Você está na página 1de 417

A PROVÍNCIA

PROVÍNCIA

PO«

TAVARES BASTOS
3
'•X
PREFACIO

Os que desejam a eternidade para as constituições e


o progresso lento para os povos, os que são indulgen­
tes, moderados, conciliadores, escusam folhear este livro.
Não foi escripto na intenção conservadora; inspi ou-o
mui opposlo sentimento.
Pedindo inspirações á historia do seu p .z, o autor não
presume inventar: expõe, commenta, recorda.
O verdadeiro liberalismo não é, para eile, um recem-
nascido. Não é um accidente dos successos conlempo-
roneas, mas gloriosa tradição das nossas lutas políticas.
Quizera a robusta geração de 1831 descentralisar o
governo confederando as províncias ; e, fundindo nas
altribuições do executivo as do poder moderador, suppri-
mindo -o conselho de estado, fazendo temporário o se­
nado tornar a monarchia uma instituição inoffensive,
Alteslam a grandeza da obra, não acabada embora, o
codigo do processo e o aclo addiconal, que não somen­
te completaram, mas alargaram a constituição de 1824.
Homens sem fé nos destinos da democracia e na mis­
são providencial da America, varões eminentíssimos, é
certo, alguns d’elles ornamentos das nossas assembléas,
fecharam infelizmente a escola revolucionaria de 1831
para consagrarem templos ao idolo restaurado em 1840.
Celebrou-se desde então a communhão dos partidos
VI PREFACIO

quanto a princípios de governo; e, para que alguma


cousa o dislinguisse do conservador, limitava-se o libe­
ral a agilar a urgência de melhoramentos materiaes,
de reformas econômicas, planos administrativos e finan­
ceiros. De garantias e franquezas já se não fazia ca­
bedal.
Trinta annos de desillusões, porém, assaz esclaresceram
o paiz. A política chamada da ordem eada moderação,
supprimindo ou esquecendo a liberdade, não lhe deram
ein compensação a gloria; e a final, descrido, inquieto,
saciado, vê-se o paiz atravessando os primeiros episó­
dios de uma longa crise economica, com os signaes do
terror por toda a parle, e os horisontes a escurescerem
mais e mais. F.il-o, pois, volvendo contriclo aos altares
da democracia, que não devera abandonar.
Administrações esterais e infelizes, negligentes e corrom­
pidas aceleraram este subito movimento da opinião, esta
léva de broqneis em prol das reformas fundamentaes. Do­
lorosas decepções suscitaram ã liberdade innumeraveis
defensores. Debalde o contestam, com incorrigível obsti­
nação, aquelles cuja cegueira jamais deteve a marcha fatal
das revoluções.
Oneremos, sem dúvida, reformas conslilucionaes. Só nas
estagnadas sociedades d’Asia são invioláveis as instituições
dos povos. Quando a gothica Allemanha constitue e recon­
stitue os seus governos e os seus parlamentos, donde os
burguezes começam a expcllir os magnatas; quando a Grã-
Bretanha dilue o resto do venerável palimpseste do Rei sem
Terra, e a França dã periodicamente uma edição de luxo
dos princípios de 89, como havemos nós acatar supersli-
ciosamenle a carta ou’orgada em 1824 ?
Ora, a grande questão que no Brazil se agita, resu­
me-se na eterna luta da liberdade contra a força, do
indivíduo contra o Estado.
PREFACIO VII

Reduzir o poder ao seu legitimo papel, emancipar as


nações da tutela dos governos, obra duradoura do sé­
culo presente, é o que se chama descentralisar.
A descenlralisação, que não é, pois, um questão ad­
ministrativa sómente, parece o fundamento e a condi­
ção de exilo de quaesquer reformas polilicas. E’ o sys-
tema federal a base solida de instituições democráticas.
Limitar o poder, corrigil-o desarmando-o das facul­
dades hostis à liberdade, eis a idéa donde este livro
nasceu.
Si a causa das reformas demandava o estudo dos pro­
blemas que involve a descenlralisação, exigem as r.ovas
prelenções do governo que excitemos as provinciaes á
defeza dos seus direitos.
Sob o pretexto de suavisar o regimen cue as opprime,
um recente projecto de interpretação prepara algumas
reslricções mais ao aclo addicional, mutilado tantas vezes.
Sem sobresahir por concessões, todas insignificantes,
algumas jã admillidas na prática, a lei proposta por um
governo. temerário consterna as províncias e commove o
sentimento liberal.
As doutrinas de 1840, que elle renova, oppunbamos os
princípios de 1831, que detesta.
Reatemos o fio das ideas que trazem esta nobre data :
possa o ruido da sua marcha ascendente interromper o
periodo de somnolencia que começou com o segundo rei­
nado I

14 de agosto.
PARTE PRIMEIBl

CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO
CAPITULO 1

A OBRA DA CENTRA.LISAÇAO

Longe vão as eras cm que os povos sonhavam a


fundação dc poderosas monarchias. Longe vão esses
tempos bcllicosos em que fôra a unidade garantia da
independência, condição da força e grandeza.
Uma c indivisível parecia então dever ser a pr pria
republica.
Cabem os Girondinos victimas dc -a paixão fu­
nesta. Calam-se as assembléas da Revolução : não ha
mais que um amo, symbolo vivo da uuidade nacional ;
*
um só pastoi e um só rebanho. Deslumbrado pelos
esplendores da propria grandeza, o déspota converte
a França em açoite da Europa. E um campo de ba­
talha o mundo inteiro. Ornam os triumphos do im­
perador, principes c reis. Thronos gothicos, elle os
despedaça ; povos e estados unem-se ou separam-se
por edictos do guerreiro. Jamais se viu tão absolu­
ta omnipotencia ! Mas tamanho poder, exercido por
um genio, o que é que construiu duradouro ? pôde ao
menos preservar immarcescivcis os louros de uma
gloria immensa?
A França e a Europa volvem dessa illusão fascina-
dora ; começam os povos a comprehcnder que ó um
4 PARTE PRIMEIRA

absurdo esperar a liberdade c a prosperidade de um


regimen que os suflbca.
A questão de descentralisação, escreve o Sr. Odi­
lon Barrot, está de novo na ordem do dia, não só
em França, mas por toda a parte ; enche os escriptos
sérios de política, incontra-se no fundo de todos os
problemas agitados no mundo '. No seio da propria
Egreja, que ojesuitismo contende por transformar em
monarchia universal sob a autocracia do Papa, no
proprio concilio do Vaticano revolvem-se os senti­
mentos de independência, que fazem a alta distineção
moral do nosso tempo. Menos ainda do que a Egreja
póde a sociedade civil formar esse exercito compacto,
cujos movimentos domine o fio telegraphico esten­
dido do gabinete de um Ccsar. Desfeita ao choque
dc estrondosas decepções, a miragem da centralisação
não illudc mais. Fôra escusado deter-nos na critica
dc um systema decrépito, acommettido dc todos os
lados, condcmnado desde o livro clássico de Tocque­
ville Releve-se, entretanto, que recordemos al­
guns dos fundamentos da irrevogável sentença, re­
servando as questões cspcciaes para os lugares com­
petentes.
Do racrito das instituições humanas se julga pelos
seus resultados : ora, um resultado moral, outro po­
litico, ambos estreitamento ligados, teem assaz reve­
lado a indole da centralisação.

1 De la Centralisation; p. 18.
* De In démocratie en Amérique; cap. V.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇAO 5

0 que caractérisa o homem é o livre arbítrio c o


sentimento da responsabilidade que lhe corresponde.
Supprimi na moral a responsabilidade, e a historia do
mundo perde todo o intéressé que aviventa a tragédia
humana. Os heroes e os tyrannos, a virtude e a per­
versidade, as nações que nos transmittiram o sagrado
deposito da civilisação e os povos que apodreceram
no vicio e nas trevas, não se poderiam mais distin­
guir, confundir-se-iam todos no sinistro dominio da
fatalidade. A historia do progresso humano não é
mais, com offeito, que a das phases do desinvolvi-
mento ou compressão desse divino attribute da crca-
tura, a que se dá gcralmcnte o nome de liberdade. A
grande massa do bcm, isto e, do progresso realisado
em um scculo, « é a somma accumulada de productos
da actividade dos indivíduos, das nações e dos nuclcos
que compõem as nações, nesse scculo. » E umatrivia-
lidadc rcpctil-o ; mas não sc deve perder de vista essa
noção evidente, quando se trata de julgar os syste-
mas de governo. Em verdade, si o progresso social
está na razão da expansão das forças individuaes, de
que essencialmente depende, como se não ha de con-
demnar o systema politico que antepõe ao indivíduo
o governo, a um ente real um ente imaginário, á
energia fecunda do dever, do interesse, da responsa­
bilidade pessoal, a influencia estranha da autoridade
acolhida sem cnthusiasmo ou soportada por temor ?
Essa inversão das posições moraes é fatalmente re­
sultado da ccntralisacão, seu effeito necessário, facto
experimentado, não aqui ou ali, mas no mundo mo-
6 PARTE PRIMEIRA

dorno e no inundo antigo, por toda a parto, cm todos


os tempos, onde quer que tenha subsistido. Surgem
exemplos justificativos; não carecemos apontal-os,
são assaz conhecidos. Insistamos, porém, cm uma
das consequências moraes do systema politico que
supprime a primeira condição da vida.
Estes moveis do nosso organismo, tão mesquinho
por suas debilidades. quão magnífico na sua estru-
ctura, — o dever abstracto, o interesse liem intendi­
do,— fortificados polo indisivcl amor dos nossos lares,
da nossa terra e da nossa gente, produzem a grande
virtude civica do patriotismo. Mas o que c que póde
? u côl-o sinão o exercício constante da liberdade,
o sentimem do poder individual, da responsabili- .
dado pessoal, do mérito e demerito, da honra ou do
aviltamento, que nos cabem na gloria ou nas triste
zas da patria? Que é que póde, pelo contrario, amor­
tecer o patriotismo, desfigurai-o mesmo, sinão a me­
lancólica ‘certeza de que o bem ou o mal da republica
nos não importam nada?
Almas estoicas haverá sem duvida que, nessas épo­
cas de geral torpòr, preservem na decadência da li­
berdade o lume santo das virtudes civicas ; mas serão
apenas a luz do quadro onde vereis a liberdade

............ Moribunda, soluçando,


Expirar sobre a areia, — e inda de longe
Volver o extremo olhar ao Capi'olio. 1

1 Garrett.—Prologo do Catão.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO /

Nesses dias nefastos em que o poder, fortemonte


concentrado, move mecanicamente uma nação intei­
ra, caractcrisam o estado social a inércia, o desalento,
o scepticismo, e, quem sabe, a baixa idolatria do des­
potismo, o amor ás proprias cad'as. D’ahi, a profunda
corrupção da- almas, abdicando diante da força ou do
vil interesse. E não é nas classes inferiores sómente
que lavra a peste: os mais iniiccionados pelo vicio
infame da degradação, são o que se chama as classes
elevadas. Não é na plebe das cidades que a democra­
cia franceza, abandonada dos nobres c poderosos, lia
procurado abrigo e alento para afrontar o Império?
Do seio do povo não contaminado ainda, surgem ás
vozes os regeneradores das nações aviltadas: mas quão
dilficil não c esta gestação dos Pliilopoemcns, e quão
inutil quasi sempre para suspender o curso dos mãos
dias! Si um largo periodo perraittiu ao veneno insi­
nuar-se lentamente por toda a circulação, já não ha­
verá mais (na phrase de um publicista) « nem dedi­
cação desinteressada, nem coragem civica, nem ge­
nerosas indignações contra a violação do direito, nem
sympatjiia pelos opprimidos e desgraçados : o menor
encargo publico parecerá insoportavel, aterrará o
mais leve ruido; ninguém interessar-se-ha pelo mal
que lhe não toque directa c pessoalmente; juízo ap-
pellidar-se-ha esse estreito c inintelligente egoismo. »
Considerai agora o lado propriamente politico dessa
vasta questão, que mal podemos esboçar. Dispensando,
contendo ou repellindo a iniciativa particular, annul-
lando os vários fócos da aclividade nacional, as asso­
8 PARTE PRIMEIRA

ciações, os municípios, as províncias, economisando


o progresso, regulando o ar c a luz, cm uma palavra,
convertendo as sociedades modernas cm phalansterios
como certas cidades do mundo pagão, a centralisação
não corrompe o caracter dos povos, transformando cm
rebanhos as sociedades humanas, sem sujeital-as
desde logo a uma certa forma de despotismo mais
ou menos dissimulado. Por isso é que, transplantada
do império romano, a centralisação cresceu com
o absolutimo nas monarchias modernas e com elle
perpetuou-se em todas, tirante a Inglaterra. Por isso
é que não pódc coexistir com a republica uma simi-
lhante organisação do poder. Assim, absolutismo,
centralisação, império, são, neste sentido, expressões
synonimas.
Em monarchia centralisada pouco importa, por­
tanto, que se haja feito soleinne declaração dos direi­
tos do povo, e se tenha construído um mecanismo
qualquer destinado a exprimir os votos da soberania
nacional. Ahi, sejam embora sonoras e estrondosas as
palavras da lei, o delegado do povo é que é o sobe­
rano. Em sociedades taes, amortecidas ou extinctas
as instituições locaes, fóco da liberdade, desaparece
a liberdade. « Uma sociedade sem instituições não
póde ser outra cousa mais que a propriedade do seu
governo ; debalde pôr-lhe-hão os seus direitos por es-
cripto ; não saberá elJa como cxerccl-os, nem poderá
conserval-os *. » O senado de Tiberio, otribunato de
1 Royer-Collard. — Lavic politír/ue <1e II. C., por de Baranle, lom. 2°,
p. 230.
CENTRALISAÇÃO K FEDERAÇÃO 9

Napoleão, a sala de Rosas, que foram sinão sarcas-


ticas decorações dc uma tragédia real ?
Constituído dost’arte o poder, o governo represen­
tativo não póde ser, com effeito, mais que uma som­
bra, na phrase do grande orador da Restauração.
Tendo a centralisação por alvo tudo dominar, esta ne­
cessidade impõe-lhe, como elemento indispensável,
um numero illiinitado dc agentes, organisados com
a hierarchia militar, que é seu typo c seu ideal.
Então se créa um paiz official differente do paiz
real cm sentimentos, cm opiniões, em interesses.
Confiado no apoio daquelle, o governo perde de vista
as tendências deste; céga-se, obstina-se, c póde ca-
hir de subito como Luiz Felippe. Emquanto, porém,
não sùa a hora fatal da expiação, õ por meio do paiz
official, com os recursos officiaes, que o governo do­
mina o suflragio c subjuga o parlamento. Tal c a ex­
tensão e a força da autoridade do poder centralisado,
que Royer Collard chama monstruosa.
Dabi procede também um resultado mui opposto
áquelle que geralmcntc se faz esperar da centralisa­
ção, cujo maior titulo de gloria é suppôr-se o melhor
methodo de administrar um paiz. Transformado o
funccionalismo em policia dos comícios, « a adminis­
tração deixado ser o meio de distribuir com justiça e
discernimento os recursos do Estado ; ella consagra-se
exclusivameutc á tarefa de conquistar e conservar
maiorias no parlamento : todos os interesses ficam
subordinados a este interesse ’. » Os variadissiinos
1 Odilon-Barrot; p 188.
A PROV.
10 PARTE PRIMEIRA

generös de corrupção, os mais miseráveis e os mais


hediondos, se ostentam á face do sol. Trata-se de es­
colher altos funccionarios? preferem-se os mais
ageis, os mais audaces na arte de manipular os suffra­
gios. Quanto ás pequenas funcçôcs publicas, são nc-
gaças ou prêmios. Nem respeito a merecimentos e
virtudes, nem zelo pelo bem publico, nem amor á glo­
ria nacional. Raras vezes o orçamento deixa de ser
desequilibrado ou falsificado pela suprema necessidade
de corromper para viver.
Não menos arriscada do que monstruosa é essa
« apoplexia no centro e paralysia nas extremidades, »
de que fallava Lamennais. A centralisação — quem
póde já duvidal-o ? — não desvia, antes precipita as
tempestades revolucionarias. Absorvendo toda a ac-
tividade nacional, assume o poder uma responsabili­
dade esmagadora. Corrompendo a nação, corrompe-se
a si mesmo; mais c mais inferior á sua tarefa ingente,
vê recrescercm os perigos na razão da sua debilidade.
E o réo dc todas as causas perdidas; éo autor sup-
posto dc todas as desgraças; a miséria domestica, a
ruina publica, lhe são attribuidas; c a historia não
raras vezes confirma a indignação dos contemporâ­
neos. Deixemos, porém, fallar um autor, outr’ora in-
thusiasta do systema cujo elogio fizera c a quem ser­
vira, mas dcsilludido afinal diante do triste espectá­
culo da sua patria corrompida pela centralisação c
aviltada pelo despotismo. « Consequências extrema­
mente prejudiciaes ao paiz, escreve Vivien, tem-lhe
acarretado a centralisação administrativa. Collocou
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 11

ella o governo sob o peso de uma solidariedade que


não tem sido estranha ás agitações politicas destes
últimos tempos. Nada fazendo-se, por assim dizer, no
município ou no departamento, sinão com autorisa-
ção, em virtude do ordem ou em nome do governo,
achou-se este involvido cm todos os negocios, c, por
uma consequência necessária, se lhe imputaram to­
das as faltas commcttidas, todas as delongas expe­
rimentadas, todos os accidentes supervenientes. Como
sua mão cm toda a parte se incontrava, por toda a
parte com elle se houveram e cm todas as occasiões :
a elle accusaram dos desvios dos seus agentes, c das
proprias medidas que o forçaram a autorisai’, das im­
posições excessivas, dos orçamentos cm deficit, das
desordens financeiras, do máo estado dos caminhos,
da ruina dos edifícios, da policia mal feita, da escola
mal dirigida; tornou-se o governo, em summa, o ob­
jecto exclusivo de todos os descontentamentos '. »
É no seio dessas paixões e á sombra dessas innu-
meras contrariedades que levéda c rompe fatalmente
a anarchia dos Estados. Dizia um ministro inglez,
citado pelo mesmo Vivien : « Si eu quizesse provocar
uma revolução social na Inglaterra, o que antes de
tudo invocara, fôra a centralisação. Si ao governo
pudesse lançar-se a responsabilidade por tudo quanto
vai mal em um canto qualquer do reino, dalii resul­
taria um descontentamento geral, um peso de respon­
sabilidade tão grande, que debaixo dclle seria o go­
verno bem depressa esmagado. »
1 Eludcn administratives ; tom Î", p. 15.
12 PAUTE PRIMEIRA

Não ; nós não exageramos nem a deplorável situa-


tuação moral creada pela centralisação, nem a per­
versidade das suas tendências políticas. Era uma pa­
lavra, ella começa corrompendo c acaba anarchisando :
por isso é que o Novo Mundo, fugindo do idolo impe­
rial a que o Velho sacrificara a liberdade, fez a fede­
ração palladio da democracia. Vamos vcl-a, alastran­
do-se por toda a parte, a moderna forma dc governo.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 13

CAPITULO II

O GOVERNO NOS ESTADOS MODERN S

A fórma federativa dc governo c um facto politico


do Novo Continente quasi inteiro.
As métropoles europeas, Hespanlia, Portugal, In­
glaterra, não ousaram manter o dorainio dc suas vas­
tas possessões, centralisando o poder cm um ponto
qualquer dos respectivos territórios; pele» contrario,
as administraram dividiudo-as em governos isolados,
ou quasi isolados, independentes entre si. A Hespanlia
não mantinha, reunidos sob um só vice-rei, cs go
veruos dc Buenos-Ayres, do Peril, do Mexico. Por­
tugal deixou, por largo tempo, o Brazil povoar-se re­
partido em capitanias, que muito mais tarde se uni­
ram debaixo do vicc-reinado da Bahia. Como as re­
publicas da Grécia, tinham as colonias inglezas go­
vernos separados.
Proclamada a sua independência, alguns dos povos
emanei lados procuram orgauisar-se, não pelo moldo
europeu, mas como estados federaes : guerras civis
ensanguentam as republicas de origem hespanhola;
mas c muita vez entre os partidos unitário e federal
que a luta se trava.
Considere-se o ponto a que os povos da America
14 PARTE PRIMEIRA

chegaram no empenho dc constituírem governos li­


vres : o principio dominante do sou systema politico
c a federação. As proprias colonias que a Inglaterra
ainda conserva ao norte dos grandes lagos, agora
mesmo ensaiam uma união similhante áquella que
quasi um século tem visto consolidar-se na patria
dc Washington. Tinha o Mexico, desde muito, uma
organisação que elevava as províncias á cathegoria
dc estados. As republicas do Golfo, ora formando uma
só nacionalidade, ora subdividindo-se cm grupos,
vivem igualmente sob governos federaes : Nova Gra­
nada chama-se liojc Estados-Unidos de Colombia, c
Venezuella, Estados-Unidos de Venezuella. No Perú
um partido reclama actualmente a autonomia das pro­
víncias. A Republica Argentina, cm summa, adoptou
por typo a constituição dos norte-americanos, seu
ideal. Só pequenos paizes,’deterritórios rclativaraentc
acanhados, o Chile, o Uruguay c o Paraguay, dis­
pensaram por isso mesmo a fôrma federativa, ao passo
que a adopta uma constituição promulgada pelos revo­
lucionários cubanos, dividindo em quatro estados a
pérola das Antilhas.
X Este facto geral corresponde a causas poderosas,
que o determinaram c explicam. A extensão dos ter­
ritórios, as cordilheiras, rios, florestas, ou os desertos
intermédios que repartem cada um desses paizes cm
secçõos distinctas; os centros dc população prepon­
derantes em cada qual destas, sem relações do com-
mcrcio, quasi independentes umas das outras; a dif-
íiculdadc das communicaçôcs entre populações iso­
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 15

ladas por tamanhas distancias, desertos inacessiveis


on « mares de longa navegação»; a fraqueza dos la­
ços com que se pretendesse unil-as em um só feixe ;
o choque de interesses, ás vezes contrários, acen­
dendo a paixão da autonomia; a diiferença do cli­
mas, gerando condições sociaes diversas, explican­
do tendências oppostas, formando desde ji os ele­
mentos das raças que cm breve hão destacar-se
no colorido painel destes estados : tudo concorre para
impossibilitar nas regiões americanas o systema de
governo fundado ha séculos em monarchias da Eu­
ropa. Tal era a profunda convicção dos nossos revo­
lucionários de 1831. « O governo do império do Bra­
sil será uma monarchia federativa » , dizia a primeira
das reformas constitucionaes propostas pela camara
dos deputados '.
Na propria Europa, retalhada em monarchias mi­
litares, não se póde, entretanto, desconhecer a mar­
cha constante da tendência desentralisadora cm op-
posição á unidade fundada com o absolutismo da meia-
idade. Não tem o governo inglez essencialmente o
caracter de um governo federal, laço de união dos
condados dos très reinos e dascolonias espalhadas por
todo o globo? Não conseguiu a Suissa, no recinto
augusto das. suas montanhas, não somente pre­
servar a autonomia dos cantões, mas realçal-a com
o regimen democrático puro das landsgemeinde de Zu­
rich, Turgovia c Berne, que evocam a poesia antiga

1 Projecto de 14 de outubro de 1831, § 1" ; supprimido pelo senado.


1G PARTE PRIMEIRA

dos comícios de Athenas? Não goza a Bélgica da rea­


lidade do systema parlamentar com as vantagens de
uma considerável desentralisação, por meio deassem-
bléas que exercem, em cadasecção do território, a quasi
plenitude do poder legislativo nos negocios locaes?
A exemplo deste hello paiz, c sobre as mesmas
bases, reorganisou a Hollanda em 1848 a administra­
ção das suas províncias. Pouco depois, em 1850, adop-
tava a Prussia a idea das assembléas electivas com
muitas das faculdades que exercem nos dous estados
do baixo-Rheno. Após a revolução dc 1848 a Austria,
anniquilada por uma centralisação impotente e odiosa,
quiz restaurar as antigas liberdades dos municípios
do Santo Império, c commetteu altas funeções a cor­
porações provinciaes. Mais longe ainda deveram ar-
rastal-a as desgraças do seu governo obcecado : de­
pois das calamidades dc 1859 e I860, toda questão,
para o império austríaco, consiste no modo dc assen-
tal-o sobre a base federal; hoje cada parte compo­
nente da monarchia tem uma assembléa quasi sobe­
rana; e a dieta húngara é soberana'. Transitória
de certo é a unidade administrativa que proclamou-se
em Italia com a unidade política: o futuro pertence
á idéa do projecto que dividia a peninsula cm regiões
quasi confederadas. Finalmente, não se póde esque­
cer que, derrubando o throno dos Bourbons, a Hes-

1 Em si mesma a Hungria é uma antiquissima federação dos seus cnmi-


latos, cidades c parles adnerœ, com assemblées proprias e, administra­
ções independentes da dieta e ministério do reino de Santo-Es'.evào. (Rdrue
des Peua- Mondes, 1 ' de junho de 1868; p. 543—519: artigo do Sr. Laveleyc
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 17

panha, onde as províncias recordam com orgulho os


seus fóros dc reinos, pede um governo federal como
expressão fiel da liberdade restaurada.
Resta, sem duvida, a França no campo adverso; e
este só exemplo agorenta a alegria do espectáculo
que tantos povos offerecem. Mas é a França acaso
fiel aos seus primeiros amores, á tradição desse poder
illimitado de que são representantes históricos Ri­
chelieu c Napoleão ? Li, iam buscar tristes conselhos
os inspiradores c os adeptos da monarchia ccntralisa-
da; mas, nós o esperamos, é ella agora que vai for­
necer-nos, neste e outros assumptos, o meio seguro
dc determinar o curso das ideas novas.
Decretos de Napoleão 111 já haviam desceutrali-
sado, em 1852 e 1861, o despacho de negocios locaes,
commettendo aos delegados do governo imperial a
faculdade de decidil-os. Não é nada isso, lhe diceram
de todo os lados : o essencial é reconhecer no muni­
cípio e no departamento autonomia legislativa e exe­
cutiva quanto aos proprios negocios. Esclarecidos por
succcssivos desastres desde 1789, alguns espíritos
illustres vão mais longe. Recordando as provincias
anteriores á revolução, Vivien c Chevillart condem-
naram a estreiteza das actuaes circunscripções admi­
nistrativas ; Béchard e Raudot, na assembléa de 1851,
propuzeram a distribuição do território por grandes
regiões com assembléas legislativas. O Sr. Béchard
(legitimista) offerecèra um projecto reunindo os 89
departamentos cm 22 divisões correspondentes ás an-
A PR0V. 3
18 PARTE PRIMEIRA

tigás províncias e com os seus nomes históricos *.


Séde de um governo civil, de um commando militar,
de uma relação, de uma academia, de um arcchispado,
de uma directoria de obras publicas, e outra de peni­
tenciarias e hospitaes, cada divisão da França teria
uma assembléa legislativa, composta de delegados dos
conselhos departamentaes, cujos membros elegería
o povo directamentc. A taes asseinbléas competeria
alta missão política: quando cm Pariz algum extraor­
dinário evento impossibilitasse os poderes públicos de
funccionarcm legalmcnte, a ellas cumpria manter a
ordem, decretar e levantar o estado de sitio nas suas
pçoviucias: tal era o preservativo imaginado contra
as súbitas rcvpluções ou golpes de estado, que, par­
tindo da capital, propagam-se por todo o paiz, com a
força electrica da centralisação, sem incontrarem re­
sistência em parte alguma.
Não é aspiração de um escriptor isolado, nem se
circunscreve a um só partido : a essa transformação
do governo interno da França associou-se um homem
eminente, o Sr. Odilon Barrot ’, e as mesmas ideas
partilha o elegante publicista, Sr. Prevost Paradol’:
para caractérisai' a sua doutrina, basta lembrar que,
a exemplo dos Estados-Unidos, ambos propõem que
pelas assembléas regionaes sejam escolhidos os mem­
bros do senado.
O movimento prosegue : das theorias passa á pra-

1 De l'administration intérieure de la France; vol. 2", p. 312.


* De la Centralisation; conclusão.
a I.a France Nourelle ; liv. II, cap. 2".
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 19

tica governamental. Para defender parte de seu im-


menso poder, cede Napoleão alguma cousa ao espirito
liberal ; taes são pelo menos as tendências da política
annunciada ao novo parlamento '. Rende-se inde­
fesa a centralisação naquellc paizjustamente onde cila
fòra, mais do que um facto legislativo, uma theoria
política, uma paixão nacional. D’ora avante, os ad­
versários do mais deplorável systema administrativo
incontrarão, nas reformas incetadasem França, valio­
sos argumentos contra o resto de obstinados, que ain­
da rodeiem oidolo do cesarismo no periodo de seu irre­
parável declínio.

1 Maires clectivos, conselho municipal dc Pariz nomeado polo corpo le


gislativo, a cidade de I.yão restituida ao regimen commum, novas prero-
gativas aos conselhos geraes; as proprias colonias participando deste movi­
mento de descentralisação: eis as medidas anunciadas pela falia do throno
de 26 de novembro de 1869. Mais desinvolvidas, por ventura, hão de estas
idéas em breve prevalecer, como é licito esperal-o da commissão de desccn-
tralisação que o gabinete OIlivicr confiara á presidência do Sr. Odilon-
Barrot, e á qual pertence o Sr. Prcvost-Paradol.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 21

CAPITULO 111

A CEN'TRALISAÇAO E AS REFORMAS

Si na França, onde o genio nacional fundou atra-


vez dos séculos uma verdadeira e indisputada capital,
realçada pelas scicncias, pelas artes, pelas letras,
pelos homens illustres que dc lá influiram na civili-
sação do mundo ; si ahi mesmo descobre-se agora a
causa de tantos desastres, como havia o Brasil dc in-
cctar uma obra que a experiencia condemnára na
terra de que essa empreza podia prometter-se o exito
mais lisongeiro? Debaldc a reforma, que pelo seu
caracter radical, como sôc acontecer, só uma revolu­
ção podéra realisar, debaldc a reforma dc 1831 tentou
confederar as províncias brazileiras. De tamanha
obra o que resta? Amputada na parte política, tem
sido a pouco e pouco transformada em lei admi­
nistrativa. Assim, depois de rápido eclipse, ‘conso­
lidou-se a centralisação no Brazil, emquanto o resto
da America experimentava ou fundava instituições de
mui diversa natureza.
Recusam, todavia, reconhecer esse vicio europeu
em nossa administração, aquelles que a comparam
com a mais exagerada das organisantes do mesmo
genero.o systema franccz. .Certo não sc incontra aqui
22 PAKTE PRIMEIRA

inteiramcnte o typo administrativo da Franca, com-


quanto a cada passo se descubram similhanças entro
os systemas dos dous paizes Pouco importam, po­
rém, differenças em pontos secundários, quando ha
identidade no essencial : demais, a superioridade de
um methodo de governo sobre outro não se estabelece
por taes analogias entre nações diversas, mas perante
o interesse de cada qual. É estudando o interesse do
nosso paiz, que perguntamos: Não será tempo de re­
ver as leis e os decretos parasitas que amputaram
a reforma de 1834, renovando a centralisação contra
a qual se insurgiram as províncias? Será justo que
nenhum kilometro de caminho de ferro se possa
construir na mais remota parte do império, sem que
o autorise, sem que o embarace, o demore ou o con-
demne o governo da capital? Será razoavel que o
Pará, ha mais de ldannos, solicite uma ponte para a
alfandega; Pernambuco, desde 1835, a construcção
do seu porto; e o Rio-Grande do Sul, desde a inde­
pendência, um abrigo na costa?
Não se póde desconhecer a centralisação cm
paiz onde, cumpre dizèl-o, ella está desta sorte amea­
çando a paz publica. Sua influencia política não é
menos sensível, porém, que o retardamento do pro­
gresso material: façamos a este respeito algumas
considerações inspiradas pela crise em que iabora a
doutrina liberal.
Considerai a disposição geographica das popula-
’ V. Parte II«, Cap. V, sobre a policia, e IIP, Cap. V § 1», quanto a
centralisação cm melhoramentos matei iaes.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 23

ções desta parte da América. Abstrahi do presente


um instante, volvei alguns annos na fantasia; figu­
rai-vos a perspectiva geral do Brazil no proximo sé­
culo : será temerário suppòr que o valle do Amazo­
nas, cujas feições se estão pronunciando ao sol do
equador, que o do S. Francisco, linha de união,
ligando o sul ao extremo norte, que a região tropi­
cal banhada pelo Parahyba e limitada pelas mon­
tanhas do Rio, Minas e S. Paulo, que o Rio-Grande
e Santa-Catharina que se germanisam a olhos vis­
tos, que o vastíssimo oeste estendido das margens
do Tocantins ás do Paraguay, bem depressa osten­
tem cada um, não diremos tendências contrarias
c repugnantes, mas traços distinetos, civilisações
dcsiguacs, como serão distinctes e desiguaes
suas raças predominantes? Já as estatísticas admi­
nistrativas permittem enxergar no ainda confuso
mappa politico os grupos que o futuro verá clara­
mente. Quereis apreciar em algarismos o facto de
que algumas, pelo menos, das províncias, por sua
situação geographica, apenas se prendem offtcialmente
ao governo central situado tão longe délias? Cite­
mos ao acaso: seja o Maranhão, por exemplo. O va­
lor do seu commercio directo era em 1867 oito ve­
zes maior que o das suas transaccões com todos os
portos do império; estas mesmas limitavam-se ás pro­
víncias limitrophes, ao grupo que constituía o antigo
estado do Maranhão. Com o Rio de Janeiro, como si
fôra estado de além-mar e governo estranho, as
transaccões apenas attingiram a 223 contos em um
21 PARTE PRIMEIRA

dos annos de maior actividade commercial (18G3 —


64). Outro esclarecimento luminoso fornece a esta­
tística do correio. Em 1865 expediram-se pela es­
tação central do correio brazileiro 7,385,998 volu­
mes, cabendo mais de dous terços ao território situado
ao sul da Bahia : apenas dous milhões representam as
relações da capital com o resto do Brazil; e, si afas­
tarmos a Bahia, Pernambuco c o Pará, sómente ficam,
para as oito restantes províncias do norte, 400,009
volumes, nos quaes todavia se comprehendem os diá­
rios e a excessiva correspondência official. Demais,
quem viaje por este extensissimo paiz, cujo littoral
marítimo não póde ser percorrido em menos de quinze
dias a todo vapor, experimenta a mais completa sen­
sação das distancias e do isolamento em que estão
do Rio de Janeiro as províncias septentrionaes. Quan­
do se transpõe ura ponto da costa relativamente vi-
sinho, a foz do S. Francisco, por exemplo, imagina-se
percorrer os dominios de outros e outros Estados, —■
tão vasto, tão desmesurado é este colosso brazileiro !
Penetrando o valle do Amazonas, já não différé o typo
sómente, no Solimões a propria lingua é outra: pre­
valece a indígena. Eis-ahi porque, ainda quando não
a condemnasse a triste experiencia dos povos, a cen­
tralisação seria no Brazil um facto meramente offi­
cial, sem base nas suppostas relações da vastíssima
circumferencia do Estado com o centro improvisado
pela lei.
Póde-se, por ventura, desprezar tão poderosa causa
phvsica no momento de emprehender sérias reformas
CENTRALIS AÇÃO E FEDERAÇÃO 2,‘i

no nosso actual systema administi ativo ? Qual é, com


cffeito, o característico saliente do seu mecanismo?
A uniformidade, que, por toda a parte, é, para o po­
der concentrado, a condição da maxima energia'
Pois bem : eis-ahi o escolho em que naufragaram
bellissimas reformas, eis o elemento que agravou o
vicio dc outras, tornando impraticáveis as primeiras
c as segmndas nimiamonte impopulares. Examina
porque estragou-se a larga concepção da lei munici­
pal de 1828: ó que não se ajusta a condições variá­
veis dc um paiz tão vasto e tão desigual uma organi-
sação theorica do governo local, assente embora na
base mais ampla. Examinai porque não vingou uma
das mais nobres instituições do 1832, o juiz de paz,
magistrado popular da primeira instancia e tribunal
supremo das minimas iides : é que desde logo se re­
conheceu que o juiz elective suppunha uma corta ci-
vilisação no mesmo uivei. Não raros casos ou occur-
rencias locacs mostraram ser prematuras, em algu­
mas regiões do paiz, franquezas dc que aliás
grande parte delle era certamente digna. Do insuc-
cesso das leis verificado cm alguns lugares concluiu-
se contra a sua conveniência; não se contentaram do
abolil-as aqui ou ali ; aboliram-se em todo o império:
a reacção procedeu também com a mesma uniformi­
dade. Eil-a funccionando de um modo systematico,
mecânico. Mas agora, dizei-nos, qual o motivo que
torna ainda mais odiosas as leis reactoras que funda­
ram o actual absolutismo? A symetria das leis de po­
licia e de organisação policial, tão oppressoras para
A 1’ROV. 4
26 PAKTE PRIMEIRA

a liberdade individual, não agrava os seus incon­


venientes, ao menos nas grandes povoações e nos
municípios mais moralisados? Porque alguns milha­
res de habitantes do Mato-Grosso, do Alto-Amazo­
nas, de Govaz, não se acham em circumstancias de
praticarem leis de menos arbítrio para a autoridade ,
é isso razão para ficarem sujeitos a um máo regimen
o resto dos habitantes do império, as províncias mais
florescentes, as mais populosas cidades? A unifor­
midade, vicio inlicrente á centralisação, lentamente
transformou o Brazil em monarchia europea.
Pondo uma restricção onde a revolução de 1831
puzera uma liberdade, a missão do actual reinado tem
sido sujeitar as províncias ao freio da centralisação,
que as comprime e debilita. Saciadas de uma tutela
humilhante, ellas aguardam a reforma do pacto social
como a sua derradeira esperança. « O futuro nos re­
velará, escrevia o inspirado precursor da democracia
brazileira, si nossas províncias, separadas por vastos
desertos e mares de longa navegação, podem obede­
cer á lei dessa centralisação forçada, contraria á na­
tureza, e que tolhe sua prosperidade, destruindo as
condições de seu desinvolvimento ; ou si não se pre­
ferirá antes o regimen federativo, que multiplique os
fócos de vitalidade ede movimento a esse imraeuso
corpo intorpecido, onde a vida aparece aqui e ali,
mas em cujo restante não penetra, nem póde circular
a seiva animadora da civilisação ’. »

1 Libello do Povo, por Timandro ; § III


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 27

Conhecendo o valor de um tal systema admi­


nistrativo, construído, peça por peça, com perse­
verança digna de melhor causa, havemos os libe-
raes pedir uma lei eleitoral sómente? Sem condemnar
a tendencia para simplicar a difficuldade circun­
screvendo-a, expediente ás vezes imposto aos homens
politicos, estamos persuadido, comtudo, da insuffi-
ciencia de reformas que não invistam uma das ori­
gens, talvez a mais remota, mas não sem duvida a
menos viciosa, da desordem de nossas instituições.
A centralisação é essa fonte perenne de corrupção,
que invenena as mais elevadas regiões do Estado. Sup-
ponhamos o eleitorado melhor constituído e o 'voto
menos sophismado pelo processo eleitoral. Não é tudo:
falta que o suffragio se manifeste livremente e tenha
toda a sua efficacia. Mas, si deixais concentrada a
policia, o juiz dependente do governo, a guarda na­
cional militarisada, toda a administração civil hie-
rarchicamcntc montada, o governo das províncias
preso por mil liâmes ao governo supremo, as depen­
dências da centralisação, os interesses formados á sua
sombra, todas essas phalanges que marcham unisonas
á voz de commando, partidos cuja força local aviven-
tam influencias que se distendem do centro, todos,
povo c estadistas, com os olhos postos na capital,
que, como Bysancio, projecta ao longe a sombra do
seu negrumo:—que é que tereis mudado na essencia
das cousas ? que é que tereis revolvido no coração da
sociedade, si lhe conservastes a final o mesmo meca­
nismo? Podeis ornar o portico do edifício, mas não
28 PARTE PRIMEIRA

deixará dc ser a mesma habitação infecta, si não ras­


gastes aberturas para o ar c a luz. si não restabele­
cestes a circulação embaraçada *.
Em verdade, que ó o nosso governo represen­
tativo ? nosso parlamento? nossas altas corpora­
ções? Tudo isto assenta no ar. E o scoptro, que
eleva os humildes c precipita, os soberbos. Por
baixo está o povo que escarnece. Pois que o ponto
de apoio c o throno, quantas diligencias para
ccrcal-o, para acaricial-o, para prendel-o aos an­
tigos preconceitos, ou ás idéas novas que vão
rompendo ! Jogo dó azar torna-se a política. Não c a
nobre justa das grandes emulações, deque decide o
povo soberano: o arbitro ó outrem. E, posto que o
maior interesse deste seja que o venerem por sua rec-
tidão, é elle por ventura alheio á sorte coinmum da

;?) « Nous n'hésitons pas à dire que le suffrage universel n'acquerra son in­
dépendance quo par uneréformcrndtcale de notio organisation administrativo.
Comment espérer la liberté des élections, lorqu'uno armée de fonctionnaires,
d’agens de toute nature, qui vivent par le gouvernement, qui attendent de lui
leur avancement, la récompense de leur zèle, qui espèrent et craignent tout
du pouvoir central, enserre le pays entier? Un mot lancé par ce maître tout-
puissant est, du haut en bas do la hiérarchie, comme le commandement d'un
chef pour les troupes les mieux disciplinées. On ne le contrôle pas, on ne le
discute pas; on l'exécute. El, à son tour, quelle influonce puissante ce corps
de fonctionnaires n'exerce-t-il pas sur les populations! Cet état de choses est
non seulement la négation dc l’indépendance du suffrage universel, mais aussi
un obstacle à la formation do nos mœurs publiques. Jamais un peuple libre
ne pourra vivre avec une pareille organisation, jamais l'opinion publique ne
circulera avec assez do force pour être le véritable moteur des destinées du
pays. Liberté et administration laissée à la discrétion du pouvoir sont des
ternies contradictoires. L’histoire no nous présente l'exemple d’aucun peuple
où la liberté ait fleuri sous un tel régime. » //. Galas: Rev. des deux mondes.
1 sept. 1868; p. 136.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 29

humanidade? À ambição vulgar de impertinente do­


mínio, o ciumo da prerogativa da realeza, o interesso
dynastico, o vehemente proposito de transmittir in­
tacto o fidci-commisso monarchico, nada cedendo ás
ideas novas sinão quanto baste para melhor resistir-
lhes, podem afinal trazer a um choque perigoso a
nação c a corôa. Consnmmada prudência, favorecida
por causas extraordinárias, poderá proscrastinar o
momento decisivo; mas jamais foi permittido a uma
familia de. reis transmittir com o throno a sabedoria,
essa virtude que se volatilisa na successão. Um dia
estála a tempestade ; a pyramide invertida vôa cm
pedaços. -
Vemos os espíritos aílictos cm busca de um ponto
de apoio no espaço : quanto a nós, não ha outro ; c a
autonomia da Província. Votai uma lei eleitoral aper­
feiçoada, supprimi o recrutamento, a guarda nacio­
nal, a policia despótica, restabelecei a independência
da magistratura, restaurai as bases do codigo ao pro­
cesso, tornai o. senado temporário, dispensai o conse­
lho de estado, corrigi ou aboli o poder moderador ; —
muito tereis leito, muitíssimo, pela liberdade. do povo
e pela honra da nossa patria : mas não tereis ainda
resolvido este problema capital, cquuleo de quasi
todos os povos modernos : limitar o poder executivo
central ás altas funeções políticas sómente. Deixai-
lhe o oxercicio das attribuições que tem, deixai a ca­
pital concentrar os négocies locacs. consenti que
possa ostender-so por toda a parte o br. ço gigantes­
co do iistado, tutor do município n da província; e
30 PARTE PRIMEIRA

vereis, por melhores que as leis novas sejam, domi­


nar a nação, e tudo perverter, o governo, o poder execu­
tivo. Descentralisai o governo ; aproximai a fórma
provincial da fórma federativa; a si proprias entregai
as províncias ; confiai á nação o que é seu ; reanimai
o enfermo que a centralisação fizera cadaver ; distribui
a vida por toda a parte: só então a liberdade será sal­
va.
A liberdade pela descentralisação, tal é o objecto
do estudo que emprehendemos sobre a Província no
systema politico do Brazil, qual existe, e qual tentara
organisal-o a revolução de 1831.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 31

CAPITULO IV

OBJECÇÃO
*

Detem-nos uma objecção preliminar. Não são fran-


quezas locaes e liberdades civis, que nos faltam, di­
zem alguns : falta ao povo capacidade para o governo
livre. E’ máo o povo, não póde ser bom o governo:
maxima com que os conservadores atirara para o mun­
do das utopias as idéas democráticas.
Não desconhecemos o valor de uma péssima edu­
cação histórica, que, sera preparar os povos para a
liberdade, cérca de perigos formidáveis as institui­
ções novas. Duplo é, sem duvida, o crime do des­
potismo : ensanguentando ou esterilisando o pas­
sado, embaraça o futuro. Por isto não basta proscre-
vêl-o para seus males cessarem. Eis a Hespanlia :
ahi não é certamente a liberdade que é demais : o
que a perturba e revolve é o resto da bilis absolutista
e clerical. Foi a enfermidade longa e dolorosa ; não
póde convalescer depressa. O que farieis, porém, da
Hespanlia? aconselharieis acaso o mesmo regimen
que anniquilou-a, que inhabilitou-a? Acondemnacão
eterna para os povos ! que impiedade !
Em casos taes, a tarefa é muito mais séria, a con­
valescença muito mais diíficil. A medicina, porém, é
a mesma : reformas decisivas, reformas perseverantes.
32 PRIMEIRA PARTE

Estamos bem longe, portanto, de« declarar um povo


para sempre incapaz cm razão dc uma enfermidade
organica c incurável. » Fôra iV'gar o progresso ou af­
firmai
* a immutabilidade dos destinos : fôra esquecer
a grande data da iniciação da liberdade e da igual­
dade, 1789. Desde então, cm política, como em tan­
tas cotisas, já não ha impossíveis.
Demais, povo c governo que o preside devem
de ter, sob o ponto de vista moral, o mesmo valor.
Melhorarem as condições moraes do povo sob um sys­
tema de governo que as não favoreça ou que as cor­
rompa, é absurdo. Ora, para que um povo se aper­
feiçoe c augmente em virtudes, é mister que seja li­
vre. É a liberdade que excita o sentimento da res­
ponsabilidade, o culto do dever, o patriotismo, a pai­
xão do progresso. Mas um povo a quem se impuzo-
ram os encargos da civilisação sem as liberdades cor­
respondentes, é um paraly tico : tom escusa para tudo.
Exigem que as nossas províncias progridam, c lhes
tolhem as mãos; que deixem de repoisar na inicia­
tiva do governo central, o não lhes concedem a ini­
ciativa precisa. Porque é que ainda as mais ricas
limitam-se a algumas despezas c serviços ordinários,
c nada emprendem que requeira ousadia, que econo­
mise o tempo, que acelero o futuro? Matou-as, não
ha duvidai o, matou-as lentamcnte a política centra-
lisadora. A instrucção, a immigração, a emancipa­
ção, não perderam menos com essa ausência do es
pirito provincial, do que os melhoramentos que mais
ferem a vista, as estradas, os canaos, os vapores.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 33

