Você está na página 1de 166

Série Wicked Earls Club

00 - Wicked Earls Club por Maggie Dallen


01 - Conde de Sussex por Tammy Andresen

02 - Conde de Westcliff por Meara Platt

03 - Conde de Wainthorpe por Collette Cameron

04 - Conde de Sunderland por Aubrey Wynne

05 - Conde de Basingstoke por Aileen Fish

06 - Conde de Weston por Anna St. Claire

07 - Conde de Davenport por Maggie Dallen

08 - Conde de Grayson por Amanda Mariel

09 - Conde de Benton por Madeline Martin

10 - Conde de Pembroke por Lauren Smith

11 - Conde de Sevilha por Christina McKnight

12 - Conde de Harrington por Dawn Brower


Sinopse
Ele herdou o título de libertino.
Ela se esconde por trás de sua independência...
O destino aceita o desafio.
Grace Beaumont viu o que o amor poderia fazer com uma mulher. Sua mãe
sacrificou sua vida para produzir o filho e herdeiro cobiçado. Um pai devastado e um
irmão recém-nascido a forçam a assumir o papel de Lady Boldon na idade de quinze anos.
Mas Grace encontra consolo na liberdade e poder de seu novo status, menos o marido.
Christopher Roker fez um nome para si mesmo nas forças armadas. O rigor e o
pragmatismo do exército combinam com ele. Quando um trágico acidente coloca Kit em
um papel que ele nunca quis ou esperava, seu mundo colide com outro tipo de dever.
Retornando à Inglaterra para suas novas responsabilidades, o Wicked Earls Club se torna
um refúgio do brilho e da malícia da sociedade londrina, mas não consegue aliviar seu
vazio.
Christopher Roker, o Conde de Sunderland, foi cercado por fedelhas de caça ao
título toda a sua vida. É um ponto de orgulho ser o membro mais antigo do Wicked Earls
Club. Mas se ele tem que gerar um herdeiro, talvez ele possa encontrar um simples país
para ficar escondido...
Precisando de uma fuga da lembrança e da reputação de seu falecido irmão, Kit
visita a propriedade da família durante o verão. Lady Grace, uma bela visitante de uma
propriedade vizinha, torna-se uma distração bem-vinda. Quando a chance de voltar para
o exército se torna uma possibilidade válida, o Conde se vê vacilando entre sua antiga
vida e a atração de uma mulher excepcional e um pouco relutante.
Opinião
Quando acontece uma tragédia em sua vida,

Christopher Roker ou Kit nosso mocinho, perde sua outra

metade, seu irmão gêmeo e a tristeza é muito grande

para ele, mas ao passar algum tempo com Grace e a

família dela, a tristeza aos poucos é esquecida. Não posso

deixar de comentar de um personagem que ajudou muito

o Christopher, um menino encantador, fofo, alegre de

cinco anos, cheio de energia chamado Samuel ou Sammy

para os íntimos. Esse pequeno faz com que Christopher

Roker tenha muitas lembranças boas de sua infância.

Grace sabe muito bem o que Christopher está sentido,

ela também passou por isso. Ela teve muitas

responsabilidades muito cedo, e é praticamente a mãe de

Samuel. Nem ela e nem Christopher desejam um

casamento, mas esses momentos na propriedade com

Christopher, faz com que eles vivam momentos

maravilhosos juntos e com suas famílias.

Finalmente eles chegam a conclusão que um não

deseja viver afastado do outro.

Ártemis
PRÓLOGO
A vida dos mortos é colocada na memória dos vivos.
Marcus Tullius Cicero

Março de 1810
Norte da Inglaterra, Estado de Boldon

O ar espesso, pútrido pela morte e pela fumaça rançosa, se


rebelou contra sua garganta. Grace limpou desesperadamente o suor
que cobria o próprio rosto, depois torceu o pano e limpou o pescoço e
o peito de sua mamãe. Ela não conseguia parar o sangue que fluía do
ventre de sua mãe. Ela não conseguia parar a tempestade de neve que
anunciava sua revolta final contra a primavera. Ela não conseguia
parar as lágrimas que lavaram seu último fragmento de esperança. Não
haveria médico, nem no último minuto.
— Mamãe, você pode me ouvir? — Ela fechou os olhos contra a
revolta. O parto tinha sido cruel para uma mulher de idade avançada,
uma mulher que amava o marido tão completamente que arriscara a
vida para lhe dar um herdeiro. Depois de quase dois dias de trabalho,
o ceifador tinha vindo para reivindicar seu prêmio.
— Gracie? — A Condessa abriu olhos azuis pálidos, sua mão
tateando ao longo do cobertor da cama. Grace entrelaçou os dedos de
sua mãe, a pele parecia com uma lâmina fria ao toque. Ela olhou para
o fogo que ardia e crepitava na lareira.
— Estou aqui. — Ela se inclinou e beijou a bochecha de sua
mamãe. — Por favor, não nos deixe. Ainda não.
Lady Boldon sorriu fracamente e balançando a cabeça.
— Eu preciso vê-lo primeiro. Eu preciso vê-lo.
— Papai foi ao médico. Ele ainda não voltou. — Ela olhou
novamente para a ameaça branca que atingia as vidraças. — Tente
beber alguma coisa.
Sua mãe negou com a cabeça novamente.
— Meu menino. Eu preciso ver o meu bebê. — Ela apertou a mão
da sua filha.
— Por favor…
Grace foi até o canto do quarto e olhou para o bebê adormecido.
A ama de leite o alimentou e então embrulhou ele, protegido com uma
manta branca. Ele franziu o rosto minúsculo em irritação quando ela
o levantou do berço. Sem pensar, ela carinhosamente roçou a pele
avermelhada da bochecha dele. Ele se sentiria culpado quando tivesse
idade suficiente para perceber o sacrifício feito por ele? Ela se
ressentiria dele por tirar a mãe deles?
Seu coração se partiu novamente, percebendo que seu irmão
nunca conheceria essa mulher altruísta. Ela sentou-se na beira do
colchão de penas e colocou o bebê ao lado de sua mamãe.
— Charles vai ficar tão orgulhoso de você, meu filho. — Alegria
brilhou no rosto da mulher mais velha enquanto dava um beijo na
delicada pele rosada. — Você vai ser um bom Conde um dia.
O bebê mexeu e soltou um gemido. Grace rapidamente o levou de
volta, não querendo que o som incomodasse sua mãe. Quando ouviu
uma batida suave na porta, abriu-a e entregou a criança à ama de leite.
— Deixe o pessoal saber para enviar o Conde assim que ele
retornar, — Disse ela ao empregado. — E diga à parteira para se
apressar com aqueles lençóis limpos.
— Gracie! — A urgência na voz de Lady Boldon, disparou um
pânico em sua espinha.
— Aqui, mamãe.
— Você deve prometer-me... — Um suspiro irregular foi seguido
por uma puxada difícil de respiração. — Cuide bem dos meus homens.
Ambos vão precisar de você.
— Mas eu ainda preciso de você. — O rosto de sua mãe ficou
embaçado quando as lágrimas vieram mais uma vez. — Eu não posso
tomar o seu lugar. Você não pode me deixar ainda, mamãe. —
Delicados dedos agarraram os dela com uma intensidade
surpreendente.
— Você é uma mulher de quinze anos agora. Eu te ensinei bem.
— Ela lutou por ar. — Meu Charles vai ser uma alma perdida... O bebê
vai precisar de sua força e orientação. — Sua cabeça caiu de volta
contra o travesseiro. — Prometa-me.
Papai, onde você está? Depressa!
Ela se arrastou até a cama e passou os braços ao redor do corpo
mole, reunindo conforto em um último abraço da mulher que parecia
invencível. Grace encostou a cabeça no peito da mãe. Com o som da
morte ficando mais forte sob sua orelha, ela prometeu. Lábios frios
roçaram sua testa em resposta.
— Seja corajosa, minha querida. Lembre-se, eu te amo tanto. —
Com um estremecer final, Lady Boldon abandonou a vida.
CAPÍTULO 01
Não é o que dizemos ou pensamos que nos define, mas o que
fazemos. Jane Austen, Razão e Sensibilidade.

Início de maio de 1814


Londres, Inglaterra

Lorde Christopher Roker deu um tapa no seu irmão gêmeo, o


Conde de Sunderland, nas costas.
— Um ataque de melancolia dos diabos no dia do seu casamento,
hein? Venha agora, a noiva parece um artigo importante para mim.
— Ela não é a mulher de minha escolha. Eu sou mais que um
noivo sem vontade. Eu sou completamente insolente. — Carson enfiou
a camisa de linho branco nas calças cinza claro, deu um puxão no
colete e ajustou a gravata novamente. — No entanto, nossos pais estão
delirantemente felizes com a união, porque ela é filha de um Marquês.
— Você fez o seu próprio nome. — Christopher sacudiu a cabeça
e apertou o ombro do irmão. — O jogo e as mulheres têm um papel
quando você é rapaz, e outro quando se é um homem. Por Cristo,
passamos dos trinta.
— Como saberia que me apaixonaria, e que minha reputação me
assombraria? — Carson foi até uma mesa de carvalho polida e serviu
dois copos de conhaque da garrafa de cristal. Ele entregou um para
Christopher. — Ou que a mulher que roubou meu coração teria um pai
hipócrita que me despreza?
— Quantas vezes eu te avisei para puxar as rédeas? Há sempre
consequências para as ações de uma pessoa. Você será o Marquês de
Falsbury algum dia. É hora de você aceitar a responsabilidade. — Ele
tomou um gole do líquido âmbar enquanto Carson engolia o seu e
servia outro. — É um pouco cedo para isso, não é? Talvez você queira
ir mais devagar.
Sunderland afundou pesadamente em uma cadeira, empurrando
os dedos por um emaranhado de ondas negras.
— Kit, troque de lugar comigo. Case com a fedelha e pegue o título.
Você deveria ter sido o herdeiro de qualquer maneira. Você é mais
adequado para esse tipo de vida do que eu.
— Tivemos essa conversa quando tínhamos doze anos, e você
queria ser um Xeique 1 e viver no deserto. E então novamente aos
dezesseis anos, quando você queria fugir e se juntar à Marinha Real.
— Ele sorriu e sentou-se em frente a Carson. — Além disso, mamãe
saberia imediatamente.
— Ela ficaria quieta por seu querido Christopher. Você sempre foi
o favorito dela. — Ele inclinou a cabeça para trás e engoliu o segundo
copo de conhaque. — Um pouco de coragem para a cerimônia.
— Haverá muito tempo para isso depois.
— Eu senti sua falta, irmão. Estou com ciúmes do exército e de
suas longas ausências. — Ele deu a Kit um sorriso torto. — Sempre foi
eu e você contra o mundo. Eu não gosto de ter a outra metade faltando.
— Bem, estou aqui agora! Bonaparte não é mais uma ameaça, e
podemos aproveitar um verão no campo este ano. — Um nó apertou o
estômago de Kit. Ele tinha um mau pressentimento sobre esse
casamento, mas sabia que não deveria admitir isso. Não era o
matrimônio em si. Lady Eliza era uma beleza e veio com um generoso

1
Xeique; líder muçulmano, indivíduo muçulmano que chefia uma região, podendo ser: um país, uma cidade,
um bairro.
dote. E ele não acreditou por um momento que Carson amava outra
mulher. A paixão era mais provável. Ele se apaixonou por uma moçoila,
e antes que caísse na realidade, outro tinha tomado sua fantasia.
Enquanto Kit amava o seu irmão, ele também aceitava as suas falhas.
Suas habilidades não incluem responsabilidade ou confiabilidade.
— Você está mergulhando muito fundo, irmão, — Disse Kit
enquanto pegava o terceiro copo de licor de seu irmão gêmeo,
reconhecendo o ligeiro brilho daqueles familiares olhos castanhos. —
Vamos para a igreja, não é? Nesse ritmo, você ficará bêbedo antes do
final do café da manhã do casamento.
— Esse é o plano, senhor. Não vou sentir por um momento as
algemas que adquiri.
— Casando com o Conde de Sunderland, vou ter que pensar em
você como uma Condessa de agora em diante. — Grace terminou de
arrumar o cabelo exuberante de sua prima. As tranças delicadas
estavam espalhadas ao longo das grossas mechas loiras e intercaladas
com pequenos ramos de lilás. O roxo pálido combinava com os olhos
violetas da noiva e cheirava divino.
O vestido da noiva era de musselina francesa branca, minúsculas
flores bordadas ao longo do corpete e da bainha. Uma peliça 2 de
lavanda, enfeitada com rendas e flores combinando, abotoava logo
abaixo do busto e enchia amplamente o vestido. Ela sempre tivera
inveja da pele de porcelana e da beleza dos cabelos da prima. Grace
herdara a aparência escocesa de sua mãe, com um punhado de sardas
e o temido cabelo ruivo para combinar.
Eliza alisou as saias novamente e olhou ansiosamente para o
reflexo dela.
— Ele me odeia, você sabe.

2
Peliça: Peça de vestuário forrada ou guarnecida de peles finas e macias.
— Não seja ridícula, — Disse Grace, embora seus nervos tivessem
se desgastado desde que se encontrou com o Conde há dois dias. Algo
sobre o Conde a deixou desconfortável. — Ele mal conhece você.
— Bem, pelo menos ele odeia o casamento. — Lágrimas encheram
os olhos da menina. — Obrigada por vir, querida Gracie. Não tenho
irmãos ou irmãs e mamãe é praticamente inútil. Ela está sempre com
muito medo da conduta errada de pai. Eu precisava de alguém em
quem pudesse confiar antes da cerimônia.
Grace se abaixou e colocou seu rosto perto de sua prima, seus
próprios olhos verdes fixos com os de Eliza. Elas eram opostas de
muitas maneiras. Grace era teimosa, independente e sincera, Eliza era
dócil, complacente e incrivelmente bela. Elas eram primas em primeiro
grau por suas mães e melhores amigas por opção.
Lady Boldon nunca escondeu sua antipatia pelo marido de sua
irmã. Um canalha cruel, aquele homem. Ele trata as mulheres como se
elas não fossem melhores que as éguas de reprodução. E o Marquês
nunca hesitou em lhes bater da mesma maneira. A lei estava do lado
do homem, especialmente de um homem titulado, a menos que ele
fosse longe demais, e assassinasse sua esposa ou filha. Ele era um
homem amargo que sofreu com a perda de vários meninos e os muitos
abortos de sua esposa.
— Nem todos os homens são cruéis, Eliza. Lorde Sunderland pode
não estar apaixonado por você, mas vejo bondade em seus olhos. E ele
é muito bonito. Pelo menos, considere como uma maneira de sair de
sua terrível situação.
— Sim, vou manter isso em mente. — Ela sorriu para o reflexo de
sua prima. — Pelo menos eu não tenho contusões para explicar no dia
do meu casamento.
— Não vim para o seu casamento para uma sessão de tristezas.
Deixe-me compartilhar sua alegria hoje. — Grace beijou a bochecha da
noiva e se levantou. Ela puxou a cortina e olhou pela janela. — A
carruagem chegou. Seus pais estarão esperando. Você está pronta para
começar sua nova vida?
Eliza assentiu e se virou para abraçá-la.
— Você é minha amiga mais querida do mundo. Gostaria que você
morasse mais perto.
— Talvez eu pudesse voltar para uma estadia mais longa. Samuel
acabou de completar quatro anos e pode precisar de alguma distração
neste verão. Esse menino é uma batalha constante. — Grace riu. — Ele
roubou um pônei do pasto na semana passada e o prendeu a uma
carroça. Para combater o general Bonaparte com uma espada de
madeira e seus cães de confiança.
— Se você prometer visitar, eu vou encontrar muitos rufiões para
ele lutar. E você está certa. Este é o dia do meu casamento, e eu deveria
me divertir. — Elas entrelaçaram os braços, respiraram fundo e
desceram a escada com as cabeças erguidas.
A cerimônia foi curta e sombria, e uma pequena parte retornou à
Falsbury, assim que o registro foi assinado. Um grupo maior havia sido
convidado para o café da manhã de casamento. Falsbury era uma
mansão real e a refeição indicava a estatura da família. O bolo de
casamento foi exibido no centro da mesa, a dura cobertura branca
decorada com ervas e flores. O presunto, acompanhado de ovos,
pãezinhos quentes e pães torrados, encheu o ar de aromas deliciosos.
Até chocolate foi adicionado a cada mesa.
O noivo parecia um pouco jovial para tão cedo no dia. Lorde
Sunderland bebeu e brindou uma dúzia de vezes durante a festa de
casamento. Um ar de autodestruição parecia pairar sobre ele como
uma nuvem de tempestade, e Grace estremeceu quando ele puxou Eliza
para pô-la de pé e a beijou profundamente na boca. Ainda assim, ela
não viu nada malicioso no comportamento do homem e considerou sua
prima melhor desse jeito.
Por outro lado, Grace achou que Lorde Christopher era uma
imagem do decoro. Seus profundos olhos castanhos estavam sérios,
seus cabelos negros penteados para trás. O Tenente Coronel Roker faz
uma bela figura em seu uniforme militar vermelho. Ela se viu
imaginando-o em um cavalo, espada no ar e um grito de guerra em
seus lábios. Seus lábios macios e cheios.
— O que chamou a sua atenção, minha querida? — Perguntou o
seu pai no ouvido dela. — Algum rapaz bonito chamou sua atenção?
Ela riu, em seguida, deu-lhe um beijo na bochecha.
— Você não vai se livrar de mim tão facilmente, papai. Você está
gostando da festa?
— Sim, é um bom casamento. Está me dando ideias para outros
casamentos que ainda estão por vir. — Ele a cutucou gentilmente com
o cotovelo, e falando decidido em uma postura firme. — É hora de
começarmos a pensar no seu futuro. Eu tenho sido deficiente em meus
deveres. Sua mãe ficaria mortificada em saber que a mantive escondida
no campo e você tem quase vinte anos.
— Você não me escondeu. Foi minha escolha pular a temporada
de Londres.
— Duas temporadas, Grace.
— Minha casa é muito mais importante do que socializar com
aquelas moças superficiais e tolas. — A ideia de ficar de pé contra uma
parede, esperando que um homem enchesse o seu cartão e não pisasse
em seus pés durante um baile, parecia mais uma punição. E manter
uma conversa fútil, enquanto se lembrava de passos de dança, e bebida
de ponche trazida por um pretendente entediado ou exagerado,
também não era um rito de passagem que a atraísse. — Estou muito
contente com a minha posição, papai. Não há razão para perturbar
nossas vidas por causa de casamento ou de romance.
Lorde Boldon revirou os olhos castanhos claros.
— Vamos ver, filha. Pode chegar um momento em que você vai
comer essas belas palavras. — Então ele sorriu por cima da cabeça dela
para alguém. — Não é um grande dia para um casamento? É essa
música que ouço?
— De fato, Lorde Boldon. Eu vim pedir a Lady Grace a honra de
uma dança. — Atrás dela surgiu uma voz profunda de barítono que
enviou uma onda de calor para barriga dela. — Com a sua permissão?
O pai dela se levantou, segurou a mão dela e puxou Grace para
pô-la de pé, enquanto ela abria a boca para recusar.
— Minha filha adoraria dançar.
Ela olhou para os seus dedos agora colocados na palma da mão
do homem. O calor em sua barriga começou a dar piruetas e saltos em
direção à sua garganta. Quando seus olhos se moveram para o rosto
dele, o olhar escuro a manteve presa no lugar. O ar foi tirado de seus
pulmões e ela se viu incapaz de falar. Uma risada do pai a estimulou a
agir. Com uma reverência, ela reconheceu seu parceiro, e eles
caminharam para se juntar aos outros que já se reuniam para as
primeiras notas de uma dança campestre.
Grace se concentrou nas dragonas 3 douradas que adornavam
seus ombros largos, enquanto colocava uma mão enluvada na dele. O
material fez pouco para diminuir a intensidade de seu toque, enquanto
seguiam os outros casais em um círculo.

3
Dragona: pala, guarnecida ou não de franjas, usada pelos militares em cada ombro e indicadora muitas vezes
de seu posto.
— Eu entendo que você é prima da noiva. Você está satisfeita com
a união?
Seu tom era de conversa, mas ela sentiu que havia um propósito
para sua pergunta. O grupo de quatro se juntou e se separou.
— Eles formam um casal adorável e as duas famílias estão
satisfeitas. Nossa opinião é importante, meu senhor? — Ela arriscou
uma olhada em seu parceiro de dança muito masculino, enquanto ele
se movia ao redor dela. Em uma inspeção minuciosa, ela percebeu que
os irmãos não eram idênticos como pareceram na primeira vez que os
viu. É verdade que suas características eram as mesmas, mas seus
semblantes eram totalmente diferentes. Nenhuma expressão
irreverente e extravagante jamais encantaria o rosto desse homem. Ela
duvidava que um oficial militar tão orgulhoso fosse exagerar em
qualquer coisa, muito menos perder a paciência. Controle emanava
dele.
— Não, eu suponho que não, mas foi a minha tentativa fraca de
conversar, com a segunda mulher mais adorável na festa de
casamento.
Levou um momento para que suas palavras alcançassem seu
cérebro quando se viraram e se juntaram a um novo grupo de
dançarinos. Eles se separaram novamente e quando voltou para ele,
ele estava sorrindo. Sua respiração acelerou quando ele a girou ao
redor.
— Você me provoca, senhor. Não é galante de você.
— Eu não provoco, Lady Grace. Não é da minha natureza. — Ele
abriu a boca como se quisesse expandir sua natureza e depois parou.
Outro giro e ele começou novamente, o sorriso desapareceu. — Você
está gostando da sua estadia?
— Eu não vim por prazer. Ou seja, eu só vim para dar o meu apoio
e ajudar minha prima com o casamento. Ela não tem irmãos, como
você sabe. — As mulheres se moviam em torno dos homens e voltavam
para seus parceiros. — E ela queria alguém próximo de sua idade
durante os preparativos. — Os casais se juntaram e voltaram.
— Você vai ficar em Londres por muito tempo?
— Não, minha mãe morreu há vários anos e sou necessária na
propriedade de meu pai. Meu irmão tem apenas quatro anos e...
Eles se separaram e se movimentaram em torno do casal oposto.
Quando eles estavam lado a lado, ele continuou de onde eles pararam.
— Você sente a falta dele.
Grace acenou com a cabeça quando ele a girou novamente,
surpresa com a sua compreensão.
— Eu nunca o deixei antes. Nunca passei uma noite longe dele.
Suponho que é como uma mãe se sente a primeira vez, quando ela
deixa seus filhos.
Ele a girou e se aproximou.
— Você gosta do seu papel como Lady Boldon?
Sua curiosidade a fez sorrir e deixá-la à vontade.
— Sim, eu prefiro ficar ocupada e ativa. — Ela circulou em torno
dele. — Há muito o que fazer nas propriedades de Boldon.
— Uma mulher estimulada pelo conhecimento. Adorável e
inteligente, uma combinação rara. — Ele deu um passo gracioso ao
redor dela e da outra mulher no espaço.
— E está gostando do seu descanso da guerra, agora que
Bonaparte está exilado em Elba? — Grace ouviu falar da destemida
reputação do Tenente Coronel no campo de batalha. — Você sente falta
da emoção?
— Não, o combate não é um passatempo agradável para mim.
Sinto falta do regimento e dos meus homens, no entanto. — Ele virou-
a e eles voltaram para o próximo grupo.
— Então você retornará aos seus deveres?
— O mais cedo possível. É minha escolha de carreira estimada.
Eu aprecio a organização e a lógica das forças armadas. Somos de uma
mente semelhante. — Ele riu enquanto os casais se reuniam. —
Londres e sua sociedade me entediam. Eu também gosto de ser ativo.
— Nós temos algo em comum.
— Eu prefiro um mundo com ordem, um protocolo a seguir. Talvez
eu seja um cético que tenha visto muito do mundo. — Ele olhou para
ela com os olhos da cor de chocolate que sua mãe costumava beber.
Eles se encontraram e se separaram novamente. Um ligeiro sorriso
apareceu em seus lábios, e ela se sentiu despida, como se ele estivesse
olhando para sua alma e gostava do que via.
— Talvez você também seja uma combinação rara de beleza e
honestidade. — Seu juízo retornou e ela se encontrou apreciando sua
companhia. A música chegou ao fim e ele se curvou.
— Lady Grace, posso ser franco?
— Desde que nos conhecemos tão bem. — Ela respondeu com um
sorriso, estudando-o debaixo de seus cílios. Ele havia despertado o
interesse dela. — Por favor, fale o que pensa.
— Meu irmão tem suas falhas. Ele bebe demais, joga, mas não
muito atualmente, e nunca leva a culpa por uma catástrofe, grande ou
pequena, independentemente de sua participação nela. No entanto, ele
não tem um osso rancoroso em seu corpo e nunca - Nunca - causa
dano a uma Lady. — Ele fez uma pausa e continuou com um leve aceno
de cabeça. — Eu pensei que você gostaria de saber.
O sol penetrava através de uma janela, os raios brilhantes
incendiando seu uniforme vermelho e fazendo as faixas de ouro
brilharem na frente. Seu coração agitou quando ela percebeu seu
significado. Ele sabia. Ele sabia sobre seu tio e queria oferecer alguma
segurança, algum tipo de conforto para Eliza no dia de seu casamento.
Lágrimas arderam a parte detrás de seus olhos, e ela piscou
rapidamente antes de encontrar seu olhar novamente.
— Obrigada, — Ela sussurrou, ouvindo a esperança em sua voz.
— Estou muito feliz em saber disso.
— Que você tenha uma jornada segura e rápida para casa. Foi
realmente um prazer, Lady Grace.
Ele sorriu para ela. Um sorriso deslumbrante, mas sincero,
mostrando dentes brancos perfeitos que faziam sua pele bronzeada
parecer ainda mais escura. Ela estremeceu, não tendo certeza se era
pelo calor que ondulava sobre sua pele ou pelos pensamentos
impróprios que inundavam sua cabeça.
— Sim, de fato, meu senhor. Que nos encontremos de novo algum
dia. — E, enquanto o Tenente Coronel Roker se afastava, seu passo
poderoso exigindo atenção, ela esperava que se encontrassem.
CAPÍTULO 02
“Raramente, muito raramente, a verdade completa pertence a
qualquer revelação humana, raramente pode acontecer algo que não
seja um pouco disfarçado ou um pouco enganado...”
Jane Austen, Emma

Final de março de 1815


Boldon Estate, norte da Inglaterra

O som de cascos distraiu Grace, enquanto ela recolhia um buquê


de aquilégia 4 rosa, narcisos amarelos e açafrão 5 da neve. Os lilases
roxos e brancos logo floresceriam e encheriam o ar com o delicioso e
doce aroma da primavera. Ela pegou o xale de renda em volta do
pescoço, agarrou a saia de algodão e correu em direção aos degraus do
terraço. A luz do sol inclinava-se sobre a pedra cinzenta de Boldon,
projetando sombras nas costas da elegante casa de campo. A mansão
pairava acima dela, impondo sua harmonia e tamanho precisos. A
sombra suavizando os contornos coloridos das janelas fixados em
quadrados alinhadas com a alvenaria. Passando pelos jardins, ela fez
uma nota mental para adicionar várias ervas para os lotes da cozinha
deste ano. Ela sorriu e soprou um cacho que escapou de seu chapéu.
Esses meses antes do verão eram os favoritos dela, pedaços de botões
de vegetação, o cheiro de amarílis6 pesado no ar, petúnias empurrando

