido lançado nele como uma armadilha de caça. E não houvesse
escapatória.
Com uma batida, ele entrou na sala de visitas onde sua mãe
estava sentada lendo uma bíblia. Ela ainda era uma mulher atraente,
suas bochechas ainda lisas e apenas algumas mechas cinzas
enredavam seu cabelo de ébano.
— Posso pegar alguma coisa para você, mãe?
Ela ergueu os olhos avermelhados e estendeu a mão.
— Um beijo do meu filho? Isso me proporcionará mais conforto do
que este livro.
— É claro. — Ele respondeu, se curvando sobre ela para colocar
um em sua bochecha macia. — Algo mais? Eu queria falar com Lady
Eliza. Seria melhor se viesse comigo?
Seu rosto se iluminou com o assunto.
— Uma menina tão doce e preciosa. Ela tem sido uma ótima
companhia para mim desde o casamento. Tudo o que uma mulher
poderia querer em uma filha.
— Você sabe se ela fez algum plano?
— Não. Por que você não pede um criado e manda trazê-la?
Kit obedeceu, e enquanto esperavam, Lady Falsbury confidenciou
que não queria que sua nora fosse embora.
— Se ela pudesse ficar por um tempo, seria um grande conforto
tê-la perto, até que eu esteja... melhor.
A mulher em questão apareceu na porta.
— Meu senhor, Lady Falsbury, vocês queriam me ver?
— Sim, por favor entre e fique à vontade. Nós estávamos apenas
falando sobre o futuro. — Ele notou o cansaço do seu rosto, a expressão
afligida. — Você está se sentindo bem?
— Sente-se, minha querida, — Lady Falsbury murmurou,
enquanto dava tapinhas em uma cadeira ao lado da sua.
— Podemos esperar para outro dia, se você ainda não está
completamente bem.
Lady Eliza sacudiu a cabeça.
— Não, estou bem o suficiente. Obrigada por perguntar, Lorde
Sun... Sunderland.
Quando ela vacilou sobre o nome, ele se encolheu.
— Levará algum tempo para todos nós nos acostumarmos ao meu
título. Quando estamos em privado, talvez seja melhor para nós dois se
você me chamar de Kit.
— Sim, meu senhor.
— Meu pai tem a impressão de que você retornará para sua
família. Minha mãe espera que você nos agrade com sua presença por
mais algum tempo. Não temos pressa em vê-la partir. — Ele fez uma
pausa. Sua inquietação se intensificou e um ruga perfeita apareceu no
colo de seu vestido preto. — Estou angustiando você, Lady Eliza?
— Isso vai depender da sua reação. — Ela piscou duas vezes, em
seguida, baixou os olhos novamente, os dedos puxando uma mecha de
cabelo loiro. — Eu temo que eu esteja carregando o bebê de Carson.
Silêncio. O tipo de silêncio matutino pouco antes do sol irromper
no horizonte. E isso explodiu.
— Oh, minha querida, — Chorou sua mãe, lágrimas derramando
de seus olhos escuros. — Você tem certeza? Você está grávida?
Com apenas um aceno de confirmação, seus olhos permaneceram
fixos em seus sapatos de couro, observando a saia de algodão e seda.
Ataque surpresa, socando na barriga. Kit passou a mão no rosto
enquanto as implicações dessa notícia se apoderavam dele. Um
indulto? Possivelmente. Ele queria ser mantido à distância? Deixava
pendente aqui na Inglaterra, enquanto esperava para ver se o título
seria dele ou dado a uma criança que chorava? Maldito inferno, uma
complicação que ele não previra.
— Lady Eliza, você percebe o que isso significa? — Ele perguntou
baixinho. Ela assentiu mais uma vez. — Bem, eu posso ser o primeiro
a parabenizá-la.
A cabeça dela ergueu, os olhos violetas dela nadando em lágrimas
não derramadas.
— Você não está com raiva?
Para seu espanto, um pouco da escuridão foi retirada de sua
alma. Um bebê. Um sobrinho. Filho de Carson.
— Não, minha querida irmã. Estou muito feliz, muito feliz mesmo.
— Ele estendeu as mãos, e ela se levantou para agarrá-las enquanto
ele beijava cada uma de suas bochechas. — Isso responde a uma
pergunta. Você não vai nos deixar tão cedo.
Um sorriso trêmulo cresceu, transformando seu rosto de abatido
em adorável. A alegria das mulheres inchou seu coração. Sim, isso foi
uma boa notícia.
— Eliza, o que você comeu hoje? Precisamos conseguir sustento
nesse corpo magro. Meu neto terá um grande apetite. — Lady Falsbury
enxugou as lágrimas do rosto, os pálidos olhos azuis brilhando. —
Christopher, peça um almoço leve, por favor. Eu acho que meu apetite
também retornou. Vá buscar o seu pai, mas tenha um pouco de
conhaque pronto.
CAPÍTULO 05
Não há charme igual à ternura do coração.
Jane Austen, Emma
Boldon Estate
10
Carapeta - pequeno pião que se faz girar com os dedos.
— Eu lembro agora porque você é tão bom em peças teatrais e
drama. Agora, suba as escadas e faça essa lista. Não serei responsável,
se não estiver na sua lista.
Grace estava animada para ficar em Falsbury por um mês, mas
ainda tinha um nó no estômago sobre a gravidez. A carta de sua prima
tinha sido cheia de tristeza e de alegria. Ela leu de novo, com uma
intensa proteção enchendo o seu peito.
Querida Grace
Este deve ser um sonho terrível. Eu vou acordar em breve e chorar
de alívio, mas até então, meu coração está se partindo. Carson está
morto. Um momento ele está me beijando dando boa noite, indo para os
clubes com Lorde Weston. No próximo, eu fui despertada da minha cama
para saber que ele caiu de um cavalo e quebrou o seu pescoço. Como vou
suportar isso?
Eu sei que não éramos uma união de amor, mas ele era tão bom
para mim, Gracie. Tão terno e atencioso e como nenhum homem que eu
já conheci. Por que Deus me daria tal felicidade por tão pouco tempo?
Fiquei acordada imaginando se teria sido melhor nunca conhecer tal
afeição.
Meu único consolo é seu filho crescendo dentro de mim. Ele me fez
prometer manter isso em segredo por algum tempo. Ele queria saborear
o momento, disse ele, antes que seu pai sugasse a alegria disso. Ele
estava tão feliz e eu pensei que era a mulher mais sortuda. Agora eu vou
ter que dizer a eles sozinha, sem ele ao meu lado. Oh, ore para que eu
tenha uma filha, para que eu possa guardá-la para mim mesma. Eles
não se importam com uma menina inútil, mas eu a amaria. Uma pequena
parte que Carson deixou para trás para mim.
Eu preciso de você, Gracie. Eu preciso da sua força e do seu senso
comum. Por favor, venha para mim quando puder.
Sua querida prima,
Eliza
Sua primeira reação às notícias terríveis e maravilhosas de Eliza
foram lágrimas. Lágrimas por um homem morto que demonstrou
bondade para uma moça solitária e assustada. Lágrimas por uma
mulher que agora criaria uma criança sem o pai. Lágrimas pela
possibilidade medonha de o ceifador voltar e tirar Eliza dela. E então
alívio, ninguém tinha testemunhado o seu colapso. Ela se preocupou,
pensou em solicitar uma recusa do convite com uma pobre desculpa.
Ela queria oferecer consolo, mas a barriga inchada de Eliza traria de
volta todo o medo e horror daquele dia terrível? A preocupação de seu
pai não fora superficial.
Sua apreensão foi de curta duração, no entanto. Grace se
considerava uma solucionadora de problemas. Lamentar não vai
ajudar. Encontre uma solução, sua mãe sempre disse. Após extensas
leituras e longas conversas com o médico, com o boticário e a parteira
locais, ela encontrou uma solução prática. Havia agora doutores,
homens especializados em parto. Sua missão atual era convencer Lady
Falsbury que o bebê deve nascer em Londres, onde uma parteira
poderia ser contratada com antecedência e enviada imediatamente. A
família certamente tem influência suficiente para que isso acontecesse.
Se ela pudesse se acalmar, Eliza também estaria livre de ansiedade.
Os próximos dias foram agitados. Havia muito para embalar e
instruções para dar para que a propriedade continuasse a funcionar
sem problemas enquanto ela estivesse fora. Seu pai os escoltaria até
Falsbury e retornaria na semana seguinte. Ela estava feliz por tê-lo
junto. Ele era mais reconfortante do que ele percebia e muito boa
companhia. Sentada em uma pequena mesa na biblioteca, Grace
examinou suas anotações finais. Uma brisa leve ondulou as cortinas
azul claras, distraindo-a com o suave, mas nítido som de seda contra
o tafetá. Com um suspiro, ela viu os vívidos roxos, rosas e vermelhos
dos lírios, cravos e lobélia11 que disputavam a atenção no jardim.
O terrível nó em sua barriga, seu terror do parto, se dissipou.
Talvez tudo funcionasse. Mulheres perderam maridos, mulheres
tiveram bebês, a vida continuou. Contanto que ela não fosse uma
daquelas mulheres.
Sammy irrompeu pela porta, um papel apertado em seu pequeno
punho rechonchudo. Suas bochechas estavam rosadas,
complementando seu colete vermelho. Um cavalheiro tão pequeno... até
que ele abriu a boca.
— Eu tenho a lista. — Disse ele em sua voz adulta alta, mas
ensaiada. Ela assentiu para que ele soubesse que ela tinha ouvido e
mergulhou a ponta no tinteiro para terminar suas instruções.
— GRACE, EU TENHO A LISTA!
Ela se encolheu, as mãos apertando sobre as orelhas.
— Samuel Beaumont, você me viu assentir?
Com um sorriso, ele assentiu.
— Então por que você gritou?
— Você não estava olhando para mim. — Ele disse indignado.
— Eu não preciso dos meus olhos para ouvir você, meu jovem. É
impróprio levantar a voz na frente de uma mulher. — Ela falou,
apontando a pena para ele. — Peça desculpas.
— Mas você não é uma mulher, você é minha irmã.
— Eu ainda sou uma mulher, então você vai praticar suas
maneiras comigo. — Ela se recostou na cadeira, sabendo que isso não
11
Lobélia planta exótica cultivada por suas flores azuis e por sua ação estimulante sobre a respiração.
aconteceria em um piscar de olhos. Ele herdara a natureza
argumentativa da mãe.
— Mas papai diz que quando um homem chega a você com um
assunto importante, ele deve ter toda a sua atenção. Então você tem
que olhar para mim. — Samuel ficou ereto, ombros para trás, como se
esperasse por seu próprio pedido de desculpas.
— Esse não é o caminho a percorrer. Você deve esperar
pacientemente até eu levantar a cabeça.
Ele apertou o lábio inferior.
— Sinto muito se você pensou que minha persistência era muito
barulhenta.
Bem, Grace supôs que teria que aceitar isso. Ela estendeu os
braços e ele correu para eles. Balançando-se em seu colo, ele tentou
alisar o pergaminho amassado sobre a mesa.
— Eu acho que tenho tudo. Leia isso.
— Por que você não lê para mim?
— Eu fiz bastante trabalho esta manhã. Minha cabeça está
doendo de tanto pensar. — Sammy se aconchegou contra o peito de
sua irmã. Ela o beijou no topo de sua cabeça e deu-lhe um aperto.
— Bem. Vamos tomar um café da manhã agora? — Ele assentiu
e saiu correndo do quarto antes que ela pudesse piscar. Olhando para
a lista dele, ela riu.
THOR
MANTA GROSSA PARA THOR
MEU TEATO DE BINQEDOS
TODAS AS MINHAS BOLINHAS DE GUDI.
MINHA CARRAPETA
MEU PONI E MINHA CAROÇA
MEU DOMINOR
Samuel correu de volta para o quarto.
— Você pode colocar o meu skittles12 na lista ali para mim, por
favor? Aquilo foi muito difícil. Isso fez meu cérebro inchar. — E ele foi
embora de novo.
— Uau, devagar, — Seu pai disse no corredor. Ele enfiou a cabeça
dentro da sala. — Do que você está rindo?
— Seu filho e meu irmão. Temo que ele esteja se tornando um
jovem manipulador. Ele já aprendeu a encantar o pessoal e está
trabalhando em mim.
— Ele herdou isso de sua mãe. Eu não tenho um osso encantador
no meu corpo. — Disse ele em sua própria defesa. — Ela seria
orgulhosa dele, não seria?
Grace sorriu de acordo.
— Extremamente orgulhosa.
O sol brilhava nos raios de aço das rodas da carruagem, uma brisa
fina, agitando as folhas. O condutor, controlando a garupa, estalo seco
para os cavalos castanhos brilhantes e eles relinchando em
antecipação. Seria uma viagem de três dias de carruagem. Ela observou
o pai sentado em seu alazão castrado, reto, alto e bonito. Muitos
homens da sua idade tinham engordado ou perdido o cabelo. Não o
senhor Boldon. Ele estava em forma como a maioria dos homens com
metade da sua idade. Se ela se casasse, encontraria um homem que se
comparasse com o pai dela? Altamente duvidoso.
— Samuel! Anda depressa, menino! Temos novas terras para
descobrir! — Gritou ele para o filho. — Grace, se você der outra
instrução, nós deixaremos você para trás. O lugar não vai sair do chão
sem você.
12
Skittles é um antigo jogo europeu, que consiste em uma variedade do boliche para ser jogado na relva com
pinos e bola de madeira.
— Olhe quem está tão ansioso para estar longe. — Ela riu quando
o cocheiro esperou por ela, seu uniforme azul combinando com o
brasão vermelho e azul Boldon na porta. Ela se acomodou no assento
de veludo acolchoado. — Sammy, eu tenho biscoitos frescos com geleia
de morango da Sra. Woolley, para o caso de você ficar com fome. Você
está andando comigo ou com papai?
— Papai, eu posso montar no grande cavalo?
— Certamente. — Sammy colocou a pequena mão no antebraço
robusto de seu pai. — Quando eu contar até três: um, dois, trêeeeees...
— O menino saltou com toda sua força enquanto o Senhor Boldon,
puxou-o para cima. Ele pegou o casaco de seu pai com a mão livre e
facilmente subiu atrás dele.
— Salve, César! — Exclamou Sammy.
— O quê? — Seu pai perguntou — César?
— Sr. Chenwick gritou um dia. Eu esqueci porque ele estava tão
entusiasmado, mas você sabe como ele aumenta as suas histórias. Eu
me lembro dessa parte, no entanto.
— Bem, suponho que seja um começo. Algum outro pedacinho
que você lembra de suas aulas? Me entretenha, Samuel. Eu pago o
homem bem o suficiente.
— Bem, ele estava conversando com a Sra. Woolley ontem com
um sorriso bobo no rosto. De repente, ela colocou as mãos nos quadris,
emitiu um som ofegante e saiu do quarto. O pobre Sr. Chenwick,
parecia muito confuso, então decidimos que leríamos poesia.
— Qual poeta ele escolheu?
— O romano, Virgílio. Ele disse: — Uma mulher é sempre uma
coisa picante e mutável. E então ele balançou a cabeça e me disse para
nunca me apaixonar.
Lorde Boldon soltou uma gargalhada que a Sra. Woolley, que
obviamente protestaria da situação embaraçosa, poderia ter ouvido na
cozinha.
CAPÍTULO 06
O egoísmo deve sempre ser perdoado, porque não há esperança
de cura.
Jane Austen, Mansfield Park
Londres
Final de junho de 1815
13
Cabriolé Pedestre, foi a primeira bicicleta de regência, invenção pelo Barão Von Drain e introduzido na
Inglaterra por Denis Jhonson no ano de 1818.