Negam ao paiz aptidão para governar-se por si,


o o condemnam por isso á tutela do governo. É
pretender que adquiramos as qualidades e virtudes
civicas, que certamcnte nos faltam, sob a acção
estragadorá de um regimen de educação política
que justamente géra e perpetua os vicios oppos-
tos. Da mesma sorte, os defensores da escravi­
dão, que avilta e desmoralisa suas victimas, apre-
goam-n’a como o meio efficaz dc educar raças in­
feriores: e o termo deste barbaro tirocinio é sempre
proscrastinado pela supposta insufficiencia do periodo
de provação, ainda que très vezes secular. « Depois
de haver destruído no coração dos povos toda a al­
tivez, toda a intelligencia, e até o gosto pelos pú­
blicos negocios, a centralisação — escreve Odilon
Barrot — invoca isso mesmo como titulo para per.
petuar-se !.... Quando sahiremos deste circulo vicioso?
Toda a tutela prolongada produz infallivelmcnte uma
certa incapacidade, o esta incapacidade serve dc pre­
texto para continuar a tutela indefinidamente. E de­
mais, esses tutores que nos são impostos, donde sa­
bem? não sabem do meio dessa população que decla­
rais radicalmente incapaz? Porque maravilhosa me­
tamorphose succédera que esse homem, confundido
na vespera nessa raça dc incapazes, subito se torne
um ente superior, dotado dc todas as qualidades go-
vernamontaes, só porque recebe um diploma ou veste
uma farda ? 1 »

1 De la Centralisation, p. 77.
A PROV. 5
34 PARTE PRIMEIRA

Um falso systema politico que clá ao governo


excessiva responsabilidade, não lhe permitte a com­
pensação de auxiliares idoneos. Na estufa da cen­
tralisação não se desinvolvem as aptidões. Os ver­
dadeiros estadistas, os hábeis administradores, como
generaes em campos de batalha, formam-se na luta
incessante de uma existência agitada. D ias cousas
se percebem logo na triste situação do Brazil : isolado
na nação, esmagado por uma carga superior ás suas
forças, o governo, longe de desembaraçar-se de ta­
refa tão gigantesca, reparte-a com agentes incapa­
zes. O que podia resultar dahi sinão a esterilidade
do passado, seus erros e suas vergonhas, e, quanto ao
futuro, o pânico?
Tão evidente se affigura o perigo, que até os con­
servadores o indicam em linguagem que não é du­
vidosa '. Desgraçadamente, parecem os nossos ad-

1 Dexeseis de Julho, de 18 e 19 de dezembro de 1869.—No parecer so­


bre a reforma das municipalidades (16 de agosto de 1869) dizia a commissão
da camara temporaria : « ........ A prudência e uma boa politica aconselha­
vam (em 1834) que se fizessem concessões á opinião predominante, que, agi­
tada, clamava pelas franquezas provinciaes. Visavam estas exigências a
emancipação das instituições locaes, exccssivamenle cscra visadas pela depen-
dencia do governo central ; a etücaz garantia do direito que a mesma consti­
tuição havia reconhecido no art. 71 ; cm uma palavra, a descenlralisação
administrativa, que é a condição substancial da vida dos povos, o comple­
mento e ao mesmo tempo o melhor correctivo da liberdade politica, o meio
de elevar o espirito publico até ás virtudes civicas, o ponto de apoio da re­
sistência legal, e tinalmenle a melhor garantia do ordem e estabilidade para
as instituições. Sem a descenlralisação administrativa o paiz esmorece
sob a tyrannia da uniformidade............ A nossa provincia não 6, c não
pôde ser nem a provincia do Ilaixo Império, circunscripção assignada ao
proconsul para nclla representar a magestade imperial e manter a submissão
dos povos....»
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 35

versarios bem longe dc abraçarem com decisão uma


doutrina larga. Limitam-se a retoques e a concessões
que, alias uteis e urgentes, penetram só a superfi­
cie do systema, respeitando-lhe as bases. Quanto a
nós, não bastaria despojar o poder executivo cen­
tral dc certas attribuições parasitas ; fôra preciso
fundar cm cada província instituições que cfficaz-
mente promovam os interesses locaes. E o program­
ma deste livro, inspirado por um estudo sincero do
Acto Addicional.
Instinctivamento repellem os conservadores as
instituições de 1834, imaginando-as eminentemente
republicanas. Vamos ver que as províncias ultrama­
rinas de um grande império, a Grã-Bretanha, não se
regem por outras ; c, como os receios dos nossos ad­
versários procedem em parte dc ser mal conhe­
cido o systema federalista, a que se inclinaram os le­
gisladores de 1834, e com o qual erroneamente o con­
fundem, pareceu-nos necessário estudar a organisa-
ção interior dos Estados-Unidos. Ver-se-ha que, res­
tauradas as franquezas da província, alargada a sua
osphera no sentido genuino do acto addicional, ainda
ficaremos a grande distancia dessa esplendida orga-
nisação.
Diga-se embora, como cm 1831, que o Brazil
ficará sendo « monarchia federativa » : não nos
embaracem palavras. Centralisação e federação, cada
um destes dous medos de governo soporta grada­
ções. O typo mais perfeito do primeiro é o império
francez. Do segundo incontràmos, na propria Europa,
36 PARTE PRIMEIRA

variantes mais ou menos consideráveis. Está a velha


monarchia da casa d’Austria prolongando a sua do­
lorosa existência, graças ao regimen federativo na
mais littéral expressão. Não é a Hungria mais do
que um dos estados da união norte-americana ? não
tem cila, além das suas leis civis c criminaes, do seu
poder judiciário proprio, da sua administração local,
um parlamento sou, um ministério, u:n exercito ? São,
com effeito, diversos os typos do um governo des-
centralisado : o que pedimos para o Brazil não c, dc
certo, a soberania do reino de Santo-Estevão, mas
não ó também a plena autonomia dos estados anglo-
americanos, cujas instituições passamos a descrever.
Este estudo fará comprehender melhor o pensamento
que preside á segunda parte do nosso trabalho.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 37

CAPITULO V

A FEDERAÇÃO NOS ESTADO3-UNIDOS

Quão oppostos aos tristes effcitos da centralisação


os magnificus resultados da federação ! Uma que-
branta, outra excita o espirito dos povos. Uma extin­
gue o sentimento da responsabilidade nos indivíduos,
c esmaga o poder sob a carga de uma responsabilida­
de universal; a outra contém o governo no seu pa­
pel, o dos habitantes do um paiz faz cidadãos verda­
deiros. Uma é incompatível com instituições livros;
a outra só póde florescer com a liberdade. Uma tem
por condição o funccionalismo hierarchico c illimita-
do, exercito permanente do despotismo. Bastam á
outra pouens agentes, c cm caso algum os requer
para ncgocios dos particulares cdas localidades. Uma
revolve os estados ; a outra equilibra as forças so-
ciaos, c, não reprimindo nenhuma, prosegue sem
receio das súbitas rcacçõcs. Uma é a expressão mo­
derna do império pagão ; a outra é o ideal do governo
na sociedade creada pela doutrina da consciência
livre c da dignidade humana.
Permittindo a expansão de todas as aptidões, dc
todas as actividades, de todas as forças, o sys­
tema federativo c som duvida a maior das forças
sociaes. Mata a centralisação os povos da Europa;
funda a federação o poderoso estado da America
38 PARTE PRIMEIRA

do Norte c fundará o da Australia, as grandes po­


tências do futuro. Já illustres pensadores annun-
ciam os grandes destinos reservados para os povos
favorecidos por tão feliz organisação '. Tanto bastava
para que lhe cedamos algumas das horas consumidas
na esteril admiração da symctria franceza : um moti­
vo particular recommenda, porém, esse estudo. Sup-
ponhamos nossas províncias reintegradas nasfranque-
zas do acto addiccional e formando uma monarchia
federativa com presidentes eleitos : acaso o systema
politico do Brazil confundir-se-ia desde logo com o
dos Estados-Unidos, prototypo das federações mo­
dernas, abstrahindo mesmo da fórma do nosso su­
premo governo ? Vejamos, antes de tudo, dentro de
que limites la funcciona o poder central.
Na republica anglo-americana, o estado é entida­
de anterior á União ; e esta só idóa basta para pre­
cisar o sentido do seu systema federal. Cada um
dos estados possuo as leis civis e criminaes que ado-
ptou no tempo colonial ou que promulgou de­
pois, uma magistratura que executa essas leis o
uma administração civil propria, organisadas ambas
sobre a base democrática, mas sem uniformidade ab­
soluta, constituídas em summa polas respectivas le­
gislaturas. Assim, o governo interior se rege por
instituições provinciaes, não por leis nacionaes sy-
metricas ; ali não ha lei judiciaria cominnm, lei
eleitoral uniformo, codigos civis ou criminaes pro­
mulgados para todo o paiz. Eis um traço decisivo
* l.a France Nouvelle, pelo Sr. Prevost Paradol ; liv. Ill, cap. 3".
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 39

para caracterisar este svsteina : antes da recente


guerra, um partido que largos annos exerceu o po­
der, o democrata, exagerando os direitos dos estados,
pretendia que a escravidão era instituição domestica,
dependente, portanto, das leis civis dos estados,
fóra do poder do congresso. Era similhante pre-
tenção o mais energico testemunho do principio
federativo, comquanto delia rcsultassem a perpetui-
dade do regimen servil no sul, as violentas agitações
a proposito dos negros fugidos, e afinal a guerra
civil.
Distingucm-se pelo alto caracter de interesses na-
cionaes as faculdades conferidas ao congresso ou
poder federal.
Xão lhe pertencem sómentc as relações exteriores,
declarar guerra e celebrar paz, manter exercito e
armada, mas lhe incumbem também todos esses as-
sumptos que em uma sociedade qualquer exprimem a
unidade nacional. E’ o congresso que fixa o padrão
dos pesos e medidas; é elle que emitte moeda, e le­
gisla sobre privilégios industriacs e litterarios.
Additamentos á constituição, promulgados em 1791,
reconheceram, como garantias de todos os cidadãos,
inatacavcis, portanto, pela legislação dos estados, a
liberdade de religião, sendo prohibido estabelecer
religião de Estado, a liberdade de imprensa, o direito
de reunião, de petição, de trazer armas de defensa, o
respeito da pessoa, da casa, da propriedade e das car­
tas, a prohibição de mandados de busca arbitrários ou
sem as formalidades precisas. Estatuiram, quanto á
40 PARTE PRIMEIRA

parte penal, que nos crimes capitacs ou infamantes


preceda sempre ao julgamento o jury de accusaçûo ou
pronuncia; que ninguém seja condcmnado som pro­
cesso formai; que cm todo o procedimento judicial
observem-se as formulas garantidoras da defeza do
réo ; que não sc lancem multas excessivas, nem se
exijam fianças exageradas, nem se imponham penas
cruéis e antiquadas.
A consagração destas doutrinas de direito publico
e privado restringia, por ventura, a autonomia le­
gislativa dos estados? não; era abase da livre so­
ciedade que se fundava na America. Nenhum dos
estados possa repudiar as ideas democráticas, ne­
nhum fundar o despotismo : tal é o pensamento
destes hellos princípios propagados no fim do século
XVIII pelos republicanos da America c França.
Dar ao poder nacional as attribuições indispensá­
veis, foi o primeiro pensamento dos autores da cons­
tituição. Para formar-se, porém, idéa exacta desse
poder, cumpre não exagerar suas attribuições levan­
do-as ás extremas consequências lógicas. Assim, sor-
prehende á primeira vista 1er na constituição que « a
legislatura de cada um dos estados prescreverá a época,
lugar c modo das eleições dos senadores c represen­
tantes que formam o congresso 1 ». Comquanto ahi
mesmo declare que o « congresso poderá sempre, por
uma lei especial, fazer ou modificar esses regula­
mentos cleitoraes », bem demonstra a primeira parte
do texto a sabedoria com que se quiz evitar a funesta
* Ai t. 1», sec. 4 g10
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 41

symetria nas leis dc um paiz vastíssimo, deixando aos


legisladores dos estados graduaram o exercício do
suffragio segundo as peculiares circunstancias do povo
de cada um '. Depois de revolvidos tantos annos,agora
c que os radicaes, consequentes com a politica aboli­
cionista triumphante, fizeram estender ao paiz inteiro
o suffragio universal e a igualdade de raças ou côr.
Tal é o objecto da ultima emenda constitucional. ‘
Outro exemplo patentear á melhor o espirito das
instituições americanas. Dispensando os grandes exér­
citos permanentes, reduzindo o seu a uma dezena de
mil soldados, os Estados-Unidos careciam dc uma re­
serva nacional, e essa reserva se chamou milicia. Ao
governo federal ficou pertencendo reunira milicia em
caso de rebellião ou invasão, assim como « organizal-a,
armal-a, disciplinal-a e dirigir a parte delia empre­
gada em serviço da União. 3 » Snppôr-se-ia, á vista
de phrases tão genericas, uma organisação similhante
á da nossa guarda nacional; mas, entretanto, é o
mesmo texto constitucional que expressaraente de­
clara « reservado a cada estado o direito de nomear os
officiaes da sua milicia e de exercital-a na disciplina
1 A diversidade das leis eleitoraes é, na verdade, considerável ; julgue-se
por este exemplo: alguns dos estados permittem votar os estrangeiros ainda
que não uaturalisados. (Paschal, Annotated constitution, ns. IG e 17, pags.
58 a 65.) No Massachusetts, subsiste a lei que exige do votante saber 1er.
Sem serem uniformes, as leis dos estados consagraram quasi o suffragio
universal. Algumas fixaram um certo censo, comquanto baixo. A legislatura
de Utah (território dos Mormons’ acaba de conceder ás mulheres a capaci­
dade eleitoral.
’ Emenda 15‘, recentemente ratificada pelos estados.
3 Art. Io, sec. 8’ §§ là e 16.
A PROV. G
42 PARTE PRIMEIRA

prescripta pelo congresso. » Todas as questões a este


respeito suscitadasent.ro o governo föderale os outros,
deixaram bem claro o principio de que a nomeação
dos officiaes c a formação dos corpos são assumptos me­
ramente locaes. 1 As proprias constituições dos es­
tados descrevem como compõe-se a respectiva milicia.
A de New-York regulava esto assumpto tornando
electivos pelos guardas de cada companhia os ofii-
ciaes inferiores e officiaes até capitão : por estes os
officiaes superiores dos batalhões; e dos officiaes ge-
neraes, uns pelos officiaes superiores, outros por no­
meação do governador sob audiência do senado ou
seifi cila. Não é só, porém, no modo de com pôr os
corpos c de nomear os officiaes, não é só por serem os
postos electivos, que a milicia dos Estados-Unidos
différé da nossa guarda nacional ; différé, principal­
mente, pela natureza do serviço, pois está aqui trans­
formada em segunda linha do exercito e cm corpos
de policia, e não é certamente essa reserva nacional
para os casos raros de invasão e rebellião. Cá é arma
eleitoral nas mãos do poder executivo central ; lá é
uma serie de pequenos corpos de exercito formados
na localidade, governado cada qual pelos chefes que
elege.
1 Kent, Commentarios d constit., see. 3« § 6.— A milicia ê milicia dos es­
tados respectivos, e não dos Estados-Unidos. Quando chamada a serviço do
governo geral, só assume o caracter de força nacional depois de reunidos os
corpos no lugar designado pela autoridade, e não antes. .Paschal, n. 130.)
De facto, são os estados que legislam sobre a formação das milicias; no
caso de guerra o congresso as convoca por actos especiaes. Não ha, pois,
lei geral de organisação da milicia, como alias faiia crer o texto da cons­
tituição.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 43

O poder federal nos Estados-Unidos não é certa­


mente um poder fraco ; elle foi sabiamente constituí­
do com as faculdades necessárias, mas não sobrecar­
regado inutilmente com funccões da administra-
cão interna. A somma das attribuições legislativa,
executiva e judiciaria exercidas pelas asscmbléas
dos estados, suas autoridades e seus tribunacs,
mostra que, cm si mesmo, cada membro da União
licou sendo uma republica independente com pode­
res politicos organisados segundo as constituições
votadas pelo seu povo. O pensamento, egualmente
fundamental, dos legisladores americanos, foi, por­
tanto, consagrar, dentro do mais vasto circulo a
autonomia das republicas federadas. Um dos ad-
dittamentos de 1791 (art. 10) expressamente o diz :
« Os poderes que a constituição não delegou ao
governo federal, nem por cila são interdictos aos
estados, a estes ficam reservados. » Quaes foram,
com effeito, além dos princípios geraes de direito
publico ou privado, as rostricçõcs da constituição ?
Ficou prohibido a cada um dos estados : « cele­
brar tratado, fazer alliança ou confederação, dar
cartas de corso e represálias, cunhar moeda,- emi­
tir papol-raoeda, dar curso legal para pagamen­
tos a cousa diversa do ouro ou prata, promulgar
leis de confisco, leis retroactivas ou contrarias ás
cstipulações dos contractos, conferir titulos de no­
breza, levantar tropas ou manter navios de guerra
em tempo de paz, c empenhar-se em guerra, cxcc-
pto no caso de invasão ou de imminente perigo. * »
1 Ari. í°. see. 10.
44 PARTE PRIMEIRA

Eis alii traçada, por essas mesmas cxccpções, a


esphera em que gyra o governo central da União.
Consideremos agora como o povo dos estados, no
gozo da mais plena independência, organisou por
si mesmo o seu governo interno.
Respeitando as leis geraes do regimen democrá­
tico, as constituições particulares não oflcrecem
comtudo um typo uniforme, antes a mais curiosa
variedade. Não fôra absurda, cm verdade, a symetria
do mecanismo politico em tão vasta região da Ame­
rica ? Si essas constituições actualmente aproximam-
se dc um typo commttm, é quanto ao principio da
electividadc dos funccionarios. No mais, variam as
combinações adoptadas : não c ali que se bade admi­
rar a symetria de castores, como cm certos povos
modernos. E’ o que vamos ver começando pelo poder
LEGISLATIVO.
Em alguns dos primitivos estados, os da Nova-In-
glaterra, ambas as camaras legislativas são eleitas
simultaneamente, c duram o mesmo curto periodo,
um anno apenas ' ; cm outros, ambas servem por
dous ’. Ha diversos onde elcgc-sc a camara dos
representantes por dous annos, e o senado por
quatro, renovando-sc este biennalmente. Em todos
ha duas camaras, e faz-se por districtos, a eleição
dos senadores.
São annuacs as sessões legislativas ; cm alguns
celebram-se duas cada anno ; mas ha também
1 Maine, Massachusetts, etc.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 45

outros onde a assemblca reune-sc sómente do dous


em dous annos, sendo votado o orçamento para
exercícios duplos *.
A camara dos representantes é, cm regra, muito
numerosa. No Maine compõe-se o senado de 31
membros e a outra camara de 151. No Hampshire,
um dos menores, que em 1860 contava apenas
326,073 habitantes, os representantes são 333, ele­
gendo um cada cidade, villa ou parochia : entretan­
to, os senadores não passam de 12, eleitos por dis­
tricts. Também o Vermont, outro pequeno estado,
contava 3!) senadores e 239 representantes. Ao con­
trario, o Delaware nomea 9 senadores e 21 repre­
sentantes ; c o grande estado de New-York, com
4 milhões do habiiantes, não tem mais que 32 se­
nadores eleitos por cada um de 32 districtos, e 128
representantes eleitos egualmente por districtos de
um só. Merece menção especial o senado de Rhode-
Island, composto de 31 membros, ao qual perten­
cem o governador do estado como presidente, e o
vice-governador, sendo secretario ex-offic'w o secre­
tario de estado. ’
Na maior parte dos estados, tem o governador a
prerogativa do véto sobre as medidas votadas pela
assemblca; mas em uns póde elle ser annullado
por votação de dous terços dos membros de ambas
1 A sessão legislativa ê biennal no Maryland, Michigan, Indiana, Illinois,
Iowa, California e Oregon. Na California dura ISO dias esda sessão.
’ National Almanac de 1864, publicação modelo do editor Childs de
Philadelphia.
46 PAUTE PRIMEIRA

as camaras legislativas, e em outros a simples maio­


ria é sufllciente para isso. Em oito (Rhode-Is­
land, Delaware, Maryland, Virginia, Carolina do
Norte, Carolina do Sul, Tennessee c Ohio), não ca­
rece a lei de sancção do governador, e é promulga­
da pelos presidentes de ambas as camaras. 1
Cuidar-sc-ia á primeira vista que os territórios,
por acharem-se sob a dependencia do governo federal,
não teem assembléas legislativas : pelo contrario, posto
que sem faculdades tão amplas, funccionam em todos
elles. Assim, o povo de Arizona elege um conselho
(ou senado) composto de 9 membros c uma cainara
de íeprescntantes dc 18, que constituem a sua le­
gislatura, da qual emanam leis meramente locaes. O
mesmo em Dakota, Idaho e nos mais. Ahi, portanto,
nos proprios territórios, o governador enviado pelo
presidente não é um proconsul, arbitro c legislador
supremo : ha assembléas que limitam o seu poder c
o fiscalisam.
E na organisação, muito mais notável, do poder
executivo, que se reconhece o sello particular da
democracia americana.
O povo é que nomea o governador dos 37 estados
da União, e o seu substituto nos 17 onde ha este
cargo especial: o | ovo, dizemos, por suffragio quasi
universal, e não a assembléa legislativa, como o fôra
até o começo deste século’.
1 Statesman's Manual ; vol. IV .
’ As primitivas constituições consagravam o principio da nomeação do
governador pela assembléa (O Ecderalista, cap. 47’ : ella é que elegia também
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO hl
Em seis dellos, no Maine, New-Hampshire, Ver­
mont, Massachusetts, Rhode-Island, Connecticut,
nessas primitivas republicas dos peregrinos, o perio­
do de cada governador é um anno, renovando-se a
eleição todos os annos. Muitos a repetem de dous em
dous ; raros de très em très, e alguns de quatro em
quatro. 1
Mas não é só o primeiro depositário do poder execu­
tivo que o povo elege. Os chefes dos differentes ser­
viços administrativos, em regra, são também esco­
lhidos pelo suffragio directo, e si não, a legislatura é
que os designa : raros são os casos de pertencerem
taes nomeações ao governador só. Secretários de es­
tado, directores de repartições, iuspectores de
obras publicas, ás vezes mesmo agentes secundá­
rios, são assim investidos de funeções adminis­
trativas '. Similhante formação do poder executivo,
os altos funccionarios, o que ainda subsistia na cpoca da xiagem de Tocque­
ville á America (1831'. Adinittidos como estados os territórios do oeste, onde
prevaleciam tendências domocraticas puras,os outros, a exemplo desses novos,
estenderam o principio electivo. oppõem-lhe, entretanto, resistência os mais
antigos estados, os da Nova-Inglaterra.
1 O periodo das funeções do cada governador é do dous annos em New-
York, Maryland, Virginia Occidental, nas duas Coroiinas, Georgia, Alabama,
Mississipi, Tennessee, Ohio, Michigan, Indiana, Missouri, lowrl, Wisconsin,
.Minnesota e Kansas. De très,era Now-Jersey c Pennsylvania. Dc quatro.no De­
laware, Virginia antiga, Florida, Louisiana, Arkansas, Kentucky, Illinois, Ca­
lifornia e Oregon. Não temos informações acerca do Texas e dos novos estados,
Nebraska e Nevada.
1 Elege o povo: em New-Hampshire conselheiros do governador; no Ver­
mont, ah m destes, o thesoureiro do estudo ; no Massachusetts, Rhode-Island
e Connecticut, não sõ esses funccionarios, como lambem o secretario de estado,
o auditor-general (contador geral ou inspector da fazenda e o attorney-gene­
ral (promotor publico do estado, quasi secretario dos negocios da justiça e
policia).
4H PARTE PRIMEIRA

tão opposta ás idéas européas, révéla bem o que seja a


democracia americana.
E não se repute exclusivo dos estados septentrio-
naes, onde não havia escravos, esse mecanismo re­
publicano, essa imagem da constituição de Athenas
e Roma. Nos do sul incontramos o mesmo padrão de
ura governo do poro pelo povo, na sua mais littéral
expressão. 1 Ao oeste da republica, a mesma orga-
nisação prevalece, e era mais vasta escala ’.
Em New-York, a essa lista dos functionaries clectivos acrescem um ins­
pector da fazenda, além do thesoureiro, um engenheiro do estado, e um
agrimensor-geral,renovados cada dousannos; triennalmente, 3 commissarios
dos canaes e 3 inspectores das prisões.
Na' Pennsylvania, são eleitos em cada triennio o auditor e o agrimensor
geral ; no Maryland, o inspector da fazenda por dous annos, o por seis o
commissario das terras.
No novo estado da Virginia Occidental, a respectiva constituição, pro­
mulgada em 1863 durante a guerra, confere também ao povo a eleição do
secretario de estado, do thesoureiro, do auditor e do attorney.
1 No Kentucky, elego o povo por quatro annos, não só o governador e o
vice-governador, maso auditor-general,o attorney-general, o commissario
das terras do estado e o superinteudente da instrucção publica, e por dous
annos o thesoureiro do estado. No Mississipi e Louisiana seguiu-se idêntico
principio.
5 £ão eleitos : No Ohio por dous annos o thesoureiro, o secretario de esta­
do e o attorney-general, sendo os dous últimos em annos alternados; por 1res,
o inspector da fazenda e o commissario das escolas, e por quatro o auditor­
general; no Michigan e Indiana, biennalmente o auditor, o thesoureiro, o su­
perintendente da instrucção publica e os membros da respectiva junta, o com­
missario das terras, e o attorney: de oito em oito annos, dous regentes para
a Universidade de Michigan.
No Illinois, o secretario de estado e o auditor por í annos, por dous o the­
soureiro c o superintendente da instrucção publica; no Missouri, o secretario
de estado por dous annos; em Iowa, por igual periodo, o mesmo funccionario
e mais o auditor, o theseureiro, o attorney,o commissario das terras publicas;
no Wisconsin, também biennalmente, os mesmos funccionarios e mais o supe­
rintend ’nie da instrucção, um inspector dos bancos e um commissario das pri­
sões ; ein Minnesota, por dous annos, o secretario de estado, o thesoureiro, o
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 49

Onde ficam, á vista dc um facto similliante, as es­


treitas doutrinas dos publicistas francezcs sobre a sy-
metria c hierarchia administrativas? onde fica o prin­
cipio de que os agentes da administração dependem
do poder executivo sómente, como delegados da au­
toridade, como mandataries da sua confiança ?
A democracia americana não consagrou, aliás, ura
principio inteiraraente novo ; a humanidade o viu em
pratica nos primeiros povos livres de que falia a his­
toria, nas republicas gregas e em Roma; viu-o depois
e aiuda o vemos na propria Europa moderna, na In­
glaterra, d’onde os emigrantes puritanos o transpor­
taram para a America. O povo inglcz elege, nos con­
dados e parochias, funccionarios meramente adminis­
trativos, com faculdades e poderes que excedem muito
do circulo local, o dão-lhes a maior independencia.
As constituições americanas alargaram c desinvolve­
ram a idéa transplantada da métropole.
Merece advertir que ás legislaturas, não aos go­
vernadores, é que pertence escolher os altos funccio­
narios da administração naquelles estados onde não
ficou isto reservado ao povo directamente '. Por ex­
attorney, e por très o auditor; em Kansas, biennalmente, todos estes c mais o
superintendente da instrucção publica; na California, por í annos, os mesmos
e mais o inspector da fazenda, o agrimensor geral, o director da imprensa do
estado (State-printerj, o secretario da supreme court (tribunal da relação do
estado), e os commissarios do porlo: no Oregon, por igual periodo, o secreta­
rio de estado, o tliesoureiro e o director da imprensa: — são todos elles, che­
fes de diversos serviços administrativos, nomeados directamente nos comicios
populares.
1 No Maine, o senado e a camara dos representantes elegem annualmente
os conselheiros do governo, o secretario do estado, o thesoureiro, o uttorney-
general, o ajudantc-general e o commissario das terras, para o que se reunem
A PROV. 7
50 PRIMEIRA PARTE

cepção a esta regra, o governador da Pennsylvania é


que nomêa o secretario de estado, o attorney-general,
o adjudante-general da milícia, o quartel-mestre-ge­
neral, o superintendente das escolas e o bibliothecario
do estado. A legislatura apenas nomêa, annualmente,
o thesoureiro do estado. Era New-York, cujo povo
directamente elege tão grande numero de funcciona-
rios, o superintendente das escolas ficou reservado á
legislatura, que o renova cm cada triennio ; o gover­
nador, com assentimento do senado, designa o fiscal
dos bancos e o auditor da repartição dos canacs. São
os diversos funccionarios que por sua voz escolhem,
neste estado, os seus respectivos agentes e otíiciaes
de escripta.
Finalmente, o principio da eleição popular tem sido
applicado mesmo a certos altos funccionarios dos ter­
ritórios. No Colorado, por exemplo, onde havia, além
do governador, o secretario, o agrimersor geral, o
collector das rendas internas, o commissario das terras
e os dos indios, nomeados todos pelo presidente dos
Estados-Unidos, eram eleitos pelo povo o thesou­
reiro, o auditor-general e o superintendente das es­
colas.
E, entretanto, digno de nota que o nordeste seja
em assembléa geral pouco depois de eleito o governador. Em New-Hampsbire,
é lambem a legislatura que nomêa esses funccionarios: o governador escolhe o
attorney-general. No Vermont, onde o povo elege annualmente o thesoureiro,
nomea a legislatura o secretario de estado, o auditor, o superintendente e di-
rectores das prisões do estado, o cnmtnisario do hospicio dos alienados, o dos
bancos, o dos caminhos de ferro, e o ajudante-generai, o quartel-mestre-gene­
ral o o attorney. Em Rliode-Island, a legislatura escolhe o auditor, o o gover­
nador nomêa o superintendante das escolas sob a approvação do senado.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 51

a parte da republica onde o povo nomêe directamente


menor numero de funccionarios administrativos. A’
medida que se caminha para o sul e para o oeste,
augmenta a autoridade dos comícios, descobre-se
vigorosa a democracia da Nova America. O mesmo
acontece quanto ao poder judicial.
O que dá relevo original ás instituições judiciarias
dos Estados-Unidos, não é sóincnte o cuidado com
que formou-se ali um poder independente da acção
do governo, mas a parte importantíssima que na po­
lítica e na administração cabe aos juizes. E’o poder
judicial incarregado principalmcute da defeza da
Constituição ; é o grande poder moderador da socie­
dade, preservando a arca da alliança de aggressões,
ou venham do governo federal ou dos governos par­
ticulares. E’, demais, o fiscal da lei na mais vasta
accepção, conhecendo das queixas contra os adminis­
tradores negligentes, e punindo os agentes culpados. 1
Mas não ó esta alta missão constitucional, álias ca­
racterístico de uma verdadeira republica, que care­
cemos tornar saliente ; propomo-nos sómente assig-
nalar a composição da magistratura americana.
Ha nos Estados-Unidos uma dupla organisaçáo
judiciaria: a dos tribunacsfederacs e ados tríbunaes
dos estados.
A dos primeiros c assaz conhecida. Creára a con­
stituição um supremo tribunal de justiça, cujos mem­
bros fossem verdadeiros sacerdotes das leis nacionaes.

1 Tocqueville, De la democratic en Amérique; cup. VIII.


52 PARTE PRIMEIRA

Abaixo delle, funccionariam em primeira e segunda


instancia outras jurisdicções igualmente federaes.
Além das altas questões nascidas da intelligencia
da constituição e leis do congresso, assim como dos
tratados, estendeu-se a competência destes tribunaes
a todos os casos concernentes a ministros estrangeiros
e cônsules, ás questões do almirantado e marítimas,
aos pleitos cm que fôr parte o gov -rno federal, ás
contestações entre dous ou mais estados, entro cida­
dãos de estados diversos, entre um cidadão c súbditos
estrangeiros. *
Definida assim a jurisdicção federal pela natureza
dos «pleitos c pela qualidade das partes, ficaram su­
jeitos aos juizes dos estados todas asdemais causas de
direito commum, sejam lides civis ou processos cri­
minaes.
Assimelham-se os dous systemas quanto ao prin­
cipio descentra lisador applicado aos tribunaes federaes,
e, á imagem délies, aos dos differentes estados. Na
America do Norte continuou-se o costume inglez, se­
gundo o qual é quasi sempre o magistrado que sabe
a percorrer o paiz distribuindo justiça aos povos, não
os povos que vem reclamal-a de perto e de longe em
um ponto dado do território. Com effeito, o supremo
tribunal composto de 10 membros, inclusive o pre­
sidente, celebra uma sessão annual em Washington.
Cada um desses membros é por seu turno presidente
dc cada um dos 10 tribunaes de appellação chamados
circuit courts, cuja jurisdicção comprehende certo nu-
1 Const, art. 3”. ser. 2» g 1. ; Add. art. XI.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 53

mero de estados. Um estado fórma, segundo a sua ex­


tensão, ura, dous ou très districtos federaes de pri­
meira instancia, cm cada um dos quaes vem a circuit
court funccionar duas vezes por anno. O outro mem­
bro desse tribunal de segunda instancia í o juiz pre­
sidente dos d‘primeira [district court). O district court,
composto, além desse presidente, dc um att rnetj
(promo'.or) e d' ura official de execuções [ínarsiiall),
é, portanto, o tribunal inferior federal. Sua jurisdicção
abrange um só estado, como no Maine, ou parte dclle
como no Tennessee, que divide-se em très districtos
federaes com très district courts. Estes tribunaes,
porém, não funccionam era um ponto só do territerio
da sua jurisdicção, mas em dous e très,, e duas vezes
por anno cm alguns dolles. 1
Differem, porém, os dous systemas judiciários
quanto ao modo da escolha dos juizes e á duração do
seu mandato. Os membros do supremo tribunal e mais
juizes federaes são nomeados pelo presidente da repu­
blica com o assentimento do senado; c, conservando
o lugar during good behaviour, são de facto inamoví­
veis, podendo ser destituidos sómente ém virtude de
processo. Xos estados prevalecera agòTa princípios
diametralmerite oppostus: os juizes, aliás incompati-

1 Outro ponto dc similhança acha-se na retribuição dos juizes. Nos Es-


tados-Unidos, onde geralmente os funccionarios são mal pagos, onde a mór-
parte dos governadores dos estados vencem apenas 1,500 a 2,000 c ollars,
são os magistrados melhor aquinhoados. Os juizes da cidade de New- York,
juizes de primeira instancia, vencem 5,000 dollars. Os da district court c
supreme court do estado da California, 5 a 6,000. Esta ultima é a somma do
salario dc cada membro do supremo tribunal da União.
54 PARTE PRIMEIRA

veis para todos os cargos politicos, são nomeados


pelo povo, e temporários, pois que exercem o mandato
por um periodo fixo de annos, ás vezes muito curto,
depois do qual renova-se a escolha popular.
Não era assim no começo da União, nem o foi tam­
bém durante o primeiro quarto deste século. E aos
Estados-Unidos, por isso, que se póde applicar com
muita propriedade o conceito de Royer Collard :
« Não são as constituições tendas levantadas para
dormir. » Ali são cilas verdadeiros abrigos proviso­
rios da democracia em marcha, que as remodela ou
transforma á medida que surgem necessidades novas
e ortempo caminha. A introducção do principio elec-
tivo na formação da magistratura não fez-se, com cf-
feito, cm um dia. Foi um estado do sul, o Mississipi,
que primeiro adoptou-o cm 1822, sendo o seu exem­
plo imitado por quasi todos os outros. Naquellesonde
o povo não nornêa directamente os juizes, nomèa-os a
legislatura : e raros são cs que ainda conservam o an­
tigo principio d t escolha pelo governador, sob assen­
timento do senado '.
1 Eis os estados onde os juizes são exclusivamente filhos da eleição po­
pular e amoviveis cm períodos mais ou menos curtos: New-York, Pennsyl­
vania, Maryland, Virginia occidental, Virginia antiga, Georgia, Florida, Mis­
sissipi, Louisiana, Texas, Tennessee, Kentucky,, Ohio, Michigan, Indiana, Illi­
nois, Missouri. Wisconsin, Iowa, Minnesota, Kansas, California, Oregon. 0
prazo das funeções é, quanto aos juizes superiores, 12, 10, 9, 8,7, 5 ou I
annos, e, quanto aos mais, 2 a 6.
Os escrivães e olliciaes de justiça, ou são nomeados pelos tríbunaes, ou
eleitos igualmentc pelo povo.
l’ara a nomeação de membros dos tríbunaes superiores, lia em alguns dos
estados eleitores espeeiaes, c, nos mais novos do extremo occidenle, far-west,
os ha para a do todos os juizes.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 55

Ha geralmente, em cada estado, justiças de paz,


justiças merainente municipaes, juizes de primeira
instancia c tribunaes de appellação, que pronunciam
no civil e no crime, com jurisdicção tão extensa como
a teem os nossos magistrados e relações de districto.
Só lhes não pertencem os casos de caracter federal
acima indicados. Sobre esta base commum incon-
tram-se variantes mais ou menos consideráveis. To­
memos, por exemplo, o estado de New-York. Ha ahi :
1. ° A court of impeachments, composta dos sena­
dores e dos membros do tribunal de appellações, que
conhece dos crimes do governador e altos funccionarios.
2. “ A court of appeals (tribunal de appellações), que
toma conhecimento dos pleitos em grau de recurso.
Compõe-se de 8 membros, quatro eleitos pelo povo para
servirem oito annos, e quatro que são os membros
mais antigos da supreme court.
3. ° A supreme court, que serve de tribunal de ap­
pellação para os dos condados, e também exerce juris­
dicção propria em quaesquer assumptos. O estado di­
vide-se em 8 di. trictos judiciários, cada ura dos quaes
elege quatro juizes para esse tribunal, cabendo cinco
ao dp New-York. Todos os seus 33 membros servem
por oito annos.
Não eram tão democráticas as instituições americanas na epoca em que
Tocqueville escrevera o seu livro sem rival. As constituições dos estados (já
o advertimos tratando dos agentes administrativos) eram então menos adian­
tadas; as republicas unidas não conheciam ainda o principio electivo aplica­
do em taes dimensões. A eleição dos funccionarios civis e dos juL.es, ou pelo
povo directamente ou pelas assembléas de seus representantes, acha-se agora
admittida também nas constituições dos cantõcs da Suissa e mesmo ua con­
stituição federal.
56 PARTE PRIMEIRA

4. ” County courts (tríbunaes dos condados), que


consiituem a primeira instancia no cível c commer­
cial, com magistrados eleitos por quatro annos.
5. " Criminal courts, dos condados, tríbunaes pri­
vativos do crime, compostos de um juiz do respectivo
districto da supreme court, do juiz do condado c de
dous juizes de paz.
Na cidade de New-York, ha tambem tribunaes
especiaes requeridos por sua grande população e
largo movimento commercial c marítimo : a supe­
rior court com juizes eleitos pelo povo por seis an­
nos, a common pleas (tribunal commuai civil), a court
of'peace (criminal) e o tribunal mari ti mo ^narine-
court], todos igualmente electivos.
A vasta organisação desse estado, que conta mais
de 4 milhões de habitantes, não era seguramente ne­
cessária para outros. Diversificando quanto ao nu­
mero, graus, funeções e modo da escolha, todos os
estados teem, entretanto, o sen tribunal supremo e
seus magistrados de primeira instancia. 1
1 Da variedade e das combinações adopladas julguc-se por este resumo :
O Maine 628,276 habitantes em 186U , tem a supreme judicial court, com­
posta de oito juizes e um relator, todos nomeados peio governador sobre pro­
posta do conselho do governo (corporação elective differente do senado). Não
são, porém, perpeluos esses juizes ; suas funeções duram sete annos. Abaixo
deste tribunal ha no Maine 16 de primeira instancia probate courts;, um para
cada condado, composto cada qual de um juiz, um secretario, um promotor c
um tal llião. Estes juizes, porém, e os secretários são eleitos pelo povo dos
respect vos condados para sen irem quatro annos sómente. TElcge tambem u
povo, para servirem igual período, os juizes municipaes e de policia, que ha
nas diversas cidades epovoações.
Em New-Hampshire," o governador com o conselho noméa, além dos
juizes da rttprenir court, os das county courts. Demais disso, todos são perpe-
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 57

Tal é a organisação interna dos Estados-Unidos.


Tribunaes e administração são ali organisados so-
beranamentc por cada um dos estados particulares. O
juiz e o administrador saliem ali directamente do
seio do povo.
Estes dous princípios definem a democracia nor­
te-americana, e a separam profundamente de outro
qualquer systema dc governo, mesmo sob a fórma re­
publicana.
Os americanos do norte, dice-o um grande pensador,
estão insaiando o ideal de governo do futuro. Uma
descentralisação completa, combinada com a inter­
venção constante da soberania popular, eis os traços
principaes do seu systema politico. E agora digam
aquellcs que da descentralisação receiam a fraqueza
do poder, digam si o governo dos Estados-Unidos ó
fraco, si jamais nação nenliuina ostentou tanta pujan­
ça, si jamais os representantes de algum povo fize­
ram-se respeitar melhor no mundo. Emquanto no

luos ; mas, nesse como em outros estados, ninguém póde exercer o cargo de
juiz depois dos setenta annos de idade.
No Vcrmdnt é tudo diverso : os seis juizes da supreme court nomêa-os an­
nualmente a legislatura. Cada um delles, com dous dos condados na qualidade
de assistentes, fórma uma county court. Estes últimos, porém, são eleitos an­
nualmente pelo povo dos condados.
Em Massachusets, como no Hampshire, fazem o governador com o conselho
as escolhas de todos os juizes. São electivos os membros dos tribunaes cor-
reccionaes, verdadeiras autoridades policiaes das parochias.
Em Rhode-lsland,Connecticut e Alabama, nomea-os a legislatura; em New­
Jersey, o governador com assentimento do senado. Só no Delaware (pequeno
estado de 112,216 hab.), são os seus poucos juizes nomeados pelo poder exe­
cutivo, e inamovíveis.
A PROV. 8
58 PARTE PRIMEIRA

Brazil as mesmas raças, mais ou monos mixtas, es-


tendcm-se quasi igualmente por todas as províncias,
celebrando o mesmo culto e faliando a mesma lingua,
nos Estados-Unidos raças, linguas e cultos distribu­
em-se desigualmcnte por toda a superficie da União.
O primitivo anglo-americano, o immigrante, irlandez,
o escossez, o allemão, ofrancez, e o hespanhol dos es­
tados do sul, ahi se congregaram, naquelle mundo
em miniatura, produzindo, som a uniformidade de
leis, sem a unidade de crenças, sem a identidade de
linguas, a mais robusta republica que viram os sécu­
los, o mais florescente dos estados do globo. Pois se­
rá ‘acaso a autonomia administrativa das províncias
que hade anarchisar o Brazil, onde alias subsistem
tão poderosos elementos de unidade moral c social ?
Reflictam os tímidos : nestas graves questões que in­
teressam á felicidade dos povos, o exame sem precon­
ceitos de escola é, como cm todos os conhecimentos
humanos, a condição de acerto e de progresso.
Carecemos advertir que não estamos offereccndo ao
Brazil por modelo o complexo dessa organisação fe­
deral democrática ? O estado actual do systema nor­
te-americano é o produeto de reformas successives, é
a manifestação de uma democracia vigorosa que se
affirma, que tein consciência do seu valor moral e do
seu poder '. Demais, de todo esse systema é esta

1 « O que os francezes são em assumplos militares, sao os americanos em


toda a especie de negocios civis : supponde que um certo numero de ameri­
canos se acho sem governo; logo improvisam um, e mostram-se aptos para
levarem ao cabo essa ou outro qualquer negocio publico, com suflicienle
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 5'J

a parte mais original, e que não parece ainda julgada


por uma experiencia suíficiente. A electividade do
juiz, aggravada pela sua amovibilidade, é seguramen­
te um elemento de fraqueza e dependencia para o ma­
gistrado e tanto basta para a corrupção da jus­
tiça. Não tem certamento tantos inconvenientes
a eleição dos funccionarios administrativos. Mas, si
para esse typo americano convergem na Europa a
Suissa, na America a Republica Argentina c os esta­
dos do Golfo, no Brazil, não se póde dissimulal-o,
um poder judicial electivo seriaccrtamente pernicioso,
ó uma administração inteira igualmentc electiva não
parece aqui necessária.
Tanto não aspiram, sem duvida, os liberaes do
Brazil. Quando reclamam « a descentralisação no ver­
dadeiro sentido do self-government » ’, pouco pe­
dem, com ellcito, si compararmos as suas aspirações
com os factos dos Estados-Unidos. Muito pretendem,
porém, si volvermos os ollios do largo systema ameri­
cano para a nossa odiosa concentração polilica o ad­
ministrativa. Sem prejuízo da força razoavel do poder
e a bem da expansão da força social, ha de o Brazil
ter mais liberdade civil e politica, e uma organisação
onde o poder collectivo deixe de ser o avaro tutor de
interesses locaes. 0 quadro das instituições anglo-
americanas habilitará o leitor para julgar da inexac-

somma do intelligencia, ordem e decisão. E’ isto que todo povo livre deve
doser. » Stuart-Mill, On liberty ; cap. V.
1 Histoire des Etats-Unis, peloSr. Laboulaye : aol. S", lição 18’ sobre n
constituição.
’ Programma do Centro I.iber.il; maio dc i860.
60 PARTE PRIMEIRA

tidão com que, nas suas habituaes hyperboles, ten­


tam os conservadores, para rcpcllir a descentralisaçâo,
confundil-a com a federação democrática.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 61

CAPITULO VI

AUTONOMIA DAS COLONIAS INGLEZAS

Sein o mais completo systema de garantias indi-


viduaes, sem a supremacia do parlamento, sem go­
verno responsável, sem dcscentralisação, sem este
vivaz organismo anglo-saxonio, nada está construído
solidamente, nada preserva os povos da ruina e da
miséria. Abstrahindo de instituições que cfficazmente
assegurem a liberdade, monarebia c republica são
puras questões de fórma. « Não lia mais que duas es-
pecics de governo, observa o Sr. Odilon Barrot, quaes-
quer que sejam aliás suas fôrmas extrinsecas : go­
vernos que absorvem as forças individuaes, ou que
lhes deixam pelo contrario a mais plena expansão:
governos que tem a pretenção de tudo governarem,
ou que muito confiam da espontaneidade indivi­
dual . » ' .
Os destinos da monarebia no mundo moderno de­
pendem da habilidade coin que saibam os seus men-

