Fazer download em rtf, pdf ou txt
Fazer download em rtf, pdf ou txt
Você está na página 1de 3

Adormeceu ao som da vaia... Sonhou que era rico.

Acordou pouco
depois, quando os pais já
se preparavam para dormir. A cama do casal ficava ali mesmo no
quarto, pois a casa só tinha
três compartimentos. Ângelo tossiu, gemeu, suspirou.
- Tu devias deixar o cigarro - disse-lhe a mulher, em voz baixa.
Eugênio sentia na nuca a respiração quente do irmão que dormia a seu
lado. Escutava a
conversa dos pais, que era entrecortada de silêncios longos, de suspiros
e gemidos abafados.
Houve um momento em que ele disse:
- Queira Deus que essa guerra não venha até aqui.
- Deus sabe o que faz - retorquiu a mulher.
Depois de alguns segundos, tornou a falar:
- Ainda estás com os pés frios?
- Estão que nem gelo!
- Queres um tijolo quente?
- Não precisa.
Silêncio. E depois, ao cabo de não se sabe que pensamentos, a voz
dolorosa do pobre Ângelo
soou tremida no quarto quieto, escuro e frio, quase num soluço:
- Ah! Isto não é vida.
Estas palavras doeram a Eugênio , que adormeceu a pensar nelas.
Os minutos passam. O auto desliza em serena velocidade pela faixa de
cimento.
Eugênio tira o chapéu, passa a mão pelos cabelos. Tem na mente, numa
inquietadora sucessão,
as imagens das pessoas que sacrificou à sua carreira, ao eu egoísmo, à
sua cega ambição. Fui
um louco, um bruto - pensa ele. Considerara apenas o seu futuro, a sua
ascensão na vida. A
carreira estava em primeiro lugar. Depois, vinham os outros. Os
outros... Os que o amaram
sem pedir compensações, os que não exigiram nada e lhe deram tudo.
O pai, obscuro, humilde,
humilhado, ferido de morte pela vida. A mãe, que sacrificara a sua
mocidade ao marido, aos
filhos, ao lar. Agora, ambos estavam mortos. Era o irremediável. E,
para Eugênio , o que mais
dói é a certeza de que, se lhe fosse dado viver de novo os anos da
infância e da adolescência,
ele não poderia portar-se de outro modo, não lograria amar os pais
como eles mereciam.
Pensa em Olívia. Ela dera-lhe tudo quanto uma mulher pode dar ao
homem que ama. Como ele
fora insensato! Tivera nas mãos um tesouro fantástico e - néscio! -
jogara-o fora. Levara anos
para compreender Olívia. O desejo de sucesso, a preocupação de olhar
para si mesmo,
tornavam-no cego a tudo quanto a rodeava. Ele queria subir. A
mediocridade sufocava-o. A
pobreza cheirava a morte. E a sua carreira tinha sido como um elefante
sagrado caminhando
sobre um tapete de criaturas humanas, de almas que as suas patas
brutais esmagavam.
Agora, todo o seu velho sonho está desfeito em poeira, é como cinza
áspera que lhe foge por
entre os dedos, deixando-lhe na alma um ressaibo amargo.
No fim de contas, que é ele ao cabo de tanta crueldade, de tanta
agitação, de tantos conflitos?
Nada. Um homem medíocre que, tendo procurado o sucesso através de
um casamento rico,
acabou por encontrar nele apenas as mesmas inquietudes e incertezas
do tempo de pobreza, a
antiga e dolorosa sensação de inferioridade. Hoje, ele é simplesmente o
marido de Eunice
Sintra.
E Olívia vai morrer... Justamente agora que ele acaba de lhe descobrir a
alma, agora que ele
procura humanizar-se para se tornar digno dela, para reparar o mal que
lhe fizera.
O auto corre. Ainda mais duas horas de viagem. E se Olívia já estiver
morta?
Eugênio desfaz o nó da gravata, desabotoa o colarinho.
Onde está Deus, o Deus de Olívia? Será que el

Você também pode gostar