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Anderson versus Frankfurt

Angelo de Assis1

Introdução

O livro “A cauda longa”, de Chris Anderson, apresenta uma teoria de marketing segundo
a qual, em campos como entretenimento e informação, o eixo econômico se desloca desde os
anos 90 dos mercados de massa, ou de hits, como diz ele, para mercados de nicho. E o que
teria levado a essa mudança seria, grosso modo, as grandes e rápidas mudanças trazidas por
avanços tecnológicos nas telecomunicações e na informática, que levaram, de um lado, à
evolução e depois à popularização da internet e, de outro, à digitalização e disseminação no
ciberespaço, de conteúdos midiáticos até então típicos da cultura de massa e distribuídos em
suportes físicos como livros e discos, que estavam sujeitos a limitações como custo de
transporte, divulgação e espaço de armazenagem e exibição em prateleiras e vitrines de lojas de
varejo.

Mas o impacto do livro, de 2006, não se limitou às estratégias de marketing e de


negócios e acabou por alcançar a teoria da comunicação, já que a obra aborda temas
anteriormente estudados, e de forma muito diferente, pela Escola de Frankfurt. O que Anderson
apresenta é uma versão totalmente alternativa à dos frankfurtianos para os motivos que geraram
a cultura de massa e a indústria cultural. O porquê e como isso ocorreu é tema de reflexão deste
artigo.

Sobre Chris Anderson

Chris Anderson não é filósofo nem sociólogo. Sua formação inicial é de físico, tendo
depois se voltado ao marketing e ao jornalismo. Assim, é bom ter em mente que o livro de
Anderson é, antes de tudo, uma obra sobre marketing. Não se deve esperar (ou, de forma ainda
mais inocente, cobrar) dele grandes questionamentos filosóficos e ideológicos que afligiriam um
autor com formação sociológica ou filosófica. A ideia central de seu livro passa longe de tais
questionamentos. O subtítulo da versão em português da obra é claro sobre isso: “do mercado
de massa para o mercado de nicho”. E o subtítulo da versão original em inglês é igualmente
direto quanto aos objetivos do livro: “why the future of business is selling less of more” (algo
como “por que o futuro dos negócios é vender quantidades menores de um número maior de
coisas”). Trata-se portanto de uma obra que se propõe essencialmente a lançar luz sobre novas
estratégias para o sucesso nos negócios. Não há qualquer pretensão de crítica ideológica ao
sistema. Para se ter uma ideia, a fim de tornar suas análises mais claras aos leigos e para ajudar
a disseminá-las, o autor chegou a criar um logotipo a partir de um gráfico que mostra, no eixo
vertical, hits, produtos típicos da cultura de massa, que vão encolhendo em uma curva
descendente à medida que, no eixo horizontal, que representa produtos voltados para nichos,
públicos específicos e segmentados, a curva se estabiliza e se prolonga indefinidamente. É a tal
cauda longa.

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Universidade Estadual Paulista (Unesp)

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Mas se quisermos enquadrar Anderson em alguma posição ideológica determinada, ele
poderia ser genericamente associado ao neoliberalismo de economistas neoclássicos como
Friedrich Hayek e Milton Friedman e ao pragmatismo norte-americano de base perceiana. Como
diz Peirce em “How to make our ideas clear”, um ensaio que é marco do pragmatismo
estadunidense:

“For an individual, however, there can be no question that a few clear ideas are worth
more than many confused ones” (para um indivíduo, porém, não há dúvida de que umas poucas
idéias claras valem mais do que muitas idéias confusas).

Sem ser necessariamente original, Chris Anderson critica a ênfase que a economia dá à
questão da escassez, que aliás está presente em sua definição clássica – satisfazer
necessidades ilimitadas com recursos limitados –, e adverte também sobre uma das
características da economia mais destacadas pelos economistas neoclássicos, o trade-off, ou
seja, a ideia de que, em nossas decisões financeiras, escolher uma coisa significa renunciar a
outra (por exemplo, se um trabalhador assalariado escolhe comprar um carro, isto
provavelmente implica renunciar a uma viagem de férias, uma vez que seu salário é fixo e não
permitiria fazer as duas escolhas ao mesmo tempo). Em outras palavras, ele diz que a ciência
econômica tradicional, ou neoclássica, se preocupa demais em estudar mais o que falta, os
chamados insumos finitos (como o salário do trabalhador no exemplo acima), do que insumos
abundantes ou infinitos.