4 Aquilégia é uma planta herbácea, perene, florífera e de aspecto delicado e gracioso.


5 Açafrões da neve são apropriadamente chamados, já que são as primeiras flores da primavera. Plantas de
açafrão podem ser encontradas florescendo, enquanto a neve ainda está no chão
6 Amarílis planta bulbosa, notável por suas flores grandes, de cor vermelha brilhante, que exalam perfume
suave; também chamada açucena-formosa.
para cima através da terra. Nova vida, novos começos. E ela estava
esperando por ambos, ou pelo menos um alívio, depois que ela teve
uma conversa com o pai esta tarde. O pensamento de estar presa em
Londres, quando Boldon era tão bonito nesta época do ano...
Um cavalo e um cavaleiro galoparam pelo portão. Nenhum casaco
ou capa grande ondulou atrás dele na brisa, então ela assumiu que era
um morador da aldeia. Talvez haja correspondência de Eliza. Se o
visitante não fosse o rapaz da correspondência, ela poderia se trocar
rapidamente. O algodão gasto era mais apropriado para as relvas
matinais do que para os visitantes. Não que alguém de status chegasse
sem ser anunciado tão cedo. Achava divertido que as chamadas
matutinas durassem até o jantar, quando o sol da tarde já se inclinava
para o oeste. Sempre madrugadora, Grace considerava que metade do
dia se passava quando a sociedade londrina tomava seu café da manhã
às dez.
Ao entrar no salão principal, Samuel desceu pelo corrimão do
segundo andar.
— Woohoo, olha para mim. — Exclamou a criança de cinco anos
de idade. Ele sem cerimônia pulou no tapete e olhou para a irmã com
um sorriso e um brilho travesso em seus olhos castanhos dourados. —
Sra. Woolley encontrou a melhor cera. Eu devo agradecer a ela.
— Samuel, eu pedi a você mil vezes para parar com isso. E se você
cair? Papai ficaria arrasado.
— E você choraria até que esta mansão flutuasse para longe,
Grace. Você me ama mais do que a própria vida. Você diz isso o tempo
todo. — Ele puxou a calças de volta sobre os joelhos, e se moveu para
dar lugar a Grace no terceira degrau da escada.
— Sim, eu realmente choraria um rio se eu perdesse meu doce
irmão. — Ela empurrou uma mecha suave de cabelo avermelhado para
longe de seus olhos e beijou o topo de sua cabeça. Ele era uma réplica
de seu pai. — Mas isso não significa que você pode correr solto pela
propriedade e causar estragos em seu rastro.
— Como consegui criar crianças tão dramáticas? — Riu Lorde
Boldon. Encostou-se ao batente da porta da biblioteca apenas de colete
e de calça, observando sua descendência. — Diga-me tal teatralidade
foi herdado de sua mãe.
— Papai, bisbilhotar é falta de educação. — Repreendeu Grace,
indignada.
— Um homem não bisbilhota na sua própria casa. Tudo o que
acontece sob este teto é da minha conta. — Ele cruzou os braços sobre
o peito como se quisesse dirigir a casa. — Eu odeio interromper esse
momento tocante entre irmão e irmã, mas precisamos terminar nossa
discussão, Gracie. Meus planos mudaram esta tarde e preciso ir para
a aldeia.
Ela mordeu o lábio, seu tom severo dando-lhe uma pausa. Mas
sua solução era lógica e melhor para todos, então ele deve concordar.
Pelo menos, ganharia um pouco de tempo para ela.
— Sim, papai. Deixe-me dar instruções para a Sra. Woolley no
jantar desta noite, e já estou indo.
— Dez minutos. Eu não vou desistir de novo.
Ela deu um suspiro silencioso. Seu pai seria inflexível sobre ela
sair. Se ele apenas a ouvisse, o compromisso seria melhor para todos
eles. Por que a vida era tão complicada? Por que ele acreditava que um
marido a faria mais feliz do que ela já era?
— O mensageiro chegou enquanto eu estava andando? — Ela
entregou as flores para a governanta, que apareceu por trás das
escadas. — Por favor, se certifique de que o Senhor Samuel pelo menos
consuma um ovo no café da manhã. Ele não pode sobreviver com as
minhocas que ele tentou comer ontem.
— Se você estivesse perdida na floresta e não tivesse comido em
dias, teria prazer em experimentar uma minhoca. — Ele cruzou os
braços, a imagem cuspida de seu pai, e olhou para ela. — As meninas
não entendem de aventuras e sobrevivência.
— Papai, podemos precisar de um novo professor. Não tenho
certeza se gosto dessa atitude primitiva. — Ela franziu a testa enquanto
os ombros do pai tremiam um pouco, e Samuel escondeu o rosto. — O
quê? O que é tão divertido?
— Realmente, minha querida moça, você não pode culpar o Sr.
Chenwick. — Ele riu agora, limpando o canto de um olho. — Você
realmente acha que Samuel iria comer uma minhoca?
— Eu te enganei! Eu só fingi comer. — Gritou Samuel, jogando os
braços ao redor de sua cintura. — Papai está me levando para pescar
ao anoitecer, sua tonta. É quando o peixe da lagoa morde a isca melhor.
São para os peixes comerem, não eu!
Grace e a Sra. Woolley trocaram um olhar exasperado e
balançaram a cabeça.
— Bem, estou muito aliviada em ouvir isso. Agora vá. Sem artes,
sem pesca. Você entendeu?
— Sim, senhora. — Ele pulou pelo corredor e virou à esquerda
para a sala de jantar. Sua voz estridente fez Grace sorrir, enquanto ela
instruía a governanta sobre que tipo de geleia deveria estar em seu
biscoito.
Um homem Beaumont contente, falta um, pensou Grace enquanto
seguia o pai para a biblioteca. Ele entregou-lhe uma carta, letra clara
de Eliza do lado de fora.
— Oh, eu espero que haja boas notícias.
— Como um herdeiro?
Grace sentiu o calor subir em suas bochechas.
— Sim, papai. Já faz quase um ano desde que eles se casaram.
Ela orou e orou por um filho.
— É preciso mais do que a oração para produzir um herdeiro. —
Lorde Boldon passou a mão pelo rosto. — Me desculpe, filha. Temo que
estas longas crises no país, me fazem esquecer minhas maneiras. Mas
então, você se parece muito com sua mãe. E nunca houve nada que
não pudéssemos dizer um ao outro em privado.
A tristeza em seus olhos não diminuía sempre que ele falava de
sua falecida esposa. Houve muitos dias sombrios após sua morte.
Grace tinha assumido as responsabilidades da casa e lidado com sua
dor, bem como com os criados domésticos. Seu pai havia afundado na
escuridão, recolhido em seus aposentos, recusando-se a ver alguém,
exceto os seus filhos. Ele segurou seu filho recém-nascido, chorou pela
perda de sua amada esposa, se queixou da injustiça de um Deus que
levou ela embora. Quando suas lágrimas encharcaram o cobertor,
Grace pegou o bebê e persuadiu o seu pai a comer um bocado ou dois.
Demorou semanas para persuadi-lo a sair de sua caverna de luto. Uma
vez fora, seu otimismo inerente retornou, e a roda da vida começou a
girar lentamente mais uma vez. Seu sorriso veio mais fácil, seguido pelo
riso. Aquele único som tinha sido o bálsamo que ela precisava para se
curar.
Lady Boldon sabia que eles se apoiariam fortemente um no outro.
Nos últimos cinco anos, pai e filha tinham crescido tão perto, que
podiam compartilhar quase tudo. Eles haviam se tornado confidentes
de certa forma, tentando preencher o vazio de esposa e mãe um do
outro de alguma maneira. Grace, no entanto, teve mais sucesso em
assumir um papel materno do que seu pai, seguindo a fina linha de
afeto e disciplina com Samuel. Nem sempre era fácil dizer não a ele,
mas era necessário. Ela tinha visto os resultados de herdeiros
excessivamente indulgentes em Londres. Arrogante, desatencioso e
egoísta. Sua prima Eliza foi forçada a se casar com um desses homens.
Samuel se tornaria um homem gentil e generoso, e ela se sacrificaria.
Uma imagem de si mesma como uma velha Lady de cabelos brancos,
sacudindo o dedo severo, brilhou em sua mente. Isso a fez sorrir.
— O que você acha divertido? — A pergunta de seu pai a trouxe
de volta ao atual dilema.
— Que você causou tudo isso sozinho, papai. Sou o que você me
moldou para ser, orgulhosa e independente. — Seu queixo subiu, seus
ombros endureceram. — Você me permitiu muita liberdade, como se
eu fosse a Lady da casa. Talvez estivesse mais ansiosa por um marido,
se não tivesse provado essa liberdade.
— Não coloque a culpa em mim. O ardil da culpa funcionou nas
duas primeiras temporadas, e eu não vou ouvir mais sobre isso. Já
estamos atrasados para Londres. — Sentou-se na beira da imensa
escrivaninha de carvalho e indicou a cadeira à sua frente. — Sente-se
por favor, então você não pode escapar tão facilmente. Nós devemos
olhar para o futuro. O que vai acontecer com você quando Samuel
atingir a maioridade e se casar? Este arranjo está bem por enquanto,
mas sua esposa acabará sendo a Lady Boldon. Onde isso vai te deixar?
Não consigo imaginar minha filha linda e inteligente uma solteirona
vivendo na ala oeste.
Ela sentou-se com um bufar e uma cara feia.
— Eu tenho um plano.
— Claro que sim, minha querida. — Ele olhou para ela com
expectativa. — Diga por favor, o que é que você está planejando agora?
Ela tentou parecer indignada, mas o sorriso não seria contido. Ele
a conhecia muito bem.
— A última carta de Eliza, nos convidou para o Castelo de
Falsbury neste verão, antes de seguirem para Brighton. Ou eles
estavam indo para Sanditon este ano? Eu pensei que talvez em vez de
uma temporada naquela cidade horrenda, pudéssemos passar um mês
ou mais no campo. A sogra de Eliza, Lady Falsbury, é conhecida por
suas reuniões sociais lá. Todo mundo que é alguém, espera por um
convite da Marquesa.
Lorde Boldon abriu a boca para argumentar, mas ela enrolou os
dedos ao redor da mão dele.
— Acredito que encontrarei tantos solteiros elegíveis quanto
gostaria no Hyde Park ou no Almack's. — Esta última frase foi dita com
o nariz enrugado. — Eu odeio multidões, e os eventos sociais no campo
são muito mais fácil de enfrentar. Por favor, papai?
Seu pai tamborilou os dedos sobre a mesa enquanto estudava o
tapete turco sob as botas polidas.
— Então o argumento não é mais casamento, mas o procedimento
de encontrar um marido?
Grace mordeu o lábio e assentiu uma vez. Uma pequena e
minúscula parte de culpa se alojou em sua garganta pela mentira.
— Você prometeu que não iria me forçar ao casamento. E eu
realmente acredito que aqueles cavalheiros extravagantes e com
babados que conheci na última vez em que estivemos em Londres
nunca seriam adequados para mim. — Ela olhou para o pai através dos
grossos cílios escuros. — Eu preciso encontrar um homem que seja
prático, uma excelente pessoa. Um homem como você, papai.
Seu peito se expandiu ligeiramente, um sorriso iluminando seu
rosto.
— Bem, isso pode ser uma tarefa difícil. Mas, sim. Você não
precisa de um dândi para um marido. Eu concordo bastante. Vamos
procurar alguém que não se importe de enrolar as mangas da camisa
e tenha mais do que um interesse passageiro no funcionamento de
suas propriedades.
— Nós? — A inquietação cutucou sua confiança.
— Gracie, eu te amo com todo meu coração. Mas se eu não tomar
um papel ativo nessa busca, estarei morto e enterrado antes que seus
proclamas sejam lidos. Agora, vou concordar com a visita de verão sob
uma condição.
O mesmo mal-estar, agora ficava sem ar em seus pulmões e
apertava.
— Sim?
— Se não encontrarmos um candidato no Falsbury Castle, você
irá para Londres e ficará com os amigos em setembro. Combinado?
Ela se concentrou nos redemoinhos de ouro no padrão do tapete,
sua mente correndo. Se ela pudesse convencer o pai que alguém
despertou seu interesse, Londres poderia ser evitada. Grace colocaria
sua mente para trabalhar assim que chegassem e encontraria um
homem que parecia se encaixar na lista. O resto viria para ela, ela tinha
certeza.
— Claro, papai, — Ela concordou com um sorriso deslumbrante.
— Sua benevolência é mais do que eu mereço.
Deixe-o pensar que ele ganhou. Levantando-se com a compostura
modelada por sua mãe, ela beijou o seu pai na bochecha e foi até a
porta. Assim que ela passou a porta, suas palavras a atingiram na parte
detrás da sua cabeça.
— Eu sei que sua mãe sempre achou que seus encantos femininos
me enganavam. Mas cuidado, filha, eu tenho estratégias próprias.
CAPÍTULO 03
Acredite em mim, nada, exceto uma batalha perdida, pode ser tão
melancólico quanto uma batalha vencida.
O Duque de Wellington, carta do campo de Waterloo.

17 de junho de 1815
Monte St. Jean, perto de Waterloo

Kit deixou o lento gotejar, pingar para acalmá-lo, quando uma


poça se formou perto de sua cabeça. O sono era sua prioridade máxima
hoje, mesmo quando os planos de batalha enchiam seu cérebro. A
chuva continuou seu tamborilar contra as paredes da tenda. Um fino
brilho de umidade penetrava no material áspero. Ele rolou para o lado,
sua cama em casa, mais uma vez um bem precioso em comparação
com o colchão encaroçado que fornecia escassa proteção do chão frio e
úmido. A palha velha e o mofo logo seriam substituídos pelo cheiro doce
doentio de sangue.
Eles lutariam contra os franceses amanhã. Novamente. Homens
morreriam. Ele estaria entre eles? Foi essa a causa de sua ansiedade?
O medo nunca o afligira antes de uma batalha. Agora um Coronel com
anos de experiência, envolvendo o inimigo ainda trazia pensamentos de
mortalidade, mas nunca esse pressentimento sinistro. Dedos de medo
arranharam sua espinha, o nó em sua barriga se apertou.
Bonaparte havia escapado de Elba e retornado para Paris. À
medida que o novo exército francês se multiplicava, o britânico
Marshall, o Duque de Wellington, ordenou que as tropas voltassem
para a Bélgica. Enquanto esperavam em Bruxelas, a adorável Duquesa
de Richmond pediu ao marido que apresentasse um baile como uma
distração do conflito que se aproximava. Wellington concordou que
seria bom para a disposição de ânimo, e os oficiais participaram
alegremente. O evento foi um sucesso até que um mensageiro trouxe
notícias de que os franceses haviam cruzado a fronteira e estavam indo
para Bruxelas. Kit ouvira o duque perguntar a seu anfitrião por um
bom mapa e sabia que a noite não terminaria bem.
O pandemônio se seguiu quando as ordens foram dadas para
todos os oficiais, se juntarem ao seu regimento e estarem preparados
para marchar às três da manhã. As mulheres lamentavam enquanto
maridos, pais e filhos tentavam acalmá-las. Homens mais jovens
tagarelavam de excitação com ardor militar, ordens foram gritadas
acima do alvoroço. O romance passou de uma dança deliciosa para um
estado de caos absoluto. Kit fez uma careta, lembrando-se das esposas
e amantes corajosas que acompanhavam seus amados. Eles não
perceberam? Canhão e fogo de mosquete não discriminavam entre
homem e mulher.
Então outra emoção estranha tomou conta dele. Alguém o amaria
tanto? Ele se concentrou mais uma vez na chuva e foi para o sono, mas
seus sonhos se recusaram a deixá-lo descansar.
A fumaça flutuava em torno de seus tornozelos, vislumbres de
vermelho aparecendo nas mechas cinzentas, em seguida,
desaparecendo. A forte sucção de botas puxando da sujeira criava um
ritmo sinistro no ambiente nebuloso. Gritos perfuravam o ar com tanta
frequência quanto fogo de mosquete, e gemidos subiam do chão
lamacento. O relincho de um cavalo. Comandos grosseiros latiram da
sela.
Ele olhou para o movimento na frente dele. Um soldado francês
correu para a frente, a baioneta apontada para a barriga de Kit. Ele se
esquivou, sentindo falta do impulso, e trouxe as costas do rifle para baixo
na cabeça do homem antes de passá-lo pelas costas. Mais dois
surgiram. Ele colocou uma bala na cabeça de um homem e cortou a
garganta do outro com o sabre. Arquejando, ele procurou por seus
homens e descobriu que estava sozinho.
Um cavalo branco apareceu acima dele, erguendo-se em sua
poderosa traseira. Um grito estridente soou, seguido por um baque surdo
quando seus cascos dianteiros desceram e cavaram no lodo, enviando
um jato de sujeira pela pele de Kit. Como ele limpou com a manga do
casaco, ficou vermelho, em seguida, pingou sobre as faixas de ouro de
seu uniforme. Ele esfregou furiosamente com os dedos enluvados, mas
a cor só se aprofundou em um escarlate e, em seguida, despejou sobre
suas botas pretas.
— Está vindo de mim, — Uma voz familiar gritou por cima do
barulho, um sorriso no rosto. — Desculpe pela bagunça.
Ele olhou para cima e viu seu próprio rosto olhando para ele. O
sangue jorrou do peito do soldado. Sua cabeça estava em um ângulo
estranho e balançou quando o cavalo se empinou. Kit estendeu a mão
para ajudar o seu irmão a sair do cavalo.
— É tarde demais para mim. É a sua vez agora, — Veio a voz
novamente, tristeza agora entrelaçando seu tom. — Sempre deveria ter
sido, você sabe.
Agarrando a bota do homem, ele tentou novamente puxar o soldado
para baixo. Em vez disso, uma bota chutou na cara dele e o mandou
para trás. A dor quente rasgou suas costas e irradiou até o pescoço
quando ele bateu no chão. A enorme fera, agora sem cavaleiro, voltou a
se levantar, enchendo seu rosto de lama.
— Não! Não! Deixe-me ajudá-lo, — Kit implorou quando ele cuspiu
lama de sua boca, braços batendo contra o lodo molhado espalhando
sobre sua cabeça. — Por favor…
Kit gritou, seus braços se debatendo no ar. Seu rosto se encolheu
em uma gota de água que caiu em sua bochecha. Lutando para puxar
o ar para os pulmões, sua mente procurou o pensamento racional. Ele
esfregou atrás do pescoço dolorido, esticou os músculos duros e olhou
para a mancha escura acima dele. A chuva percorreu um pedaço da
tenda acima de sua cabeça. As gotas de sangue, ele pensou enquanto
limpava o suor frio de seu rosto. Ele odiava pesadelos.
Uma luz fraca se filtrou através de uma fresta na abertura da
tenda. Estava quase amanhecendo. Vozes abafadas e o barulho do
metal anunciavam um novo dia.
— Coronel Roker, senhor? — Uma sombra apareceu no outro lado
da aba. — Eu tenho uma mensagem de Bruxelas.
— Sim, entre. — Ele limpou a garganta da perturbação que havia
se alojado durante a noite. Com um suspiro pesado, Kit puxou as botas
de couro e se levantou. Seus ombros latejavam como se ele tivesse sido
jogado do garanhão em seu sonho. Um calafrio passou por ele, imagens
surreais piscando em sua mente novamente. O mesmo pressentimento
da noite anterior voltou junto com o nó em seu estômago. Talvez seja a
idade. Ele e Carson haviam comemorado trinta e dois anos em seu
último aniversário. Agora, aqueles anos pareciam pesar sobre ele.
— Os franceses derrotaram os Prussianos em Ligny, meu senhor.
Mas o Marechal do campo reuniu as tropas restantes e está marchando
enquanto falamos. — O soldado permaneceu ereto, esperando por uma
resposta ou ordens.
— À vontade. — Kit estendeu a mão para as ordens. Quebrando o
selo, ele desdobrou o pergaminho grosso.
Scouts relata que Bonaparte não inspecionou as tropas ou esteve
em campo hoje. Possivelmente devido ao mau tempo. Melhor posição
para canhão. Se o atraso continuar, Von Blücher pode ter tempo
suficiente para nos alcançar em Ligny. Recolha suas tropas e esteja
pronto.
— Espalhe a notícia para montar, capitão. Eu ouvi as mulheres
mais cedo. Certifique-se de obter algumas selas e ale 7 . Nós
precisaremos de nossa força hoje para colocar este demônio em seu
lugar.
— Sim, senhor. — Com uma saudação e leve reverência, o soldado
saiu da tenda.
Kit se vestiu lentamente, seus pensamentos inteiramente sobre os
homens em seu regimento. O sonho desapareceu de sua consciência,
substituído pelo dever e a responsabilidade de centenas de homens sob
seu comando. Ele rezou para que a maioria deles ficasse de pé no final
do dia, mas duvidava disso.
Os corpos estavam mutilados e curvados. Não havia uma clareira
grande o suficiente para uma tenda médica sem remover cadáveres do
campo. Kit não podia começar a contar os caídos. Mas os aliados
saíram vitoriosos. Waterloo havia sido o fim de Napoleão Bonaparte.
Grande alívio.
Um sargento afugentou uma das mulheres locais, golpeando o
dedo de um homem morto por seu anel. Os espólios eram parte do
incentivo do lado vencedor, além do prêmio em dinheiro da coroa ser
considerável. Kit deve receber pelo menos 400 libras. Mais aldeões se
curvaram sobre os mortos com alicates, puxando os dentes. Estes eram
vendidos para fazer dentaduras e geraram um bom lucro para quem
tem estômago para o trabalho. Kit estremeceu com o ar quente da noite.

7
Ale: um tipo de cerveja de alta fermentação.
A vida era difícil para muitos desses camponeses, e ele não era alguém
para julgar. Sabia que estavam acostumados ao sofrimento. Mas ele
sabia de uma coisa com certeza. Esta seria a última guerra de
Christopher Roker.
Casa. A palavra estava tocando em sua cabeça desde o primeiro
grito de guerra. Ele voltaria para Londres em menos de um mês. O rosto
carrancudo de seu pai e a imagem pairando de sua mãe de repente
pareciam um cobertor quentinho que ele queria envolver em torno de
si e descongelar o gelo que enchia seus ossos no meio de junho.
Normalidade, é o que sua alma ansiava. Acordar e não ter vidas na
balança. Para vigiar seu irmão e repreendê-lo quando ele ficasse
endividado ou apostasse demais. Para que sua decisão mais difícil do
dia fosse entre um passeio no Hyde Park ou uma luta de boxe no
Jackson's.
Bom Deus, que confusão sentimental encheu sua cabeça nas
últimas horas. Em seguida, ele estaria em uma cadeira de balanço com
um cobertor aquecendo seus joelhos.
Um dia depois, um mensageiro chegou de Londres enquanto se
preparava para sair de Bruxelas. Ele havia conseguido acomodações
em um hotel e acabara de tomar o café da manhã. Quando Kit viu o
selo do Marquês de Falsbury e a caligrafia de seu pai no envelope, seu
estômago se apertou. Sua família não escrevia socialmente. Algo estava
errado e o pesadelo que ele tivera pouco antes de Waterloo passou por
sua mente. Ele amaldiçoou e seus dedos quebraram a cera.
17 de junho de 1805
Caro Christopher

Sua mãe está muito perturbada para compor uma carta, então a
tarefa cai para mim. Carson teve um terrível acidente na noite passada.
Parece que ele estava em seu estado habitual depois dos clubes, e
decidiu correr em nosso garanhão mais rápido ao amanhecer. A besta
tropeçou e C. caiu para a morte. Seu pescoço estava quebrado. Eu não
acho que ele sofreu. Minha única bênção neste tempo sombrio.
Você deve voltar para casa imediatamente. Eu entendo que você foi
brilhante contra os franceses e espero que você tenha se fartado da vida
militar. Você é agora o Conde de Sunderland e herdeiro de Falsbury. Eu
preciso desesperadamente de sua ajuda com as duas mulheres
histéricas em minhas mãos. Se apresse. É um dia maldito quando um
homem tem que enterrar o seu filho.

Falsbury
Seus pulmões congelaram. Seus membros viraram chumbo. Ele
não conseguia tirar os dedos do papel ou os olhos da tinta. As palavras
nadaram diante dele.
— Você está bem, meu senhor? — Perguntou o mensageiro. —
Devo responder ao marquês.
O ar finalmente penetrou no peito de Kit, e ele respirou fundo,
depois soltou o ar lentamente. Seu treinamento militar seria
extremamente necessário agora.
— Vá até o pub e me traga uma garrafa de seu melhor conhaque.
Eu terei uma resposta quando você voltar. — Ele jogou uma moeda
para o homem e esperou a porta se fechar. Com uma reserva que ele
não sabia que possuía, Kit caminhou lentamente até a escrivaninha,
sentou-se e abriu o frasco de tinta. Escreva a carta, e então eu vá beber
até ficar entorpecido. Queixo para cima. Queixo para cima.
Ele compôs uma nota curta, contando ao pai o choque e a
preocupação com a família e que partiria imediatamente. Quando o
mensageiro retornou, Kit trocou a carta pela garrafa e ofereceu ao
homem um bom dia. Ele tirou o uniforme e trocou por roupas civis,
deixando a camisa de linho aberta e botas. Então ele esperou a
escuridão descer.
— Carson, este é por sua liberdade. — O líquido âmbar escaldou
sua garganta, e ele deu boas-vindas a ela. — E este por estar finalmente
conseguindo o seu caminho. — O próximo copo não queimava tanto,
então ele mediu um terceiro. — Você finalmente ganhou sua batalha,
irmão mais velho.
Sua determinação diminuiu e ele afundou em uma cadeira em
frente à janela. Uma carruagem passou, as pessoas corriam pela rua,
um cachorro latia para um cavalo nervoso. A dor estava aumentando.
Tinha começado em seu estômago e agora subiu para sua garganta,
expandindo e tornando difícil engolir. Sua mandíbula se apertou,
tentando empurrar a dor de volta para baixo. Mas a miséria não seria
ignorada. Entrou em sua cabeça, uma batida que forçou seus olhos a
fechar. Cegamente, ele tomou outro copo do conhaque.
— Trabalhe, maldição. Ainda posso sentir. — A ardência por trás
de suas pálpebras provocou mais xingamentos. — Por quê? Por quê?
— Uma lágrima escapou, deixando-o furioso.
Ele jogou o copo do outro lado da sala com toda a fúria da semana
passada. O cálice bateu na lareira e se quebrou em pequenos pedaços
como a sua compostura. Raios de luz entravam pelas janelas, as lascas
de cristal piscavam e cintilavam no tapete verde-escuro. Kit olhou
acusadoramente para o dia claro, como se o sol não tivesse o direito de
brilhar.
Conversas sussurradas em seu ouvido. Planos para mudar de
lugar, mudar de função. Você é o Conde. Ninguém jamais saberá. Você
é muito mais adequado para um título. E se eles tivessem ido em frente?
Carson ainda estaria vivo? Ou ele teria se juntado ao exército e se
matado? Ele poderia ter tentado o regimento. Kit bufou, lembrando-se
do seu irmão especialista em disparates. Sim, um mediador lhe seria
apropriado. A raiva ressurgiu.
— Pelo sangue dos diabos, como vou viver sem a minha outra
metade? Você pode me dizer isso, seu bastardo egoísta? — Ele pegou a
garrafa e tomou um longo gole, em seguida, riu sem alegria.
— Você achou que eu era o mais forte. Sempre aquele que te
resgata de problemas, suaviza as coisas com o nosso pai. — Sua voz
falhou. — Bem, eu estou fora de mim agora.
O decantador caiu de seus dedos com um baque surdo, o líquido
dourado, penetrando no tapete enquanto a alma vazava de seu irmão.
O pesadelo foi com Carson, tentando explicar o que havia acontecido.
Seu irmão engraçado, doce e imprudente, cuidando dele de maneira
inepta.
Kit segurou seu peito, a ferida em seu coração. Os gêmeos eram
conhecidos por terem um vínculo misterioso e eles não eram diferentes.
Uma parte dele estava morta junto com seu irmão. Era uma tristeza
que ele sabia que nunca iria deixá-lo. Então ele aceitou a dor e a deixou
lavar seu corpo.
— Maldito seja você, Carson. Maldito.
CAPÍTULO 04
Mas o orvalho da noite que cai, e em silêncio, chora,
Deve iluminar com verdura a sepultura onde dorme
E a lágrima que derramou, embora em segredo rola,
Por muito tempo manterá sua memória verde em nossas almas.
Thomas Moore, Oh, não respire seu nome

Junho de 1815
Boldon Estate, fora de Londres

Foi a tarde perfeita para um funeral. O clima e seu humor haviam


cooperado lindamente. Kit finalmente alcançara a dormência que
desejara e não pretendia abandonar aquele estado em particular no
futuro próximo. Ele estudou a pequena igreja onde passara tantos
domingos quando criança, tentando sentar-se em silêncio durante uma
cerimônia religiosa sem fim. Carson, nunca foi bom em ficar sentado,
muito menos em silêncio, sempre conseguiu algum tipo de travessura.
Um domingo, Kit se lembrou do som peculiar de arranhar enquanto o
novo diácono tagarelava nervosamente sobre os vícios do jogo a cavalo.
A dor de garganta do velho vigário havia piorado naquela manhã, e o
recentemente jovem determinado recebera o sermão no último
momento e impulsionado no púlpito.
Carson aproveitou a situação e pegou uma pequena lâmina de
entalhe. Lady Falsbury tinha começado a sentar na segunda fileira, em
vez da primeira, para que ela pudesse beliscar seu filho mais velho
quando necessário. Mas ele espertamente pulou sobre Kit ao mesmo
tempo em que o pobre vigário começou a falar. Com o banco na frente
dele, escondendo as mãos, Carson sorriu e continuou seu talhar.
Nenhuma quantidade de cotovelada sutil de seu irmão ou olhares de
advertência de sua mãe impediram a sua missão.
— O que é que isso quer dizer? — Perguntou a Carson antes que
a mãe subisse na carruagem. — Você está tentando me colocar em
apuros junto com você?
— Eles nunca culpariam você. Sempre sou eu, quer tenha ou não
tenha feito. — Seu irmão soou indignado. Não, melancólico. Foi uma
das poucas conversas sérias que Kit pôde lembrar. — Foi por Deus. Eu
queria lembrá-lo que somos da mesma carne. Então, quando ele tiver
piedade de você, ele poupará um pouco de mim. Nossos pais nunca nos
ouvem, então talvez Deus queira.
O polegar de Kit agora passava pelas letras C-A-R-K-I-T quando
ele se sentou novamente no segundo banco, a lembrança torcendo a
boca em um sorriso triste. Espero que você tenha recebido ambas as
nossas ações de misericórdia, ele pensou. As lágrimas e o fungar da
mãe e da cunhada acompanhavam o zumbido do vigário, que regalava
o pequeno grupo sobre as maravilhosas qualidades do falecido. Quão
divertido Carson ficaria em toda a confusão em sua honra. Depois do
culto, Lorde Falsbury ajudou a esposa a entrar na carruagem. Lady
Eliza, numa súbita demonstração de desafio, insistiu em ir ao túmulo
do marido.
— Tivemos pouco tempo juntos. Eu não estou pronta para deixá-
lo ainda. — Sua cabeça se levantou e seu queixo virou, fazendo o véu
negro tremer em volta do pescoço. Ela realmente era uma criatura
comovente. Tão frágil e magra. Seu rosto em forma de coração estava
pálido, e os círculos escuros sob seus olhos não estavam escondidos
pelo puro tecido negro. Que tipo de relacionamento ela tinha
compartilhado com o irmão dele? Ele duvidava que Carson tivesse
amado a mulher. No entanto, as lágrimas e tristeza eram genuínas.
Seus olhos se voltaram para o céu. Ela tocou seu coração, irmão? É
reconfortante saber que uma mulher chora por você?
Ele praguejou e alguma coisa golpeou a parte detrás de sua
cabeça. É claro que Carson ficaria satisfeito se alguém derramasse
lágrimas em seu funeral. Ele cobriu sua risada com uma tosse e seguiu
o grupo esparso até o mausoléu. Kit tocando com os dedos o pequeno
“W” de ouro na lapela enquanto o vigário entoava outra oração. Lady
Eliza deu o pequeno alfinete para ele.
— Isso estava em seu casaco favorito. O que ele sempre usava com
seus amigos. Às vezes eu vi em sua gravata. Eu acho que era
importante para ele, então você deveria tê-lo. — Ela prendeu o alfinete
na lapela de Kit.
Ele estudou o pequeno grupo dentro do mausoléu da família. À
sua direita estava o administrador da propriedade e outro homem que
ele não reconheceu. Por sua roupa, o estranho era um cavalheiro. Um
lampejo chamou sua atenção, e ele viu o mesmo “W” que Carson tinha
usado na gravata do homem. Coincidência? Ele duvidou disso. Seus
anos no exército do rei ensinaram-lhe que havia poucas na vida.
A oração chegou a um final abençoado e o grupo de passo lento
em desordem aumentava o calor. Kit disse ao pai para não esperar,
preferindo ir para casa. O exercício lhe faria bem. A vida de soldado
não foi esse maldito sedentarismo.
— Senhor Sunderland, posso oferecer minhas condolências? — O
homem tirou o chapéu, revelando uma cabeleira outrora escura, agora
quase toda cinza. Seus olhos verdes ofereciam simpatia. — Seu irmão
era um bom homem, embora um pouco rebelde. Mas muitos de nós
somos.
— Nós? — Kit não gostava de estar em desvantagem. — E você é?
— Perdoe-me, eu sou o Conde de Coventry.
— Parece que temos um joalheiro em comum, — Kit respondeu
com um sorriso cauteloso enquanto esfregava o polegar sobre o “W” na
lapela. — Posso perguntar o que isso representa?
— Representa o Wicked. Condes Perversos. — Lorde Coventry
sorriu. — E não, não somos todos libertinos lascivos, embora meu
clube proteja a privacidade de quaisquer desejos sombrios que meus
clientes possam ter. É uma associação discreta.
— E meu irmão fazia parte desse grupo de elite? — Kit levantou
uma sobrancelha. — Eu não estou surpreso.
— Nós compartilhamos outro amigo comum, o Conde de Weston.
— Edward? Eu o conheço desde que ele estava na altura do meu
joelho. — Kit sorriu amplamente pela primeira vez em semanas. — Por
Deus, eu preciso entrar em contato com ele. Ele era um pouco mais
jovem, mas conseguiu nos acompanhar.
— Ele não pôde comparecer hoje, então eu vim em seu lugar.
Estamos nos reunindo na próxima semana no clube em homenagem
ao falecido Conde. Relembrando, compartilhando histórias, esse tipo
de coisa. — Ele entregou a Kit um cartão com a insígnia “W”. — Eu
pensei que você gostaria de se juntar a nós.
Kit pegou o cartão, ignorou a pontada no peito e olhou de lado
para Coventry.
— Então nem toda Londres achava ele um demônio?
— Não, havia mais sobre Sunderland do que ele mostrou para
Ton8. Águas tranquilas e tudo mais...
— Ha! Não havia nada ainda sobre o meu irmão!