14
Chapeleira uma caixa, tipicamente circular, para transportar chapéus.
— Ele inclinou na estrutura e caiu para fora, depois escorregou
na lama. Quando ele tentou se sentar, — Coventry terminou com um
floreio, — Lady Cowper disse com a voz mais calma: Ora Lorde
Sunderland, que galante de sua parte? Eu estava hesitante em sujar
minhas novas sapatilhas. Então ela usou seu casaco para atravessar a
poça e continuou atravessando a rua.
Com uma cara séria, Weston acrescentou.
— É claro que agimos como se nunca tivéssemos conhecido o
idiota.
O estômago de Kit doeu. Ele tragou o ar e pegou o uísque. Sim,
ele veio ao lugar certo. Carson teria considerado isso como um ajuste.
Essa irmandade preferiu celebrar sua vida em vez de lamentar sua
morte. Ele olhou para as calças pretas e o colete que usaria pelos
próximos meses. Parecia que tal cor, dia após dia, era mais uma
penitência do que um memorial, mas ele não fez as regras.
— Senhores, tem sido um prazer, mas devo ir para casa para
minha esposa. — Disse Lorde Sussex. — Eu vou dizer que foi uma
experiência estranha, ter que bater na porta deste estabelecimento ao
invés de usar a minha chave.
— Você tem chaves? — Kit ficou intrigado. — Para ir e vir como
quiser?
— Quando você se torna um membro do Wicked Earls Club,
recebe uma chave. Este é um lugar onde você pode satisfazer seus
vícios sem se preocupar com descobertas. Pode ser monetário, sexual
ou simplesmente indulgente. — Explicou Coventry. — Mas não pode
ser inescrupuloso, criminoso ou fisicamente prejudicial para alguém
que esteja empregado ou sob minha proteção. E todos os meus
membros estão sob minha proteção.
— Então, por que você desistiu dessa vida? — Kit perguntou a
Sussex. — Você não parece o tipo de deixar esse tipo de participação
por capricho.
— Infelizmente, o casamento é o único vício que não é permitido
dentro dessas paredes. Uma vez que você é um ocupante vitalício, a
associação é revogada. — O Conde deu de ombros. — Esta foi uma
noite especial. Além disso, a minha Tabbie mais do que vale a pena.
Esses libertinos não mantêm minha cama aquecida à noite do jeito que
ela faz. — Gritos de protesto seguiram sua declaração, mas todos os
homens sorriram.
Decanteres de conhaque apareceram na mesa. Kit rodou o líquido
âmbar em seu copo e tomou um gole.
— Por Deus, essa é a melhor coisa que eu já provei. Onde você
conseguiu isso?
— Meu segredo. — Respondeu Coventry.
— Um dos muitos. — Concordou Weston.
No final da noite, Weston e Kit sinalizaram uma carruagem e
voltaram para a casa de Kit. Eles beberam mais vinho do porto, jogaram
bilhar e Edward contou-lhe as últimas notícias de sua família.
— E você? Quais são seus planos imediatos? — Weston sentou-se
perto da mesa, com as longas pernas esticadas e cruzadas nos
tornozelos, as mãos cobrindo as costas da cabeça escura. Ele viu
quando Kit mirou e enviou uma bola em espiral para um saco num
canto. — E Lady Eliza o que fará agora?
— Interessante você perguntar. — Ele colocou seu bastão para
baixo, tomou um gole de sua bebida e se inclinou sobre a mesa. — Ela
está carregando o filho de Carson.
Edward começou a tossir e engasgou. Ele esperou pelo
interrogatório.
— Quando ela te contou? Ela tem certeza? — Weston fez uma
pausa. — Não, ela não precisa do dinheiro. Tenho certeza de que entre
o pai e o contrato de casamento...
— Ela não tem um pingo de malícia nela. Minha mãe se tornou
muito apegada a ela. — Ele suspirou. — Isso só me coloca... encalhado,
por assim dizer.
— Você é o Conde a menos que ela tenha um menino. Então, você
reivindica o título por pelo menos sete ou oito meses? — Weston deu
um assovio. — Não é uma brincadeira.
— Estou em conflito, para lhe dizer a verdade. Depois de Waterloo,
jurei que acabara com a guerra. No entanto, uma semana em casa e
sinto falta do exército, meu regimento, meus homens. Se ela tivesse um
menino, eu poderia voltar para a minha antiga vida.
— Então vamos brindar a um menino. — Edward ergueu o copo.
— Minha mãe se consola com Lady Eliza. Meu pai levou isso a
sério e parece um inferno. Estou preocupado com ele. Ele não está
certo, mas eu não posso colocar meu dedo nisso. Tenho medo de ter
que assumir a guarda da criança.
— É de se esperar, Kit. Não só ele perdeu um filho, mas seu
herdeiro. Engraçado como a vida pode mudar no estalar de dedos.
Ambos os homens estavam quietos, perdidos em seus
pensamentos. Kit se perguntou novamente sobre o relacionamento
entre seu irmão e sua esposa.
— Ele veio a amá-la?
Weston sacudiu a cabeça.
— Foi estranho. No começo, ele alegou que estava preso, algemado
à perna, perdeu sua liberdade. No entanto, ele desistiu de sua amante,
foi para casa quase todas as noites e nunca falou mal dela. Depois de
algum tempo, quando ele mencionava o nome dela, eu pude ouvir uma
nota de ternura.
— Ela insistiu em permanecer conosco depois do culto na igreja.
Lady Eliza parece ser mansa e frágil, mas há uma teimosia nela que me
impressionou. — Ele também respeitava sua lealdade. — Eu acredito
que ela amava Carson.
— Ele disse o mesmo. Acho que isso o assustou, ter outra pessoa
dependente dele. Amar assim sem exigir nada em troca. Ele tinha seus
demônios, mas eu acho que ela era a razão pela qual ele queria mudar.
— Edward encolheu os ombros. — No mínimo, ele tentou cuidar dela.
— O que te faz dizer isso?
— Na noite passada, ele me disse que ser casado o agradava, e ele
estava certo de que eles seriam abençoados com uma criança saudável
em breve.
— Todos os homens querem herdeiros.
— Só os homens que querem um herdeiro dizem exatamente isso.
Eles lamentam e lamentam a falta de um filho, sem pronunciar as
palavras abençoado e criança. — Weston levantou as sobrancelhas em
desafio.
— Bom ponto. — Kit pegou a sugestão de bilhar novamente. — Eu
espero que você esteja certo. Aliviaria minha alma saber que ele estava
feliz finalmente.
— Eu posso dizer com absoluta confiança que ele estava contente.
Isso é o mais próximo da felicidade que a maioria das pessoas tem,
especialmente um homem como Carson. Mas esse comentário faz mais
sentido agora. Quase perguntei a ele o que queria dizer, mas o jogo
começou...
— É verdade que ele estava confuso?
Weston assentiu.
— Ele realmente tentou parar. Não bebia há semanas antes
daquela noite. Você sabe que Carson, uma vez que ele começava, não
podia parar. Mas eu o vi mais bêbado que um porco castrado e montou
um cavalo melhor que o meu. Foi apenas maldita sorte que a fera
tropeçou.
Para todos nós, pensou Kit. O barulho de marfim contra marfim
ecoou na sala enquanto Kit limpava a mesa e estendia a mão.
Weston gemeu quando deu o guinéu15.
— É bom saber que algumas coisas permanecem constantes. Não
acho que você já perdeu no bilhar. Da próxima vez, um jogo de risco.
— Se você não se importa com uma espera. Vai levar algum tempo
até que eu possa ir a qualquer clube ou jogo de infernos. — Kit não era
grande em nenhum dos dois, mas gostava de boa companhia. Como
hoje à noite.
— Estou te recomendando como membro do Earls Club. A
sociedade educada nunca saberá se você se esgueirar de vez em quando
e perder algumas fortunas para seu velho amigo, Edward. — Ele pôs a
mão no ombro de Kit. — Considere-nos seu regimento. Reconhecemos
os membros do passado e do presente pelo alfinete. Se você estiver em
algum lugar, procure por um desses. — Ele tocou o W em sua gravata.
— Eu aprecio isso. Acredite ou não, estou feliz por estar em casa,
mas frustrado. — Ele deu um leve rosnado. — Eu sou um militar, um
homem de ação. Sentar-me e esperar por um resultado é a pior arma
que posso enfrentar.
— Não quero ser egoísta, tio Christopher, mas espero que seja
uma menina. Não quero esperar vinte anos para ter uma bebida com o
próximo Conde de Sunderland.
15
Guinéu antiga moeda inglesa, equivalente a 21 xelins.
— Hmm. Acostume-se a me chamar de Sunderland primeiro.
Então nos preocuparemos com as crianças.
Kit foi para a cama, com os olhos cansados, mas a mente girando.
Ele odiava a indecisão, nunca hesitou quando confrontado com
escolhas. No entanto, ele não conhecia sua própria mente quando se
tratava dessa possível herança. Ele nunca acreditou em sorte ou
destino, mas definitivamente estava dando a ele um castigo agora.
CAPÍTULO 07
Não é tempo ou oportunidade que determinam a intimidade, é
apenas disposição. Sete anos seriam insuficientes para fazer algumas
pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para
outros.
Jane Austen, Razão e Sensibilidade
16
Brema, é uma espécie de peixe de água doce.
17
Lúcio, é um peixe predador, de água doce, que pertence à família dos Esocidae. É um predador agressivo.
A beleza que os cercava era impressionante. Grace espiou o perfil
de Lorde Sunderland. Este é um cenário perfeito para ele. Ela se virou
para ver seu pai olhando para ela com uma expressão estranha em
seus olhos. Isso a deixava desconfortável, como se ele soubesse o que
estava acontecendo em sua mente. Sammy gritou novamente, e eles
voltaram em um ritmo vagaroso. Desta vez, ela pegou o braço de seu
pai para manter melhor a compostura.
Seus músculos ficaram tensos enquanto observava o balanço de
seus quadris. Ela era linda. Cachos castanhos avermelhados brilhantes
começava a aparecer fora de seu chapéu, encaracolado contra a pele
de marfim. Ele queria estender a mão e tocar uma daquelas mechas
macias, sentir a maciez de sua bochecha contra seu dedo. O vestido de
viagem tremulava na brisa, o material fino acariciava longas e bem
torneadas pernas. Ele imaginou aqueles cachos ruivos caindo nas
costas dela.
Quando Kit a conheceu no casamento, ele foi atraído por sua
beleza e pela vivacidade em seus claros olhos verdes. Enquanto
dançavam, ele gostava de apreciar a sua inteligência. Mas vê-la aqui
em seu lugar favorito, pegando-a desprevenida e tão acessível, ele
queria abraçá-la e beijá-la. Ele e Carson tinham permanecido nessa
encosta gramada por horas quando crianças, sonhando com cavaleiros
e batalhas e resgatando donzelas. Olhando para o rosto dela enquanto
observava o terreno do castelo, Kit jurou que tinha as mesmas imagens
em sua cabeça.
Ridículo. Mas quando ela lambeu os lábios carnudos...
Bom deus, pensou ele. Cuide de seus modos ou encontre uma moça
na cozinha. Ele precisava de uma distração antes de fazer papel de
bobo. A emoção das últimas semanas deve estar incomodando-o.
— Papai, eu preciso pegar meu baú de brinquedos. Eu tenho que
mostrar a Lorde Sunderland minha espada.
— Espere até nós desembalarmos. Nosso anfitrião pode ter
problemas de negócios para lidar. Não se intrometa no tempo dele. —
Lorde Boldon sacudiu o dedo para dar ênfase.
Kit gostou do menino. Samuel era apenas a distração de que
precisava e traria de volta a alegria necessária àqueles salões frios e
úmidos.
— Você cavalga muito, Lorde Tyne? — Ele perguntou a Samuel
quando o cocheiro ajudou Lady Grace a voltar para a carruagem.
— Sim, muito bem, meu pai diz. — Anunciou orgulhosamente. —
E você?
— Eu acredito que eu sou adequado. — Ele admitiu com um aceno
solene. — Você gostaria de andar comigo o resto do caminho? Eu tenho
viajado sozinho desde Londres e aprecio uma companhia.
Sammy olhou para o pai, seus olhos implorando.
— Se você prometer se comportar e não mexer muito. — Lorde
Boldon olhou novamente para Sunderland. — Você tem certeza? Você
pode deixá-lo no chão a qualquer momento quando você estiver
cansado. Ele ainda assim chegaria antes de nós.
Kit riu.
— Acho que seremos amigos rápidos.
— E lembre-se de suas maneiras de conversar. Dê a Lorde
Sunderland tempo para responder, antes de passar para outro assunto
— Grace acrescentou através de uma das brechas da janela.
Ela segurou o olhar dele por um momento, então as ripas se
fecharam. Com inocência, com certeza. Ele percebeu isso quando
dançou com ela. Hoje, ela tinha visto sua aparência com os olhos
arregalados. Ele reconheceu o olhar apreciativo, já vira isso várias vezes
em sua vida de solteiro. O rosa em suas bochechas e repentinamente
evitando os seus olhos, lhe diziam que ela era ingênua nos modos de
sedução. Um flerte experiente não teria sido tão abertamente nem
desviado com tanta pressa. Ela revelaria mais nas próximas semanas.
Por enquanto, o castelo estava chamando ele.
Ele estirou seus ombros e pescoço rígidos para aliviar a dor de
uma longa viagem de um dia. Era hora de trocar a sela por um
conhaque e um banho. Então ele iria desfrutar de seus doces italianos
molhados e secos no jantar hoje à noite. Sua boca se encheu de água.
Sua antiga cozinheira, a Sra. Whitten, era um anjo na cozinha.
Sua perna balançou. Kit olhou para baixo e viu Samuel puxando
seus ferros de estribo com a mesma urgência que ele havia puxado na
saia de sua irmã.
— Papai diz que eu sou grande o suficiente para andar de garupa
em vez de na frente.
— Concordo. Você parece forte, mas vamos ver se seus braços são
longos o suficiente.
Lorde Boldon colocou Samuel na parte de trás do cavalo. O garoto
esticou os braços ao redor da cintura de Kit o mais longe possível,
depois agarrou a bainha de seu colete.
— Espere, agora. E me diga se eu preciso ir mais devagar. —
Instruiu Kit enquanto o menino se acomodava em uma posição
confortável.
— Eu gosto de ir rápido. Minhas pernas são fortes também. Eu
posso segurar firme, eu prometo.
Enquanto o grupo descia a estrada, Samuel manteve um fluxo de
conversa unilateral. A paisagem familiar trouxe de volta tantas
lembranças para Kit. Ele e Carson se escondendo na floresta, comendo
a torta de cereja que haviam roubado da cozinha. Eles correram para
cima e para baixo desta colina em seus pôneis. Carson sempre chutava
com tanta força que o pônei afastava de repente. Kit ria tanto que ele
também caía de costas. O riacho abaixo gorgolejava e reluzia, onde eles
haviam pescado com varas de bambu e inventado aventuras ousadas.
Eu sinto você aqui, irmão. Estou feliz que voltei, ele pensou. Este era o
lugar onde ele poderia consertar seu corpo, curar seu coração. A morte,
na batalha e em casa, havia drenado a vida dele. Ele precisava
reabastecer sua fé na humanidade e restaurar o otimismo que sempre
o manteve equilibrado.
