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Experimento II, Física Experimental IV - IFUSP

Computador Óptico

Bruno Mesquita Guiraldelli

Iniciaremos a análise deduzindo as relações matemáticas através dos princípios desenvolvidos principal-
mente por Huygens, Young, Fresnel, Kirchhof, Fraunhofer e que entram na descrição do problema da difração
da luz de uma fonte coerente. Em seguida, será analisada a relação entre a amplitude da onda de difração e a
transformada de Fourier da onda incidente na abertura.

A teoria ondulatória da luz nos permite tratar de forma exaustiva o problema de difração e interferência.
A difração é caracterizada pelo desvio da luz ao passar por obstáculos e a interferência ocorre devido à super-
posição de frentes de ondas com diferentes fases em determinados pontos do espaço. Sabe-se que a difração
será mais acentuada para objetos de dimensão comparável ao comprimento de onda da luz incidente.

A difração pode ser separada em dois tipos: (I) para distância não muito grandes, a figura observada
preserva semelhança da forma geométrica do objeto embora acrescida de franjas claras e escuras no entorno
(difração de Fresnel); (II) para distância suficientemente grandes, o resultado depende somente da direção de
observação, e não mantém semelhança da forma geométrica (difração de Fraunhofer).

Fresnel foi o responsável por unificar o princípio de Huygens e Young:

(i) As ondas esféricas secundárias oriundas dos diferentes pontos de uma frente de onda são coerentes, pois
a frente de onda é uma superposição de fase constante.

(ii) A onda num ponto posterior é a resultante da interferência de todas as ondas secundárias, levando em
conta suas diferenças de fase associadas a percursos diferentes.

(iii) A amplitude das ondas secundárias provenientes de um elemento de superfície dS de uma frente de
onda não é a mesma em todas as direções: é máxima na direção n̂ normal à frente de onda e decresce
lentamente e monotonicamente com o ângulo θ 0 = ∠(P0 P, n̂), onde P0 é o centro da área infinitesimal e P
é o ponto de observação, caindo a 0 para θ 0 = π/2.

Com isso, pode-se escrever a amplitude da onda de difração devido à área infinitesimal dS como

eikr
dE(P) = F(θ 0 )E(P0 ) dS
r

1
onde F(θ 0 ) é o fator de obliquidade. Logo, integrando para toda abertura, tem-se

eikr
Z
E(P) = F(θ 0 )E(P0 ) dS (1)
Σ r

Pode-se determinar o fator de obliquidade pelo método das zonas de Fresnel, o que fornece

cos(θ 0 )
F(θ 0 ) =

e a amplitude fica

1 eikr
Z
E(P) = cos(θ 0 )E(P0 ) dS (2)
iλ Σ r

Com isso, para determinar a amplitude da onda de difração no ponto P, precisamos conhecer a amplitude
da onda incidente no ponto P0 , E(P0 ), sobre toda a abertura Σ.

1) Difração de Fraunhofer
Para uma distância R suficientemente grande do ponto P à abertura Σ, a figura de difração tem sua intensidade
dependente somente da direção de observação. Para esta distância, não se observa mais os efeitos da difração
de Fresnel, por ser o diâmetro Λ máximo da abertura Σ muito menor que o raio da primeira zona de Fresnel, de
modo que a abertura compreende apenas uma fração de uma zona de Fresnel.

Λ2
<< 1 R >> Λ
λR

Com esta condição, raios difratados pela abertura e paralelos podem ser considerados como um feixe de
luz que atinge o anteparo de observação em um ponto. Portanto, esse mesmo resultado pode ser obtido com
uma lente, que converge todos os raios paralelos para um ponto no plano focal imagem, facilitando a observação
da figura de difração de Fraunhofer, visto que se pode obter a figura de difração sem a necessidade de colocar
o anteparo longe.
→−
Suponha que →

x 0 = OP0 seja a posição vetorial na abertura e k = kû é o número de onda na direção de
observação û. Considere ainda OP = R e P0 P = r. Para a condição R → ∞, tem-se

r∼ = R−→
= OP − P0 P ∼ −
x 0 · û

considerando que a variação angular para o diâmetro da abertura é desprezível na condição de Fraunhofer
e como a maior parte da intensidade vai para as direções próximas da direção de incidência uˆ0 , podemos
substituir cos(θ 0 ) por cos(θ00 ). Substituindo em (2) e fazendo r ∼ R no denominador, obtém-se