8
Ton, nata da sociedade.
— Não, suponho que você esteja certo. Embora ele conseguisse
desacelerar um pouco. — O Conde riu e colocou o chapéu de volta na
cabeça. — Espero ver você na próxima semana, meu senhor. Mais uma
vez, minhas condolências. É uma tristeza.
Kit observou o Conde se afastar, sinalizando para um cavalo e um
condutor na estrada. Um phaeton9 parou, e Coventry saltou para ele
com a graça e velocidade de um homem muito mais jovem. Ele se
perguntou sobre os Condes perversos. Eles não poderiam ser tão ruins
se Weston fosse um deles. Ele não tinha visto seu amigo de infância
desde o casamento de Carson. Seria útil e animador ter um amigo de
confiança ao seu lado agora que ele estava em casa.
Quando ele voltou para a propriedade, seu pai estava esperando
por ele na biblioteca com conhaque derramado em um copo.
— Eu não costumo tomar isso no início da tarde, mas parece que
tem sido um maldito longo dia. — Disse Falsbury, enquanto entregava
a Kit um copo de cristal. — Sente-se, filho. Há muito a discutir e não
adianta adiar.
Colocando a casaca escura na parte detrás de uma cadeira, ele se
inclinou contra a lareira e tirou a gravata.
— Onde devemos começar?
Falsbury entregou-lhe um copo e sentou-se atrás da escrivaninha.
— Primeiro, seu irmão tem algumas somas não pagas. Eu
apreciaria que você cuidasse dessas dívidas o mais rápido possível.
Kit assentiu.
— Ele estava endividado?
— Não, surpreendentemente. Ele jogou muitas vezes, mas não
pesadamente. Nunca ficou pendurado no meu dinheiro. — Ele olhou
pela janela, com um olhar angustiado no rosto. — Sinto como se fosse

9
Phaeton ou Faeton é uma carruagem aberta.
um tempo perdido. Se eu soubesse o que aconteceria, teria pulado
aqueles confrontos.
— Como é que vamos saber? — Raios de sol do fim da tarde
salpicavam a mesa e destacavam o cinza no cabelo de seu pai. As linhas
ao redor de seus olhos e boca se aprofundaram. Ele envelhecera desde
que Kit o vira pela última vez. — Você está certo, estamos começando
de novo. Não sei nada sobre administrar Falsbury ou suas outras
propriedades.
— Você vai aprender. Deus não pode levar meus dois filhos. —
Seus olhos castanhos se encheram de lágrimas. Ele virou a cabeça e
limpou a garganta. — Pelo menos você tem o temperamento do título.
Não será uma batalha difícil.
— Sim, eu sempre fui o filho obediente. Então, novamente, eu não
fui forçado a fazer qualquer coisa que eu não gostava. — Ele tomou um
gole do conhaque e apreciou a queimadura lenta em sua garganta. —
Mas eu sou um homem de honra e cumprirei o meu dever.
— Eu sei que você vai, Christopher. Talvez vocês dois devessem
ter mudado de identidade. Eu sei que Carson tentou convencê-lo disso.
— Com um suspiro pesado, o homem mais velho voltou para os papéis
em sua mesa. — Muitas legalidades para lidar, receio. O advogado
terminará de redigir os papéis para nomeá-lo como quinto Conde de
Sunderland e herdeiro de Falsbury. O segundo filho é agora um futuro
Marquês. Como se sente?
— Muito ruim. Vai demorar um pouco para me acostumar ao
título, suponho.
— E depois há Lady Sunder, Lady Eliza, — Acrescentou ele,
tamborilando os dedos sobre a mesa. — Eu suponho que ela vai voltar
para casa, para sua família. Seu pai mandou avisar que ele fará os
preparativos assim que estivermos prontos.
— O pai dela é um considerado traiçoeiro, você sabe disso. — Kit
lembrou-se da conversa com Lady Grace há um ano. — Ele bate em
suas mulheres. Não consigo imaginar que ela queira voltar para isso.
O Marquês acenou com a mão.
— Essa não é minha preocupação. Ela terá uma renda arrumada
até voltar a se casar e, como viúva, poderá fazer o que quiser. Eu não
a vejo tendo espinha suficiente para ser independente, mas como eu
disse, será a decisão dela.
— Eu preciso ir a Londres na próxima semana, então posso parar
no escritório do advogado. — Kit decidiu que a próxima conversa seria
com a viúva. — Vamos nos encontrar por um tempo determinado todos
os dias para começar a me familiarizar com meus deveres e suas
expectativas?
— Sempre o militar, hein? Mesmo quando menino, você gostava
de rotina, tudo em ordem e mantido em seu lugar. Mas você costumava
sorrir mais. Era a única coisa que você e seu irmão tinham em comum.
A guerra, suponho?
Kit grunhiu.
— Certamente não alivia a disposição de alguém, não é?
— Não, eu imagino que não. — Seu pai inclinou a cabeça e
terminou o conhaque. — Eu me sinto velho hoje. Primeira vez na minha
vida em que os anos estão pesando em mim.
— Desagradável para todos nós. Se não há nada mais, meu
senhor, preciso verificar a mamãe. — Ele pegou a casaca e parou. —
Será que teria feito diferença se eu estivesse aqui?
Seu pai sorriu fracamente e balançou a cabeça.
— Essa é a ironia dessa tragédia. Carson tinha recuperado a
consciência. Não há mais rumores sobre ele nos bordéis ou nos
infernos dos jogos, nada de excitante. Ele tratou sua esposa com
deferência e educação e até pareceu gostar de sua companhia. Eu tinha
tantas esperanças.
Quando o olhar do velho vagou para a janela novamente, Kit saiu
silenciosamente da sala. Bom Deus, como ele ia fazer isso? Ele já sentia
falta do exército. Possuía uma segurança, uma garantia do que o futuro
traria, se alguém não caísse em batalha. Mas esse era um preço que
todo soldado tinha que estar disposto a pagar. Na sua idade, como
começar de novo? Aprender a administrar as propriedades não seria
um problema, ele argumentou. Ele deu um jeito em centenas de
homens de todas as classes. O herdeiro e o matrimônio eram o
problema. Agora ele sabia como Carson se sentira. Exceto que isso
havia sido lançado nele como uma armadilha de caça. E não houvesse
escapatória.
Com uma batida, ele entrou na sala de visitas onde sua mãe
estava sentada lendo uma bíblia. Ela ainda era uma mulher atraente,
suas bochechas ainda lisas e apenas algumas mechas cinzas
enredavam seu cabelo de ébano.
— Posso pegar alguma coisa para você, mãe?
Ela ergueu os olhos avermelhados e estendeu a mão.
— Um beijo do meu filho? Isso me proporcionará mais conforto do
que este livro.
— É claro. — Ele respondeu, se curvando sobre ela para colocar
um em sua bochecha macia. — Algo mais? Eu queria falar com Lady
Eliza. Seria melhor se viesse comigo?
Seu rosto se iluminou com o assunto.
— Uma menina tão doce e preciosa. Ela tem sido uma ótima
companhia para mim desde o casamento. Tudo o que uma mulher
poderia querer em uma filha.
— Você sabe se ela fez algum plano?
— Não. Por que você não pede um criado e manda trazê-la?
Kit obedeceu, e enquanto esperavam, Lady Falsbury confidenciou
que não queria que sua nora fosse embora.
— Se ela pudesse ficar por um tempo, seria um grande conforto
tê-la perto, até que eu esteja... melhor.
A mulher em questão apareceu na porta.
— Meu senhor, Lady Falsbury, vocês queriam me ver?
— Sim, por favor entre e fique à vontade. Nós estávamos apenas
falando sobre o futuro. — Ele notou o cansaço do seu rosto, a expressão
afligida. — Você está se sentindo bem?
— Sente-se, minha querida, — Lady Falsbury murmurou,
enquanto dava tapinhas em uma cadeira ao lado da sua.
— Podemos esperar para outro dia, se você ainda não está
completamente bem.
Lady Eliza sacudiu a cabeça.
— Não, estou bem o suficiente. Obrigada por perguntar, Lorde
Sun... Sunderland.
Quando ela vacilou sobre o nome, ele se encolheu.
— Levará algum tempo para todos nós nos acostumarmos ao meu
título. Quando estamos em privado, talvez seja melhor para nós dois se
você me chamar de Kit.
— Sim, meu senhor.
— Meu pai tem a impressão de que você retornará para sua
família. Minha mãe espera que você nos agrade com sua presença por
mais algum tempo. Não temos pressa em vê-la partir. — Ele fez uma
pausa. Sua inquietação se intensificou e um ruga perfeita apareceu no
colo de seu vestido preto. — Estou angustiando você, Lady Eliza?
— Isso vai depender da sua reação. — Ela piscou duas vezes, em
seguida, baixou os olhos novamente, os dedos puxando uma mecha de
cabelo loiro. — Eu temo que eu esteja carregando o bebê de Carson.
Silêncio. O tipo de silêncio matutino pouco antes do sol irromper
no horizonte. E isso explodiu.
— Oh, minha querida, — Chorou sua mãe, lágrimas derramando
de seus olhos escuros. — Você tem certeza? Você está grávida?
Com apenas um aceno de confirmação, seus olhos permaneceram
fixos em seus sapatos de couro, observando a saia de algodão e seda.
Ataque surpresa, socando na barriga. Kit passou a mão no rosto
enquanto as implicações dessa notícia se apoderavam dele. Um
indulto? Possivelmente. Ele queria ser mantido à distância? Deixava
pendente aqui na Inglaterra, enquanto esperava para ver se o título
seria dele ou dado a uma criança que chorava? Maldito inferno, uma
complicação que ele não previra.
— Lady Eliza, você percebe o que isso significa? — Ele perguntou
baixinho. Ela assentiu mais uma vez. — Bem, eu posso ser o primeiro
a parabenizá-la.
A cabeça dela ergueu, os olhos violetas dela nadando em lágrimas
não derramadas.
— Você não está com raiva?
Para seu espanto, um pouco da escuridão foi retirada de sua
alma. Um bebê. Um sobrinho. Filho de Carson.
— Não, minha querida irmã. Estou muito feliz, muito feliz mesmo.
— Ele estendeu as mãos, e ela se levantou para agarrá-las enquanto
ele beijava cada uma de suas bochechas. — Isso responde a uma
pergunta. Você não vai nos deixar tão cedo.
Um sorriso trêmulo cresceu, transformando seu rosto de abatido
em adorável. A alegria das mulheres inchou seu coração. Sim, isso foi
uma boa notícia.
— Eliza, o que você comeu hoje? Precisamos conseguir sustento
nesse corpo magro. Meu neto terá um grande apetite. — Lady Falsbury
enxugou as lágrimas do rosto, os pálidos olhos azuis brilhando. —
Christopher, peça um almoço leve, por favor. Eu acho que meu apetite
também retornou. Vá buscar o seu pai, mas tenha um pouco de
conhaque pronto.
CAPÍTULO 05
Não há charme igual à ternura do coração.
Jane Austen, Emma

Boldon Estate

— Eu não quero soar duro, mas não há necessidade de ficar com


Eliza agora. — Lorde Boldon estendeu as mãos. — A família estará de
luto sem possibilidade de entretenimento até a próxima temporada.
— Sim, papai, mas vou por motivos diferentes agora. Eu já estaria
com ela se você me permitisse comparecer ao funeral. — Grace deu a
seu pai um olhar revoltado.
Ele apontou um dedo para ela.
— As mulheres não têm a constituição para tais assuntos. Lady
Falsbury não teria aprovado. Ela só compareceu ao culto na igreja e
era seu filho.
— Isso é bobagem e você sabe disso. Eu deveria ter estado lá com
Eliza. — Grace não ia deixar isso passar, mesmo quando as lágrimas
arderam na parte detrás de seus olhos. Quando a sua mãe morreu,
nem a tia e nem a prima puderam visitá-la. Ela se lembrou de quanto
significaria para ela ter Eliza lá. — Eu sei o que é estar sozinha em
momentos de tristeza.
Ela não deveria ter dito isso. A mão dela foi para a boca e ela
balançou a cabeça.
— Oh, papai. Eu sinto muito. Eu sou tão idiota. Eu não quis
dizer...
— Você fez, e você está certa. Eu não estava lá para você quando
sua mãe morreu. Eu estava me afogando em autopiedade, e você
conduziu o navio até que eu pudesse guiá-lo novamente. — Ele
estendeu os braços, e ela o abraçou intensamente. Ele a segurou por
um momento, acariciando suas costas. — Oh meu doce. Eu me
preocupo que essa visita roube o brilho dos seus olhos.
— Vou ficar bem. Eu tenho um plano.
Ele riu.
— Outro plano? Por favor, me diga que há um marido em algum
lugar, no final deste último esquema seu.
— Isso não é mais sobre casamento. Eliza está grávida e de luto.
Ela precisa de mim. Por favor, papai, não podemos negar a ela nosso
amor e apoio quando ela mais precisa de nós. — Ela segurou uma de
suas grandes mãos entre as suas. — O pior inimigo de uma mulher é
sua própria imaginação. Com a nossa história de dar à luz na cama,
ela precisará de uma voz de confiança para acalmar seus medos. Pense
na sua sobrinha. Pense em mamãe. Ela ficaria horrorizada se não
fizéssemos tudo ao nosso alcance para ajudar a única filha de sua irmã.
Seu pai estufou as bochechas e soprou o ar dramaticamente.
— Quando você coloca dessa forma, não vejo como recusar. Mas
esse assunto só está adiado.
— Sim, papai. Oh, obrigada. — Ela irrompeu em lágrimas, então
enxugou os cantos dos olhos com a palma da mão e ficou na ponta dos
pés para beijar sua bochecha.
Quando deixou a biblioteca, sua mente girou com os arranjos que
precisava fazer e a bagagem necessária. Havia muito o que fazer.
— Sammy, Sammy, eu preciso da sua ajuda. — Ela chamou seu
irmão mais novo, que mais uma vez se empoleirou no topo da escada.
— E não se atreva a descer pelo corrimão.
Com um sorriso, o menininho deu uma saudação, deitou-se na
madeira reluzente e deslizou até o último degrau.
— Eu não caí com o meu traseiro dessa vez, Gracie. Estou ficando
melhor.
— Preste atenção à sua língua, seu menino descarado. Agora,
estamos saindo em menos de uma semana para visitar a prima Eliza.
Você precisa fazer uma lista do que devo embalar para você. Não todos
os seus brinquedos, lembre-se, mas não se esqueça de nada
importante.
— Como Thor. — Ele sugeriu. — Ele ficaria muito chateado se eu
o deixasse para trás.
— Sim, vocês dois ficariam arrasados. Ele não gostaria de perder
esta aventura. — Thor era o cavalo de batalha de madeira de Sammy.
O carpinteiro local tinha feito isso para sua mãe pouco antes de seu
nascimento.
— E meu teatro de brinquedo, — Acrescentou. — Eu aposto que
Eliza gostaria de assistir algumas de nossas peças.
— Tenho certeza que ela vai apreciá-las imensamente.
— E minha carapeta 10, eu não posso...
— Faça uma lista. Não se preocupe com a ortografia correta ou
peça ajuda ao Sr. Chenwick.
— Eu posso escrever minhas cartas sozinho agora. — Disse ele
com os lábios franzidos, os olhos apertados e os braços cruzados sobre
o peito. Seu beicinho era adorável. Quando ele bateu o pé, as calças
azuis escuras caíram sobre os joelhos.
Ela cruzou os braços e torceu o nariz em imitação.

10
Carapeta - pequeno pião que se faz girar com os dedos.
— Eu lembro agora porque você é tão bom em peças teatrais e
drama. Agora, suba as escadas e faça essa lista. Não serei responsável,
se não estiver na sua lista.
Grace estava animada para ficar em Falsbury por um mês, mas
ainda tinha um nó no estômago sobre a gravidez. A carta de sua prima
tinha sido cheia de tristeza e de alegria. Ela leu de novo, com uma
intensa proteção enchendo o seu peito.
Querida Grace
Este deve ser um sonho terrível. Eu vou acordar em breve e chorar
de alívio, mas até então, meu coração está se partindo. Carson está
morto. Um momento ele está me beijando dando boa noite, indo para os
clubes com Lorde Weston. No próximo, eu fui despertada da minha cama
para saber que ele caiu de um cavalo e quebrou o seu pescoço. Como vou
suportar isso?
Eu sei que não éramos uma união de amor, mas ele era tão bom
para mim, Gracie. Tão terno e atencioso e como nenhum homem que eu
já conheci. Por que Deus me daria tal felicidade por tão pouco tempo?
Fiquei acordada imaginando se teria sido melhor nunca conhecer tal
afeição.
Meu único consolo é seu filho crescendo dentro de mim. Ele me fez
prometer manter isso em segredo por algum tempo. Ele queria saborear
o momento, disse ele, antes que seu pai sugasse a alegria disso. Ele
estava tão feliz e eu pensei que era a mulher mais sortuda. Agora eu vou
ter que dizer a eles sozinha, sem ele ao meu lado. Oh, ore para que eu
tenha uma filha, para que eu possa guardá-la para mim mesma. Eles
não se importam com uma menina inútil, mas eu a amaria. Uma pequena
parte que Carson deixou para trás para mim.
Eu preciso de você, Gracie. Eu preciso da sua força e do seu senso
comum. Por favor, venha para mim quando puder.
Sua querida prima,
Eliza
Sua primeira reação às notícias terríveis e maravilhosas de Eliza
foram lágrimas. Lágrimas por um homem morto que demonstrou
bondade para uma moça solitária e assustada. Lágrimas por uma
mulher que agora criaria uma criança sem o pai. Lágrimas pela
possibilidade medonha de o ceifador voltar e tirar Eliza dela. E então
alívio, ninguém tinha testemunhado o seu colapso. Ela se preocupou,
pensou em solicitar uma recusa do convite com uma pobre desculpa.
Ela queria oferecer consolo, mas a barriga inchada de Eliza traria de
volta todo o medo e horror daquele dia terrível? A preocupação de seu
pai não fora superficial.
Sua apreensão foi de curta duração, no entanto. Grace se
considerava uma solucionadora de problemas. Lamentar não vai
ajudar. Encontre uma solução, sua mãe sempre disse. Após extensas
leituras e longas conversas com o médico, com o boticário e a parteira
locais, ela encontrou uma solução prática. Havia agora doutores,
homens especializados em parto. Sua missão atual era convencer Lady
Falsbury que o bebê deve nascer em Londres, onde uma parteira
poderia ser contratada com antecedência e enviada imediatamente. A
família certamente tem influência suficiente para que isso acontecesse.
Se ela pudesse se acalmar, Eliza também estaria livre de ansiedade.
Os próximos dias foram agitados. Havia muito para embalar e
instruções para dar para que a propriedade continuasse a funcionar
sem problemas enquanto ela estivesse fora. Seu pai os escoltaria até
Falsbury e retornaria na semana seguinte. Ela estava feliz por tê-lo
junto. Ele era mais reconfortante do que ele percebia e muito boa
companhia. Sentada em uma pequena mesa na biblioteca, Grace
examinou suas anotações finais. Uma brisa leve ondulou as cortinas
azul claras, distraindo-a com o suave, mas nítido som de seda contra
o tafetá. Com um suspiro, ela viu os vívidos roxos, rosas e vermelhos
dos lírios, cravos e lobélia11 que disputavam a atenção no jardim.
O terrível nó em sua barriga, seu terror do parto, se dissipou.
Talvez tudo funcionasse. Mulheres perderam maridos, mulheres
tiveram bebês, a vida continuou. Contanto que ela não fosse uma
daquelas mulheres.
Sammy irrompeu pela porta, um papel apertado em seu pequeno
punho rechonchudo. Suas bochechas estavam rosadas,
complementando seu colete vermelho. Um cavalheiro tão pequeno... até
que ele abriu a boca.
— Eu tenho a lista. — Disse ele em sua voz adulta alta, mas
ensaiada. Ela assentiu para que ele soubesse que ela tinha ouvido e
mergulhou a ponta no tinteiro para terminar suas instruções.
— GRACE, EU TENHO A LISTA!
Ela se encolheu, as mãos apertando sobre as orelhas.
— Samuel Beaumont, você me viu assentir?
Com um sorriso, ele assentiu.
— Então por que você gritou?
— Você não estava olhando para mim. — Ele disse indignado.
— Eu não preciso dos meus olhos para ouvir você, meu jovem. É
impróprio levantar a voz na frente de uma mulher. — Ela falou,
apontando a pena para ele. — Peça desculpas.
— Mas você não é uma mulher, você é minha irmã.
— Eu ainda sou uma mulher, então você vai praticar suas
maneiras comigo. — Ela se recostou na cadeira, sabendo que isso não

11
Lobélia planta exótica cultivada por suas flores azuis e por sua ação estimulante sobre a respiração.
aconteceria em um piscar de olhos. Ele herdara a natureza
argumentativa da mãe.
— Mas papai diz que quando um homem chega a você com um
assunto importante, ele deve ter toda a sua atenção. Então você tem
que olhar para mim. — Samuel ficou ereto, ombros para trás, como se
esperasse por seu próprio pedido de desculpas.
— Esse não é o caminho a percorrer. Você deve esperar
pacientemente até eu levantar a cabeça.
Ele apertou o lábio inferior.
— Sinto muito se você pensou que minha persistência era muito
barulhenta.
Bem, Grace supôs que teria que aceitar isso. Ela estendeu os
braços e ele correu para eles. Balançando-se em seu colo, ele tentou
alisar o pergaminho amassado sobre a mesa.
— Eu acho que tenho tudo. Leia isso.
— Por que você não lê para mim?
— Eu fiz bastante trabalho esta manhã. Minha cabeça está
doendo de tanto pensar. — Sammy se aconchegou contra o peito de
sua irmã. Ela o beijou no topo de sua cabeça e deu-lhe um aperto.
— Bem. Vamos tomar um café da manhã agora? — Ele assentiu
e saiu correndo do quarto antes que ela pudesse piscar. Olhando para
a lista dele, ela riu.
THOR
MANTA GROSSA PARA THOR
MEU TEATO DE BINQEDOS
TODAS AS MINHAS BOLINHAS DE GUDI.
MINHA CARRAPETA
MEU PONI E MINHA CAROÇA
MEU DOMINOR
Samuel correu de volta para o quarto.
— Você pode colocar o meu skittles12 na lista ali para mim, por
favor? Aquilo foi muito difícil. Isso fez meu cérebro inchar. — E ele foi
embora de novo.
— Uau, devagar, — Seu pai disse no corredor. Ele enfiou a cabeça
dentro da sala. — Do que você está rindo?
— Seu filho e meu irmão. Temo que ele esteja se tornando um
jovem manipulador. Ele já aprendeu a encantar o pessoal e está
trabalhando em mim.
— Ele herdou isso de sua mãe. Eu não tenho um osso encantador
no meu corpo. — Disse ele em sua própria defesa. — Ela seria
orgulhosa dele, não seria?
Grace sorriu de acordo.
— Extremamente orgulhosa.
O sol brilhava nos raios de aço das rodas da carruagem, uma brisa
fina, agitando as folhas. O condutor, controlando a garupa, estalo seco
para os cavalos castanhos brilhantes e eles relinchando em
antecipação. Seria uma viagem de três dias de carruagem. Ela observou
o pai sentado em seu alazão castrado, reto, alto e bonito. Muitos
homens da sua idade tinham engordado ou perdido o cabelo. Não o
senhor Boldon. Ele estava em forma como a maioria dos homens com
metade da sua idade. Se ela se casasse, encontraria um homem que se
comparasse com o pai dela? Altamente duvidoso.
— Samuel! Anda depressa, menino! Temos novas terras para
descobrir! — Gritou ele para o filho. — Grace, se você der outra
instrução, nós deixaremos você para trás. O lugar não vai sair do chão
sem você.

12
Skittles é um antigo jogo europeu, que consiste em uma variedade do boliche para ser jogado na relva com
pinos e bola de madeira.
— Olhe quem está tão ansioso para estar longe. — Ela riu quando
o cocheiro esperou por ela, seu uniforme azul combinando com o
brasão vermelho e azul Boldon na porta. Ela se acomodou no assento
de veludo acolchoado. — Sammy, eu tenho biscoitos frescos com geleia
de morango da Sra. Woolley, para o caso de você ficar com fome. Você
está andando comigo ou com papai?
— Papai, eu posso montar no grande cavalo?
— Certamente. — Sammy colocou a pequena mão no antebraço
robusto de seu pai. — Quando eu contar até três: um, dois, trêeeeees...
— O menino saltou com toda sua força enquanto o Senhor Boldon,
puxou-o para cima. Ele pegou o casaco de seu pai com a mão livre e
facilmente subiu atrás dele.
— Salve, César! — Exclamou Sammy.
— O quê? — Seu pai perguntou — César?
— Sr. Chenwick gritou um dia. Eu esqueci porque ele estava tão
entusiasmado, mas você sabe como ele aumenta as suas histórias. Eu
me lembro dessa parte, no entanto.
— Bem, suponho que seja um começo. Algum outro pedacinho
que você lembra de suas aulas? Me entretenha, Samuel. Eu pago o
homem bem o suficiente.
— Bem, ele estava conversando com a Sra. Woolley ontem com
um sorriso bobo no rosto. De repente, ela colocou as mãos nos quadris,
emitiu um som ofegante e saiu do quarto. O pobre Sr. Chenwick,
parecia muito confuso, então decidimos que leríamos poesia.
— Qual poeta ele escolheu?
— O romano, Virgílio. Ele disse: — Uma mulher é sempre uma
coisa picante e mutável. E então ele balançou a cabeça e me disse para
nunca me apaixonar.
Lorde Boldon soltou uma gargalhada que a Sra. Woolley, que
obviamente protestaria da situação embaraçosa, poderia ter ouvido na
cozinha.
CAPÍTULO 06
O egoísmo deve sempre ser perdoado, porque não há esperança
de cura.
Jane Austen, Mansfield Park

Londres
Final de junho de 1815

O refúgio de Carson era uma fachada de tijolos despretensiosa em


Bedford Place, nos arredores da respeitável Londres. Uma localização
modesta e discreta, repleta de residências que abrigavam amantes
caras. Uma mulher bem criada nunca seria vista neste bairro, e um
marido aristocrático nunca seria notado. Kit olhou o W de ouro acima
da entrada, antes de bater bruscamente em uma grande aldrava de
latão. Um mordomo, em trajes impecáveis, abriu a porta.
— Posso ajudá-lo, senhor? — Kit entregou-lhe o cartão que
recebera de Lorde Coventry. — Sim, meu senhor. Eles estão esperando
por você. Siga-me por favor.
Tirando o chapéu, Kit seguiu o homem por um corredor escuro
até uma sala grande e confortável. A madeira de carvalho polido
iluminava a decoração de móveis de couro escuro e papéis de parede e
tapetes castanhos e avermelhados. Carnes frias, queijos e pães
estavam dispostos em uma mesa lateral, ao lado de uma seleção de
xerez, vinhos tinto, uísque, conhaque e a melhor cerveja inglesa. Vários
homens estavam perto da janela, um pouco mais perto da lareira e o
resto espalhados em cadeiras ou sofás. Todos eles se viraram de uma
vez.
Lorde Coventry avançou.
— Ah, meu senhor, é bom que você veio. Senhores, este é o irmão
de Carson, o novo Conde de Sunderland.
Arcos e murmúrios de boas-vindas e, em seguida, Weston
apareceu à sua frente, de braços abertos. Eles se abraçaram,
abandonando o protocolo social.
— Por Cristo, é bom ver você, Kit. Você parece velho, meu amigo.
— Você não é o próprio novo recruta. — Ele bateu nas costas de
seu companheiro de infância. — Tem sido muito tempo, Edward. — O
resto dos Condes se apresentou e, eventualmente, todos encontraram
um lugar.
— Nós nos reunimos esta noite para homenagear Sunderland do
nosso jeito. Carson era um bom homem, um companheiro incrível. —
Lorde Coventry ergueu o copo.
— Sim, ele era.
— Neste lugar, neste lugar!
— Ninguém melhor.
Kit ouviu as respostas e sorriu. Carson havia feito sua marca com
esses homens. E à medida que a noite prosseguia, cada um
compartilhava uma lembrança. Alguns contos eram aventureiros,
outros sentimentais e até francamente cômicos.
Kit aprendeu algumas coisas sobre seu irmão naquela noite. Isso
em si fez valer a viagem. Ele também fez amizades duradouras com
alguns companheiros interessantes.
Lorde Coventry começou um conto que envolvia Carson, uma
aposta, um cabriolé13 para pedestres e três mulheres de Beau Monde
na Piccadilly Street.
— O idiota do cérebro de porco, como diabos era o nome dele?
Desde que ele não poderia atropelar o seu irmão em um cavalo, ele
tentou um modo diferente de transporte. Sunderland, estava sentando,
montado neste assento ridiculamente pequeno, agarrando a barra de
mão branca e empurrando-o para se movimentar com os dois pés.
Ambos estavam cambaleando para lá e para cá, pescoço a pescoço,
chutando o chão com os calcanhares para empurrar o transporte para
a frente. Nenhum dos dois ficou de olho no que estava por vir quando
se aproximaram da livraria de Hatchard.
— Eu tentei avisá-los, mas ambos estavam tão preocupados com
quem estava na liderança e mantendo o equilíbrio. — Comentou
Weston, balançando a cabeça em falso desespero. — Eles nunca viram
o que os atingiu.
— Mas Lady Jersey fez. Esse grito sempre estará em meus
pesadelos. — Coventry cobriu os dois ouvidos com as mãos. — Bom
Deus, essa mulher tem uma voz que pode quebrar o vidro.
— Pobre Lady Sefton, carregando sua chapeleira 14 em um
minuto, em seu traseiro no outro. E o outro tolo, cortando a caixa com
uma roda, achatou seu novo chapéu. — Weston passou os braços ao
redor da cintura, rindo e tentando recuperar o fôlego. — Eu juro que
Lady Jersey virou um tom perfeito de roxo.
— Meu irmão atropelou uma das patronesses de Almack? — Uma
risada baixa começou na barriga de Kit, e logo ele se juntou aos outros
em sua gargalhada rouca.

13
Cabriolé Pedestre, foi a primeira bicicleta de regência, invenção pelo Barão Von Drain e introduzido na
Inglaterra por Denis Jhonson no ano de 1818.
14
Chapeleira uma caixa, tipicamente circular, para transportar chapéus.
— Ele inclinou na estrutura e caiu para fora, depois escorregou
na lama. Quando ele tentou se sentar, — Coventry terminou com um
floreio, — Lady Cowper disse com a voz mais calma: Ora Lorde
Sunderland, que galante de sua parte? Eu estava hesitante em sujar
minhas novas sapatilhas. Então ela usou seu casaco para atravessar a
poça e continuou atravessando a rua.
Com uma cara séria, Weston acrescentou.
— É claro que agimos como se nunca tivéssemos conhecido o
idiota.
O estômago de Kit doeu. Ele tragou o ar e pegou o uísque. Sim,
ele veio ao lugar certo. Carson teria considerado isso como um ajuste.
Essa irmandade preferiu celebrar sua vida em vez de lamentar sua
morte. Ele olhou para as calças pretas e o colete que usaria pelos
próximos meses. Parecia que tal cor, dia após dia, era mais uma
penitência do que um memorial, mas ele não fez as regras.
— Senhores, tem sido um prazer, mas devo ir para casa para
minha esposa. — Disse Lorde Sussex. — Eu vou dizer que foi uma
experiência estranha, ter que bater na porta deste estabelecimento ao
invés de usar a minha chave.
— Você tem chaves? — Kit ficou intrigado. — Para ir e vir como
quiser?
— Quando você se torna um membro do Wicked Earls Club,
recebe uma chave. Este é um lugar onde você pode satisfazer seus
vícios sem se preocupar com descobertas. Pode ser monetário, sexual
ou simplesmente indulgente. — Explicou Coventry. — Mas não pode
ser inescrupuloso, criminoso ou fisicamente prejudicial para alguém
que esteja empregado ou sob minha proteção. E todos os meus
membros estão sob minha proteção.
— Então, por que você desistiu dessa vida? — Kit perguntou a
Sussex. — Você não parece o tipo de deixar esse tipo de participação
por capricho.
— Infelizmente, o casamento é o único vício que não é permitido
dentro dessas paredes. Uma vez que você é um ocupante vitalício, a
associação é revogada. — O Conde deu de ombros. — Esta foi uma
noite especial. Além disso, a minha Tabbie mais do que vale a pena.
Esses libertinos não mantêm minha cama aquecida à noite do jeito que
ela faz. — Gritos de protesto seguiram sua declaração, mas todos os
homens sorriram.
Decanteres de conhaque apareceram na mesa. Kit rodou o líquido
âmbar em seu copo e tomou um gole.
— Por Deus, essa é a melhor coisa que eu já provei. Onde você
conseguiu isso?
— Meu segredo. — Respondeu Coventry.
— Um dos muitos. — Concordou Weston.
No final da noite, Weston e Kit sinalizaram uma carruagem e
voltaram para a casa de Kit. Eles beberam mais vinho do porto, jogaram
bilhar e Edward contou-lhe as últimas notícias de sua família.
— E você? Quais são seus planos imediatos? — Weston sentou-se
perto da mesa, com as longas pernas esticadas e cruzadas nos
tornozelos, as mãos cobrindo as costas da cabeça escura. Ele viu
quando Kit mirou e enviou uma bola em espiral para um saco num
canto. — E Lady Eliza o que fará agora?
— Interessante você perguntar. — Ele colocou seu bastão para
baixo, tomou um gole de sua bebida e se inclinou sobre a mesa. — Ela
está carregando o filho de Carson.
Edward começou a tossir e engasgou. Ele esperou pelo
interrogatório.
— Quando ela te contou? Ela tem certeza? — Weston fez uma
pausa. — Não, ela não precisa do dinheiro. Tenho certeza de que entre
o pai e o contrato de casamento...
— Ela não tem um pingo de malícia nela. Minha mãe se tornou
muito apegada a ela. — Ele suspirou. — Isso só me coloca... encalhado,
por assim dizer.
— Você é o Conde a menos que ela tenha um menino. Então, você
reivindica o título por pelo menos sete ou oito meses? — Weston deu
um assovio. — Não é uma brincadeira.
— Estou em conflito, para lhe dizer a verdade. Depois de Waterloo,
jurei que acabara com a guerra. No entanto, uma semana em casa e
sinto falta do exército, meu regimento, meus homens. Se ela tivesse um
menino, eu poderia voltar para a minha antiga vida.
— Então vamos brindar a um menino. — Edward ergueu o copo.
— Minha mãe se consola com Lady Eliza. Meu pai levou isso a
sério e parece um inferno. Estou preocupado com ele. Ele não está
certo, mas eu não posso colocar meu dedo nisso. Tenho medo de ter
que assumir a guarda da criança.
— É de se esperar, Kit. Não só ele perdeu um filho, mas seu
herdeiro. Engraçado como a vida pode mudar no estalar de dedos.
Ambos os homens estavam quietos, perdidos em seus
pensamentos. Kit se perguntou novamente sobre o relacionamento
entre seu irmão e sua esposa.
— Ele veio a amá-la?
Weston sacudiu a cabeça.
— Foi estranho. No começo, ele alegou que estava preso, algemado
à perna, perdeu sua liberdade. No entanto, ele desistiu de sua amante,
foi para casa quase todas as noites e nunca falou mal dela. Depois de
algum tempo, quando ele mencionava o nome dela, eu pude ouvir uma
nota de ternura.
— Ela insistiu em permanecer conosco depois do culto na igreja.
Lady Eliza parece ser mansa e frágil, mas há uma teimosia nela que me
impressionou. — Ele também respeitava sua lealdade. — Eu acredito
que ela amava Carson.
— Ele disse o mesmo. Acho que isso o assustou, ter outra pessoa
dependente dele. Amar assim sem exigir nada em troca. Ele tinha seus
demônios, mas eu acho que ela era a razão pela qual ele queria mudar.
— Edward encolheu os ombros. — No mínimo, ele tentou cuidar dela.
— O que te faz dizer isso?
— Na noite passada, ele me disse que ser casado o agradava, e ele
estava certo de que eles seriam abençoados com uma criança saudável
em breve.
— Todos os homens querem herdeiros.
— Só os homens que querem um herdeiro dizem exatamente isso.
Eles lamentam e lamentam a falta de um filho, sem pronunciar as
palavras abençoado e criança. — Weston levantou as sobrancelhas em
desafio.
— Bom ponto. — Kit pegou a sugestão de bilhar novamente. — Eu
espero que você esteja certo. Aliviaria minha alma saber que ele estava
feliz finalmente.
— Eu posso dizer com absoluta confiança que ele estava contente.
Isso é o mais próximo da felicidade que a maioria das pessoas tem,
especialmente um homem como Carson. Mas esse comentário faz mais
sentido agora. Quase perguntei a ele o que queria dizer, mas o jogo
começou...
— É verdade que ele estava confuso?
Weston assentiu.
— Ele realmente tentou parar. Não bebia há semanas antes
daquela noite. Você sabe que Carson, uma vez que ele começava, não
podia parar. Mas eu o vi mais bêbado que um porco castrado e montou
um cavalo melhor que o meu. Foi apenas maldita sorte que a fera
tropeçou.
Para todos nós, pensou Kit. O barulho de marfim contra marfim
ecoou na sala enquanto Kit limpava a mesa e estendia a mão.
Weston gemeu quando deu o guinéu15.
— É bom saber que algumas coisas permanecem constantes. Não
acho que você já perdeu no bilhar. Da próxima vez, um jogo de risco.
— Se você não se importa com uma espera. Vai levar algum tempo
até que eu possa ir a qualquer clube ou jogo de infernos. — Kit não era
grande em nenhum dos dois, mas gostava de boa companhia. Como
hoje à noite.
— Estou te recomendando como membro do Earls Club. A
sociedade educada nunca saberá se você se esgueirar de vez em quando
e perder algumas fortunas para seu velho amigo, Edward. — Ele pôs a
mão no ombro de Kit. — Considere-nos seu regimento. Reconhecemos
os membros do passado e do presente pelo alfinete. Se você estiver em
algum lugar, procure por um desses. — Ele tocou o W em sua gravata.
— Eu aprecio isso. Acredite ou não, estou feliz por estar em casa,
mas frustrado. — Ele deu um leve rosnado. — Eu sou um militar, um
homem de ação. Sentar-me e esperar por um resultado é a pior arma
que posso enfrentar.
— Não quero ser egoísta, tio Christopher, mas espero que seja
uma menina. Não quero esperar vinte anos para ter uma bebida com o
próximo Conde de Sunderland.