Kit reprimiu um sorriso quando o jovem forneceu um fluxo
constante de informações interessantes. Lorde Boldon gostava de se
sentar na frente do fogo todas as noites com seu porto e lembrar-se de
sua mamãe. De manhã, lavava-se com água muito fria para se acordar
e gritava como uma banshee 18. A Sra. Woolley sempre tinha um olhar
bobo no rosto quando levava chá ou uma refeição para o seu tutor. Mas
quando o Sr. Chenwick sorria para ela, ela franzia à testa para ele e
fingia que não gostava dele. As moças eram estranhas e teimosas. Elas
choraram quando estavam felizes.
Excelente truta provia do lago em Boldon, ele informou Kit
enquanto ele corria de um assunto para outro no mesmo fôlego. A isca
favorita de Samuel era um peixinho de seda verde e branco com penas
para a cauda e as barbatanas. Seu pai preferia as minhocas, e eles
enganaram Gracie uma vez, e ele fingiu comer uma. Sua irmã também
era como sua mãe porque Lady Boldon morreu quando ele nasceu. Mas
papai e Gracie lhe contaram tudo sobre sua mamãe e guardavam fotos
dela para que ela pudesse viver em seus corações até que todos se
reunissem.
18
Banshee provêm da família das fadas, e é a forma mais obscura delas. As banshees eram como seres que
previam a morte, seu grito poderia ser ouvido a quilômetros de distância, e poderia estourar até mesmo um crânio.
E não, Gracie não se importava com nenhum homem, exceto com
o pai, que disse que ela seria uma solteirona se ele não a levasse a
Londres e encontrasse um marido para ela.
— Sua irmã está procurando por um marido? — Talvez ele devesse
manter distância. Uma esposa permanecia opcional para ele, se um
herdeiro nascesse em dezembro. Ele havia escrito para seu
comandante explicando a situação, esperando estar de volta ao
uniforme no ano seguinte.
— Não, é isso que faz papai resmungar. Ela diz que não tem
utilidade para outro homem. Suas mãos estão cheias com os dois que
ela já tem. Somos nós. — Explicou Samuel, cutucando o polegar no
peito.
— De fato. Tenho certeza que você mantém sua irmã ocupada.
O menino sorriu.
— Eu faço o meu melhor.
— Devo dizer, Lorde Tyne, nos tornamos amigos rapidamente
neste passeio. — Ele riu, imaginando o horror nos olhos verde floresta
de Lady Grace, se ela tivesse ouvido a conversa. Ela pode ser uma
diversão segura depois de tudo. Nada de errado com um flerte
inofensivo com uma mulher bonita, que parecia disposta o suficiente.
— Você pode me chamar de Sammy. Papai me fez prometer que
não falaria muito. O que mais gosta de fazer?
— Ouvir os rapazes divulgarem seus segredos de família. — Ele
sorriu e deu um tapinha no cavalo. Sim, era bom estar em casa.
CAPÍTULO 08
A amizade é certamente o melhor bálsamo para as dores do amor
desapontado.
Jane Austen, abadia de Northanger
Castelo de Falsbury
19
Ameia pequenos parapeitos denteados que guarnecem o alto das torres, fortificações ou castelos e que
protegem os atiradores.
— Ufa! Ele fica mais enérgico a cada ano que passa, — Observou
Eliza quando se virou para beijar seu tio nas duas bochechas. — Oh
meu Deus. É tão bom ver você. Obrigada por trazer Gracie para mim.
— Eu estremeço ao pensar o que poderia ter acontecido se eu
tivesse recusado. — Ele deu um tapinha no ombro dela. — Eu espero
que tudo corra bem para você. — Seus olhos se desviaram para a
cintura dela.
A mão de Eliza esfregou sua barriga.
— Ah, sim. E Lady Falsbury foi maravilhosa. Ela está organizando
uma refeição leve para nós. Nós vamos nos encontrar com ela, depois
que vocês se instalarem em seus quartos.
As duas moças conversaram enquanto passeavam de braços
dados, alheias à agitação que as rodeava. Os cavalos foram levados
para longe, e um deles assustou-se com o estalar dos estandartes no
alto. Grace achou que o exterior era imponente, mas parou uma vez lá
dentro, a boca se abrindo.
— Meu Deus.
Sua prima riu quando Grace entrou na entrada enorme.
— Intimidante, não é? — A pedra estava coberta de cada lado com
retratos em tamanho natural. Os Marqueses do passados de Falsbury
e os estudaram com desinteresse praticado. Uma variedade de armas
medievais enfeitava as paredes diante deles. Ao lado de uma escada,
uma armadura estava de vigia, segurando um machado de batalha.
— Vamos acomodá-los em seus quartos para que vocês possam
se refrescar. — Declarou Eliza. — Então vamos nos juntar a Lady
Falsbury.
A escadaria circular aberta fora acrescentada ao longo dos
séculos. Eles seguiram vários criados, carregando caixas e baús de
roupas, subindo os degraus de mármore. Grace notou que sua prima
se apoiava pesadamente no corrimão. Avançando para o primeiro
andar, Eliza parou no meio do corredor.
— Tio, seu quarto fica a duas portas. Nós colocamos Grace e
Samuel com quartos contíguos. Eu sabia que ela iria querer ficar de
olho nele.
O quarto era grande e coberto de papel lilás com um padrão
repetitivo de pequenas flores brancas e cor-de-rosa. As cortinas da
cama estavam puxadas para trás da cama de dossel, um dossel de roxo
pálido enfeitando o topo. Um painel de verão, pintado com um vaso de
vegetação e flores, cobria a abertura da lareira. Eliza sentou-se no
colchão, limpando a testa.
— Você deve estar pronta para um banho, prima. Está tão quente
hoje. Eu não sei como você conseguiu ficar dentro da carruagem. Deve
ter sido sufocante.
— É calor ou uma camada de poeira sobre mim. Já é ruim o
suficiente com as ripas quase quebradas, mas as deixo bem abertas e
gostaria de olhar o campo passar. Eu não sabia se Lady Falsbury nos
cumprimentaria ou não, e eu certamente não ia suportar por acaso,
que ela me visse assim.
— Você parece ter impressionado Kit.
— Kit?
— Lorde Sunderland. Devido ao nosso... passado, ele decidiu
quando não estivéssemos em público, eu poderia usar o nome dele, Kit
ou Christopher. Com o tempo, ele disse, estaremos todos acostumados
com o título dele.
— E por que você diria que eu o impressionou? Mal nos falamos
quando nos encontramos na estrada. — Ela silenciosamente
amaldiçoou o calor subindo por seu pescoço novamente. — Ele nos
mostrou sua visão favorita do castelo.
— Agora eu sei que ele ficou impressionado. Esse foi um lugar
muito especial para ele e Carson. — Seus olhos se estreitaram
enquanto estudava Grace. — Você está vermelha.
— Não, eu estou apenas com calor.
— Esta sou eu, então pare com as desculpas. Algo está
acontecendo. Quando olhei pela janela, vi Kit desmontar e quase correr
para a carruagem para ajudá-la.
— Tenho certeza de que ele estava apenas sendo gentil.
— Ele é um soldado. Suas maneiras podem precisar de um pouco
de polimento, mas vou continuar essa conversa mais tarde. Depois de
ter observado mais vocês dois. — Seus olhos brilhavam quando ela
acrescentou. — Muito obrigada por ter vindo. Eu sabia que nada te
afastaria.
— Você parece cansada, Eliza. Você está indisposta? — Grace não
tinha pretendido deixar escapar suas preocupações, mas ela teve muito
tempo, enquanto viajavam para pensar sobre os perigos do parto.
— Não, eu me canso facilmente, mas não enjoei em nada. Essa foi
uma das razões que levaram algum tempo para descobrir que estava
grávida. Mas depois que faltou a minha segunda menstruação, contei
a Carson.
Grace tirou o chapéu e caiu ao lado de Eliza. Seu traseiro afundou
no colchão, e ela se inclinou para trás, abrindo os braços acima da
cabeça.
— Oh, isso é o paraíso. A última hospedaria em que ficamos tinha
apenas quatro carrapatos na cama e o colchão de cima estava cheio de
palha. Melhor do que palha, entretanto, mas senti falta das minhas
penas e lençóis de linho macios.
— Lady Falsbury insiste no melhor de tudo. Você vai ser muito
mimada antes de ir embora. — Eliza se estendeu ao lado de sua prima,
seu cotovelo afundou no recheio macio e apoiou a cabeça na palma da
mão. — Oh, eu poderia tirar uma soneca.
— Eu vou entender se você fizer. Mas, primeiro, você poderia me
enviar uma donzela para mim? Eu tive que deixar a minha para trás.
Sua irmã ia se casar, e não tinha coragem de fazê-la perder o
casamento.
— Isso é típico de você. Eu vou falar com Lady Falsbury. E eu não
poderia dormir quando você acabou de chegar. Temos muito o que
conversar. — A dor brilhou através de seus olhos violetas. Ela olhou
para o dossel. — Foi horrível, Gracie, e depois o seu irmão chegou em
casa. A primeira vez que vi Kit de novo, quase desmaiei. Foi difícil
chegar a concordar com a morte de Carson, quando sua imagem a
cumprimenta no café da manhã.
— Oh meu Deus, eu não posso imaginar.
— É mais fácil agora que conheço o Kit. Eles realmente não eram
nada parecidos. — Eliza encolheu os ombros. — Às vezes eu acordo e
tenho que lembrar mais uma vez que Carson se foi.
— Você o amava, não é?
— Eu o adorei. Ele foi o primeiro homem amável que eu conheci
além do seu pai. O meu pai mal permitia que mamãe me apresentasse
à sociedade antes de concordar com o contrato de casamento. Tudo foi
feito tão rapidamente. Eu só o encontrei algumas vezes quando os
proclamas foram convocados. Eu esperava ser usada como uma égua
de reprodução e depois ignorada. Ele não parecia se importar comigo
de um jeito ou de outro antes do casamento.
— Mas ele se importava? — O coração de Grace se partiu por essa
adorável moça que merecia muito mais do que um breve encontro com
o amor.
Ela balançou a cabeça.
— Nossa noite de núpcias foi… gentil. Acho que ele entendeu o
meu medo, quase como se soubesse do meu pai, e disse que nunca me
atacaria e sempre me trataria com respeito. Ele me tocou como se eu
fosse uma boneca frágil.
Grace lembrou-se da conversa que tivera com Lorde Rok...
Sunderland. A reputação de seu tio era tão amplamente conhecida?
— Ele foi gentil e atencioso, então?
Um sorriso tímido puxou os lábios de Eliza.
— Oh sim. Gracie, foi a coisa mais maravilhosa. Eu não tinha
ideia de que uma união entre um homem e uma mulher pudesse ser
tão prazerosa. Você não teria medo do casamento se soubesse como
poderia ser.
— Eu não tenho medo do casamento. Meus pais tiveram um
relacionamento maravilhoso, cheio de amor e respeito. Eu só não quero
me casar. Há uma diferença. — Ela sabia que seu tom era defensivo e
viu a dor nos olhos de Eliza.
— Oh, por favor, não fique com raiva. Eu não quis ofender você.
Grace se sentou e puxou sua prima com ela.
— Você é minha melhor amiga no mundo. Estou um pouco
irritada com a viagem. Me conte mais sobre você e Carson.
O rosto de Eliza se suavizou.
— Ele era charmoso e tinha um ótimo senso de humor. Ele me
provocou, mas nunca foi cruel. Sei que eu era uma idiota, sempre
olhando para ele com olhos de desejo.
— Você era feliz?
— Tão feliz que achei que minha sorte finalmente havia se
transformado. Carson começou a me trazer pequenos presentes. Ele
disse que gostava de me ver sorrir, que nunca conheceu uma pessoa
que possuísse minha verdadeira sinceridade.
— Ele veio a conhecê-la então. — Grace apertou a mão da prima,
agora se consolando com o fato de que ela conhecera o amor antes de
seu marido morrer.
Eliza respirou fundo e continuou.
— A primeira vez que ele me trouxe um buquê, eu chorei. Eu era
tão estúpida. Isso me pegou de surpresa. Ele era como um garotinho,
quase tímido, com medo que eu pudesse rir dele ou virar o nariz para
as flores. Em vez disso, eu fui uma idiota e comecei a chorar. Quando
ele pegou meu rosto nas palmas das mãos e olhou nos meus olhos...
Eu vi.
— Viu o quê?
— O carinho que ele tinha por mim. Ele estava começando a se
importar comigo. — Ela parou por um momento, esfregando a barriga
em círculos largos e lentos. — Quando ele me levou naquela noite, foi
diferente. Ele não me tocou como se eu fosse quebrar. Ele era terno,
mas exigente, e eu sabia que isso iria acontecer. Eu sabia que ele me
amaria algum dia. — A tristeza em seus olhos cortou o coração de
Grace.
— E então ele se foi. Gracie, por quê? Por que Deus me daria
alguém para amar só para levá-lo embora? Me dar um pequeno
vislumbre de felicidade e, em seguida, tirar de mim?
— Eu não sei, Eliza. Eu não sei. — As lágrimas deslizaram pelo
seu próprio rosto agora. — E quando você disse a ele que você estava
grávida?
— Ele parou de beber e só saiu uma ou duas vezes por semana.
O bebê foi nosso segredo no começo. Notícias que nós dois poderíamos
guardar por um tempo antes que o mundo se intrometesse em nosso
estado de felicidade. Essas poucas semanas foram perfeitas.
Elas se sentaram em silêncio, ambas perdidas em seus próprios
pensamentos. Grace estava pensando na perda de sua mãe novamente,
empatia surgindo dentro dela sabendo que Eliza estava sentindo o
mesmo desespero e vazio. O casamento parecia trazer nada além de
miséria. Maridos que maltrataram suas esposas, casais que não
tinham nenhum afeto mútuo ou a morte. Por que ela iria querer correr
esse risco?
— Deus, olhe para nós. — Eliza fungou, enxugando o rosto com
as duas mãos. — Você vai pedir a carruagem para levá-la para casa, se
eu continuar com essa tristeza no rosto. — Ela jogou os braços ao redor
de Grace e a abraçou. — De agora em diante, apenas pensamentos
positivos. Lady Falsbury diz que o temperamento do bebê vai assumir
o meu. Então eu preciso manter uma disposição alegre. — Sua mão foi
para sua barriga novamente. — E eu tenho grande consolo nesta
criança. Um pedaço de Carson para cuidar, enquanto Sammy mantém
viva a memória de sua mãe.
— Eu prometo a você, vamos passar por isso, e vamos ficar o
tempo que você precisar de nós. Ou até que meu irmão cresça e você
nos mande embora. — Grace riu e beijou sua bochecha. — Vamos
encontrar Lady Falsbury e depois ver se podemos localizar esses
cavaleiros errantes!
CAPÍTULO 09
Sempre ria quando você puder. É remédio barato.
Lorde Byron
20
Elmo capacete que os antigos combatentes usavam como peça de armadura.
contra a parede de pedra. Sammy caiu no colo de Kit e Boldon se
inclinou sobre o parapeito, enxugando os olhos.
A última vez que ele riu tanto foi com Carson, antes de entrar no
exército. Seu estômago doía, seus olhos queimavam, sua garganta
estava seca e ele não se sentia tão bem em anos. Com um sobressalto,
Kit percebeu que sentia falta disso, a camaradagem informal, esses
momentos de alegria inesperada e a família. Nos últimos dez anos, seu
corpo havia sido saciado com a severidade da guerra, uma tristeza de
não saber qual de seus homens retornaria às suas tendas, com cuidado
para não se apegar demais a ninguém sob seu comando. Houve
vislumbres de hilaridade forçada, o humor espalhafatoso dos soldados
ao redor de uma fogueira, a risada tensa dos homens sabendo que esta
poderia ser sua última refeição, última piada, última noite na Terra.
