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Colégio Pedro II Ficha nº 1

Unidade Humaitá II
Língua Portuguesa – 7º ano “Édipo, o
Professor: Carlos Henrique maldito”

Nome:

O que é a tragédia grega?


A tragédia grega é um texto pertencente ao ​gênero dramático​, ou seja, tem o
objetivo de ser ​encenada​. Como toda peça teatral, parte de uma determinada ​situação
que irá desencadear o ​enredo e a ​trama daquela história, desenvolvida pela ​ação e os
diálogos​ dos ​personagens​.
A ​tragédia ​é caracterizada pela luta de um ​indivíduo contra o ​destino e a ordem
estabelecida​, nascida das ​contradições humanas. ​O ​herói trágico​, protagonista desse
texto, tem como falha mais recorrente o ​orgulho, ​sendo, ao mesmo tempo, ​responsável
e vítima das suas ações. ​Quando acompanhamos a sua trajetória, costumamos ter um
sentimento de ​espanto e terror pelos seus erros, ao mesmo tempo que cultivamos uma
piedade pelo sofrimento que está passando, visto que esse herói ​sempre aprende com
as suas faltas.

O mito, a tragédia e o mistério


Os textos da tragédia grega são originados do ​mito​. Para os gregos, ele era
considerado importante porque, a partir deles, havia um projeto de ​educar os cidadãos​.
Desta forma, o nascimento da tragédia está ligado ao ​olhar do cidadão para o mito,
provocando uma ​tensão entre a ​realidade humana e as ​leis sagradas​. Ou seja,
podemos afirmar que toda tragédia é ​ambígua​, porque o seu herói é, ao mesmo tempo,
culpado e inocente.
Uma das tragédias mais famosas é ​Édipo Rei​, de Sófocles. Ela é uma encenação de
um jovem rapaz que chega a uma terra (Tebas) e consegue decifrar um ​enigma. ​No
entanto, uma sucessão de acontecimentos ocorre e há um ​mistério que ronda o próprio
Édipo e os que estão ao seu redor. Ao final de sua trajetória, ele deverá encarar o seu
destino...

Édipo, o maldito – Marie-Thérèse Davidson (p.9-21)


Prólogo
– Que grito esquisito! De que animal será? O pastor apura o ouvido, tenta
reconhecer o estranho barulho que o inquietou. Mas os balidos de seu rebanho o
impedem de ouvir direito.

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– Devo ter me confundido. Mas...
Com a mão em concha sobre os olhos apertados por causa do sol, ele observa os
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lados do Citerão , mas a luz forte logo o incomoda. Resolve deixar o assunto de lado,
quando ouve novamente os mesmos gritos.
– Desta vez tenho certeza – murmura o pastor. – Foi ali!
Na subida do vale, uma silhueta surge da sombra. É, sem dúvida, um homem que
sobe pelo atalho. Parece que é de lá que vêm os gritos; talvez, lamentos.
Depois de alguns minutos de caminhada, o homem se aproxima e o pastor
consegue vê-lo melhor. Ele é grande, forte, com certeza jovem. Talvez um caçador. Nos
ombros carrega um galho grosso. Preso ao galho pelas patas, de ponta-cabeça, sua caça.
Estranha caça: não está morta e geme... com voz humana!
Mordido pela curiosidade, o pastor caminha em direção ao homem, seguido de
longe por seus carneiros e suas cabras, que os cachorros impedem de se dispersar pela
montanha.
O sol alto diminui a marcha do caçador. Alguns arvoredos oferecem uma sombra
agradável. Ele senta numa pedra e coloca no chão a carga. Um bebê. Assustada, a
criança para um pouco de gemer, entreabre os olhos que ainda mal enxergam.
O homem vira a cabeça:
– Não me olhe assim, não sou nada. Apenas executo ordens, só isso. Seria
melhor se você não tivesse nascido...
A resposta foi somente um chorinho triste. O rosto da criança está vermelho e
bastante suado. O homem a encara novamente. Seu olhar se detém nos pulsos e
tornozelos já meio arroxados, firmemente amarrados com cordas sólidas.
– Devo tê-lo machucado muito, amarrando-o como uma caça... Mas é a isso
mesmo que você foi reduzido.
O pé esquerdo está inchado e torcido de modo bizarro: um ferimento sem dúvida
irremediável. Mas o que isso importa, já que o menino deve morrer? O homem se
inclina e toca levemente, com a ponta dos dedos, o pé mutilado.
– Por que me confiaram esta missão? Logo eu, que não posso ver nem mesmo
um carneirinho ferido! Como farei para abandoná-lo entre os animais selvagens?
Ao ser tocado pelo homem, mesmo de leve, o corpo do bebê estremece por
inteiro. Ele agora começa a soltar gritos roucos.
Baixando os olhos, o homem se perde em seus pensamentos.
Sons familiares o tiram do devaneio.

