Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Este artigo visa ressaltar a experiência colaborativa na execução do projeto Mangueira, que
consiste em uma instalação interativa que utiliza Arduíno, Processing e projeção mapeada
para criar e exibir imagens na copa de uma árvore da espécie Mangifera indica. As imagens
alteram-se devido as variações de temperatura, umidade e luz captadas pelos sensores. O
projeto em questão insere-se no contexto da arte e da tecnologia, e busca suscitar questões
sobre a relação que estabelecemos com o tempo em uma cultura permeada pela tecnologia
digital.
PALAVRAS-CHAVE
arte e tecnologia; processing; projeção mapeada; colaboração
ABSTRACT
This article aims to highlight the collaborative experience in implementing the hose design,
consisting of an interactive installation that uses Arduino, Processing and projection mapped
to create and display images on top of a tree species Mangifera indica. The images change
due to variations in temperature, humidity and light captured by the sensors. The project in
question falls within the context of art and technology, and seeks to raise questions about the
relationship we establish with time in a culture permeated by digital technology.
KEYWORDS
art and technology; processing; projection mapping; collaboration
O tempo
Não somente a tecnologia incita a velocidade e a troca imediata, mas o próprio estilo
de vida atual aponta para um tempo que se vive cada vez mais depressa. Esta
rapidez deveria gerar uma economia de tempo, afinal muitas das nossas atividades
cotidianas que outrora demandavam horas ou dias, hoje são instantâneas.
Economiza-se tempo, mas mesmo assim nunca se tem tempo. Ao falar do estilo de
vida contemporâneo que prima pela velocidade, mas que apesar da rapidez segue-
se sem tempo, Baudrillard comenta: “Em toda parte vemos uma lógica paradoxal: a
idéia é destruída por sua própria realização, pelo seu próprio excesso” (2001, p.53).
A lógica paradoxal de Baudrillard é o excesso em que estamos imersos, tudo é
rápido, instantâneo, tentamos ganhar tempo a todo o momento e seguimos sem ele.
A velocidade e a instantaneidade dos acontecimentos atuais conduzem Paul Virilio a
defender “átomo temporal”, o tempo extensivo é hoje intensivo:
Nesta mesma linha, Baudrillard (2001) fala em “êxtase do tempo”, que seria o tempo
real, a instantaneidade “mais presente que o presente”. O tempo atual como
simulacro do próprio tempo. Baudrillard (1991) descreve o simulacro em quatro
fases: reflexo de uma realidade profunda; mascara e deforma uma realidade
profunda; mascara a ausência de uma realidade profunda; e, não tem relação com
qualquer realidade, ela é seu próprio simulacro puro. Esta “êxtase do tempo” que
seria “mais presente que o presente” poderia ser pensada como a segunda fase dos
simulacros, pois na instantaneidade há uma relação com o tempo real, pois ela
acontece em “tempo real”. O “tempo real”, o imediatismo, faz parte da interatividade,
da tecnologia, e diz respeito à velocidade entre a ação realizada e a resposta dada.
O tempo da interatividade não é apenas imediato, mas deve ser. É comum ficarmos
irritados quando acionamos um comando no computador e este não nos obedece.
Se clicarmos em um botão e o caixa eletrônico, por exemplo, não reage de imediato,
4
já começamos a ficar irritados. Nesse sentido, espera-se que a mediação pela
tecnologia seja rápida, ou, ao menos, mais ágil. Insere-se neste contexto o “átomo
temporal” de Virilio e o “êxtase do tempo” de Baudrillard.
Construção
A ideia inicial do grupo era realizar algum trabalho que tratasse de questões
referente ao clima da região, o cerrado. Com o amadurecimento das discussões, a
referência ao ecossistema transcendeu a questão regional do cerrado, buscando
refletir transformações baseadas em características gerais. Neste momento, o grupo
optou por trabalhar com três parâmetros variáveis: umidade, temperatura e
luminosidade. Para refletir as variações destes parâmetros, a construção poética se
propôs a representar as informações captadas do meio ambiente, projetando-as de
volta ao mesmo.
6
Figura 2: Mangueira recebendo projeção
Dewey fala que a experiência da arte é também pensar com imagens, formas, cores,
com outros códigos que não são palavras:
7
Pensar diretamente em termos de cores, tons ou imagens é uma
operação tecnicamente diferente de pensar em palavras. Mas
somente a superstição é capaz de afirmar que, pelo fato de o
significado dos quadros e sinfonias não poder traduzir-se em
palavras, ou da poesia em prosa, o pensamento é monopolizado pela
linguagem. Se todos os significados pudessem expressar-se
adequadamente em palavras, as artes da pintura e da música não
existiriam. Há valores e sentidos que só podem ser expressos por
qualidades imediatamente visíveis e audíveis, e perguntar o que eles
significam em termos de algo que possa ser posto em palavras é
negar sua existência distinta. (DEWEY, p.167)
Essa multiplicidade de formas que o projeto Mangueira pode adquirir vai ao encontro
do discurso de Pierre Lévy sobre a obra de arte virtual, que passa a ser uma
“máquina de fazer surgir eventos”.