Kit perdera o equilíbrio em sua vida. O equilíbrio cuidadoso que
permitiu que a mente aceitasse o mal no mundo, mas a alegria ainda
permanecia, a inocência de uma criança rindo, a delícia de um simples
trabalho bem feito, o toque terno de uma mulher bonita...
Quando os três recuperaram o fôlego, ele teve a sensação peculiar
de que eles não estavam sozinhos. No topo da escada, Lady Eliza ficou
com a boca aberta, e os olhos de Lady Grace dançaram divertidos,
embora sua mão misericordiosamente cobrisse seu sorriso. Mas os
ombros trêmulos a entregaram. Ela observou seu pai e seu irmão,
sacudindo a cabeça como se isso fosse uma ocorrência comum. Mas
quando seu olhar se demorou nele, ele detectou uma surpresa de
aprovação. Foi a sua vez de corar. Nada como perder a dignidade desde
o início, pensou ele. Mas, porém explosão diferente, valeu a pena cada
minuto.
— Gracie, eu sou um cavaleiro e quase ceguei Lorde Sunderland
com meus movimentos perversos. Então eu chorei, mas ele me deu
doces e depois lutamos mais até que ele estava tão cansado que eu
pensei que ele poderia chorar. E então papai veio enquanto comíamos
marzipã e papai disse alguma coisa engraçada... O que você disse
papai?
Lorde Boldon se afastou da parede.
— Não importa mais. — Ele respirou fundo e enxugou os olhos
novamente. — No entanto, acredito que seu treinamento está completo
por hoje. Eu suponho que vocês vieram buscar esse selvagem para uma
boa limpeza e trocar de roupas?
— Muito intuitivo, tio. Devido a, — o rosto de Eliza ficou um pouco
nublado — falta de entretenimento, Lady Falsbury considera o horário
mais cedo do campo ao seu gosto. O jantar é servido às quatro e meia,
meus senhores.
Isso combinava bem com Kit. Ele se encontrava em sua antiga
rotina de acordar de madrugada e andar ou caçar todas as manhãs
para manter a forma. Se ele retornasse à sua antiga vida, seu corpo
sofreria por falta de exercício. Ele se perguntou quando a família se
levantava em Boldon. Horas da cidade ou horas do campo? Ele apostou
no segundo.
Lady Grace tinha se trocado para um vestido verde oliva com uma
fita de cetim preta logo acima de sua cintura, bordado com flores verde
escuras que combinavam com seus olhos. O material se agarrava a
suas curvas, a cor enfatizava aquela gloriosa juba de cabelo. Sua touca
estava solta e cachos avermelhados saltaram contra suas bochechas
coradas, enquanto ela se movia para frente para pegar a mão de
Sammy. Ela se inclinou, expondo os topos de seus seios brancos e
cremosos. Seus olhos demoraram ali, em seguida, subiram para a
garganta esbelta, que implorava por uma trilha de beijos, e ele
imaginou seus lábios se movendo ao longo de seu queixo até chegar
aos lábios dela.
— Você não concorda, Lorde Sunderland? — Grace perguntou,
ainda se curvando levemente para segurar a mão de seu irmão.
Ele afastou os olhos da boca dela e se forçou a encontrar seu
olhar.
— Perdão, pode repetir? — Ele definitivamente precisava ver suas
necessidades se ele iria ter uma conversa decente com essa mulher no
próximo mês. Por que a moça sempre o desequilibrava?
— Levantar cedo pela manhã significa um dia produtivo. — As
sobrancelhas de Lady Grace se ergueram, seus lábios se apertaram
entre os dentes enquanto ela tentava manter o rosto sério. Ele tinha
sido pego em seu devaneio em seus... atributos.
— Sim. Sim, eu sempre fui um madrugador. Nada como as cores
do amanhecer para tirar o seu fôlego. — Maldição aqueles lábios
novamente.
— Hmmph. — Lorde Boldon pigarreou, seu olhar se lançando
entre sua filha e seu anfitrião. — Venha, Samuel, acho que nos
vestiremos para o jantar juntos. Agradeça a Lorde Sunderland pela
lição.
O rapaz fez isso com uma reverência eloquente, e pai e filho
desapareceram pelos estreitos degraus de pedra. Kit se levantou e se
afastou, executando sua própria reverência para as damas.
— Posso escoltar vocês?
Ambas o encararam sem uma palavra. Ele não falou em voz alta?
Então Lady Eliza estendeu a mão para tocar seu olho.
— Kit, o que aconteceu?
— Oh, isso? Não é nada.
Lady Grace ofegou.
— Sammy fez isso, não foi? Quando ele disse que quase te cegou.
Oh, aquele menino travesso.
— É a consequência de atitude grotesca masculinas. Acredite em
mim, eu merecia isso por subestimar meu oponente. — Ele se curvou
novamente, pensando em começar de novo.
— Pelo menos deixe-me cuidar de você. Por favor, vamos para a
cozinha para colocarmos uma compressa fria para o inchaço. Ainda
não é muito terrível e, se o tratarmos imediatamente, poderei reduzir
as contusões. — Ela se virou para Lady Eliza. — Você sabe se há
alguma arnica na horta ou pendurada na sala imóvel21?
Sua prima olhou para ela sem expressão.
— Um médico militar deu a alguns de meus homens aquela erva
para a doença do mar na curta viagem à França. — Disse Kit,
imaginando onde isso levaria. — Meu estômago está bem, garanto-lhe.
— Também ajuda a reduzir contusões em lesões. — Disse Lady
Grace brilhantemente. — Venha, vamos ver o que podemos encontrar.
E foi assim que Kit se viu sob o comando da capitã Grace
Beaumont. Havia uma autoridade agradável em torno dela que fazia os
outros quererem fazer o que ela mandava. Com apenas alguns pedidos,
dados com eficiência e um tom gentil, mas firme, ela mandou a
cozinheira enviar o pessoal em quatro direções diferentes. Um menino
voltou primeiro com um balde de água fria do poço. Outra jovem voltou
com avelã-bruxa22, que Grace despejou na água.
O cheiro da mistura crescente encheu a grande sala. Eliza apertou
a barriga, o rosto pálido.
21
Sala imóvel faz parte da cozinha é uma sala de destilaria, ervas eram preservadas para dar sabor aos
alimentos, encontrada na maioria das grandes casas, castelos ou grandes estabelecimentos em toda a Europa que
remontam pelo menos aos tempos medievais.
22
Avelã-bruxa ou hamamelis são um gênero de plantas com flores, propriedade adstringentes, anti-
inflamatórias, utilizada para problemas de pele, hematomas e inflamação nos olhos.
— Por favor, dê-me licença. O cheiro pungente de levedura não
está me fazendo bem por algum motivo. Eu acho que vou verificar Lady
Falsbury e vejo vocês dois no jantar.
— Oh, minha pobre querida. Eu pensei que você não tivesse tido
nenhum enjoo?
— Não, mas certos odores apenas afetam meu estômago, o
deixando revirado. Não há nada que possa me afetar. Então, se você
me der licença. — Ela disse fracamente e saiu correndo da sala úmida.
Lady Grace voltou as suas atenções para Kit.
— Eu vou tentar não machucar você, mas eu preciso ter certeza
de que não há arranhões que possam ficar infeccionados. — As pontas
dos dedos dela pressionaram suavemente a pele ao redor dos olhos dele
e puxaram a pálpebra para baixo. Sua respiração estava quente em sua
pele e cheirava a baunilha e limão. Um pensamento perverso, sua
língua acariciando a dela e provando o cítrico que enchia suas narinas,
o fez segurar o fôlego.
— Eu sinto muito. — Disse ela, obviamente, pensando que lhe
causara dor.
— Eu estou bem. — Ele assegurou. — Eu estive muito pior na
minha carreira.
Satisfeita, ela colocou uma compressa fria contra o olho esquerdo
e instruiu-o a inclinar a cabeça para trás. Ela estava à sua direita,
encostada na maciça mesa de nogueira no centro da cozinha. Com a
cabeça para trás e o olho bom para baixo, Kit tinha uma visão perfeita
dos montes de marfim. Um sorriso curvou seus lábios. Este dia estava
melhorando a cada hora.
A cozinheira voltou, ofegante e agitando algumas flores amarelas
na mão. Ela empurrou o cabelo grisalho crespo de volta para touca.
— Aqui está, minha Lady. Isso será o suficiente?
— Sim, perfeito. — O sorriso de agradecimento que Lady Grace
deu à Sra. Whitten fez a velha sorrir. Suas mãos capazes cortaram a
arnica com uma grande faca, parando apenas para enxugar o suor da
testa com a manga.
Outro criado saiu correndo da lareira com uma pequena panela
de água fervente.
— Sra. Whitten, isso precisa ser fervido e moído em uma pasta.
Você poderia fazer isso por mim? — Lady Grace perguntou. —
Mantenha essa compressa em seu olho, meu senhor. Eu não lhe disse
para removê-la ainda.
— Será um prazer. — Disse a cozinheira, raspando a erva cortada
em uma pilha. Sua pele enrugada desmentia a juventude em seus olhos
brilhantes. Ela sorriu para seu senhor. — Ele não está acostumado a
receber ordens, já que ele sempre as deu. Preciso ver isso.
— Bem, acho que o jogo virou, não é mesmo? — Lady Grace
removeu o pano de seu gancho e mergulhou-o no balde frio novamente.
— Diga-me que você será cooperativo, senhor Sunderland, e aplaque
minha culpa neste assunto.
— Isso depende do que você me pede. — Kit apreciou o olhar de
desafio em seu olhar direto. Para onde foi a moça de olhos grandes
desta manhã? Esta mulher seria um oponente formidável em qualquer
coisa que ela decidisse fazer.
— Você precisará aplicar a pomada duas vezes por dia, à noite
antes de dormir e quando você se levantar de manhã.
— Considere-me um paciente disposto. — Seu tom era baixo,
destinado apenas para seus ouvidos. — Especialmente se você aplicar
isso para mim. — O rosa subindo em seu rosto o fez sorrir, mas suas
palavras esconderam qualquer constrangimento.
— Acredito que a Sra. Whitten ainda pode dar uns tabefes em
seus ouvidos se você agir desagradavelmente. — Um murmúrio de
concordância soou por trás deles. — Não pense que por causa dos
quartos próximos, você pode agir com qualquer tipo de familiaridade,
senhor.
Ele se encolheu quando ela aplicou a compressa fresca com mais
força que a necessária. Ela certamente o colocou em seu lugar. Mas
suas próximas palavras o fizeram sorrir novamente.
— Não importa o quão bonito ou charmoso você possa ser.
Kit suspeitava que Lady Grace poderia ser a melhor cura para o
que o afligia.
CAPÍTULO 10
Eu tenho sido um ser egoísta toda a minha vida, na prática,
embora não em princípio.
Jane Austen, Orgulho e Preconceito
23
Lançar a luva era em simultâneo um desafio e um insulto. Quem não aceitasse o repto, apanhando a luva,
enfrentava a desonra e a humilhação.
24
Loo ou Lanterloo é um jogo de cartas popular na Inglaterra do século XVII ao século XIX.
Sunderland fez uma pausa e implorou perdão às damas pela conversa
monótona.
— Bobagem! — A voz de seu pai havia se espalhado pela sala. —
São apenas nossas duas famílias e eu frequentemente discuto os
eventos atuais com minha filha. Ela é muito astuta, você sabe.
As batidas do coração dela ecoaram através de seu corpo
enquanto Sunderland a olhava.
— Não tenho dúvidas. — Tinha sido sua única resposta, mas seus
olhos, brilhavam com humor.
Enquanto as noites poderiam ter sido tranquilas comparadas ao
entretenimento de Londres, ela se viu ansiosa pelos jogos noturnos no
salão. Lady Falsbury era uma jogadora de whist25 perversa. Seu rosto
estoico nunca mostrou sua mão até que ela riu de alegria e pegou o
dinheiro ganho. Eliza tocou piano enquanto Grace acompanhando à
música. Sammy emprestava sua voz alta e clara e se curvava
formalmente depois, como se tivesse se apresentado no palco. Não
havia dança, é claro, já que os anfitriões estavam de luto. Ela não se
importava. A companhia era maravilhosa e uma troca do livro habitual
ou bordado na frente do fogo. No final da semana, a cor de Eliza havia
retornado e as duas mulheres estavam tendo uma esplêndida visita.
Uma noite, depois do jantar, as senhoras estavam tomando chá.
Lady Falsbury e Eliza tinham as cabeças inclinadas sobre o bordado,
quando os homens se juntaram a elas.
— Devo dizer que, quando esses padrões de cores surgiram, achei
tolo, — comentou a Marquesa — mas quanto mais fracos meus olhos
ficam, mais eu aprecio não apertar os olhos para ver a cor. Isto pode
dar dores de cabeça.
25
Wist é um clássico jogo de cartas, é um descendente do jogo do século XVI de trunfo ou ruff.
— Os pontos são muito pequenos. Eu não posso esperar para ver
essas pequenas botas no bebê. — Eliza esfregou o estômago com um
sorriso contente. — Minha mãe está me enviando restos de material de
seus vestidos e retalhos de roupas da minha infância para fazer para
ela uma colcha.
— Para fazer para ele uma colcha. Esse será um excelente projeto
para um clima mais frio. — Concordou sua sogra.
Grace não tinha paciência para fazer bordados, embora ela se
esforçasse quando fosse necessário. Ela odiava ficar sentada sem
algum tipo de atividade e, na noite anterior, terminara O Corsair de
Lorde Byron.
— Papai, você se importaria de jogar um jogo de Spillikins26?
Ele balançou a cabeça e deu um tapinha na barriga.
— Eu temo que depois de um bom jantar e bom porto, eu estou
desfrutando de uma atividade sedentária, observando essas senhoras
no trabalho.
— Um passeio pelo salão, Lady Grace? Eu também me vejo
relutante em ficar sentando. — Perguntou Lorde Sunderland. Ele se
levantou e ofereceu seu cotovelo direito.
Grace levantou-se e colocou a mão no trapaceiro. Seus olhos se
arregalaram quando ele puxou o seu braço para mais perto de seu
corpo. Sem pensar, a mão dela se apertou. Quando ela olhou para
cima, seus olhos castanhos escureceram quando ele sorriu. Eles
passearam pelo longo salão, fazendo brincadeiras sobre o clima do dia.
A extensão do espaço permitia discussões tranquilas sem serem
ouvidas. Depois de uma volta, Grace respirou fundo e deixou escapar
o que estava em sua mente.
26
Spillikins é um jogo de habilidade, qual os jogadores tentam remover palitos de marfim ou madeira, lisos e
esculpidos de uma pilha dispersa sem perturbar qualquer outra vareta além daquela atualmente removida.
— Foi gentil da sua parte permitir que Eliza usasse seu nome.
Nestas circunstâncias, posso entender como o uso de seu título pode
ser desconcertante.
— Um gesto bastante pequeno. Ela ficou arrasada, você sabe. Isso
pode ter sido uma das razões que eu ofereci. Sua dor foi sincera, e
imagino que olhar para o irmão gêmeo do seu falecido marido seria
alarmante o suficiente. Meu pai não ficou satisfeito, mas raramente
fica. — Ele olhou para baixo, considerando-a. — Você desaprova?
— Embora eu acredite em protocolo para muitas coisas, essa
situação não é uma delas. Foi um gesto atencioso que aliviou sua dor.
— Explicou ela. — Eu não posso desaprovar isso.
— Você está gostando da sua visita até agora? — Eles passaram
os outros, enquanto circulavam pelo salão. Eliza sorriu para ela, as
sobrancelhas levantadas.