15
Guinéu antiga moeda inglesa, equivalente a 21 xelins.
— Hmm. Acostume-se a me chamar de Sunderland primeiro.
Então nos preocuparemos com as crianças.
Kit foi para a cama, com os olhos cansados, mas a mente girando.
Ele odiava a indecisão, nunca hesitou quando confrontado com
escolhas. No entanto, ele não conhecia sua própria mente quando se
tratava dessa possível herança. Ele nunca acreditou em sorte ou
destino, mas definitivamente estava dando a ele um castigo agora.
CAPÍTULO 07
Não é tempo ou oportunidade que determinam a intimidade, é
apenas disposição. Sete anos seriam insuficientes para fazer algumas
pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para
outros.
Jane Austen, Razão e Sensibilidade

Início de julho de 1815


Próximo ao Castelo de Falsbury

Sammy passou o dedo pelas persianas de madeira empoeiradas


da janela, formando a imagem vaga de um pássaro. Tinha sido uma
longa viagem, algumas das estradas chocalhando os ossos, embora
grande parte do balanço pudesse ser atribuída a seu irmão. Grace
observou seu rosto jovem e suave enquanto ele se concentrava, a língua
saindo do canto da boca. Quando ele terminou, ele se virou para ela
com um sorriso brilhante.
— Eu fiz melhor com as asas dessa vez, não fiz? Ainda não se
parece com o esboço do livro.
Grace estudou a meia dúzia de pássaros que adornavam as
paredes da carruagem. As asas tinham começado como triângulos, mas
as tentativas mais recentes pareciam mais uma forma oval, que havia
sido cortado repetidamente com um machado.
— A prática leva à perfeição. Mas na minha humilde opinião,
acredito que eles quase podem fugir.
Ele olhou para o rosto dela, segurando o olhar dela.
— Você não está apenas dizendo isso porque você é minha irmã?
— Céus, não. Eu juro. — Ela ergueu a mão. — É a melhor
descrição de um pássaro que eu já vi embelezar esta carruagem. Eu
não posso imaginar o que você vai conseguir quando tiver sete anos.
— Tenho praticado. — Ele concordou presunçosamente. — Eu
mostrarei meus cachorros em seguida. Ainda estou trabalhando no
rabo, entretanto. Eles são muito longos ou muito curtos.
— Whoa, whoa, — Gritou o cocheiro para os quatro cavalos
castanhos. O ressoar e o tilintar da rédea e do freio foram seguidos por
Samuel saindo pela porta.
— Sente-se agora mesmo! Ainda não parou. — Ela puxou o cordão
e olhou através das fendas da janela.
— Eu quero saber o que está acontecendo. Eu não vejo nenhuma
casa, então algo deve estar errado. — Seus olhos se arregalaram. —
Talvez estejamos sendo atacados por ladrões. E Thor está amarrado no
topo da carruagem. Oh não! — Ele deu um tapa na testa e afundou-se
dramaticamente no veludo empoeirado.
— Eu acho que três dias é tudo que você pode aguentar para uma
jornada. É dia claro, seu tonto. Ninguém rouba uma carruagem pela
manhã. Eles pelo menos esperariam até a tarde. — Mas ela estava
curiosa para saber por que eles pararam.
Abrindo a porta novamente, seu irmão saltou.
— Mas é quase tarde!
Papai soltou uma alegre saudação para alguém, e então o baixo
murmúrio de vozes masculinas misturou-se com o bufar de cavalos e
o bater de cascos. Ela limpou a saia azul, amarrou o chapéu na cabeça
e saiu para a luz do dia. Seus pés afundaram na grama do verão e o
aroma de lavanda pairou levemente no ar. Eles tinham acabado de
emergir de um pedaço de floresta, e o brilho fez seus olhos
lacrimejarem. Quando ela piscou, uma forma se formou. Uma figura
alta e escura. Ela piscou novamente para clarear sua visão e respirou
fundo. Agradável!
O homem montado em uma enorme besta negra que se empinou
e jogou a cabeça, enquanto a dupla se aproximava do grupo. Ele usava
couro apertados em suas coxas musculosas, e suas botas eram sem
brilho da viagem. Seus olhos se moveram para as mãos fortes que
seguravam as rédeas com facilidade. Ele tinha renunciado as luvas e
levantou as mangas, revelando os poderosos antebraços embaixo. Com
um leve puxão e um estalo de sua língua, o cavalo se acomodou
obedientemente e baixou a cabeça.
— Bom dia, minha Lady. — Seu estômago se agitou no timbre
profundo e as pontas dos seus dedos brincaram com a saia. A voz soou
estranhamente familiar, mas...
— Olha com quem nós tropeçamos. — Disse seu pai, trotando em
seu grande cavalo. — Eu aposto que estamos indo para o mesmo lugar.
Grace segurou a mão sobre os olhos e os apertou. Seu coração
estava acelerado e ela sentia o zumbido em seus ouvidos. Christopher
Roker. O gêmeo com quem dançou e pensou por semanas depois. Ele
virou os olhos para ela, e os últimos raios da manhã iluminaram seu
rosto. Oh, por que suas pernas estavam tão moles como os cachos da
Sra. Woolley depois de uma chuva? E por que esse homem a afetava
tanto?
— Lady Grace, espero que você esteja bem. Entendo que você vai
passar algum tempo em Falsbury. — Ele deu uma meia reverência em
seu cavalo, os ombros esticando a camisa de linho branco. Seu casaco
escuro fora abandonado, enrolado e amarrado atrás da sela. Seu colete
preto enfatizava sua pele queimada pelo sol. O homem era robusto e
atraente. Um sorriso espontâneo apareceu em seus lábios.
— Bom dia, senhor… Sunderland. Estou ansiosa pela nossa
visita. — Ela se perguntou se o incomodaria ser tratado pelo título de
seu irmão tão cedo. — Estamos próximos, então?
— Muito perto. — Respondeu Lorde Sunderland. — Posso lhe
mostrar?
Ele passou a perna por cima da sela e desceu. Grace desviou o
olhar de seu traseiro, sua respiração ficou presa na garganta. Sammy
puxou sua saia, mas ela bateu na mão dele.
— Gracie, quem é ele? — Ele sussurrou em voz alta. — Ele não
parece um ladrão de estrada.
— Não, eu receio ser apenas um pobre soldado encontrando o
caminho de casa. — Respondeu o Conde. — E você é?
— Sammy. Quero dizer... — Ele colocou os ombros para trás e,
com uma reverência perfeita, anunciou em tom majestoso. — Samuel,
Visconde de Tyne a seu serviço.
Grace apertou os lábios para segurar o riso. Seu irmãozinho
ficaria mortificado se ela risse dele agora. Obrigada, meu doce Sammy,
por me trazer de volta à Terra, ela pensou. Com uma lufada de ar e uma
mão em seu estômago para segurar as asas incômodas, ela se virou
para o homem bonito na frente dela.
— Bem, estou em boa companhia. Gostaria de ver minha vista
favorita do castelo antes de continuarmos?
Lorde Boldon desmontou e avançou com uma reverência.
— É bom que encontramos você. Devo dizer que não sabia se era
boa ideia para minha filha visitar neste momento. Mas ela e Eliza são
insistentes. Espero que isso não exponha ninguém.
O Conde balançou a cabeça, em seguida, olhou por cima do ombro
para Grace, seus olhos escuros se estreitaram. O sol brilhava em seus
cabelos negros, mechas úmidas ondulando sobre o colarinho duro. Sua
camisa, não completamente fechada, revelou o brilho de suor em seu
peito largo.
Ela lambeu os lábios.
Ele sorriu.
Olhos de ébano rasgaram sobre ela e enviaram outra onda de
calor em seu pescoço. Uma nova sensação se agitou em sua barriga e
sua mão pairou protetoramente sobre ela. Dando um passo à frente,
ele se curvou mais uma vez e disse.
— Eu esperava que nos encontrássemos novamente. Fico feliz em
dar a você o primeiro vislumbre da minha casa de infância.
Ele estendeu o braço. Grace olhou para o pai, que assentiu com a
cabeça, e ela colocou os dedos na manga do Conde. Respire, sua boba,
respire. Ele é apenas um homem, ela disse a si mesma. Apenas um
espécime perfeito de um homem.
Os três caminharam até o topo de uma colina. As árvores
mostravam um verde brilhante prateado, o vento assobiando acima de
suas cabeças. O ar fresco foi um alívio após ficar parada na carruagem.
— Onde está sua espada, se você é um soldado?
— Felizmente, deixamos o inimigo fora por enquanto para que eu
possa tirar um descanso. É muito pesada, você sabe. — Ele piscou para
Grace.
— Espero que eu seja tão bom em lutar quanto estou desenhando.
— Sammy correu na frente, depois, na frente deles novamente. — Oh,
Gracie, você vai gostar disso. — Ele gritou quando chegou ao topo da
colina.
Abaixo deles havia uma magnífica construção, pelo menos três
vezes o tamanho de Boldon. Quatro torres redondas ficavam como
sentinelas em cada canto da enorme estrutura, uma bandeira voando
de cada lado. Entre as torres, de quatro andares, janelas reluziam
contra a pedra prateada. Fendas de flechas, esculpidas no topo das
paredes, agitaram sua imaginação. Séculos atrás, um grupo de
cavaleiros teria galopado pela encosta, com seus estandartes flutuando
suavemente sobre os brasões da realeza e da família. O Castelo de
Falsbury ergueu-se sobre um vale verde esmeralda, a sombra quase
engolindo a pequena aldeia abaixo. Pedra britada formava a
considerável movimentação retangular em frente ao prédio, pequenos
corpos se moviam como formigas. Pontos de cor, provavelmente
grandes vasos de gerânios, adicionavam cor à cena. Grace suspirou de
prazer.
— Esplêndido, não é? — Perguntou Sunderland em voz baixa.
Um assobio estridente surpreendeu-a. Sammy sorriu para eles.
— Você é um rei e um soldado? — Ele perguntou.
Ela ouviu o estrondo da risada de Sunderland, enquanto ele
despenteava o cabelo do menino.
— Longe disso. Me imaginei como um cavaleiro templário quando
eu era menino. Meu irmão e eu subíamos até a muralha e lutávamos
de espada.
— Vamos lá! Vamos! Quero subir ao topo do castelo. — Sammy
virou e desceu a colina, com o cabelo brilhando dourado ao sol da tarde.
— Devo dizer, é uma visão impressionante, como algo de um conto
de fadas. — Seu pai concordou. Ele apontou para um pequeno lago à
direita do terreno do castelo. Um salgueiro gracioso se curvou sobre a
água. — Você o mantém provido de peixe?
— Claro, o brema16 é o favorito do meu pai. O cozinheiro gosta
muita das carpas e há lúcio17. Eles sempre fazem uma boa briga.
— De fato. Quase tão bom quanto a truta.

16
Brema, é uma espécie de peixe de água doce.
17
Lúcio, é um peixe predador, de água doce, que pertence à família dos Esocidae. É um predador agressivo.
A beleza que os cercava era impressionante. Grace espiou o perfil
de Lorde Sunderland. Este é um cenário perfeito para ele. Ela se virou
para ver seu pai olhando para ela com uma expressão estranha em
seus olhos. Isso a deixava desconfortável, como se ele soubesse o que
estava acontecendo em sua mente. Sammy gritou novamente, e eles
voltaram em um ritmo vagaroso. Desta vez, ela pegou o braço de seu
pai para manter melhor a compostura.
Seus músculos ficaram tensos enquanto observava o balanço de
seus quadris. Ela era linda. Cachos castanhos avermelhados brilhantes
começava a aparecer fora de seu chapéu, encaracolado contra a pele
de marfim. Ele queria estender a mão e tocar uma daquelas mechas
macias, sentir a maciez de sua bochecha contra seu dedo. O vestido de
viagem tremulava na brisa, o material fino acariciava longas e bem
torneadas pernas. Ele imaginou aqueles cachos ruivos caindo nas
costas dela.
Quando Kit a conheceu no casamento, ele foi atraído por sua
beleza e pela vivacidade em seus claros olhos verdes. Enquanto
dançavam, ele gostava de apreciar a sua inteligência. Mas vê-la aqui
em seu lugar favorito, pegando-a desprevenida e tão acessível, ele
queria abraçá-la e beijá-la. Ele e Carson tinham permanecido nessa
encosta gramada por horas quando crianças, sonhando com cavaleiros
e batalhas e resgatando donzelas. Olhando para o rosto dela enquanto
observava o terreno do castelo, Kit jurou que tinha as mesmas imagens
em sua cabeça.
Ridículo. Mas quando ela lambeu os lábios carnudos...
Bom deus, pensou ele. Cuide de seus modos ou encontre uma moça
na cozinha. Ele precisava de uma distração antes de fazer papel de
bobo. A emoção das últimas semanas deve estar incomodando-o.
— Papai, eu preciso pegar meu baú de brinquedos. Eu tenho que
mostrar a Lorde Sunderland minha espada.
— Espere até nós desembalarmos. Nosso anfitrião pode ter
problemas de negócios para lidar. Não se intrometa no tempo dele. —
Lorde Boldon sacudiu o dedo para dar ênfase.
Kit gostou do menino. Samuel era apenas a distração de que
precisava e traria de volta a alegria necessária àqueles salões frios e
úmidos.
— Você cavalga muito, Lorde Tyne? — Ele perguntou a Samuel
quando o cocheiro ajudou Lady Grace a voltar para a carruagem.
— Sim, muito bem, meu pai diz. — Anunciou orgulhosamente. —
E você?
— Eu acredito que eu sou adequado. — Ele admitiu com um aceno
solene. — Você gostaria de andar comigo o resto do caminho? Eu tenho
viajado sozinho desde Londres e aprecio uma companhia.
Sammy olhou para o pai, seus olhos implorando.
— Se você prometer se comportar e não mexer muito. — Lorde
Boldon olhou novamente para Sunderland. — Você tem certeza? Você
pode deixá-lo no chão a qualquer momento quando você estiver
cansado. Ele ainda assim chegaria antes de nós.
Kit riu.
— Acho que seremos amigos rápidos.
— E lembre-se de suas maneiras de conversar. Dê a Lorde
Sunderland tempo para responder, antes de passar para outro assunto
— Grace acrescentou através de uma das brechas da janela.
Ela segurou o olhar dele por um momento, então as ripas se
fecharam. Com inocência, com certeza. Ele percebeu isso quando
dançou com ela. Hoje, ela tinha visto sua aparência com os olhos
arregalados. Ele reconheceu o olhar apreciativo, já vira isso várias vezes
em sua vida de solteiro. O rosa em suas bochechas e repentinamente
evitando os seus olhos, lhe diziam que ela era ingênua nos modos de
sedução. Um flerte experiente não teria sido tão abertamente nem
desviado com tanta pressa. Ela revelaria mais nas próximas semanas.
Por enquanto, o castelo estava chamando ele.
Ele estirou seus ombros e pescoço rígidos para aliviar a dor de
uma longa viagem de um dia. Era hora de trocar a sela por um
conhaque e um banho. Então ele iria desfrutar de seus doces italianos
molhados e secos no jantar hoje à noite. Sua boca se encheu de água.
Sua antiga cozinheira, a Sra. Whitten, era um anjo na cozinha.
Sua perna balançou. Kit olhou para baixo e viu Samuel puxando
seus ferros de estribo com a mesma urgência que ele havia puxado na
saia de sua irmã.
— Papai diz que eu sou grande o suficiente para andar de garupa
em vez de na frente.
— Concordo. Você parece forte, mas vamos ver se seus braços são
longos o suficiente.
Lorde Boldon colocou Samuel na parte de trás do cavalo. O garoto
esticou os braços ao redor da cintura de Kit o mais longe possível,
depois agarrou a bainha de seu colete.
— Espere, agora. E me diga se eu preciso ir mais devagar. —
Instruiu Kit enquanto o menino se acomodava em uma posição
confortável.
— Eu gosto de ir rápido. Minhas pernas são fortes também. Eu
posso segurar firme, eu prometo.
Enquanto o grupo descia a estrada, Samuel manteve um fluxo de
conversa unilateral. A paisagem familiar trouxe de volta tantas
lembranças para Kit. Ele e Carson se escondendo na floresta, comendo
a torta de cereja que haviam roubado da cozinha. Eles correram para
cima e para baixo desta colina em seus pôneis. Carson sempre chutava
com tanta força que o pônei afastava de repente. Kit ria tanto que ele
também caía de costas. O riacho abaixo gorgolejava e reluzia, onde eles
haviam pescado com varas de bambu e inventado aventuras ousadas.
Eu sinto você aqui, irmão. Estou feliz que voltei, ele pensou. Este era o
lugar onde ele poderia consertar seu corpo, curar seu coração. A morte,
na batalha e em casa, havia drenado a vida dele. Ele precisava
reabastecer sua fé na humanidade e restaurar o otimismo que sempre
o manteve equilibrado.
Kit reprimiu um sorriso quando o jovem forneceu um fluxo
constante de informações interessantes. Lorde Boldon gostava de se
sentar na frente do fogo todas as noites com seu porto e lembrar-se de
sua mamãe. De manhã, lavava-se com água muito fria para se acordar
e gritava como uma banshee 18. A Sra. Woolley sempre tinha um olhar
bobo no rosto quando levava chá ou uma refeição para o seu tutor. Mas
quando o Sr. Chenwick sorria para ela, ela franzia à testa para ele e
fingia que não gostava dele. As moças eram estranhas e teimosas. Elas
choraram quando estavam felizes.
Excelente truta provia do lago em Boldon, ele informou Kit
enquanto ele corria de um assunto para outro no mesmo fôlego. A isca
favorita de Samuel era um peixinho de seda verde e branco com penas
para a cauda e as barbatanas. Seu pai preferia as minhocas, e eles
enganaram Gracie uma vez, e ele fingiu comer uma. Sua irmã também
era como sua mãe porque Lady Boldon morreu quando ele nasceu. Mas
papai e Gracie lhe contaram tudo sobre sua mamãe e guardavam fotos
dela para que ela pudesse viver em seus corações até que todos se
reunissem.

18
Banshee provêm da família das fadas, e é a forma mais obscura delas. As banshees eram como seres que
previam a morte, seu grito poderia ser ouvido a quilômetros de distância, e poderia estourar até mesmo um crânio.
E não, Gracie não se importava com nenhum homem, exceto com
o pai, que disse que ela seria uma solteirona se ele não a levasse a
Londres e encontrasse um marido para ela.
— Sua irmã está procurando por um marido? — Talvez ele devesse
manter distância. Uma esposa permanecia opcional para ele, se um
herdeiro nascesse em dezembro. Ele havia escrito para seu
comandante explicando a situação, esperando estar de volta ao
uniforme no ano seguinte.
— Não, é isso que faz papai resmungar. Ela diz que não tem
utilidade para outro homem. Suas mãos estão cheias com os dois que
ela já tem. Somos nós. — Explicou Samuel, cutucando o polegar no
peito.
— De fato. Tenho certeza que você mantém sua irmã ocupada.
O menino sorriu.
— Eu faço o meu melhor.
— Devo dizer, Lorde Tyne, nos tornamos amigos rapidamente
neste passeio. — Ele riu, imaginando o horror nos olhos verde floresta
de Lady Grace, se ela tivesse ouvido a conversa. Ela pode ser uma
diversão segura depois de tudo. Nada de errado com um flerte
inofensivo com uma mulher bonita, que parecia disposta o suficiente.
— Você pode me chamar de Sammy. Papai me fez prometer que
não falaria muito. O que mais gosta de fazer?
— Ouvir os rapazes divulgarem seus segredos de família. — Ele
sorriu e deu um tapinha no cavalo. Sim, era bom estar em casa.
CAPÍTULO 08
A amizade é certamente o melhor bálsamo para as dores do amor
desapontado.
Jane Austen, abadia de Northanger

Castelo de Falsbury

— Whoa, whoa. — A pedra mastigou sob as bordas de aço. Os


cavalos desaceleraram até parar e o cocheiro desceu. Vários criados
saíram da entrada da frente, incluindo o mordomo. A porta da
carruagem se abriu e ela se levantou do assento almofadado. Curvando
a cabeça, a mão estendida, ela saiu da carruagem. Mas os dedos dela
roçaram a pele quente, não a mão enluvada do cocheiro. Ela se
encontrou cara a cara novamente com Lorde Sunderland. Quando seu
rosto se inclinou em um sorriso sob aqueles olhos negros brilhantes,
seu coração tremeu. Era difícil acreditar que houvesse dois homens
nesta terra tão bonitos.
— Posso pegar minha espada agora? Por favor?
Grace, feliz por atender a algo além dos pensamentos de Lorde
Sunderland, balançou a cabeça e se virou para o cocheiro.
— Você removeria a bagagem de viagem do Senhor Samuel
primeiro? Sua espada parece ser da maior importância.
— Sim, minha Lady. — As cordas foram puxadas e desamarradas
e logo o cascalho ao lado da carruagem estava cheio de bagagens.
Servos começaram a arrastar as malas para dentro, com o couro
batendo contra os degraus de pedra enquanto se esforçavam com o
peso.
Grace ouviu sua prima primeiro.
— Gr-a-c-e! — Ela irrompeu pela porta, parou enquanto
vasculhava a multidão e fixou os olhos com a prima. — Gracie, oh
Gracie! — Eliza desceu correndo os degraus e atravessou o caminho, o
vestido apertado levemente na elevação de sua barriga. Elas se
abraçaram como se tivesse passado anos. Ambas as mulheres riram,
enxugaram as lágrimas e balbuciaram uma com a outra ao mesmo
tempo.
— Sammy, acredito que vamos cuidar de nós mesmos esta tarde.
Sunderland sorriu para Lorde Boldon.
— Você se importaria se eu o fizesse meu escudeiro neste dia?
— Eu não conseguiria pensar em uma atividade melhor para ele,
depois de três dias em uma carruagem. Na verdade, ficaria feliz em
acompanhá-lo depois que eu lavasse a poeira.
— Encontre sua espada, garoto. Vamos parar na cozinha, nos
limpar um pouco e ver o que a Sra. Whitten tem para sustentar um
cavaleiro em treinamento. Eu vou te ensinar a arte da batalha antes do
jantar.
Sammy vasculhou o seu baú e pegou a sua espada de madeira.
Ele correu para Eliza.
— Você não está feliz por termos vindo? — Ele perguntou. Sem
esperar resposta, o garoto abraçou Grace, fez uma reverência para o
seu pai e pegou o Conde pela mão. — Vamos lá! Vamos! Papai, temos
que encontrar uma arma para você.
— Eu vou ver você na ameia19, filho.
Eles desapareceram pela entrada e o silêncio assaltou o grupo.

19
Ameia pequenos parapeitos denteados que guarnecem o alto das torres, fortificações ou castelos e que
protegem os atiradores.
— Ufa! Ele fica mais enérgico a cada ano que passa, — Observou
Eliza quando se virou para beijar seu tio nas duas bochechas. — Oh
meu Deus. É tão bom ver você. Obrigada por trazer Gracie para mim.
— Eu estremeço ao pensar o que poderia ter acontecido se eu
tivesse recusado. — Ele deu um tapinha no ombro dela. — Eu espero
que tudo corra bem para você. — Seus olhos se desviaram para a
cintura dela.
A mão de Eliza esfregou sua barriga.
— Ah, sim. E Lady Falsbury foi maravilhosa. Ela está organizando
uma refeição leve para nós. Nós vamos nos encontrar com ela, depois
que vocês se instalarem em seus quartos.
As duas moças conversaram enquanto passeavam de braços
dados, alheias à agitação que as rodeava. Os cavalos foram levados
para longe, e um deles assustou-se com o estalar dos estandartes no
alto. Grace achou que o exterior era imponente, mas parou uma vez lá
dentro, a boca se abrindo.
— Meu Deus.
Sua prima riu quando Grace entrou na entrada enorme.
— Intimidante, não é? — A pedra estava coberta de cada lado com
retratos em tamanho natural. Os Marqueses do passados de Falsbury
e os estudaram com desinteresse praticado. Uma variedade de armas
medievais enfeitava as paredes diante deles. Ao lado de uma escada,
uma armadura estava de vigia, segurando um machado de batalha.
— Vamos acomodá-los em seus quartos para que vocês possam
se refrescar. — Declarou Eliza. — Então vamos nos juntar a Lady
Falsbury.
A escadaria circular aberta fora acrescentada ao longo dos
séculos. Eles seguiram vários criados, carregando caixas e baús de
roupas, subindo os degraus de mármore. Grace notou que sua prima
se apoiava pesadamente no corrimão. Avançando para o primeiro
andar, Eliza parou no meio do corredor.
— Tio, seu quarto fica a duas portas. Nós colocamos Grace e
Samuel com quartos contíguos. Eu sabia que ela iria querer ficar de
olho nele.
O quarto era grande e coberto de papel lilás com um padrão
repetitivo de pequenas flores brancas e cor-de-rosa. As cortinas da
cama estavam puxadas para trás da cama de dossel, um dossel de roxo
pálido enfeitando o topo. Um painel de verão, pintado com um vaso de
vegetação e flores, cobria a abertura da lareira. Eliza sentou-se no
colchão, limpando a testa.
— Você deve estar pronta para um banho, prima. Está tão quente
hoje. Eu não sei como você conseguiu ficar dentro da carruagem. Deve
ter sido sufocante.
— É calor ou uma camada de poeira sobre mim. Já é ruim o
suficiente com as ripas quase quebradas, mas as deixo bem abertas e
gostaria de olhar o campo passar. Eu não sabia se Lady Falsbury nos
cumprimentaria ou não, e eu certamente não ia suportar por acaso,
que ela me visse assim.
— Você parece ter impressionado Kit.
— Kit?
— Lorde Sunderland. Devido ao nosso... passado, ele decidiu
quando não estivéssemos em público, eu poderia usar o nome dele, Kit
ou Christopher. Com o tempo, ele disse, estaremos todos acostumados
com o título dele.
— E por que você diria que eu o impressionou? Mal nos falamos
quando nos encontramos na estrada. — Ela silenciosamente
amaldiçoou o calor subindo por seu pescoço novamente. — Ele nos
mostrou sua visão favorita do castelo.
— Agora eu sei que ele ficou impressionado. Esse foi um lugar
muito especial para ele e Carson. — Seus olhos se estreitaram
enquanto estudava Grace. — Você está vermelha.
— Não, eu estou apenas com calor.
— Esta sou eu, então pare com as desculpas. Algo está
acontecendo. Quando olhei pela janela, vi Kit desmontar e quase correr
para a carruagem para ajudá-la.
— Tenho certeza de que ele estava apenas sendo gentil.
— Ele é um soldado. Suas maneiras podem precisar de um pouco
de polimento, mas vou continuar essa conversa mais tarde. Depois de
ter observado mais vocês dois. — Seus olhos brilhavam quando ela
acrescentou. — Muito obrigada por ter vindo. Eu sabia que nada te
afastaria.
— Você parece cansada, Eliza. Você está indisposta? — Grace não
tinha pretendido deixar escapar suas preocupações, mas ela teve muito
tempo, enquanto viajavam para pensar sobre os perigos do parto.
— Não, eu me canso facilmente, mas não enjoei em nada. Essa foi
uma das razões que levaram algum tempo para descobrir que estava
grávida. Mas depois que faltou a minha segunda menstruação, contei
a Carson.
Grace tirou o chapéu e caiu ao lado de Eliza. Seu traseiro afundou
no colchão, e ela se inclinou para trás, abrindo os braços acima da
cabeça.
— Oh, isso é o paraíso. A última hospedaria em que ficamos tinha
apenas quatro carrapatos na cama e o colchão de cima estava cheio de
palha. Melhor do que palha, entretanto, mas senti falta das minhas
penas e lençóis de linho macios.
— Lady Falsbury insiste no melhor de tudo. Você vai ser muito
mimada antes de ir embora. — Eliza se estendeu ao lado de sua prima,
seu cotovelo afundou no recheio macio e apoiou a cabeça na palma da
mão. — Oh, eu poderia tirar uma soneca.
— Eu vou entender se você fizer. Mas, primeiro, você poderia me
enviar uma donzela para mim? Eu tive que deixar a minha para trás.
Sua irmã ia se casar, e não tinha coragem de fazê-la perder o
casamento.
— Isso é típico de você. Eu vou falar com Lady Falsbury. E eu não
poderia dormir quando você acabou de chegar. Temos muito o que
conversar. — A dor brilhou através de seus olhos violetas. Ela olhou
para o dossel. — Foi horrível, Gracie, e depois o seu irmão chegou em
casa. A primeira vez que vi Kit de novo, quase desmaiei. Foi difícil
chegar a concordar com a morte de Carson, quando sua imagem a
cumprimenta no café da manhã.
— Oh meu Deus, eu não posso imaginar.
— É mais fácil agora que conheço o Kit. Eles realmente não eram
nada parecidos. — Eliza encolheu os ombros. — Às vezes eu acordo e
tenho que lembrar mais uma vez que Carson se foi.
— Você o amava, não é?
— Eu o adorei. Ele foi o primeiro homem amável que eu conheci
além do seu pai. O meu pai mal permitia que mamãe me apresentasse
à sociedade antes de concordar com o contrato de casamento. Tudo foi
feito tão rapidamente. Eu só o encontrei algumas vezes quando os
proclamas foram convocados. Eu esperava ser usada como uma égua
de reprodução e depois ignorada. Ele não parecia se importar comigo
de um jeito ou de outro antes do casamento.
— Mas ele se importava? — O coração de Grace se partiu por essa
adorável moça que merecia muito mais do que um breve encontro com
o amor.
Ela balançou a cabeça.
— Nossa noite de núpcias foi… gentil. Acho que ele entendeu o
meu medo, quase como se soubesse do meu pai, e disse que nunca me
atacaria e sempre me trataria com respeito. Ele me tocou como se eu
fosse uma boneca frágil.
Grace lembrou-se da conversa que tivera com Lorde Rok...
Sunderland. A reputação de seu tio era tão amplamente conhecida?
— Ele foi gentil e atencioso, então?
Um sorriso tímido puxou os lábios de Eliza.
— Oh sim. Gracie, foi a coisa mais maravilhosa. Eu não tinha
ideia de que uma união entre um homem e uma mulher pudesse ser
tão prazerosa. Você não teria medo do casamento se soubesse como
poderia ser.
— Eu não tenho medo do casamento. Meus pais tiveram um
relacionamento maravilhoso, cheio de amor e respeito. Eu só não quero
me casar. Há uma diferença. — Ela sabia que seu tom era defensivo e
viu a dor nos olhos de Eliza.
— Oh, por favor, não fique com raiva. Eu não quis ofender você.
Grace se sentou e puxou sua prima com ela.
— Você é minha melhor amiga no mundo. Estou um pouco
irritada com a viagem. Me conte mais sobre você e Carson.
O rosto de Eliza se suavizou.
— Ele era charmoso e tinha um ótimo senso de humor. Ele me
provocou, mas nunca foi cruel. Sei que eu era uma idiota, sempre
olhando para ele com olhos de desejo.
— Você era feliz?
— Tão feliz que achei que minha sorte finalmente havia se
transformado. Carson começou a me trazer pequenos presentes. Ele
disse que gostava de me ver sorrir, que nunca conheceu uma pessoa
que possuísse minha verdadeira sinceridade.
— Ele veio a conhecê-la então. — Grace apertou a mão da prima,
agora se consolando com o fato de que ela conhecera o amor antes de
seu marido morrer.
Eliza respirou fundo e continuou.
— A primeira vez que ele me trouxe um buquê, eu chorei. Eu era
tão estúpida. Isso me pegou de surpresa. Ele era como um garotinho,
quase tímido, com medo que eu pudesse rir dele ou virar o nariz para
as flores. Em vez disso, eu fui uma idiota e comecei a chorar. Quando
ele pegou meu rosto nas palmas das mãos e olhou nos meus olhos...
Eu vi.
— Viu o quê?
— O carinho que ele tinha por mim. Ele estava começando a se
importar comigo. — Ela parou por um momento, esfregando a barriga
em círculos largos e lentos. — Quando ele me levou naquela noite, foi
diferente. Ele não me tocou como se eu fosse quebrar. Ele era terno,
mas exigente, e eu sabia que isso iria acontecer. Eu sabia que ele me
amaria algum dia. — A tristeza em seus olhos cortou o coração de
Grace.
— E então ele se foi. Gracie, por quê? Por que Deus me daria
alguém para amar só para levá-lo embora? Me dar um pequeno
vislumbre de felicidade e, em seguida, tirar de mim?
— Eu não sei, Eliza. Eu não sei. — As lágrimas deslizaram pelo
seu próprio rosto agora. — E quando você disse a ele que você estava
grávida?
— Ele parou de beber e só saiu uma ou duas vezes por semana.
O bebê foi nosso segredo no começo. Notícias que nós dois poderíamos
guardar por um tempo antes que o mundo se intrometesse em nosso
estado de felicidade. Essas poucas semanas foram perfeitas.
Elas se sentaram em silêncio, ambas perdidas em seus próprios
pensamentos. Grace estava pensando na perda de sua mãe novamente,
empatia surgindo dentro dela sabendo que Eliza estava sentindo o
mesmo desespero e vazio. O casamento parecia trazer nada além de
miséria. Maridos que maltrataram suas esposas, casais que não
tinham nenhum afeto mútuo ou a morte. Por que ela iria querer correr
esse risco?
— Deus, olhe para nós. — Eliza fungou, enxugando o rosto com
as duas mãos. — Você vai pedir a carruagem para levá-la para casa, se
eu continuar com essa tristeza no rosto. — Ela jogou os braços ao redor
de Grace e a abraçou. — De agora em diante, apenas pensamentos
positivos. Lady Falsbury diz que o temperamento do bebê vai assumir
o meu. Então eu preciso manter uma disposição alegre. — Sua mão foi
para sua barriga novamente. — E eu tenho grande consolo nesta
criança. Um pedaço de Carson para cuidar, enquanto Sammy mantém
viva a memória de sua mãe.
— Eu prometo a você, vamos passar por isso, e vamos ficar o
tempo que você precisar de nós. Ou até que meu irmão cresça e você
nos mande embora. — Grace riu e beijou sua bochecha. — Vamos
encontrar Lady Falsbury e depois ver se podemos localizar esses
cavaleiros errantes!
CAPÍTULO 09
Sempre ria quando você puder. É remédio barato.
Lorde Byron