8
Tanto a criação coletiva como a participação dos intérpretes
caminham lado a lado com uma terceira característica especial da
ciberarte: a criação contínua. A obra virtual é “aberta” por construção.
Cada atualização nos revela um novo aspecto. Ainda mais, alguns
dispositivos não se contentam em declinar uma combinatória, mas
suscitam, ao longo das intervenções, a emergência de formas
absolutamente imprevisíveis. Assim, o evento da criação não se
encontra mais limitado ao momento da concepção ou da realização
da obra: o dispositivo virtual propõe uma máquina de fazer surgir
eventos. (LÉVY, 1999, p.136)
Mangueiras tem potencial para ampliar-se ainda mais. Este artigo aborda as
questões que originaram este projeto, entretanto as possibilidades futuras são
muitas.
Versões instalativas
Em Mangueira, cores, movimentos e dimensões de formas pré-estabelecidas são
influenciados pela interação com a umidade, temperatura e luminosidade captadas
no ambiente através de sensores arduíno. O vídeo projetado é oriundo, portanto, de
um conteúdo pré-fabricado, à espera de agentes externos que preencham com
informações ainda lacunares. A instalação tira dados do meio-ambiente e processa-
os para criar novos dados, representados visualmente. Esses dados meteorológicos
tornam-se visíveis. A copa das árvores passa a ser “portadora e transmissora de
informação mutável”, como nos ensina Lieser (p. 232).
9
Quando o agente interator é a metereologia, resta ao espectador contemplar.
Videoinstalações constumam preservar de forma evidente uma dimensão
contemplativa, herdada das artes de galeria mais tradicionais, como a pintura e a
escultura. É preciso que o fruidor desloque-se diante da árvore para perceber os
limites da projeção desenhados com mapping. O que se propõe, projetando imagens
em copas de uma árvore, portanto, é um novo hábitat para as imagens eletrônicas.
As imagens que preenchem as folhas, antes esvaziadas, pretendem dialogar com os
elementos do espaço da matéria, ressignificando a percepção do ambiente:
10
Caso os sensores não recebam interferência de outros dispositivos que provoquem
luz e calor, como lanternas e secadores de cabelo (como é proposto para a versão
de Mangueira em uma galeria), o tempo, na obra, poderia não mais existir.
11
André Parente ressalta, entretanto, que o cinema de exposição, cinema de museu
ou cinema de artistas tem mais a ver com a espacialização da imagem, com a
organização das imagens em um espaço expositivo, quando o cinema de atrações
se preocupa com a organização das imagens no tempo. O cinema de exposição
propõe uma ruptura com a sequêncialidade, com o encadeamento. Quando há
(sequêncialidade), ela é dada pelo percurso do visitante.
Considerações finais
Em Mangueiras, procuramos articular elementos e questionamentos teóricos
pertinentes ao contexto da arte e tecnologia. Através da manipulação de códigos
computacionais, partimos em direção ao rompimento com o usual e corriqueiro
"tempo real", propondo a recuperação do ato contemplativo lento, cada vez mais
negado em nossa sociedade permeada pela tecnologia. Com o uso de projeções,
procuramos reforçar esse deslocamento do espectador/fruidor, permitindo que a
12
obra seja adaptável a ambientes externos ao cubo branco das galerias, e abrindo a
possibilidade de transportar o ato contemplativo para os ambientes externos.
NOTAS
i
Para efeitos demonstrativos, um vídeo usando time lapse foi publicado e pode ser acessado em
https://vimeo.com/113635420.
Referências Bibliográficas
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
DOMINGUES, Diana (org). Arte e Vida no século XXI. São Paulo: EdUNESP, 2003.
LIESER, Wolf. Arte digital: novos caminhos na arte. Editora H. F. Ullmann, 2010.
13
MACIEL, Katia (org.). Cinema sim: narrativas e projeções. Itaú Cultural, São Paulo, 2008.
O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
PAÏNI, Dominique. Reflexões sobre o “cinema exposto”. In: Cinema sim: narrativas e
projeções. Itaú Cultural, São Paulo, 2008.
PARENTE, André. Cinema em Contracampo. In: Cinema sim: narrativas e projeções. Itaú
Cultural, São Paulo, 2008.
RUSH, Michael. Novas Mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
VIRILIO, Paul. O Resto do tempo. Revista Famecos, nº.10. Porto Alegre, 1999.
14