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Resumo
Após décadas de estudos sobre o funcionamento dos ecossistemas e da biosfera, H. T. Odum
esquematizou uma metodologia para calcular o valor biofísico dos recursos da natureza e,
também, dos produtos da atividade humana. A metodologia emergética propõe o uso da
emergia (energia solar equivalente) para medir o valor biosférico dos recursos da biosfera
Terra, entre eles: os fluxos externos, os estoques geológicos e biológicos, os materiais dos
ciclos biogeoquímicos naturais e daqueles afetados pela intervenção humana. De acordo com
Odum, o valor econômico e o valor biofísico geralmente não coincidem, pois o preço no
mercado omite e não considera devidamente os fatores de produção. O presente trabalho
aborda a análise sistêmica dos processos ecológico-econômicos usando a metodologia
emergética e discute sua utilidade potencial na formulação de políticas públicas.
1. Introdução
Sobre o conceito e a medição do valor na Economia, existem duas linhas de pensamento
principais, uma considera que o valor decorre de fatores objetivos (o trabalho humano) e outra
que o valor decorre de elementos subjetivos (a utilidade). A proposta teórica de Howard T.
Odum (1924-2002) se enquadra dentro da teoria do valor-trabalho de Adam Smith, David
Ricardo e Karl Marx e a amplia, pois considera tanto o trabalho humano quanto o da natureza
na formação do valor de um recurso. O valor-trabalho integral é a emergia do recurso.
A emergia se expressa em Joules de energia solar equivalente (seJ) por unidade de recurso
(kg, J, etc.) ou em termos de seu equivalente em dólares por unidade de recurso. Define-se a
emergia como a energia potencial (exergia) gasta, direta e indiretamente, na produção de um
recurso. Seu cálculo é válido quando se consideram todas as entradas e saídas do conjunto de
sistemas envolvidos na produção. Geralmente, além do produto existem outras saídas, assim a
segunda condição é que os co-produtos do sistema não devem conter energia potencial capaz
de afetar negativamente outros sistemas, em outras palavras, seu impacto ambiental e social
(externalidades negativas) deve ser resolvido dentro do sistema.
2. Justificativa
A metodologia sistêmica emergética permite entender como funcionam a biosfera, os
ecossistemas naturais, os ecossistemas antrópicos e suas inter-relações com a economia
humana ao longo da evolução histórica. Consegue-se assim, compreender claramente os
temas que desafiam hoje a análise econômica: as bases da sustentabilidade ecológica, a
capacidade de suporte e a resiliência das distintas regiões da Terra, a intensidade energética
dos diversos estilos de vida, o saldo energético das fontes de energia (renováveis e não
renováveis), a área de absorção de impacto pelo uso de energia não renovável, entre outros.
3. Objetivo
O objetivo do presente artigo é mostrar a análise dos processos físicos, biológicos,
econômicos e ecológicos dentro da perspectiva da análise emergética, tornando evidente a
relação entre os processos naturais e os econômicos.
A matéria é modificada por ação da força aplicada e desse trabalho surge um recurso com
novos potenciais (capaz de ser utilizado em outros sistemas) e também se dissipa calor. Nesta
representação não se diz de onde vêm as energias, nem como são geradas. Como a matéria
pode ser expressa em termos de energia teríamos a seguinte equação:
Este diagrama mostra que a produção bruta forma um estoque interno e parte dele é
aproveitado na retroalimentação reduzindo a quantidade de produto que sai do sistema.
Figura 3. Processo biológico em sua configuração mais elementar.
Este modelo de interação é denominado sistema auto-catalítico, pois possui capacidade para
aumentar o consumo de energia disponível em função de suas estruturas internas (o estoque
de biomassa). As estruturas físicas e funcionais do sistema biológico (estabelecidas pela
genética e outros fatores) estabelecem seu limite de crescimento.
Nos livros de Economia inicia-se a análise dos processos econômicos com o exemplo do
produtor individual que produz para se manter (auto-subsistência) e que destina parte de sua
produção para intercambiar com os produtores individuais que produzem outros produtos
(Robinson, Eatwell, 1979, Livro II, cap. 1). Geralmente, não se analisa o modo de produção,
não se menciona a origem dos recursos que utiliza nem se fala da sua relação com a natureza.
Produtos comprados
$ $
moeda moeda
Seres Energia Ser
Pressão dispensada na Pressão
humanos humano
Trabalho negociação Trabalho Produtos
humano Recursos humano da economia
produzidos urbana
Subsistema Subsistema
produtivo de consumo
Produtos Consumidores humanos
Produtores rurais individuais vendidos organizados em cidades
A produção rural muda com o tempo em função das inovações e das pressões externas que
recebe. Em alguns casos, o produtor individual pode subsistir. Os produtores rurais podem se
auto-organizar ou podem ser organizados por terceiros; nesse caso, as vantagens se distribuem
entre eles e o novo elemento. Se a gestão humana destrói os estoques naturais, o sistema deixa
de captar recursos, perde-se a fertilidade do solo e a produtividade e pode entrar em colapso.