E em sua visão, o ciberespaço é um desses recursos abundantes. É um espaço ilimitado


para a “estocagem” de bens simbólicos como arte e informação. Com a digitalização da
produção simbólica, incluindo-se aí a produção jornalística, literária, as artes visuais e mesmo a
música e os filmes, e sua disponibilização no ciberespaço, que desconhece limitações físicas
para estocagem (as prateleiras, como diz Anderson), uma das limitações econômicas à
produção e consumo de bens culturais e de entretenimento – o espaço físico – estaria sendo
eliminado.

Além disso, outros fatores também contribuem para aumentar cada vez mais esta
economia da abundância. A rapidez de processamento e a capacidade de armazenagem de
dados dos computadores aumentam vertiginosamente com o tempo, mas seu preço cai, e o
mesmo ocorre com a largura de banda para transmissão de dados via internet, que também vem
sendo aumentada vertiginosamente ao longo desta década. Estes fatores, em conjunto, facilitam
a migração para o ciberespaço dos conteúdos midiáticos mais “pesados” em termos de
processamento e armazenamento digital, os produtos audiovisuais como vídeos e filmes.

Em um mundo interligado e on-line, passaríamos portanto a viver sem as limitações


físicas de espaço e, não menos importante, sem os problemas da logística de transporte e
armazenamento que encarecem ou inviabilizam o acesso a bens simbólicos como fotografias,
conteúdos de jornais, revistas e livros, programas de televisão e filmes. Não teríamos enfim as
barreiras que constrangeram nossa capacidade de escolha no mundo tal qual o conhecíamos
até o final do século XX.

Mas justamente quando parece que Anderson vai mudar os paradigmas da ciência
econômica decretando a inadequação de seu conceito a partir da noção de escassez e
mudando-o para uma conceituação e análise a partir da noção de abundância virtual, ele recua e

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lembra que, mesmo sem as limitações de espaço físico para armazenamento de suportes de
mídia dos bens culturais simbólicos e de custo de transporte de tais bens até as prateleiras das
lojas e de lá até nossas residências, ainda existem barreiras instransponíveis à escassez, como
“a escassez da atenção humana e das horas do dia” (Anderson, 2006: 144). Embora as,
digamos, prateleiras virtuais que estão à nossa disposição na web para armazenamento de
conteúdos simbólicos sejam teoricamente infinitas, nosso dia, de fato, não passará a ter mais de
24 horas por causa disso. A escassez de tempo é um fator considerado pela ciência econômica
tradicional desde seu surgimento. Já a escassez de atenção é um conceito bem mais novo e
ligado à nova economia, grandemente influenciada justamente pela abundância de informação e
opções de escolha e que apenas agora começa a ser estudado.

De Frankfurt a Nova Iorque

A escola de Frankfurt estabeleceu seus fundamentos teóricos na Universidade de


Colúmbia em Nova Iorque, para onde se mudou quando a Alemanha e boa parte da Europa
ocidental caíram nas mãos de Hitler e dos nazistas. Assim, pode-se dizer que ela se configurou,
desde sua migração para o outro lado do Atlântico até meados dos anos 40, como um grupo de
pensadores europeus de formação marxista, críticos não apenas do capitalismo como também
dos rumos que tomara o socialismo na própria Europa, que de repente foram transplantados
para o berço do capitalismo financeiro norte-americano e se viram às voltas com a tarefa a que
se propuseram de explicar sociológica, filosófica e esteticamente um novo mundo que o próprio
Karl Marx jamais vira.