Bom Deus! O menino finalmente estava se cansando? Não, Kit


estava exausto e o menino era incansável. E muito bom com uma
espada de madeira. Kit mostrara ao jovem um pouco de defesa e
ataques básicos. Ele havia aprendido rapidamente. Muito depressa, ele
pensou com desgosto, esfregando o olho que ele quase perdeu quando
Sammy pulou inesperadamente. Para mérito do menino, ele começou
a chorar quando achou que havia cegado Kit. Isso levou a mais dez
minutos para acalmar a criança. Ele também havia aprendido que
amêndoas açucaradas eram uma boa distração para uma criança de
cinco anos cheio de lamentação.
Após uma hora de brincadeira completa, Kit estava pensando em
sua última batalha real com prazer. Os soldados não se abaixaram e
se arrastaram entre as pernas do inimigo ou pularam sobre seus
ombros e faziam cócegas sob a axila. Foi uma luta suja e o menino foi
muito bom nisso. Ele tinha um novo respeito por Samuel e subornou-
o com um pouco de marzipã para que um homem idoso pudesse
recuperar o fôlego.
— Lorde Sunderland, como vai?
Sammy largou a espada e correu para o pai, saltando para os
braços sem aviso prévio. Ele deu um grunhido quando tomou a força
do peso de seu filho contra seu peito sólido.
— Papai, aprendi a lutar como um cavaleiro. Eu precisarei de
armadura em seguida. Sunderland diz que vai me proteger de cortes e
contusões.
Boldon olhou para o Conde.
— E talvez um elmo20 para proteger seus olhos, hein?
— Diga-me que não está inchando. — Kit perguntou com um
sorriso pesaroso, seus dedos pressionando cuidadosamente em torno
de seu olho.
O homem mais velho apertou os lábios e encolheu os ombros.
— Minha visão não é o que costumava ser. Talvez seja apenas a
sombra da tarde ou a maneira como você está de pé.
— É minha culpa, papai. Lembra como praticamos com sapos
naquele dia no lago?
— Eu me lembro de você tentando pular como um sapo. E o que
isso tem a ver com o olho inchado de Sunderland? — Ele cruzou os
braços sobre o peito. — Samuel, nada mais de brincadeiras estúpidas!
Não discutimos isso?
Kit queria desaparecer ao longo da borda da ameia. Uma criança
estava sendo repreendida por brincar muito mal, com seu anfitrião
adulto, que havia lutado dez anos para ganhar sua reputação
destemida em batalha. Combate mão-a-mão. O absurdo disso bateu-
lhe no rosto.
Uma risada se transformou em um estrondo profundo que
começou em sua barriga e subiu e saiu de sua garganta. Por Cristo,
isso o fez sentir uma pedra mais leve. Sammy inclinou a cabeça em
pergunta, então se juntou a ele, seguido por seu pai. Os três estavam
segurando suas barrigas, dobrados, gargalhadas altas ecoando sobre a
torre. Uma lágrima rolou pelas bochechas de Kit e ele desmoronou

20
Elmo capacete que os antigos combatentes usavam como peça de armadura.
contra a parede de pedra. Sammy caiu no colo de Kit e Boldon se
inclinou sobre o parapeito, enxugando os olhos.
A última vez que ele riu tanto foi com Carson, antes de entrar no
exército. Seu estômago doía, seus olhos queimavam, sua garganta
estava seca e ele não se sentia tão bem em anos. Com um sobressalto,
Kit percebeu que sentia falta disso, a camaradagem informal, esses
momentos de alegria inesperada e a família. Nos últimos dez anos, seu
corpo havia sido saciado com a severidade da guerra, uma tristeza de
não saber qual de seus homens retornaria às suas tendas, com cuidado
para não se apegar demais a ninguém sob seu comando. Houve
vislumbres de hilaridade forçada, o humor espalhafatoso dos soldados
ao redor de uma fogueira, a risada tensa dos homens sabendo que esta
poderia ser sua última refeição, última piada, última noite na Terra.
Kit perdera o equilíbrio em sua vida. O equilíbrio cuidadoso que
permitiu que a mente aceitasse o mal no mundo, mas a alegria ainda
permanecia, a inocência de uma criança rindo, a delícia de um simples
trabalho bem feito, o toque terno de uma mulher bonita...
Quando os três recuperaram o fôlego, ele teve a sensação peculiar
de que eles não estavam sozinhos. No topo da escada, Lady Eliza ficou
com a boca aberta, e os olhos de Lady Grace dançaram divertidos,
embora sua mão misericordiosamente cobrisse seu sorriso. Mas os
ombros trêmulos a entregaram. Ela observou seu pai e seu irmão,
sacudindo a cabeça como se isso fosse uma ocorrência comum. Mas
quando seu olhar se demorou nele, ele detectou uma surpresa de
aprovação. Foi a sua vez de corar. Nada como perder a dignidade desde
o início, pensou ele. Mas, porém explosão diferente, valeu a pena cada
minuto.
— Gracie, eu sou um cavaleiro e quase ceguei Lorde Sunderland
com meus movimentos perversos. Então eu chorei, mas ele me deu
doces e depois lutamos mais até que ele estava tão cansado que eu
pensei que ele poderia chorar. E então papai veio enquanto comíamos
marzipã e papai disse alguma coisa engraçada... O que você disse
papai?
Lorde Boldon se afastou da parede.
— Não importa mais. — Ele respirou fundo e enxugou os olhos
novamente. — No entanto, acredito que seu treinamento está completo
por hoje. Eu suponho que vocês vieram buscar esse selvagem para uma
boa limpeza e trocar de roupas?
— Muito intuitivo, tio. Devido a, — o rosto de Eliza ficou um pouco
nublado — falta de entretenimento, Lady Falsbury considera o horário
mais cedo do campo ao seu gosto. O jantar é servido às quatro e meia,
meus senhores.
Isso combinava bem com Kit. Ele se encontrava em sua antiga
rotina de acordar de madrugada e andar ou caçar todas as manhãs
para manter a forma. Se ele retornasse à sua antiga vida, seu corpo
sofreria por falta de exercício. Ele se perguntou quando a família se
levantava em Boldon. Horas da cidade ou horas do campo? Ele apostou
no segundo.
Lady Grace tinha se trocado para um vestido verde oliva com uma
fita de cetim preta logo acima de sua cintura, bordado com flores verde
escuras que combinavam com seus olhos. O material se agarrava a
suas curvas, a cor enfatizava aquela gloriosa juba de cabelo. Sua touca
estava solta e cachos avermelhados saltaram contra suas bochechas
coradas, enquanto ela se movia para frente para pegar a mão de
Sammy. Ela se inclinou, expondo os topos de seus seios brancos e
cremosos. Seus olhos demoraram ali, em seguida, subiram para a
garganta esbelta, que implorava por uma trilha de beijos, e ele
imaginou seus lábios se movendo ao longo de seu queixo até chegar
aos lábios dela.
— Você não concorda, Lorde Sunderland? — Grace perguntou,
ainda se curvando levemente para segurar a mão de seu irmão.
Ele afastou os olhos da boca dela e se forçou a encontrar seu
olhar.
— Perdão, pode repetir? — Ele definitivamente precisava ver suas
necessidades se ele iria ter uma conversa decente com essa mulher no
próximo mês. Por que a moça sempre o desequilibrava?
— Levantar cedo pela manhã significa um dia produtivo. — As
sobrancelhas de Lady Grace se ergueram, seus lábios se apertaram
entre os dentes enquanto ela tentava manter o rosto sério. Ele tinha
sido pego em seu devaneio em seus... atributos.
— Sim. Sim, eu sempre fui um madrugador. Nada como as cores
do amanhecer para tirar o seu fôlego. — Maldição aqueles lábios
novamente.
— Hmmph. — Lorde Boldon pigarreou, seu olhar se lançando
entre sua filha e seu anfitrião. — Venha, Samuel, acho que nos
vestiremos para o jantar juntos. Agradeça a Lorde Sunderland pela
lição.
O rapaz fez isso com uma reverência eloquente, e pai e filho
desapareceram pelos estreitos degraus de pedra. Kit se levantou e se
afastou, executando sua própria reverência para as damas.
— Posso escoltar vocês?
Ambas o encararam sem uma palavra. Ele não falou em voz alta?
Então Lady Eliza estendeu a mão para tocar seu olho.
— Kit, o que aconteceu?
— Oh, isso? Não é nada.
Lady Grace ofegou.
— Sammy fez isso, não foi? Quando ele disse que quase te cegou.
Oh, aquele menino travesso.
— É a consequência de atitude grotesca masculinas. Acredite em
mim, eu merecia isso por subestimar meu oponente. — Ele se curvou
novamente, pensando em começar de novo.
— Pelo menos deixe-me cuidar de você. Por favor, vamos para a
cozinha para colocarmos uma compressa fria para o inchaço. Ainda
não é muito terrível e, se o tratarmos imediatamente, poderei reduzir
as contusões. — Ela se virou para Lady Eliza. — Você sabe se há
alguma arnica na horta ou pendurada na sala imóvel21?
Sua prima olhou para ela sem expressão.
— Um médico militar deu a alguns de meus homens aquela erva
para a doença do mar na curta viagem à França. — Disse Kit,
imaginando onde isso levaria. — Meu estômago está bem, garanto-lhe.
— Também ajuda a reduzir contusões em lesões. — Disse Lady
Grace brilhantemente. — Venha, vamos ver o que podemos encontrar.
E foi assim que Kit se viu sob o comando da capitã Grace
Beaumont. Havia uma autoridade agradável em torno dela que fazia os
outros quererem fazer o que ela mandava. Com apenas alguns pedidos,
dados com eficiência e um tom gentil, mas firme, ela mandou a
cozinheira enviar o pessoal em quatro direções diferentes. Um menino
voltou primeiro com um balde de água fria do poço. Outra jovem voltou
com avelã-bruxa22, que Grace despejou na água.
O cheiro da mistura crescente encheu a grande sala. Eliza apertou
a barriga, o rosto pálido.

21
Sala imóvel faz parte da cozinha é uma sala de destilaria, ervas eram preservadas para dar sabor aos
alimentos, encontrada na maioria das grandes casas, castelos ou grandes estabelecimentos em toda a Europa que
remontam pelo menos aos tempos medievais.
22
Avelã-bruxa ou hamamelis são um gênero de plantas com flores, propriedade adstringentes, anti-
inflamatórias, utilizada para problemas de pele, hematomas e inflamação nos olhos.
— Por favor, dê-me licença. O cheiro pungente de levedura não
está me fazendo bem por algum motivo. Eu acho que vou verificar Lady
Falsbury e vejo vocês dois no jantar.
— Oh, minha pobre querida. Eu pensei que você não tivesse tido
nenhum enjoo?
— Não, mas certos odores apenas afetam meu estômago, o
deixando revirado. Não há nada que possa me afetar. Então, se você
me der licença. — Ela disse fracamente e saiu correndo da sala úmida.
Lady Grace voltou as suas atenções para Kit.
— Eu vou tentar não machucar você, mas eu preciso ter certeza
de que não há arranhões que possam ficar infeccionados. — As pontas
dos dedos dela pressionaram suavemente a pele ao redor dos olhos dele
e puxaram a pálpebra para baixo. Sua respiração estava quente em sua
pele e cheirava a baunilha e limão. Um pensamento perverso, sua
língua acariciando a dela e provando o cítrico que enchia suas narinas,
o fez segurar o fôlego.
— Eu sinto muito. — Disse ela, obviamente, pensando que lhe
causara dor.
— Eu estou bem. — Ele assegurou. — Eu estive muito pior na
minha carreira.
Satisfeita, ela colocou uma compressa fria contra o olho esquerdo
e instruiu-o a inclinar a cabeça para trás. Ela estava à sua direita,
encostada na maciça mesa de nogueira no centro da cozinha. Com a
cabeça para trás e o olho bom para baixo, Kit tinha uma visão perfeita
dos montes de marfim. Um sorriso curvou seus lábios. Este dia estava
melhorando a cada hora.
A cozinheira voltou, ofegante e agitando algumas flores amarelas
na mão. Ela empurrou o cabelo grisalho crespo de volta para touca.
— Aqui está, minha Lady. Isso será o suficiente?
— Sim, perfeito. — O sorriso de agradecimento que Lady Grace
deu à Sra. Whitten fez a velha sorrir. Suas mãos capazes cortaram a
arnica com uma grande faca, parando apenas para enxugar o suor da
testa com a manga.
Outro criado saiu correndo da lareira com uma pequena panela
de água fervente.
— Sra. Whitten, isso precisa ser fervido e moído em uma pasta.
Você poderia fazer isso por mim? — Lady Grace perguntou. —
Mantenha essa compressa em seu olho, meu senhor. Eu não lhe disse
para removê-la ainda.
— Será um prazer. — Disse a cozinheira, raspando a erva cortada
em uma pilha. Sua pele enrugada desmentia a juventude em seus olhos
brilhantes. Ela sorriu para seu senhor. — Ele não está acostumado a
receber ordens, já que ele sempre as deu. Preciso ver isso.
— Bem, acho que o jogo virou, não é mesmo? — Lady Grace
removeu o pano de seu gancho e mergulhou-o no balde frio novamente.
— Diga-me que você será cooperativo, senhor Sunderland, e aplaque
minha culpa neste assunto.
— Isso depende do que você me pede. — Kit apreciou o olhar de
desafio em seu olhar direto. Para onde foi a moça de olhos grandes
desta manhã? Esta mulher seria um oponente formidável em qualquer
coisa que ela decidisse fazer.
— Você precisará aplicar a pomada duas vezes por dia, à noite
antes de dormir e quando você se levantar de manhã.
— Considere-me um paciente disposto. — Seu tom era baixo,
destinado apenas para seus ouvidos. — Especialmente se você aplicar
isso para mim. — O rosa subindo em seu rosto o fez sorrir, mas suas
palavras esconderam qualquer constrangimento.
— Acredito que a Sra. Whitten ainda pode dar uns tabefes em
seus ouvidos se você agir desagradavelmente. — Um murmúrio de
concordância soou por trás deles. — Não pense que por causa dos
quartos próximos, você pode agir com qualquer tipo de familiaridade,
senhor.
Ele se encolheu quando ela aplicou a compressa fresca com mais
força que a necessária. Ela certamente o colocou em seu lugar. Mas
suas próximas palavras o fizeram sorrir novamente.
— Não importa o quão bonito ou charmoso você possa ser.
Kit suspeitava que Lady Grace poderia ser a melhor cura para o
que o afligia.
CAPÍTULO 10
Eu tenho sido um ser egoísta toda a minha vida, na prática,
embora não em princípio.
Jane Austen, Orgulho e Preconceito

Meados de julho de 1815

Grace se vestiu rapidamente e alisou a camisa sobre os quadris.


Ela franziu o nariz para o espartilho, mas colocou-o. Com uma mão
habilidosa, ela alcançou por trás, puxou os laços no meio e depois
amarrou as cordas no final. Sua donzela iria apertá-lo adequadamente
quando se vestisse para o café da manhã. A pobrezinha ficou
horrorizada ao saber que Grace se vestiu na primeira manhã. Ela
aprendeu a fazer um trabalho razoável por volta dos trezes anos
quando começou suas incursões matinais. Com a anágua corpulenta,
as meias de seda e as ligas no lugar, ela vestiu o vestido amarelo claro
de manhã. A renda branca no pescoço e nas mangas estava rasgada,
mas ninguém a veria a esta hora.
Uma rotina foi estabelecida na última semana. Como sempre,
Grace subiu entre seis e seis e meia. Ela iria espiar no quarto de
Sammy, em seguida, descer as escadas estreitas atrás, percorrer vários
corredores, e um outro conjunto de escadas, e encontrar-se na cozinha.
Os jardins logo depois, eram calmos e cheiravam celestialmente. O
orvalho fresco da manhã brilhava prateado nas folhas, acentuando as
pétalas amarelas, rosa e vermelhas que estavam em flor. Ela parou no
canteiro de ervas, passou os dedos sobre o alecrim e levou-os até o
nariz. O cheiro de pinheiro e limão fazia cócegas em suas narinas
enquanto ela olhava além dos jardins para as colinas ondulantes.
Por duas vezes esta semana, viu Lorde Sunderland em seu grande
cavalo negro, muito longe à distância, subindo uma colina ou entrando
na floresta. Sua forma alta, escura em seu casaco de luto, destacava-
se contra os troncos brancos e austeros do vidoeiro que se misturava
com carvalhos imponentes. O fato de ele se levantar ainda mais cedo
do que ela a fez sorrir por algum motivo. No entanto, o próprio homem
parece ter feito de sua missão me fazer sorrir, ela pensou enquanto
esfregava distraidamente as suaves agulhas verdes novamente.
Alecrim é para lembrança,
Entre nós dia e noite.
Desejando que eu possa sempre,
Você está presente à minha visão?
A mão de Grace congelou no meio do caminho até o nariz. Seu
estômago se agitou enquanto a voz sensual caia sobre ela. Sem se virar
para encará-lo, ela respondeu com uma sagacidade rápida,
E quando eu não posso ter
Como eu disse antes,
Então Cupido, com seu dardo mortal,
Acaso ferir meu coração dolorido.
— Você costuma surpreender as damas passeando sozinhas no
jardim, meu senhor? — Como ela poderia não ter sentido a abordagem
dele? Sua presença era quase avassaladora. Sua pele arrepiou e ela
resistiu ao desejo de esfregar seus braços nus.
— Só a mais bela das mulheres, Lady Grace. — Ele entrou na
frente dela e fez uma reverência. — Eu peço desculpas se a assustei.
Então você acredita no poder do alecrim?
— Para memória? Eu não sei, mas o poema é adorável. Uma
balada medieval, não é? — Ela olhou para ele sob a cobertura de seus
longos cílios. Tão bonito. Seu olho se curou completamente, nem
mesmo uma ligeira contusão permaneceu. — Você não parece o tipo
poético, Lorde Sunderland.
— Minha mãe me ensinou esse, quando eu era jovem. Sim, gosto
de uma linha bem escrita. Você pode achar que sou cheio de surpresas
se me conhecer, minha Lady.
Ele tinha acabado de lançar a luva23? Como ela amava um desafio.
— Se você permanecer durante à minha visita, farei o meu melhor.
Mas por enquanto, — ela olhou ao redor, percebendo que estavam
sozinhos — devo me despedir antes que alguém pense que
providenciamos um encontro.
Com uma reverência, ele lhe deu bom dia.
— Eu vou te ver mais tarde hoje então.
Com um passo rápido, Grace se apressou pelo caminho. Não
havia ninguém além de suas próprias famílias presentes, mas os
criados podiam ser tão maus quanto fofoqueiros. Papai ficaria
mortificado se pensasse que ela estava sozinha no jardim com um
solteiro elegível. Ou ele fecharia os olhos e cruzaria os braços.
Durante um jogo de Loo 24 algumas noites passadas, seu pai
perguntou ao Conde quais eram seus planos se Eliza tivesse um
menino. Sunderland encolheu os ombros. Ele retornaria a sua carreira
militar, a menos que seu pai precisasse dele. Isso levou a uma
discussão sobre política e, por sua vez, Bonaparte e Wellington. Na
metade do discurso sobre a ascensão francesa e a queda final,

23
Lançar a luva era em simultâneo um desafio e um insulto. Quem não aceitasse o repto, apanhando a luva,
enfrentava a desonra e a humilhação.
24
Loo ou Lanterloo é um jogo de cartas popular na Inglaterra do século XVII ao século XIX.
Sunderland fez uma pausa e implorou perdão às damas pela conversa
monótona.
— Bobagem! — A voz de seu pai havia se espalhado pela sala. —
São apenas nossas duas famílias e eu frequentemente discuto os
eventos atuais com minha filha. Ela é muito astuta, você sabe.
As batidas do coração dela ecoaram através de seu corpo
enquanto Sunderland a olhava.
— Não tenho dúvidas. — Tinha sido sua única resposta, mas seus
olhos, brilhavam com humor.
Enquanto as noites poderiam ter sido tranquilas comparadas ao
entretenimento de Londres, ela se viu ansiosa pelos jogos noturnos no
salão. Lady Falsbury era uma jogadora de whist25 perversa. Seu rosto
estoico nunca mostrou sua mão até que ela riu de alegria e pegou o
dinheiro ganho. Eliza tocou piano enquanto Grace acompanhando à
música. Sammy emprestava sua voz alta e clara e se curvava
formalmente depois, como se tivesse se apresentado no palco. Não
havia dança, é claro, já que os anfitriões estavam de luto. Ela não se
importava. A companhia era maravilhosa e uma troca do livro habitual
ou bordado na frente do fogo. No final da semana, a cor de Eliza havia
retornado e as duas mulheres estavam tendo uma esplêndida visita.
Uma noite, depois do jantar, as senhoras estavam tomando chá.
Lady Falsbury e Eliza tinham as cabeças inclinadas sobre o bordado,
quando os homens se juntaram a elas.
— Devo dizer que, quando esses padrões de cores surgiram, achei
tolo, — comentou a Marquesa — mas quanto mais fracos meus olhos
ficam, mais eu aprecio não apertar os olhos para ver a cor. Isto pode
dar dores de cabeça.

25
Wist é um clássico jogo de cartas, é um descendente do jogo do século XVI de trunfo ou ruff.
— Os pontos são muito pequenos. Eu não posso esperar para ver
essas pequenas botas no bebê. — Eliza esfregou o estômago com um
sorriso contente. — Minha mãe está me enviando restos de material de
seus vestidos e retalhos de roupas da minha infância para fazer para
ela uma colcha.
— Para fazer para ele uma colcha. Esse será um excelente projeto
para um clima mais frio. — Concordou sua sogra.
Grace não tinha paciência para fazer bordados, embora ela se
esforçasse quando fosse necessário. Ela odiava ficar sentada sem
algum tipo de atividade e, na noite anterior, terminara O Corsair de
Lorde Byron.
— Papai, você se importaria de jogar um jogo de Spillikins26?
Ele balançou a cabeça e deu um tapinha na barriga.
— Eu temo que depois de um bom jantar e bom porto, eu estou
desfrutando de uma atividade sedentária, observando essas senhoras
no trabalho.
— Um passeio pelo salão, Lady Grace? Eu também me vejo
relutante em ficar sentando. — Perguntou Lorde Sunderland. Ele se
levantou e ofereceu seu cotovelo direito.
Grace levantou-se e colocou a mão no trapaceiro. Seus olhos se
arregalaram quando ele puxou o seu braço para mais perto de seu
corpo. Sem pensar, a mão dela se apertou. Quando ela olhou para
cima, seus olhos castanhos escureceram quando ele sorriu. Eles
passearam pelo longo salão, fazendo brincadeiras sobre o clima do dia.
A extensão do espaço permitia discussões tranquilas sem serem
ouvidas. Depois de uma volta, Grace respirou fundo e deixou escapar
o que estava em sua mente.

26
Spillikins é um jogo de habilidade, qual os jogadores tentam remover palitos de marfim ou madeira, lisos e
esculpidos de uma pilha dispersa sem perturbar qualquer outra vareta além daquela atualmente removida.
— Foi gentil da sua parte permitir que Eliza usasse seu nome.
Nestas circunstâncias, posso entender como o uso de seu título pode
ser desconcertante.
— Um gesto bastante pequeno. Ela ficou arrasada, você sabe. Isso
pode ter sido uma das razões que eu ofereci. Sua dor foi sincera, e
imagino que olhar para o irmão gêmeo do seu falecido marido seria
alarmante o suficiente. Meu pai não ficou satisfeito, mas raramente
fica. — Ele olhou para baixo, considerando-a. — Você desaprova?
— Embora eu acredite em protocolo para muitas coisas, essa
situação não é uma delas. Foi um gesto atencioso que aliviou sua dor.
— Explicou ela. — Eu não posso desaprovar isso.
— Você está gostando da sua visita até agora? — Eles passaram
os outros, enquanto circulavam pelo salão. Eliza sorriu para ela, as
sobrancelhas levantadas.
— De fato, senhor. Falsbury é imponente, mas provoca a
imaginação. — Grace adorou esse antigo castelo. Os esconderijos
inesperados em passagens escuras, pedras antigas e escadas estreitas
e sinuosas.
— Deixe-me adivinhar, as torres e fendas de flechas você têm
imaginado reis e rainhas com seus estandartes, cavaleiros em batalha,
todas as noções românticas medievais. — Disse ele.
— Eu odeio parecer chata, mas não consigo imaginar a guerra
sendo romântica. — Ele não respondeu no início. Ela espiou ele sob os
cílios e ele parou. Seu olhar fixo com o dela, a dor evidente em seus
olhos. — Não, eu posso ver que não foi.
— Eu não acho que poderia descrever o verdadeiro horror da
batalha. Os sons, os cheiros, a angústia da alma quando outra vida é
tomada. — Seu rosto empalideceu. — As consequências podem ser
ainda piores do que a morte real.
A agonia em seu rosto a chocou. Ele ficou lá, olhando para ela,
mas não a vendo. Sua mente estava em um lugar terrível, preso em
uma lembrança pungente. Grace queria abraçá-lo, consolá-lo,
murmurar palavras suaves e dizer que o terror iria desaparecer. Mas
ela não poderia mentir e dizer algo que não fosse verdadeiro. Ele
merecia mais do que isso, então ela apenas ficou quieta com um leve
sorriso e esperou que ele voltasse. Sua cabeça se sacudiu, seus olhos
se concentraram em seu rosto. Com uma ligeira pressão no braço, ela
deu um passo à frente e eles retomaram o ritmo.
— Você faz uma boa figura em um cavalo. Eu gostaria de ver você
em um corcel branco, meu senhor. — Ela comentou, esperando tirar
ele de seus pensamentos tristes.
— E você, minha Lady, faz uma boa figura a qualquer hora e em
qualquer lugar. — Ele se curvou, seu humor anterior retornando. —
Eu vejo que você estava lendo Byron. Uma fã como a maioria das jovens
senhoras, presumo?
Com uma risada, ela balançou a cabeça.
— Eu gosto de sua prosa. No entanto, não carrego seu retrato em
um medalhão para que possa olhar para ele e desmaiar. E sim, eu vi
isso acontecer.
— Eu estou alegre por você não ser uma estúpida, Lady Grace.
Nas forças armadas existem dois tipos de mulheres, e nenhuma é do
tipo estúpida. — Ele pareceu considerá-la. — Eu acredito que você se
sairia bem como a esposa de um soldado.
— Eu acredito que isso é um elogio. Porque você acha isso?
— É uma variedade diferente de mulheres que seguirão a seu
marido para a guerra. Não que eles não tragam artigos refinados ou
façam amigos em cidades próximas e participem de eventos, pois isso
é tudo uma distração necessária da questão real.
Ela esperou até que eles passassem novamente pelo pai e pelas
senhoras.
— Qual é?
— A razão é porque essas mulheres sabem o que acontece. Elas
querem a última palavra, o último olhar, o último beijo que podem
roubar do destino antes de seus maridos erguerem a espada e a pistola
e atacarem o inimigo. Eu vi esposas seguirem seus homens na luta. —
Ele deu a ela um sorriso travesso. — Eu acredito que você poderia ser
esse tipo de mulher.
— Oh, minha pistola balançando acima da minha cabeça,
gritando para recuar ou enfrentar a minha fúria. — Grace revirou os
olhos. — Tenho certeza que teria sido um terror.
— Talvez não, mas você tem força e coragem para o trabalho.
Suas palavras a encheram de orgulho. Ela gostava desse homem
e se preocupava com ele. Papai sempre dissera que um homem nunca
sabe os efeitos da guerra até chegar em casa. Ela se perguntou que
fantasmas perseguiram Lorde Sunderland.
Grace e o Conde continuaram seus passeios noturnos, no jardim
ou no salão nas noites mais frias, discutindo acontecimentos atuais e
política, literatura e música. Talvez não houvesse mal algum em um
flerte leve com o Conde. Eliza elogiou-o por ser atencioso e
compreensivo.
— E tão bonito quanto Lorde Byron, se não tão poético.
Papai notara a apreciação mútua. Se ele pensasse que havia uma
possibilidade de um casamento entre eles, não abandonaria o assunto
dos pretendentes, pelo menos até que Eliza desse à luz? Se Eliza tivesse
um filho e herdeiro, Sunderland provavelmente retornaria à sua antiga
vida e ela retornaria à dela. Eles poderiam seguir seus próprios
caminhos, sem danos.
Mas se ela tivesse uma menina? O Conde seria forçado a se casar
exatamente como seu irmão. Ele a considerava uma perspectiva? Se
ela tivesse que se casar com alguém, ele seria de fato um bom
candidato. Seu corpo aqueceu ao pensar em seu toque íntimo, seus
dedos acariciando sua pele, seus lábios arrastando beijos quentes ao
longo de seu pescoço e finalmente reivindicando...
— Grace! Você ouviu uma palavra do que eu disse? — Eliza
perguntou bruscamente. — Você está mostrando uma expressão muito
ridícula.
Ela pulou, culpada pelos pensamentos escandalosos que
passavam por sua mente.
— Minha mente estava em outro lugar.
— No Kit, eu aposto. Não pense que não notei o jeito que os olhos
dele brilham quando você entra em uma sala, ou o rosa em suas
bochechas quando ele brinca com você. — Eliza juntou os braços e
puxou-a da biblioteca. — Com todo o seu bom senso, você estava
corando esta manhã no café da manhã, quando ele disse que seu
vestido matinal trouxe os traços douradas em seus olhos verdes.
— Foi apenas um elogio. — Ela murmurou.
— E eu não merecia elogios? — Argumentou Eliza. — Oh prima,
você acha que uma união é possível? Ele é um sujeito tão bom. Quantos
homens seriam tão gentis com uma mulher que poderia roubar seu
título deles em poucos meses? Nenhuma palavra dura, sempre
perguntando sobre o bebê e minha saúde.
— Estou feliz que você tenha encontrado uma vida melhor. —
Disse Grace, dando-lhe um aperto enquanto caminhavam pelo
corredor. — E admito que gosto da atenção. Pela primeira vez na minha
vida, eu entendo por que as meninas desmaiam e sussurram sobre esse
homem ou aquele. Mas ainda não tenho desejo de casar.
— Gracie, como você pode dizer isso quando seus pais eram tão
dedicados um ao outro?
— Onde ficou minha mãe? Você se lembra do que meu pai passou
quando ela morreu? — Ela negando com a cabeça, seus lábios
pressionados juntos. — E eu nunca poderia deixar Sammy. Papai
ficaria arrasado sem mim para administrar a casa. Ele só está
preocupado com o meu futuro.
— Ou dele. Ele pode se casar novamente.
Eliza não poderia tê-la machucado mais com uma faca no
coração.
— O quê? Você acha que ele quer outra esposa?
Sua prima parou e colocou a mão na bochecha de Grace.
— Ele ainda é um homem bonito e de boa saúde. Por que ele
deveria ficar sozinho quando tem muito mais para dar?
Grace ficou horrorizada. Nunca lhe ocorrera que o pai pudesse
pensar em se casar novamente. É por isso que ele estava tão inflexível
para encontrar um casamento? Seu mundo quebrou enquanto ela
refletia a possibilidade. Quão egoísta ela tinha sido. A vida de todos não
girava em torno dela, mas seu mundo girava em torno deles. Ela tinha
certeza disso, então outro tipo de existência nunca a tentaria. E o amor
nunca governaria seu coração.
— Sammy teria uma mãe de verdade, não uma irmã usurpando o
seu papel. — Lágrimas queimaram em seus olhos. — Receio que meu
ego me cegou quando se trata da minha família.
— Não, não. Eles amam você, Gracie. Onde eles estariam sem você
nos últimos cinco anos? Mas nós crescemos, mudamos e seguimos em
frente, não é? Isso não é culpa de ninguém, é apenas a vida.
— Eu suponho. — Como ela poderia dizer a Eliza que ela também
temia o parto? Podia assustar a prima e prejudicar o bebê. — Vamos
aproveitar a nossa visita, juntas por agora e nos preocuparmos com o
resto mais tarde. Concorda?
— Concordo. Agora, vamos encontrar Sammy e dar um alívio ao
seu pai até o jantar.
Elas encontraram Sammy e seu pai no gramado, jogando peteca
com raquete. Eliza bateu palmas, enquanto eles batiam a peteca de um
lado para o outro com a raquete
— Vinte e um, vinte e dois, vinte e três. — Ela gritou. — A última
vez que tentei isso, meu parceiro e eu não conseguimos mais de três
ou quatro passes.
Lorde Boldon se esticou em direção ao chão para salvar as penas
pesadas, seu bater um tanto casual, mas bem-sucedido. Sammy saltou
o mais alto que pôde e errou.
— Ha! Você falou cedo demais, Eliza, minha querida. — Ele
acenou com a raquete. — Outra chance, rapaz?
Grace observou os dois enquanto eles jogavam. Seu pai havia
pendurado o casaco em um galho de uma árvore sorveira brava 27
próxima, seu cabelo castanho claro escurecido pelo suor. Ele se movia
como um homem mais jovem, com o rosto iluminado de prazer
enquanto balançava a raquete. Sua mente vagou de volta para a
conversa anterior. O Conde de Boldon era um aristocrata apaixonado
e vibrante de terras e riqueza. Por que não ocorreu a ela que ele poderia
amar novamente? O nó em seu estômago se esticou e se apertou. O
casamento não era uma expectativa irracional para qualquer filha. Ela
gostava de dançar e flertar com leveza, não que tivesse muita
experiência com a última. Os eventos sociais dentro dos arredores de
Boldon eram um pouco limitados, mas danças do campo eram
populares. Muitas foram em sua própria propriedade.