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Monte Citerão: montanha na região central da Grécia.
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Balidos e alguns latidos, não há dúvida, é um rebanho que se aproxima. O pastor
não deve estar longe! Quando este chega ao atalho, os dois jovens se reconhecem:
– Ah, então é você! – diz o pastor – Tudo bem, meu amigo? De longe não o
reconheci. O que está fazendo aqui sem o seu rebanho?
O outro se levanta para retribuir o cumprimento:
– Que os deuses o protejam! Veja só, eu preferiria estar com meu rebanho a ter
de cumprir esta missão!
– Sua missão é esse pequeno? Ele é seu? – perguntou o pastor.
– Meu? E eu conseguiria abandonar uma criança; um filho que fosse meu?
– Pobre menino! Você vai abandoná-lo?
O “caçador” balança a cabeça. E a criança, conformada com sua própria sorte,
geme em silêncio.
– É horrível – disse o primeiro pastor. – E tem gente que daria qualquer coisa
para ter um filho!
– Você conhece alguém que o adotaria? Leve-o!
Mas o homem logo volta atrás, arrependido:
– Não, não posso fazer isso. Os pais me confiaram esta missão e eu devo
cumpri-la.
– Eu fico com ele. Não falarei nada sobre você, nem mesmo ao rei, meu senhor.
Ele tem muita vontade de ter um filho e não consegue.
Quase convencido, o segundo ainda se defende e mostra a criança:
– E esse pé? Veja: quem é que gostaria de ter um filho mutilado?
– A gente cuida disso. E mesmo que n]ao se cure, o que importa? Ele será o filho
amado e paparicado por meu rei, que o espera há muitos e muitos anos. Deixei-o
comigo, é melhor do que entregá-lo à fúria dos animais.
Estas últimas palavras vencem toda a resistência do homem. Sem hesitar muito,
delicadamente ele pega nos braços o pequeno ser, olha-o longamente, como se quisesse
se despedir, desejando-lhe boa sorte. Entregando-o ao seu salvador, murmura para si
mesmo:
– Espero não estar cometendo um erro com essa desobediência. Que os deuses
não se zanguem comigo.

Mas quem pode saber o que irrita os deuses?

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Capítulo um: o insulto
O banquete chega ao auge. Em torno de várias mesas, os convidados estão
satisfeitos. Tudo isso porque Pólibo, o rei de Corinto, é um homem generoso: o
sacrifício oferecido aos deuses foi um luxo, e as vítimas – dois porcos e um carneiro –
tinham muita carne e gordura. Meticulosamente cortados e cozidos, deles não sobrou
quase nada. Também se bebeu bastante, várias vezes os criados tiveram de encher os
cântaros na grande cratera, onde o vinho escuro e perfumado era misturado com água.
Por isso, agora, as línguas se soltam, as brincadeiras fluem, os velhos perdem a
seriedade e os mais jovens se entregam a desafios.
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No fim da refeição, o aedo chega e assume seu lugar no centro da sala. Começa
a dedilhar algumas notas em sua lira, aguardando o silêncio, para que possa cantar em
homenagem ao vencedor da última corrida de carros. Em seguida, as danças se sucedem
aos cantos, e as conversas se tornam mais interessantes.
Na mesa dos jovens, Édipo, o filho do rei, se lembra de seus próprios êxitos na
corrida.
– Você não é o único a ter vitórias! – provoca Epidamas, visivelmente irritado
com a presunção do príncipe.
– É verdade, mas, de qualquer forma, fui muito melhor que você!
– Na corrida de carros, pode ser... – caçoa Epidamas –, mas não pode dizer o
mesmo das outras provas.
– O que você está insinuando?
O clima se torna pesado, os convidados se calam, menos Antífon – o melhor
amigo de Édipo –, que, conhecendo muito bem seu caráter violento, procura intervir:
– Por favor, deixem de provocações! Vocês beberam muito e já estão falando
besteira!
– Deixe-o falar – insiste Édipo, inflexível. – Então, o que você está insinuando?
– Eu estou dizendo que na corrida de carros não se precisa das próprias pernas,
não é mesmo, “Pé Inchado”? – provoca Epidamas.
Édipo levanta-se, louco de raiva.
– Você não passa de um invejoso! Um invejoso, sim! É verdade que me chamam
de “Pé Inchado”, manco. Mas, e você que não manca, quais foram as suas vitórias? A

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​Aedo:
Poeta que cantava em público as aventuras dos guerreiros ou dos vencedores nas
competições
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corrida a pé, o salto? E então? Todo mundo sabe que a única prova digna de um nobre
ou para um filho de rei é a corrida de carros!
– Disse bem, para um ​filho de rei​!
Fez-se um silêncio pesado. Édipo retoma, com uma voz límpida:
– O que você quer dizer? Não sou filho do rei?
Epidamas hesita um pouco; impelido por sua raiva, ele joga na cara do príncipe:
– É isso mesmo! Você não é filho de Pólibo, você não passa de um bastardo!