E explicar um mundo em crise. No início da década de 40, os Estados Unidos finalmente


entraram na Segunda Guerra Mundial após o ataque dos japoneses, aliados dos nazistas, à frota
norte-americana ancorada em Pearl Harbor, no Havaí. Antes disto, porém, os Estados Unidos
amargaram durante toda a década de 30 do século passado os devastadores efeitos da crise
econômica iniciada em 1929. Assim, foi em um ambiente sombrio de ascensão do totalitarismo
na Europa, stalinização do modelo socialista na União Soviética e crise econômico-financeira
nos Estados Unidos que os frankfurtianos se impuseram, no exílio, a tarefa de estudar as
relações sociais e os fundamentos filosóficos da sociedade ocidental e a elaborar, enfim, sua
famosa teoria crítica da sociedade.

Vários de seus membros tinham origem judaica, daí não ser por acaso o repúdio dos
pensadores frankfurtianos à herança positivista, cientificista e industrialista que levara a Europa
ao totalitarismo e ao ufanismo radical e xenófobo. E não obstante sua sólida formação
sociológica e filosófica e de suas análises em relação à forma de atuação do capitalismo e sobre
como esta dinâmica influenciava a sociedade, a maioria deles não tinha uma formação
acadêmica específica em economia.

A formação de Theodor Adorno deu-se inicialmente em música. Ele estudou composição


e piano. Depois, estudou filosofia e lecionou esta matéria na Universidade de Frankfurt.
Aventurou-se ainda a escrever ensaios sobre psicologia, crítica cultural, além, é claro, de textos
sobre música. Mas suas análises da sociedade, pelo menos se apreciadas a partir de um ponto
de vista especificamente econômico, mostram-se um tanto confusas e exageradas. Ele chega a
argumentar que a individualidade não mais existe, vitimada que teria sido pelo grande capital e
pela cultura de massa. Segundo ele, o capital e a cultura de massa teriam destruído a própria
capacidade de pensamento crítico. Mas esta, dizem os iniciados no pensamento de Adorno

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como o sociólogo Tom Bottomore, era uma característica típica dele: tentar persuadir pelo
exagero. Ele escrevia portanto no que se poderia chamar de estilo barroco de apresentação das
ideias, que não deveriam ser levadas ao pé da letra, mas servir de elemento para instigar uma
reflexão mais profunda sobre a sociedade.

Já Max Horkheimer, de ascendência judaica como Adorno, quase virou operário antes
de optar pela academia. Mas acabou estudando psicologia, sociologia e se tornou filósofo,
fazendo inclusive um trabalho de doutorado sobre Kant em 1923. Embora viesse posteriormente
a fazer críticas ao marxismo e aos socialistas, a famosa teoria crítica da sociedade proposta pela
Escola Frankfurt foi, em grande parte, uma iniciativa sua e que se deu sob grande influência de
seus estudos sobre a filosofia marxista. E, não por acaso, em um período posterior da carreira,
ele se dedicou a criticar o que considerava a banalidade comercial da cultura moderna.

Walter Benjamin, que teve o destino mais trágico entre os frankfurtianos que tiveram de
abandonar a Alemanha devido à ascensão do nazismo, estudou filosofia e psicologia, mas
principalmente literatura, à qual dedicou grande parte de seus primeiros escritos. Mas a partir
dos anos 20 do século passado, um crescente interesse pelo marxismo o levou a reavaliar suas
concepções sobre os clássicos literários que estudara e a repensar a própria noção de cultura
que tinha até então. Em 1926, uma visita à capital soviética o levou a aproximar-se ainda mais
das análises marxistas sobre a produção cultural. Com o domínio da Alemanha pelos nazistas
nos anos 30, exilou-se na França. E foi lá que escreveu uma de suas obras mais importantes, o
ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, de 1936. Nela, adotaria uma
postura diferenciada em relação à arte se comparada às posturas de seus colegas Horkheimer e
Adorno. Ao contrário deles, Benjamin propõe que a arte não pode ser separada do contexto
social e tecnológico no qual é produzida. Era uma mudança de postura importante que
influenciaria outros pensadores posteriormente. Mas, em 1939, outra reviravolta abalaria a visão
de mundo de Walter Benjamin. O pacto de não agressão e de partilha da Polônia entre os
socialistas soviéticos e a Alemanha nazista afetou suas convicções socialistas. De qualquer
forma, já era tarde demais para ele. Enquanto seus colegas da Escola de Frankfurt mudavam-se
para os Estados Unidos a fim de fugir da perseguição nazista, o judeu Walter Benjamin suicidou-
se em 1940 ao tentar escapar da França ocupada por Hitler e se ver cercado, na fronteira com a
Espanha, pela polícia espanhola aliada dos nazistas. Assim, nunca desfrutou do reconhecimento
que sua obra viria a ter tempos depois.