27
Sorveira brava árvore da família das rosáceas cujo fruto (sorva) é comestível e cuja madeira, muito dura, é
usada em carpintaria.
Sua vida seria tão diferente, não seria? Ela se acostumou a sua
independência. Papai nunca questionou seus gastos. Na verdade, ela
mantinha os livros da casa. Um marido esperaria que ela fosse
obediente e mantivesse suas palavras. Ela nunca poderia agir como
uma daquelas debutantes estúpidas, sempre de acordo com o homem,
com os olhos voltados para baixo. Ela também não podia ser uma das
moças descaradas que abertamente brincavam com os homens e
rapidamente ganhavam uma reputação.
Sammy cumpriu seus anseios maternos. Ela não poderia
imaginar, não ver seu irmão todos os dias. Mesmo que seu pai não
precisasse dela, Sammy ficaria de coração partido. E uma segunda
esposa desejaria criar o filho de outra mulher? Pare com isso! Ela se
repreendeu. Quem não poderia se apegar a esse garotinho? Tire as
vendas dos olhos e pare de dar desculpas.
— Você toca, Lady Grace?
Ela fechou os olhos, seu hálito quente contra sua têmpora. As
criaturas aladas levantaram voo em sua barriga novamente. Como ele
conseguiu ficar ao seu lado sem ela notar?
— Sim, eu sou muito boa. E você?
— Eu não toco desde que era menino.
Ela o viu de pé em sua visão lateral, as mãos cruzadas atrás das
costas. O preto lhe convinha, tornava-o mais enigmático.
— Talvez estaríamos empatados então?
— Ha! Eu puxaria o chapéu com você sobre isso. Duvido que eu
faria um bom espetáculo disso. — Ele inclinou a cabeça e a estudou.
— Você gosta de exercícios físicos… além de andar? Você cavalga?
— Claro, mas minha égua demoraria um pouco para trazer. Papai
mencionou algo sobre me encontrar uma boa montaria em breve. Ele
disse que Lorde Falsbury, estaria chegando em breve?
— Infelizmente, acabei de receber uma carta dele esta manhã. Ele
não estará aqui por mais uma semana ou duas. A propriedade no sul
de Londres precisa de mais reparos do que ele pensava. Encontrar bons
negociantes nos dias de hoje, em que você pode confiar não é fácil. —
Ele observou o jogo por um momento. — Eu ficaria feliz em levar você
e Lorde Boldon em uma excursão por nossas terras.
Aquelas asas ridículas começaram novamente em seu estômago,
junto com o sorriso bobo. Ela olhou para Eliza, um sorriso de eu disse
a você em seu rosto.
— Isso seria muito generoso da sua parte, meu senhor. Tenho
certeza de que a visão é linda.
Ele sorriu, seus olhos se enrugando em tom de brincadeira
quando seu olhar a varreu da cabeça aos pés e voltou para cima.
— Sim, a vista é muito linda.
CAPÍTULO 11
E de repente você só sabe... é hora de começar algo novo e confiar
na magia dos primórdios.
Meister Eckhart

Meados de julho de 1815

Kit havia escolhido uma pequena égua roan28 avermelhada para


o passeio. Quando o moço do estábulo recuperou a sela de amazona,
Lorde Boldon riu.
— Se isso não te assustar, coloque uma sela montada nela. Sou
um pai excessivamente indulgente, admito. Se não estamos montando
em um grupo e em nossa propriedade, eu permito isso.
Ele acenou para o cavalariço.
— Posso perguntar se em breve verei sua filha com calças de
camurça de soldado? — A ideia não era de todo terrível. A visão do
traseiro de Lady Grace, moldada por um par de calções masculinos, fez
seu sangue aquecer.
Boldon riu.
— Não, não. Acho que se você está pensando em promover sua...
amizade com minha filha, há certos aspectos de sua personalidade que
você deve estar ciente mais cedo ou mais tarde.
Com esse comentário, ele se virou e montou seu cavalo, dando-
lhe vários passos.

28
Roan vermelho é um padrão de cores de pelagem de cavalo caracterizado por uma mistura uniforme de
pêlos brancos e coloridos no corpo, enquanto a cabeça e pernas mais baixas, juba e cauda são na maioria de cor sólida.
Lady Grace se aproximou com um conjunto de montar verde
floresta e combinou o chapéu com uma pena que balançava para frente
e para trás enquanto ela se movia. A saia longa se formou ao redor dela,
mas o corpete estava justo. Ela sorriu e acenou quando se aproximou.
Kit esfregou o nariz do cavalo enquanto o cavalariço selava.
— Oh, como eu amaria ser você hoje. Cuide bem da Lady. — Ele
sussurrou no ouvido do animal. — Ou você responde a mim.
— Espero não ter feito você esperar. — Ela circulou a égua, um
olhar deliberado para as pernas e ancas da égua. — Ela parece forte, e
que linda coloração.
— Seu pai disse que você gostaria dela. — Ela o intrigou com sua
combinação de inteligência, beleza e tendências maternas. E atlética?
Ele queria vê-la galopar em um campo e pular uma sebe. E se o chapéu
cair, tanto melhor.
Lady Grace bateu palmas quando notou a sela e depois mordeu o
lábio.
— Então você descobriu o meu segredo.
— Chantagem... eu posso precisar de outra carreira se Eliza tiver
um menino. — Ele acenou para o cavalariço, que apareceu um
momento depois com seu garanhão preto.
Os olhos de Lady Grace se iluminaram ao ver o cavalo.
— Você tem os melhores e mais belos puro-sangue no seu
estábulo, meu senhor. Seu garanhão não é exceção. Qual é o nome
dele?
— Lance. — Ele respondeu. — Quando o comprei no Tattersall's,29
a filha do homem lhe deu o nome de Lancelot. Meu regimento teria rido
de mim no campo de batalha. Então eu mantive Lance e cortei o lot.
Seus olhos se iluminaram com humor.

29
Tattersalls é o principal leiloeiro de cavalos de corrida no Reino Unido e na Irlanda.
— Agora eu tenho informações que normalmente não são
conhecidas. E a égua?
— Esta é Dottie, assim chamada por causa do malhado na
pelagem. — Ele apontou para o cavalo. — Você gostaria de ajuda ou
prefere um bloco de montagem?
— Sua ajuda, meu senhor, seria muito apreciada. — Ela jogou seu
cabo de chicote em sua mão direita. Kit segurou as mãos e Grace
colocou o pé dentro. Deu-lhe um impulso gentil e ela se sentou na sela
com facilidade.
O dia estava nublado e ameaçou chuva enquanto os três e o
administrador da propriedade partiam. Eles viajaram em um trote
constante pelo primeiro quarto de hora. Satisfeito que Grace fosse tão
competente quanto o previsto, ele lançou um desafio.
— Vamos correr para as sebes. — Disse ele, apontando na direção
de um campo de ovelhas pastando.
— Estou fora, — Disse Lorde Boldon, em seguida, olhou para o
administrador da propriedade. — Vamos dar uma olhada nas ovelhas
enquanto eles brincam. Estou pensando em adicionar um rebanho eu
mesmo.
— Fico feliz em ouvir isso, meu senhor. — O homem respondeu e
os dois correram.
— A cerca é a linha de chegada? E o vencedor? — Grace o desafiou
de volta.
— Sim, e o perdedor perde a sobremesa no jantar.
— Nunca! Quando contar até três. Um, dois...
Ela bateu sua égua com o chicote e com um salto, o animal
disparou. Risos flutuavam atrás dela. Ele fez um som indignado e
começou a correr. Os dois animais correram pescoço a pescoço por
alguns instantes. O som de cascos batendo na terra encheu seus
ouvidos, restos de terra e trevo saíram em seu rastro. Lady Grace era
uma excelente amazona, segurando o cavalo com as pernas, curvando-
se ligeiramente para a frente com a mão leve sobre as rédeas. A alegria
coloriu seu rosto. Ela estava deslumbrante. Então Kit focou na corrida,
e seu corcel maior assumiu a liderança. Ele parou na frente das sebes,
virou o cavalo na parte traseira e esperou o perdedor com um sorriso.
Um borrão de cavalo e cavaleiro passou zunindo por sua cabeça,
pegando a sebe em um gracioso arco. Ela puxou as rédeas, apertou
com a perna direita e o cavalo girou em sua parte traseira. Com um
pontapé de ambas as botas e um leve toque de chicote, eles inverteram
a direção. Kit manteve sua posição enquanto Lady Grace saltava sobre
a sebe novamente, as saias voando atrás dela, as bochechas brilhantes
de excitação. Elas deslizaram até parar, as narinas da égua se abriram
e se viraram para encará-lo.
— Se você está tentando me impressionar porque perdeu a
corrida, você conseguiu. Bom feito, minha Lady. — Ele se curvou da
sela. — No entanto, você perdeu.
— Você não disse que a cerca era a linha de chegada? — Uma
sobrancelha arqueou arrogantemente.
— Sim, mas…
— Eu cruzei a linha de chegada. Você não. É você quem perderá
seu doce favorito para mim. — A presunção em seus olhos era irritante
e deliciosa. Ele queria beijar aquele olhar do rosto dela.
Sua risada foi alta e espontânea. Ele foi enganado.
— Eu concedo a um adversário inteligente.
Eles desceram a colina um ao lado do outro em uma rápida
caminhada e se viraram para o rebanho de ovelhas.
— A admiração de meu irmão por você cresce a cada dia. — Ela
comentou enquanto lentamente atravessavam o pasto. — Eu nunca
diria que você é um homem que gosta de crianças.
— Eu não tive muita experiência com elas, para dizer a verdade.
Ele trouxe de volta algumas das minhas melhores lembranças
brincando aqui como uma criança com Carson. Acredite em mim, ele
me deu muito mais nas últimas semanas do que eu lhe dei. — Sammy
havia repelido a escuridão da tristeza e trouxe a luz da lembrança para
o primeiro plano. Agora ele se lembrava do riso, das travessuras, do
vínculo que ele e Carson tinham compartilhado. O irmão problemático
e autodestrutivo estava desaparecendo ao fundo. Kit agradeceu ao
menino por isso.
— Como foi crescer como um gêmeo?
As pessoas estavam sempre curiosas sobre os gêmeos e
supunham que, se duas pessoas se parecessem, elas eram idênticas.
— Maravilhoso e medonho. — Ele respondeu com um sorriso. —
Nosso pai notou pouco de nós durante a nossa infância. Nossa mãe
acreditava que uma governanta tinha mais experiência em criar filhos.
Mas nunca nos sentimos sozinhos porque tínhamos um ao outro. Nós
éramos confidentes e os melhores amigos. Carson era criança quando
corria, mudando de uma atividade para outra, nunca terminando um
projeto antes de começar outro, pregando brincadeiras terríveis na
família e nos convidados. E foi frequentemente acusado de seus
truques, ou me colocava no meio para salvar a sua pele.
— Então ele se tornou o fanfarrão e você o organizado.
— Ha! Sim, meu irmão nunca diminuiu em sua busca de prazer.
Sua reputação de devassidão começou na universidade, nunca
recusando um desafio ou uma aposta. Ele era um cavaleiro melhor que
eu, mas me destacava no arco e flecha e atirando. — Tinha sido um
ponto dolorido de Carson que seu objetivo era inferior ao de Kit. — Ele
tinha suas falhas, mas ele era uma alma gentil no coração e sua
lealdade, uma vez dada, inabalável.
— Vocês eram parecidos, mas muito diferente, imagino. — Ela viu
além da máscara, expondo seus segredos, seduzindo-o a confiar nela.
— Eu gostaria que outros tivessem notado a disparidade. Lutei
contra a reputação de Carson até receber minha comissão. Sua
notoriedade estava ligada a um rosto, e por acaso eu tinha a mesma
aparência. — Ele fez uma careta, lembrando-se da frustração dos
sussurros e olhares quando ele era confundido com seu irmão.
— Você invejou o título?
— Nunca. Ele odiava a responsabilidade de ser o herdeiro e tentou
várias vezes ao longo dos anos trocar de lugar. Nunca teria funcionado,
é claro, embora estivesse certo. Ele era mais adequado ao papel de
segundo filho. — O velho arrependimento incomodava sua consciência.
— Sua dor ainda é crua. — A simpatia em sua voz o fez piscar. —
A perda deve ter sido devastadora.
— Eu não posso explicar isso. O vínculo que possuíamos ia além
do amor familiar. Nós conhecíamos os pensamentos um do outro,
podíamos dar um aviso ou consolar com um olhar. Ele era a minha
outra metade, e não sei se algum dia serei completo novamente. — Ele
segurou as rédeas enquanto falava, as palavras se formando sem o seu
consentimento. Lady Grace não queria ouvir a lamentação melancólica
de seu anfitrião. — Eu peço desculpas, minha Lady, eu não sou
geralmente um sentimental com meus convidados.
Ela colocou a mão em suas rédeas, seus olhos verdes enevoados,
enquanto ela diminuía o passo do cavalo para uma caminhada
tranquila.
— Meu senhor, não há nada insípido em sua perda. Eu entendo
o vazio que vem com a perda de uma pessoa tão perto do seu coração.
Minha mãe era minha melhor amiga. Eu tinha apenas quinze anos
quando ela morreu e nunca vou preencher o vazio de sua morte.
Sua empatia aliviou a dor. A carícia de seu tom suave, a oferta de
conforto em seus olhos fez com que ele demorasse a puxar seu cavalo.
Kit queria enterrar o rosto no cabelo dela, respirar o cheiro de baunilha
e cítrico, pressionar seu corpo quente contra o dele.
— Obrigado. — Ele respirou fundo, seu coração mais leve quando
ela retirou a mão. — Parece que temos muito em comum, minha Lady.
Como você lidou com isso?
Ela olhou para o pai quando eles se aproximaram.
— Meu pai ficou inconsolável por semanas. Entre ele e uma
criança, fiquei ocupada. Minha mãe me preparou. Eu sabia como
administrar uma casa, mas a tarefa era assustadora sem a ajuda ou o
conselho dela. Mas consegui.
— Seu pai colocou uma grande responsabilidade em seus ombros.
— Ele admirou sua audácia. Muitas moças dessa idade teriam se
afundado em autopiedade. — Ele moldou sua personalidade e tornou
você independente.
— Muito, eu temo. — Seu sorriso era contagiante, e ele sorriu de
volta.
— Como assim?
— Isso me faz cautelosa em relação ao casamento. Eu não quero
estar sob o dedo de algum marido que deseja que eu obedeça a cada
desejo seu. A maioria dos homens espera que uma mulher tenha um
cérebro de idiota, e se contente em criar seus filhos e fazer um lindo
bordado. — Ela estendeu a mão para acariciar o pescoço da égua. —
Eu não consigo me ver em tal papel. Prefiro perder a cabeça do que a
minha independência.
— Então você encontrou maneiras de evitar uma temporada em
Londres, a fim de preservar sua linda cabeça. — Ela era uma mulher
complexa e cativante que apresentava um desafio para qualquer
homem que prefere uma esposa com substância. Ele a desejava, ele
gostava dela. Era uma combinação inquietante.
Uma gota de chuva caiu em sua saia, fazendo um círculo negro
contra o material verde.
— Parece que o tempo pode refrescar nossos cavalos para nós,
meu senhor.
Os dois apertaram os olhos para as nuvens escuras e inchadas
que pairavam no céu. Grace não havia notado antes. A umidade
esfriava sua pele aquecida. A confissão de Lorde Sunderland a tocara.
Havia muito mais nesse homem do que o que ele queria revelar. O
Conde era um homem complicado. Ela invejava sua força e firmeza. Ele
havia falado da lealdade de seu irmão, mas ele encarnava essa
característica.
Seu rosto bonito, marcado com remorso e tristeza, trouxe
lágrimas aos seus olhos. Como ela queria envolver seus braços ao redor
dele, acariciar seu cabelo escuro e murmurar palavras suaves em seu
ouvido. Um homem com tal orgulho, que poderia abrir sua alma como
Sunderland, enviou uma onda de compaixão e saudade através de seu
corpo. E agora ele a estava lendo como um poema bem praticado.
— Receio que, se aceitasse uma proposta, eu acabaria rejeitando
e arruinaria a reputação da minha família. Então sacrificarei minha
felicidade matrimonial pelo nome das futuras gerações. — Ela apertou
os lábios, determinada a não rir da própria loucura.
— Você é instruída no assunto de racionalização, eu vejo. —
Brincou ele.
— Então, o que disse antes. — Ela concordou. — Eu perderia mais
do que ganharia com o casamento. Não apenas minha independência
está em jogo, mas minha família. Não há ninguém para administrar a
casa, ser mãe de Sammy ou companheira do meu pai.
— Nem mesmo um Duque poderia persuadi-la? — Ele perguntou,
sua voz baixa e rouca.
— Depende.
— Em sua aparência, sua riqueza, ou ambos? — Seu tom mudou
para irritação e ela mordeu de volta o sorriso.
— Sobre sua vontade de morar em Boldon. Eu me recusaria a
morar a vida toda em qualquer outro lugar.
Grace percebeu que seu pai e o administrador da propriedade
haviam se juntado a mais dois cavaleiros. Uma mulher mais velha,
ainda linda, de cabelos claros e olhos azuis, sentava-se de lado em um
elegante alazão com outro homem em um grande cavalo cinza.
— Você gostou do seu galope? — Perguntou o seu pai quando se
juntaram ao quarteto. — Posso apresentar a Lady Rafferton? Nós nos
conhecemos em Londres no ano passado, e ela mora na propriedade
vizinha. — Ela era uma Lady de qualidade, a julgar pela maneira de se
vestir e o chapéu. Suas finas luvas de couro seguravam as rédeas com
a facilidade de alguém acostumado a estar em um cavalo. O homem de
cabelos claros ao lado dela, vestido com uma camisa e casaco simples,
deve ser um administrador ou noivo.
Lorde Sunderland inclinou o chapéu.
— Lady Rafferton, tem sido muitos anos. Você está adorável como
sempre.
— Que gentil. Eu acredito que você fica mais bonito a cada vez
que o vejo. — Ela brincou de volta, dando-lhe um sorriso gracioso. —
Estou planejando visitar sua mãe na semana que vem para oferecer
minhas condolências. Acabei de voltar da Escócia, onde minha filha foi
se casar. Espero que tenhamos a chance de conversar por mais tempo.
Parece que o tempo está interrompendo desta vez.
Um nó envolveu o estômago de Grace e apertou. Ele estava
flertando com essa linda criatura, momentos após seus elogios era para
ela. O libertino. Que absurdo. Oh Deus. Por quê, você se importa? Ela
pensou. Eles se despediram e voltaram para Falsbury. O ciúme
queimou sua garganta, uma nova sensação. Ela não gostou.
Determinada a se livrar da emoção desagradável, ela confrontou
o Conde.
— Parece que a Lady é uma admiradora sua, milorde. — Ela
apertou a mandíbula com a risada dele, e deu uma tapinha no cavalo
para passar por ele. Sua provocação não funcionaria desta vez.
— Lady Rafferton é uma amiga próxima de minha mãe. Ela parece
mais jovem, mas é dez anos mais velha do que eu. — Ele parou ao lado
dela, ignorando seu desprezo. — É humilhante lembrar como eu era
apaixonado quando menino.
Um alívio inexplicável borbulhava dentro dela, e ela recompensou
suas palavras com um sorriso brilhante. Sua pele morena, ainda
escura de seus anos militares no campo, deixava a gravata cor de creme
quase branca. Seus olhos demoraram na boca larga e lábios firmes que
agora se suavizaram em um sorriso, revelando seus dentes perolados.
Deus a ajude. Ela teria que prosseguir com cuidado, ou esse flerte
inofensivo poderia encher seu coração. Isso não era algo que ela se
importasse em arriscar.
CAPÍTULO 12
A grande arte da vida é a sensação de que existimos, mesmo com
dor.
Lorde Byron

Final de julho de 1815

Kit entrou na sala de visitas, examinando o pequeno grupo, e


procurando Lady Grace. Ela nunca estava longe de sua mente,
invadindo seus pensamentos ao longo do dia. Sua pele acetinada e
lábios complacentes. Aquele corpo coberto com um traje de equitação
confortável, seu peito arfando depois de um longo galope e aqueles
olhos verdes líquidos rindo dele, enviou seu sangue correndo por seu
corpo. Ontem à noite ela invadiu seus sonhos, embora ele admitisse
que era uma visão melhor do que os pesadelos aos quais estava
acostumado depois da batalha.
Eles tinham saído para dar uma volta quando começou a chover.
Uma cabana estava perto, e Kit havia acendido o fogo. Quando ele se
virou, ela tirou as roupas molhadas de seu corpo. Uma deusa com os
braços estendidos para ele, o fogo lançando sombras douradas contra
sua pele. Ele tinha acordado esta manhã encharcado e ofegante.
Pensando no sonho agora, uma luxúria poderosa surgiu em seus
quadris. Sorvete frio da Gunter, ele pensou. Não, não é gelado o
suficiente. Um mergulho no lago em abril. Ah, isso é melhor.
Uma vez no controle de seu desejo, ele parou ao lado da mesa e
do sofá de madeira jacarandá para derramar um copo de vinho
borgonha. Apenas a sua mãe e outra mulher estavam no sofá. Ela
acenou para o seu filho com entusiasmo.
— Você se lembra da Lady Rafferton? Ela parou para oferecer suas
condolências.
— Sim, nos encontramos na semana passada quando saí para dar
uma volta com Lorde Boldon e Lady Grace. — A viscondessa morava
em uma propriedade vizinha e era uma visitante frequente. Eles muitas
vezes se juntaram às caçadas no outono. Ele ficou impressionado
novamente por sua aparência jovem. Ondas louras varreram acima de
um pescoço esguio, cachos estrategicamente soltos em torno do rosto
e da nuca. Um vestido rosa pálido, com a mesma flor bordada na
bainha, abraçava uma figura ainda esbelta. Ele pegou sua mão
estendida, curvou-se e deu um beijo em seus dedos enluvados. — Eu
nunca poderia esquecer a mulher que partiu meu coração quando era
menino casando-se com Lorde Rafferton.
— E agora você se transformou em um homem. Eu aposto que
você tem a maioria das debutantes de Londres correndo atrás de você.
— Seu sorriso desapareceu, seus olhos azuis sinceros. — Peço
desculpas por não vir mais cedo. Horríveis eventos para sua família.
Ele inclinou a cabeça.
— E seu marido? Ele está bem?
— Oh querido, você não sabia? Ele se foi... há dois anos? — Lady
Falsbury olhou para a amiga com as sobrancelhas levantadas.
— Três. Eu sou uma viúva agora, meu senhor. Então você vê? Seu
coração partido pode finalmente se curar. — Ela bateu o leque contra
o antebraço dele. — Você estará aqui por muito tempo ou apenas uma
breve visita?
— Bem, eu...
Um farfalhar veio do canto perto de um busto grego de Helen 30.
As pesadas cortinas de veludo farfalharam e um espirro ecoou pela
sala.
Kit levou um dedo aos lábios, entregou o copo para a mãe e fez
sinal para que continuassem conversando.
— Depende se meu pai precisar de mim para ajudar com aquela
propriedade ao sul de Londres. — Ele foi para a esquina.
— Eu duvido que ele chegue aqui. Ele vai acabar nos encontrando
em Brighton. Esse homem não pode permitir que alguém assuma seus
negócios. Tem que ter um dedo em cada dinheiro ganho.
Kit espiou por trás de uma otomana 31 . Dois olhos marrons
douradas piscaram de volta para ele.
— O que temos aqui? Um salteador de estrada fugitivo? — Ele
chutou para longe o assento almofadado. — Senhoras, se afastem.
Minha espada, carregue minha pistola!
Um grito soou das sombras, e então Sammy se levantou, o lábio
inferior esticado, os olhos baixos.
— Sou só eu.
— Bom gracioso, menino. O que você está fazendo aqui? —
Perguntou Lady Falsbury.
— Papai queria que eu tomasse banho antes de me vestir para o
jantar. Se ele não puder me encontrar, eu não precisarei. — Ele chutou
o otomana. — Eu odeio banhos.
— Você não parece tão sujo para mim. — Persuadiu Lady
Rafferton. — Venha aqui e deixe-me sentir seu cheiro.
O menino olhou para cima, a esperança iluminando seu rosto. Ele
correu para a mulher, enfiou a cabeça debaixo do nariz e depois

30
Helen – Mitologia grega, a bela filha de Zeus.
31
Otmana mobília, tipo de sofá espaçoso, sem encosto.
apresentou as axilas. Com uma cara séria, ela cheirou o cabelo dele e
então franziu o nariz quando ele levantou os braços.
— Eu diria que o cabelo não é ruim, mas o resto é um pouco forte.
— Ela riu de seu olhar desesperado. — No entanto, eu cheirava muito
pior.
A criança assentiu com a cabeça para cima e para baixo.
— Foi o que eu disse. — Ele se sentou ao lado dela. — Eu não vi
você antes.
— Esta é a nossa vizinha e uma das minhas confidentes mais
próximas. — Lady Falsbury respondeu. — E este é Samuel, primo de
Lady Eliza.
— Prazer em conhecê-lo, meu senhor. — Ela respondeu com um
aceno de cabeça. — Eu ouvi muito sobre você.
O menino se levantou e deu uma profunda reverência.
— Ao seu serviço, senhora.
— Muito obrigada, gentil senhor. — Ela respondeu, inclinando a
cabeça enquanto Sammy voltava para Kit.
— Ela partiu o seu coração? Ela vai consertar isso? Você tem que
me ajudar com o meu teatro amanhã. A peça tem uma... — Ele colocou
as mãos em cada lado da boca e sussurrou alto. — Explosão no final.
— Seus olhos se moveram para o lado para ver se as mulheres tinham
ouvido. — É uma surpresa que estou planejando para todos.
— Eu amo surpresas. — Disse Lady Rafferton.
— Você tem que vir. Temos praticado O Miller e seus homens32.
Todos estarão lá.
— Samuel. — Gritou uma voz da porta. — Eu já tive o bastante
de sua impudência. Venha para o seu quarto agora!
Sammy se encolheu.