— De fato, senhor. Falsbury é imponente, mas provoca a
imaginação. — Grace adorou esse antigo castelo. Os esconderijos
inesperados em passagens escuras, pedras antigas e escadas estreitas
e sinuosas.
— Deixe-me adivinhar, as torres e fendas de flechas você têm
imaginado reis e rainhas com seus estandartes, cavaleiros em batalha,
todas as noções românticas medievais. — Disse ele.
— Eu odeio parecer chata, mas não consigo imaginar a guerra
sendo romântica. — Ele não respondeu no início. Ela espiou ele sob os
cílios e ele parou. Seu olhar fixo com o dela, a dor evidente em seus
olhos. — Não, eu posso ver que não foi.
— Eu não acho que poderia descrever o verdadeiro horror da
batalha. Os sons, os cheiros, a angústia da alma quando outra vida é
tomada. — Seu rosto empalideceu. — As consequências podem ser
ainda piores do que a morte real.
A agonia em seu rosto a chocou. Ele ficou lá, olhando para ela,
mas não a vendo. Sua mente estava em um lugar terrível, preso em
uma lembrança pungente. Grace queria abraçá-lo, consolá-lo,
murmurar palavras suaves e dizer que o terror iria desaparecer. Mas
ela não poderia mentir e dizer algo que não fosse verdadeiro. Ele
merecia mais do que isso, então ela apenas ficou quieta com um leve
sorriso e esperou que ele voltasse. Sua cabeça se sacudiu, seus olhos
se concentraram em seu rosto. Com uma ligeira pressão no braço, ela
deu um passo à frente e eles retomaram o ritmo.
— Você faz uma boa figura em um cavalo. Eu gostaria de ver você
em um corcel branco, meu senhor. — Ela comentou, esperando tirar
ele de seus pensamentos tristes.
— E você, minha Lady, faz uma boa figura a qualquer hora e em
qualquer lugar. — Ele se curvou, seu humor anterior retornando. —
Eu vejo que você estava lendo Byron. Uma fã como a maioria das jovens
senhoras, presumo?
Com uma risada, ela balançou a cabeça.
— Eu gosto de sua prosa. No entanto, não carrego seu retrato em
um medalhão para que possa olhar para ele e desmaiar. E sim, eu vi
isso acontecer.
— Eu estou alegre por você não ser uma estúpida, Lady Grace.
Nas forças armadas existem dois tipos de mulheres, e nenhuma é do
tipo estúpida. — Ele pareceu considerá-la. — Eu acredito que você se
sairia bem como a esposa de um soldado.
— Eu acredito que isso é um elogio. Porque você acha isso?
— É uma variedade diferente de mulheres que seguirão a seu
marido para a guerra. Não que eles não tragam artigos refinados ou
façam amigos em cidades próximas e participem de eventos, pois isso
é tudo uma distração necessária da questão real.
Ela esperou até que eles passassem novamente pelo pai e pelas
senhoras.
— Qual é?
— A razão é porque essas mulheres sabem o que acontece. Elas
querem a última palavra, o último olhar, o último beijo que podem
roubar do destino antes de seus maridos erguerem a espada e a pistola
e atacarem o inimigo. Eu vi esposas seguirem seus homens na luta. —
Ele deu a ela um sorriso travesso. — Eu acredito que você poderia ser
esse tipo de mulher.
— Oh, minha pistola balançando acima da minha cabeça,
gritando para recuar ou enfrentar a minha fúria. — Grace revirou os
olhos. — Tenho certeza que teria sido um terror.
— Talvez não, mas você tem força e coragem para o trabalho.
Suas palavras a encheram de orgulho. Ela gostava desse homem
e se preocupava com ele. Papai sempre dissera que um homem nunca
sabe os efeitos da guerra até chegar em casa. Ela se perguntou que
fantasmas perseguiram Lorde Sunderland.
Grace e o Conde continuaram seus passeios noturnos, no jardim
ou no salão nas noites mais frias, discutindo acontecimentos atuais e
política, literatura e música. Talvez não houvesse mal algum em um
flerte leve com o Conde. Eliza elogiou-o por ser atencioso e
compreensivo.
— E tão bonito quanto Lorde Byron, se não tão poético.
Papai notara a apreciação mútua. Se ele pensasse que havia uma
possibilidade de um casamento entre eles, não abandonaria o assunto
dos pretendentes, pelo menos até que Eliza desse à luz? Se Eliza tivesse
um filho e herdeiro, Sunderland provavelmente retornaria à sua antiga
vida e ela retornaria à dela. Eles poderiam seguir seus próprios
caminhos, sem danos.
Mas se ela tivesse uma menina? O Conde seria forçado a se casar
exatamente como seu irmão. Ele a considerava uma perspectiva? Se
ela tivesse que se casar com alguém, ele seria de fato um bom
candidato. Seu corpo aqueceu ao pensar em seu toque íntimo, seus
dedos acariciando sua pele, seus lábios arrastando beijos quentes ao
longo de seu pescoço e finalmente reivindicando...
— Grace! Você ouviu uma palavra do que eu disse? — Eliza
perguntou bruscamente. — Você está mostrando uma expressão muito
ridícula.
Ela pulou, culpada pelos pensamentos escandalosos que
passavam por sua mente.
— Minha mente estava em outro lugar.
— No Kit, eu aposto. Não pense que não notei o jeito que os olhos
dele brilham quando você entra em uma sala, ou o rosa em suas
bochechas quando ele brinca com você. — Eliza juntou os braços e
puxou-a da biblioteca. — Com todo o seu bom senso, você estava
corando esta manhã no café da manhã, quando ele disse que seu
vestido matinal trouxe os traços douradas em seus olhos verdes.
— Foi apenas um elogio. — Ela murmurou.
— E eu não merecia elogios? — Argumentou Eliza. — Oh prima,
você acha que uma união é possível? Ele é um sujeito tão bom. Quantos
homens seriam tão gentis com uma mulher que poderia roubar seu
título deles em poucos meses? Nenhuma palavra dura, sempre
perguntando sobre o bebê e minha saúde.
— Estou feliz que você tenha encontrado uma vida melhor. —
Disse Grace, dando-lhe um aperto enquanto caminhavam pelo
corredor. — E admito que gosto da atenção. Pela primeira vez na minha
vida, eu entendo por que as meninas desmaiam e sussurram sobre esse
homem ou aquele. Mas ainda não tenho desejo de casar.
— Gracie, como você pode dizer isso quando seus pais eram tão
dedicados um ao outro?
— Onde ficou minha mãe? Você se lembra do que meu pai passou
quando ela morreu? — Ela negando com a cabeça, seus lábios
pressionados juntos. — E eu nunca poderia deixar Sammy. Papai
ficaria arrasado sem mim para administrar a casa. Ele só está
preocupado com o meu futuro.
— Ou dele. Ele pode se casar novamente.
Eliza não poderia tê-la machucado mais com uma faca no
coração.
— O quê? Você acha que ele quer outra esposa?
Sua prima parou e colocou a mão na bochecha de Grace.
— Ele ainda é um homem bonito e de boa saúde. Por que ele
deveria ficar sozinho quando tem muito mais para dar?
Grace ficou horrorizada. Nunca lhe ocorrera que o pai pudesse
pensar em se casar novamente. É por isso que ele estava tão inflexível
para encontrar um casamento? Seu mundo quebrou enquanto ela
refletia a possibilidade. Quão egoísta ela tinha sido. A vida de todos não
girava em torno dela, mas seu mundo girava em torno deles. Ela tinha
certeza disso, então outro tipo de existência nunca a tentaria. E o amor
nunca governaria seu coração.
— Sammy teria uma mãe de verdade, não uma irmã usurpando o
seu papel. — Lágrimas queimaram em seus olhos. — Receio que meu
ego me cegou quando se trata da minha família.
— Não, não. Eles amam você, Gracie. Onde eles estariam sem você
nos últimos cinco anos? Mas nós crescemos, mudamos e seguimos em
frente, não é? Isso não é culpa de ninguém, é apenas a vida.
— Eu suponho. — Como ela poderia dizer a Eliza que ela também
temia o parto? Podia assustar a prima e prejudicar o bebê. — Vamos
aproveitar a nossa visita, juntas por agora e nos preocuparmos com o
resto mais tarde. Concorda?
— Concordo. Agora, vamos encontrar Sammy e dar um alívio ao
seu pai até o jantar.
Elas encontraram Sammy e seu pai no gramado, jogando peteca
com raquete. Eliza bateu palmas, enquanto eles batiam a peteca de um
lado para o outro com a raquete
— Vinte e um, vinte e dois, vinte e três. — Ela gritou. — A última
vez que tentei isso, meu parceiro e eu não conseguimos mais de três
ou quatro passes.
Lorde Boldon se esticou em direção ao chão para salvar as penas
pesadas, seu bater um tanto casual, mas bem-sucedido. Sammy saltou
o mais alto que pôde e errou.
— Ha! Você falou cedo demais, Eliza, minha querida. — Ele
acenou com a raquete. — Outra chance, rapaz?
Grace observou os dois enquanto eles jogavam. Seu pai havia
pendurado o casaco em um galho de uma árvore sorveira brava 27
próxima, seu cabelo castanho claro escurecido pelo suor. Ele se movia
como um homem mais jovem, com o rosto iluminado de prazer
enquanto balançava a raquete. Sua mente vagou de volta para a
conversa anterior. O Conde de Boldon era um aristocrata apaixonado
e vibrante de terras e riqueza. Por que não ocorreu a ela que ele poderia
amar novamente? O nó em seu estômago se esticou e se apertou. O
casamento não era uma expectativa irracional para qualquer filha. Ela
gostava de dançar e flertar com leveza, não que tivesse muita
experiência com a última. Os eventos sociais dentro dos arredores de
Boldon eram um pouco limitados, mas danças do campo eram
populares. Muitas foram em sua própria propriedade.
27
Sorveira brava árvore da família das rosáceas cujo fruto (sorva) é comestível e cuja madeira, muito dura, é
usada em carpintaria.
Sua vida seria tão diferente, não seria? Ela se acostumou a sua
independência. Papai nunca questionou seus gastos. Na verdade, ela
mantinha os livros da casa. Um marido esperaria que ela fosse
obediente e mantivesse suas palavras. Ela nunca poderia agir como
uma daquelas debutantes estúpidas, sempre de acordo com o homem,
com os olhos voltados para baixo. Ela também não podia ser uma das
moças descaradas que abertamente brincavam com os homens e
rapidamente ganhavam uma reputação.
Sammy cumpriu seus anseios maternos. Ela não poderia
imaginar, não ver seu irmão todos os dias. Mesmo que seu pai não
precisasse dela, Sammy ficaria de coração partido. E uma segunda
esposa desejaria criar o filho de outra mulher? Pare com isso! Ela se
repreendeu. Quem não poderia se apegar a esse garotinho? Tire as
vendas dos olhos e pare de dar desculpas.
— Você toca, Lady Grace?
Ela fechou os olhos, seu hálito quente contra sua têmpora. As
criaturas aladas levantaram voo em sua barriga novamente. Como ele
conseguiu ficar ao seu lado sem ela notar?
— Sim, eu sou muito boa. E você?
— Eu não toco desde que era menino.
Ela o viu de pé em sua visão lateral, as mãos cruzadas atrás das
costas. O preto lhe convinha, tornava-o mais enigmático.
— Talvez estaríamos empatados então?
— Ha! Eu puxaria o chapéu com você sobre isso. Duvido que eu
faria um bom espetáculo disso. — Ele inclinou a cabeça e a estudou.
— Você gosta de exercícios físicos… além de andar? Você cavalga?
— Claro, mas minha égua demoraria um pouco para trazer. Papai
mencionou algo sobre me encontrar uma boa montaria em breve. Ele
disse que Lorde Falsbury, estaria chegando em breve?
— Infelizmente, acabei de receber uma carta dele esta manhã. Ele
não estará aqui por mais uma semana ou duas. A propriedade no sul
de Londres precisa de mais reparos do que ele pensava. Encontrar bons
negociantes nos dias de hoje, em que você pode confiar não é fácil. —
Ele observou o jogo por um momento. — Eu ficaria feliz em levar você
e Lorde Boldon em uma excursão por nossas terras.
Aquelas asas ridículas começaram novamente em seu estômago,
junto com o sorriso bobo. Ela olhou para Eliza, um sorriso de eu disse
a você em seu rosto.
— Isso seria muito generoso da sua parte, meu senhor. Tenho
certeza de que a visão é linda.
Ele sorriu, seus olhos se enrugando em tom de brincadeira
quando seu olhar a varreu da cabeça aos pés e voltou para cima.
— Sim, a vista é muito linda.
CAPÍTULO 11
E de repente você só sabe... é hora de começar algo novo e confiar
na magia dos primórdios.
Meister Eckhart
28
Roan vermelho é um padrão de cores de pelagem de cavalo caracterizado por uma mistura uniforme de
pêlos brancos e coloridos no corpo, enquanto a cabeça e pernas mais baixas, juba e cauda são na maioria de cor sólida.
Lady Grace se aproximou com um conjunto de montar verde
floresta e combinou o chapéu com uma pena que balançava para frente
e para trás enquanto ela se movia. A saia longa se formou ao redor dela,
mas o corpete estava justo. Ela sorriu e acenou quando se aproximou.
Kit esfregou o nariz do cavalo enquanto o cavalariço selava.
— Oh, como eu amaria ser você hoje. Cuide bem da Lady. — Ele
sussurrou no ouvido do animal. — Ou você responde a mim.
— Espero não ter feito você esperar. — Ela circulou a égua, um
olhar deliberado para as pernas e ancas da égua. — Ela parece forte, e
que linda coloração.
— Seu pai disse que você gostaria dela. — Ela o intrigou com sua
combinação de inteligência, beleza e tendências maternas. E atlética?
Ele queria vê-la galopar em um campo e pular uma sebe. E se o chapéu
cair, tanto melhor.
Lady Grace bateu palmas quando notou a sela e depois mordeu o
lábio.
— Então você descobriu o meu segredo.
— Chantagem... eu posso precisar de outra carreira se Eliza tiver
um menino. — Ele acenou para o cavalariço, que apareceu um
momento depois com seu garanhão preto.
Os olhos de Lady Grace se iluminaram ao ver o cavalo.
— Você tem os melhores e mais belos puro-sangue no seu
estábulo, meu senhor. Seu garanhão não é exceção. Qual é o nome
dele?
— Lance. — Ele respondeu. — Quando o comprei no Tattersall's,29
a filha do homem lhe deu o nome de Lancelot. Meu regimento teria rido
de mim no campo de batalha. Então eu mantive Lance e cortei o lot.
Seus olhos se iluminaram com humor.
29
Tattersalls é o principal leiloeiro de cavalos de corrida no Reino Unido e na Irlanda.
— Agora eu tenho informações que normalmente não são
conhecidas. E a égua?
— Esta é Dottie, assim chamada por causa do malhado na
pelagem. — Ele apontou para o cavalo. — Você gostaria de ajuda ou
prefere um bloco de montagem?
— Sua ajuda, meu senhor, seria muito apreciada. — Ela jogou seu
cabo de chicote em sua mão direita. Kit segurou as mãos e Grace
colocou o pé dentro. Deu-lhe um impulso gentil e ela se sentou na sela
com facilidade.
O dia estava nublado e ameaçou chuva enquanto os três e o
administrador da propriedade partiam. Eles viajaram em um trote
constante pelo primeiro quarto de hora. Satisfeito que Grace fosse tão
competente quanto o previsto, ele lançou um desafio.
— Vamos correr para as sebes. — Disse ele, apontando na direção
de um campo de ovelhas pastando.