1 E’ o mesmo pensamento dc Benjamin Constant: «Entre la monarchie


constitutionnelle et la république, la différence est dans la forme. Entre la
monarchie constitutionnelle et la monarchie absolue, la différence est dans
le fond. »
62 PARTE PRIMEIRA

tores convertêl-a cm instrumento Hexivel a todas as


exigências do progresso. Emquanto cila se não con-
graçar cordialmente com as tendencias do seculo,
não é acaso justa a imprecação dos povos exprobran-
do-lhe a tremenda responsabilidade de haver impos­
sibilitado a fundação de instituições livres? Não basta
para sua defesa allcgar que algumas destas são in­
compatíveis com a fórma inonarchica, ou suppõem a
republica : da necessidade faça a monarchia virtude ;
porquanto, si taes instituições nào se lhe accommo-
dam, sendo todavia necessárias á prosperidade geral,
desappareça a monarchia por amor dos povos, e não
se sacrifiquem os povos a interesses dynasticos. Mas
essa incompatibilidade é meramente supposta : mos­
trem as colonias inglezas si a fórma de governo da
sua métropole obstou ás amplas instituições demo­
cráticas c á autonomia dos membros de um grande
império.
Em franquezas locaes, em liberdade política, em
autonomia legislativa e executiva, as províncias,
parte integrante do Brazil, estão mui distantes dc
certas colonias, meras dependências do Império Bri­
tânico. E este um facto tão geralmentc ignorado,
tão novo nos annaes do mundo, tão eminente entre
os acontecimentos do nosso seculo, que não ha de
parecer exagerada a attenção que lhe prestamos.
Desde o começo, por cartas patentes de Carlos I,
os fundadores e habitantes das colonias da Nova-Ingla-
terra exerceram o direito de promulgar leis, e goza­
ram das franquezas e privilégios correspondentes á
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 1)3

qualidado de cidadãos inglezes. Antes da sua eman­


cipação, possuíam estas colonias, portanto, a liber­
dade civil e política, e, constituindo-se em Estados-
Unidos, apenas ganharam com a independencia a so­
berania, tomando lugar entre as nações. Com a in­
dependencia, porém, nossas províncias, bem como
as das republicas hespanholas, conquistaram as li­
berdades civis e políticas, que nunca lhes permittíra
a métropole. Succedendo a esta, a monarchia no Brazil
reclamou como herança a suzerania que pertencèra
aos reis de Portugal, encarando cora ciume as ten­
dências descentralisadoras. Nossas províncias muda­
ram de amo, mas o systema de governo não mudou.
Com a independencia perpetuou-se nesta parte da
America a centralisação.
Si a côrte de Lisboa tivera intelligencia bem alta
ou coração generoso para ver desinvolverem-se as
forças locaes que já se insaiavam nos senados das ca-
inaras, nossa patria conhecêra, antes de 1822, um
regimen menos compressor e débilitante : Portugal,
porém, declinava para o absolutismo asiatico quando
se estabelecia nas costas da America, ao passo que a
Inglaterra, precursora da liberdade moderna, marcha­
va para a civilisação quando os puritanos aportaram
no Novo Mundo.
Ao envez das colonias dos povos antigos,
e das de França, Hespanha, Hollanda e Portu­
gal, minas do erano de suas métropoles a que paga­
vam enormes tributos, as colonias inglezas não con­
tribuiram jamais para a defesa da métropole ou para
(54 PARTE PRIMEIRA

o custeamento do seu governo civil. E si a Inglaterra


reservou-sé outr’ora o monopolio do cominercio con­
forme as thcorias do pacto colonial, é corto que re­
nunciou-o mais tarde, deixando ás suas possessões a
mais plena liberdade mercantil.
Já no fim do século passado, deliberando o parla­
mento sobre a organisação do Canadá, possessão havia
pouco adquirida, Fox firmava o principio destinado a
ser, meio século depois, a regra iugleza da adminis­
tração colonial. « Estou convencido, dizia o grande
orador, que os únicos meios de conservar com vanta­
gem colonias distantes, é habilital-as a se governarem
por si mesmas '. » Esse principio foi-se desde então
desinvolvendo praticamente. Algumas possessões,
inéros presidios, iam-se povoando sem constituição
civil de governo, sem liberdade política; mas bem
depressa adquiriram as livres institui ;ões, que as an­
tigas colonias da Nova-Inglaterra conheciam desde o
século XVII, pois, como é sabido, os peregrinos que
fundaram Boston, uniram-se debaixo de uma consti­
tuição verdadeiramente republicana. Hoje se póde
dizer que cada colonia é um estado completo quanto
ao seu poder legislativo, sua judicatura c sua admi­
nistração. Com effeito, ha cerca do trinta annos, fi­
cou estabelecido que, « em regra, é inconstitucional
que o parlamento britânico legisle sobre assumptos
ou interesses exclusivamente internos de uma coionia
que possua asseinbléa representativa ’. »
1 Constitutional history of England, por Erskine May; cap. XVII.
’ Despacho do ministro das colonias em 1839, citado porE. May.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 65

Entretanto, esta autonomia das colouias, quanto


aos proprios interesses, provocava conflictos que no
Brazil poriam cm risco o systema adoptado, e que lá
não tiveram tão triste exito. Assim, emquanto na In­
glaterra triumphava o principio da plena liberdade
commercial abolindo-se a politica proteccionista, o
Canadá adheria ao systema protector votando leis em
tal sentido. Tinha a coròa o direito de véto sobre as
leis relativas a taes matérias, mas, refere o citado
publicista, absteve-se o governo inglez de applical-o
para não reviver as disputas c descontentamentos do
passado : as leis do Canadá foram confirmadas. Appel-
lou o governo inglez para o tempo, para a reflexão,
para a experiencia das proprias colonias, esperando
que suas assembléas livremente eleitas fariam afinal
triumphar os verdadeiros princípios economicos 1

1 EíTectivamentc, a condescendência da métropole é illimitada. Para


mostrar quão frouxos são os laços que prendem as colonias á Grã-Bretanha,
indicava o Times a possibilidade do Canadá celebrar, si o quizesse, um tra­
tado dc reciprocidade com os Estados-Unidos, embora prejudicasse á in­
dustria metropolitana. « O Dominio do Canadá, dizia o Times, recebeu tão
completa independência que, si o ministério e parlamento canadianos ne­
gociassem um tratado dc reciprocidade com os Estados-Unidos,—cuja con­
sequência necessária fòra a adopção no Canadá de uma tarifa hostil á In­
glaterra para o lim de desinvolver mais livres relações mercantis com a
União,— não deveriamos nós proliibir similhante tratado. Em uma pala­
vra, é licito aos estadistas canadianos declararem, c pòrem por obra a de
claração de que são para clics mais importantes os seus interesses commer-
ciaes com os Estados-Unidos, do que com a Grã-Bretanha. » (Dezembro,
18G9.)
Podería a Inglateira exigir dessa colonia que prohiba a entrada, ou
imponha fortes direitos de entiada sobre os livros de autores inglezes re-
impressos nos Estados-Unidos? Não; responde o mesmo jornal: comquanto
esse commercio muito prejudique a litteratura e imprensa da métropole,
A PROV. 9
66 PARTE PRIMEIRA

Quanto différé similhante proceder da precipitação


com que os nossos estadistas aproveitaram-se das pri­
meiras difficuldades occorridas na execução do acto
addicional, para o restringirem e annnllarcin seis an­
nos apenas depois de votado ! Que documento da sua
tolerância e paciência davam esses apressados chefes
da reacção de 1840 !
Não interveio o governo iuglez nem mesmo para
suspender ou desapprovar as leis de très das mais im­
portantes colonias da Australia (Victoria, Australia
Meridional e Nova Galles do Sul), que em 1857 e 1858
substituiram a eleição censitaria pelo suffragio uni­
versal \manhood suffrage] e escrutínio secreto. Vin­
garam, pois, medidas tão radicaes, aliás repudiadas
na métropole, dando desde então ao governo das co­
lonias uma base, não simplesmente representativa,
mas democrática '. Era, diz E. May, uma deferen-
ciapara com os princípios do self-government a absten­
ção da métropole. O que serão no Brazil, porém, essas
despejadas violações constitucionaes que o governo
central e os seus presidentes commettent, ou suspen­
dendo leis provinciaes já promulgadas, ou inventando
casos de inconstitucionalidade era outras, depois de
segunda vez votadas por dous terços das assembléas?
Cá é o crime grosseiro, que nem se pune, nem se

fôra a exigencia injusta, por contraria aos interesses do povo do Canadá que
dos Estados-Unidos importa livros baratíssimos.
1 Tem as assembléas colonises a faculdade dc reformarem as respec­
tivas constituições políticas, embora com assentimento do governador ou da
corôa.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 67

defende ; lá, um governo de gente lionesta que con-


graçou-se seriamente com a liberdade, e que, depois
de Cromwell, não conheceu mais esse humilhante
systema político, o absolutisme, em que um só pensa,
falia e mente por todos.
Reconhecida a autoridade das colonias em tão
vasto circulo de acção, outro mais radical principio,
igualmente proclamado pelo proprio governo metro­
politano, elevou-as á cathegoria de estados semi-so-
beranos, apenas unidos á Grã-Bretanha por um frouxo
laço federativo. É o principio do governo responsável
admittido desde 1848 nos dous Canadas, em Nova-
Escocia no anno seguinte, e depois de 1850 na Aus­
tralia.
Isto exige uma breve explicação. O governador
tinha outr’ora o direito de escolher livremente os seus
conselheiros : ora, succedia muita vez incorrerem taes
funcionários no desagrado da maioria da assembléa
colonial. Dabi lutas estereis, que embaraçavam a
marcha do governo, tornando-se a prerogativa do
representante da corôa fonte de dissabores e antipa-
thia contra a propria metropole. Remover similhante
obstáculo não era difficil para um governo bem in­
tencionado, comquanto em certos paizes ditos repre­
sentativos tenha sido um embaraço invencível a obsti­
nação dos principes em governarem por si mesmos,
nomeando e demittindo livremente os ministérios. Es­
tabeleceu-se, pois, que o governador escolheria os
seus conselheiros (verdadeiros ministros, chefes da
administração colonial) do seio daquelle partido qve
68 PARTE PRIMEIRA

estivesse em maioria naassembléa legislativa, e adoptasse


a politica por elles recommendada *. « Pela adopção
deste principio, escreve E. May, uma constitui­
ção colonial tornou-se verdadeira imagem do go­
verno parlamentar de Inglaterra. 0 governador, co­
mo o soberano a quem representa, mantem-se fóra
e acima dos partidos, e administra por ineio de con­
selheiros constitucionaes, os quaes são as pessoas que
adquiriram ascendência na legislatura colonial. Deixa
elle os partidos contendores pelejarem livremente as
suas batalhas; e, admittindo o mais forte aos seus
conselhos, mantém a autoridade executiva cm har­
monia com os sentimentos da população. E, assim
como o reconhecimento desta doutrina na Inglaterra
tem praticamente transferido da corôa para o parla­
mento e o povo a suprema autoridade do estado, —
assim nas colonias tem elle arrancado do governador
e da métropole a direcção dos neg-ocios coloniaes.
Ainda mais : assim como a coròa tem ganho em isen­
ção c popularidade o que perdàra cm poder, — assim
a métropole, aceitando em sua plenitude os princí­
pios do governo representativo local {localself-govern­
ment} , firmou as mais estreitas relações de amizade e
confian a entre si e as colonias ’. »
1 Tal é o pensamento de despachos do governo inglez relativos ao Ca­
nadá, citados por E. May, pag. 573 do vol. II edição de 1865'. De outro
documento official transcreve o mesmo autor este texto positivo:
« O conselho executivo (ou ministério' é uma corporação amovivel, cm
analogia com o uso que prevaleço na Constituição Britanica.... devendo-so
intender que os conselheiros que houverem perdido a confiança da legis­
latura local devem oílerecer as suas resignações ao governador. »■( Rules and
regulations for the colonial service, cap. 2.")
’ Ollercce-nos a mais plena confirmação desta theoria um recente in-
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 69

A que distancia o pretendido governo represen­


tativo do Brazil não fica do dessas possessões ingle-
zas ! O povo brasileiro, certamente, não conhece ainda
o systema constitucional como é praticado até em co­
lonias, cuja fundação foi posterior á nossa indepen­
dência '.

cidente parlamentar da Terra-Nova. Na falia com que ha pouco abriu a


parlamento desta colonia, encarecia o governador a vantagem da sua entrado
na confederação do Canadá, idéa impopular na Terra-Nova: a falia foi re­
cebida com desagrado, e votou-se logo uma moção de desconfiança, a que
seguio-se a demissão do ministério. Mas attenda se ás curiosas circun­
stancias referidas pelo correspondente do Times em carta dc 13 de fevereiro
de 1870: « Depois de entregue o discurso do governador, adoptou-se um voto
dc desconfiança no governo, e nolle se nomeava um cavalheiro em que a as­
semblée declarava depòr confiança. Em resposta, o governador exprimiu o
pezar de que, sem causa suíliciente, a camara se liou/esse afastado do
procedimento usual, tendo rejeitado a moção para sc responder ao seu dis­
curso; e de que também adoptasse o cstylo inconstitucional dc designar-
lhe o membro da mesma camara que elle havia de convidar para farinar a
nova administração. Em seguida a esta mensagem, a camara votou uma
resolução contestando que tivesse intenção alguma de obrar descortezmente,
mas estabelecendo que o seu procedimento fundara-se em precedentes. » Estas
occurrencias, que assaz patenteam o jogo das instituições britânicas, não
foram acolhidas nem com sorpreza, nem coin pueris hyperboles ou decla-
mações contra a anarchia.
* O principio do governo respousavcl prevalece, além do Canadá, em
todas as colonias da Oceania, menos a Australia Occidental, unira que ainda
é presidio do deportados. Em 1res délias (Australia Meridional, Tasma­
nia e Victoria o parlamento compõe-se de duas casas, ambas clectivas, e
os governadores são obrigados a escolherem os ministérios do seio délias.
A camara alta, que aliás renova-se periodicamente, não a podem dissolver
os governadores. Nas 1res outras (Nova-Galles do Sul, Nova-Zelandia e
Queensland’só diffère a organisação da camara alta; seus membros são vi-
talicios ou nomeados pela corôa. O Cabo da Hoa-Esperança se póde reunir
ao grupo das très primeiras colonias: as duas casas do seu paalameoto são
ambas clectivas e temporárias. (The Statesman's year-book, 1869; por F.
Martin.)
Muitas outras possessões, sem gozarem do governo parlamentar, tem
comtudo assembléas legislativas; taessão o Natal, a Guyana, a Jamaica, a
70 PARTE PRIMEIRA

Não encanta e não conforta ver desabrocharem


subitamente, regendo-se logo por instituições liber-
rimas, formando verdadeiras sociedades democráticas,
as colonias da Australia, esses presidios penaes para
onde, ainda ha pouco, se transportavam galés? Uma
lei da Providencia parece cumprir-se permittindo que,
d’entre tantos povos que illustraram a historia, fosse
o anglo-saxonio aquclle a quem a grande honra cou­
besse de semear no extremo oriente as mais avança­
das doutrinas de liberdade. « Uma antiga monarchia
tornou-se progenitora de republicas democráticas em
todas as partes do globo. A propria constituição dos
Estados-Unidos não é mais democrática que as do Ca­
nadá c colonias da Australia. O periodo fixo de go­
verno de cada presidente e os seus largos poderes
executivos, a independencia e autoridade do senado,
e a superintendência do supremo tribunal federal,
são corrcctivos oppostos á democracia do congresso.
Mas nas mencionadas colonias a maioria da assem­
bléia democrática, durante o period ) de sua existên­
cia, e senhora absoluta do governo colonial; póde ella
levar de vencida o conselho legislativo (a segunda ca-

Barbada e outras Antilhas, a ilha do Principe Eduardo, a Terra-Nova, a


Colombia e Vancouver.
E' governado por delegados da corõa e conselheiros que delles dependem,
o grande imperio das índias orientaes, cuja população iudigena, mal eman­
cipada do despotismo asiatico, não parece habilitada para instituições re­
presentativas.
Dellas não gozam iguaimente outras colonias pouco povoadas, ou sim­
ples presídios e estações marítimas.
CENTRALISAÇÃO e FEDERAÇÃO 71

inara), e dictar condições ao governador, e indirecta-


inente á propria métropole '. »
Cada colonia cum estado, diçemos: orçamentos
proprios, receitas peculiares, alfandegas suas, tudo
possuem, até mesmo uma política commercial diffe­
rente: o Canadá protege suas industrias contra pro-
duetos similares da métropole. Que se pôde estranhar,
pois, si teem exercitos seus, si teem até marinha de
guerra? Desde 1861 havia o parlamento proclamado
que o self-government impõe-lhes o dever de fazerem
os gastos da propria defesa contra os inimigos exter­
nos. « Longe de parecer ciosa dos projectos de arma­
mento que possam as colonias conceber, a Inglate-ra
impelle-as neste sentido, excita-as a formarem regi­
mentos de voluntários e a organisarem suas milícias,
e até, si é preciso, lhes fornece armas, subsídios e
instruetores. Na sessão de 1865 votou-se o bill pelo
qual a Inglaterra comprometteu-se a prestar subsidies
e a facilitar por todos os meios ao seu alcance a crea-
ção de marinhas militares coloniaes.... A Inglaterra
aspira a ser, não a soberana, mas a mãi dessa multi­
dão deèstados que fundou em todas as partes do mun­
do. Hoje muitas das colonias, o Canadá, o Cabo, a
Australia, a Nova-Zelandia, tornaram-se verdadeiros
estados cuja existência acha-se d’ora em diante asse­
gurada na familia das nações. Salvo o direito de paz
e guerra, gozam de todos os que pertencem a estados
independentes *. »
1 E. May.
* Mvue des deux mondes, 1’ de março de 1866.
72 PARTE PRIMEIRA

Assim, a suzerania que a Grã-Bretanha actual-


me.nte exerce, não durará sinão einquanto convenha
ás proprias colonias. Inspirada por taes sentimentos,
ella contribuiu ha pouco para se unirem as possessões
situadas ao norte da America, das quaes formam desde
18G7 uma verdadeira confederação o alto c o baixo
Canadá, aNova-Escocia c o Novo Brunswick. Foi-lhes
cedido depois o vasto território que pertencera á com­
panhia do Hudson Um parlamento e um minis­
tério responsável perante elle funccionam em Ottawa,
capital da nova União. A’ autoridade federal compe­
tem as prerogativas da soberania quanto á legislação
ciyil e criminal, a navegação, os correios, os cami­
nhos de ferro, as alfandegas, e os orçamentos da re­
ceita e despeza. Cada um dos estados, porém, con­
serva a sua autonomia interna e suas assembléas par­
ticulares *.
A Inglaterra prepara-se para adherir paternalmen­
te, sem ira e sem ciume, á emancipação das suas co­
lonias. Na Australia discute-se a idéa da separação
completa, formando outra confederação as províncias
oceanicas. No proprio parlamento britânico estadistas
eminentes declaram que chegou o dia annunciado cm
1850 por lord John Russell, eque é do interesse daGrã-

1 Refusaram entrar na união a Terra-Nova è a ilha do Principe Eduar­


do (costa do Atlântico;, a Colombia Britanica e ilha de Vancouver ( littoral
do Pacifico). Respeitou-se a deliberação destas colonias, que assim contra­
riavam a politica da métropole.
* Segundo o plano, offcrecido em 1864 pelos delegados coloniaes, o
chefe do poder executivo seria eleito pelo povo; não prevaleceu a idéa:
a corôa continua a nomear o governador.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 73

Bretanha livrar-se dessas possessões ; outros, inclusive


um dos secretários de estado (o Sr. Forster), advogam a
idéa de uma vasta federação do reino unido e colo­
nias. Ainda mais : commissarios da Colombia e ilha
Vancouver comparecem na Casa-Branca para mani­
festarem ao presidente Grant o seu desejo de anue-
xarem-se aos Estados-Unidos, em cujo seio esperam
gozar dc uma prosperidade que lhes não consentiría
a longínqua confederação, á cuja testa se acha o Ca­
nadá. Cuidar-se-ha que isto excite ciúmes ? Pelo con­
trario, a grande imprensa justifica o procedimento
dos habitantes da Colombia e não tardará ver sa­
tisfeita a sua aspiração.
Este espectáculo tão novo da constante generosi­
dade de uma grande potência inspirou ura bello pa-
negyrico a um dos seus mais eloquentes admiradores.
« O governo de quasi todas as colonias, escreve o Sr.
Guizot, entregou-se ás colonias mesmas; a corôa e o
parlamento não são a respeito délias mais que vigi­
lantes cuja intervenção é limitada e rara. Demasiado
intensa c pesada tornára-se a responsabilidade do po-

1 O Times dica a proposito: «Supponde que os colonos (da Colom­


bia; se reunam e, depois de deliberarem, cheguem á conclusão de que elles
so acham a mui grande distancia do Reino-Unido, e praticamente quasi tão
longe do Canadá ; e que todos os naturaes motivos de c.ontiguidade, simi-
lliança de intecesses c facilidade de administração os induzem a julgar mais
conveniente entrarem na União (Estados-Unidos; do que no Dominio (Cana­
dá). Havíamos nós oppôr-nos á sua determinação? Todos sabemos que
não tentaríamos resistir-lhe, si fosse clara e intelligivelmente pronunciada.
De facto, pois, longe de serem tesas, as relações deste paiz com a Colombia
Britanica são de tal sorte frouxas que os habitantes delia poderíam rom-
pel-as quando quizessem. » Dezembro de 1869.)
A PROV. 10
74 PAUTE PIUMEIRA

der; para desembaraçar-se delia, aceitou o poder a


liberdade dos súbditos. Um facto mais raro ainda con­
sumou-se ha pouco : a Inglaterra restituiu ás Ilhas
Jonias a sua completa independencia, de que logo se
prevaleceram para annexarem-se á Grécia. Em vão
procuro na historia outro exemplo de um grande es­
tado renunciando assim a uma de suas possessões,
livre e gratuitamente, sem necessidade imperiosa,
nem pressão estranha '. »
A política centralisadora da monarebia brasileira
não contrasta, por ventura, com a politico da corôa
britanica relativamente a possessões espalhadas por
todjs os mares da terra, e que aliás não são, como as
nossas províncias, partes integrantes de um só Es­
tado?
Apreciai as vantagens incomparáveis da admi­
nistração independente, dits liberdades civis e poli­
ticos
* com menos da metade da nossa população, o
Canadá, essa terra hypcrborea da neve, dos lagos e
rios gelados, tinha, ha quatro annos, um movimento
commercial igual ao nosso. As sete colonias da Austra­
lia, a quem aliás se dão sómente 2000,000 dc habitantes,
mais favorecidas pela natureza, mas também muito
mais distantes, já faziam em 1856 um commercio du­
plo do do Brazil, c seus governos já dispunham de
rendas superiores ás nossas, applicando milhares de
contos a estas duas grandes forças modernas, a estrada
de ferro e a instrucção popular. Pungente parallelo !

1 l.a France et la Pruste decant l'Europe; 1868.


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 75

Aqui as províncias desfallecem descontentes ; lá as co­


lonias prosperam e breve serão estados soberanos. Aqui
vive- o governo central a inquietar-se com os mais in­
nocentes movimentos das províncias ; lá, essa attitude
de um poder suspeitoso, porque é injusto e fraco, não
conhece-a o governo britânico. E si uma monarchia
antiquissima procréa republicas democráticas, póde
na America uina monarchia exotica converter os seus
estados em satrapias silenciosas ?
PARTE SEGUNDA

INSTITUIÇÕES PROVINCIAES
CAPITULO I

O ACTO ADDICIONAL

Em 1831 uma revolução nacional tentara quebrar


o molde antigo que comprimia o Brazil, e imitar
francamente os modelos americanos. O grande pres­
tigio desse movimento memorável é a idea que o illu-
minou e dirigiu.
Havia então nos homens politicos espontaneidade,
ardor, fé viva na liberdade aquecida ao sol da Ame­
rica. Não os retinham as falsas noções de governo
que formam a triste atmosphera dos nossos dias. Al­
guns houve até que procuravam dar ao systema em
experiencia do acto addicional o rigor logico das
instituições federaes, que emgermen continha. A ca­
mara dos deputados votára que o Brazil seria monar­
chia federativa. Propnzeram-se também, posto não
o votasse a camara, duas significativas medidas : uma
para que cada província tivesse a sua constituição
particular, feita por snas assembléas ; outra para que
o governo fosse provisoriamente vitalício na pessoa
do imperador D. Pedro II, e depois temporário na
pessoa de um presidente das províncias confederadas
do Brazil. Com tauta energia circulavam as novas ideas,
que outra proposta, álias igualmente rejeitada, seoffe-
80 PAUTE SEGUNDA

receu para que fosse a religião negocio do consciên­


cia, e não estatuto de lei do estado. Princípios tão
energicamente allirmados, lioje espantam pelo vigor
que revelam nas almas varonis da geração de 1831 I
Chegou a vez da historia : reivindiquemos com al­
tivez esses titulos do espirito nacional. Agora que os
contemporâneos medem por seus efleitos o vicio da
monarchia centralisada, póde-se recordar-lhes a ma­
neira como illusties brazileiros, adeptos aliás da fórma
monarchica, intendiam o regimen federal.
Nessa época os dous partidos influentes, moderado
e exaltado (o restaurador estava á margem), concor-
da”am ambos em adoptar as bases democráticas de
um governo descentralisado ; discordavam sómento
na fôrma da instituição central, inclinando-se mui­
tos para a republicana. Depois é que o partido do re­
gresso, composto dos servidores de Pedro I c dos libe-
raes convertidos, restabeleceu as theorias européas
da monarchia unitaria, fazendo da fôrma realidade
formidável. Regressámos, com efleito ; volvemos des­
de então ao systeina imperial.
Ainda depois de 1840, depois de dilacerado o acto
addicional, a muitos espiritos leaes parecia que a
reacjro era um facto transitório, que os brazileiros
resgatariam bem cedo as ludibriadas conquistas da
revolução. Era com estranheza e grande emoção que
so via r estaurado nas camaras e no governo o syste­
ma vencido em 1831. Debalde lutou-se, porém: cada
anno, o genio da monarchia, o ideal de um governo
forte pela centralisação svinetrica, fazia maiores con­
INSTITUIÇÕES PR0V1NCIAES 81

quistas nas leis, na prática da administração, diga­


mos mesmo, por vergonha nossa, no espirito das
populações. Vinte annos depois, ainda promulgava-
se a lei contra o direito dc reunião, a lei afrancezada
de 22 de agosto de 1860, esse diadema da omnipo-
tencia monarchica. Foi o scu zenith, e o mais alto
gráu do scepticismo politico.
Animosos preparavam-se os brazileiros em 1834
para o jogo de instituições livres. Hoje, nosso espi­
rito cede instinctivamonte a uma influencia perver­
sa, que o corrompeu e degrada. Não somos um povo,
somos o Império. Temos, temos infelizmente que fa­
zer uma educação nova. Mas, si não foi impossível
insaiar a liberdade em terra que surgia da escravidão,
sel-o-ha por ventura restabelecer doutrinas que já
foram lei do Estado ou aspiração nacional?

§ I.— A tentativa de descentralisação.

A geração que effectuou a iudependencia e influiu


nos conselhos e assembléasdo primeiro reinado, ini­
ciou a obra coroada mais tarde pelo acto addicio­
nal. Idólatra da symetria franceza, a geração se­
guinte inspirou e inspira a politica reaccionaria do
segundo reinado.
Organisando em 1823 os conselhos de governo das
províncias, a Constituinte lhes dava attribuições po­
líticas : era, por exemplo, da competência delles de­
liberar sobre a suspensão de magistrados e do com-
A PROV. 11
82 PAKTE SEGUNDA

mandante da força armada. Os conselhos geracs no


anno seguinte creados pela constituição foram a
semente das assembléas provinciaes. Transformando
instituições decrépitas do antigo regimen, a lei que
aboliu o Dezembargo do Paço foi uma lei dc descen­
tralisação '. As da mesma epoca sobre administra­
ção da fazenda publica, juizes de paz, camaras mu-
nicipaes, e organisação judiciaria ou codigo do pro­
cesso, acommetteram e destruiram o systema politi­
co e administrativo anterior á independência.
Mas a constituição outorgada por Pedro I atára as
províncias á capital do império : os conselhos legis­
lations que creára, não tinham competência pronria
e definitiva ; seus actos dependiam a final do gover­
no supremo ou do parlamento. Não podia tal centra­
lisação resistir á prova da experiencia. Apoderou-se
do assumpto a paixão politica que os erros de D. Pe­
dro suscitaram : dar ás províncias poder legislativo
proprio foi idéa que propagou-se rapidamente antes
mesmo da abdicação.
No espirito de alguns homens illustres, a idéa as­
sumia as largas proporções do systema federal. Na
sessão de 24 de maio de 1832 o deputado Ilollanda
Cavalcanti (visconde de Albuquerque) offerecia um

1 Vasconcellos, esse homem de getuo que devia redigir o acto addicioual


para ao depois repudial-o eile proprio, descreve em uma só phrase a refor­
ma descentralisadora de 1827: « As attribuições que com tanto vexame pu­
blico eram exercidas pelo Dezembargo do Paço, sao distribuídas pelos
juizes territoriaes, camaras, presidentes de província, relações, tribunal su­
premo e ministro da estado. » Carta aos eleitores mineiros, 1828 , p. 91.
INSTITUIÇÕES PROVlNCIAES 83

projecto de lei para o governo das províncias, cujo


art. 1° dispunha: « A administração economica dc
cada província do império não é subordinada á admi­
nistração nacional, sinão nos objectos mencionados
e pela maneira prescripta na constituição. »
Os subterfúgios dos absolutistes do senado, cuja
maioria hesitante protelava o projecto das reformas vo­
tado em 1831 pela camera temporária, provocaram o
movimento de 30 de julho de 1832. Para a eventuali­
dade de um golpe de estado, vários chefes liberaesde
MinaseS. Paulo haviam preparado e fizeram circular
a constituição re/õrwôíZ« impressa em Pouso-Alegre. « O
poder legislativo, dizia o seu artigo 13, é delegado ãas-
sembléa geral com a saneção do imperador, e ás assem­
blas provinciaes com approvação dos presidentes das
províncias.» A’s assembléasdava muitasdas attribui-
ções queconferiu-llics oacto addicional, accrescentan-
do a seguinte: « Marcar o valor das causas civis, em
que tem lugar o pedir revista das sentenças ao tri­
bunal supremo de justiça. » (Art. 72 § 12.) Os pre­
sidentes, cujo ordenado aliás seria fixado pelas assem­
blées (art. 156),adquiriam pela constituição de Pouso-
Alegre as seguintes faculdades : proviam os benefícios
ccclesiasticos sob proposta dos prelados, nomeavam
c suspendiam os magistrados da primeira instancia, e
em iista triplice propunham ao imperador os que de­
vessem servir nas relações. (Art. 154 §§ 6, 7 e 8.)
Foi o acto addicional (1834) redigido sobre a cons­
tituição preparada em 1832. Com quanta inexactidão,
pois, affirmar-se-ia que elle é obra da precipitação o.
84 PARTE SEGUNDA

do acaso, concessão ás paixões do dia, não fructo de


idéas amuderecidas ! E mbora a obscureçam algumas
ambiguidades e vicios, aliás de facil reparação,
abençoemos a gloriosa reforma que consumou a in­
dependencia do Brazil.
Não foi o acto addicional, não, um pensamento
desconnexo e isolado na historia do nosso desinvol-
vimento politico. Foi elaborado, auuunciado, por as­
sim dizer, pela legislação que o precedêra.
Inspirou-o a democracia. Elle aboliu o conselho de
estado, ninho dos retrógrados auxiliares de D. Pedro;
decretou uma regencia nomeada pelo povo, e per-
rnitviu que nossa patria insaiasse o governo electivo
durante um grande numero de annos: fez mais,
creou o poder legislativo provincial. Não c licito me­
nosprezar obra similhante.
A vehcmencia com que os conservadores ainda
acomraettem a reforma de 1834, ó uma profanação. Não
attendem que o jogo das instituições representativas
dadas pelo acto addicional ás províncias, não podia
desde logo funccionar regularmente. Nem no pri­
meiro reinado, nem durante a regencia, era bem co­
nhecido o mecanismo do systema politico que suc-
cedôra ao regimen colonial. Ministros de estado,
elles proprios, mal comprehendiam as suas attribui-
ções. Homens superiores havia então, como Antonio
Carlos e Alves Branco, como o marquez de Olinda e
Vasconcellos, mas quasi sós : os demais faziam o
tirocinio parlamentar. Votado o acto addicional,
entrou-se em duvida acerca dc innumeras questões ;
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 85

quasi se não podia dar um passo na assembléa geral


por medo de intervir nas attribuições das assembléas
provinciaes. 1
Referindo vários casos desse genero, presumia o
visconde de Uruguay patentear a anarchia legislativa
.
*
daquella época E’ o preconceito com que se defen­
de a reacção de 1837. A historia julgará por modo
bem diverso esse honesto proceder das camaras ; ella
dirá si era anarchico deduzir da reforma constitucio­
nal as suas consequências lógicas, e proferirá solemne
juizo sobre os que repudiaram as franquezas provin­
ciaes e as liberdades civis conquistadas pela revolu­
ção de 7 de abril.
A prudente abstenção dos poderes geraes, escarne­
cida pela satyra conservadora, explica-se aliás satis-
factoriamente. Era maisdifficil, com effeito, determi­
nar no Brazil o systema descentralisador inaugurado
pelo acto addicional, do que nos Estados-Unidos o
systema federal. Este é mais positivo, presta-se a
conclusões rigorosas. O systema do acto addicional,

1 Eis aqui alguns exemplos :


A camara dos deputados em 1836 adia certa proposta do governo sobre
habeas-corpus até que se adoptasse uma medida sobre a lei de 14 de junho
de 1835 da assembléa provincial de Pernambuco.
Adia em 1837 um projecto sobre a formação da culpa até que se decidisse
a questão sobre empregados geraes e provinciaes. Adia, no mesmo anno,
outro que elevava a renda para ser jurado, por duvidar-se da compctenci.
da assembléa geral para legislar sobre esse cargo.
O proprio senado, em 1836, adiara projectos de suas commissões relativos
a juizes de paz, municipaes e de direito, considerando muitos dos oradores a
matéria privativa das assembléas provinciaes.
’ Ensaios de direito administrativo ; vol. S., pag. 707 e seg.
86 PARTE SEGUNDA

porém, occasionava maiores difficuldades práticas,


porque não estabelecia a federação, mas um regimen
que participava de ambos os systemas, ccntralisador
e descentralisador. Por exemplo : na União America­
na a assembléa legislativa de cada estado promulga
os codigos e organisa a magistratura. Aqui, pelo
acto addicional, ficavam sendo leis nacionaes os co­
digos, e provinciaes sómente os cargos da magistra­
tura local.
Mas si não cessasse o respeito, com que as duas
camaras do parlamento encaravam outr’ora as attri-
buições das assembléas provinciaes ; si tão patrió­
tica tendência se consolidasse, e não fosse a reacção
de 1837 f. vorccida pela apostasia, a interpretação
do acto addicional far-se-hia certamente em sentido
inverso da lei de 1840. O que cumpria, com effeito?
Cumpria intender o acto addicional á luz do principio
que presidira á sua confecção : assim remover-se-iam
as duvidas, c preenclier-se-ia o systema. Mas as
confusões que occorreram na pratica de instituições
novas, a inexperiência dos homens públicos, a exa­
gerarão com que fazia-se avultar os erros de funccio-
narios ignorantes, o calculo dos que viram com tris­
teza arrebatar-se d i capital grande somma de poder
c de influencia,— tudo concorreu precipitadamente
para o descrédito do largo pensamento esboçado na
reforma de 1834. Uma interpretação reclamou-se, logo
dous annos depois, no sentido centralisador. 1
1 Em 1S3Ö o deputado Souza Martins apresentou o primeiro projecto do
interpretação ; na sessão seguinte, « Sr. Paulino de Souza (visconde de
INSTITUIÇÕES PROVtNCÍAES 87

Fôra, entretanto, o primeiro impulso do proprio


governo geral promover os lógicas desinvolvimentos
das franquezas concedidas ás províncias. Citaremos
um facto. Expediu o regente Feijó um notável de­
creto contendo instrucções aos presidentes para a bôa
execução da recente reforma, no qual francamente
firma o direito das províncias organisarem uma certa
administração interna, creando agentes administra­
tivos nas localidades '. Sem discutir aqui a neces­
sidade de tacs agentes*, consignemos este pleno
reconhecimento da competência do poder provincial.
Ao governo não inspirava então ciúme a liberdade
com que cada província constituísse sua administra­
ção interior; pelo contrario, o governo as estimulava
a entrarem nesse caminho. Quão longe estamos dessa
epoca de renascença I
Resultado de uma profunda agitação politica, as
Uruguay ) oíTereceu outro mais largo, quo foi votado depois, e é a lei de 1!
de maio de 1840.
1 Decreto de 9 dc dezembro de 1835, § 10 : « Entre os objectes que muito
convém promover, r.nrece ser mencionada a creação de delegados dos prési­
dentes em todas as povoações, como o meio mais proprio de serem breve e
exactamentc informados do que se passa em todos os pontos do território su­
jeito á sua administração; de inspeccionarem e advertirem as autoridades
locaes; dc liscalisarem a conducta dos funccionarios subalternos ; c de asse­
gurarem a prompta e liei execução das suas ordens ; mas paia se colher
toda a vantagem que desta instituição se deve esperar, é indispensável que
as pesseas nomeadas para servirem aquelles cargos, sejam escolhidas entre a
classe mais eslimavel dos respectivos logares, c que contem com alguma es­
tabilidade... O governo não duvida lembrar aqui, como modelo, os prefeitos
e sub-prefeitus creados pela assembléa legislativa da província de S. Paulo,
persuadido que elles preenchem as necessidades da administraçáo da pro-
vincia. »
* V. o § IV infrà.
88 PAKTE SEGUNDA

instituições do periodo rcgencial accusam em seus


autores a mais plena consciência da liberdade. Não
eram doutrinas ou recordações escolasticas, epic
elles punham por obra : cotisa notável ! espíritos for­
mados nos estudos clássicos do velho Portugal foram
aqui os precursores da democracia e pregoeiros das
constituições americanas, da fórma federal dos Es­
tados-Unidos.

§ II. —A reacção : influencia do conselho de estado.


Contra-reacção.

Jm dos chefes da reacção iniciada em 1836 allega,


para justifieal-a, dous motivos principaes: a insuffi-
ciencia de recursos contra os abusos das assembléas
provinciaes, e a extensão dos excessos que commet-
teram até promulgar-se a lei de 1840 e ainda depois '.
Exageração, exageração fatal, em ambos os casos.
Quanto ao primeiro, é exactamente esse escriptor
quem expõe e encarece, na parte final da sua obra, a
somma de poderes de que os presidentes e o parla­
mento estavam e estão armados contra as leis provin­
ciaes abusivas. O que ha a lamentar, c elle o lamenta
com razão, é a negligencia de presidentes que con­
sentiram, ou não souberam obviar taes excessos; é o
descuido com que o governo deixa de promover a re­
vogação da lei inconstitucional.
Mas acaso tem na realidade havido uma longa
1 Admíníslraciio das províncias, pelo visconde de Uruguay : Introducção.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 89

série de actos provinciaes tão funestos á união, que


devam levantar clamores épicos ? Grande exageração
nos parece affirmal-o. Algumas leis, em negocios de
pouca monta, incorrem na censura de falta de com­
petência das assembléas ; rarissimas se poderá dizer
que são altamente perniciosas. A reacção clamou prin­
cipalmente contra as alterações realisadas na justiça
e policia pelas leis dos prefeitos de Pernambuco e ou­
tras provincias. Quanto a nós (permittam-nos antecipar
esta reflexão), eram taes leis corollario do systema
do acto addicional, assim como a interpretação que elle
carecia era a que firmasse a competência das assembléas
para as promulgarem '. Sem excluir essa famosa crea-
ção dos prefeitos, póde-se assegurar que asassembléas
nada fizeram que justifique perante a historia a gra­
víssima accusacão de tentarem dissolver a união: hy­
perbole a que recorrem sempre os conservadores para
attenuarem o golpe de estado de 1840.
Percorremos os actos legislativos de algumas das
maiores provincias no periodo de 1835 a 1840. En­
contrámos leis organisando as novas repartições, eri­
gindo cadêas, fundando templos, abrindo escolas,
construindo estradas c melhorando rios: ahi palpitam
solicitude pelos iuteresses locaes e confiança ua pros­
peridade futura *. A autonomia das assembléas des-

1 V. os caps. V, §§ 1- e 2-, o Vil g 1.­


* Algumas são leis mui notáveis. Entre estas, seja-nos licito citar a de
Aiagòas, n. 20, de 9 de março de 1836, que mandava levantar o mappa esta­
tístico e topographico da provincia. A assembléa lixaria as despezas com os
necessários trabalhos geodesicos. Os engenheiros percorreríam a provincia
A PROV. 12
90 PARIE SEGUNDA

pertava-lhes o sentimento da responsabilidade, esti­


mulo dos homens públicos. Tinham as provincias
iniciativa para abrir caminho ao progresso ; de si mes­
mas dependia o seu porvir: não ficariam a desfallecer
aguardando o illusorio impulso do governo central.
Quando resurgiram as preoccupações monarchicas
do poder forte pela centralisação, a coragem que as
assembléas ostentaram no periodo de 1831 a 1840 re­
fluiu de repente, deixando-as inanimadas. Volveram
as provincias á condição de pupillos : immenso presti­
gio tinha o tutor; os proprios liberaes declaravam
maior o joven imperante. Surge et impera, dizia-se
en io : ergueu-se com clieito, e tudo avassalou o prin­
cipio monarchico restaurado cora appluuso quasi uni­
versal.
À lei chamada da interpretação foi, todos o sabem,
o acto mais energico da reacção conservadora: limi­
tando a autoridade das assembléas provinciaes, per­
mit tin a croação da policia uniforme em todo o impé­
rio e a militarisação da guarda nacional, instituições
posteriormente organisadas com syinetria a que só
faltam os retoques propostos recentemente. Não in-
inteira « sein dispensar a mais pequena parte delia,ainda que inculta seja, para
se demarcar com precisão astronômica as longitudes c latitudes dos diversos
municípios e mais lugares notáveis. » A utilidade iminediata do mappa seria
a que indica o art. 4': « O mappa mostrará em delineação quaes as estradas
mois convenientes a fazer-se; a origem, curso e foz dos rios c lagos, afim de
de se conhecer a utilidade que póde tirar a navegação, os obstáculos que
a esta so apresentam e a projecçao dot mais fáceis canaes de navegação, e fi­
nalmente os limites mais naluraes dos municípios e comarcas. » Eis a intei-
ligcucia e a previsão com que estreava uma assemblés. Iguaes exemplos po-
der-sa-ia apontar de outras.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 91
terpretava-se, amputava-se o acto addicional; e tudo
sem os tramites de uma reforma constitucional : obra
por esses dous motivos igualmente odiosa.
Si o art. 7o dessa lei de 12 de maio dc 1840 adop-
tava umarazoavel intelligentsia estendendo o veto sus-
pensivo do presidente ao caso de offensa á constituição;
si o 5" c o 6° regulavam o modo da assembléa suspen­
der ou deinittir o magistrado provincial, é incontestá­
vel que os outros quatro centralisavara a policia, a
justiça, a guarda nacional, e mais assumptos dcscen-
tralisados pela reforma de 1834.
A execução da lei de 1840 excedeu da expectativa
dos seus autores. Apurou-a, requintou-a o conselho
de estado na mesma época restaurado. Instituição
alguma, neste seguudo reinado, ha sido mais funesta
ás liberdades civis e ás franquezas provinciaes. D'ali
Vascoucellos. Paraná e outros estadistas aliás emi­
nentes, semearam com perseverança as mais atrevi­
das doutrinas ceutralisadoras. Fizeram escola, e tudo
que de nobre e grande continham as reformas, per­
verteu-se ou desappareceu. Nos Estados-Unidos ha
um tribunal, a còrte suprema, que preserva a invio­
labilidade da constituição, já impedindo que as as­
sembléas dos estados transponham a sua esphera, já
oppondo-se ás invasões do congresso. Mas a côrte su­
prema offerees as garantias de um poder independente ;
o nosso conselho de estado, porém, creatura do prin­
cipe, dedicou-se á missão de ageitar as instituições
livres ao molde do imperialismo.
Amesquinhar o poder creado em 1834 foi o pen-
92 PAKTE SEGUNDA

sarnento constante da reacção. Facil fôra citar uma


longa serie de consultas c decisões do governo que
confirmam esta apreciação. Em alguns casos não se
duvidou mesmo desprestigiar a instituição das as-
sembléas. Apontamos factos. Algumas teem, no exer­
cício de seu difeítu positivo, suspendido ou demittido
juizes: como procede então o governo imperial? per­
doa a pena, annulla o decreto da assembléa, subtra-
hc-llie, portanto, a faculdade conferida pelo acto
addicional '.
Tudo se ba posto em duvida. Póde, por exemplo,
haver lei sem pena para os transgressores ? Pois
bem : até contestou-se ás assembléas o direito dc im-
pôrem penas correccionaes. Na Bélgica era esta uma
questão ha muito resolvida: por direito expresso, as
assembléas provinciaes podem lá, para assegurarem
a execução das suas leis e ordenanças, decretar prisão
ou multa. Aqui pretendeu-se que nem nos regula­
mentos da instrucção publica, nem nos da força po­
licial e outros, cabia-lhes prescrever meios coercitivos
especiaes.
Nem a insignificância dos objectos permittiu que
o governo se abstivesse do habito contrahido de tudo
disputar ás províncias. Clama o conselho dc estado
c o governo expede aviso para que se não guardem,
nos archives creados pelas províncias, originaes ou
cópias authenticas de actos do governo geral, nem
mesmo actas dc eleições para deputado ou senador!

1 V. os casos deste genero referidos nos 515 a 515 da obra citada do vis­
conde de Uruguay.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 93
Este espirito delirante de uma reacção que não re­
cuava siquer diante do infinitamente pequeno, tocou
ao zenith quando os decretos de 1830 concentraram
no poder executivo o direito de autorisai- a incorpo­
ração das sociedades anonymas.
E mais longe que seus antecessores devôra de ir
o gabinete de 16 de julho. Seus delegados suspendem
leis sanccionadas c promulgadas. Uma circular de
1868 determina aos presidentes que não sanccionem
lei alguma creando novas comarcas, c lhe declara
que o governo não proverá de juizes as que não
obstante se crearem. A reacção afronta a legalidade,
desafia as províncias.
Grande serviço pudera prestar um ministério libe­
ral, esclarecendo aintelligencia das reformas de 1834.
Longe de ainda admittir duvidas em certos assumptos,
como sejam alguns dos que devia estudar acommissão
parlamentar proposta cm 1861,—cumpria-lhe instruir
os presidentes sobre a verdadeira doutrina em muitos
dos pontos litigiosos. A exemplo da regencia que
expedira instrucções para a execução do acto addi­
cional, porque não se havia remover da mesma fórma
duvidas suscitadas pelo espirito de partido ? Para isso
não fôra mister lei ; hoje a tarefa da lei é muito maior
e differente : é alargar as bases do acto addicional, ou
completal-o.
Instrucções bastavam para reivindicar a bôa dou­
trina dentro dos limites do direito vigente. Ahi está
a razoavel jurisprudência adraittida cm muitos casos
pelo proprio autor da lei reaccionaria, o visconde de
94 PAKTE SEGUNDA

Uruguay. Seu livro, estampado em 1865, é, em alguns


pontes, reacção contra a reacção de 1840. Já no titulo
preliminar, já em capitulos especiaes que combatem
exagerações do conselho de estado, patentèa-se a be­
néfica influencia que o estudo das instituições ame­
ricanas exercêra no espirito do autor.
Feitas as devidas reservas, consideramos os Estu­
dos práticos sobre a administração das províncias como
um protesto da reacção contra si mesma. Elle se elabo­
rava na época do universal predomínio do imperialismo,
quando a idéa liberal perdia-sc nas amplificações de uma
vulgar logomachia política. E’ que, dentre os lugares
cor muns, um existe cuja verdade a historia contempo­
rânea attesta todos os dias: não morre a idéa liberal,
resiste e sobrevive á ruina dos seus representantes, c
acaba por dominar os proprios vencedores. Eis ahium
destes, o dos mais notorios, emittindo opiniões con­
trarias ás doctrinas do seu partido,— do governo
imperial. O visconde de Uruguay sustenta, com
effeito, que podem as assembléas:
Legislar sobre aposentadorias, jubilações e refor-
masdos empregados provinciaes, já por medida geral,
já por decretos especiaes ß 407) ;
Conceder pensões por serviços feitos á provincia,
assim como o gmverno e assembléa geraes as conce­
dem por serviços ao estado (§ 411) ;
Estabelecer o processo que hão de observar na de-
cretacão de suspensões ou demissões de magistrados
í fê52Í);. . ...
Pormittir aos seus estabelecimentos litterarios c
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 95

scientificos conferirem o gráu de bacharel (§ 172) ;


Lançar, nos regulamentos sobre instrucção, penas
contra as contravenções, embora não prevenidas fos­
sem pelo codigo criminal (5 173). '
Condemna também 0 autor da lei de 1840 cada um
dos expedientes administrativos, lembrados pelo con­
selho de estado, para se embaraçar ou mutilar a illi-
mitada faculdade das assembléas quanto á divisão
civil e judiciaria 165). *
Finalmente, é ao illustre publicista americano
Story, que elle pede as salutares regras de interpre­
tação, com que repelle as restricções postas por te-

1 Ainda recentemente, por aviso de 19 de junho de 1861, desconheceu o


governo este direito, sem o qual nada valeríam os regulamentos provinciaes
de qualquer natureza.
* Não obstante, pedia esse autor uma lei geral que prescrevesse as regras
de divisão segundo o numero de habitantes, a superficie e a riqueza dc cada
parte do território, e o modo de se verificarem taes circumstancias. E não
6 idea abandonada; repete-se no projecto de reforma municipal apresentado
em 186J (art. 12). Uniforme para todo o Brazil, preoccupação do systema
franccz, fòra inconstitucional simiihante lei dc divisão administrativa. Pre­
tendem os conservadores que o poder geral, por isso que paga o funccionario,
deve intervir na creaçao do emprego. Nós ao contrario intendemos que, uma
uma vez que pertence, nem pôde deixar de pertencer á provincia a faculdade
de crear o emprego pela divisão das circunscripçôes, pertença-lhe também
pagar os respectivos funccionarios. E, si os paga, é logico que os nomée, é
logico que legisle a respeito das suas attribuições. Assim, o poder provincial
créa a comarca, e por isso deve pagar e nomear o magistrado. O mesmo di­
zemos do parocho. Com efTeito, até 1842 os juizes de dirèitos ou todos os
juizes territoriaes foram nomeados pelo presidente das provincias, e por
estas pagos. Os parochos o foram até 1848. Propondo um senador cm 1861
emenda ao projecto dos vencimentos da magistratura para só se tornarem
effcctitas as novas creações de comarcas depois de votados os fundos pela
assembléa geral, bem se lhe ponderou que a inconguencia não era do acto
addicional, pois que leis geraes posteriores é que aliviaram as provincias
dessas despezaa com juizes e parochos, produzindo a desharmonia actual.
96 PARTE SEGUNDA

morarias consultas ás mais claras attribuições das


assembléas ; e então escreve estas palavras : « O fim
do acto addicional (fim santo e justíssimo) foi depo­
sitar nas províncias sufficiente força, sufficientes
meios, bastante autoridade para poderem por si aviar,
sem as longas morosidades de um só centro, certos
negocios provinciaes, e a respeito delles, uma vez
que se contivessem nas raias da constituição, tor-
nal-as independentes até da assembléa geral. » Pése-
se bem esta phrase: nosnegocios meramente provin­
ciaes, o poder legislativo provincial não tem superior ;
mas qnantos abusos contra esta sã doutrina! e não
da assembléa geral, porém do poder executivo.