2
eikR 1
Z

−0
E(P) = cos(θ00 ) E(P0 )e−ikû· x dS
R iλ Σ
eikR
Z
= E0 (x, y)e−i(kx x+ky y) dxdy (3)
R Σ
eikR
= E0 (kx , ky )
R

onde
1
E0 (x, y) = cos(θ00 )E(P0 )

Z
E0 (kx , ky ) = E0 (x, y)e−i(kx x+ky y) dxdy
Σ

e utilizamos as coordenadas →
−x 0 = xx̂ + yŷ e û = (sinθ cosφ )x̂ + (sinθ sinφ )ŷ + cosθ ẑ (observe que θ aqui
é das coordenadas esféricas) e, portanto, kû · →

x 0 = k x + k y, com k = ksinθ cosφ e k = ksinθ sinφ , representa
x y x y
a diferença de fase de dois raios de igual direção û que distam um do outro |→

x 0 | no plano da abertura.

Note que a amplitude da onda de difração pode ser representada como uma expansão inversa de Fourier
com normalização de Dirac (transformada de Fourier)

1
Z
E0 (kx , ky ) = E(x, y)e−i(kx x+ky y) dxdy (4)
2π Σ

com
E(x, y) = 2πE0 (x, y)

Dessa forma, a transformada inversa para o caso geral e frequências contínuas fica

1
Z ∞ Z ∞
E(x, y) = dkx dky E0 (kx , ky )ei(kx x+ky y) (5)
2π −∞ −∞

ou para espectro discreto de frequências espaciais

∞ ∞
1
E(x, y) = ∑ ∑ E0 (kx , ky )ei(kx x+ky y)
2π kx =−∞ ky =−∞

Portanto, pode-se obter E0 (kx , ky ) por meio da transformada (4) e a intensidade no anteparo será I(θ , φ ) =
|E(P)|2 = |E0 (kx , ky )|2 /R2 .

Vamos considerar agora o caso particular de uma onda monocromática plana que incide na abertura com
ângulo θ00 com relação à normal. A amplitude desta onda é portanto


− →
−0
E(P0 ) = A0 ei k0 . x

3


onde A0 é amplitude de incidência e k0 = kuˆ0 é o vetor número de onda na direção uˆ0 de incidência.
Substituindo em (3), obtemos

A0 eikR
Z

−0
E(P) = cos(θ00 ) ei(uˆ0 −kû)· x dS
iλ R Σ
(6)
eikR
= A0 f (k, û, uˆ0 )
R

onde
cos(θ00 )
Z

−0
f (k, û, uˆ0 ) = eik(uˆ0 −û)· x dS
iλ Σ

A equação (6) representa uma onda esférica emanada da abertura cuja única dependência da distância é
dada pelo fator eikR /R de propagação de onda esférica. Isso concorda com a expectativa de que, vista de uma
distância suficientemente grande, a abertura deve parecer como uma fonte puntiforme. No entanto, a amplitude
da onda de difração é proporcional a amplitude da onda incidente A0 e depende da direção de incidência uˆ0 e
de observação û, através de f (k, û, uˆ0 ), que representa a amplitude de difração na direção û. Dessa forma, a
figura de difração de Fraunhofer só depende das direções e sua intensidade cai com 1/R2 . Observe ainda que
a integral em f (k, û, uˆ0 ) é o fator de interferência, que leva em conta as diferenças de fase na superposição dos
diferentes pontos da abertura.

A intensidade máxima ocorre para û = uˆ0 , sendo a interferência construtiva (direção de propagação
geométrica), cuja amplitude de difração é

cos(θ00 ) cos(θ00 )
Z
f (k, û, uˆ0 ) = dS = SΣ
iλ Σ iλ

onde SΣ é a área da abertura. Interessa-nos a distribuição relativa da amplitude, comparada à direção de


incidência, quando a intensidade é máxima,

f (k, û) 1
Z

−0
= eik(uˆ0 −û)· x dS
f (k, uˆ0 ) SΣ Σ

Portanto, a intensidade fica

Z 2
I(uˆ0 ) ik(uˆ0 −û)·→

x0

I(û) = 2 e dS
SΣ Σ

2) Função Delta
Uma fonte pontual é uma função delta

f (r) = δ (r − b)

4
cuja transformada é uma onda plana

Z ∞
ℑ f (r) = δ (r − b)e−2πikr dr = e−2πikb
−∞

daí o fato de se utilizar o plano foco imagem e plano foco objeto para fazer a transformada. Assim, a trans-
formada de Fourier está relacionada com a condição de Fraunhofer. Observe que ao passar pela grade e ser
difratada, a luz pode ser considerada como uma soma da distribuição de raios paralelos, i.e., aqueles raios
difratados que são paralelos ao passar pela lente convergem para um ponto no plano foco imagem, o que carac-
terizaria a função delta. A soma total da convergência dos raios paralelos constitui a transformada de Fourier,
isto é, a imagem de difração para o caso de Fraunhofer. Observe que esta mesma imagem é formada a uma
distância grande, o que define a condição de Fraunhofer e estabelece sua relação com a transformada de Fourier.

