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RESUMO
A preocupação básica deste estudo é fazer uma abordagem das relações espiritismo/catolicismo,
durante o processo de formação do espiritismo moldado à brasileira, enfatizado em seu aspecto
religioso, no Brasil. Salienta-se que a nova doutrina despertou por um lado a ira da Igreja Católica e,
por outro, a simpatia e aceitação de parte dos fiéis católicos. Para colocar estas questões em discussão,
realizou-se uma pesquisa bibliográfica entre as obras de KARDEC (1857-1869) e as de outros autores,
que colaboraram para compor os argumentos deste trabalho. Através das análises destas relações em
paralelo às propostas espíritas, este artigo tem como objetivo chegar ao entendimento das
características multifacetadas da doutrina espírita, capazes de guiar a sua expansão e de se fazer
abraçar pelos fiéis cristãos.
Introdução
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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Ser católico: dimensões brasileiras, um estudo sobre a atribuição
através da religião. In Brasil e Estados Unidos. Religião e Identidade Nacional. FERNANDES, Rubem
César e outros. Rio de Janeiro: Graal, 1988, 189 p.
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Desenvolvimento
“Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em
razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas ideias diferentes,
e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque
desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. (...)”
“(...) não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na
acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título
sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que
simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.” (KARDEC, 1868, p.491)
Para Kardec, no sentido de laço moral que une as pessoas numa comunhão
de ideias e sentimentos, com fraternidade, solidariedade e benevolência mútuas, o
espiritismo poderia ser chamado de religião. Num sentido filosófico, seria como a
religião da amizade ou a religião da família. Considerando que tem como fim a
transformação moral do homem e toma os ensinamentos de Jesus Cristo para a sua
aplicação no dia a dia, revivendo o Cristianismo na sua verdadeira expressão de amor
e caridade, é uma doutrina filosófica cristã. Porém, no significado usual da palavra, o
espiritismo não é uma religião.
Depois, Kardec resume a crença espírita de forma objetiva e explica que o
sentido de religião do espiritismo é de laço, de comunhão:
Pelo que foi esclarecido pelo próprio Kardec, o espiritismo, enquanto ciência,
é compatível com toda religião cristã. Enquanto doutrina filosófica, aprofunda o estudo
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das leis morais e revela Jesus como o mais perfeito modelo oferecido por Deus para
ser seguido pela humanidade.
Kardec tenta mostrar que o espiritismo é o elo que veio para unir a ciência e
a religião. Ele coloca a explicação racional e científica do espiritismo no livro A
Gênese, de 1868. Através das suas experiências, pelas verdades reveladas pelos
espíritos, os mistérios e milagres da religião, não aceitos pela ciência como tais,
passam a ter a explicação científica. Segundo ele, com os princípios do Espiritismo
como a imortalidade da alma, a crença na reencarnação, a comunicabilidade com os
espíritos e as leis de evolução e de causa e efeito, tudo se torna compreendido.
(KARDEC,
Durante o final do século XX, o espiritismo, que foi um movimento universal,
se retraiu até mesmo na França. Lá passaram a limitar-se a poucos grupos com
ênfase mais científica. No Brasil, a história foi outra. (LEWGOY, 2008)
Arribas (2011) mostra que o caminho percorrido pelo espiritismo no Brasil
acabou por seguir pelo viés religioso por uma questão de sobrevivência. Ela explica
que o desenvolvimento do espiritismo no Brasil deu à doutrina um caráter
parcialmente distinto do espiritismo original, que tinha um aspecto mais filosófico e
científico. No Brasil, ele foi praticamente obrigado a seguir pelo caminho da religião
para que ele conseguisse sobreviver e se difundir, por causa de todo um processo
histórico-cultural-social imposto. Sofreu ataques de todos os lados: a sua
característica curativa pelos passes e com a recomendação de medicamentos
homeopáticos provocaram as associações médicas; o código penal brasileiro de 1890
previa punições a práticas espíritas; a Igreja Católica julgava seus ensinamentos e
práticas como heresias.
Então, para unificar e proteger os grupos espíritas, em 1884 foi criada a FEB.
Na época, existiam grupos espíritas que enfatizavam cada um dos aspectos da
doutrina: o científico, o filosófico e o religioso. E foi este último que ganhou força na
FEB, que colaborou para o direcionamento do espiritismo nos moldes de religiosidade.
(ARRIBAS, 2011)
Analisando o contexto brasileiro a partir da sua descoberta no século XVI,
vemos que o país passou por uma colonização basicamente católica e permaneceu
como país católico até a instauração de um Estado republicano laico, em 1889. Em
todas as áreas é incontestável as influências africanas e indígenas também. Com a
entrada dos imigrantes, após o fim da escravidão, outras religiões vieram para o país.