Foi o berlinense Hebert Marcuse, dentre as figuras mais destacadas da Escola de


Frankfut, o que estudou mais a fundo a teoria marxista, especialmente a relação desta com a
política. Seu interesse pela viabilidade de movimentos políticos descentralizados levou-o
também a análises críticas do socialismo de Estado. Mas seu fascínio pela obra de Marx ofuscou
nele a curiosidade por trabalhos de pensadores não-marxistas. E pode-se apenas especular o
que o efeito que o contato com obras de pensadores de fora das correntes marxistas poderia ter
sobre seus estudos políticos e sociológicos.

Assim, a crítica clássica da Escola de Frankfurt à cultura de massa e à indústria cultural


é uma crítica de bases sólidas, construída por diferentes pensadores e ao longo de vários anos,
carecendo talvez de unidade, mas não de profundidade e abrangência. Mas é antes de tudo uma
crítica de base sociológica, dado que feita por filósofos e sociólogos. Não há uma análise mais
profunda e detalhada dos mecanismos econômicos que regem a construção dialética da cultura
de massa. Os frankfurtianos conseguiam ver com bastante clareza a massificação cultural. Eram

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capazes de dessecar as características da indústria cultural e sua relação direta com o grande
capital e os interesses das camadas detentoras do poder econômico na sociedade. Mas eles
simplesmente não dispunham do tipo de olhar mais técnico que permitiria enxergar nas razões
específicas da massificação dos bens culturais para consumo fácil, imediato e rentável não
apenas uma demonstração de força e de autolegimitação do sistema dominante, mas antes uma
demonstração de fraqueza, de falta de competência para atender não ao gosto médio, mas a
exigências mais segmentadas.

É justamente esse olhar técnico – preparado para detectar não motivações ocultas do
sistema a partir de uma análise ideologicamente comprometida com lutas por transformações
estruturais da sociedade, mas sim gargalos e ineficiências dos mecanismos de distribuição de
bens culturais e simbólicos, assim como oportunidades de superação de tais ineficiências – que
caracteriza Chris Anderson e sua análise da crise da cultura de massa.

Apocalíptico e integrado

Assim, o que diferencia Chris Anderson e sua teoria da “cauda longa” é colocar as
questões relativas à cultura de massa, à indústria cultural e à comunicação de massa fora dos
termos de crítica ideológica que caracterizam a análise frankfurtiana. Ele oferece portanto uma
nova abordagem para questões já estudadas por Adorno e Horkheimer. E o que esta
abordagem, contraposta à análise frankfurtiana, revela não são apenas ações deliberadas de um
sistema de acumulação assimétrica e de manutenção do poder sobre os mecanismos da
comunicação e da cultura nas mãos dos proprietários dos meios de produção. Ela revela antes
restrições tecnológicas à disseminação e comercialização de bens culturais e da informação que
influenciaram sua forma de produção no século XX e como tais restrições começam a ser
superadas pela revolução na informática e nas tecnologias de informação e também como tal
superação pode influenciar a produção e consumo de informação e cultura daqui por diante.