3) Fenda Simples - Transformada de Fourier


Suponha uma fenda simples de largura 2a e uma onda monocromática plana incidente de comprimento de onda
λ (k = 2π/λ ). Neste caso, o campo na fenda fica

E(x) = E0 , |x| < a


= 0, |x| > a

que pode ser expandida para frequência espaciais contínuas

1
Z ∞
E(x) = E0 = √ E(kx )eikx x dkx
2π −∞

Logo, a transformada de Fourier fica

1
Za
E(kx ) = √ E(x)e−ikx x dx
2π −a
E0 1 −ikx x a
=√ e −a
2π −ikx
E0 1 h ikx a i
=√ e − e−ikx a
2π ikx
sin(kx a)
= aE00
kx a

lembre que kx = ksin(θ ) = (2π/λ )sin(θ ) e a normalização simétrica para o caso unidimensional é

1/ 2π. Com isso, obtemos a intensidade da onda difratada no anteparo, que depende do coseno diretor da
direção de observação e da largura da fenda

 2
sin(kasin(θ ))
I(û) = I(uˆ0 )
kasin(θ ))

5
que é o mesmo resultado que obtivemos com a amplitude de difração f (k, û, uˆ0 ).

No caso da grade, a imagem de difração (transformada) tem a forma de uma cruz com regiões de minimo.
Ao colocar uma fenda cuja abertura maior esta na vertical, e abertura 2a na horizontal, a parte horizontal é blo-
queada e as regiões de interferência devido à parte horizontal desaparecem, ficando somente a faixa horizontal
da imagem da grade.

Para o caso do experimento, foi utilizado duas lentes para aumentar o diâmetro dos feixes: uma lente
divergente de distância focal fd = −1 cm e um convergente de distância focal fc1 = 20 cm, para obter um
aumento de 20 vezes do diâmetro do raio. O mesmo poderia ter sido obtido ao utilizar duas lentes convergentes
com o mesmo módulo das distâncias focais. Com isso, o posicionamento das lentes deve ser tal que a distância
entre elas seja d = fd + fc1 . Assim, para o primeiro caso d = 19 cm e para o segundo d = 21 cm. Posterior-
mente à segunda lente, foi colocado a grade. Para aproximar a posição da imagem de difração na condição de
Fraunhofer, uma terceira lente convergente de foco fc2 = 40 cm foi utilizada; a grade foi colocada no plano
foco objetivo e o anteparo, para visualizar a imagem de difração (transformada), no plano foco imagem. Caso
se queira obter a imagem da figura de volta , pode-se repetir o mesmo procedimento com uma outra lente.

medidas diâmetro dos raios d2 = 20, 8 cm e d1 = 1, 02 cm.

4) Transformada de Fourier da Grade

Vimos que podemos considerar a amplitude da onda de difração na condição de Fraunhofer como uma
transformada

1
Z
E0 (kx , ky ) = E(x, y)e−i(kx x+ky y) dxdy (7)
2π Σ

Considere o seguinte sistema de coordenadas

Figura 1: Sistema de Coordenadas (Credito moodle)

6
Precisamos primeiro montar a amplitude da onda incidente na grade E(x, y). Por simplicidade, suponha
que a região onde a luz incide tenha borda quadrada e que a grade é formada por quadrados de região aberta e
entre essas regiões a grade bloqueia a luz incidente. Logo, considerando L = N(b+ε) a metade do comprimento
da região quadrada onde a luz incide na grade (é o raio do feixe de luz), onde N = (n + 1) é a metade da
quantidade de quadrados em uma direção (4N 2 quadrados no total), b é o comprimento de cada quadrado
menor da grade que representa as regiões de abertura e ε é a espessura da grade que bloqueia a luz entre as
regiões abertas.