Quando o sistema econômico cresce, as relações de troca podem tornar-se injustas, pois a
força de pressão dos grupos humanos varia com a capacidade de organização, nela se aplica
conhecimento e poder. Surgem atravessadores que concentram o poder de compra do
agrupamento urbano e pressionam para obter menores preços por parte dos produtores rurais,
assim se transfere a riqueza do meio rural para a cidade. A menor organização dos
agricultores contribui para permitir a transferência de riqueza. Muitas vezes, os produtores
procuram soluções parciais que implicam na geração de externalidades negativas.
Nos três últimos séculos, o sistema econômico mundial passou a usar, de forma cada vez mais
intensa, estoques que não repõe: florestas, minerais e hidrocarbonetos (madeira, carvão,
petróleo, gás). Para a economia urbana esses recursos (não renováveis) têm custo mínimo,
pois somente paga os custos de extração. Com eles a indústria produz insumos agrícolas de
baixo preço. Os fertilizantes e os biocidas substituem os trabalhos da natureza e do homem na
lavoura e destroem a biodiversidade diminuindo os serviços ambientais vitais. O sistema rural
perde sua fertilidade natural, permite o crescimento das cidades e se coloca perante o colapso.
tr a
n sp
ir a
ção
Recursos de Materiais e
infra-estrutura serviços da
da economia economia
industrial industrial
Recursos
indiretos da
natureza
Produtos do sistema
Recursos
diretos da Sistema Co-produtos: Impactos em
natureza campo-cidade efluentes, outros sistemas
resíduos, campo-cidade
emissões
Transferência
indevida
Figura 14a. Um sistema com co-produtos impactantes
O modelo sistêmico da biosfera pode ser colocado numa perspectiva histórica para evidenciar
as contribuições da natureza e dos seres humanos para os processos produtivos.
Processos Geológicos
Materiais Minerais
da terra Gases
Água
Vulcões Calotas
CaCO 3 polares
Nuvens
Oceanos
Geleiras
Silicatos
Superfície
terrestre
Processos Biológicos
Corpos Biodi -
Energia Produtos com vida Estoques
versidade Biomassa
Interna químicos de carbono
biológicos
Superfície
Energia terrestre
Solar
Figura 15. Relação do processo econômico com os processos geológicos, biológicos e culturais da biosfera
As atividades do presente estão vinculadas ao trabalho da natureza realizado em outros
tempos: trabalho geológico das primeiras Eras, trabalho biológico dos ecossistemas para gerar
a biodiversidade e os processos funcionais da biosfera e trabalho social (história mais recente)
que levou a formação dos modelos de organização da produção e consumo das distintas
culturas humanas. Os estoques geológicos, biológicos e culturais geram fluxos cujo valor
emergético pode ser calculado. Esses fluxos ajudam a viabilizar as atividades humanas no
planeta e também pode limitar-las no futuro, a manutenção desse estoques exige retornos.
Figura 16. O fluxo de materiais, serviços e informação produzidos no passado na biosfera· exige retribuições
adequadas por parte da sociedade humana.
Figura 17. Modelo de simulação da economia baseada no petróleo (Odum e Odum, 2001).
A diminuição do petróleo pode trazer, conforme Odum e Odum (2001), forte queda da
população, dada a dependência deste recurso para alimentar os processos econômicos.
A análise emérgetica converte os fluxos de massa e energia numa mesma unidade (Joules de
energia solar equivalente, seJ), separa os recursos da natureza e os da economia humana e
mede os fluxos que entram e saem de um sistema dentro da ótica da renovabilidade. Ao
analisar um processo, calcula o fluxo emergético de cada recurso e do processo como um
todo, informa sobre a relação entre o preço e a emergia, apontando as distorções do preço de
mercado. Esta informação pode ser de muita utilidade na formulação de políticas públicas que
visem aproximar os preços de mercado aos valores emergéticos. Adicionalmente, a análise
emergética gera indicadores que podem ser utilizados na analise de alternativas produtivas.
8. Conclusão
A energia é o motor que move a natureza, os ecossistemas e o sistema econômico. À visão de
um sistema econômico composto basicamente por fluxos e estoques monetários deve ser
contraposta outra visão, na qual o sistema econômico seja visto como composto por fluxos e
estoques de energia. Nesta concepção a análise emergética permite estudar a natureza dos
elementos intervenientes nos sistemas humanos analisados e calcular o valor do trabalho da
natureza informando claramente onde o preço de mercado está distorcido. Esta informação é
fundamental para o desenho de políticas públicas que tentem assegurar que esse valor seja
incluído nos preços (por exemplo: por meio de tributação ou racionamento) de forma a
garantir que haja reposição do que foi extraído ou para manter a fertilidade natural e assegurar
a sustentabilidade e governança futura.
Agradecimentos
A Mileine Zanghetin pelos desenhos, tabelas e revisão do texto.
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