§ III.— Precedentes estabelecidos pela reacção.

Inútil para o leitor penetrado da idéa que domina


a lei das reformas de 1834, fôra fastidioso o exame
de cada decisão do governo opposta á indole das
nossas instituições provinciaes. Indiquemos, entre­
tanto, algumas das doctrinas do conselho de estado
para assignalar melhor o ponto a que chegou a reac­
ção, e a tenacidade com que disputa o terreno con­
quistado.
Creára-se, ninguém o contesta, uma administração
provincial separada da geral. O seu primeiro agente é
a secretaria : pois bem, depois de se converter o secre­
tario em empregado nacional, contestou-se ás assem­
bléas o direito de organisarem a repartição de que
elle é chefe.
INSTITUIÇÕES
* PROVINCIAES 97

Ainda mais : o que são officios de justiça sinão


cargos eminentemente municipaes? Pois hem : está
decidido que só ao governo central pertence prover
os officios de justiça, separar os que estão reunidos,
reunir os que foram separados, tornar privativo o
que é cumulativo, e vice-versa.
Não é a cadêa estabelecimento local ? não declara
o acto addicional que ás assembléas compete cons­
truir casas de prisão c corrccção, e estabelecer o seu
regimen? (Art. 10 § 9°.) Pois duas restricções fize­
ram-se, depois de 18-10, a esta positiva attribuição
dos poderes provinciaes. Primeiro, devolveu-se aos
chefes de policia, delegados do poder executivo,
a faculdade de nomear e demittir os carcerei­
ros ; e, depois, ficou pertencendo ao governo
marcar os ordenados dos de todo o império. E,
entretanto, ás assembléas é que compete regular
a nomeação dos empregados das prisões e fixar os
seus ordenados. Estão os carcereiros convertidos em
funccionarios geracs ; não deve isto maravilhar-nos,
porquanto avisos ha, baseades em consultas do con­
selho de estado, mandando submetter á approvação
do governo imperial o plano das obras de prisões !
Quando se não pretexta a natureza do cargo, recor­
re-se a uma subtileza em razão da materia. Compete,
é certo, ás assembléas crear estabelecimentos de ins­
trucção ; mas, segundo o conselho de estado, não
podem ellas abrir um curso de obstetrícia, nem con­
ferir ás mulheres que o frequentarem diplomas de
habilitação nessa arte. Minas, Alagoas, Ceará, Bahia
a prov. 13
98 PARTE SEGUNDA

e outras províncias legislaram sobre boticas c sobre


o exercicio dapharmacia e da medecina. Que abuso !
clamou o conselho de estado : não está, dice elle, a
materia regulada pelo governo geral, eprevcnta a ju­
risdicção das assembléas provinciaes?— Melhor fôra
certamente deixar plena liberdade ao exercicio de
todas as profissões ; mas, continúe ou não o actual
regimen preventivo, não é dos poderes centraes que
deve depender o regulamento da salubridade publica.
Estender ás províncias a autoridade dc uma junta de
hygiene da capital é manifesta usurpação. O fiscal
da saúde publica é a municipalidade. Na propria
França, o decreto de 25 de março de 1852 (art. 2°)
delegou aos prefeitos, sem mais dependencia do mi­
nistro, a policia sanitaria e a industrial. Como
admittir, em nossa terra extensissima, que a paten­
te de pharmaceutico dependa dos provedores das ca­
pitães de província, ou do ministro do império sob
parecer da junta central? Porque razão também éo
governo do Rio de Janeiro que nomêa um medico
commissario-vacinador para cada provincia?
São do mesmo genero os embaraços postos ás leis
provinciaes que, sob proposta das municipalidades,
mandam nos domingos fechar officinas e casas de
commercio. Entretanto, estas moralisadoras medidas
pertencem á policia local, e sua legitimidade parece
incontestável quando a regra se não estende aos cha­
mados dias-santos. Reduzidas ao domingo, tem ellas
caracter meramente hygienico, sem intenção re­
ligiosa, nem offensa da liberdade dos cultos. E’ por
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 99

haver deslocado a questão, que o conselho de estado


as considera privativas do poder geral com accordo
doecclesiastico, conforme os decretos da igreja admit-
tidos no império. Decretos da igreja invocados hoje
para regularem interesses temporãos sujeitos ao go­
verno civil dc cada localidade I 1
Constituída nas provincias uma administração se­
parada, a quem pertence sinão ás assembléas, sob
proposta das camaras, regular as questões concer­
nentes ao trabalho, suspensão delle no dia de des­
canço, numero de horas segundo as idades, hygiene
das oíficinas, e policia da industria e commorcio?
Não o permitte, porém, a centralisação actual ; e de
facto não ha administração separada, nem as provin­
cias se governam por si mesmas. Cargos e funeções,
negocios municipaes ou interescs provinciaes, tudo
leutamento foi absorvido na monstruosa jurisdicção
central.
Desse trabalho perseverante apenas dão mui ligeira
idéa os exemplos que citámos. Muitos outros e mais
graves referiremos ao tratar de obras publicas e im­
postos 1 ; ver-se-ha então que, ainda depois de muti­
lado o acto addicional, não ccssára, todavia, a tarefa
das consultas e avisos.

1 A camara municipal do Rio do Janeiro, em um roccnto edital (15 de no­


vembro de 1869), parece duvidar da sua competência, limitando-se a convi­
dar os seus municipes á guarda do domingo ; e, pela mesma confusão de
idéas do conselho de estado, appellando para o sentimento religioso dos ca­
tholicos, estende o convite aos dias srntificados.
’ Parto III, caps. V o VI.
100 PARTE SEGUNDA

E’ deplorável que o proprio autor dos Estudos prá­


ticos, que com tanto acerto afasta-se algumas vezes
das exagerações do conselho de estado, siga muitas
outras a trilha da rotina *. Entretanto, sustentando
doutrina que na actualidade merece recordar-se, eon-
demna energicamente a usurpação que o governo
geral algumas vezes praticara suspendendo leis
provinciaes sanccionadas ou legalmente publicadas
(§ 612). Que espanto não causaria ao chefe da reacção
de 1840 o arbítrio com que, não o poder executivo cen­
tral, mas os presidentes, delegados do actual ministé­
rio, suspenderam por si sós leis provinciaes ! attentato
que não cauza maior estranheza, que o escandalo da
sua impunidade.
Ao governo, porém, não aos presidentes, intende
o escriptor citado que deve uma lei conferir a facul­
dade de revogar provisoriamente, até decisão da as-
sombléa geral, a saneção dada por aquelles funccio­
narios ás resoluções oftensivas dos direitos de outras
províncias, dos tratados ou da constituição ($ 629).
Quanto a nós, nem essa lei seria necessária : para
reprimir quaesquer excessos, basta a faculdade que a
assembléa geral tem de revogar as leis provinciaes
cm casos similhantes. Demais, só uma grande con­
fusão de idéas póde inspirar tal doutrina em nosso re-

1 Olvidando as proprias regras de interpretação que adoptára, adheriu


esse autor a clamorosas restricções. Ou seja tratando de obras publicas, ou
referindo contestações relativas a impostos, assumptos de que tanto dependem
a vida o a prosperidade das províncias, admitte elle opiniões manifestamente
illogaes. Basta dizer que transcreve sem exame nem censura o aviso de 4 de
janeiro dc 1860. (V. Parto III, cap. V § 1.)
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 101

gimen : a assembléa provincial é ramo do poder le­


gislativo ; como póde então o executivo revogar
uma lei provincial ? Argumenta-se com o exemplo
da Bélgica ; mas a sua organisação é differente da
nossa. A lei belga permitte certamente ao governo
suspender os actos do conselho ou assembléa contrá­
rios ás leis e regulamentos dc administração geral,
ou que ferirem o interesse publico, que contiverem
excesso de attribuições, e que offendercm os direitos
dos cidadãos. Nestes casos, porém, o governador não
está investido do direito (diz o escriptor a quem to­
mamos estas informações) de pronunciar-se sobre os
actos do conselho ; limita-se a recorrer para o go­
verno. As medidas votadas pelo conselho não depen­
dem da saneção do governador. Na Bélgica, portanto,
o poder central goza da faculdade da revogação,
porque não tem o governador o direito de véto : as
duas faculdades não devem coexistir. Entre nós,
acima da assembléa provincial c do presidente, para
conter os excessos da primeira e corrigir a negli­
gencia do segundo, só póde haver uma autoridade su­
perior, o parlamento nacional.
Todavia, não desistem os estadistas da escola con­
servadora dc medidas, que, como essa, reforcem o
systema montado pela reacção. Querem coroal-o com
algumas reformas francamente uuitarias. Vejamos
até onde se estendem as suas aspirações.
102 PARTE SEGUNDA

§ IV.— Novos projectos centralisadores : conselhos de


provincia, agentes administrativos.

Não bastou converter em departamento franccz a


provincia do acto addicional, amesquinliando a sua
autonomia legislativa : pretende-se agora conferir a
delegados do poder executivo o conselho e a acção
cm negocios puramente provinciaes e ate municipaes.
Sob os nomes de conselhos de provincia o de agentes
administrativos, tem sido vulgarisada, quer por meio
de projectos dc lei, quer por certos livros, esta nova
tentativa de centralisação.
Tal é parao mal enorme que opprime as provincias,
a solução proposta pelos doutrinários da escola im­
perialista. Examinemos esses complementos das leis
pelos conservadores promulgadas durante o actual
reinado.
Será necessário, por ventura, crear conselhos, da
nomeação do governo imperial, que preparem os ne­
gocios a decidir pelos presidentes, e julguem cm
primeira instancia questões contenciosas ?
Em nosso conceito, similhantes conselhos trariam
os seguintes manifestos inconvenientes : augmentai-
a excessiva influencia do governo central, mediante
novos funccionarios delle dependentes ; difficultar o
processo dos negocios, cujo andamento é hoje de­
masiado lento; entorpecer a acção do presidente c
diminuir-lhe a responsabilidade; annullar pratica­
mente as assembléas provinciaes.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 103

Demais, sejam ou não uteis os conselhos, c evi­


dente a inconstitucionalidade da sua crcação por lei
geral. Teriam elles que preparar ou discutir, na mór-
parte dos casos, negocios provinciaes ou municipacs;
ora só ás assembléas pertence crear funccionarios
com attribuições sobre negocios que não cabem na
competência do governo geral. O parlamento não po­
dería decretar isso sem osteutar o máximo desprezo
pelo systema da constituição reformada em 1834.
Invoque-se embora o pretexto de que os conselhos
seriam auxiliares dos presidentes só uo preparo
e despacho daquelles assumptos da administração
geral, cujo processo se faça nas províncias: para tão
pouco não é mister uma nova corporação. Segundo a
natureza desses negocios, até hoje aos presidentes
não faltou a consulta do inspector de fazenda, do pro­
curador fiscal, do procurador da coròaonde ha relação,
de magistrados, dos directores de arsenaes, do com­
mandante de armas, e de outros funcciouarios. Quer
ouvidos isoladamente, quer em sessões periódicas que
a prática podería estabelecer, as informações e auxilio
que os presidentes carecessem, delles alcançariam fa­
cilmente sem dar-lhes o caracter pomposo de um con­
selho formal e obrigatorio.
Uma lei da Constituinte (2!) de outubro dc 1823)
organisera os conselhos chamados de presidência,
que, compostos de seis cidadãos maiores de 30 annos,
reuniam-se por dous mezes annualmente. Estas cor­
porações, que álias precederam aos conselhos geraes
creados pela constituição, duraram até 1834, sendo
104 PARTE SEGUNDA

então supprimidos (lei de 3 dc^outubro), porque já


estavam decretadas as assembléas provinciaes. Na
mente do legislador, as assembléas, substituindo os
conselhos geraes, dispensavam os de presidência.
Como, pois, se havia agora de restabelecer por lei
ordinaria uma instituição excêntrica do systema da
reforma constitucional do 1834?
E a proposito : com que ousadia avança a reacção
monarchica ! o conselho de presidência e o conselho
geral eram ambos corporações electivas : seus membros
eram nomeados da mesma fórma por que se elegem
os deputados: quasi meio século depois, pretende-se
conferir ao poder executivo a nomeação dos conse­
lheiros de província.
Inútil para os negocios geraes, inconstitucional
quanto aos provinciaes, qual o objecto da nova en­
tidade sinão robustecer a monarebia centralisada?
As proprias assembléas é que poderiam crear, para
auxiliares dos presidentes, conselhos méramente pro­
vinciaes. Em 1858, reformando-se a administração da
provincia do Rio de Janeiro, estabeleceu-se que os
chefes das repartições seriam reunidos c ouvidos pelo
presidente, quando intendesse preciso. Assim, sem
maior dispendio, sem o atropello de mais um inter­
mediário entre o povo e a administra ão, assentou-se
a prática de conferenciarem os presidentes com os
chefes dos diversos serviços administrativos sobre os
negocios que por sua importância o mereçam.
Mas diz-se: « As questões do contencioso adminis­
trativo carecem nas províncias de um tribunal de
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 105

primeira instancia, sendo a segunda o conselho de


estado ; e os projectados conselhos preencheríam esta
missão. » Mais um sophisma I Carecemos, não de tri-
bunaes de primeira e segunda instâncias para o cha­
mado contencioso administrativo, mas de erradicar
esta parasita franceza enxertada no regulamento do
conselho de estado. Além disso, para o julgamento de
questões contenciosas relativas a negocios puramente
provinciaes, ainda felizmente não foi supprimida a
competência dos juizes ordinários. Nos negocios ge­
mes da fazenda já existe o processo contencioso, quer
perante as thesourarias, quer perante o thesouro ; e de
sóbra se tem regulado e centralisado esta parte do
assumpto. Querer applicar o mesmo systema a todas
as pendências entre a administração e os particulares,
originadas nas provincias, não é alliviar, é opprimir
os cidadãos.
Abandone-se a prática franceza, fique competindo
aos tríbunaes o julgamento do contencioso geral, seja
nas provincias, seja na côrte a séde da questão. A
Inglaterra e os Estados-Unidos não conhecem o con­
tencioso administrativo, e nem por isso os seus sys-
temas de governo parecem peiores que o nosso.
O que se pretende, pois, sinão augmentar funccio-
nalismo supérfluo, sem necessidade positiva que o
demande, por méra imitação dos conselhos de pre­
feitura de França?
Os publicistas da escola conservadora crearam uma
prevenção exagerada contra a organisação adminis­
trativa das nossas provincias. Ella contém lacunas
A PROV. 14
106 PAUTE SEGUNDA

certamente; mas, para preenchel-as, a solução dos


liberaes é mui opposta e diversa, é completar o for­
tificar o systema do acto addicional, rodeando-o do
instituições efficazes, como seriam os senados pro­
vinciaes e as commissões permanentes, de que abaixo
trataremos. 1
Duas palavras bastem para julgarmos dos projcc-
tados agentes administrativos. *
Executores das posturas municipaes , auxiliares
dos presidentes, seriam, como estes, nomeados por
decreto do imperador. Sua inconstitucionalidade ,
porém, é manifesta.
X. constituição c o acto addicional cntreyaram ás
camaras, corporações de eleição popular, os negocios
municipaes. Ura lia, com efieito, urgência de refor­
mar a instituição municipal, não no sentido centra-
lisador, mas no sentido inverso, restituindo-lhe a
autonomia c. tornando mais prática a execução das
suas deliberações. U agente administrativo, nomeado
pelo imperador ou pelo presidente, para o fim de iu-

' Cap. II.


* E’ antiga a idea de iam auxiliares. O projecto de constituição da as­
sembléa constituinte creava em cada districto um sub presidente. No da
administração provincial (1826’, Feijò instiluia em cada villa a inesma au­
toridade, proposta, em lista triplice, pelas camaras municipaes ao presidente.
Vergueiro, no das municipalidades (do mesmo anno , dava-lhe o nome de
intendente municipal, igualmente apresentado pelas camaras, mas em lista
quadrupla. O projecto da camara temporária paraas reformas eonstitucionaes
{1831 dizia no § 12: « Nos municípios haverá um intendente que será nelles
o mesmo que o presidente nas províncias.» Todos estes projectos, porém,
eram antei iores ao acto addicional. Depois delle, crearam algumas provincias
prefeitos com attribuições mais amplas que as simplesmente administrativas :
vêde o cap. V, § 2.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 107
tervir nos negocios municipacs, seria a derradeira
conquista do imperialismo.
Mas, dizem, os presidentes não teem agentes subor­
dinados que os auxiliem nos negocios geraes ou pro­
vinciaes. Em nosso intender, c exagerada e inexacta
esta affirmação.
D’entre os assumptos propriamente geraes, cita-se,
como exemplo justificativo, o recrutamento. Mas não
se. tem feito ate hoje este barbaro serviço por meio
da policia ou de commissaries especiaes? e não deve
elle desaparecer em breve deante da condemnação
universal ?
Os serviços de caracter geral nas províncias teem
todos elles chefes proprios, administração particular,
sujeita aos presidentes; a fazenda, o exercito, as ca­
pitanias de portos, a guarda nacional, as obras pu­
blicas, etc., todos esses ramos da administração, os
dirigem agentes subordinados ao presidente da pro­
víncia. Não são, pois, os negocios geraes que care­
cem de um novo intermediário. Só a preoccupação do
systema francez, só ura falso amor da symetria, como
notou-o J. J. Rocha condcmnando cm 1858 o pro­
jecto da coramissão presidida pelo Sr. Uruguay, só a
falta de plena consciência das nossas instituições na-
cionaes, explicam esse plagio dos sub-prefeitos de
França.
Quanto aos negocios provinciaes, cumpre advertir
que, si taes agentes fossem mister, só as assembléas
poderíamcrcal-os. Não suppomos, porém, quo aexpe
riencia recommende a creação dc um agente adminis-
108 PARTE SEGUNDA

trativo que concentre em cada divisão da provincia, seja


o município, seja a comarca, seja outra qualquer, a
superintendência de todos os negocios que nessa di­
visão se tratem. Teriam certamente as assembléas
competência para fazel-o, mas a lei da divisão do tra­
balho oppõe-se a tal novidade. Em cada districto de
uma provincia são dc natureza muito diversa os seus
proprios interesses: ha as obras publicas, ha ainstruc-
ção, ha a arrecadação dos impostos, etc. Fôra mais
util delegar isso tudo a um só agente em vez dos
funccionarios especiaes, engenheiros, collectores,
inspectores, que hoje desempenham taes funeções ?
Não nos parece. 1
Entretanto, seja ou não mais conveniente isso do
que a prática até hoje seguida, fique bem assigna-
lado o caracter odioso de um acto do parlamento que
assim interviesse no governo interior das provincias.
Supérfluos quanto aos negocios geraes, os agentes
administrativos seriara, como os conselhos de presi­
dência, perniciosos por augmentarem o pessoal de­
pendente do governo, e illegaes por usurparem um
direito até hoje respeitado.
Em 1867, porém, intendou-se que ainda se podia
renovar a tentativa que dez annos antes falhára.
Para a obra reaccionaria não fallece, com effeito, a
perseverança, que tanto tem faltado ao verdadeiro

1 Sustenta a competência das assembléas, mas admitte a conveniência dos


novos funccionarios o Sr. Cons. Ribas, Direito Administrativo, p. 197. O go­
verno geral já havia reconhecido essa competência em 1835 (§ I supra).
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 109

progresso c ás reformas liberaes. Em longas sessões


do conselho de estado discutiu-se um systema de pro­
jectos centralisadores, com agentes administrativos
e conselhos de presidência. O espirito desses projec­
tos era o da centralisação franceza : a fonte, a legis­
lação contemporânea dc Portugal, onde houve tam­
bém, entre as notabilidades políticas, quem, pres­
tando-se a esmagar as liberdades locacs, coadjuvasse
a incorrigível tendencia absorvente dos principes.
Havemos ver tomarem-se aqui por modelo as imita­
ções portuguezas de regulamentôs francezes? aqui
onde, por largos annos, estudára-se a organisação
dos Estados-Unidos como o ideal dos povos modernos ?

V.—Missão do partido liberal.

A illegalidade das doctrinas e dos precedentes es­


tabelecidos pelos governos conservadores não c mais
duvidosa para nenhum espirito esclarecido, para al­
guns dos nossos proprios adversários. Alargou-se a
tarefa dos liberaes da nova geração. Cumpre-lhes
agora, não já disputar ao conselho de estado c aos
avisos do governo fragmentos de concessões liberaes;
cumpre-lhes propôr o regresso ao espirito genuino do
acto addicional; cumpre-lhes exigir as consequên­
cias lógicas que dellc souberam tirar algumas pro­
víncias antes de 1840.
Quanto a nós, não nos limitaremos a pedir a exe­
cução da lei e o abandono de práticas perniciosas ;
110 PARTE SEGUNDA

vamos também propor o complemento do systema es­


boçado no acto addicional. Este systema suppôc nas
provincias um poder legislativo e uma administração
proprios; que falta para que funccionem com regula­
ridade? até onde devemos chegar no empenho de re-
habilital-os? quaes as circunscripções da descentra-
lisação que os liberaes promovem?
Responderemos apresentando, uma a uma, cada
instituição provincial, não conforme uma theoria pre­
concebida, mas segundo os traços que nos legaram os
estadistas de 1831. Tal é o nosso methodo. Em vez
de offerecer reformas sem filiação histórica, prefe-
rim 3 inspirar-nos nas tradições dc um passado me­
morável. Em questões que interessam á liberdade,
reconhecida e consagrada outr’ora, mas aniquilada
hoje, immense força tem o partido que clama pela
restauração das leis mutiladas. Si faltassem exem-
pios, o da Hungria contemporânea patentearia a van­
tajosa posição de um povo que exige, em nome do
direito antigo, não em noine sómente da theoria polí­
tica, o restabelecimento de suas instituições esma­
gadas.
A doutrina liberal não é no Brazil fantasia mo­
mentânea ou estratagema de partido: é a renovação
de um facto historico. Assim considerada, tem ella
um valor que só a obcecação pódc desconhecer. Como
a França voltando-se agora para os princípios dc 89.
nós volvemos a um ponto de partida bem distante, o
fim do reinado d? Pedro I; queremos, como então que­
riam os patriotas da independencia, démocratisa?
nossas instituições.
NSTITIJIÇÕES PROVINCIAES 111

E’ tempo! De sobra tomos visto uma nação joven


offerecer aos olhos do mundo o espectáculo da decre­
pitude impotente. Na America, onde tudo devera de
ser novo, pretendem que o despotismo se perpetue
perpetuando a centralisação. O que. somos nós hoje?
somos os vassallos do governo, —■ da centralisação.
Ouçamos o que á sua patria dizia em iguaes circun­
stancias o autor da Democracia na America.
« Algumas nações ha na Europa, escreve Tocque­
ville,onde cada habitante considera-se uma cspeciede
colono indifferente ao lugar que habita. Sobrevêm as
maiores mudanças no seu paiz sem o seu concurso ;
não sabe mesmo precisamente o que é passado; tem
disso apenas uma vaga idéa; por acaso ouviu elle re­
ferir-se o acontecimento. Ainda mais: a prosperidade
da sua povoação, a policia da sua rua, a sorte da sua
igreja c do seu presbyterio, não lhe importam; cuida
que essas cousas todas lhe não respeitam de nenhum
modo, c que pertencem a um estrangeiro poderoso
chamado governo. Quanto a elle, o habitante, goza
de taes bens como usufruetuario, sem espirito de pro­
priedade, sem projecto algum de melhoral-os... Quando
as nações chegam a tal ponto, é forçoso que mudem
de leis e de costumes, ou que pereçam; pois a fonte
das virtudes eivicas está nellas esgotada; ahi se in­
contram vassallos, já não se veem cidadãos. Taes na­
ções estão preparadas para a conquista Si não desa­
parecem da scena do mundo, é que similhantes ou
inferiores a ellas são as nações que as cercam... Mas,
accrescenta o mesmo illustre publicista, si não dc-
112 PARTE SEGUNDA

pende das leis reanimar crenças que se extinguem,


das leis depende interessar os homens nos destinos do
seu paiz. Das leis depende despertar e dirigir esse
vago instincto da patria que jamais abandona o co­
ração do homem, e, prendendo-o aos pensamentos, ás
paixões, aos hábitos diurnos, fazer desse instincto
um sentimento reflectido e duradouro. E não se diga:
«é tarde demais para tental-o»: pois as nações não en­
velhecem da mesma sorte que os homens. Cada ge­
ração que surge no seio délias é como um povo novo
que vem offerecer-se á mão do legislador.»
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 113

CAPITULO II.

A ASSEMBLÉA.

Amesquinharam o poder legislativo provincial as


doutrinas da reacção;mas o annullaram repetidos atten-
tados dos agentes do governo. Ou sofismando o acto
addicional, para declararem contrários á constituição
e os suspenderem projectos de lei votados por dous
terços, como o orçamento provincial da Bahia, e o mu ­
nicipal do Paraná que nem de saneção carecia; ou,
mais francamente ainda, suspendendo leis já promul­
gadas, como no Piauhv e Mato-Grosso, alguns
delegados do gabinete de 16 de julho excederam os li­
mites da decencia.
A urgência do momento é, pois, zelar as preroga-
tivas das assembléas; mas não é menos importante
completar a instituição do acto addicional. A in­
fluencia, o prestigio e a efficacia do poder legislativo
provincial dependem, em nosso intender, da divisão
em duas camaras e das commissões permanentes.

A PROV. 15
114 PARTE SEGUNDA

£ I.—Senados provinciaes.

0 art. 3° do acto addicional permitte ao parlamento


«decretar a organisação de uma segunda camara le­
gislativa para qualquer provincia, a pedido de sua
assemblca, podendo essa segunda camara ter maior
duração que a primeira. »
Tão possuídos do systema federativo norte-ame­
ricano estavam alguns dos membros da camara cons­
tituinte de 1834, que na sessão de 25 de junho o de­
putado Souza Martins propuzera desde logo senados
provinciaes para Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro,
Minas e S. Paulo, sendo facultativos para as demais
provincias. Eleitos por quatro annos, renovados por
metade biennalmente, os senados compor-se-iam de
18 raeml -os, sendo 36 os da outra camara, chamada
dos representantes como nos Estados-Unidos.
A alguns escriptores da escola conservadora não
tem escapado a conveniência dc uma segunda camara
legislativa nas provincias ', e ha poucos annos, sob o
governo dos nossos adversários, a assemblca de Per­
nambuco representara neste sentido.
Seriam os senadores provinciaes, por sua cdade
(trintaanuos, por exemplo, no minimum), pela maior
duração do seu mandato, pelas tradições administra­
tivas que guardariam, os verdadeiros conselheiros do

1 Direito publico brasileiro, pelo Sr. V. de S. Vicente; § 195.


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 115

presidente, levantando ao mesmo tempo um dique ás


rapides transformações da opinião na camara dos re­
presentantes.
Nas colonias inglezas experimentou-se a necessi­
dade de taes senados logo que ncllas começou a fun-
ccionar o systema representativo. Ali se está agora
adoptando a divisão da legislatura cm duas camaras,
que é a base da organisação legislativa nos Estados-
Unidos.
E’ a divisão do poder legislativo em dous ramos in­
dispensável á sua dignidade, não raras vezes compro-
inettida pelos inevitáveis excessos eactos irreflectidos
dc uma assembled unica.
Muitos dos liabituaes conflictos entre o presidente
c a assembléa evitará a segunda camara. E’ sem du­
vida melhor e mais regular que os projectos dc lei
sejam corrigidos ou rcpellidos por outra camara, re­
presentante igualmente do povo, do que pelo orgão
do poder executivo.
Quanto contrastam as assembléas únicas das revo­
luções fraucezas com o admiravcl mecanismo legisla­
tivo dos norte-americanos ! A expcriencia havia sido
decisiva para estes últimos, que nos primeiros tempos
da confederação insaiaram na Pennsylvania a uni­
dade legislativa, ao depois abandonada.
« Dividir a força legislativa, moderar assim o mo­
vimento das assembléas politicas, crear um tribunal
de appellação para revisão das leis, taes são, diz To­
cqueville, as vantagens resultantes da actual consti­
tuição dc duas camaras nos Estados-Unidos. O tempo
11(5 PARTE SEGUNDA

c a experiência fizeram conhecer aos americanos


que a divisão dos poderes legislativos é ainda uma
necessidade de primeira ordem.... Pode-se d’ora avante
considerar como verdade demonstrada a neces­
sidade de repartir a acção legislativa por muitas cor­
porações. Esta theoria, quasi ignorada das antigas
republicas, introduzida no mundo por um acaso,coino
a mór-parte das grandes verdades, desconhecida dc
vários povos modernos, passou afinal como axioma
para a sciencia politico dos nossos dias. » 1
Os senados provinciaes não representariam, pois,
o interesse da liberdade sómente ; seriam, antes de
tudo, um elemento conservador. Seu mérito princi­
pal consiste, porém, na efficacia, prestigio e digni­
dade que dariam ao poder legislativo provincial.
Custa crer que nossos adversários desprezassem esta
garantia sabiamente facilitada polo acto addicional,
preferindo as medidas arbitrarias o os correctivos
illegaes que hão empregado contra as assembléas.

§ II.— Commissües permanentes.

Sentem os homens experimentados que se não te­


nha introduzido entre nós a prática das commissões
permanentes. As distancias no Brazil, difiicultando a
reunião das camaras, aconselham que se nomêe cada

1 Ve la démocratie en Amérique ; cap. V.— Vedo lambem a 12a lição do


Sr. Laboulayc sobro a constituição dos Estados-Unidos.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 117

armo unia commissão legislativa para, na ausência


dcllas, tomar conhecimento dc certas propostas ur­
gentes do governo, e preparar os trabalhos da sessão
annual.
Iguaes razões recommendam isso nas provincias.
A Bélgica fornece um exemplo digno de imitar-se, c
que já foi seguido pela Ilollanda. Ali o conselho
provincial elege uma deputação permanente composta
de seis membros, para represental-o no in­
tervals das sessões, deliberar sobre as questões or­
dinárias da administração, fiscalisai- o emprego dos
fundos votados pelo mesmo conselho, e tambsrn para,
em caso de urgência, tratar dc negocios -privati­
vos delle.
Na organisação belga, as deputações permanentes
correspondem aos conselhos de presidência, que aqui
se pretende compor de membros nomeados pelo Im­
perador. E’ tanto assim que, como jurisdição conten­
ciosa (na Bélgica adoptou-sc o systema fraucez nesta
parte), a deputação estatuo, cm primeira ou cm ul­
tima instancia, sobre contestações que tenham por
objecto direitos politicos ou administrativos, deri­
vados de eleições g-ei-aes, provinciaes e municipaes,
ou relativas á guarda civica, á milicia, ás institui­
ções de beneficeucia. etc. Como agente do poder
central, pois que seus membros são retribuidos pelo
Estado, embora nomeados pela assemblca, de que fa­
zem parte, a deputação intervém na execução das leis
e medidas de interesse geral. Seu presidente é o go­
vernador da provincia, que nclla tem veto.
118 PARTE SEGUNDA

Vários publicistas francezes contemplam a mesma


idéa entre os projectos de reforma administrativa.1
Em nosso conceito, as commissões permanentes
das assembléas, provisoriamente votando medidas de
urgência, preparando os trabalhos da sessão legisla-
lativa, facilitando o despacho dos negocios secundá­
rios, prestariam maiores serviços que nenhum conse­
lho administrativo.
Elias permittiriam também remover uma dificul­
dade gcralmente reconhecida. E’ o governo cental
quem approva ou annulla as eleições dc juizes dc paz
e vereadores : os presidentes mandam reformar as vi­
ciadas, quando a demora não permitta aos novos elei­
tos funccionarem no dia legal. Similhante centra­
lisação mancha uma das leis mais liberaes que pos­
suímos. Para evitar o arbítrio com que presidentes
facciosos procediam outr’ora nas decisões eleitoraes,
commetteu a lei de 184G o duplo erro de centralisai-
o conhecimento definitivo destas questões e dc ainda
permitir áquelles funccionarios intervenção proviso­
ria. Abundam os oasos de violentas decisões, quer
dos presidentes, quer do proprio governo imperial.
Ainda quando no Brazil fosse o poder tão escrupu-

1 Odilon Barrot, obra citada; Prevost Parado), La France nouvelle, liv. II,
cap. 2.—Segundo o Sr. Béchard, a cujas opiniões já nos ^referimos Parte
I, cap. II), cada conselho geral de departamento teria, não uma, mas varias
commissões permanentes, quer durante as sessões do conselho, quer na sua
ausência, a saber: commissão de obras publicas, de imposições, de tomada
de contas, de estabelecimentos de caridade, dc prisões, de salubridade, das
communas, de cultos e instrucção publica, e objeclos diversos e extraor­
dinários.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 119

loso que jamais deixasse de respeitar o voto do povo,


seria acaso praticável concentrar no Rio de Janeiro o
estudo c julgamento das eleições de juizes de paz de
todos os districtos e as de vereadores de todas as ca­
maras municipacs ? Essa tarefa é, com effeito, mui
penosa para a administração central, e, tomando um
logar que outros deveres preencheríam melhor, mos­
tra a seriedade das occupações dos nossos governos.
Demais, deve, por ventura, competir a autoridades
executivas attribuição desta natureza, que importa
o julgamento dos comicios populares? Por outro lado,
não é um dos direitos da assembléa provincial a su­
prema inspeccão da parochia e do município ? Só a
ella se poderia, portanto, confiar essa grave attri­
buição, e, no intervallo das sessões legislativas, á
commissão permanente, que, a exemplo da Bélgica,
deve de resolver todos os negocios municípios ur­
gentes.

$ Ill.—Eleição.

Além dos seus notorios defeitos, o svstema


V eleito-
ral vigente, quanto á representação provincial, offe-
recc o grave inconveniente de tirar aos membros das
assembléas o caracter municipal, que devêram ter.
Nove das províncias formam cada uma um só dis-
tricto eleitoral, e nas outras são estes demasiadamen­
te extensos.
120 PARTE SEGUNDA

Quanto a nós, os membros da primeira camara pro­


vincial, a dos representantes, seriam eleitos pelos
municípios, votando os eleitores em parochias. Cada
município nomearia trez representantes, cabendo a
cada eleitor dous votos sómente.
Os membros do senado provincial, porém, haviam
ser nomeados pelos eleitores da provincia inteira, vo­
tando igualmente em parochias c em dous terços dos
nomes. Duraria seu mandato quatro annos, renovan­
do se pela metade em cada eleição da outra camara.
Exigir-se-ia a condição de uma edade minima, trinta
an- os por exemplo. O numero de senadores, certa­
mente limitado, nunca devêra ser menor de doze.
Si ajuntassemos ás attribuições da assembléa a de
nomear os senadores do império, por maioria de vo­
tos de ambas as camaras provinciaes reunidas, dous
por cada provincia, com mandato por oito annos e
renovação parcial dc quatro em quatro, ter-se-ia
communicado ao nosso systema politico uma energia
desconhecida até hoje. Então veriamos, nas provin­
cias e na capital, verdadeiras lagislaturas democrá­
ticas succederem ás camarilhas de presidentes e mi­
nistros.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 121

CAPITULO III

O PRESIDENTE

O preclaro escriptor que ao começar deste século


vulgarisára no Continente as doctrinas constitucio-
naes, expoz á França uma larga tlieoria descentra-
lisadora, que nos importa invocar.
« A direcção das negocios de todos, diz elle, per­
tence a todos, isto é, aos representantes e aos dele­
gados de todos. O que não interessa mais que a uma
fracção, por essa fracção deve ser decidido ; o que
sómente importa ao indivíduo, não deve estar sujeito
sinão ao indivíduo. Não se póde repetir demasiado —
que a vontade geral não é mais respeitável que a
vontade particular, desde que ultrapassa a sua es-
phera propria. Tem-se até hoje considerado o poder
local como ramo dependente do poder executivo ; pelo
contrario, si não deve nunca embaraçar a este, o
poder local não deve também depender delle........Não
hesito em dizel-o, é preciso introduzir em nossa ad­
ministração interior muito federalismo. » 1
O clássico publicista determina assim o caracter
das instituições administrativas dos povos modernos,

1 Benjamin Constant: Politique Constitutionelle; P parte,cap.X.


A PROV. 16
122 PARTE SEGUNDA

a indole do self-government, que é a ardente aspiração


dos pensadores da França e uma realidade em vastas
regiões do mundo. 1
Não bastou ás colonias inglezas regerem-se por leis
proprias decretadas por suas assembléas. Incompatível
com estas tornára-se a autoridade discricionária de
um governador enviado pela métropole. Poder exe­
cutivo independente, elle praticaineute annullava o
poder legislativo colonial. Ou a separação, ou minis­
tério responsável á imagem do governo parlamentar
da métropole, tal foi o grito dc guerra nas agitações
políticas do Canadá c outras possessões. Era inevitá­
vel o dilemma : a sabedoria do governo britânico
attendeu ao clamor dos povos ; fundou-se o systema
representativo nas mais importantes colonias. *
A mesma crise, por motivo idêntico, se está pro­
nunciando no Brazil.

£ I.— Eleição do presidente; independencia dos fun­


ccionarios geraes.

A assembléa e o governador, dous poderes que se


completam, não podem descender de origens oppostas.
Si a fonte d’onde emana o segundo dá-lhe absoluta
independencia em relação ao primeiro, este fica nul-
lificado. Por isso é que parlamento com rei absoluto

1 Parte I, cap. II.


’ Parte I, cap. VI.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 123

é, na phrase de Cromwell, casa para alugar ; por isso


é que nas monarchias constitucionaes o ministério é
commissão do parlamento, que de facto o nomêa.
A experiência das possessões inglezas assaz pa-
tentêa a incompatibilidade de uma assembléa po­
pular com um administrador imperial. «Antes de
adoptado o principio do governo responsável, diz
Erskine May, quacsquer que fossem as fluetuações
da opinião na legislatura ou na colonia, qualquer
que fosse a impopularidade das medidas ou das
pessoas incumbidas de propol-as, continuavam estas
a dirigirem os conselhos da colonia....... Acontecia
então que os conselheiros (ou secretários) do gover­
nador seguiam uma política, a assembléa outra. Me­
didas elaboradas pelo poder executivo eram rejeitadas
pela assembléa ; medidas votadas pela assembléa eram
repellidas pelo conselho ou recebiam o véto do go­
vernador... Não havia cm taes casos meios cons­
titucionaes para restabelecer a confiança e boa in-
telligencia entre os poderes contenderes. Frequentes
dissoluções das assembléas exasperavam o partido
popular, c geralmente redundavam em seu final
triumpho. Tornou-se chronica a hostilidade entre a
assembléa e os funccionarios permanentes que ca-
hissem cm impopularidade.... Instituições represen­
tativas cm collisão com um poder irresponsável,
ameaçavam anarchia : estava assim provada a incom­
patibilidade de dous antagônicos princípios de go­
verno. »
Estes são, cm verdade, princípios diametralmente
124 PARTE SEGUNDA

oppostos. Assembléa eleita pelo povo exige, como


complemento, administração que se possa remover
conforme o voto do povo ou dessa assembléa. Vários
projectos se oflereceram cm 1832 e 1834 para que o
presidente fosse electivo. Por lei, porem, ficou esto
ponto resolvido de modo incongruente com a idéa da
reforma constitucional. Ao passo que se consagrava
a autonomia legislativa da província, confiava-se o
*
podei executivo a um delegado do governo central.
Só os vice-presidentes entraram na esphera provin­
cial, sendo biennalmente escolhidos pelas assembléas,
concessão aliás que a reacção não se esqueceu de sup-
prinir, arrancando-lhes esta faculdade, que repre­
sentava, inda que parcialmente, um grande principio.
Assim, pediam as províncias c deu-se-lhes poder lc-
legislativo independente para prover aos seus interes­
ses meramente locaes ; careciam, mas recusou-se-lhes
poder executivo proprio para cumpriras suas leis par­
ticulares, relativas a esses interesses locaes.
Facil fóra prever a desordem gerada por tamanha
inconsequencia. A cxpericncia das estercis lutas en­
tre as assembléas c os delegados do imperador tem
dc sobra patenteado o engano daquelles que reputa­
ram feliz a combinação de dous princípios antinomi-
cos : uma legislação local executada por funcciona-
rio estranho á localidade. 1

1 Um facto recente illumina esta questão. Havia a assembléa liberal de S.


Paulo decretado a liberdade do ensino ; aulas particulares, escolas nocturnas
para adultos fundavam-se na capital e no interior, quando sobrevêm um re­
gulamento crcando embaraços ao pensamento do legislador. « A execução da
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 125

Urge obviar tão notorio inconveniente. Para os


conservadores, o remedio consiste em aperfeiçoar-se
a obra rcaccionaria de 1849, annuilando-se indirecta-
mente as assembléas, ou extinguindo-as resoluta­
mente *. Para os liberaes, a solução está, convém
repetil-o, era aceitarem-se francamente as consequên­
cias lógicas do systema adoptado, restaurando-se a
assembléa do acto addicional, c dando-se-lhe por com­
plemento o presidente electivo.
Seguramente, erguer-se-ha aqui o fantasma da
anarchia, com que se intimida o povo c afugenta
qualquer idea nova. O estado presente é que é a
anarchia. Supponha-se, como ainda ha pouco, a
coexistência dc presidentes conservadores com as­
sembléas liberaes. Quantas lutas inconvenientes !
que espectáculo offerecem os poderes públicos á po­
pulação maravilhada! O menor prejuízo é a total
paralysia da administração. Não obteve orçamento?
proroge o presidente o anterior, de autoridade pro­

lei, clamava o presidente da assembléa, corre o perigo de ser baldada. Este


estranho facto robustece a minha antiga convicção de que’as esperanças gera­
das pelo acto addicional não podem ser realisadas completamente, sinão quan­
do o delegado do poder executivo na provincia estiver cm perfeita harmonia
com a respectiva assembléa. Em vão se quiz alii consignar o dogma do go­
verno da provincia pela provincia na órbita dos interesses puramente provin­
ciaes .- a actual organisação administrativa, que não poderá ser duradoura,
inutilisa tão salutar dogma. » (Discurso proferido pelo Sr Cons. Carrão, pre­
sidente da assembléa de S. Paulo, ao cnccrral-a em julho dc 1869. )
1 Um projecto do Sr. ministro do império 1869) transfere a assembléas
chamadas municipaes, compostas de membros não electivos, importantes
atlribuições das assembléas provinciaes. Mais longe ia um deputado que
em 1859 lembrava a divisão do império cm pequenas circunscripções iguaes,
meramonte administrativas, como os departamentos de França.
126 PARTE SEGUNDA

pria. Medidas tomadas pelos antecessores, seus ad­


versários, annulla-as; obras cm via de execução,
abaudona-as. Projectos votados pela assembléa hos­
til, recusa sanccional os; c, si aquella insiste, sus­
pende-os por qualquer pretexto, recorrendo para o
governo: e alguns fizeram mais, suspenderam a exe­
cução de leis effectivas, anteriores, ja promulgadas.
Ha mais patente desordem ? ha maior anarchia ?
Harmonisemos dous poderes condemnados , pela
incoherencia da sua organisação, a um perpetuo
conflicto. Assentem na mesma base, decorram da
mesma origem. A sabedoria do legislador consti­
tuinte está em dar aos poderes que constrúe todas
as faculdades necessárias para viverem a vida plena
das instituições dc um povo livre. Querem uma ad­
ministração provincial differente da administração
geral ? pois dê-se-lhe toda a autonomia correspon­
dente á sua tarefa. O contrario, o que estamos vendo,
á um aleijão, sem elasticidade, sem vida real.
Para tornar a instituição provincial susceptível de
todo o desinvolvimento, não satisfaria, perguntar-
se-ha talvez, a combinação adoptada nas colonias
inglezas? Ahi, como já vimos, a exemplo do sys­
tema parlamentar da métropole, resolveu-se o pro­
blema cercando o governador de secretários ou con­
selheiros tirados da maioria da assembléa, ficando
elle de facto um soberano constitucional e passando
a realidade do poder executivo a esses delegados da
legislatura. Si imitássemos o exemplo, o presidente,
como os lords governadores, seria um embaixador do
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 127

governo central junto ás províncias. Sua ostentosa


missão exigiría um salario correspondente. Certo, ha­
viam ser então aproveitados, para esta elevada e bri­
lhante posição, homens superiores, chefes politicos,
que muita vez ficam sem tarefa nem responsabilidade
no governo depois de escolhidos os sete ministros.
Estas, entretanto, nos parecem vantagens secunda­
rias. Subsistiría sempre o inconveniente notado ;
aconteceria muitas vezes haver um presidente de par­
tido opposto á assembléa ; e, por outro lado, um mi­
nistério da confiança da assembléa, mas antipathico
ao presidente. A consumada prudência dos governa­
dores inglezes e a moderação do carater britânico
attenuam nas colonias esse grave inconveniente ;
mas acaso conseguiriamos, em nossas províncias,
cuja política interna se liga estreitamente á política
geral, remover os inevitáveis confiictos nascidos de
tal combinação ? Poder-se-ha réalisai
* nas províncias
esse typo de systema parlamentar que tão difiicil tem
sido aclimar nas altas regiões do governo ?
No modo de eleger o presidente procuraram os pro­
jectos liberaes de 1832 e 1834 remover os escrúpulos
daquelles a quem esta novidade espantava. Esses pro­
jectos, nenhum dos quaes obteve maioria, coincidiam
em très pontos: lista triplice, escolha e demissão pelo
governo central. A divergência estava em proporem,
um, a nomeação pelos eleitores da província: outro,
a apresentação pelas camaras municipaes; e um ter­
ceiro, pelas assembléas legislativas. Fixava-se em
um delles o periodo presidencial em dous annos '. Recen-
1 Foram os seguintes:
128 PARTE SEGUNDA

temente lembrou-se a conveniênciadc serem os presi­


dentes tirados d’entre os membros da assembléa pro­
vincial. Esta combinação, que alias deixa ainda ao
governo grande liberdade, tem o inconveniente de
confiar ao acaso uma escolha acertada. Em nosso in­
tender, não cabe aqui solução intermedia: o gover­
nador não póde ser sinão delegado do governo ou
mandatario do povo. A eleição, uma vez preferido
este systema, é qne póde ser directa, como actual-
mente nos Estados-Unidos, ou indirecta pelos mem­
bros reunidos de ambas as camaras da legislatura.
Era assim naquella republica ao começar deste se-
cuio, e, quanto a nós, razões de prudência recom-
mendam que façamos do mesmo modo a experiencia
do novo systema. O prazo de cada administração é

Do deputado Paula Albuquerque,em 26 de maio de 1832:—«Os presidentes


das províncias.... serão propostos pelas camaras municipaes délias em listas
tríplices, e nomeados então pelo poder executivo na forma da constituição
do império.» (Art. 1Poderíam ser demittidos a arbítrio do governo, fa­
zendo-se a nova nomeação ou por outra lista triplice ou pela mesma (Art.5).
Do deputado Feruandes da Silveira, a 9 de julho de 1834, em emenda ao
projecto do acto addicional:—«Estes presidentes das províncias serão nomea­
dos pelo imperador sobre lista tríplice organisada pelas assembléas provin­
ciaes.» Emenda regeitada na sessão de 12 do mesmo mcz, tendo obtido
11 votos.
Do mesmo deputado, a 4 de agosto seguinte (1834), em outra emenda ao
projecto de lei das attribuições dos presidentes:—«O presidente da província.,
será nomeado da mesma fórma que os senadores.»
Do deputado Cornelio Ferreira França, a 27 de junho de 1835;—« Os presi­
dentes de província serão nomeados pelo Imperador sobre proposta de 1res
cidadãos brasileiros feita pelos eleitores no mesmo tempo que se elegerem os
deputados ás assembléas provinciaes. (Art. 1).—Estes presidentes servirão
todo o tempo da legislatura provincial, emquanto não forem removidos pelo
imperador, mas neste caso o imperador mandará na mesma occasião fazer
nove proposta para ter lugar a nova nomeação.» (Ari. 2.)
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 129

que podia estender-se a quatro annos, não podendo ser


o mesmo indivíduo nomeado duas vezes seguidas. Em
todo o caso, não deveria a lei impedir que cada pro­
víncia adoptasse o methodo que mais conveniente
lhe parecesse depois.
E não se diga que a eleição do presidente répugna
á indole das nossas instituições. O presidente exerce
hoje uma dupla autoridade: delegado do governo cen­
tral, administra e inspecciona os negocios geraes na
província; executor das resoluções da assembléa, di­
rige c promove os interesses peculiares da província.
Confundidas actualmentc nas mãos de um só funccio-
nario, essas duas fontes dc poder conspiram paracon-
vertel-o em um verdadeiro vice-rei. Quanto a nós, o
que pretendemos não é perpetuar a confusão que pro­
duz tamanho poder, mudando apenas o delegado do
centro em mandatario do povo; pelo contrario, pen­
samos que os negocios geraes que nas províncias se
tratem, só devem de ter por administradores os res­
pectivos commissarios da administração central, da
mesma sorte por que só um representante da locali­
dade póde bem gerir os negocios locaes.
Assim, ao lado do presidente clcctivo, primeira
autoridade executiva da província, coexistiríam, in­
dependentes delle, o inspector da fazenda nacional,
o das alfandegas, e todos os agentes do thesouro, o
commandante das armas e chefes militares, os com­
mandantes das divisões navaes, os directores de ar­
senaes, etc. Então, pela natureza das cousas, e con­
sequência necessária da mudança de systema, nenhum
A PROV. 17
130 PARTE SEGUNDA

destes funccionarios geraes (federaes nos Estados-


Unidos) estaria hierarchicamentc subordinado ao pre­
sidente: dependeríam directamente dos respectivos
ministros de estado. Sua correspondência não far-se-ia
mais, como hoje acontece, por intermédio do pre­
sidente. Não poderia este conhecer dos negocios ge­
raes affectos áquelles funccionarios, que por si os
decidiríam. marchando então o serviço publico com
a precisa celeridade, o sendo mais cffectiva a res­
ponsabilidade de cada chefe de serviço especial.
Continuaria, entretanto, o presidente a ser reputado
primeira autoridade da provincia, na phrase da lei
de 3 de outubro de 1834, não em absoluto, masquante
aos negocios provinciaes. Esta separação de funeções,
essencial aos estados federaes, é o que se verifica
rigorosamente nos Estados-Unidos. Ella não impede,
todavia, o poder central dc commetter ao gover­
nador clcctivo o exame de determinados assumptos,
de pedir-lhe esclarecimentos e conselho, ou de exigir
o seu auxilio e cooperação. A constituição argentina
o diz expressa’monte no art. 110 : « Os governadores
de provincia sào agentes naturaes do governo federal
para fazer cumprir a constituição e as leis da nação. »

£ II.— Vantagens da eleição do presidente.