32
O Miller e seus homens um melodrama romântico baseado na peça de Isaac Pocock (1762-1835).
— Por favor, diga que você vem?
Lorde Boldon surgiu por trás do garoto.
— Peço perdão, minhas senhoras, mas devo remover meu filho
com toda a pressa. — Disse ele com os dentes cerrados, curvando-se
para as mulheres. — É bom ver você novamente, Lady Rafferton.
Lady Grace e Lady Eliza entraram logo atrás, procurando também
o jovem imundo. Quando Boldon arrastou seu filho indisposto da sala,
o menino gritou.
— Você virá, não é minha Lady? Nós temos lençóis coloridos para
o fundo. E Eliza nos acompanhará no piano. — Sua cabeça ruiva
desapareceu na esquina.
— Ele exagera na perseverança, mas ele é uma criança de
natureza doce. — Lady Grace disse em desculpas por seu irmão mais
novo.
— Eu acho que ele é refrescante. — Disse Lady Rafferton. — Ele
me lembra do meu filho mais novo. Ele ainda é uma preocupação
constante, seja encontrando problemas em Londres e nos inferninhos
ou fazendo as mulheres desmaiarem nas estâncias no litoral.
— Quantos filhos você tem, minha Lady?
— Uma filha, que é uma dádiva do céu, embora recém-casada e
falecida, e três filhos. O mais velho é meu enteado e assumiu o título,
o segundo é um Tenente Coronel e meu filho mais novo... — Ela
sacudiu a cabeça. — Ele acabou de terminar a universidade e se
candidatou a uma das vagas no Tribunal da Corte.
— Ele quer ser um advogado? — Perguntou Lady Eliza. — Eu acho
que o estudo do direito e dos tribunais é fascinante. Você não aprova?
— Se ele é determinado, sim. Se é uma desculpa para desperdiçar
sua mesada em prostitutas no vestíbulos de Covent Garden, não. Mas
como meu filho mais novo, ele sabe como conseguir perto de mim. —
Ela pegou sua bolsa e deu um beijo em cada uma das bochechas de
sua amiga. — Agora, eu devo ir embora. Foi adorável conhecer a todos
vocês.
— Você deve ficar para o jantar. — Lady Falsbury exigiu.
— Eu queria poder. No entanto, acredito que vou aceitar o convite
de Samuel amanhã.
Kit riu quando ele e Lady Grace gemeram ao mesmo tempo.
— Não posso garantir o desempenho. Exceto pela explosão, o
autor mal reconheceria seu trabalho. O jovem encurtou a maior parte
para chegar à parte boa, como ele diz.
— Não se deixe se enganar, minha Lady. Lorde Sunderland é um
herói excelente e corajoso. — O sorriso que Grace lhe deu foi caloroso
e brincalhão. Ele olhou para o teto e mais uma vez pensou em um
mergulho gelado em abril.
Grace fechou os olhos e disse uma rápida oração que tudo
corresse bem. Eles levaram uma semana para colorir, cortar e colar
para se prepararem para a peça. A infinita paciência de Lorde
Sunderland a surpreendeu. Ele parecia saber quando Sammy já tinha
tido o suficiente, e eles saíam e brincavam no gramado para expulsar
a energia do menino. O drama juvenil a colocou na proximidade
constante do Conde, pois eles estavam juntos todas as tardes. Esse fato
era o único motivo pelo qual ela poderia ficar desapontada após a
apresentação.
Ela aprendeu seus maneirismos, ele acariciava o seu queixo em
pensamentos profundos, sua mandíbula tensa quando ele estava
irritado, o humor fazia seus olhos brilharem, e flertar os fazia
escurecer. Quando realmente se divertia, um estrondo profundo
começava baixo em seu peito e saía uma risada rouca e masculina que
fazia sua pele formigar. Às vezes ele brincava com ela, e seu olhar
parecia tão íntimo, ela pensou que ele iria chegar a pegar a mão dela.
— Gracie, depressa. Nós não temos muito tempo.
Lady Falsbury havia dado um ultimato e se recusou a permitir a
pólvora no salão. Uma tenda tinha sido montada do lado de fora da
janela do salão, então Eliza seria capaz de fornecer a música de dentro.
Os servos estariam sob sombra, e se algo desse errado, o minúsculo
teatro e talvez o gramado seriam as únicas vítimas.
Pelo menos vinte cadeiras haviam sido instaladas. Eliza pediu que
alguns dos servos viessem e assistissem, para que houvesse o
suficiente para uma audiência. Samuel examinou a cena e assentiu em
aprovação. Ele colocou os personagens de papel resistentes em suas
posições e empurrou-os ao longo da abertura na estrutura até que eles
estavam no centro do palco. O vilão Grindoff ficou com sua gangue de
ladrões, conspirando contra o Conde. Sammy empurrou o fundo ao
longo de outra fenda, representando o esconderijo secreto dos ladrões.
Então ele colocou os lençóis para as cenas correspondentes por trás
disso.
— Chegamos muito cedo? — Perguntou seu pai, de pé com Lady
Falsbury pelo braço. — Vamos encontrar nossos próprios lugares ou
há uma escolta?
— Eu não tinha pensado nisso. — Sammy esfregou o queixo em
uma perfeita imitação de Lorde Sunderland.
Grace escondeu seu sorriso.
— Há três lugares de honra na frente, papai. — Informou a ele.
Quando os dois se acomodaram, os servos chegaram um a um e
encheram as fileiras atrás. Sammy foi até a janela aberta e gritou.
— Comece a música de espera, Eliza.
— Sim, meu senhor. — Veio uma resposta abafada.
— Ela está aqui, ela está aqui. — Gritou Sammy. — Lady Rafferton
está chegando.
A marquesa deu um tapinha no braço de Lorde Boldon.
— Você a acompanharia, meu querido amigo?
— Claro, eu ficaria feliz em fazer isso.
Grace assistiu seu pai ir embora, seu confiante e longo passo
levando-o rapidamente ao longo caminho. Quando ele ressurgiu com a
viscondessa em seu braço, ambos estavam rindo. Antes que ela
pudesse considerar o par, uma sombra caiu sobre ela. Sua proximidade
era sedutora e perturbadora ao mesmo tempo. O cheiro da hortelã, da
terra e do leve odor de laranja fizeram cócegas em seu nariz e enviaram
seu pulso a um ritmo acelerado. O perfume traria para sempre a mente
de Lorde Sunderland e este excelente verão.
— Claudine, meu amor. Eu vim para fazer você minha. — Ele se
curvou, um sorriso nos lábios enquanto recitava uma linha da peça. —
Mas primeiro, mademoiselle, preciso brincar com fogo.
— Por favor, meu querido Lothair, tenha cuidado. Eu vou morrer
de coração partido se você não voltar. — Ela colocou a mão na testa e
tentou a pose dramática de uma heroína.
Ele se inclinou e sussurrou.
— Diga-me a verdade, minha querida.
Ela viu a mudança em seus olhos, o calor que aprofundou o
marrom para clarear o céu da meia-noite. Um arrepio passou por ela.
Grace percebeu o quanto ela sentiria falta desse homem quando
voltasse para casa na semana que vem. Ele mudou a sua rotina diária,
e o pensamento de que ele não seria mais parte do seu dia, deixava um
vazio em seu coração.
O Conde deu-lhe um meio sorriso e pegou o braço dela.
— É melhor nos posicionarmos atrás do teatro.
A plateia se aquietou e Sammy ficou diante deles. A sonata de
introdução de Eliza flutuou pela janela.
— Nossa peça de teatro começa com o malvado Grindoff. Ele
trabalhou para o Conde até que ele foi descoberto como um ser indigno
de confiança. Enviado em desgraça, ele se disfarçou de moleiro.
Kit moveu o moleiro para frente e para trás.
— Grindoff tinha um plano. Primeiro, ele reuniu uma gangue de
ladrões.
Grace balançou o grupo de homens de papel.
— Ele enganaria o aldeão mais rico, pegaria seu dinheiro e sua
linda filha, Claudine.
Grace pegou a moça de papel e deslizou para o teatro.
— Não, bom senhor, — Disse ela ao vilão. — Eu já dei meu coração
a Lothair.
Lothair apareceu ao lado de Claudine. Outra personagem
feminina deslizou ao lado de Grindoff.
— Você é meu, eu sou sua mulher. Como você pode me trair? —
Grace fez o melhor que pôde para parecer uma megera.
Sunderland estava tão perto que ela podia sentir o calor que
emanava de seu corpo. Ou era dela? Ele fez seus sentidos se tornarem
vivos. Enquanto a peça continuava, ela estava bem ciente do roçar da
manga dele, de seus dedos contra a mão dela. As folhas de gramas
eram como lâminas abaixo dela, cada uma fazendo um buraco contra
suas meias. A brisa agitava cachos soltos em seu pescoço, fazendo
cócegas e provocando sua pele. Sua proximidade enviou ondas de
sensações através de seu corpo. Era um sentimento novo, esse desejo,
essa necessidade física por alguém.
Tornou-se difícil lembrar suas palavras, sua respiração ficou mais
rápida. Uma vez ela perdeu o equilíbrio, mas ele a pegou. Suas mãos
agarraram sua cintura e se demoraram, a pressão íntima e convidativa.
O único toque queimou as camadas de seu vestido de musselina,
anáguas e chemise. Assustada, ela observou a boca dele se curvar,
paralisada quando ele se inclinou para frente, dentes brancos
brilhando entre os lábios firmes e sensuais. Em sua mente, ele inclinou
a cabeça para um beijo... Mas cotovelo de Sunderland cutucou seu lado
quando era sua deixa, o pobre Conde de papel em seu punho.
— Eu os encontrarei, doce Claudine. Espere por mim.
Ele deu a ela um olhar curioso enquanto ela procurava em seu
cérebro pela próxima frase.
— Tome cuidado, o grupo de Grindoff é um bando perigoso.
O resto da peça de teatro foi perfeito. Grace se concentrou em
suas falas e não permitiu que seus pensamentos se afastassem
novamente.
— Lothair foi descoberto na caverna dos ladrões, mas resgatado
pela rejeitada Lady Grindoff. Quando a gangue percebeu que eles
haviam sido descobertos, eles correram atrás de Lothair.
— Ele correu pela ponte com grande velocidade. — Sunderland
tentou mover a figura para cima ao longo da ponte, perdeu o controle
e Lothair caiu no chão do palco. Sammy nunca perdeu um ritmo. — …
E tropeçou e caiu do lado. Mas ele era um forte nadador e foi para a
praia. — O Conde balançou Lothair para o outro lado da ponte e gritou.
— Fogo na ponte! Fogo a ponte!
Grace empurrou a gangue de ladrões para a ponte. Sammy correu
atrás do teatro para se juntar a eles, pulsando de excitação. Uma
pequena pilha de pólvora estava dentro de uma lata, uma corda
pendurada na borda. Sunderland mergulhou um estopim em um
pequeno frasco de amianto e ácido sulfúrico para produzir uma chama.
Ele entregou a um solene Sammy, que colocou a pequena chama no
pavio. Chiou e acendeu vermelho enquanto se movia dentro do copo.
Estrondo! Vermelho e amarelo passaram pela explosão esfumaçada.
Brasas queimavam as bordas do teatro e o Conde esmagava o fogo
usando as mãos e vários outros personagens. Os três atores tossiram
e balbuciaram. Grace usou um dos cenários para afastar a fumaça.
A plateia ofegou e bateu palmas enquanto Sammy pulava de
prazer, seus braços batendo acima de sua cabeça. Então, lembrando-
se de seu papel, ele ficou diante do grupo novamente.
— Grindoff é apreendido e os ladrões fogem para o lugar de onde
vieram. — Ele olhou por cima do ombro para Sunderland e sua irmã.
— Lothair retornou para Claudine. Eles se abraçaram. — Ele esperou
que os dois personagens chamuscados se tocassem. — E viveram
felizes para sempre. O fim.
Sammy fez sinal aos atores para se juntarem a ele. Todos eles
apertaram as mãos e fizeram um arco juntos.
— Bravo! Bravo!
— Magnífico!
O garoto sorriu enquanto todos esperavam uma ovação de pé.
Grace ficou com uma das mãos na de Sammy e a outra na do Conde.
Ela sentiu a umidade na palma de sua mão e virou a palma para
inspeção. Ela se perguntou como seria a aspereza das pontas dos dedos
contra sua bochecha, seu pescoço, então ela viu a queimadura soltando
líquido.
— Você tem bolhas. — Ela engasgou.
— Não é nada. Estou bem.
— Se não for tratada, pode ficar infeccionada. Por favor, venha
para a cozinha e eu aplico uma pomada. — Disse ela.
— Eu estava esperando que você dissesse isso.
CAPÍTULO 13
Ele então, com grande presença de espírito, colocou um fim a
qualquer outra recriminação ao beijá-la, e seu noivo indignado,
aparentemente sentindo que estava profundamente afundado em
depravação para ser recuperável, abandonando (por enquanto, em todo
caso) qualquer tentativa adicional de levá-lo a um senso de sua
iniquidade.
Georgette Heyer, Sylvester

A Sra. Whitten mais uma vez veio em seu socorro. Seguindo-os


após a produção, a cozinheira mandou um menino para o depósito de
gelo para uma xícara de lascas do enorme bloco armazenado no
subsolo. Kit se encontrou mais uma vez na mesa escurecida pelas
manchas. Ele segurou as lascas em um pano contra a palma da mão,
enquanto Grace supervisionava o cataplasma feito de tabaco com o
pão, o alimento e as folhas da planta umedecidas. Ele estudou as
bandejas de prata e pratos de porcelana ao longo das prateleiras da
parede, as panelas penduradas no teto e a jarra de cerâmica perto do
lavatório revestida de cobre. O esconderijo dos doces secos da Sra.
Whitten. Sua boca se encheu de água. Quando a mão dele estava
dormente, ela pegou uma agulha e perfurou as bolhas e aplicou o
cataplasma. Ele estremeceu uma vez quando ela errou a bolha, e a
ponta foi mais fundo em sua mão. O olhar de dor no rosto dela era
muito pior do que o que ele sofrera. Ele tinha sido tolo em noticiá-lo e
causar sua preocupação.
— Eu lhe agradeci devidamente por toda sua atenção a Sammy?
Você é um herói para ele, igualmente como o meu pai aos olhos dele.
— Grace manteve os olhos nas bolhas, a agulha firme em sua pequena
mão capaz. Sua cabeça estava baixa quando ela se concentrou. Ela
estava tão perto que ele teve que se mover, mas alguns centímetros e
sua boca estaria em sua bochecha. Se ela virasse a cabeça, seriam seus
lábios.
— Isso depende do que você considera um bom agradecimento. —
Ele a estimulou, e sabia. Mas o tempo não estava mais do seu lado. Ela
voltaria para suas próprias propriedades em poucos dias, e ele seria
deixado... sozinho. Ele precisava dizer a ela como se sentia, que não
podia imaginar não vê-la novamente, que se apaixonou por ela. Mais
que afeiçoado.
Sorrindo, ela disse suavemente.
— Talvez a Sra. Whitten pudesse testemunhar um agradecimento
adequado, se você descrevesse tal coisa para ela.
O embaraço subiu por seu pescoço quando a imagem de sua
gratidão se formou em sua mente. Não, ele certamente não queria
testemunhas. Ela sorriu para o seu silêncio, uma sobrancelha
levantada dizendo-lhe que ela tinha visto através de seu truque.
— Quando isso começar a doer novamente, acrescente mais gelo
e depois outro cataplasma. A Sra. Whitten concordou em fazer mais
para você.
Ele olhou por cima do ombro de Grace e viu que a cozinheira
estava ocupada do outro lado da cozinha.
— Lady Eliza e Sammy estarão aqui em breve. Eu preciso falar
com você em particular.
Um olhar assustado passou por seu rosto, e ela repetiu seu
movimento, olhando por cima do ombro para ver quem estava perto.
— Sim, meu senhor?
— Eu temo um ataque dos demônios de tristeza quando você
deixar Falsbury no final da semana. — Ele disse isso. Disse a ela que
ele havia se apegado. Muito.
A Sra. Whitten os interrompeu.
— Eu preciso buscar mais banha para terminar esses
cataplasmas, minha Lady. Já volto. — Eles ficaram sozinhos.
— Eu também me acostumei com a sua companhia. — Nesses
profundos olhos de esmeralda, ele viu, amor, medo, hesitação. O
mundo ficou parado quando a respiração foi sugada para fora dele.
Nada existia além dos dois. Com uma certeza estranha, ele sabia que
eles compartilhavam a primeira emoção. Acertou-o tão forte e rápido
quanto uma emboscada inimiga. Ele nunca experimentou esse tipo de
amor romântico. As únicas pessoas no mundo com quem ele associava
a palavra eram sua mãe e Carson. Sim e agora Grace. Isso o ajudou a
entender a segunda emoção. Foi assustador mesmo. O vazio que
Carson deixara em sua alma resultou apenas do verdadeiro afeto. E
ambos reconheceram que tinham ido longe demais para fingir o
contrário.
— Lady Grace, peço sua permissão para falar com seu pai.
Gostaria não, eu preciso te ver novamente. Você sente o mesmo? — Ele
era um novato mais uma vez, beijando sua primeira moça.
Seu escrutínio o fez mudar de posição, e a agulha cutucou sua
pele novamente. Ele fez um pequeno ruído, e sua atenção foi atraída
para a gota de sangue que se espalhou em sua palma. Uma lágrima
caiu e se misturou com o vermelho profundo, formando uma pequena
poça rosa entre as duas bolhas. Seu peito apertou, não entendendo o
significado disso.
Grace bateu nos olhos com as costas da mão. Sua voz era firme
quando ela falou, mas seu olhar permaneceu abaixado.
— Estou honrada pelo seu pedido. Na verdade, se não fosse pela
minha situação, eu gostaria de receber a sua corte. Mas na minha
posição atual, não posso.
— Se é preocupação com a minha atitude como marido, posso não
ser tão apaixonado quanto seu pai, mas certamente não vou reprimir
seu espírito.
— É muito para arriscar. — Sua cabeça se levantou, e as palavras
saíram com pressa, apaixonadas e urgentes. — Não é apenas minha
independência. Tem o meu pai, ele se apoia em mim para ter
companheirismo, administrar a casa, ajudá-lo a planejar eventos e agir
como anfitriã. Quem cuidaria de Sammy? Eu sou como uma mãe para
ele. O pensamento de sair...
— Você me considera em suas afeições, Lady Grace? — Esta era
a questão. O resto poderia ser tratado, mas se ela não tivesse os
mesmos sentimentos que ele, então tudo era inútil. Seu olhar desviou
novamente para a palma da mão, fingindo mexer com a queimadura.
— Sra. Whitten deve estar de volta a qualquer momento, e eu
aplico o cataplasma.
Sua boca se abriu. Ela iria ignorá-lo. Ela não responderia a ele.
Ela fingiria como se essa discussão não tivesse acontecido.
— Por Deus, eu não vou permitir isso.
Ele se levantou, a cadeira fazendo barulho no chão de pedra. Ela
ofegou. Seus olhos verdes brilhantes piscaram com o movimento
repentino. Um braço veio ao redor de sua cintura e puxou-a contra ele,
os lábios trêmulos o desfizeram. Seu último fragmento de autodomínio
foi drenado de seu corpo. Kit inclinou a cabeça e reivindicou sua boca,
suave e maleável. Suas curvas se ajustavam a ele como se tivessem
sido cortadas de um molde. Ele diminuiu o ritmo ligeiramente e roçou
seus lábios contra os dela, acariciando e persuadindo. Um tremor
passou por ele quando ela suspirou, sua respiração se misturando com
a dele. Cítrico e baunilha o envolveram, intoxicando-o. Ela era tudo o
que ele tinha sonhado. Ela não era nada que ele esperava.
Ele levantou a cabeça, lutando por uma ninharia de sanidade,
mas seus braços foram ao redor de seu pescoço. A ligeira rendição
enviou um tremor ao longo de seu pau, suas calças apertando com
desejo. Kit enterrou a cabeça no pescoço dela, arrastando beijos
quentes pela pele pálida, sentindo seu pulso sob os lábios dele. Ele fez
uma linha através de seu queixo, terminando em sua boca. Seu peito
subiu e desceu em breves suspiros. Sua língua traçou a linha entre os
lábios dela, e ela engasgou, abrindo-os. Ele mergulhou dentro e provou
sua doçura. Quando ela tocou o cabelo na parte de trás de seu pescoço,
o latejar em suas calças ameaçou explodir.
Kit se afastou e a abraçou, passando a mão em suas costas.
— Por Deus, Grace. Eu vou ter você. Você não pode me negar. —
Ele inclinou a cabeça para trás e a beijou carinhosamente novamente.
Sua cabeça começou a tremer de um lado para o outro, seu corpo
inteiro tremendo. Mas quando ela fixou seu olhar nele, não era medo,
mas raiva em seus olhos brilhantes.
— Eu não posso. Eu não posso fazer isso. — Ela se afastou dele,
olhando em volta como se estivesse perdida. — Oh Deus. Oh Deus. Eu
não posso fazer isto.
A Sra. Whitten correu para a cozinha.
— Aqui estamos. Levará apenas um momento e nós teremos essa
queimadura tratada em um instante.
Kit viu o pânico nos olhos de Grace. Ele queria agarrá-la
novamente e colocar algum sentido nela. Ele tentou palavras em vez
disso.
— Não, pare com essa bobagem agora. Eu disse, não vou permitir.
— Meu senhor, é apenas um cataplasma. Juro para você, não vai
te machucar. — A cozinheira brincou com ele enquanto ela se
aproximava da mesa. — Agora aqui vai você… Oh, minha Lady. Qual é
o problema? — Ela olhou acusadoramente para Kit.
Um gemido agonizante ricocheteou pela cozinha, e Grace pegou o
vestido e saiu correndo da cozinha. A Sra. Whitten olhou para Kit e ele
encolheu os ombros, a boca numa linha irritada. Com um bufo, ele
murmurou.
— Você não é bastardo, mas é inconstante.
Grace subiu no segundo lance de escadas, empurrou a porta e
fechou-a. Ela afundou contra a madeira dura, recebendo a dor contra
sua espinha. Como ela poderia ser uma menina tão inexperiente, com
um abraço apaixonante. Foi um simples pedido e a encheu de alegria
até que a incerteza sufocou o arrebatamento, e o agudo sabor da
insegurança revestiu sua língua. As palavras ficaram presas na
garganta dela.
O beijo foi tão inesperado. E maravilhoso. E aterrorizante. Seu
toque, seu corpo, o gosto dele a consumiram. Ela estava em chamas e
derretendo, perdendo-se na paixão. Com horror, ela se lembrou de
jogar os braços ao redor dele como uma prostituta. Ela se agarrou a ele
e perdeu toda razão quando seus lábios tocaram os dela. Uma pequena
explosão, como pólvora no copo, abalara a base cuidadosa que ela
construíra para proteger seu futuro. Sua paixão poderia convencê-la a
desistir de tudo o que ela amava. O mundo que a protegia da dor e do
sofrimento.
Ela escapou para a segurança do seu quarto. A proteção de um
futuro sem amor. A segurança da solidão. Ela apoiou a cabeça nos
joelhos e deixou as lágrimas escorrerem, a tensão do mês passado se
apoderou dela, limpando-a. Sunderland mostrou-lhe nada além de
cortesia e consideração. Ele era bonito, charmoso e gentil. Sammy e
seu pai gostavam dele imensamente e se ela fizesse uma lista, ele teria
cada qualidade de um par perfeito.
Uma batida suave na porta.
— Gracie? É a Eliza. Posso entrar?
Com um suspiro, ela se levantou, enxugou o rosto e sacudiu a
saia enrugada antes de abrir a porta. Eliza entrou e abraçou-a.
— Oh minha querida, o que aconteceu? Eu vi você correndo pelo
corredor como se o próprio diabo estivesse atrás de você.
— Lorde Sunderland deseja... me cortejar.
— Você não pode se surpreender. Ele é seu acompanhante em
nossos passeios diários no jardim, seu parceiro atento em qualquer um
dos jogos de salão. Seus olhos seguem você através de uma sala. Você
não esperava isso? — As sobrancelhas de Eliza se uniram. — O que
você não está me dizendo?
— Ele me beijou.
Eliza engasgou e sorriu.
— Oh, Grace. Que maravilha. Isso é mais do que cortejar. Ele quer
se casar com você.
Ela assentiu com a cabeça, o bater de seu coração abafando sua
respiração irregular.
— O que você disse para ele?
Grace não pôde encontrar os olhos da prima. Ela simplesmente
balançou a cabeça.
— Eu rezo para que não seja uma rejeição dura demais. Ele
passou tanto com a morte de Carson.
O peito de Grace apertou. Ele mostrou seu coração para ela, ainda
recentemente machucado pela perda de seu irmão, e ela agia como se
ele fosse um bruto repugnante.
— O beijo foi… eu não conseguia pensar… e então entrei em
pânico. Eu fugi. Eu vi um marido, as correntes nas pernas, e olhares
paternalistas quando mencionasse melhorias na propriedade e....
— Grace Beaumont, pare com isso. Como você pode saber que
tipo de marido ele será? Ele lhe mostrou uma natureza dominadora?
Ele tem sido paternalista de alguma forma?
Ela balançou a cabeça, limpando as bochechas molhadas.
— Se você conhecesse melhor sua mãe, esses medos diminuiriam.
Submissa e obediente são as últimas palavras que eu usaria para
descrevê-la. Como ela é a mulher que o criou, não posso imaginar que
ele se contentaria menos com sua própria esposa. Ele a respeita e a
ama. — Eliza inclinou o queixo da prima com um dedo. — Mas você
sabe disso, não sabe?
Grace balançou a cabeça.
— Qual é o motivo real?
— Não posso deixar papai e Sammy. Não posso perder as duas
pessoas que me impediram de me afogar nos últimos anos. Viver sem
eles me petrifica. — Ela disse em um sussurro, em seguida, soltou um
suspiro. — Não é minha independência pela qual estou lutando. Oh
senhor, é o que eu tenho escondido atrás.
A voz de sua prima se suavizou.
— Você finalmente percebeu isso.
— Você sabia?
— Sim, mas não é algo que eu possa lhe dizer, é? Você teria pisado
no seu pé e negado até ficar azul. — Ela sorriu tristemente. — É algo
que você devia descobrir por conta própria.
— Eu fui tão idiota.
— Se você recusar a corte, nunca saberá o que pode ter perdido.
Ou o que pode ganhar. — Eliza cruzou os braços, um olhar severo
aguçando suas feições. — Então, qual é o plano? Você sempre tem um
plano.
— Acho que devo desculpas a Lorde Sunderland. — Um sorriso
choroso se formou, e Grace abraçou sua melhor amiga. — Obrigada.
— É o que amigos fazem. Nós sempre estaremos aqui uma para a
outra. Nós somos família.
Grace nunca teve a chance de pedir desculpas. Entrando na sala
antes do jantar, ela encontrou Lady Falsbury em lágrimas. Eliza
sentou-se ao lado dela, um braço em volta da mulher mais velha. Ela
olhou para Grace, preocupação escureceu os seus olhos violetas.
— O que aconteceu? — Grace correu pela sala. — Há algo que eu
possa fazer?
A marquesa balançou a cabeça.
— Recebemos uma nota dizendo que a carruagem de Falsbury
virou. Ele está ferido, mas não temos ideia de em que condição ele está.
— Ela segurou um lenço em seus olhos escuros. Grace notou os
círculos abaixo.
— Seu pai foi junto com Kit, para que ele pudesse voltar
rapidamente com notícias.
— Onde isso aconteceu?
— Na passagem do pedágio ao sul daqui. — Respondeu Eliza.
— Isso é apenas trinta e dois quilômetros de distância. Nós
saberemos em breve, minha Lady. Tenho certeza de que ele está bem.
— Grace esperava que sua voz soasse mais confiante do que se sentia.
Esta pobre família não precisava de outra tragédia tão próxima da
última.
A cozinheira havia deixado de lado um jantar de carne fria para
Lorde Boldon. As senhoras permaneceram no salão e Eliza e Grace
continuaram a manter o ânimo de Lady Falsbury. Sammy havia ido
para a cama há muito tempo, cansado de nadar no lago depois do
jantar. O som de cascos na entrada fez com que as três saíssem
correndo do salão. Quando o mordomo abriu a imensa porta de
carvalho, Grace viu o pai desmontar. Seu grande cavalo baio brilhava
à luz da lamparina, com a pelagem coberta de suor. A urgência do
trajeto pode significar uma de duas coisas. Teria ele cavalgado como o
diabo para lhes trazer boas ou más notícias?
Ele as encontrou em três passos e sorriu para a marquesa.
— Ele vai viver minha Lady. O médico está preocupado com um
tornozelo quebrado e o inchaço no joelho. Mas ele estava em condições
de gritar ordens ao estalajadeiro e reclamar do preço da carruagem.
A própria Lady Falsbury assentiu, enxugou as lágrimas que saíam
de seus olhos e desmaiou rapidamente. Eliza gritou quando Lorde
Boldon pegou a mulher exausta e levou-a de volta para o salão. Grace
gritou por sais aromáticos, mas não havia necessidade.
— Gracioso, diga-me que não desmaiei. — Lady Falsbury
encostou a cabeça na parte detrás do sofá. — Eu não faço isso desde
que eu era uma moça. Nós tivemos aquele terrível verão quente e eu
insisti em jogar um jogo de Graça33.
— Tem sido um dia difícil, minha Lady. — Eliza alisou o cabelo da
testa de sua sogra. — Tome um pouco deste tônico.

33
Jogo de Graça foi uma atividade popular para as moças durante o início dos anos 1800. É jogado com duas
pessoas. Cada pessoa recebe duas hastes de tarugo. Então, um dos jogadores pega um aro de madeira e, empurrando
as duas hastes, envia o aro para o outro jogador tentar pegar.
Ela sorriu agradecida, logo capaz de se sentar sozinha. Grace
escutou divertida enquanto seu pai contava os detalhes da tarde.
— Parece que alguns almofadinhas tentaram mostrar seu novo
parelha de steppers34. Infelizmente, os cavalos tinham mais experiência
do que eles, e logo se separaram. — Ele balançou a cabeça diante da
loucura da juventude. — Os fugitivos foram direto para o pedágio, e o
cocheiro do seu marido não conseguiu sair do caminho rápido o
suficiente. Os cavalos fizeram uma curva fechada para evitar o grupo
de cavalos de Falsbury, mas derrubaram o phaeton.
— E os animais? — Perguntou Grace. Ela odiava a ideia de um
bom animal ser sacrificado por algum garoto revoltado.
— Estou feliz em não relatar nenhuma fatalidade hoje. No
entanto, — ele curvou-se para sua anfitriã e se encolheu enquanto
continuava — receio que sua nova carruagem tenha sofrido algum dano
significativo. Apenas um lado abriu e duas rodas precisarão ser
substituídas.
Ela acenou com a mão.
— É só dinheiro. Não faz diferença.
— Devo informar que seu filho permanecerá na estalagem até a
carruagem ser consertada, e o médico achar que seu marido é capaz
de viajar. Serão pelo menos vários dias antes de eles chegarem. — Ele
olhou ao redor do salão, seus olhos pousando no copo de conhaque.
— Oh, meu Deus. Você deve estar com sede. Por favor, sirva-se de
uma bebida e Grace vai acompanhá-lo até a sala de jantar. Deve haver
algumas carnes frias e queijos. Se você quiser mais alguma coisa, por
favor, não hesite em pedir. — Ela sorriu para a nora. — Minha querida,
você ficaria comigo por mais algum tempo?
Eliza sorriu.

34
Steppers um cavalo com uma caminhada rápida e atraente. Preferido para uma carruagem aberta da marca
Mary’s Brougham.
— Claro. Vou acompanhar você até o seu quarto quando puder.
— Eu lhe digo minha querida, não acho que meu coração pode
aguentar muito mais. — Ela segurou a bochecha de Eliza na palma da
mão. — Agradeço aos céus quando você foi enviada para mim. O que
eu faria sem você?
Eliza estava de costas para Grace, mas ela a ouviu balbuciar e
observou sua prima se agitar com a mulher. Ela percebeu, quando ela
silenciosamente fechou a porta, Eliza encontrou uma família amorosa.
Ela se casou com Carson como um estranho, mas de alguma forma a
morte dele havia provido um lugar para Eliza na casa de Falsbury. As
duas mulheres eram dedicadas uma à outra, e o forte carinho era
aparente. Uma linha de um dos poemas de Lorde Milton veio à mente:
Eu fui enganado, ou fiz uma nuvem negra
Vire em frente seu final feliz nessa noite?
As nuvens negras de Milton certamente encontraram um final feliz
para Eliza.
CAPÍTULO 14
Você perfura minha alma. Estou metade em agonia e metade em
esperança.
Jane Austen, Persuasão