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país. Sua história de vida se assemelha a dos santos; suas qualidades morais e
práticas de caridade produzem um modelo de exemplo. Por ter sido um católico
fervoroso e ter como um dos espíritos guia um sacerdote religioso, Emmanuel, acabou
gerando um sincretismo com a tradição católica. Outros fatores aproximam a figura
do espírita Chico com o catolicismo: a renúncia ao casamento, ao sexo e a bens
materiais, inspirado no modelo monástico de virtudes católicas. Lewgoy (2011)
complementa, afirmando existir um contestado sincretismo com os valores católicos,
que foi incorporado pela FEB – Federação Espírita Brasileira, que ganhou força com
a trajetória de Chico, que o transformou em seu símbolo revestido de grande influência
católica.
Até a década de 1950, mesmo reprimidas pela Igreja Católica, certas
crendices e manifestações eram tratadas no campo do folclore. Porém, o clero viu a
necessidade de se posicionar de forma mais firme e de alertar os católicos quanto a
essas práticas tidas como não católicas. Assim, em 1952 é criada a CNBB -
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, e com ela, o Secretariado Nacional da
Defesa da Fé e Moral, que deu início à Campanha de Esclarecimento aos Católicos.
Com o mote de condenar todas as manifestações anticatólicas, Frei Boaventura
tornou-se o responsável por esclarecer e coibir movimentos espiritualistas, que foram
o maior alvo desses ataques. Então, para ser combatido, precisava ser estudado e
compreendido, o que resultou na publicação de dezenas de artigos, cadernos e livros,
todos de sua autoria, condenando as práticas espíritas. (ANDRADE 2012)
Como um dos maiores representantes do catolicismo no Brasil nos anos de
1950 e 1960, Frei Boaventura de Kloppenburg, demonstrou grande fervor pela
hegemonia da Igreja Católica que o levou a disparar violentas críticas à ebulição
religiosa da época. Caracterizada pela ascensão de outras religiões, principalmente
do Espiritismo, este passou a ser visto e tratado como uma grande ameaça. Andrade
(2012) destaca ainda que Frei Boaventura se enquadra na elite de teólogos que, como
mostra a história da própria Igreja, estabeleceu as chaves interpretativas das
escrituras sagradas e dos dogmas do catolicismo. Ele apontava a curiosidade e a
propaganda da prática da caridade como meio de salvação como alguns dos mais
eficazes artifícios utilizados pelos espíritas, para atrair os católicos. Frei Boaventura
não media críticas e ataques; denominava os espíritas como verdadeiros hereges;
proibia qualquer tipo de contato com o Espiritismo. Chegou a enumerar 40 itens que
são defendidos pelo Catolicismo e negados pelo Espiritismo, concluindo, então, que
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Xavier, tido como um santo popular não católico, já foram traduzidas em vários
idiomas e circulam por vários países. (LEWGOY, 2008)
Num sentido de tolerância, Klaus van der Grijp (1976) já defendia esse diálogo
aberto desde a década de 1970; que não se deveria erguer barreiras e que denunciar
as diferenças como sendo uma visão anti bíblica é acentuar o contraste entre católicos
e protestantes contra os espíritas. Assim, ele enumera pressupostos que permitem
uma adaptação da mensagem evangélica das religiões cristãs contemporâneas que
convergem com os preceitos espíritas. Tais como a separação entre corpo e alma;
que o espírito continua existindo após a morte do corpo físico; que tem um caminho a
percorrer, uma escalada dos degraus do ser. Porém a teologia cristã tende a contestar
a possibilidade do auto aperfeiçoamento, fora da vida terrena. Outro ponto é que o
homem é o resultado de suas escolhas; os atos bons levam à redenção e à evolução;
os males que pratica são responsáveis pelas suas desgraças. Porém, a Graça e o
Perdão Divinos são da vontade de Deus, que é soberana e está à cima de todas as
leis. Estas fazem parte de tantas questões abertas que podem dinamizar o diálogo
entre os cristãos e os espíritas, já apontado por Klaus van der Grijp desde 1976. Ele
defende que essa pode ser uma oportunidade para “repensar alguns tópicos da nossa
fé cristã e de ampliar o horizonte da nossa espiritualidade”. Pelo fato de a Bíblia não
ser clara ou não falar a respeito não quer dizer que tais fatos não existam.
Por sua vez, Cerqueira (2012) defende que, mais importante do que realçar
as diferenças é discuti-las de forma aberta e respeitosa; é buscar a tolerância e as
convergências. Ao invés disso, observam-se discussões que ocultam a tentativa de
se apropriar da supremacia religiosa.
Conclusão
REFERÊNCIAS
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. ed. 13. Catanduva: Boa Nova
Editora, 2004.
KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. ed. 74. Araras, SP: IDE, 2009.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. ed. 93. Brasília: FEB, 2017.
<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364856714_ARQUIVO_Oconte
xtoreligiosocristaodoBrasilnoseculoXIXnotasparaumdebatehistoriografico.pdf>
Acesso em: 19 set. 2019.
SILVA NETO SOBRINHO, Paulo da. Espiritismo é cristão? Portal do Espírito, 2015.
Disponível em: <https://espirito.org.br/artigos/espiritismo-e-cristao/> Acesso em: 25
jul. 2019.