Electivo, o presidente exercería as suas funeções


por um prazo fixo, quatro annos por exemplo, como
em grande numero dos Estados-Unidos. Cessaria então
a deplorável instabilidade das administrações provin-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 131

ciacs, mal desconhecido no antigo regimen, pois


serviam por triennios os governadores nomeados pela
métropole, e muitos houve que duraram mais tempo.
Na republica norte-americana, os governadores,
secretários e altos funccionarios que o presidente
nomêa para os territórios, servem quatro annos, com
quanto possam ser exonerados antes. Nos estados
constituidos, todos os altos funccionarios teem um
periodo fixo, excepto si destituídos em virtude de
processo. Imagina-se a segurança que d’ahi resulta
para a marcha administrativa, c sua benefica in­
fluencia na promoção dos melhoramentos públicos.
No Brazil, porém, a immobilidade se perpetua com
a r.ipida successão de scenas c figuras do quadro
administrativo.
Cada anuo vê-se aqui, de viagem para as províncias,
um enxame de presidentes, chefes dc policia e outros
empregados, que, sem demora, emprehendem novas
viagens em demanda de novos climas. 1
Não procede isto sómente da inconstante política
que não cessa de nomear e demittir ministérios, os
quaes por sua vez revolvem todo o funccionalismo ;
pois tem-se visto um mesmo ministério, no curto pe­
riodo da sua existência, fazer e desfazer o quadro dos

1 Baste um exemplo, quanto aos presidentes. No espaço de 45 annos (1874


a 1869) o Maranhão conta 73 administrações, exercidas por 53 cidadãos di­
versos. O meio termo é 7 mezes e 11 dias para cada uma. A maior foi de 3
annos e 9 mezes, serviço cITectivo. 0 mesmo se póde repetir de quasi todas as
províncias, e depois de 1850 o mal aggravouse consideravelmente. Nas
maiores províncias, cm regra, o presidente renova-se em cada verão, depois
de incerradas as camaras.
132 PARTE SEGUNDA

presidentes. Todavia, essa mesma instabilidade c ás


vezes conveniência política para o poder e allivio para
o povo, quando ambos libertara-se de administradores
cuja conservação fòra insoportavel ou perigosa. No
systema actual, ella é, pois, um mal necessário, der­
radeira esperança das províncias e supremo recurso
do governo.
Oue enormes sacrifícios impõe, entretanto, organi­
sação tão viciosa! E’ uma vulgaridade, repetida cem
vezes nas lamentações da imprensa e da tribuna, que
carecem as províncias dc impulso efficaz para es­
trearem uma éra nova de melhoramentos reaes ; quo
nenhuma, cxcepto talvez, o Rio dc Janeiro, possuo
carta topographica digna de fé ; que todas clamam
por um plano de estradas ; que não se navegam, nem
se limpam os rios, nem os portos se escavam ; que as
finanças se compromettent em obras de luxo nas ca­
pitães, em emprezas começadas por vaidade ou con­
tinuadas sem energia: que em orçamentos, planos,
projectos e pura phraseologia official se perde o tempo
e consomme a paciência do povo ; que faltara á ins­
trucção primaria professores idoneos, casas, livros do
escola, e não existe a secundaria quasi em parte al­
guma, não obstante assignalar-se cada presidência
por um novo regulamento para as escolas publicas ;
que, finalmente, em officios, intrigas eleitoraes e
viagens de recreio passam esses breves governos de
uma estação. O logar coramum é aqui a viva ex­
pressão da realidade.
Não é menos unanime a queixa contra a qua-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 133

lidado dos sujeitos a quem sc abandonam as provin­


cias. Quando a hypocrisia vai buscal-os, por preten­
dida moderação, fóra dos partidos, ó eutão que justa­
mente se escolhem pciores- porquanto, em um re­
gimen politico que assenta na vida activa dos partidos,
não é longe delles que se ha de incontrar cidadãos
mais dignos c capazes.
Inhabeis c luteis são tantos dos presidentes no­
meados pelo governo imperial, que sem hyperbole
poder-se-ia dizer — que o povo, inda que quizessc,
não elegería pciores. Alguns conhecemos literal­
mente ignorantes de qualquer sciencia ou arte ; outros
que nem aprenderam a grammatica ; muitos que não
brilhavam por seus costumes privados... Não ; pciores
não póde haver que os governadores d’aqui enviados
a perverter, atrazar, individar e desgovernar as pro­
vincias. 1
Ora, nem Sempre tem o governo liberdade para dc-
mittir um máu presidente; outras vezes a sua con­
servação lhe é imposta por interesses politicos, e até
por uma errônea preoccupação do principio da auto­
ridade. Este falso sentimento de dignidade forçou o
gabinete de 16 de julho a manter presidentes e vicc-
prosideutes que violaram o acto addicional, entre­
garam a policia a criminosos notorios, c intervieram
1 « Os presidentes que teem sido consignados a partidários para segurarem
ou levantarem influencias possoaes, teem feito prior que as assembléas), teem
desmoralisado muito as provincias.... O governo geral deve mandar pre­
sidentes que pelo seu caracter honesto e espirito dc justiça moralisent em
vez de desmoialisarem, que não sejam meros e desprezíveis insti umentos
eleiloraes. » V. de Uruguay: ddminírtrofóo da«prooíncías, vol. 2", p. Î33.
131 PARTE SEGUNDA

nas eleições dc um modo raras vezes igualado neste


paiz clássico da corrupção e oppressão do voto. Dc
sorte que é perfeitamcnte illusoria a vantagem, que
álias pcrmitte o actual regimen, da prompta desti­
tuição do administrador culpado ou incapaz.
No dominio de ambos os partidos, acharam-se vá­
rios presidentes sob o peso das mais graves accusa-
ções; e,si nem todos mereceram o vilipendio publico,
não consta também que sobresaissem muitos eminen­
tes administradores d’entre os centenares nomeados
desde 1822. Si a inconstância politica c a rapida mu­
dança consentiram a mui poucos revelar dotes supe­
riores, a todos acanhava o espirito do governo central,
que os inspirava, retinha e comprimia. Como quer
que seja, parece justo perguntar: — que juizo se
deve fazer de um regimen, que, era épocas diversas,
offerece frequentemente o facto dc confiar-se a ad­
ministração provincial a jovens inconsiderados ou a
caracteres corruptissimos ? no que consiste a sua van­
tagem quando não é isto compensado por um numero
considerável de administradores idoneos, que, por seu
genio, probidade c serviços, resgatassem a esteri­
lidade, os vicios e os crimes dos outros?
Corrompido pelo excesso de poder, pela centrali­
sação, não póde mais o governo exercer com vantagem
publica a faculdade dc nomear o presidente. Allivian-
do-o de uma responsabilidade que exagéra e excita
a impopulaiidade cm que cahiu o governo, a eleição
do presidente pelo povo estimularia o caracter na­
cional
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 135
Fòra então possível procurar os administradores
fóra do limitado circulo dos clientes dc homens po­
liticos, dos bacharéis em direito e dos funccionarios
submissos. Como a administração deixaria de ser, no
svstema que imaginamos, sciencia vedada aos pro­
fanos, tornando-se arte accessivel a todo o homem
de senso c probidade, é mui natural que as provín­
cias prefirissein, para govema-las, alguns dos seus
mais notorios habitantes, pessoas cuja virtude e pa­
triotismo fossem indisputáveis. Em todoo caso, havia
ser mais difficil a um homem nullo ou improbo re­
coin mendar-se á maioria dos eleitores que. o conhecem,
do (pie a um ministro que o despacho a rogo de pro­
tectores pouco escrupulosos
Ainda que a escolha da província rccahisse em su­
jeitos tão deshonestos como alguns nomeados pelo
governo, é mais provável que se emende ou modere
no primeiro caso, que no segundo. Exija a lei, como
nos Estados-Unidos, a condi ão do eleito ser natural
da província ou delia domiciliario: basta a circun­
stancia de presidir aos seus conterrâneos, entre os quaes
continuará a viver, e cujo odio ou desprezo hão de
amargurar-lhe a existência, para que seja mais caute­
loso edigno, e em caso nenhum ostente essa protervia,
esse escandalo, que tantas vezes os delegados do im­
perador dão em espectáculo ás províncias. Sabem estes
nltimos que, passado um breve semestre, desempe­
nhada a sua commissão eleitoral, volvem á côrtc, ao
seu emprego, ás vantagens do antigo valimento, sinão
promovidos a maiores honras, ou elevados ao minis-
136 PARTE SEGUNDA

terio. De longe vê a província ludibriada coroar-se o


seu Verres. Ausente, á grande distancia, que receia
elle do odio impotente da suavictima? E, por outro
lado, no decurso de sua administração, será acasosen-
sivel ao juizo dos que governa ? póde isto contel-o ?
Nada o contém, sinão o aceno dã eòrte; mas quando
esta manda vencer a eleição, como ha do moderar ou
punir o instrumento da corrupção política?
E aqui chegamos ao ponto ardente d<i questão, ao
argumento decisivo. O presidente é, no Brazil, um
instrumento eleitoral. E’ por meiodelles que se elege
periodicamente a cliancellaria do nosso absolutismo
dissimulado. Montar, dirigir, aperfeiçoar a machina
eleitoral, eis a sua missão verdadeira, o seu cuidado
diurno e nocturno. Interesses materiaes, melhora­
mentos moraes, finanças, justiça, policia, as regras
salutares da administração em torra civilisada, o res­
peito ao direito, a homenagem á virtude, tudo se es­
quece ou conculca diante da suprema necessidade de
uma maioria parlamentar ou de uma camara unanime.
Então, é o governo logico nomeando quem pareça
mais babil ou mais despejado para fabricar-lhe nas
vinte províncias uma assembléa que sustente a polí­
tica preferida pelo imperador. Assim tem sido pela
força das cousas; e desta sorte, si não conseguiu for­
mar um pessoal administrativo idoneo, este regimen
adéstrou veteranos daorrupção das urnas.
Emquanto, nomeado pelo imperador, o presidente,
vice-rei irresponsável, fôr independente da amesqui-
nhada assembléa provincial, é inevitável que inter-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 137

venha, dirija, opprima e vença as eleições. Não lia


impedil-o, sejam embora magnificas as garantias es-
criptas no frio texto das leis. Eleito polo povo, igual,
não superior á assembléa, fique o presidente circun-
scriptoás modestas funeções da administração local:
—e quebrar-se-ha para sempre esse formidável instru­
mento de corrupção. Os deputados cessarão de ser
representantes da côrte consagrados por um voto ex-
torquido. Livre será o parlamento, e não sel-o-ha
tanto o poder moderador.

§ III.—Órgãos da administração provincial.

Desinvolver a administração provincial, dar maior


dignidade aos chefes dos seus diversos serviços, é
corolário das reformas dcscentralisadoras.
Electivo, o presidente devera de ter um conselho
composto dos seguintes secretários: o secretario do
governo, o inspector da fazenda, o chefe da policia e
justiça, o director das obras publicas, o da instrucção,
o commissario dos immigrantes, etc. Pouco importam
nomes: o essencial é que cada assemblea crée, una
ou separe esses cargos superiores, conforme o per­
mitiam os recursos da provincia c o recommende a
lei da divisão do trabalho.
A idea de differentes secretários para o governo pro­
vincial não é nova. Um projecto offérecido em 1832
pelo deputado Hollanda Cavalcanti (visconde de Al­
buquerque) , dizia : « Compete ao presidente da pro­
A PROV. 18
138 PARTE SEGUNDA

vincia... nomear secretario ou secretários para o ex­


pediente da administração provincial. » Na consti­
tuição reformada de Pouso-Alegre, o art. 157 dispunha:
« Haverá em cada província as secretarias necessá­
rias. Seu numero, empregados e ordenados, e obri­
gações, serão provisoriamente regulados pelos res­
pectivos presidentes, até que as assembléas provinciaes
resolvam definitivamente. »
Com estes complementos, qual não seria então a
vida dos poderes locaes ! Assembléa legislativa divi­
dida cm duas camaras, e reintegrada nas faculdades
confiscadas em 1840 ; poder executivo proprio, com
os orgãos ou agentes necessários :—tanto bastára para
renovar nas províncias aquelle espirito da épocha re-
gencial, quando Minas, 8. Paulo, Bahia, Pernam­
buco eram fócos dc vitalidade, onde homens eminen­
tes floresciam na primavera da nossa liberdade polí­
tica.
Mas dir-sc-ha : « Vós aniquilais o poder da corôa,
vós a reduzis a ura symbolo vão, ao papel de impe­
rador da Allcmanha. » E’ a objecção dos fanaticos
da monarebia á emancipação das províncias. Não ! a
corôa brazileira dispõe dos mais vastos poderes. Tem
o véto suspensive durante duas legislaturas, o que
praticamente equivale ao véto absoluto ; tem o di­
reito de fazer as grandes nomeações ; tem o de sus­
pender as garantias políticas na ausência da assembléa
geral ; tem o de declarar a guerra e celebrar a paz ;
tem o de negociar tratados de qualquer Datureza, dos
quaes, e em tempo dc paz, só não podem ser ratili-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 139

cados sem voto do parlamento os que involvem cessão


ou troca de território ; tem, em summa, tudo quanto
é grande e formidável, a substancia do poder na­
cional. Em nenhuma das nomeações de seus agen­
tes, a não serem os ministros, está a corôa directa-
mente sujeita ao veto do corpo legislativo. Assim,
quão distante da organisação democrática dos Es­
tados-Unidos, por exemplo, onde é tão limitado o
poder central e tão circunscripta a sua autoridade exe­
cutiva, não ficaria o Brazil, ainda que se tornassem
electivos os presidentes das provincias ! 1

■ V. Parle 1, cap. V.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 141

CAPITULO IV.

A MUNICIPALIDADE.

O regimen das municipalidades, a policia e a força


policial, a justiça local ou a de primeira instancia,
devem ser da competência do poder legislativo pro­
vincial, e assim o quizera a lei das reformas dc 1834.
Certo, esta opinião affronta as práticas c os pre-
juizos actuacs: nada mais facil, porem, do que pôr
em evidencia o inconveniente de leis uniformes do
parlamento para cada um desses serviços, eminente­
mente municipaes.
Bem o sentiram, quanto á justiça e á policia prin­
cipalmente, algumas das provincias do Norte, que,
depois do acto addicional, promulgaram leis adap­
tando estas instituições ás suas proprias circun­
stancias. E, na verdade, quão esmagadora é a unifor­
midade nas organisações da justiça, da policia c das
municipalidades, proclamada pela reacção de 1810 !
Descentralisemos os interesses locaes assim centrali-
sados : restituamos ás provincias a faculdade de que
algumas souberam valer-se, em nome do acto addi­
cional, para formarem a policia, a justiça c adminis­
tração municipal, que melhor lhes convinha.
« Heresia ! » a estas palavras bradarão os decla-
142 PARTE SEGUNDA

madores dc lug-arcs communs. Mas, antes de fulmi­


narem o anathema, dêem os espiritos rcflectidos al­
guns momentos ao exame dos preceitos que certos
doutrinários lograram insinuar como princípios orgâ­
nicos do nosso systema politico.
E’ idea falsa, produeto dc uma escola perniciosa,
a doutrina que os conservadores fizeram circular
desde 1836, estabelecendo que são essencialmente ge­
raes cargos e funeções até então reputados provin­
ciaes por sua natureza e em virtude do art. 10 ij 7" do
acto addicional. Com effcito, nessa cpoclia se consi­
deravam municipaes ou proviuciaes os cargos de
juiz dc direito, juiz municipal e dc orphãos, juiz dc
paz, jurado, promotor c vereador. Pois bem : cm
virtude da lei de 1840 as attribuições destes fun­
ccionarios ficaram excluídas da competência das as­
sembléas, a quem só foi conservada a faculdade dc
fixar o numero déliés, ou a de dividir as circunscri-
pções administrativas. Esses taes, diz o parecer da
commissão dc 1837, « são empregados provinciaes e
municipaes creados por leis geraes, pára execução dc
leis também geraes, relativas a objectes sobre que
não podem legislar as assembléas dc província. » Que
logomachia ! Para dar á leide 1840 a apparencia dc
interpretação, era mister este esforço dc subtileza c
obscuridade.
São, diz o parecer, funccionarios locaes, do muni­
cípio ou da província ; mas é lei geral a que deve
creal-os.
Desempenham serviços locaes, mas as leis que lhes
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 143

definem as attribuições, as leis que os regem, não


podem ser provinciaes.
São commissarios de interesses da localidade, mas
é o parlamento que lia de regulal-os, sobre elles não
podem legislar as assembléas de provincial
Exige a importância do assumpto o desinvolvi-
mento do cada um dos pontos indicados : encaremos
o governo municipal na sua mais larga acccpção.

§ I. — O vicio da uniformidade. Diversidade dos


municípios: competência das assembléas.

A administra;ão dos interesses collectives que


constituem o município, o serviço das vias dc com-
municação, as ruas, os jardins, os lugares dc logra­
douro publico, a illuminação, as aguas, a irrigação,
os esgotos, os incêndios, a escola, o hospital, o cemi­
tério, c tantos outros, não offerecem cm parte alguma
typos uniformes em importância ou grandeza.
A extensão e riqueza dos municípios urbanos ou
ruraes, o gráude adiantamento dos povos, as circun­
stancias physicas e a densidade da população variam
profundamente em cada uma das partes do império,
no norte, no centro, no sul.no oeste; variam mesmo,
com feições pronunciadissimas, nas differentes co­
marcas de uma mesma província.
Essa diversidade de circunstancias locaes devêra
influir no modo dc organisar-sc o governo interno de
cada província. Algumas careceríam de mui aperfei-
144 PARTE SEGUNDA

çoada divisão dos serviços locaes, separando-se, por


exemplo, a administração municipal civil (a dos inte­
resses acima indicados) da policia preventiva e da jus­
tiça correccional; outras haveria, porém, onde fosse
mais adequado, á falta de pessoal idoneo ou pela es-
treitoza da localidade, confundir esses vários serviços
nas mãos das mesmas autoridades. Pelo contrario, em
uma grande cidade não bastaria somente separar e
confiar a agentes diversos as funeções,mais ou menos
distinctas, que alias tanto se confundem c devem pra­
ticamente liarmonisar-se, da administração civil, da
policia e da justiça:—nessas maiores povoações, com
effeito, seria preciso, para conseguir resultados effica-
zes, subdividir e entregar a commissarios cspeciaes
ramos particulares de cada um destes interesses.
Assim, nas vastas agglomerações de povo, nas mé­
tropoles commerciaes ou políticas, seria a instrucção
objecto exclusivo de uma administração privada; os
incêndios, de outra ; e de outra igualmente a policia
das ruas e praças.
Em alguns lugares a propria municipalidade
executaria as obras e dirigiría o serviço dos
aqueduetos, dos esgotos, da illumiuação, que outras
aliás incumbiríam a emprezarios com maior van­
tagem.
Onde o espirito publico, illustrado e moralisado,
inspirasse confiança, a eleição periodica fôra o meio
regular para a escolha de todos os funccionarios mu­
nicipaes. Onde, porém, a ignorância ea negligencia
do povo assignalassem a sua inferioridade, o principio
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 145

electivo, aliás eminentemente moralisador e fecundo


de patrióticos incentivos, não inerecêra ser applicado
na mesma escala a todos os funccionarios e a todos
os ramos da administração.
Respeitar a diversidade de circunstancias entre as
pequenas sociedadeslocaes que constituem uma mes­
ma nacionalidade, tal deve ser a regra suprema das
leis internas do cada Estado. Neste sentido, a varie­
dade sob o systema federativo leva decidida vantagem
á uniformidade administrativa, quer da monarebia
centralisada, quer da republica uma e indivisível.
Supponba-se uma lei municipal vasada no molde
mais perfeito de um liberalismo consumado; suppo­
nba-se a mais larga em suas bases e nos seus meios
de acção: talvez não seja essa a melbor para o Brazil
inteiro, talvez redunde em grande decepção. Por ven­
tura, o município no Brazil, ou em outra parte qual­
quer do mundo, offereee um typo commum, que re­
gular-se possa por lei uniforme do parlamento na­
cional? Onde está, dizei-nos, esse typo commum,
idêntico, em Inglaterra e nos Estados-Unidos, cujas
parochias e municípios são aliás cousas reaes, não
entes de razão?
Sabemos que escriptores descrevem, compondo-o de
traços particulares de municípios distinctes, o que
elles chamam o systema municipal àos Estados-Unidos,
da Inglaterra, da Allemanha: mas isto é uma gene-
ralisação do escriptór, é creação do publicista. As
leis não conhecem municípios tão uniformes e perfei­
tos; as leis os organisaram differentemente sob a lenta
A PROV. 19
146 PARTE SEGUNDA

acção do tempo, ao influxo de necessidades e inte­


resses que variam, variando as leis. «Como a familia,
existe a communa antes do estado, dizia Royer Col­
lard; a lei política a incontra, mas não a créa.»
A uniformidade nos mata. Não ! não é de lei uni­
forme, por mais liberal que seja e mais previdente,
que depende ressuscitar o município ; depende isto dc
leis promulgadas por cada província, conforme as con­
dições peculiares de cada município.
Leito de Procusto, a legislação symetrica é um
sonho enganoso : efteito da paixão niveladora, cila só
gera decepções. 1

1 Rellexão idêntica faz o Sr. Odilon-Barrot quanto á propria França, onde


sem duvida ha muita mais cohcsão nacional o a superficie da civilisação não
ulTcrece tão extraordinários differenças de nivcl. «A pretemão de sub­
metter ao mesmo regimen administrativo todas as communas de Fiança,
foi sempre, diz elle, o grande obstáculo a qualquer reforma séria do governo
municipal entre nós. Entretanto, cumpre reconhecer que nada se parece
menos com um grupo de quarenta a cincoenta fogos escondidos n’alguns
valles dos Cévennes, dos Alpes ou dos Pvrineos, do que cidades da ordem
de Pariz, Lvão, Marselha e Bordéos. A preterição de sujeitar umas e outras
ao mesmo regimen administrativo, é simplesmente contraria á natureza das
cousas ; e é todavia essa pretenção que obstinadamente se quer prevaleça em
lodo o nosso systema administrativo.... Seria mais liberal que houvesse um
regimen municipal para as grandes cidades e outro regimen apropriado ás
communas ruraes. » (1« centralisation, p. 212.)
A vantagem de certa variedade nas instituiçíles administrativas do |>aiz é
altestada por um acto do proprio governo imperial. O decreto de 19 de ja­
neiro de 1867, organisando o serviço das colonias do Estado, deu-lhes admi­
nistração municipal mui différente da lei de 1828, creando uma junta no­
meada por oleição e presidida pelo director, que é o agente administrativo
desses núcleos de immigrantes. Comquanto se note a singularidade do poder
executivo organisai-por decreto seu o governo municipal de "ma parte do
nosso território, é forçoso confessar que as colonias careciam, com effeito,
de uma administração economica especial. (V. a Parte III, cap, IV.)
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 147

Na órbita municipal entram serviços dc diversa


natureza, que podem andar unidos ou separados. Não
offerecendo todos ura typo commum, as leis que os
organisassem seriam despóticas, si fossem uniformes :
c desde que, pela variedade das formas que tomam,
os interesses municipaes não pódem ser previstos por
lei nacional symetrica, só ás legislaturas das provin­
cias deve caber a faculdade dc regulal-os.
Organisadas as municipalidades por lei de cada as­
sembléa, não sobre a base dc imaginário typo com-
mum, attender-se-iam certamente as condições pecu­
liares dc cada localidade. As leis municipaes seriam
as cartas de cada povoarão doadas pela assembléa
provincial, alargadas conforme o seu desinvolvimento,
alteradas segundo os conselhos da experiencia. Então,
administrar-se-ia de perto, governar-sc-ia dc longe,
alvo a que jamais se attingirá dc outra sorte.
Comprehende-se que haja cm cada provincia lei
prescrevendo certos princípios geracs do regimen
municipal, como sejam a clcctividadc de alguns cargos
ou pelo monos a dos conselhos délibérantes, a ma­
téria das imposições, as despezas o serviços obriga­
tórios ou csscnciacs : mas leis espcciaes permittam a
uma vasta cidade, ou a um rico município, aquellas
franquezas c aquella organisação que mais efficazes
forem ahi.
Depois do acto addicional, algumas das assembléas
de provincia iutenderara-se no direito indisputável de
alterarem a organisação symetrica dada aos municí­
pios pela lei do 1" dc outubro dc 18'28. Por exemplo,
148 PARTE SEGUNDA

creando prefeitos e sub-prefeitos, uma lei dc S. Paulo


(de 11 dc abril de 1835) incumbia-os dc executar as
posturas municipaes, de nomear os fiscaes, agentes a
elles subordinados, e de propôr ás camaras as me­
didas necessárias a bem do município. E essa mesma
lei, cumpre uotal-o, sentiu a necessidade de reunir
nas mãos dos prefeitos attribuições policiaes, inclusive
a de prender os delinquentes. Seria acaso infundada
esta accumulação de funeções distinctas ? talvez, pelo
contrario, então fosse isso mister naquella província;
talvez lhe parecesse então que era o mais edicaz meio
de réalisai
* praticamente o governo economico das
cidades c villas promettido pela constituição.
Outias leis dc outras províncias, na mesma época,
insaiaram iguaes medidas. O que isto provava ? pro­
vava eloquentemente que o typo da lei dc 1828 não
parecia accommodado ao paiz inteiro ; provava que
cada província recorria a esses complementos práticos
e alterações para obter melhores resultados; provava
que, nesse como cm tantos outros assumptos, o paiz,
entregue a si mesmo, libertado da centralisação
inonarchica derrubada a 7 de abril de 1831, entrava
no periodo fecundo da experiência. Passado esse pe­
riodo das vacilações, tentativas e erros, o paiz go­
zaria afinal o resultado immenso da experiência con­
sumada, attingindo, depois de vários tentames, ao
nivel da paz e da segurança sob instituições livres,
apropriadas ás suas circunstancias, produeto da ela­
boração popular, com o prestigio do cunho nacional.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 149

íj II.— O acto addicional e as municipalidades.

Foi o acto addicional que anniquilou as camaras


municipaes? O visconde de Uruguay a cada passo ex­
clama que os liberaes de 1831 exaltaram a provincia
á custa do elemento local, accusação que até se in­
contra repetida por escriptores da nossa escola. 1 E’
uma grave censura á obra dc 1834; examinemol-a
sem prevenções de partido.
Qual foi o pensamento dos arts. 10 e 11 do acto
addicional? Conferir á assembléa, não ao presidente,
a superintendência sobre as camaras : idéa capital,
pensamento justo.
Alas como exercería a assembléa essa superinten­
dência sobre as localidades da sua provincia ? De dois
modos: por medidas geracs ou por actos parciaes.

1 O Sr. ministro do império, justificando o seu projecto de reforma mu­


nicipal 1869'., fez, pelo contrario, a seguinte justa reflexão : « Attribue-se ao
acto addicional ter aniquilado o município, manictando-o ás assembléas pro-
vinciaes, que o deixaram em abandono, substituindo a iniciativa local pela
ausência de direcção. Ha razão, mas só apparente, nessa eccusação. O sys­
tema do acto addicional, seu espirito, suas tendências descentralisaduras, as
intenções de seus autores, não justificam a intelligencia que, com relação ás
municipalidades, se lhe tom dado na prática. »
Apreciando esso projecto do governo, diz.ia o relator da commissão da
camara: « Accusam-no ;o acto addicional) de haver sullocado as municipa­
lidades. Tal não fora o intento de seus autores. Pelo contrario, cm seu pen­
samento dcsccntralisador se continha virtualmcnte o alargamento da in­
stituição municipal, como continuação e complemento da obra realizada a
respeito das provincias. »
Praz-nos reconhecer a sinceridade com que se pronunciam alguns dos
nossos adversários.
150 PARTE SEGUNDA

Assim, em virtude do acto addicional, fôra per-


mittido a cada assembléa publicar leis regimentaes,
obrigatórias para todas as camaras da respectiva pro­
víncia, sobre :
Desapropriação (art 10 § 3°) ;
Policia e força policial do município (§ 4°) ;
Interesses propriamente economicos (Jj cit.) ;
Fontes dc receita, e despezas obrigatórias ou facul­
tativas (§ 5°) ;
Prestação de contas (§ 6°) ;
Empréstimos (art. 11 § 3o ) ;
Funccionarios municipaes, c vencimentos dos que
forem estipendiados (art. 10 í; 7°).
Supponliamos o acto addicional em inteiro vigor,
sem as restricções da lei dc 12 de maio de 1840 : acaso
essas largas disposições, intendidas á luz do principio
desccntralisador que dictou-as, não forneceríam ás
províncias a precisa liberdade para constituírem o
seu regimen municipal, conforme ás suas peculiares
circunstancias?
O espirito da reforma constitucional era certamente
investir as assembléas da superintendência sobre as
camaras ; mas, na esphera das amplas faculdades re­
lativas aos municípios, legislando sobre a sua eco­
nomia, policia, funccionalismo, receita e despeza,
cabia ás assembléas applicarem ás localidades dc cada
província o systema de governo mais proveitoso. E
algumas o tentaram, com effeito : já citámos a lei
municipal de S. Paulo ; no lugar proprio menciona­
remos as leis judiciarias c policiaes de varias provin-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 151

cias do Norte Fosse ou não acertado o systema


administrativo que as assembléas inauguravam, não
se deve negar que as verdadeiras instituições locaes
do Brazil iam brotar á sombra do acto addicional. O
tempo aperfeiçoaria lentamente a crcação espontânea
da iniciativa provincial ; a experiencia dar-lhe-ia o
cunho das instituições duradouras.
Mas... ahi veio a lei de 12 de maio de 1840. Am­
putou-se o acto addicional; a província desceu da sua
dignidade em nosso systema de governo: substituiu-a
o departamento francez. Diceram: «as assembléas,
usando das faculdades constitucionaes, anarchisam o
paiz. Restabeleça-se a centralisação! » E, em ver­
dade, depois do golpe de estado de 1840, não pude­
ram mais as assembléas legislar, por medida de
caracter geral, sobre a economia e a policia munici­
pal. Só o pódem agora fazer diante de cada hypothèse,
a proposito de cada postura, de cada obra, de cada or­
çamento municipal Tal é o fim da exigencia de pré­
via proposta das camaras (art. 1° da lei de 1840).
Muito menos pódem alterar a symetria dos serviços
locaes, crear novos empregos ou supprimir os anti­
gos, dar e tirar-lhes attribuições (artigo 2o). Desde
então, pois, a autoridade das assembléas sobre as ca­
maras somente se faz sentir pelo lado máu, pela ex­
cessiva dependencia e concentração dos negocios
nas capitaes das províncias.
Privadas as assembléas de poderem regular os in-

1 Caps. V e VII.
152 PARTE SEGUNDA

teresses municipaes por medidas de caracter geral,


por leis organicas adaptadas ás circunstancias década
região, ficou sua missão reduzida a uma imperti­
nente tutela, requintada pelas perniciosas práticas
introduzidas desde 1810 na administração publica.
Si o acto addicional subsistisse no seu vigor primi­
tivo, si uma excessiva timidez sobre a sort:' da inte­
gridade do Brazil não houvesse aflrontado as con­
sciências, si em vez da subita vertigem rcaccio-
naria fosse permittido á experiencia julgar da obra
de 1834, — não duvidamos que, á sombra desta lei
gloriosa, terinn as províncias fundado a liberdade
municipal, primeira condição do govèrno do paiz
pelo paiz. Sob a influencia de sentimentos oppostos
ás doutrinas ceutralisadoras que depois prevaleceram,
por si mesmas renunciariam as assembléas a uma tu­
tela ve.xadora c perniciosa; c marchariam as provín­
cias para o ideal dos Estados-Unidos, onde a munici­
palidade é escola de liberdade c governo *.
Lamentam hoje os conservadores o aniquilamento
dos municípios, e accusam os autores do acto addi-
cional. Pois bem: porque motivo em 1840 não emen­
daram a lei das reformas? porque a revogaram só­
mente naquillo que prejudicava á centralisação? Do­
mais, nessa época não mostravam elles sentir essa
necessidade de franquezas municipaes, que põem hoje
por diante para esconderem um de seus maiores es-

1 « Para a liberdade que ellas põem ao alcance do povo, são as insti­


tuições municipaes o mesmo que para a sciencia as escolas primarias. »
Tocqueville.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 153

tragos, a ruina do poder legislativo provincial. E


quem promulgou as leis restrictivas que subsistem no
Rio dc Janeiro, onde tem elles governado quasi sem
interrupção ? 1 Ahi, de facto, não existe poder muni­
cipal, comquanto em nenhuma parte do império se
incontre mais espirito municipal. É desta provincia
a lei que prohibe ás camaras, sem prévia approvação,
executarem obra superiora 500S000! É isto por ven­
tura exigencia do acto addicional ?

1 « Quer a camera municipal construir um cemitério ? Ao presidente da


provincia compete approvar o plano, sem o que não póde a camara con-
struil-o.
» Quor desapropriar um terreno para uma rua, estrada ou logradouro
publico? Ao presidente da provincia compete declarar si a desapropriação 6
de utilidade.
« Quer fazer uma obra de evidente utilidade publica? Não o pòde sem
prévia licença do presidente da provincia, si fòr de custo excedente a
5O0SOOO.
«Dá-se um caso extraordinário que interessa á segurança ou saude pu­
blica, e que pedo prompto remédio, exigindo uma despeza não prevista no
orçamento municipal, ou determinando a necessidade de exceder uma verba
decretada? Não o póde fazer a camara sem prévia licença do presidente da
provincia.
«Finalmente, para não ir mais longe, não podem as camaras nomear um
simples guarda de cemiterio sem sujeitar essa nomeação á approvação do
presidente da provincia.
« E, como si não bastassem todas essas dependencies, ainda se pretende
que o empregado da camara municipal, por ella demittido, pódo ser rein­
tegrado por uma simples portaria do presidente da provincia.
« Tal é, em geral, o estado actual dc nossas municipalidades. Não é pre­
ciso commenta-lo, basta expôl-o.» Sr. Cortines Laxe, Commentarios d lei do
Io de outubro; prefacio.

A PROV. 20
154 PARTE SEGUNDA

§ 111.—Autonomia do municipia; bases de reforma.

A censura que sc faz á lei de 183-4, cabe me­


lhor, em verdade, á dc 184:0. Entretanto, devemos
confessal-o, a experiencia havia manifestar a neces­
sidade de interpetrar os citados do acto addicional;
havia cila patentear que se devia tirar ás assembléas
dominadas da paixão centralisadora pretextos para
embaraçarem a autonomia do município. A inter­
pretação, que então se fizesse, seria certamente para
um fim mui diverso da de 1840.
Para fazerem despezas municipaes de qualquer na­
tureza; para remunerarem os respectivos empregados,
para applicarem suas rendas a obras locaes de
qualquer importância ; para fixarem as taxas dos
impostos existentes ou crearem novas fontes de
renda, salvo o direito da assembléa revogar as que
prejudicassem ao interesse provincial ou nacional ;
para decretarem posturas a bem da economia e
policia puramente municipaes ; até mesmo para çon-
trahirem empréstimos, nos casos e com a fórma pre­
fixados por lei provincial; ou para desapropriações,
na fórma igualmente de lei anterior : fosse reconhe
cida a plena autonomia das municipalidades.
O interesse particular ficaria em todo o caso garan­
tido contra os abusos pelo recurso perante os tribu-
naes de justiça: e os interesses economicos do muni­
cípio inteiro pelo recurso perante o voto nas eleições
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 155

periódicas, que por isso deveríam ser, quando muito,


biennaes.
Alguns intendem, porém, que a reforma precisa
reduz-se á creação de um agente administrativo, a
quem se delegue a parte executiva das actuacs attri­
buições das camaras, c certas funeções que a ellas se
recusam. « A deliberação pertence a vários, a acção
a um só: » eis o axioma com que se justifica essa
opinião. Mas, posto seja verdadeiro o principio, pó-
de-sc errar na sua applicação. E aqui nos fornecem
os Estados-Unidos mais um exemplo notável.
Nas townships da União, cm regra, cada membro da
corporação municipal é, por seu turno, o adminis­
trador activo, c executor das deliberações tomadas
por todos conjnnctamente. Na França, pelo contra­
rio, o conselheiro communal é apenas legislador da
sua cummuna. Assim, nos Estados-Unidos, a assem­
bléa dos select-men (administradores municipaes) sub-
vidc-sc em commissões, incumbidas cada uma da
execução de medidas tomadas sobro certa especiali­
dade; ahi se dispensa, geralmente, a entidade cha
mada maire, que em França é o complemento do con­
selho communal. Geralmentc, dizemos, por quanto
algumas das maiores cidades, por suas peculiares
circunstancias, possuem, sob o nome de mayor, um
funccionario que exerce algumas das attribuições de
agente executivo e presidente municipal.
Reportando-nos ás considerações que já fizemos
sobre a incompetência do parlamento para a creação
156 PARTE SEGUNDA

do cargo proposto ', aj untaremos sómente que o mais


acertado fôra não adoptai
* typo algum exclusivo.
Marcassem as assembléas provinciaes a cada muni­
cípio um numero de vereadores correspondente á sua
população. Os vereadores pudessem, não só dividir-se
em commissões executivas, como eleger um ou mais
administradores, retribuídos ou não, tirados dentre
si ou dos votantes do município *. Dessa regra ficas­
sem exceptuadas unicamente certas localidades inte­
riores, cujo atrazo não permittisse tantas franquezas.
Fugissem, porém, as assembléas de conferir ao pre­
sidente a nomeação do administrador municipal, seja
embora a escolha circunscripta á lista dos verea­
dores. Não adoptassem nem a idéa, que se ha tam­
bém indicado, de converter em maire o mais votado
delles. No primeiro caso dar-se-ia ao poder mais
uma intervenção nos negocios locaes; no segundo,
commetter-se-ia o erro de pedir ao acaso uma escolha
acertada, como já o notámos em hypothèse idênti­
ca.
Insistamos na idéa de deixar a cada assembléa a
maior liberdade na apreciação das circunstancias dos
municípios ; insistamos na conveniência de ellas
mesmas não promulgarem leis uniformes para todos,
mas cartas constituitivas de cada um, que se refor­
> Cap. I, § 4”.
’ « O senso prático des inglezes e norte-americanos, escreve Vivien, su-
geriu-lhcs methodos bem diversos. Nesses paizes os negocios das commu-
nas não estão accumulados sobre uma só cabeça. Cada cidade tem agentes
especiaes para o calçamento, para a illuminação, para os actos de bencli-
cencia, etc. »
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 157

mein c melhorem parcialmente, segundo os conselhos


da experiencia.
Nenhuma reforma municipal, expedida do Rio dc
Janeiro, poder-se-ia adaptar perfeitamente ás pecu­
liares condições de cada região deste vastíssimo im­
pério : cumpre, entretanto, confessar que, dentre os
projectos até hoje submettidos ao parlamento, alguns
conteem providencias de incontestável vantagem.
Tentando réorganisai1 as camaras, um projecto do
governo (18G2) propunha-se emancipal-as cm parte
da tutela que as opprime, porraittindo-lhes tomar re­
soluções definitivas sobre a applicação da sua receita
aos differentes serviços municipaes, e entre estes
enumerando alguns que ainda se consideram geracs
ou provinciaesCreava, porém, um administrador
municipal escolhido pelo governo c os presidentes
dentre os vereadores; c tantas attribuições lhe dava
que neste agente administrativo se convertia o poder
municipal.
Por outro lado, e não obstante a garantia derivada
da presença do representante da autoridade, não se
deixava o municipio inteiramente livre, como deve
scl-o, na votação dos seus orçamentos, que conti­
nuariam dependentes da approvação annual. Entre­
tanto, na propria França, ha muito se reconhece a
necessidade de conceder ás communes maior liber-

1 V. o artigo 12 desse importante projecto, oíTerccido ao senado na sessão


de 30 dc agosto do 1862. Elle reconhecia a necessidade de augmentai’ o
numero dos vereadores, que elevava a 11, 13, 15 e 21, segundo os lugares.
158 PARTE SEGUNDA

dade a este respeito. Projectos da assembléa legisla­


tiva, cm 1851, davam-lhes o voto definitivo dos or­
çamentos que não incluíssem receita extraordinária,
e que occorressem sómente ás despezas obrigatórias,
não passando estas além de um exercício. E com ra­
zão pergunta Vivien : « quando a cominuna satisfaz
a todas as prescripeões da lei, quando não empenha
o futuro, que risco póde haver em reconhecer-lho o
direito de regular o emprego dos seus recursos dispo­
níveis? »
Demais, facil fòra prémunir o interesse geral con­
tra os abusos locaes. Assim como alguém propoz que.
no caso do município não votar os fundos precisos
para occorrer ás suas despezas obrigatórias, a autori­
dade superior os levante mediante denuncia, como
se pratica em Inglaterra ' ;— assim defira-se á assem­
bléa o direito de annullar os actos e medidas das
municipalidades contrários ao interesse publico. Di­
zemos annullar, repellindo a idéa da approvação pré­
via.
Para corrigir os notorios inconvenientes da tutela
exercida por meio da approvação prévia, propõem al­
guns escriptores que se adopte o expediente de inten ­
der-se confirmada a medida que dentro dc certo prazo
não fôr suspensa ou revogada : decorrido o prazo, es­
creve o Sr. Batbie, seja dc pleno direito a execução
da medida não annullada. Eis como, adoptado o sys-

1 V. de Uruguay. Ensaio sobre o dir. adm., sol. 2", p. 255.


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 1->9

tema preventivo, poder-se-ia' attenuar os inconve­


nientes da prévia approvação.
Em todo o caso, para facilitar o exame dos nego­
cios, fôra indeclinável crear a commissão perma­
nente das assembléas *, unica autoridade a quem
competisse exercitar agrave attribuição da superinten­
dência sobre os municípios, salvo, conforme a ma­
teria, o recurso que ás partes coubesse para os tribu-
naes de justiça. Desta sorte, embora se deixasse a
maior amplidão ao governo municipal, o interesse
geral seria sempre resguardado, não por vexadoras
medidas preventivas, mas por actos repressivos do
abuso denunciado pela parte queixosa, ou verificado
pela autoridade superior.
Sem dar ao município a autonomia que pedimos,
o projecto formado em 18G9 pelo Sr. ministro do
império contém, todavia, uteis providencias. Elle
confere ás camaras (arts. 33 e 37) resolução pro­
pria era alguns negocios, comquanto não compre-
lienda no seu numero outros de maior importância ;
e, fazendo regedor da parochia o vereador eleito por
ella, resolve, de um modo liberal, a questão dos agentes
administrativos Entretanto, a assembléa municipal,
entidade nova que ahi surge, composta de membros
não electivos, é imitação dos conselhos geraes de
Franca, sem necessidade que a isso obrigue: e, si
maior autoridade consente este projecto á camara do

’ Cap. II, § 2».