Agosto de 1815
Boldon Estate

Eles haviam retornado a Boldon há duas semanas. Lorde


Falsbury não pôde viajar por quase uma semana, portanto não houve
oportunidade de pedir desculpas a Lorde Sunderland. Ela estava
preocupada desde então. Ela passou por vários homens que cortavam
o gramado. Suas longas foices giravam em movimentos suaves e
hábeis. Grace observou por um momento, perdendo-se na batida
suave, ouvindo o farfalhar das lâminas cortando o trevo. A vida caíra
em seu ritmo habitual, mas Grace estava inquieta. Tarefas diárias que
uma vez lhe davam prazer, eram agora uma tarefa. Os dias se
estendiam à sua frente como um deserto sem fim, sem alívio à vista.
Nada havia mudado. Tudo havia mudado.
Ela caminhou em direção ao canteiro de ervas, respirando o cheiro
de terra e floral, pungente e doce. Repolho branco e alfaces eram
abundantes, cabeças arredondadas e folhas largas criando uma colcha
de retalhos verde claro e escuro contra a parede de pedra. Repolho roxo,
usado para decapagem, acrescentavam uma cor linda para a seção. O
favorito de Sammy, o aspargo, já estava morrendo. Os jardins
abrangiam vários hectares e continuavam a se expandir.
Foi preciso muita persuasão para convencer o pai a construir
outra estufa. Quando ela viu seu pai se dobrando, ela jogou seu trunfo.
Ele teria pepinos frescos em janeiro. Oh, como papai amava pepinos.
As duas construção de pedra davam para o norte, de modo que as três
paredes restantes permaneciam expostas ao sol. As caras filas de vidro,
encaixadas entre o tijolo vermelho acastanhado, brilhavam à luz da
tarde. A construção mais antiga abrigava as plantas tenras que não
suportavam os invernos ingleses. O segundo edifício logo teria calor, e
mais trabalho para um jardineiro local. A caldeira tinha que continuar
durante os longos e frios meses.
Continuando pelo caminho, ela parou para cortar uma camomila.
Papai estava treinando com um novo cavalo. A erva colocada em um
banho quente aliviaria seus músculos doloridos. Ela esfregou
distraidamente um ramo de alecrim e segurou-a no nariz.
Alecrim é para lembrança,
Entre nós dia e noite.
Desejando que eu possa sempre,
Você está presente à minha vista?
O que ele deve pensar dela? Como ela poderia enfrentá-lo
novamente? E por que a opinião dele a preocupava tanto? O acidente
fora fortuito, ela não fugira do castelo de Falsbury para evitá-lo. No
entanto, ela achou que a visão dele era vital para sua felicidade. Isso a
fez cerrar os dentes. Mulheres independentes não mediam seu
contentamento pela atenção de um homem.
Ela havia evitado o casamento por vários anos. Então, toda a
situação funcionou muito bem. Mas sua mente continuou a reproduzir
cenas do mês passado. Seu sorriso diabólico, suas travessuras com
Sammy, a provocação e os jogos à noite. O último dia juntos a
assombrou quando ela fechou os olhos. Seu corpo a traiu então,
despertando em um suor, ofegando pelo beijo que ele nunca poderia
ter dado a ela no castelo. Seu pai a observava, uma pergunta em seus
olhos. Ele sabia o que ela não queria admitir.
E quando eu não posso ter
Como eu disse antes,
Então Cupido, com seu dardo mortal,
Acaso ferir meu coração dolorido.
Ela o amava, com cada músculo em seu corpo, cada respiração
em seus pulmões, cada pensamento em sua mente confusa.
Oh deus me ajude, eu o amo, ela sussurrou.
Foi assim que a mãe dela se sentiu? A desesperada e louca corrida
do desejo, o tremor de seu corpo, a corrida de seu coração quando
aqueles olhos escuros a faziam sorrir. Ela perdeu aquele sorriso torto
quando ele e Sammy jogavam algum jogo tolo e tentavam puxá-la para
ele. Sua voz voltava para ela em uma frase familiar ou lembrava de uma
conversa.
— Minha Lady.
Ela pulou e se virou muito rapidamente, colocando a mão a
procura de algo para o equilíbrio. O Sr. Chenwick ficou espantado.
— Eu não queria assustar você, Lady Grace. Você tem um
visitante e seu pai ainda não retornou de seu passeio. Ele está na
biblioteca.
— Quem? — Ela lutou para trazer sua mente de volta ao presente.
— Um Lorde Sunderland, minha Lady. Onde o farei esperar?
Não entre em pânico, seu cérebro repreendeu. Autocontrole, calma.
— Por favor, instrua o mordomo para que ele espere na sala de
visitas. Você poderia também ver o senhor Samuel para se juntar a nós
lá?
O tutor magro e grisalho apressou-se a voltar para a mansão.
Grace agarrou a camomila, esmagando as delicadas flores brancas e
seguiu em um ritmo calmo. Respiração profunda, ela disse a si mesma,
respirar fundo. Tirou as luvas, entregou o guardanapo de ervas à Sra.
Woolley e tirou o chapéu.
— Você poderia fazer um chá, por favor? Eu estarei na sala de
visitas com nosso convidado. Sammy vai se juntar a nós e eu...
A sra. Woolley olhou para ela com expectativa.
— Sim, minha Lady?
— Você poderia, por favor, permanecer na sala até que meu pai
retorne ou nosso convidado saia?
— Claro, eu vou levar o chá imediatamente.
Kit passeou pela sala, mas parou em um retrato de quem só
poderia ser Lady Boldon. Sua filha tinha os mesmos olhos inteligentes
e cabelos ruivos brilhantes. Elas poderiam ter sido irmãs. Deve ter sido
difícil para Lorde Boldon ver a imagem mais jovem de sua esposa depois
de sua morte. Ele se lembrava de como fora difícil para Eliza, quando
ele chegou a Falsbury. Oh, ele sentia falta dessa família. Várias vezes,
uma travessura de Sammy passava por sua mente e uma risada
explodira dele. Ele estava ensaiando esse discurso em voz baixa por
uma semana. Seu criado estava começando a pensar que estava indo
para Bedlam.
Weston o convidara para o Wicked Earls Club. Ele foi, procurando
alguma distração. Uma mulher para a cama, em particular, para se
livrar da tensão que ele não conseguia diminuir. Coventry sorriu em
compreensão e colocou-o nos antigos aposentos de Carson. Era como
se o velho diabo de seu irmão pairasse sobre ele. Ele tinha bebido muito
vinho do porto, perdeu muito em whist e, em seguida, dirigiu-se para
o quarto. A moça tinha sido uma adorável Lady, suave e feminina, loira
e rechonchuda. Exatamente o que ele sempre ordenou.
A moça estava disposta, mel de saborosa, com mãos que sabiam
como agradar a um homem. Mas quando ela começou a acariciá-lo, o
rosto de Grace apareceu. Seu sorriso doce, aqueles olhos esmeralda
luminosos, aquele corpo esguio que se ajustaria ao dele como uma peça
de quebra-cabeça. O resto da noite foi um desastre. A prostituta se
desculpou, não entendendo sua mudança de ideia. Ele a mandou
embora com um punhado de moedas. Graças a Deus por Weston. Ele
não se lembrava de como chegara em casa, lembrava vagamente de
Andrew guiando-o pelas escadas do clube.
A porta se abriu e ela estava lá, o sol disparando raios de fogo
através de seus cachos avermelhados.
— Lady Grace, — ele se inclinou, encolhendo com o estrondo em
sua voz. Não era um bom começo.
— Bom dia, senhor Sunderland. Que surpresa inesperada.
Ela parecia sem fôlego. Ele sentiu seu corpo se mexer. Quando ela
lambeu os lábios, ele quase se desfez.
— Parece que eu possuo um castelo próximo, e o administrador
da propriedade decidiu se aposentar.
— Oh, o castelo assombrado, sim. Então você esteve lá? — Ela
sorriu e sentou-se em uma cadeira perto da janela. — Você não vai se
sentar?
Ele levantou a casaca e se estabeleceu em frente a ela.
— Assombrado, como por fantasmas? E não, eu vim aqui
primeiro.
— Sim. Há meia dúzia de lendas sobre o lugar. Lembro-me de ter
passado uma vez com a minha governanta. Esses sons assustadores
vieram do lugar. Quando menina, eu estava petrificada. Agora, tenho
certeza que foi apenas o vento. — Ela sorriu. — Tenho certeza que você
vai ficar bem.
— Obrigado, eu... Bem, eu... — Ele fechou os olhos. Você pode
atacar em uma batalha, em desvantagem de dois para um, e você não
pode dizer três pequenas palavras para esta mulher. Ele abriu os olhos,
determinado a manter sua dignidade, quando Sammy entrou na sala.
— Sunderland, você veio me ver. Eu sabia que você sentiria nossa
falta. Eu disse a Gracie. — Ele derrapou até parar, enrugando o carpete
Axminster sob as botas. O menino bateu os pés e alisou o tapete. Ele
também notou que a governanta estava parada em um canto distante.
Bom, eles não poderiam ser acusados de nada inapropriado. — Você
vai ficar para o jantar?
— Sammy, não é seu lugar convidar Lorde Sunderland. Tenho
certeza de que ele tem negócios para comparecer no seu castelo. — Ela
inclinou a cabeça e deu a seu irmão algum tipo de olhar que Kit não
reconheceu e garoto ignorou.
— Papai vai perguntar a ele de qualquer maneira. É apenas
educado. — Ele se moveu entre os joelhos de Grace e se recostou contra
ela. — Como está o seu pai? A perna dele está consertada?
— Ele está fazendo uma excelente recuperação. Eu te agradeço
por perguntar.
— Você tem que ficar porque eu tenho muitas coisas para te
mostrar. O lago, meu pônei, o balanço que papai colocou no carvalho.
— Ele fez uma pausa. — O castelo assombrado?
A empregada entrou com o chá naquele momento. Sammy pulou
para cima e para baixo ao lado dela, tentando ver quais biscoitos
haviam sido colocados. Grace repreendeu-o novamente.
— Sinto muito, meu senhor, ele está bastante ativo hoje.
Ela serviu o chá, uma imagem de graça aristocrática, e ele desejou
que eles estivessem sozinhos. Ele precisava de privacidade, e as
palavras que ele praticou eram apenas para os ouvidos dela. Quando
ele pegou a xícara, Sammy saltou por cima do braço para pegar um
biscoito. O chá caiu no chão, espalhando-se pela camisa do menino e
pelo tapete.
— Samuel! Onde estão suas maneiras? — Grace pegou o biscoito
dele, seus lábios pressionados juntos. — Sra. Woolley?
— Eu tenho ele, minha Lady. — A governanta pegou Samuel pela
mão e o levou da sala. — E eu vou mandar a serva para limpar a
bagunça.
Kit olhou para a frustração nos olhos de Grace.
— Bem, nós não estamos indo bem, estamos? — Ele riu. Seus
nervos. A tensão foi embora. — Vamos ficar aqui sozinhos sem um
acompanhante? Ou dar uma volta no gramado com vários homens
cortando e atentos?
Grace riu.
— Eu escolho a caminhada.
Kit levantou-se e seguiu-a até a porta. Enquanto caminhavam
pela frente da mansão, Kit cruzou as mãos atrás das costas.
— Receio que deixamos as coisas um pouco instáveis em
Falsbury. Fiquei desapontado ao descobrir que você tinha ido embora.
Ela assentiu.
— Ficamos o maior tempo possível, mas papai tinha
compromissos que não podia adiar. Você sabia que ele só estava
planejando ficar por uma semana?
— Mesmo? O que o fez mudar de ideia?
— A companhia, eu presumo. Ele disse que não gostava tanto,
desde que minha mãe morreu. — Ela olhou para ele do canto do olho.
— Obrigada. Foi um convite generoso. Todos nós tivemos uma visita
adorável.
— Você vem para Londres? — Ele notou que ela hesitou na
pergunta. — Lady Eliza ficará desapontada se você não estiver lá para
o nascimento de seu filho.
— Oh, sim. Estamos planejando chegar no final de novembro, já
que ela deve ter no começo de dezembro. Foi combinado com sua mãe
antes de sairmos. — Grace sorriu para ele, com malícia brilhando em
seus olhos. — Na verdade, convencemos Eliza a permitir que Lady
Falsbury garantisse os serviços de Sir William Knighton.
— O médico especializado em parto? — Kit sabia que o homem
frequentara membros da família real. Ele não custaria nenhuma
pequena comissão. O fato de sua mãe estar tão envolvida no
nascimento de seu neto, e assumir o custo, disse a ele o quanto ela se
importava com Eliza.
— Você vai voltar para o exército se ela tiver um menino? — Grace
perguntou, sua cabeça voltada para os homens. — Meu pai disse que
era sua preferência.
— Realmente era.
— Era? Alguma coisa mudou?
— Você veio, minha Lady. — Ele parou, admirando o perfil dela
enquanto ela continuava por alguns passos. Percebendo que ele não
estava mais ao seu lado, ela parou. — Acredito que precisamos
continuar a conversa que começamos em Falsbury. Receio que fiz uma
confusão de tudo isso.
— Ah não! Foi minha culpa. Uma desconfiança irracional que me
fez correr, em vez de falar com a minha mente. Não é característico de
mim, asseguro-lhe. — Ela levantou a cabeça, o queixo para cima. — Eu
não sou uma covarde por natureza.
— Eu não acho nada do tipo. LadyGrace, não sou um homem que
apreciaria uma corrente nas pernas através do casamento. Por sua vez,
não os ligaria à minha esposa. Você teme que o casamento a coloque
sob a mão de um homem.
Ela assentiu com a cabeça, um sorriso envergonhado curvando
seus lábios carnudos.
— Nós falamos sobre sua criação com uma mãe independente e
um pai tolerante. Eu recomendo-o pela criação de seu irmão até agora.
Minha mãe não é de sufocar suas opiniões, por isso não estou
acostumado a uma mulher mansa ou tola.
Lady Grace sacudiu a cabeça.
— Foi o beijo... eu nunca tinha experimentado tais sentimentos.
Minha determinação desapareceu e fiquei com medo.
— De mim? De nós? — Seu pulso acelerou em seu pescoço. Era
hora de pisar suavemente, independentemente do ardor que o tornasse
rígido.
— Eu tenho medo de deixar minha família. — Seus olhos
seguraram os dele, um olhar firme, mas suplicante.
— Claro que sim. Como você não poderia? Você é companheira,
filha, mãe e irmã há cinco anos. A maioria das mulheres nunca teria
desistido de tanto por sua família. Mas eu não escolheria uma mulher
assim para ser minha esposa.
Seu peito subiu e desceu, a renda creme traçando seu peito, o
movimento enviando ondulações pela musselina azul escura.
— O que você está dizendo?
Kit colocou o dedo sob seu queixo e levantou seu rosto, com
cuidado para manter a outra mão atrás das costas. Ele não confiava
em si mesmo neste momento.
— Eu te amo. Não tive um momento de paz desde que você saiu.
Não, desde que nos encontramos na colina com vista para Falsbury.
Você invadiu minha alma naquele dia. E nas semanas seguintes, você
destrancou meu coração. Diga-me que não fui mal orientado em meu
afeto. — Ele havia desnudado sua alma. Era o seu ás na manga.
— Lorde Sunderland, sou uma idiota tola. Eu corri naquele dia
porque percebi o quanto me importava com você. Durante a peça, tão
perto de você, meu corpo entendeu meus sentimentos antes de mim.
— Ela juntou as mãos. — Não sou tão sofisticada quanto as mulheres
do seu círculo. Meu lugar sempre esteve aqui em Boldon. As formas de
cortejar e flerte são estranhas para mim. Mas escutei meu coração e
ele falou comigo depois do seu beijo.
— E o que seu coração lhe diz?
— Você é um bom homem, e qualquer mulher teria a sorte de ter
o seu carinho.
Ele soltou um suspiro.
— Eu quero casar com você. Quero amá-la. Quero amá-la até você
ficar sem fôlego e desmaiar. Se eu não te beijar logo, tenho certeza de
que vou morrer.
Seus olhos brilharam e um sorriso travesso apareceu em seu
rosto.
— Não devemos fazer isso.
Oh, ela era tentadora. Ele queria esmagá-la e devorar sua boca,
prová-la, inalá-la. Ele soltou outro suspiro e riu.
— Você é uma megera, Lady Grace.
Ele se inclinou e roçou levemente os lábios nos dela. Ela
estremeceu sob seu toque. Ele sorriu quando deu um passo para trás.
— E você é um libertino, senhor Sunderland. — O humor
desapareceu de seus olhos. — Eu te amo, mas não sei se posso deixar
Boldon, meu pai e irmão. E se eu for infeliz? E se o faço infeliz? E se te
desapontar?
Sua boca desceu sobre a dela novamente, mais exigente desta vez
para silenciar suas dúvidas. Ele enterrou os dedos em seu cabelo, os
fios de seda contra a pele calejada. As palmas das mãos dela
descansaram no peito dele, o corpo dela se curvando contra ele.
Os homens no gramado aplaudiram. Grace cobriu o rosto com as
mãos, escondendo o rubor que ele conhecia, espalhado por suas
bochechas. Ela abaixou a cabeça, o peito arfando.
— Peço desculpas, minha Lady, mas é a isso que você me levou.
— Sua expressão aturdida, os lábios inchados o agarraram com uma
paixão que ele só conhecia antes da batalha. Ele entendia agora por
que um homem permitiria que sua esposa o seguisse, na guerra. — A
única maneira de me desapontar é dizer não. Lady Grace, me faça o
mais feliz dos homens e seja minha esposa.
Ela levantou a cabeça, a boca ainda entreaberta. Sua língua
percorreu seu lábio superior e ela respirou fundo.
— Sim, mas... — Ele colocou um dedo nos lábios dela.
— Eu levei suas preocupações em consideração. — Ele sorriu
enquanto jogava suas próprias palavras de volta para ela. — E eu tenho
um plano.
CAPÍTULO 15
As crianças são as âncoras que levam a mãe à vida.
Sophocles

Final de novembro de 1815


Londres, Inglaterra

— Isso aconteceu rapidamente. Eu sabia que você estava


interessada nela, mas não sabia... Por Deus, acabamos de lhe dar uma
chave há alguns meses. — Weston lhe deu uma palmada nas costas.
— Para a maioria dos homens, eu ofereceria minha simpatia, mas essa
moça tinha você de volta ao seu antigo eu, antes do verão ter ido
embora.
Kit sorriu.
— Lorde Boldon chega em minha casa no final desta semana. Você
vai encontrá-la então. Ela vem para o nascimento da minha sobrinha
ou sobrinho.
— Então os planos estão todos em ordem?
— Sim, nada mudou. Falsbury prefere que eu não retorne à minha
carreira militar. Se for menino, ele quer que eu assuma a tutela. Diz
que ele é velho demais para se preocupar com outro jovem.
Independentemente do resultado, residiremos no Castelo de
Sunderland. Se eu quiser passar algum tempo com minha esposa,
precisamos morar perto da propriedade de sua família. — Ele passou a
mão pelos cabelos. — Os terrenos precisam de grandes reparos.
Consegui fazer uma casa habitável, para que possamos morar lá
enquanto as reformas estão em andamento.
— Precisamos chutar os vestígios no Wicked Earls Club antes de
assinar o contrato de casamento.
— Várias vezes, espero. A companhia e os jogos são excelentes lá,
mas não precisarei de mais concubinas no meu quarto.
— Eu prometo que será um pouco mais leve do que as excursões
de Carson.
Um silêncio se estabeleceu entre eles, cada um perdido em uma
lembrança.
Grace verificou seu reflexo pela terceira vez antes de se juntar ao
seu pai na porta. Em menos de uma hora, ela veria Kit e Eliza
novamente. Ela não via a prima desde o final de setembro. Papai havia
sido convidado a caçar perdiz na propriedade de Lady Rafferton, e eles
tinham ficado em Falsbury por uma semana. Kit estava ocupado em
tornar o Castelo de Sunderland habitável novamente, então ele dividiu
seu tempo entre inspecionar várias propriedades com seu pai,
trabalhar no castelo em ruínas, e Londres. Ainda assim, fazia um mês
desde que seu coração disparou quando ele entrou na sala.
Ela puxou um cacho na frente de sua orelha, ajustou a larga fita
verde em seu cabelo e alisou o veludo de seu vestido verde esmeralda.
Duas faixas de roxo profundo, bordadas com fios de ouro em
redemoinhos celtas, desciam para cada lado de sua saia. Uma fita
bordada combinando em volta da cintura. Usando as luvas até os
cotovelos, ela sorriu para si mesma e beliscou suas bochechas. Oh
graciosa, ela pensou, ele a ama como você é, pare de se preocupar.
Quando ela desceu as escadas, suas sapatilhas roxos apareceram na
bainha.
— Você é uma beleza, minha querida. — Disse seu pai, radiante.
— Esta será uma grande visita.
— Eu só queria que Sammy estivesse aqui conosco. — Ela odiava
o gemido em sua voz.
— Nós discutimos isso. Você deve se adaptar à sua ausência. Nós
só ficaremos uma semana ou duas até o bebê chegar. — Ele deu um
tapinha no ombro dela com uma risada. — Isso também, vamos
sobreviver.
— Eu sei, papai. É a minha primeira vez longe dele, isso é tudo.
— Esticando-se na ponta dos pés, ela beijou sua bochecha. — Ficarei
feliz em ver Eliza e me concentrar nisso.
— Só Eliza? — Suas sobrancelhas espessas se levantaram. —
Alguém pode ter estado em sua mente quando você se vestiu esta noite.
Um novo vestido?
Ela mordeu o lábio.
— Sim, mas eu...
— Não precisa explicar. Você raramente gasta uma moeda com
você mesma. — Ele a beijou de volta no topo de sua cabeça.
A carruagem parou nos degraus da frente. A donzela ajudou-a
com a peliça castanha dourada, a raposa luxuosa na gola e nos pulsos
emplumava sua pele enquanto ela a envolvia. Grace enfiou a bolsa
dentro do grande regalo35 de pele e pegou o cotovelo do pai. O trajeto
para a casa da cidade de Falsbury foi curto. As lamparinas da rua já
haviam sido acesas e a neve começara a cair. No brilho das luzes de
óleo, os flocos de neve dançavam e torciam no chão, cobrindo a sujeira
da cidade em um cobertor branco imaculado.
— Você está quente o suficiente, minha querida?

35
Regalo um acessório para agasalhar durante os meses mais frios. Consiste de um cilindro de pele ou tecido
com ambas as extremidades abertas para enfiar as mãos.
— Oh, sim papai. — Ela esfregou os pés contra os tijolos quentes
embrulhados. — Você sabia que Eliza planeja ficar com Lady Falsbury,
independentemente de ela ter um menino ou uma menina?
Ele assentiu.
— Estranho como as coisas funcionaram. A marquesa tornou-se
mais uma figura materna para a menina do que sua própria mãe. Não
que eu culpe sua tia de alguma forma. Ela é uma vítima das
circunstâncias.
Grace fez uma oração silenciosa por todas as mulheres em tais
circunstâncias. A carruagem moveu-se para um semicírculo e parou
na residência central do terraço. A fileira de casas residenciais em
forma de arco estava iluminada com luzes exuberante em cada porta.
A lamparina de Falsbury iluminava as pilastras brancas que
flanqueavam os dois lados da entrada, e com desenhos em formato de
abacaxi acima da porta que davam as boas-vindas aos visitantes. Ela
tinha quatro andares de altura, com miniaturas de varandas cercadas
de ferro forjado e adornos no centro das janelas. No verão, as floreiras
presas a varanda ficavam cheias flores.
O mordomo os conduziu e logo estavam na sala de visitas. Eliza
tentou saltar da cadeira, recuou e se empurrou para trás novamente.
Sunderland estava em seu cotovelo em um momento, escoltando-a
através da sala.
Grace os encontrou no meio, os braços ao redor de sua prima,
mas os olhos em Kit. As asas no estômago dela despertaram,
provocadas pelo sorriso caloroso e secreto que ele lhe enviou. O sorriso
que disse senti sua falta. Eu desejo segurar você em meus braços.
— Gracie, é tão bom ver você. — Gritou Eliza, enxugando os olhos,
em seguida, rindo de seu olhar de preocupação. — Não se importe
comigo. Parece que eu comecei a chorar esses dias por causa de coisas
sem importância. Não importa se estou feliz, zangada, triste ou
entediada.
— Eu estava pior do que você. — Disse Lady Falsbury abanando
a mão, descartando a explosão de sua nora. A mãe de Kit estava
brilhando, em uma cópia de uma rosa, com a borda arredondada cheia
de renda vermelha na gola e nas mangas. — Não vá se exaltar muito,
minha querida. Nós não queremos que o bebê chegando cedo.
Kit se inclinou por baixo da mão de Grace, piscando para ela
enquanto seus lábios permaneciam em sua mão enluvada. Seu pulso
acelerou em antecipação de um momento roubado no final da tarde.
Eles estavam comprometidos, afinal, e Eliza assegurara que nenhum
estranho fora convidado.
No jantar, Kit jogou o protocolo ao vento e sentou-se ao lado de
sua noiva. Fazia mais de um mês e, se ele não conseguisse levá-la para
um canto escuro, pelo menos se sentaria ao lado dela. As mulheres
conversaram incessantemente sobre o nascimento próximo. Tinha
aprendido mais do que ele precisava saber sobre Sir William Knighton,
o médico parteiro que iria assistir o nascimento, a enfermeira mensal
agora em residência, a redução da dieta de Eliza estava em que
restringia a ingestão de álcool, chá ou café, e quarto do parto.
Finalmente, a refeição forneceria assuntos alternativos.
— Você já esteve em Tattersall ultimamente, Sunderland? —
Perguntou Boldon com um brilho nos olhos castanhos. — Estou
pensando em criar meu melhor cavalo de carruagem. Precisarei
substituir se eu fizer. Gostaria de dar uma olhada nos cavalos amanhã?
— Poderíamos discutir algo diferente do que procriação?
Kit deu-lhe um olhar soturno e foi recompensado com uma risada
saudável.
— Eu só estou provocando com uma brincadeira. — Ele
respondeu com bom humor. — Vamos ter o nosso vinho do porto em
breve e as senhoras podem continuar sua conversa delicada.
— Eu não ouvi uma palavra delicada desde que começaram. —
Ele murmurou baixinho. Deve ter sido alto o suficiente para Grace
ouvir porque ela o beliscou debaixo da mesa. — Ai! Você vai pagar por
isso. — Ele avisou em um sussurro alto. Ela riu e seu cheiro de
baunilha e... laranja encheu seu nariz. Quando o desejo despertou em
seus quadris, ele relutantemente voltou seus pensamentos ao parteiro.
O assunto de Natal e eventos sociais rivalizaram com a gravidez o
resto da refeição. Ele notou que Eliza parecia pálida esta noite. Mesmo
que sua mãe a tenha lembrado que carne e pratos abundantes deviam
ser evitados no final da gravidez, o peixe era uma excelente escolha.
Ela só bebericava a sopa branca e não participava de nenhum dos
pratos de peixe. Todas as mulheres estão tão preocupadas com esses
detalhes? Ele se perguntou. Um plano para escapar de sua mãe e Eliza
com Grace por alguns minutos, começou a se formar.
Os pratos removidos foram substituídas e o segundo prato
começou. Serviu a si mesmo e a Grace uma porção de filé assado de
carne de porco e costeleta de cordeiro salteados com aspargos e
ervilhas.
— Vou me desculpar antes de você se retirar para a sala de estar.
Encontre uma razão para se atrasar, então você deixa a sala de jantar
sozinha. — Ele disse baixinho, enfiando o garfo em um pedaço de carne
de porco coberto com um rico molho marrom. Ele moveu o joelho e
roçou o veludo de seu vestido, observando os olhos de Grace se
arregalarem e pressionar os lábios.
Mas, quando o segundo prato foi retirado, um alvoroço começou
no final da mesa.
— Tem certeza? — Perguntou a mãe em voz aguda. — Sir Knighton
está fora da cidade. Isso não pode acontecer até a próxima semana, no
mínimo.
Eliza empurrou a cadeira para trás e se abaixou, segurando a
barriga.
— É melhor você contar a sua neta porque ela não está ouvindo.
— Meu neto parece ser tão teimoso quanto seu pai. — Resmungou
Lady Falsbury. — Senhores, eu tenho medo que vocês tenham que
terminar a refeição sem nós. — Ela se levantou e se inclinou sobre
Eliza. — Venha minha querida, vamos levá-la para cima.
Grace se levantou da cadeira, derrubando-a para trás. Kit pegou-
a antes que ela caísse no chão.
— Você está bem? — Ele perguntou, preocupado com a palidez
repentina de sua pele.
— Grace. — Seu pai disse em um tom calmo e suave. — Vai ficar
tudo bem. A enfermeira mensal está aqui. Eu tenho certeza que Lady
Falsbury encontrou a melhor em Londres.
— Certamente, nada menos para o meu neto.
— Neta. — Corrigiu Eliza.
— Logo veremos. — Sorriu Kit. Ficou desapontado que seu
momento particular com Grace seria perdido, mas o mistério
finalmente seria resolvido. — Por favor, deixe-me ajudar a levar a Lady
em seu quarto.
Levou um quarto de hora para chegar ao quarto no terceiro andar.
Eliza sentiu outra contração, e ela se sentou em um degrau da escada,
ofegante. O alarme anterior de sua prima havia desaparecido, e ela
segurou a mão da moça até que a dor diminuísse.
— Eu tive pequenas dores o dia todo, mas não achei que valesse
a pena mencionar. A última vez, Sir Knighton disse que era um falso
parto. — Ela começou a rir, mas o som se transformou em um gemido
quando ela se levantou. — Eu poderia ter julgado mal.
Kit perdeu a paciência.
— Lady Eliza, não quero criar pressão, mas por favor, deixe-me
levá-la o resto do caminho.
Ele esperava uma discussão. Em vez disso, seus olhos estavam
cheios de gratidão quando ela concordou. Ela era mais leve do que ele
esperava. Ele pegou-a em seus braços, as outras mulheres logo atrás.
Elas escolheram o quarto que forneceria a luz da manhã para a mãe e
a criança. Havia um grande quarto, vestiário e uma sala externa, Kit
assumiu, para qualquer um que esperasse para ouvir notícias. Ele
ficaria feliz em descer com Boldon e beber vinho do porto.
Ele gentilmente depositou Lady Eliza na cama, beijou Grace em
cima da cabeça enquanto sua mãe arrumava os lençóis e escapou. Na
sala de jantar, Boldon havia abandonado os últimos pratos e serviu
dois copos de vinho do porto.
— Para uma nova geração. — Ele brindou, entregando a Kit um
copo do líquido escuro.
— Eu ficarei feliz quando isso acabar. Grace e eu marcamos uma
data, nos casaremos e começaremos nossa própria família. — Ele
estava ansioso para começar essa nova fase de sua vida. O otimismo
que o saudava no espelho a cada dia era o resultado do amor. O abismo
deixado pela morte de Carson estava encolhendo com o amor de Grace.
Ela encheu-o de esperança de que o mundo poderia ser um bom lugar
com risos e familiares. Esse nascimento a faria ficar com fome de uma
criança. Ele estava pronto. Finalmente, ele estava pronto e agradeceu
a Grace por essa nova visão do futuro.
À meia-noite Kit estava andando de um lado para o outro. Eles se
mudaram para a sala de bilhar para se manterem ocupados. Boldon
subiu uma vez e voltou, balançando a cabeça.
— Ainda não, ainda não. Essas coisas levam tempo. Nunca se
sabe.
Pressentimento agitou em seu intestino.
— O que foi?
— O bebê está virado de lado.
— Bem, elas podem endireitar isso. Elas não podem?
— Eu não sei. — Boldon apertou a boca. — A enfermeira tem medo
de intervir sem Sir Knighton. Ela tem medo que, se algo der errado, ela
será culpada.
Kit passou a mão pelos cabelos e começou a andar de um lado
para o outro.
— Não há nada que possamos fazer?
— Esperar. E tome outra bebida.
Duas horas depois, um som soou na porta. Um servo fez uma
reverência e anunciou.
— Você é necessário no andar de cima, meu senhor.
Eles largaram os tacos e se dirigiram para a porta.
— Lorde Boldon, meus senhores.
Kit ignorou a serva e os dois homens continuaram pelo corredor,
subindo as escadas de dois em dois degraus. Hesitando na entrada dos
aposentos, ouviu um gemido de desespero.
— Não, não, não. — O medo percorreu sua espinha quando sua
mãe emergiu da sala.
— Ela era como um general em batalha. A enfermeira estava com
medo de virar o bebê e Eliza estava cansada. Lady Grace levantou as
mangas e puxou a enfermeira para a cama. Ela disse que ambos
morreriam se nada fosse feito, e ela não permitiria que isso
acontecesse. — Lady Falsbury sentou-se com um suspiro, as linhas do
rosto dela se aprofundaram nas últimas horas. — Com a ajuda de
Grace, a enfermeira conseguiu virar a criança. Quando elas a
entregaram ao mundo, o sangramento começou...
— E Eliza? — Perguntou Lorde Boldon.
— Ela está fraca, mas vai se recuperar. No entanto, acho que entre
o sangue e a criança não respirando imediatamente, isso trouxe de
volta memórias de sua esposa. Seu corpo começou a tremer e ela se
afastou da cama, chamando por sua mãe.
Outro soluço quieto do outro lado da parede.
— Eu não posso acalmá-la, Lorde Boldon. Eu pensei que talvez se
você tentasse, poderíamos tirá-la do quarto. Ela está trancada em seu
passado...
Kit ouvira o suficiente. Raiva o fez empurrar a porta com força.
Ela bateu contra a parede, assustando a enfermeira.
— Por favor, meu senhor. Nós não precisamos de mais agitação.
—Ela voltou sua atenção para a paciente, limpando o suor do rosto.
Com um sorriso fraco, Eliza se virou para ele.
— Você tem uma sobrinha, Lorde Sunderland. E agradeço a Grace
por sua entrega segura. Por favor, ajude-a.
Ele ouviu um soluço e uma longa ingestão de ar. Então ele a viu.
Aconchegada no canto, os joelhos levantados, a cabeça enterrada nos
braços. Kit aproximou-se dela devagar, agachou-se e alisou os cachos
úmidos enrolados em sua bochecha.
— Grace, meu amor, estou aqui.
— Por que, mamãe? Por que novamente? — Seus olhos vidrados
estavam inchados, as bochechas raiadas de lágrimas vermelhas. Ela
não podia vê-lo, sua mente estava de volta a Boldon há cinco anos. A
visão dela perfurou seu coração. Sua linda, confiante, irritante e
graciosa amada. Oh Deus, sua mente gritou, não agora. Não quando
estamos tão perto de uma vida juntos.
Kit colocou as mãos sob ela com cuidado, como se ela pudesse se
quebrar, se moveu muito rapidamente, e a levantou em seus braços.
Ele segurou-a contra o peito, enfiando a cabeça sob o queixo,
sussurrando para ela enquanto ele a levava para fora do quarto.
— Shh, shh meu amor. Estou aqui agora, shh.
Seu pai estava na porta, os olhos brilhando de preocupação.
— Oh, minha pobre menina. — Ele olhou para Lady Falsbury. —
Ela vai voltar para nós?
Kit viu sua mãe guiar Boldon do quarto.
— Eu acho que se alguém puder alcançá-la agora, será meu filho.
Pelo que Eliza me disse, ela precisa de uma voz de seu futuro, não de
seu passado, para tirá-la desse lugar sombrio.
Grace começou a chorar novamente, um som suave e angustiante
que ameaçava destruir a alma de Kit. Ele se sentou contra o sofá,
balançando-a, sussurrando palavras de amor, beijando seus cabelos.
— Shh, volte para mim, meu doce. Eliza e o bebê precisam de você
agora. Sammy está esperando por você. É hora de voltar para casa.
Um gemido estrangulado ecoou em seus ouvidos e ele continuou
a sacudi-la. Ela não podia deixá-lo agora. Não agora, quando ele estava
inteiro novamente. Não agora, quando sua vida estava cheia de luz e
riso. Não agora, quando o sorriso dela o ajudou a se curar um pouco
mais a cada dia.
— Por Deus, Grace, eu não vou permitir isso. Volte para mim,
caramba. Droga, eu preciso de você. — Ele enterrou o rosto em seu
pescoço, suas lágrimas se misturando com as dela, e percebeu que o
gemido atormentado era dele. — Eu preciso de você.
Uma mão acariciou seu cabelo, um toque sussurrado. Dedos se
curvaram em volta do pescoço.
— Kit? — Era um som rouco, rouco e quase inaudível. O som mais
bonito que ele já ouviu.
Ele soltou um suspiro longo e instável.
— Grace, eu estou aqui minha querida. — Ele agarrou-a,
balançando e rindo e beijando seus olhos, bochechas, nariz, lábios. —
Eu sempre estarei bem aqui.
— Eu vi sangue e o bebê estava tão quieto...
— Mãe e filha estão bem. — Ele considerou colocá-la na cadeira
para que ele pudesse pegar um pano frio e um pouco de água para ela.
Sua mente disse para libertá-la. Seu coração não a deixou ir.
— É uma menina? Ambos estão vivos?
— Você os salvou, minha pequena, teimosa e sem medo.
A mão dela segurou sua bochecha e ele se inclinou para ela.
— E você me salvou. Eu ouvi você me repreendendo. Eu senti suas
lágrimas e queria limpá-las.
Grace levantou a cabeça e apertou os lábios contra os dele. Ele
fechou os olhos, entendeu a promessa silenciosa no beijo, e seu mundo
começou a girar novamente.
EPÍLOGO
Seja o arco-íris nas tempestades da vida. O raio da tarde que
sorri para longe das nuvens e tinge o raio profético com o amanhã.
Lorde Byron

Início de dezembro de 1815

Grace balançou para frente e para trás, absorvendo o calor do


bebê, inalando o doce aroma infantil. O embaraço da semana passada
havia desaparecido. A ternura por seu futuro marido havia crescido dez
vezes. Ela estava desmoronando, afundando em um poço sombrio,
revivendo a morte de sua mãe. Kit a trouxera de volta, sua voz havia
penetrado no nevoeiro. Ela estendeu a mão para ele, e ele puxou-a para
cima, segurou-a perto, não a deixou ir. Seu coração inchou,
lembrando-se de como suas palavras haviam passado de suaves e
calmantes para iradas e exigentes. Ele a amava. Oh, como ele a amava.
Kit fez cócegas no queixo da menina.
— Olá, Althea, você nos deu um grande susto.
Lady Falsbury com muito afeto com Eliza, alisando os lençóis
novamente.
— A enfermeira disse que podemos abrir a janela, para um pouco
de ar fresco. Não muito tempo, não quero que nenhuma de vocês pegue
um resfriado. Sua dieta deve permanecer...
— Mãe, pare de se preocupar com a mulher e venha segurar sua
neta. — Kit ordenou. — Já faz quase uma semana e você repetiu as
ordens do parteiro tantas vezes, eu até posso recitá-las.
Com um brilho, sua mãe pegou a criança de Grace.
— Venha cá, minha pequena. Nós esperamos muito tempo por
você. Seu avô ficará furioso quando voltar para casa.
— Porque não é um menino? — Perguntou Grace, indignada com
o pensamento do Marquês. Ele não estava satisfeito com seu próprio
filho.
— Deus, não. Ele está aliviado que é uma menina, diz que
Christopher sempre teve uma mente para o negócio. — Ela arrulhou
para o bebê. — Lorde Falsbury planejou estar aqui para o nascimento.
Ele gosta de estar no comando em qualquer evento importante. Isso
certamente se qualifica.
— Ha! Isso vai irritá-lo.
— Eliza, eu pensei que você tivesse escolhido outro nome para
uma menina?
— Eu tinha. Um dia, eu estava lendo um livro na biblioteca e
encontrei Althea. Significa poder de cura e achei adequado.
— Eu nunca fui um filósofo, mas meu irmão realizou várias boas
ações na sequência de sua morte. — Kit puxou Grace para o lado dele.
— Casando-se com Eliza, ele proporcionou um lar seguro e feliz para
uma boa mulher, minha mãe com uma filha e uma neta, e eu com uma
esposa. Ele deve estar particularmente orgulhoso agora.
— Eu não tinha pensado nisso nesse sentido. Você está certo, ele
deixou para trás um legado. — Disse Eliza com um sorriso melancólico.
Kit olhou para o teto e sorriu.
— Para Carson, quem teria pensado que você faria isso no final?
Kit praguejou com o hálito quente do riso que lhe roçou a nuca.

Você também pode gostar