— Estou fora, — Disse Lorde Boldon, em seguida, olhou para o
administrador da propriedade. — Vamos dar uma olhada nas ovelhas
enquanto eles brincam. Estou pensando em adicionar um rebanho eu
mesmo.
— Fico feliz em ouvir isso, meu senhor. — O homem respondeu e
os dois correram.
— A cerca é a linha de chegada? E o vencedor? — Grace o desafiou
de volta.
— Sim, e o perdedor perde a sobremesa no jantar.
— Nunca! Quando contar até três. Um, dois...
Ela bateu sua égua com o chicote e com um salto, o animal
disparou. Risos flutuavam atrás dela. Ele fez um som indignado e
começou a correr. Os dois animais correram pescoço a pescoço por
alguns instantes. O som de cascos batendo na terra encheu seus
ouvidos, restos de terra e trevo saíram em seu rastro. Lady Grace era
uma excelente amazona, segurando o cavalo com as pernas, curvando-
se ligeiramente para a frente com a mão leve sobre as rédeas. A alegria
coloriu seu rosto. Ela estava deslumbrante. Então Kit focou na corrida,
e seu corcel maior assumiu a liderança. Ele parou na frente das sebes,
virou o cavalo na parte traseira e esperou o perdedor com um sorriso.
Um borrão de cavalo e cavaleiro passou zunindo por sua cabeça,
pegando a sebe em um gracioso arco. Ela puxou as rédeas, apertou
com a perna direita e o cavalo girou em sua parte traseira. Com um
pontapé de ambas as botas e um leve toque de chicote, eles inverteram
a direção. Kit manteve sua posição enquanto Lady Grace saltava sobre
a sebe novamente, as saias voando atrás dela, as bochechas brilhantes
de excitação. Elas deslizaram até parar, as narinas da égua se abriram
e se viraram para encará-lo.
— Se você está tentando me impressionar porque perdeu a
corrida, você conseguiu. Bom feito, minha Lady. — Ele se curvou da
sela. — No entanto, você perdeu.
— Você não disse que a cerca era a linha de chegada? — Uma
sobrancelha arqueou arrogantemente.
— Sim, mas…
— Eu cruzei a linha de chegada. Você não. É você quem perderá
seu doce favorito para mim. — A presunção em seus olhos era irritante
e deliciosa. Ele queria beijar aquele olhar do rosto dela.
Sua risada foi alta e espontânea. Ele foi enganado.
— Eu concedo a um adversário inteligente.
Eles desceram a colina um ao lado do outro em uma rápida
caminhada e se viraram para o rebanho de ovelhas.
— A admiração de meu irmão por você cresce a cada dia. — Ela
comentou enquanto lentamente atravessavam o pasto. — Eu nunca
diria que você é um homem que gosta de crianças.
— Eu não tive muita experiência com elas, para dizer a verdade.
Ele trouxe de volta algumas das minhas melhores lembranças
brincando aqui como uma criança com Carson. Acredite em mim, ele
me deu muito mais nas últimas semanas do que eu lhe dei. — Sammy
havia repelido a escuridão da tristeza e trouxe a luz da lembrança para
o primeiro plano. Agora ele se lembrava do riso, das travessuras, do
vínculo que ele e Carson tinham compartilhado. O irmão problemático
e autodestrutivo estava desaparecendo ao fundo. Kit agradeceu ao
menino por isso.
— Como foi crescer como um gêmeo?
As pessoas estavam sempre curiosas sobre os gêmeos e
supunham que, se duas pessoas se parecessem, elas eram idênticas.
— Maravilhoso e medonho. — Ele respondeu com um sorriso. —
Nosso pai notou pouco de nós durante a nossa infância. Nossa mãe
acreditava que uma governanta tinha mais experiência em criar filhos.
Mas nunca nos sentimos sozinhos porque tínhamos um ao outro. Nós
éramos confidentes e os melhores amigos. Carson era criança quando
corria, mudando de uma atividade para outra, nunca terminando um
projeto antes de começar outro, pregando brincadeiras terríveis na
família e nos convidados. E foi frequentemente acusado de seus
truques, ou me colocava no meio para salvar a sua pele.
— Então ele se tornou o fanfarrão e você o organizado.
— Ha! Sim, meu irmão nunca diminuiu em sua busca de prazer.
Sua reputação de devassidão começou na universidade, nunca
recusando um desafio ou uma aposta. Ele era um cavaleiro melhor que
eu, mas me destacava no arco e flecha e atirando. — Tinha sido um
ponto dolorido de Carson que seu objetivo era inferior ao de Kit. — Ele
tinha suas falhas, mas ele era uma alma gentil no coração e sua
lealdade, uma vez dada, inabalável.
— Vocês eram parecidos, mas muito diferente, imagino. — Ela viu
além da máscara, expondo seus segredos, seduzindo-o a confiar nela.
— Eu gostaria que outros tivessem notado a disparidade. Lutei
contra a reputação de Carson até receber minha comissão. Sua
notoriedade estava ligada a um rosto, e por acaso eu tinha a mesma
aparência. — Ele fez uma careta, lembrando-se da frustração dos
sussurros e olhares quando ele era confundido com seu irmão.
— Você invejou o título?
— Nunca. Ele odiava a responsabilidade de ser o herdeiro e tentou
várias vezes ao longo dos anos trocar de lugar. Nunca teria funcionado,
é claro, embora estivesse certo. Ele era mais adequado ao papel de
segundo filho. — O velho arrependimento incomodava sua consciência.
— Sua dor ainda é crua. — A simpatia em sua voz o fez piscar. —
A perda deve ter sido devastadora.
— Eu não posso explicar isso. O vínculo que possuíamos ia além
do amor familiar. Nós conhecíamos os pensamentos um do outro,
podíamos dar um aviso ou consolar com um olhar. Ele era a minha
outra metade, e não sei se algum dia serei completo novamente. — Ele
segurou as rédeas enquanto falava, as palavras se formando sem o seu
consentimento. Lady Grace não queria ouvir a lamentação melancólica
de seu anfitrião. — Eu peço desculpas, minha Lady, eu não sou
geralmente um sentimental com meus convidados.
Ela colocou a mão em suas rédeas, seus olhos verdes enevoados,
enquanto ela diminuía o passo do cavalo para uma caminhada
tranquila.
— Meu senhor, não há nada insípido em sua perda. Eu entendo
o vazio que vem com a perda de uma pessoa tão perto do seu coração.
Minha mãe era minha melhor amiga. Eu tinha apenas quinze anos
quando ela morreu e nunca vou preencher o vazio de sua morte.
Sua empatia aliviou a dor. A carícia de seu tom suave, a oferta de
conforto em seus olhos fez com que ele demorasse a puxar seu cavalo.
Kit queria enterrar o rosto no cabelo dela, respirar o cheiro de baunilha
e cítrico, pressionar seu corpo quente contra o dele.
— Obrigado. — Ele respirou fundo, seu coração mais leve quando
ela retirou a mão. — Parece que temos muito em comum, minha Lady.
Como você lidou com isso?
Ela olhou para o pai quando eles se aproximaram.
— Meu pai ficou inconsolável por semanas. Entre ele e uma
criança, fiquei ocupada. Minha mãe me preparou. Eu sabia como
administrar uma casa, mas a tarefa era assustadora sem a ajuda ou o
conselho dela. Mas consegui.
— Seu pai colocou uma grande responsabilidade em seus ombros.
— Ele admirou sua audácia. Muitas moças dessa idade teriam se
afundado em autopiedade. — Ele moldou sua personalidade e tornou
você independente.
— Muito, eu temo. — Seu sorriso era contagiante, e ele sorriu de
volta.
— Como assim?
— Isso me faz cautelosa em relação ao casamento. Eu não quero
estar sob o dedo de algum marido que deseja que eu obedeça a cada
desejo seu. A maioria dos homens espera que uma mulher tenha um
cérebro de idiota, e se contente em criar seus filhos e fazer um lindo
bordado. — Ela estendeu a mão para acariciar o pescoço da égua. —
Eu não consigo me ver em tal papel. Prefiro perder a cabeça do que a
minha independência.
— Então você encontrou maneiras de evitar uma temporada em
Londres, a fim de preservar sua linda cabeça. — Ela era uma mulher
complexa e cativante que apresentava um desafio para qualquer
homem que prefere uma esposa com substância. Ele a desejava, ele
gostava dela. Era uma combinação inquietante.
Uma gota de chuva caiu em sua saia, fazendo um círculo negro
contra o material verde.
— Parece que o tempo pode refrescar nossos cavalos para nós,
meu senhor.
Os dois apertaram os olhos para as nuvens escuras e inchadas
que pairavam no céu. Grace não havia notado antes. A umidade
esfriava sua pele aquecida. A confissão de Lorde Sunderland a tocara.
Havia muito mais nesse homem do que o que ele queria revelar. O
Conde era um homem complicado. Ela invejava sua força e firmeza. Ele
havia falado da lealdade de seu irmão, mas ele encarnava essa
característica.
Seu rosto bonito, marcado com remorso e tristeza, trouxe
lágrimas aos seus olhos. Como ela queria envolver seus braços ao redor
dele, acariciar seu cabelo escuro e murmurar palavras suaves em seu
ouvido. Um homem com tal orgulho, que poderia abrir sua alma como
Sunderland, enviou uma onda de compaixão e saudade através de seu
corpo. E agora ele a estava lendo como um poema bem praticado.
— Receio que, se aceitasse uma proposta, eu acabaria rejeitando
e arruinaria a reputação da minha família. Então sacrificarei minha
felicidade matrimonial pelo nome das futuras gerações. — Ela apertou
os lábios, determinada a não rir da própria loucura.
— Você é instruída no assunto de racionalização, eu vejo. —
Brincou ele.
— Então, o que disse antes. — Ela concordou. — Eu perderia mais
do que ganharia com o casamento. Não apenas minha independência
está em jogo, mas minha família. Não há ninguém para administrar a
casa, ser mãe de Sammy ou companheira do meu pai.
— Nem mesmo um Duque poderia persuadi-la? — Ele perguntou,
sua voz baixa e rouca.
— Depende.
— Em sua aparência, sua riqueza, ou ambos? — Seu tom mudou
para irritação e ela mordeu de volta o sorriso.
— Sobre sua vontade de morar em Boldon. Eu me recusaria a
morar a vida toda em qualquer outro lugar.
Grace percebeu que seu pai e o administrador da propriedade
haviam se juntado a mais dois cavaleiros. Uma mulher mais velha,
ainda linda, de cabelos claros e olhos azuis, sentava-se de lado em um
elegante alazão com outro homem em um grande cavalo cinza.
— Você gostou do seu galope? — Perguntou o seu pai quando se
juntaram ao quarteto. — Posso apresentar a Lady Rafferton? Nós nos
conhecemos em Londres no ano passado, e ela mora na propriedade
vizinha. — Ela era uma Lady de qualidade, a julgar pela maneira de se
vestir e o chapéu. Suas finas luvas de couro seguravam as rédeas com
a facilidade de alguém acostumado a estar em um cavalo. O homem de
cabelos claros ao lado dela, vestido com uma camisa e casaco simples,
deve ser um administrador ou noivo.
Lorde Sunderland inclinou o chapéu.
— Lady Rafferton, tem sido muitos anos. Você está adorável como
sempre.
— Que gentil. Eu acredito que você fica mais bonito a cada vez
que o vejo. — Ela brincou de volta, dando-lhe um sorriso gracioso. —
Estou planejando visitar sua mãe na semana que vem para oferecer
minhas condolências. Acabei de voltar da Escócia, onde minha filha foi
se casar. Espero que tenhamos a chance de conversar por mais tempo.
Parece que o tempo está interrompendo desta vez.
Um nó envolveu o estômago de Grace e apertou. Ele estava
flertando com essa linda criatura, momentos após seus elogios era para
ela. O libertino. Que absurdo. Oh Deus. Por quê, você se importa? Ela
pensou. Eles se despediram e voltaram para Falsbury. O ciúme
queimou sua garganta, uma nova sensação. Ela não gostou.
Determinada a se livrar da emoção desagradável, ela confrontou
o Conde.
— Parece que a Lady é uma admiradora sua, milorde. — Ela
apertou a mandíbula com a risada dele, e deu uma tapinha no cavalo
para passar por ele. Sua provocação não funcionaria desta vez.
— Lady Rafferton é uma amiga próxima de minha mãe. Ela parece
mais jovem, mas é dez anos mais velha do que eu. — Ele parou ao lado
dela, ignorando seu desprezo. — É humilhante lembrar como eu era
apaixonado quando menino.
Um alívio inexplicável borbulhava dentro dela, e ela recompensou
suas palavras com um sorriso brilhante. Sua pele morena, ainda
escura de seus anos militares no campo, deixava a gravata cor de creme
quase branca. Seus olhos demoraram na boca larga e lábios firmes que
agora se suavizaram em um sorriso, revelando seus dentes perolados.
Deus a ajude. Ela teria que prosseguir com cuidado, ou esse flerte
inofensivo poderia encher seu coração. Isso não era algo que ela se
importasse em arriscar.
CAPÍTULO 12
A grande arte da vida é a sensação de que existimos, mesmo com
dor.
Lorde Byron
30
Helen – Mitologia grega, a bela filha de Zeus.
31
Otmana mobília, tipo de sofá espaçoso, sem encosto.
apresentou as axilas. Com uma cara séria, ela cheirou o cabelo dele e
então franziu o nariz quando ele levantou os braços.
— Eu diria que o cabelo não é ruim, mas o resto é um pouco forte.
— Ela riu de seu olhar desesperado. — No entanto, eu cheirava muito
pior.
A criança assentiu com a cabeça para cima e para baixo.
— Foi o que eu disse. — Ele se sentou ao lado dela. — Eu não vi
você antes.
— Esta é a nossa vizinha e uma das minhas confidentes mais
próximas. — Lady Falsbury respondeu. — E este é Samuel, primo de
Lady Eliza.
— Prazer em conhecê-lo, meu senhor. — Ela respondeu com um
aceno de cabeça. — Eu ouvi muito sobre você.
O menino se levantou e deu uma profunda reverência.
— Ao seu serviço, senhora.
— Muito obrigada, gentil senhor. — Ela respondeu, inclinando a
cabeça enquanto Sammy voltava para Kit.
— Ela partiu o seu coração? Ela vai consertar isso? Você tem que
me ajudar com o meu teatro amanhã. A peça tem uma... — Ele colocou
as mãos em cada lado da boca e sussurrou alto. — Explosão no final.
— Seus olhos se moveram para o lado para ver se as mulheres tinham
ouvido. — É uma surpresa que estou planejando para todos.
— Eu amo surpresas. — Disse Lady Rafferton.
— Você tem que vir. Temos praticado O Miller e seus homens32.
Todos estarão lá.
— Samuel. — Gritou uma voz da porta. — Eu já tive o bastante
de sua impudência. Venha para o seu quarto agora!
Sammy se encolheu.
32
O Miller e seus homens um melodrama romântico baseado na peça de Isaac Pocock (1762-1835).
— Por favor, diga que você vem?
Lorde Boldon surgiu por trás do garoto.
— Peço perdão, minhas senhoras, mas devo remover meu filho
com toda a pressa. — Disse ele com os dentes cerrados, curvando-se
para as mulheres. — É bom ver você novamente, Lady Rafferton.
Lady Grace e Lady Eliza entraram logo atrás, procurando também
o jovem imundo. Quando Boldon arrastou seu filho indisposto da sala,
o menino gritou.
— Você virá, não é minha Lady? Nós temos lençóis coloridos para
o fundo. E Eliza nos acompanhará no piano. — Sua cabeça ruiva
desapareceu na esquina.