IGO PARTE SEGUNDA

município neutro (art. 87), iinpõe-llie um prefeito


nomeado pelo imperador. Seu defeito capital, porém,
é o vicio, commum a todos os anteriores, da organi­
sação symetrica para o império inteiro. Isto, que por
si só estragaria qualquer reforma, nesta chega ao
ponto inexcedivel de preceituar as condições para a
divisão parochial e municipal, faculdade exclusiva
das assembléas provinciaes. '
Duas palavras sobre o município neutro.
« Em todos os paizes onde radicou-se profunda­
mente a liberdade municipal, estão as cidades sujeitas
a outras fôrmas e são investidas de outros poderes,
que os campos. » Esta observação de Vivien é espe­
cialmente applicavel a grandes núcleos de população
como o Rio dc Janeiro.
As leis vigentes não offcrecem a esta métropole
uma administração satisfatória. O povo do Rio de Ja­
neiro paga impostos, que se convertem na receita do
império, e goza de melhoramentos locaes, que por
elle paga toda a nação. Por outro lado, é o povo flu­
minense excluído de uma parte da autoridade que
exerce sobre certos serviços o das outras cidades.
Remediava a esta dupla injustiça um projecto ela­
borado em 1861. Transferia á administração do mu­
nicípio neutro os serviços da illuminação, aguas, es­
gotos, passeios, jardins, vaccina, etc. ; e consequen­
temente lhe deferia as receitas arrecadadas hoje para

1 Cap. I, § 2», nota.


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 161

o thesouro nacional (décima urbana, terças partes de


officios, emolumentos dc policia, casas dc leilões e
modas, patente do consumo de aguardente, imposto
do gado de consumo, meia sisa de escravos, imposto
sobre carros e seges, sello das heranças e legados, e
rendimento dos bens do evento).
Entre a receita e a despeza privativas da cidade do
Rio de Janeiro, ha, em verdade, um deficit, maior de
800 contos, supprido pelos impostos geraes lançados
sobre os contribuintes das províncias '. Si é injusto
que estes paguem serviços meramente locaes da ca­
pital do império, também não é razoavel recusar ao
povo fluminense franquezas municipaes que possue o
das demais cidades.
Além disso, por causa dessa confusão das receitas
geral e municipal, está a mais rica das cidades do
Brazil privada decontrahir empréstimos, e de levantar
impostos que os amortisem, destinados a obras urgen­
tes para o seu ornamento e salubridade. Não podem os
habitantes do Rio de Janeiro melhorar as suas con­
dições de existência, que tanto deixam a desejar, nem
podem fiscalisai' por mandatarios seus os trabalhos
que, á sua custa c á custa do paiz inteiro, empre-

1 No exercício de 1867-63 entraram no thesouro publico 2,689:9868000


provenientes de impostos não geraes cobrados nesta cidade e seu termo.
Orça por 700 contos a renda arrecadada peia camara municipal. A somma,
portanto, da receita local do municipio neutro é cerca de 3,100 contos.
Segundo o balanço de 1866-67, despenderam os ministérios do império,
justiça e obras publicas, com serviços especiaes da cidade e seu districto,
3,535:2368. A camara municipal gasta cerca da 700 contos. E’, pois, de 4,250
contos a despeza effectiva do municipio neutro.
A PROW 21
162 PARTE SEGUNDA

hcnde o governo imperial com a timidez e a negli­


gencia que caracterisam a nossa administração. O
Rio de Janeiro sem duvida pagaria de bom grado im­
posições, que em breves annos transformassem as suas
condições moraes c materiaes. Quando se vê o or­
çamento municipal do Pariz subir ao algarismo, aliás
excessivo, dc 240 milhões de francos; quando sabe-se
que as dividas das grandes metropoles crescem na
proporção das suas vastas emprezas1 ; quando se
admira a coragem com que as cidades dos Estados-
Unidos despendem sommas enormes, gastando New-
York, por exemplo, 5,000 contos annuaes só com as
suas magníficas escolas : deve-se em verdade lamentar
a paciente lentidão com que marcha o Rio de Ja­
neiro.
O provisorio, esse expediente dos governos que não
teem fé nos seus destinos, vai perpetuando o adiamento
de graves questões. Assim é que ainda não foi deci­
dido qual seja o sitio da capital definitiva do im­
pério’. Mas, entretanto, é acaso justo dilatar sem
termo previsto o actual systema municipal desta ci­
dade? Urge dar-lhe organisação mais larga c mais
efficaz do que possue. Uma administração munici­
pal que desde já moveria orçamento maior de
1 A directoria das obras publicas de Londres corporação electivaj devia
ultimamente cerca de 7 milhões esterlinos, contrahidos para melhoramentos
da cidade .aguas, esgotos, caes,Jardins, parques, etc. . Taes empréstimos são
gradualmenle amortisados por meio de elevadas taxas locaes.
* Os arts. 72 da Const, e 1« do Acto Add. excluem da jurisdicção da
assembléa provincial o municipio em que esliver a côrte, sem designar
nenhum.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 163

4,000 contos, superior ao de qualquer provincia, com


autoridade sobre vasto, sinão demasiado território,
carecería sem duvida de um mecanismo particular.1
Não havia consistir a reforma nessa regulamen­
tação excessiva, de que é um exemplo mais o decreto
de 31 de dezembro de 1868, relativo aos orçamentos
c balanços e á prestação de contas da camara muni­
cipal da côrte. 1’clo contrario, renunciasse o governo
á tutela que exerce sobre o município do Rio
de Janeiro, e lhe desse o parlamento organisação, que
o aproximasse, por assim dizer, de uma verdadeira
provincia.
Não se argumente com o exemplo de Washington,
cuja municipalidade aliás tem certa autonomia : não
ha similhança entre a cidade federal levantada no
deserto para guardar o Capitolio digno de um povo
que confiava nos seus destinos c na sua união, e a
séde provisoria de um governo que não revelou-se
até hoje bastante seguro do porvir, nem tranquillo
sobre a integridade nacional.

1 E’ muito menor o districto federal de Columbia, pois comprehende so­


mente 7í> milhas quadradas ; mas as duas cidades nello situadas (Washington
e Georgetown) teem cada uma a sua municipalidade independente.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 165

CAPITULO V

A POLICIA

Uma lei se incontra cm nossos codigos, dc cuja


existência podéra duvidar a posteridade. E’ esse acto
violento de um partido victorioso, a lei dc 3 de de­
zembro de 1841. Em virtude d’clla, o codigo dc
1832, monumento da revolução de 7 de abril, ficou
mais do que mutilado, aniquilado, ao menos na parte
primeira, a da organisação judiciaria.
O codigo do processo rcconhecêra que a policia
local deve dc pertencer a uma autoridade local c
clcctiva, c incumbiu-a ao juiz popular, o juiz de paz.
A lei de 3 de dezembro centralism! o Império nas mãos
do ministro da justiça, generalissimo da policia,
dando-lhe por agentes um exercito de funccionarios
hierarchicos, desde o presidente dc província e o chefe
de policia até o inspector dc quarteirão.
O codigo do processo incumbira o juiz elcctivo da
punição correccional de contravenções e delictos se­
cundários, com recurso para as juntas de paz. A lei
dc 3 dc dezembro privou-o d’essa attribuição mera­
mente local para devolvel-a aos delegados e subde-
legados, com recurso para os juizes dc direito.
16G PARTE SEGUNDA

0 codigo do processo deixara á policia local o en­


cargo, que a ella pertence, de formar a culpa e
prender o culpado. A lei de 3 de dezembro passou esta
faculdade aos agentes do poder supremo.
O codigo do processo confiara ao juiz de direito, ao
magistrado perpetuo e inamomivel, cercado das pre­
cisas garantias, a attribuição dc confirmar ou re­
vogar a pronuncia do juiz de paz com assistência
do jury. A lei dc 3 de dezembro, que por um lado
deferia aos subdelegados e delegados a formação da
culpa, entregou por outro a confirmação da pronun­
cia a mais um agente do governo, o juiz municipal.
O codigo do processo, quanto ao civcl, investira
da funeção de julgar o magistrado constitucional, o
juiz dc direito, c dera-lhe por substituto em seus im­
pedimentos, c por executor de seus mandados e sen­
tenças nos termos, um magistrado local, apresentado
cm listas tríplices pelas camaras municipaes, reno­
vado de très cm très annos, e escolhido pelo governo
na côrte e pelos presidentes nas provincias. A lei dc
3 dc dezembro privou o magistrado perpetuo da fun­
eção de j ulgar uo civel, e confiou os destinos da honra,
da propriedade e familia do cidadão a um outro
agente do poder central, o juiz municipal,magistrado
temporário, sem garantias de independencia e ap­
tidão.
O codigo do processo creára um juiz municipal,
mas escolhido pelo governo sob proposta das camaras,
proposta que deveria recahir cm bacharel formado,
advogado habil ou pessoa idônea,— e-déra-llicjurisdi-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 167

cção policial cumulativa com o juiz de paz, de sorte que


para a negligencia da autoridade popular houvesse
um correctivo suiliciente. A lei de 3 de dezembro, sob
o pretexto de que essa negligencia não incontrava
correctivo efficaz, montou a machina centralisadora,
que desce do imperador ao inspector de quarteirão.
O codigo do processo, ein summa, instituira uma
policia local, delegada a uma autoridade clectiva local,
e lhe déra por substitutos os seus immédiates cm
votos. A lei de 3 de dezembro organisou uma policia
hierarchica, com um exercito dc supplentes igual­
mente nomeados fóra da acção local.
O codigo do processo entregara a funeção dc julgar
ao magistrado perpetuo, com assistência do jury no
crime, e ao juiz popular nas contravenções e delictos
secundários. A lei do 3 de dezembro creou esse
monstro dc juizes commissarios do governo, que
prendem, processam, punem, executam as proprias
sentenças, decidem da honra, da propriedade, da
fainilia, da sorte inteira do cidadão.
A posteridade perguntará maravilhada como é
que, durante um largo periodo que já excede do
quarto de século, tendo possuido, mesmo sob a ty-
rannia da métropole, as vantagens da magistratura
vitalícia rodeada de certas garantias, ponde o Brazil
descer, depois da sua iudependencia, a tão odiosa,
inquietadora e humilhante organisação judiciaria !
Rever a lei de 3 de dezembro de 1841 é sem du­
vida das mais urgentes reformas, aquella que
primeiro invocam liberaes, aquella porque derrama­
ram sangue.
168 PARTE SEGUNDA

Similhante ao regimen fiancez, do inspector dc


quarteirão sóbe gradualmente nossa policia até o
ministro de estado. Si lia centralisação bem carac-
terisada, é essa hierarchia policial; si podem resis­
tir-lhe a liberdade do voto e a independência do ci­
dadão, digam os espectáculos que se patenteam aos
nossos olhos. Acabemos com este despotismo !
Maso que se ha de substituir-lhe ? Ahi nascem as
divergências. Este ponto merece alguns minutos de
reflexão.

§ I,—A uniformidade da policia. Caracter local das


instituições goliciaes.

A actual organisação da policia é, quanto a nós,


condemnavel por dois motivos igualmente : porque
está um poder iminenso, o poder de pender, processar
e julgar, confiado ás mãos de instrumentos do. go­
verno,—systema primitivo, systema de povos bár­
baros; e porque, regendo-se por lei uniforme em
todo o império, acha-se a policia constituída sobre o
principio da hierarchia administrativa : dupla e for­
midável centralisação. Nossa policia é despótica, e é
exoessivamente centralisada. Taes são os seus de­
feitos capitaes. E o primeiro resulta principalmente
do segundo.
Não bastaria dizer: « façamos electivos os commis­
sarios de policia em todo o império. » A electividade
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 169

melhoraria consideravelmente a sorte do cidadão em


muitas localidades do Brazil; está, porém , averi­
guado si tal systema fôra perfeitamente accomrao-
dado ao paiz inteiro? Como quer que seja, é este um
ponto duvidoso, onde se dividem as apreciações. Para
cortar a difficuldade, só um juiz fôra competente, em
nosso intender : esse juiz é o legislador da provincia,
que, pesando as suas condições sociaes e as represen­
tações dos povos, désse a cada uma o mecanismo con­
veniente.
Certo, o melhor dos projectos dc reforma judiciaria
e policial é o que o Centro Liberal acaba de con­
verter em programa do partido. Fructo de severos
estudos, conciliando as aspirações mais geraes,
tentou elle combinar os dois extremos, a policia
centralisada e a policia electiva. Na ausência dc
pleno accordo sobre o vasto programa descentrali-
sador de 1834; emquanto se reputam uacionaes, não
locaes, as leis do governo municipal, cumpre aos li­
beraes adoptar, sem hesitação, a reforma proclamada
pelo Centro, como a mais sabia das medidas até
hoje formuladas.
Entretanto, é acaso utopia imaginar que, restabe­
lecidas as garantias individuaes, funccionando regu­
larmente o systema eleitoral, renove-se a larga dou­
trina donde saliiu o acto addicional?
Grande confiança nos inspira o progresso do espirito
publico, e nos parece que o primeiro dos objectos su­
jeitos á sua eritíca será a uniformidade das nossas
instituições interiores, vicio orgânico, não sómente
A PROV. 22
170 PARTE SEGUNDA

da lei de 3 do dezembro de 1841, mas tambem do


codigo do processo.
Ambos estes monumentos dos dois partidos por seu
turno victoriosos, um caracterisando-se polas largas
fôrmas liberaes, outro pelas tendeucias do despotismo,
ambos esses legados da mesma geração de estadistas,
teem um sello commum, a uniformidade, que impri­
miu-lhes uma das mais funestas paixões para a liber­
dade, a paixão da symetria. O codigo do processo
imaginava um paiz onde fosse igual o nivel da civili-
sação, da moralidade, do respeito á lei e da aversão
ao crime : esta generosa convicção creou a policia
livre, a policia do juiz de paz. A lei de 3 de dezem­
bro fantasiou um paiz corrompido, um povo anar-
chisado : este tristíssimo desanimo creou a policia dos
janisaros, com a qual o poder executivo sonhou e
conquistou a dictadura.
Não ! para liberaes não ha hesitar um instante,
não ha tréguas para a lei de 3 de dezembro : aca­
bemos com esse tlagello. Entre a uniformidade sob o
despotismo desta lei, e a uniformidade sob as livres
instituições do codigo do processo, não ha duvida
possível. Mas é acaso inevitável o dilemma? Porque
havemos systematicamente sujeitar todas as provín­
cias e localidades do Brazil a instituições administra­
tivas idênticas? Não é a variedade a condição su­
prema de um governo livre? Não são as leis de po­
licia nimiamente variaveis, leis algumas vezes de cir­
cunstancia? Ouçamos a lição da historia: si ella
condemna a violência praticada pelos conservadores
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 171

de 1841 sob o deli rio da reacção centralisadora, tam­


bém não deixa esquecer que o attentado teve pretexto
na uniformidade com que applicou-se ao paiz inteiro
o systema do codigo do processo.
Logo em 1835, as assembléas provinciaes promul­
gavam reformas da justiça e policia, alterando pro­
fundamente a organisação dada pelo codigo de 1832:
cospropugnadores destas medidas (entre outros, Luiz
Cavalcanti, representante de Pernambuco) eram dos
mais pronunciados e mais illustres liberaes da épocha.
Havemos injuriar a memoria dc beneineritos cidadãos
clamando que foram conservadores inscientes ? Não ;
restabeleçamos a verdade histórica : do acto addi­
cional valiam-se os chefes liberaes para darem ás suas
províncias instituições accommodadas ás circunstan­
cias dcllas, leis administrativas particulares. O muni­
cipio, a policia, a justiça dc primeira instancia, a
formação da guarda nacional , nada esqueceram nesses
dias fecundos de tentativas patrióticas.
« Policia provincial ! exclama, porém, um publi­
cista conservador: a policia é um interesse nacional,
funeção do poder supremo.» Basta esta maneira de en­
carar a questão para se reconhecer o discípulo da
escola franccza.
Com effcito, ha interesse algum que toque mais dc
perto ao indivíduo, á parochia, ao municipio, do que
a segurança de vida e propriedade, do que a prevenção
do crime e a sua repressão? A sociedade tomada em
seu todo, a nação inteira, não é de modo algum mais
interessada na boa policia do que cada uma das pe­
quenas esphcras locaes que constituem esse todo.
172 PARTE SEGUNDA

0 que produz a boa policia, uão é a escala hierar-


cliicado funccionalismo que a compõe: essa hierarchia
formidável, descendo do ministro ao inspector dequar-
tcrão, uão é que torna mais efficaz a repressão do
crime, mais solida a segurança publica: é apenas
elemento de força para o governo central. Carecemos
nós perguntar á França napoléonien que grau de in­
fluencia exerce o poder omnipotente transformado em
policia da sociedade ?
xApezar do actual mecanismo da centralisação,
apezar de se liaver dissolvido o exercito em destaca­
mentos , apezar dos excessivos rigores a que
tem-se forçado a guarda nacional, perguntamos: c
acaso satisfactoria a policia do interior, a propria po­
licia das cidades, das maiores cidades, da capital do
Brazil? Não. Estando a policia dependente do poder
central, o habitante da cidade ou do campo encara
esse primeiro interesse social como encargo privativo
do estrangeiro poderoso de que falia Tocqueville, —o
governo. Ora,si este tem o arbítrio c a força, não tem
a espontanca coadjuvação popular. D’ahi a incfficacia
dos seus esforços.
Não se exagere, entretanto, o nosso pensamento:
o que desejamos é que ura interesse tão local ,
como a policia, não seja raonopolisado pelo go­
verno da União, nem dependa de funccionarios seus.
Mas, descentralisada a policia, regulada por leis pro-
vinciacs, confiada a autoridades municipaes, cada pro­
vincia incontrará o meio dc combinar essas forças
locacs sem tirar-lhes o caracter local. Cada um dos
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 173

Estados-Unidos tem o seu attorney-general, secretario


da justiça ou primeiro promotor-publico do estado.
Uma repartição como a do attorney-general, cm vez
das actuaes secretarias de policia, preenchería cm
nossas províncias a bencfica missão de advertência,
conselho c auxilio aos tribunaes e juizes das paro-
cliias e municípios.

ÿ 11.—Organisação policial de algumas províncias de­


pois do acto addicional: as leis dos prefeitos. Seu
fundamento.

O exame das leis chamadas dos prefeitos derrama


luz copiosa sobre o ponto que nos occupa.
Antes de serem cilas promulgadas, o deputado Luiz
Cavalcanti promovêra na camara temporária reformas
do codigo do processo, que, sendo rcpcllidas, couver-
teu-as elle na lei votada em 1836 pela assembléa de
Pernambuco. Esta insistência dc um representante
liberal c a circumstancia de que idênticas medidas,
com variantes mais ou menos consideráveis, foram
promulgadas por outras assembléas do Norte, provam
que naquella época não se reputava o codigo do pro­
cesso lei adequada ao império inteiro.
São complexas as medidas de que falíamos. Os pre­
feitos que se creavam, eram agentes administrativos
dos presidentes, aliás com attribuições analogas ás
dos funcionários que hoje se pretende instituir por
lei geral. Entre essas, lhes cabiam as dc administra-
174 PARTE SEGUNDA

dores municipaes, pois executavam as posturas e de­


liberações das camaras, recordando assim os sub-prc-
feitos e os maires dc França.
Ainda mais: algumas das leis provinciaes fizeram
dos prefeitos o mesmo que boje são os delegados do
policia, isto é, autoridades policiaes c judiciarias.
Agentes dos presidentes, administradores munici­
paes, commissarios de policia, juizes crimiuaes nas
localidades, essas quatro cathegorias de funeções
theoricamente distinctas, nós vamos incontra-las pra­
ticamente reunidas nas mãos dos prefeitos, creação
espontânea do espirito provincial.
Foi em S. Paulo que primeiro surgiu a nova enti­
dade ; c não foi estranhada, antes offcrecida por
modelo á imitação das outras províncias (decreto
c instrucções de 9 de dezembro de 1835 *). Estabelecia
a lei paulista de 11 de abril .desse anno, nas cidades
e villas, prefeitos nomeados pelos presidentes, e in­
cumbidos de executar as ordens do governo; de fisca­
lisai1 os empregados do municipio; de organisai1 c
commandai1 a guarda policial, o distribuir o respe­
ctivo serviço; de prender os delinquentes, sendo esta
attribuição cumulativa com as autoridades policiaes;
dc vigiar os suspeitos e as pessoas quo dc novo en­
trassem no municipio; finalmente, de executar as
posturas, nomear os fiscaes, assistir ás sessões das
camaras, e propôr-lhes as medidas convenientes: «fi­
cando a camara na intclligencia, dizia a lei, de que

1 Cap. I, g b.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 175

somente lhe compete deliberar e nunca executar. »


Nessa lei, que alterava a organisação municipal da
do 1“ de outubro de 1828, já aparecia uma entidade
policial differente das do codigo do processo.
No mesmo anno, por decreto de 4 de junho, creou
também a provincia do Ceará prefeitos que tornou
verdadeiras autoridades de policia. Extinguindo as
juntas do paz, transferia as suas attribuições aos jui­
zes de direito. Regulava também o modo de se elege­
rem os juizes parochiaes, pela seguinte fórma : os
votantes os nomeariam em listas tríplices; délias
escolhería o presidente os juizes que devessem servir
em cada legislatura.
Mais decisiva foi a lei de Pernambuco de 14 de
abril de 183G, a que já nos referimos. Esta reduziu
o juiz de paz áqtiillo que é hoje, tirando-lhe as attri­
buições policiaes e criminaes, que transferia aos pre­
feitos e sub-prefeitos, csupprimindo toda a jurisdição
(pie não fosse relativa a conciliações, eleições e jul­
gamento das causas eiveis até 50S000.
Ainda mais : conferia aos prefeitos as faculdades,
que, por virtude de um decreto de 1833, aos juizes de
direito pertenciam como chefes de policia das suas
comarcas; medida, que outra lei de 19 de abril
de 1838 restringiu, dispondo que as attribuições de
prender os delinquentes e formar cor,;o de delicto
pertenceríam aos juizes do crime cumulativamente
com os prefeitos. Também encarregava-os da exe­
cução das sentenças crimes, que aliás competia aos
176 PARTE SEGUNDA

juizes municipaes; supprimia estes juizes e os espe­


ciaes de orphãos, transferindo aos do civel suas attri­
buições; alargava as faculdades dos juizes do crime;
elevava, acima da taxa do codigo do processo, o censo
para a qualificação dos jurados, esó permittia um con­
selho em cada comarca; finalmente, nos termos crcava
notarios, incumbidos dos corpos de delicto. As ins-
trucçõcs dadas pelo presidente da provincia para exe­
cução dessa lei alteravam a organisação dos officios
de justiça.
Funccionarios revestidos de tão extensas facul­
dades, os prefeitos venceríam ordenados de 1:6008 a
2:4008. Ao lado delles, nas comarcas, ficava o poder
judiciário representado sómente pelos juizes do crime
e do civel, nois que os municipaes e os de orfãos
eram supprimidos.
Assim, justiça simplesmente correccional ou do
primeira instancia, civil ou criminal, distribuída por
juizes de direito ou tribunaes do jury; a justiça
tanto como a policia administrativa, preventiva ou
judiciaria, tudo cahiu sob o dominio dessa energica
legislação.
Foram estas audaces reformas de Pernambuco que
consternaram os timidos conservadores da assembléa
geral: já em 1836 a camara dos deputados era cha­
mada a revogar essas leis, filhas legitimas do acto
addicional, consequências lógicas do systema ado-
ptado. Outras províncias, .não obstante, Sergipe—Pa-
rahyba do Norte, Maranhão, Alagoas,—sob a acção de
INSTITUIÇÕES PR OVINCIAES 177

causas idênticas, sentindo a urgência de accommo-


darem ás suas peculiares circunstancias a organi­
sação judiciaria e policial, lançavam-se resoluta­
mente pela vereda aberta em Pernambuco c Ceará.
O principio capital das suas leis era o mesmo, com-
quanto variassem as applicações. Seja-nos permittido,
para maior esclarecimento, resumir a lei de Alagoas
de 12 dc março do 1838.
Ao contrario da de Pernambuco, não extinguia
esta os juizes municipaes. antes augmentava-lhes as
faculdades annexando-lhes as dos juizes dc orphãos,
que também supprimia. Aos mesmos juizes muni­
cipaes incumbia, cumulativamente com os de paz e
os prefeitos, proceder a corpo de delicto c formar a
culpa, prender os culpados, conceder fiança ejulgar
as contravenções ás posturas. Eram extinctas as juntas
de paz. Aos juizes de direito cabia formar culpa nos
crimes de responsabilidade dos empregados públicos
e em todos os dos juizes municipaes; conceder fianças
e conhecer dos recursos interpostos destes juizes e
dos de paz. Elevava também a lei o censo para jurado,
fixando-o na renda de30(H a G00$, segundo provinha
de bens de raiz c emprego, ou dc commercio e in­
dustria. Ella creava, finalmente, em cada termo, pre­
feitos, nomeados pelo presidente, trajas funeções eram:
prender e fazer corpos de delicto (cumulativamente
com os juizes de paz e os municipaes), manter a ordem,
mandar dar buscas, conceder passaportes, dissolver
ajuntamentos para desordem, destruir quilombos e
coito de malfeitores. Exerciam além disso vigilância
A PROV. 23
178 PARTE SEGUNDA

policial sobre bêbados, ociosos ' e orphãos desvalidos ;


executavam as sentenças criminaes, fiscalisavam as
prisões, e reprimiam o uso de armas prohibidas. Ven­
ciam os prefeitos um conto de réis por anno, e os
sub-prefeitos, seus agentes, percebiam uma gratifi­
cação. Eram-lhes subordinados os inspecteras de quar­
teirão e a guarda nacional.
Algumas das disposições da lei de Alagoas attestam
o caracter local eas circunstancias do tempo. Assim,
naquella época de perturbações, mandava que, sob
pena de multa, os proprietários não admittissem nas
suas terras pessoas que não houvessem participado
ao prefeito ou sub-prefeito a sua residência no termo.
Outras de igual natureza, medidas policiaes, judi­
ciarias ou administrativas, se incontram nas legis­
lações provinciaes do periodo de 1835 a 1840. Trazem
todas bem accentuado esse caracter locai, primeiro
elemento de acerto das leis que regulam as relações
habituaes dos homens na sociedade, os interesses que
formam a vida da parochia ou do município.
Nenhuma das províncias, cumpre notal-o, copiou
ficlmente um typo qualquer : a imitação foi livre, cada
qual alargou ou restringiu as dimensões do molde,
segundo melhor attendesse ás suas proprias circun-

1 Sobre os ociosos havia uma disposição coercitiva, de que, segundo as


pessoas contemporâneas, tirou-se muito proveito fornecendo-se á lavoura
braços até então inúteis, e dissolvendo-se coitos perigosos para a segurança
tias localidades. Eis o texto do art. 12 § 7Ü da lei: « Obrigar aos ociosos a
contratarem-se dentro de um prazo razoavel a lim de conseguirem meios de
subsistência sem prejuízo da sociedade, pena de serem presos e processados
como desobedientes. »
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 179

stancias. O que principal mente devemos respeitar


nessa legislação suffocada ao nascer, ó a fonte livre
donde emanou. O que encarecemos, quaesquer que
fossem as combinações adoptadas, é a isenção com
que o legislador dc cada provincia insaiava as suas
instituições locaes. O sentimento que animava as
provincias era a mais viva expressão do governo do
paiz pelo paiz. I)e tudo isso não resta mais que a
sombra das recordações, cmquanto não falsificarem a
historia os chronistas do império.
Mas , dirão os idolatras do governo-tutor : « que
uzo fariam as provincias da faculdade de livremente
organisarem, como então, as instituições locaes, —
municipalidades, policia, guarda policial? » Tran-
quilisa-nos o modo como ellas nisto procederam de
1835 a 38. épocha de perturbações. Em verdade, si
é a anarchia que se receia, as leis provinciaes dc
então nada teem de anarchicas. Todas approxiraa-
varn-so do typo, que ao depois alargou-se na lei de
dezembro de 1841 ; todas tendiam a fortalecer a au­
toridade executiva provincial, dando-lhe agentes pró­
prios seus nas localidades. Longe de enfraquecerem
o poder, as provincias procuraram constituir uma
policia vigorosa. Porque razão receiar-se-ia hoje que,
no gozo da mesma liberdade, promulgassem leis de­
magógicas ?
Si votaram as provincias as leis dos prefeitos, é
que délias precisavam. Pernambuco, Alagôas, Ceará,
etc., careciam exterminar o crime : para isso não bas­
tava a autoridade elcctiva do juiz de paz. Restabelecida
180 PARTE SEGUNDA

a segurança publica, presos os malfeitores, reprimidos


os caudilhos do sertão , teriam essas leis severas
preenchido a sua missão, c é licito suppòr que logo
se abolissem. Tal era uma das vantagens da legis­
lação provincial : conforme mudassem as circunstan­
cias, mudariam as leis de policia c justiça. Hoje, en­
tretanto, está o paiz inteiro gemendo sob o peso de
uma lei despótica, que em 1841 já era injusto appli-
car á mór parte das províncias, duas das quaes a re-
pelliram com armas nas mãos. No mesmo periodo dc
1835 a 1838, as províncias do sul não recorreram,
porque certamente não precisavam recorrer, ás me­
didas adoptadas no norte. Mas veio a funesta pai­
xão da symctria : partindo do que era particular para
o geral , do que era conveniente a Pernambuco,
Ceará, Alagoas, Maranhão, para o que seria util ao
império todo ; argumentando com o que se tornára
necessário a estas províncias cm épocha de crise c
transição,—veio a lei de 3 dc dezembro dc 1841, c
creou uniforme a policia do despotismo. Podem os
conservadores triumphar de obra tão precipitada ?
Certo, já o diccmos, haverá casos o haverá épocas
era que a mais liberal das organisações da policia não
seja a mais vantajosa. Supponha-sc que uma provín­
cia volva ás tristes condições de outr'ora, infestada
dc sicarios, coberta dc quilombos, coito, dc forasteiros
vagabundos : não seria mais expedito c mais prudente
que a sua assembléa dictasse logo as medidas cxcep-
cionaes, e as revogasse tão cedo cessasse a situação
excepcional ? Nem se figura aqui hypothèse fautas-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 181

tica : verificada a emancipação dos escravos, é licito


presumir a existência de remissos ao trabalho, açoi­
tados nos bosques , exercendo violências , com-
inettendo depredações. Em taes condições, cada pro­
vincia carecería dictar regulamentos policiaesseus :
a centralisação actual seria então detestável *.
Façamos uma advertência final : o que estamos
advogando, não é a variedade dos codigos. Suppo-
mos que sejam nacionacs e uniformes os codigos civil,
commercial c penal; suppomos também que o sejam
certas regras geracs do processo no civel e no crime,
as garantias da liberdade constitucional, o julga­
mento pelo jury, os recursos para a superior instan­
cia. O resto, porém, possa alterar-se, conforme o in­
tenda cada provincia.
Respeitaríamos desta sorte o elemento que mais
asssegura a estabilidade das instituições do um povo,
a autonomia local.
Não hesitamos em condemnar a organisação poli­
cial o judiciaria da lei dcB dc dezembro; mas também
não reputamos tão elevada a superficie de nossa ci-
vilisação, que a todo o paiz se possa applicar o prin­
cipio da policia electiva. Si, por um lado, fôra incon­
veniente estender este bello principio ás solidões do
Amazonas c ás florestas de Goyaz e Mato-Grosso, é,
por outro lado, injustíssimo privar do gozo dessa li­
berdade as provincias superiores cm civilisação. Por

1 Não alludimos a regulamentos do trabalho dos libertos, mas a medidas


meramente policiaes : vedo Parto ill, cap. Il g 2o.
182 PARTE SEGUNDA

isso condemnamos a uniformidade nas instituições se­


cundarias do governo dos povos.
O redactor do codigo do processo, Alves Branco,
pouco depois pedia ao parlamento providencias restri-
ctivas da grandiosa lei de 1832; ministros liberaes da
rcgcncia lamentavam a inefficacia do codigo do pro­
cesso contra os crimes e as desordens dcdeterminadas
localidades. E’ um facto: mas o que deve sorprender,
não ó a sinceridade desses illustres estadistas; cum­
priam o seu dever • não podemos, porém, dizer que
acertavam propondo á assembléa geral medidas que
excediam da competência desta, medidas que elles
proprios, votando o acto addicional, tornaram depen­
dentes das assembléas provinciaes.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 183

CAPITULO VI.

A FORÇA POLICIAL E A GUARDA NACIONAL.

Abolir o recrutamento, preenchendo-se o exercito


e armada por engajamentos voluntaiios; abolir a
guarda nacional, croando-sc lias parochias a guarda
civica policial formada pelas camaras municipaes :
taes são as ideas de eminentes liberaes sobre a nossa
organisação militar. A este nobre programma, oppoz
o gabinete de 16 de julho uma proposta que ha de
iucontrar, amais decidida resistência
Convertendo a presente guarda nacional em exer­
cito de reserva, formando da restante massa dos cida
dãos força policial ás ordens do poder executivo,
a proposta do governo militarisa o Brazil. Por outro
lado, tirando á força policial o caracter local, esse
projecto é maior atteutado que a lei de 1850 contra
as franquezas provinciaes.
Illustrera este debate as recordações do nosso pas­
sado. Não repudia um povo a sua historia; e um par­
tido, quando reclama liberdades que já convertira em
leis, impõe se com dobrada força ao respeito dos con­
temporâneos. Temos por nós a tradição liberal ; con­
tra nós o facto do absolutisme : o paiz escolherá.
184 PARTE SEGUNDA

£ I.—Força policial: instituição commum â provincia


e ao município.

E’ a experiencia de cada provincia que póde acon-


sclhar-llies o modo mais vantajoso de constituir em
cada cidade, villa ou aldûa, uma força auxiliar da
policia : e algumas o tentaram em varias épocas.
Uma lei anterior ao acto addicional (resolução de
7 de outubro de 1833 ) desenhara o plano da guarda
policial. Segundo elle, fixavam as camaras munici-
pacs o numero de guardas necessários para cada um
dos districtos de paz, sob audiência dos respectivos
juizes : estes os nomeavam e tinham sob suas or­
dens. Marcavam as camaras os soidos dos guardas,
o arrecadavam, para fazerem face á despeza, uma
contribuição de policia dentre os moradores dos dis­
trictos. Tal era o singelo systema dessa lei, que
aliás não o applicava ás capitaes das províncias,
por intender talvez que nas maiores povoações cou-
viria uma força não subdividida por districtos, mas
obedecendo a uma organisação commum.
Sobreveio, porém, o golpe de 1840, e tornou im­
praticáveis instituições desta natureza, intimamente
ligadas ao regimen das municipalidades, regimen
que ficou inviolável por leis provinciaes. Ora, sema
contribuição local, sem a fiscalisação das camaras,
sem a formação da força nos lugares respectivos,
parece e tem sido sem exito o pensamento de 1833.
INSTITUIÇÕES PROVfNClAES 185

Desde, longa data pretende o governo firmar a sua


exclusiva competência nesta matéria. Ha muito, o
conselho de estado disputa ás provincias a attribuição
de organisai
* a força policial, c o relatorio da justiça
de 1809 pede « uma lei na qual se estabeleça a orga­
nisação geral da força de policia, cujo numero (o nu­
mero sómente) compete ás assembléas provinciaes
fixar conforme as necessidades locaes. » Para conse-
guil-o, a proposta a que nos referimos creava uma
milicia, que é a mesma guarda municipal invocada
naquelle relatorio. Basta, porém, a mudança de nome
para legitimar a competência dos poderes geracs sobre
um assumpto expressamente reservado ás camaras
dos municípios e assembléas das provincias? Levar,
por amor da lógica, a doutrina centralisadora ás suas
extremas consequências, é uma empreza rodeada de
perigos, que não desconhecem os proprios conser­
vadores. ’
Longe de insistir em tentativas que abortaram, e
que incontram no senso da população repugnância
insuperável, volvamos ás tradições de 1831. Haja em
cada districto tantos guardas, quantos marquem as

1 0 primitivo projecto em que assentou a mencionada proposta, dizia no


art. 5o : « 0 pioducto da contribuição do que tratam o art. 3’ § 5" e o art. I
(de 408 ou 208 para o cidadão isentar-se do serviço da milicia activa ou da
reserva) fará parte da renda provincial, e será exclusivamente applicado
á organisação da força policial de cada município. » Foram supprimidas as
palavras sublinhadas, c o resto subslituiu-sc assim: « Será applicado ao paga­
mento do soldo dos milicianos destacados. » Pela proposta, pois, a receita e
a despeza tornam-se geraes, como é geral a organisação. Pôde ser mais
patentea violação do acto addicional?
A PROV 24
18ß PARTE SEGUNDA

camaras; obedeçam aos juizes dc paz ou a quem for


investido da autoridade policial ; paguem as despezas
os moradores do lugar, como pagam a illuminação,
as aguas, o calçamento e os demais serviços.
Assim, organisado o municipio pelo modelo anglo-
americano, teriamos a policia local apoiada nos guar­
das locaes *; havería um arrolamento de todos os ci­
dadãos aptos para o serviço ; d’estes só ficariam
isentos, além dos velhos, crianças e enfermos , os
que se fizessem substituir por pcssôa idônea. Por ou­
tro lado, uo caso de guerra, o governo, em virtude
de lei especial, pediria a cada municipio um contin­
gente tirado dos inscriptos para o serviço da locali­
dade.
A guarda civica do municipio tornar-se-ia, por­
tanto, instituição local c reserva nacional. Habi­
litar gradualmente essa reserva no manejo das
armas, na tactica militar, seria desde logo empe­
nho de um governo verdadeiramente nacional, fran­
camente coadjuvado pelo povo. Então, como naSuissa,
como nos Estados-Unidos, ver-se-ia introduzir os
elementos da tactica nas proprias escolas prima­
rias , iniciando-se a infancia na rude arte das
armas, c inspirando-lhe com o sentimento da força
o amor da- patria. Harmonicas funccionariam as

’ Não <5 nos Estados-Uuidos só que as localidades manteem a sua po­


licia: no todo ou em parle, o mesmo fazem na Europa. Em Inglaterra
e Escócia , por exemplo, despendem as cidades e condados cérca de
15,000 contos com este serviço , que alias custa ao thesouro nacional
menos de 5,000.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 187

instituicções militares de um povo livre. Composto,


em tempo de paz, exclusivamente de voluntários,
outro havia ser o nivel moral do nosso pequeno, mas
excellente exercito. Cada soldado, aperfeiçoado em
escolas rcgimentaes, seria um digno defensor da
patria ; e podcr-se-ia tudo receiar aqui, menos a com­
pressão da liberdade ou a desordem promovida por
cohortes pretorianas sujeitas á chibata.

§ 11.—Guarda nacional; limite da competência do


poder central. Abolição.

Abrindo a constituição dos Estados-Unidos ou da


Republica Argentina, vê-se que nos governos fede­
raes c o congresso quem autorisa a reunião das milí­
cias ; quem decreta sua organisação, armamento c
disciplina; eco poder executivo federal quem dirige
as que forem empregadas em serviço nacional. Aos
estados ou provincias, porém, compete nomear os
respectivos chefes e officiaes, e applicar a disciplina
prescripta pelo congresso. Não de outra sorte iuteu-
dêra o governo da regencia a indole das nossas insti­
tuições
• reformadas. As instruccões
* dc 9 de dezembro
de 1835 continham a este respeito doutrina que
muito honra ao ministro que as firmava. « A guarda
nacional constitue, diziam, nos termos do art. 145
da constituição, uma parte essencial da força publica.
A sua organisação e disciplina devem portanto per-
188 PARTE SEGUNDA

tcncer ao governo geral, e ás assembléas provinciaes


sómente o que diccr respeito á nomeação, suspensão
e demissão dos officiaes, excepto o commandante su­
perior que o acto addicional considera empregado
geral. »
Essa doutrina era o resumo da lei de 18 de agosto
dc 1831, que, imitando as dos estados anglo-ameri­
canos ', adoptou o principio da eleição dos postos, c
fez dependentes do governo imperial sómente os dc
major c chefe de legião, e commandante superior,
descentralisação que o acto addicional acrescentou
declarando geral apenas o ultimo. A lei de 1850,.
porém, aboliu o principio clectivo e accumulou nas
mãos do poder supremo a nomeação da maior parte
dos postos, transformando radicalmento a instituição
democrática.
Com effeito, a lei de 1831 demarcava a linha de
separação entre os poderes geral e provincial, dando
ao primeiro liberdade sómente para a formação c em­
prego dos corpos chamados a serviço nacional : c,
além disso, respeitava o elemento popular do nosso
governo, a vida municipal, a descentralisação.
Assim, o alistamento dos guardas era feito pelo
juiz de paz, assistido de seis dos eleitores mais vo­
tados. O jury de revista compunha-se do juiz do
crime do município presidindo a 12 officiaes tirados
á sorte. Era a camara municipal que distribuía os
guardas do município em batalhões, companhias o.

1 1’artc I, cap. V ; p. 41.


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 189

secções de companhias, c marcava as suas paradas.


Os guardas dc cada companhia, presididos pelo
juiz de paz , elegiam em escrutínio secreto, para
servirem quatro annos, os cabos, os inferiores e os
officiaes Sob a mesma presidência, os officiaes,
sargentos e furrieis das companhias formavam uma
assembléa que elegia o tenente-coronel comman­
dante do batalhão, o major, o ajudante e o alleres
porta-bandeira. Ao governo central competia no­
mear os chefes o os majores de legião, assim como
os commandantes superiores, e só estes u timos de­
pois dc 1834. Sob proposta do chefe de legião,
eram , pelo governo na côrte c pelos presidentes
nas províncias, nomeados o quartel-mestro c o ci-
rurgião-mór respectivos. Serviríam, emquanto ao go­
verno approuvasse, os majores c chefes de legião;
os outros officiaes por quatro annos.
Para a designação dos guardas nacionaes que de­
vessem formar corpos destacados, estabeleciam-se re­
gras c isenções, cuja applicação pertencia a um con­
selho composto de 7 membros, très dos quaes seriam
os vereadores mais votados, e os outros, officiaos no­
meados pelo governo ou os presidentes. Quando os
corpos sabiam destacados, os capitães dc companhias,
officiaes superiores e do estado-maior oram livre­
mente tirados pelo governo, ou dentre os guardas
nacionaes, ou do exercito, ou dos reformados. Os
cabos, inferiores, alferes c tenentes, na primeira or­
ganisação do corpo destacado, eram eleitos pelos
guardas nacionaes.
190 PARTE SEGUNDA

A guarda nacional já era então de vantagem pro­


blemática, mas a revolução dc 1831, imitando as
leis dos Estados-Unidos, procurou evitar abusos que
hoje experimentamos. Era, em verdade, garantia
preciosa a electividade dos postos ; permittia ao povo
esperar que os chefes da sua escolha se não prestas­
sem, para condescendcrem com exigências dos gover­
nos, a obri<?al-o a serviços excessivos ou desnecessa-
rios. Onde, porém, a experiência condemnasso este
modo de nomeação, podiam livremente as assembléas
substituil-o por outro mais adaptado.
Durante alguns annos respeitaram ambos os par­
tidos politicos o caracter municipal e provincial dessa
instituição.
Não foi tarefa ligeira despojar as províncias de um
direito que pareceu acatar a propria lei dc 12 dc maio
de 1840. Usando da faculdade do acto addicional, al­
gumas afastaram-se com plena isenção do typo da lei
de 1831, transferindo ao presidente a nomeação dc
postos que eram clectivos. Em 183G, -44 e4G, S. Paulo
legislou sobre o modo do presidente nomear pora os
diversos postos até chefe de legião, acabando com as
eleições e substituindo-as por propostas das camaras.
Luta memorável travou a assembléa mineira com o
governo geral. Ainda em 1848 uma lei delia decla­
rava perpétuos e vitalícios todos os postos, cotisa aliás
extranha, mas que exprime quanto pavor inspirava
a escolha dc adversários politicos para esses cargos.
O incontestável direito das assembléas para a tal
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 191

respeito legislarem 1 (qualquer que seja o juizo sobre


os systemas por ellas adoptados) foi plenamente reco­
nhecido por autoridade, insuspeita. Havia uma
lei de Pernambuco (a de 14 de abril de 1836) regulado
a eleição dos officiaes da guarda nacional e alterado o
processo da qualificação c revista. O distinctissiino
deputado Souza Martins, no parecer de 1836 que
abriu o caminho trilhado na sessão seguinte pelo vis­
conde de Uruguay, escreveu sobre esta parte da lei
pernambucana palavras que merecera recordar-se.
Dice elle: « Quanto aos empregos da guarda na­
cional .. . reconhece o abaixo assignado que não re­
sultam /«o graves inconvenientes em serem declarados
provinciaes, contanto que as assembléas legislativas
das provincias não possam revogar nem alterar as leis
geraes que estabelecem a disciplina e organisação da
guarda nacional. A attribuição das assembléas pro­
vinciaes, em tal caso, se deve limitar sóinente a aug­
mentai- ou diminuir o numero dos officiaes, e a le­
gislar sobre a fórma da sua nomeação ... As contes­
tações c duvidas sobre a legalidade dessas nomeações,
sendo questões puramente administrativas, serão de­
cididas sem recurso pelos presidentes das provincias,
e em conformidade com as leis provinciaes, sem que
o governo geral precise interpôr sobre cilas a sua in­
tervenção. Para apoiar a congruência e a praticabili­
dade desta interpretação, não é de pouco pezo o

1 Em virtude do art. 10 § 7J da lei das reformas, podiam as assembléas


provinciaes legislar o legislaram sobre a guarda nacional. A lei de 1840,
centralisando a policia e a justiça, nada alterou quanto á guarda nacional.
192 PARTE SEGUNDA

exemplo da constituição federal dos Estados-Unidos


da America. » 1
E era um conservador que. invocando a consti­
tuição norte-americana, detinha as tendências rca-
ccionarias do seu partido ! Quatorze annos depois, disso
não fazia-se cabedal. Dos nobres protestos das assem­
bléas de S. Paulo e Minas tirou-se pretexto, o a ira
foi conselho para a usurpação de 1850.
Completar com a guarda-nacional militarisada o
machinismo fabricado em 1840 c 1841, tal foi o pen­
samento da secunda
O reaccão
• conservadora. Denun­
ciada ao paiz pelos liberaes, a lei de 19 de setembro
de 1850 ficou sendo apontada, não só entre os vexa­
mes impostos ao povo pela política centralisadora, mas
como um dos mais audaces attentados contra o acto
addicional.
Com quanta justiça a nação doeu-sc do golpe, diga­
o quem se recorde ainda da popularidade da lei de
1831. Procurai a explicação da profunda desconfiança
do povo em relação ao poder : talvez a incontreis prin­
cipalmente no golpe de 1850. Desde então perdeu-se
a ee.peran a de um governo sinceramente livre ; pa­
rece que una dôr intensa opprime o peito dos brazi-
leiros : etirnwm, servons sub pectore vulnus.
Generalissimo da policia, o ministro da justiça o
ficou sendo também da guarda nacional. São dous
exercitos que marcham ao signal do commando. A con­
quista é infallivcl ; eis-ahi ascamaras unanimes desde
1850!