Assim, o livro de Anderson, tenha ele pretendido isso desde o início ou não, apresenta
uma teoria alternativa à da Escola de Frankfurt na abordagem da cultura de massa e da indústria
cultural. Porém, onde a Escola de Frankfurt vislumbrava, partindo de uma perspectiva marxista e
propondo-se a completá-la e atualizá-la em pontos nos quais suponha encontrar nela lacunas,
mecanismos subterrâneos do capitalismo industrial e imperialista na reprodução em massa de
produtos que carregavam em si aspectos da ideologia dominante para consumo e assimilação
de tal ideologia pelo proletariado, Chris Anderson verifica razões mais concretas, até mais
simples para o modo de produção da indústria cultural. Para Anderson, mais do que a vontade
explícita de dominação, o que havia era, até o fim do século XX, uma incapacidade do modelo
industrial vigente para produzir bens culturais e simbólicos mais segmentados – ou de nicho,
como diz ele.

Ou seja, grosso modo, é como se, para Anderson, a indústria cultural fosse não
simplesmente um gigantesco mecanismo de dominação ideológica e exploração dos
trabalhadores, mas antes um estágio do desenvolvimento tecnológico do sistema em que a
indústria ainda era incapaz de atender satisfatoriamente gostos segmentados, mesmo
personalizados, e que se via obrigada a buscar a mediação das preferências produzindo bens
massificados que tomavam como parâmetro o gosto médio do consumidor e o maior potencial de
lucro.

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Nesse sentido, pode-se dizer que o autor de “A cauda longa” não é um apocalíptico,
alguém que vê no desenvolvimento tecnológico uma ameaça à liberdade e à capacidade crítica.
Ele seria antes um integrado, que enxerga novas possibilidades e oportunidades no uso da
tecnologia para a produção e consumo de informação e cultura e assim para a formação de uma
nova experiência e de uma nova percepção de sociedade. Porém, ele é de certa forma também
um apocalíptico no sentido de que indica que as tendências de desenvolvimento e uso das
tecnologias de informação e comunicação apontam para o fim da cultura de massa da maneira
como a conhecemos.

A cauda longa da informação?

No que diz respeito à comunicação e à informação, porém, a análise de cauda longa de


Anderson deve ser vista com certo cuidado. Ao falar da indústria musical, ele mostra que as
pessoas estão abandonando os chamados hits, os grandes sucessos, assim como os artistas
mais conhecidos, por artistas voltados para nichos e suas composições menos conhecidas do
grande público. Mas em comunicação, seria possível estabelecer o mesmo tipo de paralelo? Não
exatamente. E há vários fatores para isso.

Primeiro porque embora uma pessoa possa vir a deixar de ouvir os artistas até então
mais conhecidos pela maioria do público para se concentrar em artistas menos conhecidos mas
dos quais ela gosta, o mesmo princípio não se aplica automaticamente à comunicação. Ou seja,
a busca por informação de nicho, aquelas pelas quais a pessoa tem um interesse particular, não
implica o abandono de informações de interesse geral. Ainda que os cidadãos, que cada vez
mais se convertem em cibercidadãos, busquem informação de interesse mais específico na web,
as quais não encontrariam com a mesma facilidade nas mídias tradicionais, como a televisão, o
rádio e os jornais, isso não significa que estão abandonando as informações de interesse geral –
os hits da comunicação. Assim, o mesmo leitor que busca na internet informações sobre teóricos
da comunicação escandinavos do início do século XX, que é uma informação de interesse
específico, poderá muito bem buscar informações também sobre os últimos lançamentos do
cinema norte-americano, uma informação de caráter mais geral.

Em segundo lugar, embora Anderson utilize fartamente a indústria musical como


exemplo das transformações que caracterizam a cauda longa – uma quantidade menor de
pessoas ouvindo uma diversidade muito maior de produtos culturais –, a verdade é que não se
pode medir o consumo de informação da mesma forma que se mede o consumo de músicas. O
que é hit, artigo de consumo de massa, em música é mais fácil de quantificar do que aquilo que
é informação ou comunicação de massa. Um grande acidente aéreo pode ser informação de
interesse geral, de massa, mas os detalhes mais técnicos dos defeitos nos equipamentos que
teriam levado ao mesmo acidente podem ser de real interesse apenas para um público mais
segmentado.