Com essa definição, podemos escrever E(x, y) como

E(x, y) = E0 , γ( j) < (x, y) < β ( j)


(8)
= 0, caso contrário

para j = −(n + 1), −n, ..., −1, 0, 1, ..., n e γ( j) = ε2 + j(b + ε) = β ( j) − b. Vamos substituir (2) em (1) e resolver
a integral

Z L Z L
1
E0 (kx , ky ) = dx dyE(x, y)e−i(kx x+ky y)
2π −L −L
! Z β ( j0 )
!
n β ( j) n
E0
Z
= ∑ dxe−ikx x ∑ dye−iky y (9)
2π j=−(n+1) γ( j) j0 =−(n+1) γ( j0 )
" #" #
n n
E0 1 
−ikx γ −ikx β
 
−iky γ −iky β

= ∑ e −e ∑ e −e
2π (−kx ky ) j=−(n+1) j0 =−(n+1)

para facilitar a álgebra, considere zx = e−ikx γ − e−ikx β e zy = e−iky γ − e−iky β . Vamos substituir γ e β

ε ε
zx = e−ikx γ − e−ikx β = e−ikx [ 2 + j(b+ε)] − e−ikx [ 2 +b+ j(b+ε)]
= (2isin(kx b/2))e−ikx ( j+1/2)(b+ε)

de forma análoga, obtemos para zy

ε ε
zy = e−iky γ − e−iky β = e−iky [ 2 + j(b+ε)] − e−iky [ 2 +b+ j(b+ε)]
= (2isin(ky b/2))e−iky ( j+1/2)(b+ε)

Com isso, (3) fica

" n
#"
n
#
E0 b2
 
sin(kx b/2 sin(ky b/2    0

E0 (kx , ky ) = ∑ e−ikx ( j+1/2)(b+ε) ∑ e−iky ( j +1/2)(b+ε)
2π (kx b/2) (ky b/2) j=−(n+1) j0 =−(n+1)

7
Precisamos resolver as duas somas agora. Considere αx = kx (b + ε) e αy = ky (b + ε). Assim, temos

" #" #
n n
E0 b2 sin(kx b/2) sin(ky b/2) −i jαx −i j0 αy
E0 (kx , ky ) = ∑ e ∑ e e−i(b+ε)(kx +ky )/2 (10)
2π (kx b/2) (ky b/2) j=−(n+1) j0 =−(n+1)

Note que a soma é a mesma, exceto α e o índice. Assim, podemos resolver a primeira, para x, e depois
substituir αx por αy e j por j0 .

n n −1
∑ e−i jαx = ∑ e−i jα x
+ ∑ e−i jαx
j=−(n+1) j=0 j=−(n+1)

Trocando o indice na segunda soma j = p + 1 e voltando para j posteriormente, obtemos

n
sin[αx (n + 1)] iαx /2
∑ e−i jαx = e
j=−(n+1)
sin(αx /2)

Portanto, substituindo em (4) a amplitude da nossa onda de difração fica

E0 b2 sin(kx b/2) sin(ky b/2)


  
sin[αx (n + 1)] sin[αy (n + 1)]
E0 (kx , ky ) =
2π (kx b/2) (ky b/2) sin(αx /2) sin(αy /2)

Substituindo os alfas de volta, e tomando E00 = E0 b2 /2π, temos

    
sin(kx b/2) sin(ky b/2) sin[kx (b + ε)(n + 1)] sin[ky (b + ε)(n + 1)]
E0 (kx , ky ) = E00
(kx b/2) (ky b/2) sin(kx (b + ε)/2) sin(ky (b + ε)/2)

Pela definição, L = (b + ε)(n + 1) e N = (n + 1), com isso, temos

    
sin(kx b/2) sin(ky b/2) sin[Lkx ] sin[Lky ]
E0 (kx , ky ) = E00 (11)
(kx b/2) (ky b/2) sin(Lkx /2N) sin(Lky /2N)

Lembrando que kx = ksinθ cosφ e ky = ksinθ sinφ , podemos escrever em termos dos ângulos esféricos

    
sin(kbsinθ cosφ /2) sin(kbsinθ sinφ /2) sin[Lksinθ cosφ ] sin[Lksinθ sinφ ]
E0 (θ , φ ) = E00
(kbsinθ cosφ /2) (kbsinθ sinφ /2) sin(Lksinθ cosφ /2N) sin(Lksinθ sinφ /2N)

Observe que para θ → 0, temos E0 (0, φ ) = (2N)2 E00 . Assim, podemos obter a intensidade da luz difratada

8
no anteparo na condição de Fraunhofer.

I(θ , φ ) = |E0 (θ , φ )|2 /R2

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