Bastardo​! O insulto ressoa no ouvido dos jovens convidados. Uma olhadela ao


redor, porém, tranquiliza os menos bêbados: por causa do rumor das vozes, nem todos
ouviram direito.
Eles procuram fazer com que os dois adversários, eriçados como galos, voltem a
se sentar. Em vão: Édipo, pálido, mudo, ainda vacila diante do golpe. Com os olhos,
procura uma arma entre aquelas que estão penduradas na parede da sala. Mas seu amigo
Antífon – o mais sábio de todos – percebe seus movimentos e o segura pelos ombros
para impedir o irreparável. Com um gesto brusco, o príncipe se solta e, sem dizer
nenhuma palavra, sai da mesa.

Bastardo! Você não passa de um bastardo!


As palavras continuam ecoando nos ouvidos do príncipe. Estendido na cama, no
quarto onde se escondeu, ele não consegue pensar direito de tão atordoado. Além disso,
seu espírito está turvado pelo vinho. Finalmente, cai no sono.
Ao acordar, as ideias se aclaram: seus pais lhe devem uma explicação.

Atravessando o palácio, ele encontra apenas criados e escravos arrumando a


desordem da noite anterior. Os olhares sinceros e os cumprimentos ternos e respeitosos
tranquilizam-no. O som levemente irregular de seus passos denuncia o andar manco.
O rei Pólibo e Mérope, sua esposa, estão no quarto quando Édipo chega. É a
rainha quem o vê primeiro e lhe estende os braços, preocupada:
– Enfim! Édipo, meu filho, o que aconteceu com você? Seu pai me disse que
você deixou o banquete antes do fim?
– Mãe, minha mãe, não se preocupe, apenas tive uma leve dor de cabeça e não
queria incomodar ninguém.
Seu pai o observa com um olhar agudo.

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– Você é um bom filho e quer tranquilizar a sua mãe. Mas isso não é tudo: há
algo atormentando você?
Édipo baixa os olhos, procura as palavras certas.
Como falar sem ferir seus pais?
– Sim, é verdade. Durante o banquete, um homem me chamou de “bastardo”.
O casal real se paralisa e empalidece. Édipo, no entanto, não tira os olhos do
chão.
Pólibo é o primeiro a se recuperar do choque:
– Você deve ter sonhado! Como pode pensar que era de você que falavam? E
quem foi que disse isso?
Apesar de não gostar de Epidamas, Édipo preferiu não denunciá-lo. De qualquer
maneira, sua mãe não lhe dá tempo de falar nada:
– Meu querido filho, em que você está pensando? Uma simples palavra, dita por
não importa quem, vale mais do que todo o amor dos seus pais?
Mérope o abraça, procura aninhá-lo na quentura do seu colo. Mas Édipo se sente
desconfortável. Antes de tudo porque, aos dezesseis anos, ele já passou da idade de ser
embalado. E, principalmente, por notar que seu pai evita olhá-lo de frente.

Por causa da inquietação dos seus pais, o príncipe não quer mais perturbá-los e
volta para o seu quarto. Durante vários dias, ele se recusa a sair: não quer ver ninguém,
principalmente Epidamas. Nem mesmo Antífon...
Bastardo! Você não passa de um bastardo!
A frase o persegue, apesar de seus pais a negarem. Por que não acreditar no que
disseram? Mas, também, por que seu pai desviou o olhar?
Bastardo! Você não passa de um bastardo!
Ele fica se revirando na cama. Mas as palavras não param de martelar na sua
cabeça.
Bastardo! Você não passa de um bastardo!
Até nas longas cavalgadas em companhia de Glicos, o jovem escravo cretense
que Édipo considera como a um irmão, ele não encontra tranquilidade.
Bastardo! Você não passa de um bastardo!

Após três dias de tortura, Édipo não consegue mais manter o silêncio que se
impôs desde a conversa com seus pais. A dúvida o corrói, seu coração estoura:

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– Glicos, se uma horrível desconfiança, impossível de esquecer ou partilhar, te
devorasse por dentro...
– Pode se abrir comigo, sou apenas um escravo, não valho nada.
– Não, nem mesmo a você, de quem eu gosto tanto, poderia contar o que se
passa.
– Então, peça um conselho a Apolo. Ele revela o passado e o futuro com seus
oráculos: só ele pode esclarecer e tranquilizar você.
Édipo abraça fortemente Glicos, mas ainda não se dá por satisfeito:
– Como não tinha pensado nisso antes! Você tem razão, o santuário de Delfos,
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onde a Pítia interpreta os oráculos, não fica muito longe de Corinto. Chegaremos lá em
três ou quatro dias. Prepare o carro e escolha os melhores cavalos para atrelá-los
amanhã. Faça nossa bagagem, enquanto eu aviso meus pais!

Pela primeira vez, desde o famoso banquete, a palavra “pais” soou na cabeça de
Édipo sem fazê-lo sofrer.

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​Pítia:
sacerdotisa de Apolo, em Delfos. Era ela quem interpretava e falava as profecias
ditadas pelo deus.
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