Assim, ao contrário do consumo de outros bens simbólicos como músicas, filmes no


cinema e na televisão por assinatura ou obras literárias, em comunicação, o gráfico tipo cauda
longa apresentado por Anderson em seu livro teria de ser diferente. Ele provavelmente mostraria
tanto o aumento de informações de nicho no eixo horizontal devido à busca por temas
específicos na internet por públicos segmentados quanto a continuidade do consumo de

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informações de caráter geral típicas da grande mídia no eixo vertical. Assim, em vez de cauda
longa, haveria antes um “muro longo” da comunicação.

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Conclusão

Ao perceber que o capitalismo industrial apresenta plasticidade de ação para buscar


outras formas de obtenção de lucros e de crescimento, a análise de intelectuais não alinhados
com a visão frankfurtiana vê horizontes mais amplos. E é justamente o desenvolvimento
tecnológico alimentado pelo grande capital que irá mostrar novas alternativas de ação para este
capital que não estão diretamente relacionadas a uma exploração alienante da mão-de-obra.
Assim, o capitalismo, ao expandir-se e concentrar o capital como previa Marx, não levou à luta
de classes esperada por ele, que por sua vez, supunha-se, levaria à ditadura do proletariado e
finalmente a uma sociedade sem classes. O capitalismo demonstrou maior maleabilidade do que
previu primeiro Marx e depois dele os frankfurtianos.

O que sua expansão gerou foi um refinamento tecnológico tal que pode vir a relativizar o
próprio conceito clássico de cultura de massa. É justamente esse desenvolvimento tecnológico
alimentado pelo grande capital e suas consequências, tanto as já palpáveis quanto as que são
por ora apenas objeto de especulação, que constitui o material de análise de Chris Anderson em
“A cauda longa”.

Se a Escola de Frankfurt sempre apresentou-se como ideologicamente comprometida


com os ideais nos quais acreditava, como a luta contra o trabalho alienado, a exploração do
trabalho pelo grande capital, a sua crítica à sociedade construída a partir da teoria marxista das
relações sociais, não seria razoável exigir de Chris Anderson um distanciamento ideológico em
sua análise dos mesmos fenômenos abordados por Frankfurt, a cultura de massa e a indústria
cultural. Se a Escola de Frankfurt se alimentava de vários elementos da teoria marxista, “A
cauda longa” é assumidamente capitalista.

Além disso, algo que transparece na leitura de Anderson, mas que o ideário clássico da
Escola de Frankfurt parece desconhecer, é o fato de que a maior ou menor exploração do
trabalho operário não seria a única maneira de auferir lucros no capitalismo, mas apenas uma
dessas maneiras. Outra maneira é o desenvolvimento tecnológico e a consequente criação de
novos modos de produção, de consumo e de relações sociais. Na visão dos frankfurtianos, a
exploração do trabalho alienado era a única alternativa de crescimento do capitalismo, o único
filão de onde ele podia se alimentar. Mas essa visão acaba por inibir a capacidade de análise
das relações sociais nas sociedades complexas e assim estreita a análise também da cultura de
massa e da indústria cultural, de seu desenvolvimento e dos motivos de seu possível fim.

Bauru, abril de 2010.

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Referências bibliográficas

ANDERSON, Chris. A cauda longa: do Mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de
Janeiro, Elsevier, 2006.
BOTTOMORE, Tom. The Frankfurt School and its critics. London, Routledge, 2002.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
2001.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro, Record,
2005.
SANTOS, Roberto E. Introdução à teoria da comunicação: as escolas, os autores, os principais
conceitos. São Bernardo do Campo, Editora do IMS, 1992.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 1987.
PEIRCE, Charles Sanders. How do make our ideas clear. Em:
http://www.media.mit.edu/about/academics. Acesso em 31/08/2009.

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