— Ele exagera na perseverança, mas ele é uma criança de
natureza doce. — Lady Grace disse em desculpas por seu irmão mais
novo.
— Eu acho que ele é refrescante. — Disse Lady Rafferton. — Ele
me lembra do meu filho mais novo. Ele ainda é uma preocupação
constante, seja encontrando problemas em Londres e nos inferninhos
ou fazendo as mulheres desmaiarem nas estâncias no litoral.
— Quantos filhos você tem, minha Lady?
— Uma filha, que é uma dádiva do céu, embora recém-casada e
falecida, e três filhos. O mais velho é meu enteado e assumiu o título,
o segundo é um Tenente Coronel e meu filho mais novo... — Ela
sacudiu a cabeça. — Ele acabou de terminar a universidade e se
candidatou a uma das vagas no Tribunal da Corte.
— Ele quer ser um advogado? — Perguntou Lady Eliza. — Eu acho
que o estudo do direito e dos tribunais é fascinante. Você não aprova?
— Se ele é determinado, sim. Se é uma desculpa para desperdiçar
sua mesada em prostitutas no vestíbulos de Covent Garden, não. Mas
como meu filho mais novo, ele sabe como conseguir perto de mim. —
Ela pegou sua bolsa e deu um beijo em cada uma das bochechas de
sua amiga. — Agora, eu devo ir embora. Foi adorável conhecer a todos
vocês.
— Você deve ficar para o jantar. — Lady Falsbury exigiu.
— Eu queria poder. No entanto, acredito que vou aceitar o convite
de Samuel amanhã.
Kit riu quando ele e Lady Grace gemeram ao mesmo tempo.
— Não posso garantir o desempenho. Exceto pela explosão, o
autor mal reconheceria seu trabalho. O jovem encurtou a maior parte
para chegar à parte boa, como ele diz.
— Não se deixe se enganar, minha Lady. Lorde Sunderland é um
herói excelente e corajoso. — O sorriso que Grace lhe deu foi caloroso
e brincalhão. Ele olhou para o teto e mais uma vez pensou em um
mergulho gelado em abril.
Grace fechou os olhos e disse uma rápida oração que tudo
corresse bem. Eles levaram uma semana para colorir, cortar e colar
para se prepararem para a peça. A infinita paciência de Lorde
Sunderland a surpreendeu. Ele parecia saber quando Sammy já tinha
tido o suficiente, e eles saíam e brincavam no gramado para expulsar
a energia do menino. O drama juvenil a colocou na proximidade
constante do Conde, pois eles estavam juntos todas as tardes. Esse fato
era o único motivo pelo qual ela poderia ficar desapontada após a
apresentação.
Ela aprendeu seus maneirismos, ele acariciava o seu queixo em
pensamentos profundos, sua mandíbula tensa quando ele estava
irritado, o humor fazia seus olhos brilharem, e flertar os fazia
escurecer. Quando realmente se divertia, um estrondo profundo
começava baixo em seu peito e saía uma risada rouca e masculina que
fazia sua pele formigar. Às vezes ele brincava com ela, e seu olhar
parecia tão íntimo, ela pensou que ele iria chegar a pegar a mão dela.
— Gracie, depressa. Nós não temos muito tempo.
Lady Falsbury havia dado um ultimato e se recusou a permitir a
pólvora no salão. Uma tenda tinha sido montada do lado de fora da
janela do salão, então Eliza seria capaz de fornecer a música de dentro.
Os servos estariam sob sombra, e se algo desse errado, o minúsculo
teatro e talvez o gramado seriam as únicas vítimas.
Pelo menos vinte cadeiras haviam sido instaladas. Eliza pediu que
alguns dos servos viessem e assistissem, para que houvesse o
suficiente para uma audiência. Samuel examinou a cena e assentiu em
aprovação. Ele colocou os personagens de papel resistentes em suas
posições e empurrou-os ao longo da abertura na estrutura até que eles
estavam no centro do palco. O vilão Grindoff ficou com sua gangue de
ladrões, conspirando contra o Conde. Sammy empurrou o fundo ao
longo de outra fenda, representando o esconderijo secreto dos ladrões.
Então ele colocou os lençóis para as cenas correspondentes por trás
disso.
— Chegamos muito cedo? — Perguntou seu pai, de pé com Lady
Falsbury pelo braço. — Vamos encontrar nossos próprios lugares ou
há uma escolta?
— Eu não tinha pensado nisso. — Sammy esfregou o queixo em
uma perfeita imitação de Lorde Sunderland.
Grace escondeu seu sorriso.
— Há três lugares de honra na frente, papai. — Informou a ele.
Quando os dois se acomodaram, os servos chegaram um a um e
encheram as fileiras atrás. Sammy foi até a janela aberta e gritou.
— Comece a música de espera, Eliza.
— Sim, meu senhor. — Veio uma resposta abafada.
— Ela está aqui, ela está aqui. — Gritou Sammy. — Lady Rafferton
está chegando.
A marquesa deu um tapinha no braço de Lorde Boldon.
— Você a acompanharia, meu querido amigo?
— Claro, eu ficaria feliz em fazer isso.
Grace assistiu seu pai ir embora, seu confiante e longo passo
levando-o rapidamente ao longo caminho. Quando ele ressurgiu com a
viscondessa em seu braço, ambos estavam rindo. Antes que ela
pudesse considerar o par, uma sombra caiu sobre ela. Sua proximidade
era sedutora e perturbadora ao mesmo tempo. O cheiro da hortelã, da
terra e do leve odor de laranja fizeram cócegas em seu nariz e enviaram
seu pulso a um ritmo acelerado. O perfume traria para sempre a mente
de Lorde Sunderland e este excelente verão.
— Claudine, meu amor. Eu vim para fazer você minha. — Ele se
curvou, um sorriso nos lábios enquanto recitava uma linha da peça. —
Mas primeiro, mademoiselle, preciso brincar com fogo.
— Por favor, meu querido Lothair, tenha cuidado. Eu vou morrer
de coração partido se você não voltar. — Ela colocou a mão na testa e
tentou a pose dramática de uma heroína.
Ele se inclinou e sussurrou.
— Diga-me a verdade, minha querida.
Ela viu a mudança em seus olhos, o calor que aprofundou o
marrom para clarear o céu da meia-noite. Um arrepio passou por ela.
Grace percebeu o quanto ela sentiria falta desse homem quando
voltasse para casa na semana que vem. Ele mudou a sua rotina diária,
e o pensamento de que ele não seria mais parte do seu dia, deixava um
vazio em seu coração.
O Conde deu-lhe um meio sorriso e pegou o braço dela.
— É melhor nos posicionarmos atrás do teatro.
A plateia se aquietou e Sammy ficou diante deles. A sonata de
introdução de Eliza flutuou pela janela.
— Nossa peça de teatro começa com o malvado Grindoff. Ele
trabalhou para o Conde até que ele foi descoberto como um ser indigno
de confiança. Enviado em desgraça, ele se disfarçou de moleiro.
Kit moveu o moleiro para frente e para trás.
— Grindoff tinha um plano. Primeiro, ele reuniu uma gangue de
ladrões.
Grace balançou o grupo de homens de papel.
— Ele enganaria o aldeão mais rico, pegaria seu dinheiro e sua
linda filha, Claudine.
Grace pegou a moça de papel e deslizou para o teatro.
— Não, bom senhor, — Disse ela ao vilão. — Eu já dei meu coração
a Lothair.
Lothair apareceu ao lado de Claudine. Outra personagem
feminina deslizou ao lado de Grindoff.
— Você é meu, eu sou sua mulher. Como você pode me trair? —
Grace fez o melhor que pôde para parecer uma megera.
Sunderland estava tão perto que ela podia sentir o calor que
emanava de seu corpo. Ou era dela? Ele fez seus sentidos se tornarem
vivos. Enquanto a peça continuava, ela estava bem ciente do roçar da
manga dele, de seus dedos contra a mão dela. As folhas de gramas
eram como lâminas abaixo dela, cada uma fazendo um buraco contra
suas meias. A brisa agitava cachos soltos em seu pescoço, fazendo
cócegas e provocando sua pele. Sua proximidade enviou ondas de
sensações através de seu corpo. Era um sentimento novo, esse desejo,
essa necessidade física por alguém.
Tornou-se difícil lembrar suas palavras, sua respiração ficou mais
rápida. Uma vez ela perdeu o equilíbrio, mas ele a pegou. Suas mãos
agarraram sua cintura e se demoraram, a pressão íntima e convidativa.
O único toque queimou as camadas de seu vestido de musselina,
anáguas e chemise. Assustada, ela observou a boca dele se curvar,
paralisada quando ele se inclinou para frente, dentes brancos
brilhando entre os lábios firmes e sensuais. Em sua mente, ele inclinou
a cabeça para um beijo... Mas cotovelo de Sunderland cutucou seu lado
quando era sua deixa, o pobre Conde de papel em seu punho.
— Eu os encontrarei, doce Claudine. Espere por mim.
Ele deu a ela um olhar curioso enquanto ela procurava em seu
cérebro pela próxima frase.
— Tome cuidado, o grupo de Grindoff é um bando perigoso.
O resto da peça de teatro foi perfeito. Grace se concentrou em
suas falas e não permitiu que seus pensamentos se afastassem
novamente.
— Lothair foi descoberto na caverna dos ladrões, mas resgatado
pela rejeitada Lady Grindoff. Quando a gangue percebeu que eles
haviam sido descobertos, eles correram atrás de Lothair.
— Ele correu pela ponte com grande velocidade. — Sunderland
tentou mover a figura para cima ao longo da ponte, perdeu o controle
e Lothair caiu no chão do palco. Sammy nunca perdeu um ritmo. — …
E tropeçou e caiu do lado. Mas ele era um forte nadador e foi para a
praia. — O Conde balançou Lothair para o outro lado da ponte e gritou.
— Fogo na ponte! Fogo a ponte!
Grace empurrou a gangue de ladrões para a ponte. Sammy correu
atrás do teatro para se juntar a eles, pulsando de excitação. Uma
pequena pilha de pólvora estava dentro de uma lata, uma corda
pendurada na borda. Sunderland mergulhou um estopim em um
pequeno frasco de amianto e ácido sulfúrico para produzir uma chama.
Ele entregou a um solene Sammy, que colocou a pequena chama no
pavio. Chiou e acendeu vermelho enquanto se movia dentro do copo.
Estrondo! Vermelho e amarelo passaram pela explosão esfumaçada.
Brasas queimavam as bordas do teatro e o Conde esmagava o fogo
usando as mãos e vários outros personagens. Os três atores tossiram
e balbuciaram. Grace usou um dos cenários para afastar a fumaça.
A plateia ofegou e bateu palmas enquanto Sammy pulava de
prazer, seus braços batendo acima de sua cabeça. Então, lembrando-
se de seu papel, ele ficou diante do grupo novamente.
— Grindoff é apreendido e os ladrões fogem para o lugar de onde
vieram. — Ele olhou por cima do ombro para Sunderland e sua irmã.
— Lothair retornou para Claudine. Eles se abraçaram. — Ele esperou
que os dois personagens chamuscados se tocassem. — E viveram
felizes para sempre. O fim.
Sammy fez sinal aos atores para se juntarem a ele. Todos eles
apertaram as mãos e fizeram um arco juntos.
— Bravo! Bravo!
— Magnífico!
O garoto sorriu enquanto todos esperavam uma ovação de pé.
Grace ficou com uma das mãos na de Sammy e a outra na do Conde.
Ela sentiu a umidade na palma de sua mão e virou a palma para
inspeção. Ela se perguntou como seria a aspereza das pontas dos dedos
contra sua bochecha, seu pescoço, então ela viu a queimadura soltando
líquido.
— Você tem bolhas. — Ela engasgou.
— Não é nada. Estou bem.
— Se não for tratada, pode ficar infeccionada. Por favor, venha
para a cozinha e eu aplico uma pomada. — Disse ela.
— Eu estava esperando que você dissesse isso.
CAPÍTULO 13
Ele então, com grande presença de espírito, colocou um fim a
qualquer outra recriminação ao beijá-la, e seu noivo indignado,
aparentemente sentindo que estava profundamente afundado em
depravação para ser recuperável, abandonando (por enquanto, em todo
caso) qualquer tentativa adicional de levá-lo a um senso de sua
iniquidade.
Georgette Heyer, Sylvester
33
Jogo de Graça foi uma atividade popular para as moças durante o início dos anos 1800. É jogado com duas
pessoas. Cada pessoa recebe duas hastes de tarugo. Então, um dos jogadores pega um aro de madeira e, empurrando
as duas hastes, envia o aro para o outro jogador tentar pegar.
Ela sorriu agradecida, logo capaz de se sentar sozinha. Grace
escutou divertida enquanto seu pai contava os detalhes da tarde.
— Parece que alguns almofadinhas tentaram mostrar seu novo
parelha de steppers34. Infelizmente, os cavalos tinham mais experiência
do que eles, e logo se separaram. — Ele balançou a cabeça diante da
loucura da juventude. — Os fugitivos foram direto para o pedágio, e o
cocheiro do seu marido não conseguiu sair do caminho rápido o
suficiente. Os cavalos fizeram uma curva fechada para evitar o grupo
de cavalos de Falsbury, mas derrubaram o phaeton.
— E os animais? — Perguntou Grace. Ela odiava a ideia de um
bom animal ser sacrificado por algum garoto revoltado.
— Estou feliz em não relatar nenhuma fatalidade hoje. No
entanto, — ele curvou-se para sua anfitriã e se encolheu enquanto
continuava — receio que sua nova carruagem tenha sofrido algum dano
significativo. Apenas um lado abriu e duas rodas precisarão ser
substituídas.
Ela acenou com a mão.
— É só dinheiro. Não faz diferença.
— Devo informar que seu filho permanecerá na estalagem até a
carruagem ser consertada, e o médico achar que seu marido é capaz
de viajar. Serão pelo menos vários dias antes de eles chegarem. — Ele
olhou ao redor do salão, seus olhos pousando no copo de conhaque.
— Oh, meu Deus. Você deve estar com sede. Por favor, sirva-se de
uma bebida e Grace vai acompanhá-lo até a sala de jantar. Deve haver
algumas carnes frias e queijos. Se você quiser mais alguma coisa, por
favor, não hesite em pedir. — Ela sorriu para a nora. — Minha querida,
você ficaria comigo por mais algum tempo?
Eliza sorriu.
34
Steppers um cavalo com uma caminhada rápida e atraente. Preferido para uma carruagem aberta da marca
Mary’s Brougham.
— Claro. Vou acompanhar você até o seu quarto quando puder.
— Eu lhe digo minha querida, não acho que meu coração pode
aguentar muito mais. — Ela segurou a bochecha de Eliza na palma da
mão. — Agradeço aos céus quando você foi enviada para mim. O que
eu faria sem você?
Eliza estava de costas para Grace, mas ela a ouviu balbuciar e
observou sua prima se agitar com a mulher. Ela percebeu, quando ela
silenciosamente fechou a porta, Eliza encontrou uma família amorosa.
Ela se casou com Carson como um estranho, mas de alguma forma a
morte dele havia provido um lugar para Eliza na casa de Falsbury. As
duas mulheres eram dedicadas uma à outra, e o forte carinho era
aparente. Uma linha de um dos poemas de Lorde Milton veio à mente:
Eu fui enganado, ou fiz uma nuvem negra
Vire em frente seu final feliz nessa noite?
As nuvens negras de Milton certamente encontraram um final feliz
para Eliza.
CAPÍTULO 14
Você perfura minha alma. Estou metade em agonia e metade em
esperança.