1 Actas da camara dos deputados; 1836, vol. 4«.


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 193

Tornou-se a guarda nacional nova ordem honorífi­


ca com que allicia-se o parvo, com que se perverte o
povo, e degrada-se o espirito publico ; e, acima disto,
supplicio do operário e do lavrador, occasião e meio
de vinganças políticas, arma, cm summa, do despotis­
mo. A tranquillidade do povo, a segurança individual,
a regularidade do trabaflho, os mais caros interesses
exigem melhor organisação dessa parte do nosso go­
verno.
Qual seria? Outra não fôra sinão a verdade do acto
addicional, a verdade fundamental de um systema fe­
derativo mesmo incompleto como o nosso : isto é, a
guarda policial do municipio sejactlectiva, organise ra
e pague-a o municipio ; a guarda policial da provín­
cia, organise-a e pague-a a província, e tanta e tão
poderosa quanto demandem as condições de cada uma.
Preserve-se o exercito de corromper-se na policia local,
preserve-se também o voto da intimidação das bayo-
netas. ■
Neste sentido, apezar de vantagens secundarias ',
a proposta do gabinete dc 16 de julho não é reforma,
é regresso. Si o governo pretendia conservar este
exercito de soldados, officiaes e commandantes acam­
pado no meio da sociedade, a que se chama guarda
nacional, então ao menos restituisse ao elemento de-

1 A proposta do governo sò permitlia cm cada província um commando


superior, o da capital : conferia aos presidentes a nomeação de todos os pos­
tos, menos esse; e, organisando os corpos por comarcas, tendia a limitar o
numero déliés e dos olliciaes : providencias úteis, si mais util não fôra a
total abolição de uma instituição viciada e odiosa.
A PROV. 25
194 PARTE SEGUNDA

mocratico o que lhe (lava a lei de 1831, restituisse á


provincia o que nem o golpe de estado de 1840 ousou
roubar-lhe.
Alas instituições ha que o tempo condemna irrevo-
gavclmente. Nascidas muita vez na mais bella qua­
dra da vida das nações, a experiencia vem depois as-
signalal-as como concepções falsas, ou dcnuncial-as
como elementos de corrupção c tyrania. Nação em
armas, a guarda nacional foi um bello souho da de­
mocracia moderna: mas, quantas decepções! O des­
potismo europeu, na França e na Prussia, não apoia-
se sómente nos exércitos permanentes ; rodôa-se
também da guarda nacional.
Façamos o Brazil um povo livre. O primeiro escra­
vo a emancipar é o suffragio, é o proprio cidadão ca-
ptivo de instituições compressoras, como a lei da
guarda nacional. Transformemos a face da nossa so­
ciedade política, mudando-lhe as bases. Libertando o
voto, pacificaremos a nação. Não ha paz sinão na li­
berdade.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 195

CAPITULO VII.

A JUSTIÇA.

A constituição dos Estados-Unidos resolveu uma


das maiores difficuldades de um bom systema politico
dividindo o poder judicial era tribunaes federaes, para
questões dc caracter nacional ou internacional, c em
tribunaes dos estados para as lides e processos com­
muns ’. Desse ideal se estão aproximando povos em
condições analogas ás nossas.
Na Republica Argentina, c. a constituição particu­
lar de cada uma das províncias que regula a respe­
ctiva administração de justiça. Tal é o preceito do
art. 5” da constituição federal adoptada em 1860, cu­
jos redactorcs acompanharam quasi fielmente a dos
Estados-Unidos. Assim, naquella republica, os juizes
dos tribunaes federaes são igualmente distinctos dos
das províncias. Os casos da jurisdicção dos primeiros
são inteiramente os mesmos que na União norte-ame­
ricana. (Art. 100.) Ha. entretanto, uma differença
notável : na republica do Prata é o congresso que pro­
mulga os codigos civil, commercial e penal, e as re­
gras do julgamente pelo jury. Taes codigos,com tudo,

1 Parlo 1, Cap. V ; p. 51.


196 PARTE SEGÜNDA

não podem alteraras jurisdicções locaes; ea applicação


delles incumbe, já aos tríbunaes federaes, já aos pro­
vinciaes, segundo as cousas ou pessoas caliirem de­
baixo das suas respectivas competências. (Art. 67
$ 11.) Desta sorte, as leis que consagram o direito e
prescrevem as garantias da liberdade e da proprie­
dade, sãonacionaes, dicta-as o congresso: a execução
dessas leis pertence, conforme a natureza dos casos,
a tríbunaes da união ou das provincias.
Adopton a constituição de 1863 dos Estados-Unidos
de Colombia (Nova-Granada) uma organisação simi-
lhante; e si delia apartou-sc, não foi para diminuir o
poder judicial dos estados particulares, mas antes
para restringir os casos dc jurisdicção dos tríbunaes
federaes. Ficaram estes expressamente limitados
aos crimes dos altos funccionarios da união e ás ques­
tões internacionaes, prezas, pirataria, occurrencias
do alto mar, violações do direito das gentes, etc.
(Art. 17, §§ 14, 15 c 16.)
As duas republicas de origem hespanhola, reorga-
nisando-se sobre a base federal, intenderam indispen­
sável á boa administração • interna essa nova formação

do poder judiciário, característico original das ins­
tituições norte-americanas.
Dividir um poder que os publicistas europeus repu­
tam indivisível, c a mais eloquente homenagem á
descentralisação, suprema necessidade dos vastos es­
tados do Novo Mundo, condição de vida e dc liber­
dade.
Certo, as aspirações do Brazil não chegam tão longe;
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 197

aqui não se trata de copiar o systema dos Estados-


Unidos. Si bem as interpretamos, quanto ao poder
judicial, limitam-se nossas aspirações a dous pontos
capitaes: magistratura independente do poder execu­
tivo, garantias á liberdade individual.
Consagrando os princípios da independencia pes­
soal dos magistrados, da independencia do poder
judiciário e unidade ,da sua jurisdicção ; estabele­
cendo a incompatibilidade absoluta dos juizes com os
cargos de eleição; separando a policia da justiça;
extinguindo os juizes commissarios do poder execu­
tivo ; repellindo a falsa doutrina das jurisdicções
administrativas contenciosas ; prescrevendo regras
criminal a bem da liberdade do cidadão: creando re­
lações em todas as províncias: o excellente projecto
do processo dc reforma judiciaria pelo Centro Liberal
proclamado, pretendeu resolver as diiliculdades do
momento, satisfazendo ás pretenções mais geraes 1
Mas contentar-se-ha o futuro com a conquista destes
princípios? Combatendo a reforma eleitoral de 1855,
Euzebio de Queiroz exprimia uma grande verdade
neste aviso ao poder: O espirito de reforma é insa­
ciável; a democracia exigirá em breve muito mais do
que lhe concedeis agora.—O que o estadista conser­
vador receiava, é o que justamente constituo o pro­
gresso, a transformação successiva de instituições

1 Muitas das suas ideas abriram caminho entre os proprios conservadores :


insinuaram-se no ultimo relatorio do ministério da justiça 1869), e surgiram
em alguns dos projectos então ollcrecidos á camara temporária. O concurso
dos dous partidos verificou a sua necessidade
198 PARTE SEGUNDA

transitórias. Nada lia de definitivo no desinvolvimcnto


humano: na política, como na sciencia, as ideas pro­
pagam-se em círculos concêntricos, mais e mais vas­
tos. Quem póde descrever a periferia do circulo der­
radeiro? Caminham as sociedades, como os homens,
para o desconhecido; o que conforta a umas e outros c
essa vaga confiança nas eternas leis da providencia.
Anima-nos a crença de que a doutrina liberal tende a
converter-se em outra muito mais larga, não simples­
mente descentralisadora, a doutrina federal. Pudésse­
mos allumiar a ponte que liga as duas margens
oppostas, centralisação monarchica c autonomia fe­
derativa !
No assumpto que nos occupa, sem um pouco dosse
federalismo que Benjamin Constant rccom mondava a
França, nada se terá feito efficazmentc pela liberdade.
Queremos prémunir o cidadão contra o poder, c exi­
gimos a independência do magistrado: mas que valor
intrínseco tem esta sonora garantia, si é o magistrado
creatura e cliente do poder? Eis onde estacam todos
esses planos de reformas; cis onde revelam a sua la­
cuna fundamental. Circulo vicioso, garantias appa­
rentes, são essas liberdades que nos promettem: para
zombar de tão brilhantes conquistas, ahitem o poder
um agente, um cúmplice, na entidade que figuraes
paladino da liberdade, escudo do cidadão. Eraquanto,
hierarchicamenteorganisada.com asymetria do resto
do funccionalismo, a ordem judiciaria descender das
mãos do imperador, nem confiança ao povo, nem re­
ceio ao poder, ha dc cila inspirar jamais.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 199

Os autores do acto addicional bem o sentiram;


descentralisando a magistratura, dividindo-a em jui­
zes provinciaes e juizes nacionaes, ensinaram o cami­
nho que desgraçadamente abandonámos, perdendo
com elle a liberdade.

§ I.—Juizes de primeira instancia. Razão do acto


addicional.

Devem pertencer á ordem provincial os magistra­


dos da primeira instancia— ojuiz de paz, o munici­
pal, o de orfãos e o de direito ?
As leis provinciaes de 1836 a 38, que regularam
esta parte da organisação judiciaria, fundavam-se cm
que uão podiam ser funccionarios geracs, nem eram
assim considerados pelo acto addicional, juizes com
jurisdicção cm parochia, termo, comarca ou outra
qualquer divisão da provincia. Taes leis e a doutrina
que as inspirara, eram rigorosamente constitucionaes.
« São empregos municipaes e provinciaes (palavras
do acto addicional) todos os que existirem nos muni­
cípios e provincias; á excepção (quanto aos de jus­
tiça) dos cargos dc membros das relações e tríbunaes
superiores. »
Rompeu-se em 1840 esse artigo da lei das refor­
mas : da violência do acto ainda subsistem os ves-
tigios. Desde então, inquieto e suspeitoso, o genio
da monarchia tem visto de continuo perseguil-o a som­
bra implacável da lei rasgada. Quando dormirá tran-
200 PARTE SEGUNDA

quillo? no dia em que decidir-se ao lieroismo de


retroceder pelo mesmo caminho das usurpações.
Manda a verdade histórica confessar que a reacção
de 1840 foi, nesta parte, preparada por liberaes tími­
dos ou impacientes. Mal estreava a reforma de 1834,
e ja em 1835 o proprio governo do regente insinuava
que o pensamento do acto addicional era que as as­
sembléas, no uso da faculdade dc crearem empregos
administrativos provinciaes, não lhes conferissem
attribuições judiciarias, alterando a uniformidade do
poder judicial em todo o império. (Instr, de 9 de
dezembro, § 6.") Invocava-se aqui a theoria da
uniformidade judiciaria, cousa que justamente o acto
addicional rejeitara considerando provinciaes todos
os juizes, menos os das relações e tribunaes superio­
res, e sujeitando-os á assembléa provincial autorisa-
da a suspendel-os e até demittil-os (art. 11 § 7.“).
Contra essa timida doutrina, prenuncio da reacção,
bradavam as necessidades locaes.
Que fosse constituída por lei geral a organisação
dos tribunaes superiores, como sentinellas da União,
como guardas do pacto fundamental, comprehende-
se : mas impedir as províncias de formarem as suas
justiças de primeira instancia, dando umas a certos
juizes attribuições que não exercessem em outras,
variando cada uma a composição dos tribunaes locaes
á medida das circunstancias, era roubar-lhes a ini­
ciativa em assumpto que não póde ser bem regulado
sem attenção ás condições peculiares de cada região
de um vastíssimo Estado1.
1 Isto melhor se patentea attendendo á natureza das funeções do juiz
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 201

O governo municipal não consiste sómente nos ser­


viços, por assim dizer materiaes, de aqueduetos, cal­
çadas, illuminação, jardins, caminhos, etc. Ao go­
verno municipal importa o modo de se exercitar a
jurisdicção no civel e no crime, com elle se intrelaça
a administração da justiça na sua esphera inferior 1
Assim, fôra incompleta a reforma administrativa que
não sanccionasse também a competência do poder
provincial sobre a composição dos tribunaes locaes,
ou da primeira instancia, para servir-nos da expres­
são admittida.
Não seguiram as províncias os timidos conselhos
do governo de 1835. Com a isenção que mostraram

de paz, por exemplo. Si as assembléas continuassem investidas do direito


de rogular as justiças locaes , algumas haviam commetter ao magistrado
da parochia certas funeções secundarias d<j ollicio de julgar, que, com
muito gravame das pattes, ditlicilmento desempenham os juizes dos ter­
mos e comarcas.
Estender a jurisdicção do juiz de paz aos menores delictos e ás minima«
lides , é um dos votos das populações campestres de França. « Ha ac­
corde, quanto a ampliar-se a competência dos juizes de paz, escreve o
Sr. Leonce Lavergne, resumindo o ultimo inquérito agrícola. Por sua re­
sidência na capital do cantão, que o põe frequentemente em contacto com
os habitantes do campo, é o juiz de paz, para elles, o magistrado por ex-
cellencia. Deseja-se que seja incumbido das pequenas lides, de ven­
das de immoveis não excedentes de certo algarismo, e particularmeute
dos bens dos menores; que se lhes attribua a jurisdicção dos tribunaes
de primeira instancia sobre a partilha e homologação nas successões mí­
nimas,- que se estenda a sua competência a todas as contestações entre
proprietários e rendeiros, entre vendedores e compradores ; que tenha
alçada para julgar em ultima instancia até 500 francos... Essas simpli­
ficações interessam particularmente á pequena propriedade. » (Réuue des
deux mondes, 15 nov. 1868.)
1 c-ap- IV, § 1.
A PROV. 26
202 PARTE SEGUNDA

formando um systema policial proprio, algumas alte­


raram simultaneamente a organisação judiciaria em
pontos conncxos *. Podiam deixar de fazel-o ? A ten­
dência da época era accommodai- as justiças das leis
philippinas e do codigo do processo ás circunstancias
locaes, para que d’alii saliissem a melhor policia ad­
ministrativa, a melhor policia judiciaria, o melhor
regimen municipal.
E não se cuide que essa tendencia fosse para acres­
centar as faculdades das autoridades electivas, do
juiz de paz, por exemplo. Conforme já advertimos
quanto á policia, o que as leis provinciaes fortifica­
vam, era o juiz de direito ou o juiz municipal. Pro­
fundamente descentralisadoras, ellas, entretanto, não
se inclinavam para a fórma democrática das justiças
electivas, quaes incontrámos nos Estados-Unidos :
autes pelo contrario. Estamos persuadido do que ain­
da lioje as provincias não se precipitariam no ca­
minho de arriscadas experiencias. ’
Explicar-se-ia por inadvertencia dos redactores do
acto addicional, como álias pretendem os publicistas
conservadores, a amplidão que elle deixára á compe­
tência provincial ? Não : invoquemos os annaes da
época. Naquelle bello periodo da nossa historia, a
opinião mais geral inclinava-se a uma organisação
democrática, que se traduziu pela phrase monarchia
federativa. Hollanda Cavalcanti (Visconde de Albu-

• Cap. V, g 2.
’ Parte I,cap. V ; p. 53 a 60.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 203

querque) propunha em 1832, antes da lei das refor­


mas, um projecto que confirma esta apreciação. « Com­
pete, dizia no art. 5.°, compete aos juizes de facto e
de direito nas províncias julgar definitivamente as
causas, quer eiveis, quer criminaes, intentadas dentro
da provincia, e em que não fôr compromettido o in­
teresse geral da nação... Uma lei economicaprovincial
marcará os districtos dos juizes dc direito da primei­
ra instancia, e a fôrma do processo, tanto civel como
criminal, para essas causas sómente. »
Era o ideal norte-americano, que o illustre brazilci-
ro propunha-se. Tanto não fizeram, todavia, as leis
provinciaes a que nos referimos : foram, não obstante,
a pedra de escandalo. Atroaram os ares declamações
contra a anarchia e pomposos elogios das instituições
uniformes.
Honra, porém, ao representante de Pernambuco,
Luiz Cavalcanti, que soube resistir a essa paixão
centralisadora, fonte principal dos nossos males poli­
ticos ! Membro da commissão das assembléas provin­
ciaes, lavrou, a 20 de agosto de 183G, um parecer di­
gno de nota1. Depois de affirmai
* o principio— «que
competia ás assembléas provinciaes revogar as leis
geraes nos objectes que passaram a ser provinciaes»,
e considerando desta natureza os pontos de organi­
sação da justiça e policia regulados pela lei pernam­
bucana dc 14 de abril de 1836, Luiz Cavalcanti con­
cluía que as mesmas assembléas poderíam alterar os

’ Adas da camara dos deputados •• 1836, agosto ; p. 98.


204 PARTE SECUNDA

codigos do processo civel ou crime. O limite do


poder provincial, lembrava elle, era não offender a
constituição, os impostos geraes, os direitos dc outras
províncias e os tratados, « casos únicos em que o po­
der legislativo geral poderá revogara lei provincial,
na fórma do artigo 20 do Acto Addicional. » Demais,
a lei dc Pernambuco não mudava propriamente as
regras e a marcha do processo civel ou criine, ape­
nas instituía certas autoridades locaes em vez de
outras. E, para responder á objecção dos que receia-
vam do uso dessa faculdade a variação dos codigos,
acrescentava com muita sensatez : «Lembram alguns
o inconveniente de poderem apparecer 18 differentes
codigos das diversas províncias, que não possam fa­
cilmente ser conhecidos pelos magistrados dos tribu­
naes. Intendo. porém, que, sendo os magistrados espe-
cialmcnte destinados ao conhecimento das leis, seu
officio lhes impõe o dever de estudaras leis de todas as
provincias aonde sua jurisdicção se estender ; além
de que as provincias hão de seguir muito o exemplo
umas das outras, e conseguintemente não terão dc
verificar-se tantas differenças dc codigos ; antes po­
deremos ter a vantagem de ser mais imitado o codigo
que tiver produzido bons cfféitos em alguma provín­
cia. » E concluia queixando-se da calamidade dc um
codigo do processo decretado pela assembléa geral.
Baldado esforço ! veio a lei de 1840, e restaurou-
se ou consolidou-se a uniformidade dos codigos,
agravada desde então pelas doutrinas absolutistas que
em 1841 prevaleceram na organisação policial e judi­
ciaria.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 205

Não é, entretanto, cousa tão anarchica a separa­


ção dos juizes em provinciaes e geraes, segundo são
da primeirainstanciaou dos tríbunaes superiores, que
se não descubra fundamento disso na propria lei dc
1840. O seu artigo 4.“ colloca os membros das rela­
ções c supremo tribunal fóra da alçada das assembléas,
não podendo estas suspcndel-os nem deinittil-os. Si
os juizes de primeira instancia, porém, continuam sob
o poder das assembléas, c que são essencialmcntc
magistrados provinciaes. Que muito é então que sejam
escolhidos na provincia c investidos na fórmadas leis
delia?
Por outro lado, si ás assembléas pertence crear no­
vos termos c comarcas, faculdade em que não ousou
tocar a mesma lei dc 1840, — é logico admittir que
lhes incumbe pagar os respectivos funccionarios: e
assim foi até 1842 ; assim deve de ser, extinguindo-
se radicalmente o conflicto que o governo todo o dia
provoca.a este respeito. Mas também é logico que, si
padece o onus da despeza, tenha a provincia o bene­
ficio de legislar sobre as justiças que crear e manti­
ver, sem outro limite mais que os preceitos constitu-
ciouaes da ordem judiciaria em paiz livre. 1
Intendem estes preceitos especialmente com a inde­
pendencia do poder judicial. A divisão das justiças
em nacionaes c provinciaes é o que, em nosso pare­
cer, facilita a constituição de uma magistratura po­
derosa, emanando dos representantes do povo, não
dependente do governo.
1 V. p. 95, nota 2.
206 PARTE SEGUNDA

ij IL—Independencia do poder judicial : nomeação e


promoção dos juizes. Princípios de organisação ju­
diciaria communs d lei geral e ds provinciaes.

Si a mais solida garantia do cidadão está cm uma


magistratura independente que o ampare das vio­
lências, a actual organisação dos nossos tribunaes
deixa muito a desejar. A juizes instituídos pelo go­
verno, sensíveis á influencia ou corrupção do poder,
se restituiriam cm vão as faculdades de que em 1841
ficou esbulhada a magistratura vitalícia : não é pro­
vável que por si só essa restituição aproveite eflicaz-
mente á liberdade.
Nas monarchias, mais que nas republicas, porque
nas monarchias o poder é sempre mais forte,— cum­
pre fazer realmente do juiz o sacerdote da lei, c do
tribunal o asylo do direito. São radicalmente falsas
as instituições que se afastam deste ideal. Nossa con­
stituição, cumpre confessal-o, cabe debaixo desta cen­
sura : propondo se formar da justiça poder inde­
pendente, commetteu o erro do reproduzir a organi­
sação da monarebia absoluta, onde a judicatura,
em todas as escalas dessa ordem do funccionalismo,
c feitura do rei ou dos seus representantes.
A esse vicio original ajunte-se o erroneo systema
das leis organicas. Tudo se concatena nesta fabrica
absolutista I Policia centralisada ; commissarios do
governo por juizes ; garantias individuacs supprimi-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 207

das ou anuulladas... o que faltava ? não era acaso


sufficiente? Pois não pareceu bastante : ataram, de­
gradaram a propria magistratura vitalícia. Não fal­
íamos da mesquinhez de seus vencimentos, o que alias
bastaria para enfraquecer a mais poderosa organisa­
ção judiciaria. O magistrado, parecia querel-o a con­
stituição, deve do ser perpetuo e inamovível. Pois
bem ! não ha no Brazil utna entidade a que se chama
juiz avulso? eis ahi como é perpetuo o nosso juiz de
direito. Não ha o despacho obrigatorio de chefe de
policia, e as promoções de entrancia a entrancia ?
eis ahi como ó inamomivel. Por outro lado, ó
o governo que o nomeia, que o promove, que
o remove, que o aposenta, que o escolhe desembar­
gador, que o despacha para a commissão de policia
ou qualquer commissão administrativa, que o distin­
gue com o cargo de procurador da corôa ou cora a
presidência dos tribunaes : eis ahi como elle é inde­
pendente. O juiz de direito, sobretudo, é uma das
entidades mais dependentes do governo : depois de
lhe terem usurpado a attribuição de julgar investida
no juiz commissario, o juiz municipal,— o tornaram
solicitador assiduo nas audiências do presidente de
província e do ministro da justiça. Sabemos bem que
alguns robustos caracteres ha superiores á timidez e
aos conselhos do egoismo ; mas a lei não suppõe
sómentc virtudes stoicas, nem caracteres excepcio-
naes.
Imperfeita o transitória será a reforma que não
remover os inconvenientes notados. Demais, dadas
208 PARTE SEGUNDA

certas situações moraes, não sc regeneram os povos


com a medicina dos tempos ordinários: então só llics
aproveitam os remédios encrgicos, as reformas deci­
sivas. Medidas intermedias podem até, por sua
inctficacia, desacreditar o systema inteiro.
Sem buscar exemplos nas instituições de estados
republicanos, citemos o da monarchia belga.
Comquauto seja o rei quem na Bélgica nomeia di­
rectamente os juizes de paz e os dos tríbunaes de pri­
meira instancia, é a sua prerogativa limitada quanto
aos outros membros da magistratura. Os das relações
[conseillers des cours d’appel), os presidentes e vice-
presideutes dos tribunaes de primeira instancia da
jurisdição délias, são apresentados ao rei em duas listas
de dous nomes, uma proveniente das relações, outra
das assembléas provinciaes ; e é desta proposta dupla
que se faz a eleição. Os membros do tribunal su­
perior (conseillers de la cour de cassation) são apre­
sentados em duas listas igualmente duplas, uma do
referido tribunal, outra'do senado. Esse tribunal e
as relações é que elegem do seu seio os proprios presi­
dentes e vice-presidentes *.
Quiz a constituição dos belgas tornar effectiva a
independencia da magistratura; e logo sentiu a ne­
cessidade de restringir a prerogativa do poder exe­
cutivo quanto ú nomeação. A independencia do ma­
’ Arts. 99 e 100 da const, da Bélgica.—Esta combinação recorda, em parte,
a dos Estados-Unidos. São os juizes da suprema côrte federa! nomeados pelo
presidente, mas com assentimento do senado; e que não é isto méra forma­
lidade, atlesta-o a recente rejeição de uma escolha feita pelo presidente Grani.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 209

gistrado, com eficito, se frustra de dous modos: pela


intervenção do governo no despacho para o primeiro
gráu da judicature, e pela maior ou menor liber­
dade de que goze na elevação de um a outro gráu, e,
dentro do mesmo, nas remoções c accessos. Para re-
pellir a participação dos outros poderes (o executivo
e o legislativo) na formação do judicial, as consti­
tuições dos Estados-Unidos estão adoptaudo, como
já vimos, um principio mais radical, confiando ao
proprio povo a escolha dos juizes.
Entretanto, fôra acaso impraticável insaiar no Bra­
zil a combinação belga com algumas alterações? Con­
tinuasse, por exemplo, o preenchimento das vagas
do tribunal supremo por accesso dos desembarga­
dores mais antigos, methodo que, apezar de certos
inconvenientes, ainda parece preferível a outro
qualquer. Na composição das relações, porém, a an­
tiguidade rigorosa tem inconvenientes maiores: a
primeira instancia se deve reputar uma provação, e
não é prudente confiar ao acaso da antiguidade a
formação da magistratura superior. Mas, para não
compromette!- a independencia dos juizes aspirantes
*
ás relações, poder-se-ia adoptai um expediente: hou­
vesse para cada vaga de desembargador propostas da
respectiva relação e do senado provincial; as propos­
tas comprehendessem juizes da mesma ou de outra
provincia e quaesquer cidadãos jurisperitos; a escolha
definitiva coubesse ao supremo tribunal. Ao mesmo
tribunal pertencesse a eleição do seu presidente; a dos
procuradores da corôa c presidentes das relações, a
A PROV. 27
210 PARTE SEGUNDA

ellas proprias; o igualmente, por motivo facil dc con­


ceber, a cada tribunal se transferisse, como nos Es­
tados-Unidos, o direito de prover os cargos dc secre­
tários, escrivães c officines que perante elle sirvam
E dos juizes da primeira instancia o que fariamos?
São cargos provinciaes, em nosso intender. Consen­
tiriamos ao presidente o que ao poder executivo ne­
gamos, nomear o juiz? Certamente não. Fossem,
pois, os juizes de direito e os municipaes propostos
pela relação ao senado da provincia, de cuja escolha
dependessem.
Tal é a combinação que nos parece exequível, li­
bertando a magistratura da influencia governa­
mental
Resta a questão da perpetuidade.
Quanto a nós, é este um principio essencial: não
que o juiz, uma vez nomeado, deva ser soberano; du­
ram suas funeções illimitadamente, até o dia em que

* Esta faculdade abrange também a demissão: art. Il, sec 2, cl. 2 da const. ;
Paschal, Annotated constitution, n. 183, p. 178.
* Um illustre escriptor da escola monarchies, o Sr. Prevost Paradol. depois
de mostrar que a independencia é requisito essencial da magistratura para o
papel que desempenha no Estado, expõe uma combinação analoga á da Bél­
gica, refutando concludentemente o actual systema fiancez, que no Brazil se
imitou: La France Nouvelle, livro 11, cap. VH.
Noscantõesda Suissa parece prevalecer a idéa da eleição dos juizes pelas
assembléas legislativas Repellindo o principio da nomeação directa pelo
povo, um illustre suisso propõe —que todos os juizes permanentes sejam
eleitos pelo Grande Conselho federal : La démocratie suisse, por J. Dubs, ex-
presidente da Confederação; 1868.
Segundo o projecto de constituição de Pouso-Alegre ,1832), eram as as­
sembléas provinciaes que em lista triplice propunham ao imperador os juizes
que devessem servir nas relações.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 211

o suspenda ou demitta o poder legislativo, a quem


isto compete nas provincias. Nem se receie um uso
immoderado desta gravo attribuição do impeachment,
dadas eleição livre, representação das minorias, accu-
sação da primeira camara e sentença do senado pro­
vincial. Cercado destas garantias, o impeachment será,
como nos Estados-Unidos, salutar recurso, e o unico
contra a improbidade astuta.
O mesmo procedimento se deveria estender, por
igual motivo, aos magistrados da segunda instancia:
accusados perante a camara temporária, decretasse o
senado do império a sua suspensão ou demissão. Ces­
sasse a faculdade, que ao imperador se dcu.de suspen­
der juizes, que é outro modo de se exercer a perniciosa
influencia do governo ; cessasse igualmcnte, pelo
mesmo fundamento, a funesta attribuição do remover
o magistrado, seja a pedido, seja forçosamente.
As remoções dos juizes dc direito (salvo o que a
este respeito deliberassem as assembléas, a quem
pertence regular a materia) deviam de ser decretadas
pelas relações; as dos desembargadores pelo supremo
tribunal. Como quer que seja, nada é menos compa­
tível com um systema livre de governo, do que essa
lei das cntrancias que tanto arbítrio deixou ao poder.
Abandonámos, como viu-se, o principio da promo­
ção por antiguidade. Dizemol-o francamente : não in-
contramos sólida garantia na antiguidade exclusiva;
apenas poder-se-ha conserval-a quanto ao supremo
tribunal, desde que não fòr exigida para o provimen­
to das vagas das relações.
212 PARTE SEGUNDA

Notorios são os inconvenientes da promoção por


antiguidade rigorosa, protectora da ignorância, con­
selheira da desidia, e frequentemente padroeira do
vicio e da corrupção. Não a conhecem a Inglaterra c
os Estados-Unidos, dous grandes paizes que possuem
magistratura illustrada e independente. Em todos os
cargos públicos, a perpetuidade dofuuccionario é per­
niciosa ao serviço nacional. Si na magistratura, para
reforçar-lhe a independencia, admittimos a vitalicic-
dade, ahi mesmo a temperamos com a ameaça do
processo criminal, e o correctivo da suspensão ou de­
missão legislativa: como, pois, havemos aggraval-a
com esfoutro principio do direito dc antiguidade ?
Concorram ás vagas dos diversos gráus da magis­
tratura todos os juizes inferiores c quaesquer juris­
consultes notáveis, preferidos certamente os primei­
ros em igualdade dc circunstancias. A liberdade na
escolha é só perigosa, c detestável, no systema da
formação da magistratura pelo governo. O principio
da antiguidade é então plausível, como freio do poder
executivo, que em paiz corrompido, para grangear
clientes, transpõe sem hesitara barreira do justo c
honesto.
A actual intervenção do governo é que obriga a
aceitar, como remedio salvador, o principio das es­
colhas fataes : o que devemos pensar, porém, dessa
intervenção combinada com a faculdade da livre es­
colha, illimitada quanto ao juiz municipal co juiz dc
direito, c pouco menos quanto á de desembargador
era lista dc quinze nomes? Respondam a corrupção
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 213

política e o desprestigio eni que cahiram os tribu-


naes do império.
Tudo cumpre prevenir para firmar praticamente a
liberdade. Extingam-se, pois, todos os meios de in­
fluencia governamental no animo do magistrado.
Desta sorte, assim como fôra incompleta a reforma
que não consagrasse a incompatibilidade política dos
juizes pela nullidade dos votos que obtiverem nas
eleições das assembléas legislativas,assim o fôra tam­
bém a que não prohibisse a nomeação delles para
quacsquer funeções administrativas.
Finalmente, para consolidar a independencia que
desejamos assegurai-lhes, sejam os juizes os fun­
ccionarios melhor retribuídos do Estado. Aqui, no
Brazil, isto já não é questão de dignidade, mas dc
subsistência para o juiz. Singular regimen ! da ma­
gistratura, base do nossosystema politico, fez-se uma
ordem mendicante, que professa a miséria.
Não dependentes do poder executivo quanto a no­
meações, remoções e accessos ; perpetuos e inamoví­
veis, excepto a requerimento ou cm virtude dc pro­
cesso; incompatíveis; bem remunerados,—os juizes
de ambas as instâncias, os provinciaes cos nacionaes,
constitui riam a verdadeira muralha da liberdade.

III.— Relações em cada provincia.

No interesse das provincias, cujos direitos esta­


mos reivindicando, encareçamos também a necessi-
214 PARTE SEGUNDA

dado dc tribunaes da segunda instancia em cada


uma.
E’ um attentado a teima com que, sob o falso pre­
texto de economia, se recusa isso ainda ás mais im­
portantes das provincias: pois, sem attenção á eco­
nomia, augmenta-se, muito além do quadro legal, o
numero da relação-moustro da capital do império. O
patronato e o desprezo da commodidade dos povos
teem deixado perpetuar-se uina centralisação talvez
maior que sob o regimen colonial. Mais do metade do
Brazil (nove provincias) vem todas buscar justiça
ao tribunal do Rio de Janeiro! De Minas, dc Goyaz,
de Mato-Grosso, a quatrocentas léguas de distancia,
se appella dos juizes locaes para a relação dacôrte!
Emquanto as provincias finam-se, superabundam as
forças na capital. As industrias ou antes as profis­
sões forenses gozam assim no Rio dc Janeiro de um
privilegio, creado c mantido á sombra da mais ex­
traordinária centralisação dc justiça.
Ha muito, poder-se-ia facilmente melhorar a sorte
das provincias sem gravame do thesouro. Remover-
se-ia o inconveniente da despeza adoptando a combi­
nação proposta, em 1868, por alguns senadores. Com
cffeito, creava o seu projecto très novas relações só­
mente (no Rio Grande do Sul, cm Minas e no Pará)
com desembargadores tirados do numero excessivo
das actuaes. Nas restantes provincias, para conhe­
cerem dos processos cm segunda instancia formar-se-
iam collegios judiciaes compostos dos juizes dc direito
reunidos cm épocas fixas do anuo. Perceberíam os
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 215

inesmos juizes apenas uma adjuda de custo especial,


calculada para as viagens dentro da provincia.
Em Santa Catharina, Paraná, Goyaz, Mato-Grosso,
Espirito-Santo, Sergipe, RioGrandedo Norte, Piauhy,
Amazonas, os tribunaes dc segunda instancia pode­
ríam, em verdade, funccionar provisoriamente cora
très ou cinco dos mais antigos juizes de direito, reu­
nidos em duas ou mais sessões durante o anno.
A estatística judiciaria dos feitos enviados daquellas
províncias mostra que os tribunaes periódicos
desempenhariam o serviço. Emquanto o mo­
vimento total da relação da côrte, por exemplo, ex­
cede por anuo de mil feitos, pertencendo mais de
metade á cidade e provincia do Rio de Janeiro, apenas
algumas dezenas delles cabem a Mato-Grosso, Goyaz,
Espirito-Santo, etc. Póde-se mesmo asseverar que
a distancia em que se acha o tribunal superior, as
dependências e despezas que por esse e outros mo­
tivos exige o processo em segunda instancia, o desa­
nimo produzidos pelas delongas, impedem os provin­
cianos de proseguirem nos recursos e appellações,
com preterição do seu direito, e muita vez da sua
segurança ou da sua liberdade.
O expediente proposto no senado incontra-se em
alguns dos menores estados da União norte-ameri­
cana. Em Rhode-Island (população, 189,000 habit.)
os membros da sua supreme-court são os proprios
juizes dos condados, que, reunidos, celebram as ses­
sões periódicas daquclle tribunal.
Além disso, na União, como já vimos, nem mesmo
216 PARTE SEGUNDA

os negocios de caracter nacional ou internacional,


sujeitos aos juizes federaes, padecem a centrali­
sação que existe entre nós para todos sem excepção.
Taes negocios são levados aos tríbunaes federaes do
respectivo districto, quer tenham occorrido em um
dos estados constituídos, quer mesmo em um terri­
tório. Um simples território, por menor que seja a
sua população, tem os seus tríbunaes de ambas as
instâncias para os negocios ordinários ( não fede­
raes), e uma district-court para preparar os pleitos da
jurisdicção federal, que a respectiva circuit-court de­
cidirá depois, em segunda instancia, nas sessões pe­
riódicas.
Os anglo-americanos não comprehenderiam jamais
que de S. Francisco no Pacifico, ou de qualquer dos
territórios ou estados, se carecesse vir a Was­
hington buscar justiça, excepto nos casos rarissimos
especialmente sujeitos á supreme-court da União.
Aqui, no Brazil, vem ao Rio de Janeiro as causas
de todo o genero, em gráu de recurso ou appellação,
do valle do Uruguay e do valle do Paraguay, desde o
Rio Grande do Sul até Mato-Grosso!

IV.—Assumptos da competência provincial. Requi­


sitos para o cargo de juiz: o noviciado.

No ponto de vista deste trabalho, cabe fazer ainda


algumas indicações sobre a competência da lei pro­
vincial nesta materia.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 217

Fixar o ordenado e o numero dos juizes, decretar


a união ou separação das varas, regular a natureza
dos officios de justiça e o modo de seu provimento,
estabelecer as épocas das sessões judiciarias, etc., é
evidentemente da competência provincial.
Quanto ao jury cspecialmente, conforme á intel-
ligencia que se déra ao acto addicional antes de
1840 ', é objecto de lei provincial, não da geral : — a
fixação do numero de jurados preciso para funccio-
narem os tribunaes; a renda, base do censo para a
qualificação dos cidadãos-juizes; as épocas e lugares
dos julgamentos; a distincção, segundo o gráu dos
crimes, proposta em 1866, entre jurys correccionaes
ou de parochia, e grande jury de comarca para co­
nhecer dos mais graves attcntados; em summa, toda
a parte variavel e regulamentar desta bella insti­
tuição.
A competência provincial , porém , involve um
ponto muito mais importante: as condições exigi-
veis dos candidatos a cada um dos cargos da ma­
gistratura local. Estas hão dc ser prestabelccidas
por lei expressa, para não ficarem dependentes do
arbítrio das corporações incumbidas da proposta e
escolha.
No modo de fixarem os requisitos para a judica-
tura, deveríam as provincias haver-se com a maxima
prudência, evitando os inconvenientes, que ninguém
desconhece , da actual formação da magistratura.

' Cap. V, §2.


A PROV. 28
218 PARTE SEGUNDA

Não perm itt isst1 in eontiar-se o poder de julgar a quem


não offerecesse provas de capacidade scientific!!
* ,
além da capacidade moral. Não bastassem os titulos
das faculdades de direito ; pudessem ser nomeados os
cidadãos que, embora os não possuam, mostrassem
as necessárias habilitações. Para a escolha de juiz de
direito, preferissem os juizes municipaes e os promo­
tores, mas não se désse o titulo definitivo daquelle
cargo sinão prestado exame de sufficiencia, algum
tempo depois da uomeação provisoria. Houvesse, em
todos os casos, concurso publico, perante a relação
proponente, para o preenchimento das vagas.
As maiores províncias poderiara adoptai
* desde logo
um systema de noviciado ’. Sem elle, é certamente
* « Eu não quizera, dizia no senado o Sr. Nabuco, um noviciado tão
aerisolado como é na Prussia , como é na Allcmanha , onde se exigem
très exames rigorosos para que o candidato bacharel em diteito seja in­
vestido das importantes funeções da magistratura: o primeiro exame, o
que confere o titulo de auditor; o segundo que confere o titulo de re-
lerendario; o terceiro, o mais rigoroso, pelo qual ao bacharel ou candi­
dato é conferido o cargo de magistrado, Mas, para se conferirem os ear­
gos de juiz municipal ou de juiz de direito, é preciso exigir alguma pro-
vança. Nós temos, para os juizes municipaes sómente, o requisito de um
anno de prática ; mas esse anuo de prática , vós o sabeis, é completa"
mente illusorio. Esse anno de prática devia consistir na frequência das
audiências, em defezas perante o jury, cm outras provanças que são es-
senciaes para sei em conhecidos aquelles que teem do ascender ao cargo
importante de magistrado.... Náo ha concurrencia para o cargo de juiz
municipal : pois bem, seja para esse cargo menos rigorosa a habilitação*
ao menos por agora. Para o cargo, porém, de juiz de direito ha muita
concurrencia, e, visto que ha muitos concurrentes, é preciso que haja toda
a provança que dê garantia á nomeaçao. Que inconveniente havia de que,
terminando o juiz municipal o seu quatriennio. fosse sujeito a um exame
ou concurso em que elle mostrasse com outros a sua capacidade ? Esse
exame ou concurso eu quizera que fosse annual, e não para cada vaga
ou para cada occasião......... » (Disc, de 15 de junho de 1861.)—V. lam­
bem o relatorio do ministério da justiça em 1857.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 219

arriscada a escolha de funccionarios que teem de exer­


cer um mandato perpetuo, inda que corrigido pelo
direito de impeachment da assembléa, pois será sem­
pre excepcional a suspensão ou demissão do magis­
trado .

$ N .—Competência exclusiva da lei geral: garantias


do cidadão.

Si fosse cada provincia soberana na sua adminis­


tração interna, não haveria lei judiciaria commnm ;
no nosso incompleto systema federativo é similhante
lei perfeitamente constitucional, emquanto não in­
tervém na composição das justiças provinciaes.
Mui dillicil é nestes assumptos prefixar o limite
do interesse geral, a competência da lei nacional.
A Republica Argentina , fazendo nesta parte
tuna importante restricção ao largo systema norte-
americano vertido para a sua constituição, deu ao
congresso o poder dc dictar os codigos civil, com­
mercial e penal, mas evitou o erro dc ir além, pois
deixou ás provincias a faculdade de promulgarem os
seus codigos do processo judiciário e de organisarem
os seus tríbunaes de ambas as instâncias. De sorte
que, na confederação vizinha, si o direito é uniforme,
não o é o processo, nem a organisação judiciaria. Nos
Estados-Unidos, porém, varia e póde variar o proprio
22G PARTE SEGUNDA

direito : cada estado tem ou reserva-se o direito dc


ter os seus codigos.
Qual a imaginamos, dc accordo com o acto addi­
cional, a uniformidade no Brazil comprehenderia os
princípios de direito no civel e no crime, a organi­
sação dos tribunaes superiores, e bem assim as ga­
rantias constitucionaes da liberdade.
Quaes são, pois, as garantias individuaes que uma
lei uniforme deve firmar em todo o império ?
Ellas resumem-se todas no nobre pensamento do
século XVIII : proteger o cidadão contra o abuso do
poder. O que é a liberdade no mundo moderno? é a
cfiectividade da garantia pessoal e real do indivíduo.
O fiador é o tribunal judiciário. Processo que premu-
na a liberdade contra a tyrania, juiz independente
que o observe: eis tudo. Onde isso não existe, ou,
existindo cscripto, não se cumpre, não lia a liberdade
prática dos inglezes, a verdadeira liberdade.
Restringir a prisão preventiva, antes da culpa for­
mada, ao caso de flagrante delicto, podendo-sc exigir
caução quando houver indícios vehementes ;
Restabelecer o jury dc accusação, unico compe­
tente para pronunciar e decretar a prisão em crime
inafiançavel ;
Facilitar e abreviar o processo da fiança ;
Fixar prazo fatal para a formação da culpa, sob
clausula de soltura do indiciado preso ;
Regular, conforme o codigo do processo, as buscas,
punindo abusos que ora são vulgares; 1
1 Pelo codigo do processo a busca exigia juramento de parlo, depoimento
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 221

l’ermittir a todos os juizes conceder habeas-corpus,


sem distincção de causas ou ordem de prisão ; 1
Restituir ao jury os julgamentos que lhe tiraram cm
1850 ’ , o conhecimento dos crimes dc empregados
não privilegiados, que actualmente julgam os juizes
de direito, e o de todas as injurias impressas;
Prémunir a liberdade individual contra outras al­
çadas excepcionacs, creadas ou sob pretexto do servi­
• do recrutamento ’ , ou em nome do interesse da
ço

de testemunha, indícios vehementes que formassem a convicção da autorida­


de. Pela lei de 3 de dezembro, para varejar o asvlo do cidadão, a autoridade
não carece mais que dos seus motivos pessoaes de convicção.
1 Admittindo a theoria ingleza do habeas-corpus, segundo a qual a magis­
tratura foi instituída para prémunir o cidadão contra o arbitrio do podei, di-
céra o codigo do processo : sempre que o cidadão fòr preso ou constrangido
illegalmcntc cm sua liberdade, possa o juiz territorial mandal-o em paz.
Vieram depois os avisos,— avisos do governo interpretando leis, corrigin­
do-as, rcslringindo-as mesmo, outro característico deste nosso systema re­
presentativo— : vieram os avisos, e-um logo supprimiu o caso da prisão
militar, scilicet, o recrutamento ; outro, o caso de prisão dos responsáveis
da fazenda imposta pelos agentes do fisco; outro esta hypothèse, outro aquel-
Ia, c o habcas-corpus ficou sendo o que era de esperar: inania verba. Já a
lei de 3 de dezembro déra um golpe seguro, prohibindo que o juiz de di­
reito o possa concedor ao paciento de prisão imposta pelo chefe de policia :
de sorte que, sendo assim preciso recorrer para as relações, o cidadão desa­
nima diante das despezas e da lentidão do processo. Hoje, para impedir o
recurso ao magistrado territorial e vingar a violência, basta a qualquer
subdelegado pôr a sua victima á ordem do chefe de policia.
’ Escusado fôra encarecer o erro da lei de 2 de julho do 1850, que dispen­
sou o jury nos crimes de moeda falsa, resistência grave, tirada de preso e
banca-rota, c atô nos de roubo c homicidio praticados na fronteira, desde que,
ao menos em parte, os proprios eonservadores o reconhecem. Quanto ao
primeiro, declara o relatorio do ministério da justiça de 1869 (p. 19) que pou­
co tem aproveitado a restricção da lei, e pede que se revogue. Quanto aos
outros, não répugna á consciência liberal o jnlgamento por juiz unico ? E nào
se hade bradar contra a reacção política, que a tal ponto chegara !
’ Decretos de 6 dc abril de 1841 eb de agosto de 1842.
222 PARTE SEGUNDA

lavoura', ou por amor da segurança publica c disci­


plina militar ’ :
Taes seriam as bases da lei judiciaria que o paiz
reclama.
Não se diga que desarmamos a sociedade diante do
crime: o nosso ponto de partida c que, no Brazil,
como em outros povos da raça latina, não é tanto a
impunidade do crime que se deve receiar, mas antes
a prepotência da autoridade. Fallemos com franque­
za : depois da exageração a que se tem visto chegar
a prisão arbitraria, graças á policia hierarchica da
lei de 3 de dezembro e ás violentas paixões politicas,
— nós prefeririamos, no caso de escolha, uma lei li­
beral, embora não evitasse inteiramente a impuni­
dade dc alguns criminosos, á lei despótica que, na
intenção ou sob o pretexto dc castigar a todos, fosse,
como é aquella, regimento militar da nação escravi-
sada.
E acaso teem essa lei tvranica
V e suas auxiliares
preenchido seu fim ostensivo— evitar a impunidade?
Respondam os contemporâneos ; respondam as nossas
estatisticas judiciarias; respondam as noticias que
todos os dias recebemos do interior, onde ha pouco,
durante o processo eleitoral, os rcgulos dc aldêa, al­
guns delles criminosos notorios, campeavam á frente
de sicarios que reunem, asylam, armam e levam ao
combate das urnas, derramando o pânico, intimidan­
do o povo, afrontando a moral.
1 bei do Ie dc setembro de 1860.
* Lei dc 18 dc setembro de 1851.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 223

Aqui eali, por toda a parte, nas cidades c no cam­


po, sé varejam casas, viola-se o asylo do cidadão, re­
volve-se a sua mobilia, revolve-se mesmo a cama em
que dorme a mulher ou a filha, em nome da lei, em
nome dessa exacrada lei de 3 de dezembro, para se
proceder a buscas. O varejo c o recrutamento-caçada
são dous característicos da nossa civilisação, dos
nossos actuaes costumes politicos.
E’ dura, mesmo arbitraria, dizem alguns, a legis­
lação censurada, mas indispensável para evitar a im­
punidade. De sobra está refutado o axioma, donde
emanaram as leis criminaes da escola franceza,—
antes prevenir do que punir,—maxima que substitue
a responsabilidade do indivíduo pela tutela da au­
toridade. Seja severa, inflexível, a punição do crime ;
mas, na intenção de prevenil-o, é licito acaso coagir
a liberdade do cidadão ? Demais, não se previne o cri­
me armando a autoridade de um poder iinmenso,
diante do cidadão trêmulo de susto e humilhado ; a
prova está nesses abusos tão communs em nosso in­
terior, donde se originam reacções e vinganças, cri­
mes que produzem crimes. O crime previne-se, prin­
cipalmente, elevando o nivel moral do cidadão, fa­
zendo-o amar a paz e a liberdade, facilitando-lhe o
trabalho e a riqueza, illustrando-o e educando-o por
uma instrucção primaria completa, largamente diflun-
dida pelo paiz inteiro. A penitenciaria, um progres­
so aliás que mal conhecemos de nome, seja dito de
passagem, a penitenciaria não é o alvo social nestes
assumptos : o ideal é a instrucção, a moralidade, a
liberdade.
A PROV. 29
INTERESSES PROVINCIAES 227

CAPITULO I.