Jane Austen, Persuasão
Agosto de 1815
Boldon Estate
35
Regalo um acessório para agasalhar durante os meses mais frios. Consiste de um cilindro de pele ou tecido
com ambas as extremidades abertas para enfiar as mãos.
— Oh, sim papai. — Ela esfregou os pés contra os tijolos quentes
embrulhados. — Você sabia que Eliza planeja ficar com Lady Falsbury,
independentemente de ela ter um menino ou uma menina?
Ele assentiu.
— Estranho como as coisas funcionaram. A marquesa tornou-se
mais uma figura materna para a menina do que sua própria mãe. Não
que eu culpe sua tia de alguma forma. Ela é uma vítima das
circunstâncias.
Grace fez uma oração silenciosa por todas as mulheres em tais
circunstâncias. A carruagem moveu-se para um semicírculo e parou
na residência central do terraço. A fileira de casas residenciais em
forma de arco estava iluminada com luzes exuberante em cada porta.
A lamparina de Falsbury iluminava as pilastras brancas que
flanqueavam os dois lados da entrada, e com desenhos em formato de
abacaxi acima da porta que davam as boas-vindas aos visitantes. Ela
tinha quatro andares de altura, com miniaturas de varandas cercadas
de ferro forjado e adornos no centro das janelas. No verão, as floreiras
presas a varanda ficavam cheias flores.
O mordomo os conduziu e logo estavam na sala de visitas. Eliza
tentou saltar da cadeira, recuou e se empurrou para trás novamente.
Sunderland estava em seu cotovelo em um momento, escoltando-a
através da sala.
Grace os encontrou no meio, os braços ao redor de sua prima,
mas os olhos em Kit. As asas no estômago dela despertaram,
provocadas pelo sorriso caloroso e secreto que ele lhe enviou. O sorriso
que disse senti sua falta. Eu desejo segurar você em meus braços.
— Gracie, é tão bom ver você. — Gritou Eliza, enxugando os olhos,
em seguida, rindo de seu olhar de preocupação. — Não se importe
comigo. Parece que eu comecei a chorar esses dias por causa de coisas
sem importância. Não importa se estou feliz, zangada, triste ou
entediada.
— Eu estava pior do que você. — Disse Lady Falsbury abanando
a mão, descartando a explosão de sua nora. A mãe de Kit estava
brilhando, em uma cópia de uma rosa, com a borda arredondada cheia
de renda vermelha na gola e nas mangas. — Não vá se exaltar muito,
minha querida. Nós não queremos que o bebê chegando cedo.
Kit se inclinou por baixo da mão de Grace, piscando para ela
enquanto seus lábios permaneciam em sua mão enluvada. Seu pulso
acelerou em antecipação de um momento roubado no final da tarde.
Eles estavam comprometidos, afinal, e Eliza assegurara que nenhum
estranho fora convidado.
No jantar, Kit jogou o protocolo ao vento e sentou-se ao lado de
sua noiva. Fazia mais de um mês e, se ele não conseguisse levá-la para
um canto escuro, pelo menos se sentaria ao lado dela. As mulheres
conversaram incessantemente sobre o nascimento próximo. Tinha
aprendido mais do que ele precisava saber sobre Sir William Knighton,
o médico parteiro que iria assistir o nascimento, a enfermeira mensal
agora em residência, a redução da dieta de Eliza estava em que
restringia a ingestão de álcool, chá ou café, e quarto do parto.
Finalmente, a refeição forneceria assuntos alternativos.
— Você já esteve em Tattersall ultimamente, Sunderland? —
Perguntou Boldon com um brilho nos olhos castanhos. — Estou
pensando em criar meu melhor cavalo de carruagem. Precisarei
substituir se eu fizer. Gostaria de dar uma olhada nos cavalos amanhã?
— Poderíamos discutir algo diferente do que procriação?
Kit deu-lhe um olhar soturno e foi recompensado com uma risada
saudável.
— Eu só estou provocando com uma brincadeira. — Ele
respondeu com bom humor. — Vamos ter o nosso vinho do porto em
breve e as senhoras podem continuar sua conversa delicada.
— Eu não ouvi uma palavra delicada desde que começaram. —
Ele murmurou baixinho. Deve ter sido alto o suficiente para Grace
ouvir porque ela o beliscou debaixo da mesa. — Ai! Você vai pagar por
isso. — Ele avisou em um sussurro alto. Ela riu e seu cheiro de
baunilha e... laranja encheu seu nariz. Quando o desejo despertou em
seus quadris, ele relutantemente voltou seus pensamentos ao parteiro.
O assunto de Natal e eventos sociais rivalizaram com a gravidez o
resto da refeição. Ele notou que Eliza parecia pálida esta noite. Mesmo
que sua mãe a tenha lembrado que carne e pratos abundantes deviam
ser evitados no final da gravidez, o peixe era uma excelente escolha.
Ela só bebericava a sopa branca e não participava de nenhum dos
pratos de peixe. Todas as mulheres estão tão preocupadas com esses
detalhes? Ele se perguntou. Um plano para escapar de sua mãe e Eliza
com Grace por alguns minutos, começou a se formar.
Os pratos removidos foram substituídas e o segundo prato
começou. Serviu a si mesmo e a Grace uma porção de filé assado de
carne de porco e costeleta de cordeiro salteados com aspargos e
ervilhas.
— Vou me desculpar antes de você se retirar para a sala de estar.
Encontre uma razão para se atrasar, então você deixa a sala de jantar
sozinha. — Ele disse baixinho, enfiando o garfo em um pedaço de carne
de porco coberto com um rico molho marrom. Ele moveu o joelho e
roçou o veludo de seu vestido, observando os olhos de Grace se
arregalarem e pressionar os lábios.
Mas, quando o segundo prato foi retirado, um alvoroço começou
no final da mesa.
— Tem certeza? — Perguntou a mãe em voz aguda. — Sir Knighton
está fora da cidade. Isso não pode acontecer até a próxima semana, no
mínimo.
Eliza empurrou a cadeira para trás e se abaixou, segurando a
barriga.
— É melhor você contar a sua neta porque ela não está ouvindo.
— Meu neto parece ser tão teimoso quanto seu pai. — Resmungou
Lady Falsbury. — Senhores, eu tenho medo que vocês tenham que
terminar a refeição sem nós. — Ela se levantou e se inclinou sobre
Eliza. — Venha minha querida, vamos levá-la para cima.
Grace se levantou da cadeira, derrubando-a para trás. Kit pegou-
a antes que ela caísse no chão.
— Você está bem? — Ele perguntou, preocupado com a palidez
repentina de sua pele.
— Grace. — Seu pai disse em um tom calmo e suave. — Vai ficar
tudo bem. A enfermeira mensal está aqui. Eu tenho certeza que Lady
Falsbury encontrou a melhor em Londres.
— Certamente, nada menos para o meu neto.
— Neta. — Corrigiu Eliza.
— Logo veremos. — Sorriu Kit. Ficou desapontado que seu
momento particular com Grace seria perdido, mas o mistério
finalmente seria resolvido. — Por favor, deixe-me ajudar a levar a Lady
em seu quarto.
Levou um quarto de hora para chegar ao quarto no terceiro andar.
Eliza sentiu outra contração, e ela se sentou em um degrau da escada,
ofegante. O alarme anterior de sua prima havia desaparecido, e ela
segurou a mão da moça até que a dor diminuísse.
— Eu tive pequenas dores o dia todo, mas não achei que valesse
a pena mencionar. A última vez, Sir Knighton disse que era um falso
parto. — Ela começou a rir, mas o som se transformou em um gemido
quando ela se levantou. — Eu poderia ter julgado mal.
Kit perdeu a paciência.
— Lady Eliza, não quero criar pressão, mas por favor, deixe-me
levá-la o resto do caminho.
Ele esperava uma discussão. Em vez disso, seus olhos estavam
cheios de gratidão quando ela concordou. Ela era mais leve do que ele
esperava. Ele pegou-a em seus braços, as outras mulheres logo atrás.
Elas escolheram o quarto que forneceria a luz da manhã para a mãe e
a criança. Havia um grande quarto, vestiário e uma sala externa, Kit
assumiu, para qualquer um que esperasse para ouvir notícias. Ele
ficaria feliz em descer com Boldon e beber vinho do porto.
Ele gentilmente depositou Lady Eliza na cama, beijou Grace em
cima da cabeça enquanto sua mãe arrumava os lençóis e escapou. Na
sala de jantar, Boldon havia abandonado os últimos pratos e serviu
dois copos de vinho do porto.
— Para uma nova geração. — Ele brindou, entregando a Kit um
copo do líquido escuro.
— Eu ficarei feliz quando isso acabar. Grace e eu marcamos uma
data, nos casaremos e começaremos nossa própria família. — Ele
estava ansioso para começar essa nova fase de sua vida. O otimismo
que o saudava no espelho a cada dia era o resultado do amor. O abismo
deixado pela morte de Carson estava encolhendo com o amor de Grace.
Ela encheu-o de esperança de que o mundo poderia ser um bom lugar
com risos e familiares. Esse nascimento a faria ficar com fome de uma
criança. Ele estava pronto. Finalmente, ele estava pronto e agradeceu
a Grace por essa nova visão do futuro.
À meia-noite Kit estava andando de um lado para o outro. Eles se
mudaram para a sala de bilhar para se manterem ocupados. Boldon
subiu uma vez e voltou, balançando a cabeça.
— Ainda não, ainda não. Essas coisas levam tempo. Nunca se
sabe.
Pressentimento agitou em seu intestino.
— O que foi?
— O bebê está virado de lado.
— Bem, elas podem endireitar isso. Elas não podem?
— Eu não sei. — Boldon apertou a boca. — A enfermeira tem medo
de intervir sem Sir Knighton. Ela tem medo que, se algo der errado, ela
será culpada.
Kit passou a mão pelos cabelos e começou a andar de um lado
para o outro.
— Não há nada que possamos fazer?
— Esperar. E tome outra bebida.
Duas horas depois, um som soou na porta. Um servo fez uma
reverência e anunciou.
— Você é necessário no andar de cima, meu senhor.
Eles largaram os tacos e se dirigiram para a porta.
— Lorde Boldon, meus senhores.
Kit ignorou a serva e os dois homens continuaram pelo corredor,
subindo as escadas de dois em dois degraus. Hesitando na entrada dos
aposentos, ouviu um gemido de desespero.
— Não, não, não. — O medo percorreu sua espinha quando sua
mãe emergiu da sala.
— Ela era como um general em batalha. A enfermeira estava com
medo de virar o bebê e Eliza estava cansada. Lady Grace levantou as
mangas e puxou a enfermeira para a cama. Ela disse que ambos
morreriam se nada fosse feito, e ela não permitiria que isso
acontecesse. — Lady Falsbury sentou-se com um suspiro, as linhas do
rosto dela se aprofundaram nas últimas horas. — Com a ajuda de
Grace, a enfermeira conseguiu virar a criança. Quando elas a
entregaram ao mundo, o sangramento começou...
— E Eliza? — Perguntou Lorde Boldon.
— Ela está fraca, mas vai se recuperar. No entanto, acho que entre
o sangue e a criança não respirando imediatamente, isso trouxe de
volta memórias de sua esposa. Seu corpo começou a tremer e ela se
afastou da cama, chamando por sua mãe.
Outro soluço quieto do outro lado da parede.
— Eu não posso acalmá-la, Lorde Boldon. Eu pensei que talvez se
você tentasse, poderíamos tirá-la do quarto. Ela está trancada em seu
passado...
Kit ouvira o suficiente. Raiva o fez empurrar a porta com força.
Ela bateu contra a parede, assustando a enfermeira.
— Por favor, meu senhor. Nós não precisamos de mais agitação.
—Ela voltou sua atenção para a paciente, limpando o suor do rosto.
Com um sorriso fraco, Eliza se virou para ele.
— Você tem uma sobrinha, Lorde Sunderland. E agradeço a Grace
por sua entrega segura. Por favor, ajude-a.
Ele ouviu um soluço e uma longa ingestão de ar. Então ele a viu.
Aconchegada no canto, os joelhos levantados, a cabeça enterrada nos
braços. Kit aproximou-se dela devagar, agachou-se e alisou os cachos
úmidos enrolados em sua bochecha.
— Grace, meu amor, estou aqui.
— Por que, mamãe? Por que novamente? — Seus olhos vidrados
estavam inchados, as bochechas raiadas de lágrimas vermelhas. Ela
não podia vê-lo, sua mente estava de volta a Boldon há cinco anos. A
visão dela perfurou seu coração. Sua linda, confiante, irritante e
graciosa amada. Oh Deus, sua mente gritou, não agora. Não quando
estamos tão perto de uma vida juntos.
Kit colocou as mãos sob ela com cuidado, como se ela pudesse se
quebrar, se moveu muito rapidamente, e a levantou em seus braços.
Ele segurou-a contra o peito, enfiando a cabeça sob o queixo,
sussurrando para ela enquanto ele a levava para fora do quarto.
— Shh, shh meu amor. Estou aqui agora, shh.
Seu pai estava na porta, os olhos brilhando de preocupação.
— Oh, minha pobre menina. — Ele olhou para Lady Falsbury. —
Ela vai voltar para nós?
Kit viu sua mãe guiar Boldon do quarto.
— Eu acho que se alguém puder alcançá-la agora, será meu filho.
Pelo que Eliza me disse, ela precisa de uma voz de seu futuro, não de
seu passado, para tirá-la desse lugar sombrio.
Grace começou a chorar novamente, um som suave e angustiante
que ameaçava destruir a alma de Kit. Ele se sentou contra o sofá,
balançando-a, sussurrando palavras de amor, beijando seus cabelos.
— Shh, volte para mim, meu doce. Eliza e o bebê precisam de você
agora. Sammy está esperando por você. É hora de voltar para casa.
Um gemido estrangulado ecoou em seus ouvidos e ele continuou
a sacudi-la. Ela não podia deixá-lo agora. Não agora, quando ele estava
inteiro novamente. Não agora, quando sua vida estava cheia de luz e
riso. Não agora, quando o sorriso dela o ajudou a se curar um pouco
mais a cada dia.
— Por Deus, Grace, eu não vou permitir isso. Volte para mim,
caramba. Droga, eu preciso de você. — Ele enterrou o rosto em seu
pescoço, suas lágrimas se misturando com as dela, e percebeu que o
gemido atormentado era dele. — Eu preciso de você.
Uma mão acariciou seu cabelo, um toque sussurrado. Dedos se
curvaram em volta do pescoço.
— Kit? — Era um som rouco, rouco e quase inaudível. O som mais
bonito que ele já ouviu.
Ele soltou um suspiro longo e instável.
— Grace, eu estou aqui minha querida. — Ele agarrou-a,
balançando e rindo e beijando seus olhos, bochechas, nariz, lábios. —
Eu sempre estarei bem aqui.
— Eu vi sangue e o bebê estava tão quieto...
— Mãe e filha estão bem. — Ele considerou colocá-la na cadeira
para que ele pudesse pegar um pano frio e um pouco de água para ela.
Sua mente disse para libertá-la. Seu coração não a deixou ir.
— É uma menina? Ambos estão vivos?
— Você os salvou, minha pequena, teimosa e sem medo.
A mão dela segurou sua bochecha e ele se inclinou para ela.
— E você me salvou. Eu ouvi você me repreendendo. Eu senti suas
lágrimas e queria limpá-las.
Grace levantou a cabeça e apertou os lábios contra os dele. Ele
fechou os olhos, entendeu a promessa silenciosa no beijo, e seu mundo
começou a girar novamente.
EPÍLOGO
Seja o arco-íris nas tempestades da vida. O raio da tarde que
sorri para longe das nuvens e tinge o raio profético com o amanhã.
Lorde Byron