INSTRUCÇÃO rUBLICA.

Não nos propomos tratar largamentc os interesses


de ordem provincial. Percorrendo rapidamente al­
guns dos mais importantes , nosso objecto é des­
crever , conforme princípios acima expostos , a
linha divisória da competência dos poderes local e
geral em assumptos communs a ambos.
Começemos pelo interesse fundamental dos po­
vos modernos, a instrucção.
Escusado fôra discutir os obstáculos que nesta
materia tem a centralisação opposto ás províncias,
e que já citámos a proposito de gráus litterarios ,
cadeiras dc ensino secundário, penas para a san-
cção dc regulamentos, etc. 1 Nosso fim aqui é ou­
tro ; é indicar as medidas principaes , que devem
as assembléas adoptar , com a maxima urgência,
para elevarem o nivel moral das populações mer­
gulhadas nas trevas.
Em verdade, o mais digno objecto das cogitações
dos brazileiros é, depois da emancipação do trabalho,
a emancipação do espirito captivo da ignorância. Sob

• Parts II, cap. I; pp. 9î, 95, nota 1, e 97.


228 PARTE TERCEIRA

o ponto de vista da propria instrucção elementar (enão


fallemos do estudo das sciencias), nosso povo não en­
trou ainda na órbita do mundo civilisado. E’ o que
attesta a frequência das escolas primarias. Conside­
rável apenas na população de origem germanica de S.
Leopoldo (Rio-Grande do Sul), D. Francisca (Santa Ca­
tharina) c Pctropolis (Rio de Janeiro), essa frequência
mal attinge á média de 1 alumno por 90 habitantes
cm todo o império. Compare-se este sinistro algarismo 1
com o dc alguns dos Estados-Unidos, onde a média é
1 por 7 : nem se esqueça que, si na propria capital do
império, ha apenas um alumno por 42 habitantes, das
vinte provincias ha sete onde a proporção é superior
a 1 por 100, e ha mesmo uma (o Piauhy) onde ex­
cede ainda a 1 por 200. Só na Sicilia dos Bourbons-
ou nas steppes da Russia se incontrariam alga­
rismos equivalentes! A mais rica c mais densamente
povoada das nossas provincias, o Rio dc Janeiro, onde
mal se conta 1 alumno por 100 habitantes, acha-se
muito abaixo de uma ilha dc negros, a Jamaica, que
conta 1 por 13, e cujo porvir asseguram seus intelli­
gentes esforços pela educação da descondencia dos
emancipados’.
1 Segundo o Sr. ministro do império (rclatorio de 1870, p. 79 , a propor­
ção seria 1 alumno por C3 habitantes; mas pareço este algarismo inferior
á realidade, quer por se ter cxcluido do cálculo a população escrava, quer
por se haver arbitrariamente accrcscentado mais 74,000 alumnos ao total dos
documentos ofliciacs, que, pela nossa parte, antes reputamos exagerados que
deficientes.
’ População da Jamaica: 420,000 li., dos quaes 20,000 brancos sómente.
Numero dc escolas, 594; alumnos, 31,313. (Auli-slaverij-reporter, abril de
1868; p. 93.)
INTERESSES PROVINCIAES 229

Quaes serão os destinos do nosso systema de gover­


no, que deve assentar na capacidade eleitoral, si per­
petuar-se o embrutecimento das populações, engrossa­
do pela corrente dc proletários dc certa parte da Eu ­
ropa ? Que sorte aguarda a nossa industria agrícola,
quando, verificada a impotência da rotina secular, o
proprietário inintelligente carecer de temperar a crise
da deficencia de braços com os processos da arte aper­
feiçoada ?
Vêde o triste espectáculo, resultado fatal da impre­
vidência com que descuidaram da educação do povo :
— nossos costumes que se degradam, nossa sociedade
que apodrece, o fanatismo religioso que já se cliarna o
partido eatholico, um paiz inteiro que parece obum-
brar-se, na segunda phase deste seculò, quando as na­
ções carcomidas pelo absolutismo e ultramontanismo,
Italia, Austria, Hespanha, França, reatam gloriosa­
mente o fio das grandes esperanças do scculo XVIII !

§ I.—Liberdade do ensino particular. Desinvolvimento


do ensino publico. Ensino obrigatorio.

A mais alta manifestação da liberdade dc pen­


samento é a do ensino em conferências publicas,
onde a palavra inspirada attrahe c subjuga o au­
ditório, prop igando-sc com a rapidez da electrici­
dade. Por isso é que, quando mesmo toléra a li-
230 PARTE TERCEIRA

berdade da imprensa, a autoridade suspeitosa des­


conhece ou põe em litigio o direito com que os
cidadãos se reunem para ouvirem orações popula­
res.
O pavor que a todos os absolutismos inspiram
assembléas do povo, bem poderá manifestar-se aqui
com o seu cortejo de restricjões e penalidades.
Firmemos , entretanto, os princípios das leis vi­
gentes sobre a materia.
Quer pela regra do art. 282 do codigo criminal,
quer pela hypothèse do art. 278 , está expressa­
mente reconhecida a legalidade das reuniões. E’
licito propagar por discursos proferidos em assem­
bléas publicas quaesquer doutrinas , uma vez que
não destruam dlrectamente as verdades fundamen-
taes da existência de Deus e da immortalidade
d’alma (art. 278). Salvo esta clausula final , nada
mais prohibe o legislador. Sua previdência e amor
da liberdade se reconhecem quando exceptua o
ataque indirecto dessas mesmas verdades fundamen-
taes, por exemplo, na exposição doutrinaria de
um systema filosophico; mas fôra certamente melhor
que nem aquella restricção houvesse para discur­
sos públicos ou lições de professores: póde acaso
o Estado impor uma doutrina qualquer , repute-a
embora a mais santa de todas? ha, porventura,
uma verdade official?1
Entretanto , fóra desse caso (destruição directa

1 EU um ponto esgotado por Stuart-Mill, On liberty; cap. II.


interesses provinciaes 231

das duas ideas fundamentaesl, nosso legislador só


prohibe discursos proferidos em publicas reuniões
quando importarem provocação directa a certos cri­
mes politicos. (Arts 90, 99 e 119 do cod.)
Nossas leis não adoptaram as modernas limita­
ções francezas do livre exercício do direito de reu­
nião.
As reuniões podem ser, quer em recinto fe­
chado, quer na praça publica, pois a lei não ex-
ceptúa as ultimas e implicitamente reconhece am­
bas. A licença da autoridade só é necessária para
ajuntamentos d noite nas ruas , praças e estradas,
em virtude de uma lei de 1831 ; mas neste mes­
mo caso, si o fim é justo ou reconhecido, a reu­
nião não póde ser impedida. Finalmente , aos dis­
cursos públicos não são applicaveis as restricções
do art. 9" do codigo criminai , que não permitte
atacar as bases fundanientaes da constituição , poi-
que este artigo regula sómente a liberdade de im­
prensa.
Si de lei nova não carecemos para legitimar as reu­
niões de natureza política, menos ainda para consa­
grar a liberdade do ensino em grandes conferências
publicas, ou em escolas particulares. São, portanto,
manifestamente arbitrarias as restricções feitas ao
exercício da industria ou profissão de mestre, e á aber­
tura de estabelecimentos de educação.
Revoguem-se, pois, as usurpações commettidas con­
tra essa liberdade fundamental porjeis ordinárias,
ou regulamentos de instrucção publica emanados do
232 PARTE TERCEIRA

poder executivo na côrte o dos seus delegados nas


províncias.
Antes de 1850 não se conheciam tantos abusos,
mas, por triste imitação dc um regulamento geral,
desde então cada presidente foi impondo ás províncias
o regimen europeu da intervenção no ensino pri­
vado.
Não poderiamos exprobrar com energia demasiada
tão inqualificável abuso: fechar escolas, negar tí­
tulos de professor, limitar o ensino, em qualquer
parte do mundo, é quasi uma iminoralidade ; o que
será, porém, em paiz pobre, sem pessoal idoneo, sem
administração zelosa, sem sufficientes estabelecí men­
tos públicos de instrucção ?
Abolir os vexames de regulamentos compressores
da mais liberal das profissões, é justo e é necessário
.
*
Seja livre o ensino : não ha mais abominável fórma
de despotismo do que o de governos nullos que, sem
cooperarem seriamente para o progresso das luzes,
embaraçam os cidadãos que emprehendem esta obra
evangélica, e ousam sujeitar ao anachronico regimen
das licenças c patentes amais nobre das artes, aquella
que lavóra com o espirito.
Mas não basta permittir a todos, sem excepção al­
guma. e sem exigencia também alguma, o exercício
de um dos direitos do homem, o de ensinar. Contin­
gente poderoso para o grande resultado, a liberdade
do ensino, que é muito, não é tudo nas condições im-
1 Promulgaram a liberdade do ensino as províncias do Pará, Rio Grande
do Norte. Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo e Santa-Catharina.
INTERESSES PROVINCIAES 233

perfeitas de nossa sociedade e de todas as sociedades


modernas. O século propõe-se réalisai- o ideal da ma­
xima simplificação do mecanismo que se chama Es­
tado ; onde é, porém, que o sentimento da responsa­
bilidade individual, o poder da iniciativa particular e
o espirito de associação subiram ao ponto de dispen­
sai-o ?
Sob a influencia da filosophia inspirada na eterna
moral do evangelho, quasi simultaneamente os povos
modernos, sem condemnarem aliás o ensino particu­
lar, organisam um poderoso systema de instrucção
elementar baseado no imposto. Ornais atrevido exem­
plo dessa organisação o deram, um após outro, ao
impulso de Horacio Mann, os estados da União .Ame­
ricana, onde outr’ora vastas e ricas associações fun­
davam e mantinham numerosas escolas. Em Ingla­
terra duas associações igualmente vigorosas desem­
penham a mesma missão humanitaria ; mas lá se
propoz agora ao parlamento, e agita-se seriamente o
problema da organisação official do ensino. E’ que
ahi também o nobre esforço dos cidadãos e das socie­
dades não satisfaz ás aspirações de cada localidade
tão plenamente, como o ensino publico nos Estados-
Unidos, na Allemanha do Norte, na Suissa, na Hol-
landa, na Suécia, no Canadá, na Australia, no
Chile. 1

1 O pensamento cardeal das reformas recentemente propostas em Ingla­


terra é, por um lado, généralisai- o ensino publico por meio de escolas man­
tidas por taxas locaes e auxílios do governo, e dirigidas por uma repartição
propria; e, por outro, linnar o principio da liberdade de consciência emanci-
A PROV. 30
234 PARTE TERCEIRA

Abrindo o corpo legislativo, recômmenda Napo-


leão III « o desinvolvimente mais rápido do ensino
primário gratuito. » Por toda a Europa, os parla­
mentos occupam-se, co:n particular desvelo, do su­
premo interesse social, a educação do povo. Para
isso não hesita a Inglaterra emacceler.ir a incessan­
te transformação do seu governo, na qual o mundo
a vê absorvida desde 1832; e a França, si quer nesta
materia disputar a procedência que em outras lhe
cabe, hade também resolver-se a imitar o magnífico
exemplo das democracias do novo c do novíssimo
continentes.
Não aconselhemos ás provincias, portanto, a abo-

pando <las corporações religiosas as escolas subvencionadas, prohibindo que


os inspectores sejam membros dc taes corporações, e isentando os alumnos
do exame em questões ecdesiaslieas. A isto accre.ce a necessidade, geraimente
proclamada, do cn-ino obrigatorio. Queremos, dizia a representação dc um
meeting escosscz, uma educação nacional indepi ndei.te de seita religiosa,
sem nome particular de associações eclesiásticas c compulsória : unscclarian
in principle, indenominational in character, and compulsory in operation.
Os commentaries com que u ministro Forster acaba de juJiiirar peraule a
camara dos communs (fevereiro de 187U o sou hill de reforma, revelam que,
seguindo o principio da educação nacional dos Estados-Unidos, a velha In­
glaterra sacrifica os preconceitos dc sua antiga administração. 1'.' sem du­
vida uma revolução profunda. Educação leiga, ou pelo menos não subor.
dinada a uma seita particular; escolas por toda a parle; taxa addicional para
o mantimento'daquellas onde nao bastarem as contribuições particulares;
ensino obrigatorio. sob pena de multa, onde fôr necessário para obter a fre­
quência regular dos alumnos ; juntas locaes, iiispcecionando as escolas, eleitas
pelas municipalidades: tacs sao as ideas principaes do bill proposto para
a Inglaterra e paiz de Galles. « O projecto, diz o Tintes, prove de modo que
tique ao alcance do iillio de qualquer cidadão uma educação suílicicnte, elli-
caz e nao sectaria. » Benevolamente acolhido pela opposiçào conservadora,
clic foi, entretanto, impugnado por muitos liberaes, que desejam medida
mais radical, no sentido norte-americano.
INTERESSES PROVINCIAES 235

lição sómente dc regulamentos vexadores do ensino


particular de qualquer gráu, facil cumprimento de
um dever intuitivo ; recommendcmos-lhes,com a mais
viva instancia, que tenham providencia, patriotismo
e coragem para se imporem de bom grado sacrifícios
consideráveis, únicos efficazes, a bem do rápido des-
involvimcnto da instrucção.
Um escriptor que tanto encarece os direitos do in-
dividiío e a extensão da liberdade, e que plenamente
expoz as vantagens do ensino particular, reconhece,
entretanto, que nas sociedades atrazadas, onde não
possa ou não queira o povo prover por si mesmo á
creacão de boas instituições de educação, deve o
governo tomar a si essa tarefa, preferindo-se dos
inales o menor. *
Referindo-se a inquéritos ofHciacs, confiados a pes­
soas mui competentes, asseverou o Sr. Forster ao par­
lamento inglcz que as escolas meramente particulares,
sem o auxilio dothesouro nem inspecção publica, eram
as peiores do reino ’. Meditem sobre este depoimento
osquo tudo esperam sómente do ensino livre; vejam o

’ « When society in general is in so backward a stale that it could not


or would not provide for itself any proper institutions of education, unless
the government undertook the task : then, indeed, the government may,as
the less of two great evils, take upon itself Iho business of schools and uni­
versities, as it may that of joint stock companies, when private enterprise,
in a shape titled for undertaking groat works of industry; does not exist in
the country. » Stuart Mill, On liberty ; cap. IV.)
* « The schools which do not receive government assistance are, generally
speaking, tho worst schools, and those least fitted to give a good education
to the children of the working classes. » (Disc, na camara dos communs, ses­
são de 17 dc fevereiro de 1870.)
236 PARTE TERCEIRA

que se diz de Inglaterra, cujas poderosas associações


philantropicas c communhões religiosas não conhecem
superiores no mundo ! Quando Horacio Maun come­
çou a famosa agitação, donde sahiu o vasto systema
de ensino publico da União Americana, muitos dos
estados pretendiam que as escolas das associações e
seitas eram sufficientes, nem seriam excedidas : a ex­
periencia patenteou asuaillusão. O systema que Mann
fizera adoptai- no Massachusetts, foi logo imitado pelos
outros estados á porfia; e as escolas para os filhos de
todo o povo, para o rico c para o pobre, para o branco
e para o negro, as escolas nacionaes são hoje o mais
bello titulo das Republicas Unidas.
Esqueçam-se as prevenções que o despotismo allia-
do aos jesuítas creára contra as tendências do ensino
official. Depois que a democracia apoderou-se do go­
verno dos estados, o ensino official revelou toda a sua
efficacia. Afugentado o absolutismo que o envenenava,
elle cessou de offerecor perigos á liberdade. Os povos
o comprehenderam desde logo; o assim vai passanlo
ás legislações contemporâneas um principio saudavel
da escola socialista, cuja propaganda, apezar dosdes-
varios dc sectários exclusivos, ha triumphado tantas
vezes da rotina conservadora.
Mas, si não póde o Estado desempenhar a sua ta­
refa sem o auxilio moral das populações, também não
deve responder pela ignorância do povo onde se lhe
não consente compellir as crianças á frequência es­
colar.
Em verdade, não póde deixar dc ser obrigatorio o
INTERESSES PROVINCIAES 237

ensino onde existe escola: nada mais justo que coa­


gir, por meio de penas adequadas, os pais e tutores ne­
gligentes, e sobretudo os que se obstinem em afastar
os filhos e pupilles dos templos da infancia.
Tão legitimo, como é legitimo o pátrio poder, oqual
não involve certamente o direito deshumano de rou­
bar ao filho o alimento do espirito, — o ensino obriga­
tório é ás vezes o unico meio de mover pais e tutores
remissos ao cumprimento de um dever sagrado. Nas
cidades, por exemplo, onde haja escolas sufiicientes,
como não sujeital-os a multas, ou a trabalhos e prisão
no caso de reincidência? Entretanto, com razão ad­
verte o Sr. Laboulaye, meihor fôra evitar esta triste
necessidade 1 ; antes se abram, por toda aparte, como
nos Estados-Unidos, escolas dignas deste nome : sua
força do attracção ó sempre irresistível.
O principio do ensino obrigatório deixou, porém, de
ser novidade. Não se póde desconhecer, ponderava o
Sr. Forster á camara dos communs, quanto ultima­
mente se tem propagado a doutrina do ensino obriga­
tório, á qual esse ministro se dizia um recente con­
verso. Récalcitrante e adepto recente, tãobem se con­
fessava, na mesma noite, Sir John Packington, um
dos chefes da opposição conservadora. Consagrando
o principio da obrigação, sob pena de multa contra os
pais negligentes, naquelles lugares onde as juntas de
educação o intendessem util e necessário, a lei proposta
ao parlamento inglez incontrou, por esse lado, a ccn-

1 Le parti liberal, XI.


238 PARTE TERCEIRA

sura des que preferem uma regra geral e inflexível.


Tal é, cm Inglaterra, a opinião até de illustres con­
servadores. Como todas as grandes idéas, essa faz o
seu gyro á roda do mundo : pertence-lhe o futuro '.

II.—Um systema efficaz de instrucção consome muito


dinheiro. Justificação da taxa escolar, imposto ex­
clusiva mente provincial.

Todos os esforços no sentido de combater a igno­


rância e a rudeza do povo, estacam diante da questão
financeira; porquanto é preciso convir nisto : —não
ha systema de instrucção oflicaz sem dispendio de
muito dinheiro ’.
Para corresponder ás exigências de um regimen
politico baseado no suflragio quasi universal,um ramo
sómcnte dos interesses locaes, a instrucção popular,
carecería absorver toda a somma da actual receita do
cada provincia do império.
Que, se não repute exagerado este conceito. Um só
can tão da Suissa, Zurich, com 266,000 habitantes,
gastava 600 contas com a educação primaria do seu
povo. Conhecem-se os algarismos fabulosos dos Es­
tados-Unidos: com 1,300,000 habitantes, o estado de
Massachussets gastava4,000 contos. O de New-York,

1 Adopta o principio, e solicila meios para a sua execução no município


neutro, o Sr. ministro do império: Relatorio de 1870, p. 38.
’ V., quanto á Europa, os algarismos do Sr. M. Block, L'Europe politique
cl sociale, 1889; parle II, cap. 3.
INTERESSES PROVINCIAES 239

que em 1866 desp ndéra 13,20 > contos (cêrca de dois


dollars por habitante), ji havia até então immobili-
sado na construcção de casas de escola e seus terrenos
a somma de 24,590 contos 1 . O da Pennsylvania,
onde se contam 17,142 professores e 16,381 escolas,
não desembolsou em 1869 menos de 7,íJ00 contos,ava­
liando-se então em 28,000 o capital empregado na
sua proprie lade escolar.
Na razão de dollar por habitante é a despeza
que fazem com a instrucção muitos dos Estados-Uni­
dos, posto que. alguns excedam esse termo médio.
Para que o Brazil seguisse tão previdente política,não
bastaria,' com elieito, a receita das suas vint * provín­
cias, que aliás applicant ao seu atrazado e lento en­
sino publico a modestíssima quautia de 2,680 contos,
inferior á metade do que despende com o mesmo ser­
viço só a cidade de New-York.
As consignações actuaes dos orçamentos geral c pro­
vincial para o serviço da instrucção não dão eviden­
temente um resultado satisfatório. Baste notar que
ellas não exced-uu a 336 reis por habitante ’, cinquante

1 A somma gasta com a instrucção sõ na cidade de New-York é quasi me­


tade da despeza de todo o estado com este, serviço. Ella allingiu a 2.t>0í>.000
dollarsem 18B8.sendode.sla enorme quantia 1,697,000 dollursapplicados a salá­
rios de professores e empregados, e 640,000 a novos palacios de escolas, re­
paros, etc. New-York, que alias mantém 2,500 professoras o professores das
escolas publicas, gasta, portanto, cêrca de 3 dollars por habitante. Na mesma
proporção, devera a instrucção da cidade do Rio de Janeiro, á qual se desti­
nam cêrca de 350 contos, consumir 2.400, tanto quanto despede actual-
mente o império inteiro.
* Si na provincia do Rio de Janeiro, que despende 433 contos com todo o
serviço da instrucção orçamento de 1869), e que se diz ter um milhão
240 PAKTE TERCEIRA

que a média dos Estados-Unidos aproxima se de dez ve­


zes mais, e cm algumas cidades é vinte vezes maior.
A taxa escolar fornecería um valioso contingente
ao orçamento da instrucção.
Não lia, bem sabemos, assumpto mais ingrato e
mais impopular que a proposição de impostos. En­
tretanto, não ha também necessidade mais geral­
mente reconhecida que o augmento dos rendimentos
das provincias.
A impopularidade de tributos novos resulta princi­
palmente dos fins anti-economicos a que se destina o
sou produeto. Quando, porém, se pedem ao povo con­
tribuições para melhoramento das condições sociaes,
e não para emprezas políticas, guerras ou dividas de
guerra, as vantagens do resultado em perspectiva
suavisam o sacrifício, fazem mesmo esquecel-o.
Em regra, não é preferível o imposto com appli-
cação especial; mas, em certos casos, mórmente para
serviços locaes, c esse o meio dc corrigir a tendencia
para o abuso das imposições ede conciliar-lhes o favor
popular. As grandes medidas para a salubridade e or­
namento das cidades executam-se mais facilmente me­
diante taxas cujo emprego especial é avaliado elogo
apreciado pelo municipe contribuinte, do que por con­
signações de um orçamento englobado, que não se
ds habitantes, a média é dc 433 réis; na de Minas-Geraes, a quem se attri­
buent nm milhão c meio c que apenas gasta 335 contos, cila é sómcnte de 223
réis. Segundo o Sr. ministro do império (relatório dc 1870, p. 30) a média
dadespeza no Brazil é 378 réis por habitante livre: não ba razão para exceptuar
deste calculo os escravos. 0 total da despeza do ensino primário e secundário,
inclusive o municipio neutro, é 3,030 contos, conforme o mesmo documento.
INTERESSES PROVINCIAES 241

altêa sem a mais viva resistência. O mesmo dizemos


da instrucção, o mais ponderoso dos assumptos com-
mcttidos ao governo local.
.Acaso o subsidio litterario, insaiado ainda sob o
regimen colonial, seria agora repellido como um sa­
crifício excessivo? Esse subsidio ou taxa escolar é, em
nosso intender, a fonte de receita de que as provin­
cias não devem privar-se por mais tempo.
Ella incontraria, nós o acreditamos, o mais bene­
volo acolhimento. Que se patentée ao povo a sua in­
ferioridade quanto ao verdadeiro progresso social, e
lhe custará comprehender como se póde abandonar
tanto o mais vital dos seus interesses, c como a pre­
tendida repugnância dos contribuintes só serviu de
pretexto aos governos para fazerem a mais repro-
duetiva das despezas publicas, para preencherem a
maior das nossas necessidades, a indeclinável neces­
sidade da instrução elementar e profissional.
Antes de tudo, se advirta que a nova imposição não
repellc o principio constitucional de que o ensino
primário é gratuito ; porquanto, por esse principio se
deve rigorosamente intender—-a prohibição de qual­
quer tributo pago pelo aluiuno, sob a fórma de matri­
cula ou outra similhante. A taxa escolar, que propo­
mos, assenta, não sobre o alumo ou o numero de
alumnos em idade escolar, mas na base commuin das
outras contribuições, a população inteira. Assim como
cada habitante concorre para as despezas de illiimi-
nação, aguas, esgotos, calçadas, estradas e todos os
melhoramentos locaes, assim contribua para o mais
A PROV. 31
242 PARTE TERCEIRA

importante dellos, a educação dos seus concidadãos,


o primeiro dos interesses sociaes em que todos so­
mos solidários.
Sem transpôr os limites deste esboço, passamos a
indicar abreviadamente como comproliendeinos a taxa
proposta.
Ella compòr-se-ia de uma dupla imposição, a local
e a provincial, servindo a segunda de subsidio para a
deficiência da primeira, e ambas applicadas á despeza
particular das escolas de cada localidade.
No municipio (tomamos a unidade administrativa
actual, sem prejuízo da base preferida pelas assem­
bléas, parochia ou municipio) a taxa escolar consisti­
ría em uma contribuição directa paga por cada habi­
tante ou por cada familia '.
Na província a taxa escolar consistiría em uma por­
centagem addicionada a qualquer dos impostos direc­
tos, o pessoal ou a décima urbana, por exemplo. Seu
produeto acrescería á contribuição local, necessaria­
mente modesta no primeiro insaio, ate que o povo
abraçasse cordialmente o novo systema, apoiando sem
reluctancia, como nos Estados-Unidos, todas as com­
binações destinadas a augmentarem o orçamento da
instrucção.
Nem pareça singular a idéa de taxas addicionadas

* A idéa de uma certa contribuição da parochia para o ensino já se dcpáia


no projecto de reforma das municipalidades offerecido pelo Sr. miuistro do
império em 1869 (arts. 74, § 2“, 84 in fine e 75). Sem a reorganisuçáo do en­
sino, não parece manifesta a utilidade de similhante sacrifício, que, aliás, se­
gundo o projecto, não constitue um recurso noruial, mas receita extraordi­
nária das localidades, quando fôr autorisada.
INTERESSES PROVINCIAES 243

a impostos directos para tal fim. Assim o foi cm Fran­


ça, e ainda é. Desde a antiga lei de 10 de abril de
1817, era licito ás comznwnfw applicarem ao custeio das
suas escolas gratuitas o producto da imposição rxtraor-
dinaria de quatro cêntimos addicionaes ao principal
de quatro contribuições directas (a territorial, a pes­
soal, a movei ea de patentes). Para occorrer ás gran­
des despezas a que tem elevado o seu orçamento da
instrucção, a edilidade de Pariz lia gradualmente aug-
raentado essa taxa, que lioje parece serde 7 cêntimos,
produzindo 2,800,000 francos especialmente destina­
dos ás escolas da infancia. Outras verbas da receita
municipal fazem attingir a 7 milhões a despeza do
ensino pago pela capital da França. '

III. — Applicação da taxa escolar.— Organisação


do ensino nas provincias.

O imposto que propomos, estreitamente se liga a


um novo programa do ensino publico, impraticável
com os estreitos recursos actuaes.
A taxa directa cobrada nos municipios e a impor­
tância da porcentagem provincial addicionada a um
dos impostos directos, teriam o seguinte emprego ex­
clusivo :

1 Journal des Economistes; fevereiro de 1863, p. 317.


244 PARTE TERCEIRA

Salarios dos professores e seus adjuntos 1 ;


Aluguel de casas, onde ainda não houvesse pré­
dios especiaimente construídos para escola ;
Custeio e conservação destes estabelecimentos ;
Vestiaria e soccorros dos meninos indigentes ;
Instrucção primaria dos adultos.
Calculada a somma destas despezas, conhecer-se-ia
a da taxa escolar, ou a importância a repartir com
igualdade entre a contribuição local c a provincial.
Na ausência de estatísticas da população, — negli­
gencia sem nome no numero dos nossos descuidos, —
proceder-se-ia no começo ao acaso, mas não é de ou­
tro modo que se dirige tudo o mais no Brazil : não
sirva isso, pois, de objecção.
Também se não diga que a taxa municipal bastaria
geralmente para as despezas da localidade. Nós sup-
pomos um systema intelligente de ensino publico,
professores bem remunerados, em numero correspon­
dente ao dos alumnos, escolas em cada districto den­
tro de certa área, em summa um systema inverso da
mesquinha e estéril organisação actual.
1 Suppomos salarios correspondentes aos novos encargos do mestre. Ele­
vem-se os ordenados: haverá então concurrencia de pessoas idôneas. O ma­
gistério será a estréa dc moços dignos, c o futuro de grande numero das se­
nhoras brazileiras. A refòrma da instrucção é, ainda por este lado, obra emi­
nentemente moralisadora. Contam-sc nos Estados-Unidos 200,000 professoras
e sómente 150,000 mestres : nesse prodigioso algarismo de 350,000 pedagogos,
as mulheres representam "O’/o. Ila cidades, como Baltimore, onde o magistério
é profissão quasi exclusiva das mjilheres, que aliás, como e sabe, já eíercem
muitos dos empregos públicos, quer nas repartições federaes, quer nas
dos estados. Isto, melhor que tudo o mais, revela a força c prediz o futuro
da união anglo-americana: é a terra onde a mulher não se considera inferior
ao homem, e muitas vezes lhe é superior.
INTERESSES PROVINCIAES 245

Mas a instrucção, como a mór-parte dos serviços


públicos, não é interesse purainentc local; polo con­
trario, a sua organisação completa suppõe que func-
cionem consoantes certas molas de um mecanismo
superior. Para estas outras despezas eminentemente
provinciaes devem dc contribuir solidariamente todos
os habitantes de uma mesma provincia.
E’ assim que continuariam afiguramos orçamentos
de todas cilas as consignações hoje votadas para a ins­
trucção. Estas consignações, que aliás dever-se-ia aug­
*
mentai cada anno, alliviadas dasdespezas com escolas
primarias, forneceríam mais valiosos recursos, não só
para o ensino secundário profissional, como principal­
mente para as necessidades geraes da propria instru­
cção elementar.
Não falíamos aqui das scicncias especulativas, das
bellas-letras c das bellas-artes, cujo estudo não é as­
piração do maior numero. Estabelecimentos proprios
para taes estudos, soja dito de passagem, devèra o go­
verno geral mantel-os, em varias zonas do império,
entregando-os a eminentes professores estrangeiros, a
exemplo do Chile, da Australia e dc Buenos-Ayres
agora.
A importância votada para a verba — instrucção
nos orçamentos provinciaes consagrar-sc-ia, como
dicemos, ás necessidades communs a todas as escolas
dc uma mesma provincia. Taes são :
A construcção dc casas de escola proprias, que são
essenciacs para o desempenho dos mcthodos aperfei­
çoados dc ensino ;
246 PAUTE TERCEIRA

0 fornecimento de mobilia, utensílios, modelos e


livros escolares, acommodados aos methodos;
À formação de bibliothecas populares, e divulgação
de livros do leitura ; 1
Os cursos nocturnos para adultos:
.As pensões dos professores aposentados;
.As escolas normaes para professores primários;
O serviço de inspecção e direcção das escolas pu­
blicas, que inspire a maxima confiança.
Quantos assumptos da maior gravidade a exigirem
cada um o seu exame particular! Não cabe tratal-os
aqui, mas releve o leitor ainda algumas considerações
finaes.
Não são escolas elementares do abc, como as ac-
tuaes, que recommendamos ás provincias. O systema
que imaginamos, é muito mais vasto. E’ o ensino
primário completo, cerno nos Estados-Unidos, unico
sufficient© para dar aos filhos do povo uma educação
quo a todos permitta abraçar qualquer profissão, e
prepare para os altos estudos scientificos »quelles que
puderem frequentai os. O programa dos estabeleci­
mentos públicos da União [common-schools, frec-
schools) comprehende, com effeito, muito mais do que
geralmcnte se suppõe ; elle abraça o ensino primário

1 Não possuímos nem uma versão popular da Bíblia! A de 1’igueredo. em


linguagem obsoleta, dicção obscura c no gosto da época, tira á poesia biblica
a magestosa simplicidade do seu estylo, que tutalmente desfigura. Uma
versão parcial, com a carta da Palestina e nundo antigo, estampas e diccio-
narios explicativos, sem comincntos ccclesiosticos, seria o mais bcllo livro
popular.
INTERESSES PROVINCIAES 247

de todos os gráus, o das «escolas reaes » da Allc-


manlia, e o secundário especial que fornecem os ly-
ceus de França. Com o curso propriamente elementar,
cora ode grammatica, e o de scieucias das high-schools,
os alumnos obteem, além do conhecimento das lin-
goas, noções de Jitteratura e historia, de geometria e
algebra, de chimica, phvsica e historia natural, em
uma palavra, as bases da educação chamada pro­
fissional.
Como nos Estados-Unidos, o ensino devêra nos
campos ser o mesmo que nas cidades; geral, sem dis-
tineção de territórios ; geral ainda, sem distineção de
sexos. Ambos os sexos, nas mesmas casas, simulta­
neamente, receberíam a mesma instrucção. E não re-
commendamos as escolas raixtas pela economia só­
mente, que alias é considerável no ensino commum
dos dous sexos ; mas principalmente pelo magnífico
estimulo e fecundos efieitos moraes da união dos dous
sexos desde a infancia.
Dispam-se dos prejuízos europeus os reformadores
brazileiros: imitemos a America. A escola moderna,
a escola sem espirito de seita, a escola commum, a
escola mixta, a escola livre, é a obra original da de­
mocracia do Novo-Mundo.
Mas, pois que nos achamos em paiz eminentemente
agrícola, não esqueçamos que «o ensino primário tem
sido até hoje dado em sentido anti-agricola, e que é
preciso ajuntar-lho noções summarias de lavoura c
horticultura, elementos de nivellamento e agrimen-
sura, princípios de chimica agrícola e de historia na-
248 PARTE TERCEIRA

tarai, e, para as meninas, lieues de economia do­


mestica. » '
Das escolas profissionaes são as agrícolas sem du­
vida que mais precisamos. Ha muito, devêra o governo
central fundal-as em quatro, pelo menos, as provin­
cias. Maranhão, Pernambuco, Rio-Grande e Minas ,
aproveitando nesta o insaio começado pela companhia
União e Industria. Elle poderia também promover o
estabelecimento do taes escolas em cada uma das ou­
tras, contribuindo, da sua parte, com a despeza de
engajamento (na Europa ou nos Estados-Unidos) de
professores competentes e seus ordenados, com o for­
necimento do material preciso, a compra de terrenos
e a construcção das casas. Fizesse cada província o
custeio annual, pouco oneroso aliás. Em compensa­
ção, devôra o governo obter de todas ellas a consa­
gração da seguinte regra, que reputamos efficaz para
assegurar a frequência dos novos estabelecimentos :
O curso da escola agrícola será requisito indispensá­
vel para os candidatos aos empregos provinciaes de
ordenado superiora 800S, por exemplo.
E’ bem estranho, sem duvida, que a província do
Rio de Janeiro, cuja renda se aproxima de 4,000 con­
tos, não possua uma aula ao menos dedicada á la­
voura, quando devêra de ter um estabelecimento nor­
mal desse genero. Cada estado da União americana
procura fundar o seu, engajando os mais hábeis pro­
fessores, os homens mais práticos nesse ramo dos co-

’ I.eonce Lavergne ; Rtfoue des deuz mondes, 15 de novembro de 1868.


INTERESSES PROVINCIAES 249

nhecimcntos. Alguns dos institutos norte-americanos


são escolas-modelos, não sómente pelo seu material,
como pela excellencia do ensino quenelles se offerece
aos jovens destinados ágrande industria nacional, que
ali se aperfeiçoa incessantemente, a agricultura '.
Não menos uteis e urgentes parecem as escolas
de minas, e, todavia, mais de uma provincia possue
thesouros immensos que apenas aguardam uma in­
dustria menos imperfeita e um trabalho mais intelli­
gente.
Tudo nos falta, de tudo carecemos neste ramo prin­
cipal dos interesses sociaes, a instrucção do povo.
Ao envez das tendeucias do século, o que possuímos
nós? escolas de abc, estas mesmas rarissimas, sem
edifícios proprios, sem mobilia e utensis, e, peior que
tudo, sem mestres idoneos : e, fóra disso, algumas au­
las de latim espalhadas aqui e ali.
Estudos clássicos, estudo daslinguas mortas, nãoéo
que necessitamos mais : haja liberdade de ensino, e
não faltarão collegios particulares, onde as classes
abastadas mandem educar è aperfeiçoar seus filhos
no gosto da antiguidade. Demais, é um erro manifesto
confundir o ensino clássico com essas imperfeitas e
insuficientes aulas de latim, onde nem se aprende a
lingua de Cicero, e muito menos se estuda a grande
litteratura do século de Augusto. Para a maior parte
dos moços, as versões ecommentaries dos interpretes

1 V. no Report of the Commissioner of agriculture, do anno de 1865,


pp. 137 a 186, a descripçào dos collegios agricolas de vários estados.
A PR0V. 32
250 PARTE TERCEIRA

modernos bastam a revelar ogcnio das letras antigas.


Si isto não constitue litteratos e eruditos de profis­
são, também não foi preciso mais para preparar
poetas como Béranger, cscriptores como Rousseau,
nem o será para inspirar o gosto o formar o coração
dos nossos jovens na contemplação das grandes
scenas da antiguidade ' .
Este modo de conceber a reforma da instrucção nas
provincias involve graves questões, que só cada uma
délias poderá resolver satisfactoriamente. Assim,
quem deve do escolher os professores? Em alguns lu­
gares melhor fôra que, como nos Estados-Unidos,
houvesse commissaries especia is da instrucção publi­
ca eleitos pela municipalidade, c lhes pertencesse
nomoar o professor c inspecciouar o ensino nos seus
districtos. No começo, entretanto, todo o serviço po-
deria ser concentrado nas capitaes, depend indo di-
rectamento do secretario da instrucção.
Para manterem escolas normacs dignas deste nome,
deveríam as provincias mais visinhas intender-se,
associando-se por grupos, o qu ■ lhes fôra muito mais
proveitoso que a acção isolada década uma.

1 B. P. de Vasconcellos, na admiiavel Carta aos eleitores mineiros (S. João


d’EI-Kei, 1827dirigia-se nestas palavias aos conselhos geraes das provin­
cias: « Attcntem os couseihos qte o conhecimento da lingua latina só cons­
pira a fazer nôs cuubeccr alguns homens do gênio da antiguidade, cujas obras
se podem 1er hoje nas línguas vivas em que foram ti aduzidas: que o estudo
desla lingua <5 verdadeiramente de luxo, e que a principal obrigação do go­
verno é ministrar com preferência aos povos os meios dc instrucção neces­
sária, e estes nos faltam. » , P. U7.J — 0 professor do Oxford, M. Arnolds, com
idêntico fundamento, exibo a mesma opinião cm um recente relatorio sobre
a instrucção secundaria na Europa (School in Continent).
INTERESSES PROVINCIAES 251

Preferimos, em regra, a iniciativa do governo local


á acção collectiva, a variedade á centralisação, porque
esta conduz quasi sempre á inércia, e a variedade da
iniciativa provincial fomenta incessantes aperfeiçoa­
mentos, desperta o zelo e a emulação entre as pro­
víncias. Todavia, estamos de tal sorte convencido de
que não lia salvação para o Brazil fóra da instrucção
derramada na maior escala c com o maior vigor, que
para certos fins aceitaríamos também o concurso do
proprio governo geral, ao menos em favor das me­
nores províncias c durante o periodo dos primeiros in-
saios. Assim, para se crcarem verdadeiras escolas
normaes, instituições cuja utilidade depende de sub­
venções jxenerosas, fôra bem cabido um auxilio do Es­
tado, cuja missão aiiás,—não o desconhecemos,— c
propriamente reerguer ou antes fundar os estudos su­
periores.
Ora, tantos estes últimos como as escolas normaes
não podem prosperar sem attrahir-se dos fócos da
sciencia professores que venham propagal-a, legando
ao futuro uma geração de moços illustrados e de mes­
tres idoneos. Assim acaba dc proceder o congresso da
Republica Argentina,autorisando o contracto de vinte,
professores para o ensino dc sciencias especiaes na
universidade dc Cordova c nos collegios nacionaes.
Nem nós carecemos de lei que permitta o engajamen­
to. A do 23 de oitubro de 1832 (art- 2o §5") o con­
sente implicitamente quando concede a naturalisação
immediata aos estrangeiros « que por seus talentos e
litteraria reputação tiverem sido admittidos ao inagis-
252 PARTE TERCEIRA

terio das universidades, lyceus, academias ou cursos


jurídicos. »
Tal é o vasto programa de ensino, que devem as
provincias esperar do restabelecimento da sua auto­
nomia administrativa. Já começam ellas a reconside­
rar os estreitos regulamentos, imitações infelizes dos
decretos e portarias do municipio neutro ; já algumas
proclamam a liberdade do ensino particular, e a
assembléa do Rio de Janeiro, votando igual medi­
da, acaba de iniciar alguns úteis, posto que modestos
projectos de reforma, os quaes, é licito erel-o, te­
rão cm breve o seu complemento . 1
O proprio governo central, até hoje tão indifferente
a este gravíssimo objecto, parece inclinar-se ás idéas
que temos sustentado. Revelando, com a mais louvá­
vel franqueza, a insuficiência c inferioridade, sinão
a nullidade do nosso ensino publico, o Sr. ministro
do império, no relatorio do 1870, acaba de confirmar
quanto dicemos sobre a nossa triste situação. O
governo imperial, que não consente medrar a liber­
dade no Brazil, é que depõe contra si mesmo, attes-
tando a sua incapacidade administrativa, confessando
a negligencia dc que o accusamos, c o proverbial dc-
leixo dos seus agentes. *
1 O primeiro desses projectos (umbos dc dezembro de 1869) abre o cre­
dito annual de 50 contos para a conslrucção dc casas de escola ; concede
maiores vantagens aos professores ; augmenta o numero destes e dos seus
adjudanles; créa mais escolas; c admitte as escolas mixtas pai a meninos c
meninas até á edade de 9 annos. Reformando a escola normal da provincia,
consigna o segundo 50 contos para erecção de um edificio proprio : exclue,
porém, as mulheres do estudo da algebra e geometria, matérias para que,
segundo a experiencia americana, teem cilas muita aptidão.
’ « E’com verdadeira mágua que vejo-me obrigado a confessar que em
INTERESSES PROVINCIAES 253

Depois de tão solemne confissão, só ha para elle


um meio dc resgatar sua enorme culpa : acção deci­
siva, impulso efficaz, reformas perseverantes, largas,
completas, sem receios e sem hesitações.
Comprehendam governo c povo que não ha mais
urgente reforma: a emancipação do escravo o exige,
porquanto ella ha de proseguir a sua marcha fatal

poucos paizes a instrucção publica se achará cm circunstancias tão pouco li-


songeiras, como no Brazil. Não dissimulo a verdade, porque devo manifes-
lar-vol-a inteira, e de seu conhecimento ha do provir, espero com inaba-
lavel confiança, o remedio a tamanho mal. » Relatorio de 18 *0, p. 39.
« Em algumas províncias a instrucção publica mostra-se cm grande atra-
zo ; em outras, cm vez dc progredir, tem retrogradado; conservando-se
aqui estacionaria, ali andando coma maior lentidão. Em poucas c sensível
o progresso ; cm nem uma satisfaz o seu estado pelo numero e cxcellencia
dos estabelecimentos dc ensino, pelafrequcncia eaproveitamento dos alumnos,
pela vocação para o magistério, pelo zelo e dedicação dos professores, etc.
« Em muitas províncias tem-se reformado, rcforma-sc c trata-se de refor­
mar a organisação do ensino : mas não se tem cuidado, quanto conviría, no
principal — que é espalhal-o fiscalisai’, os que delle estão incumbidos, para
que elTectivamentc se distribua, haja ardor em promovel-o e desvelo em
attrahir alumnos ás escolas, ensinando-se o mais possível, e ao maior nu­
mero possível. » Idem, p. 40.
« Pela maior parle os professores não se esmeram ou não teem a aptidão
necessária para tornar proveitoso o onsino aos alumnos, dando-lh'o no mais
curto espaço do tempo. Os pais cançam de esperar algum resultado, des­
animam das vantagens da frequência dos filhos na escola, etc., etc. »
P. 41.
« A falta do cdificios apropriados com as precisas condições hygienicas,
com acomodações especiaes ao fim a que se destinam, é uma das maiores
dilliculdades com que lutamos... Acresce ainda cm muitas províncias a falta
de moveis e utensis adequados para as escolas. »
« Em algumas províncias, da remoção dos professores se tem mais do
unia vez feito arma eleitoral.» P. 42.
A respeito do municipio neutro, cujas escolas se acham sob a immediate
direcção do governo imperial, diz o relatorio : «Apenas 9,311 alumnos fre­
quentaram em 1869 as escolas publicas c particulares do municipio da còrte.
Esto algarismo dispensa commeutarios. » P. 38.
254 PARTE TERCEIRA

por entre dous perigos, o instincto da ociosidade e


o abysmo da ignorância. Diminui o segundo; tereis
combatido efficazmente o primeiro.
Fatal punição! os paizes onde o trabalhoéforçado,
são aquolles justamente onde o proprio homem livre
é mais ignorante. A indifferença pela instrucção é
um dos signaes da escravidão. A olygarchia dos pro­
prietários. ou seus representantes nas assembléas e
no poder, não tomam interesse algum, cm paizes taes,
pelo ensino popular. Com effeito, quanto á propria
população livre, occupa o Brazil o lugar da lista que
os Bourbons legaram a Nápoles: um aluinno por 90
habitantes, no século em que reputa-se infeliz o povo
que não contempla nas suas escolas um menino por
7 habitantes. E será hyperbole dizer que neste ponto
de honra dos povos modernos, acha-se nossa patria
fóra do século XIX? Ajuntai a coexistência do tra­
balho escravo : não é o século XVI ou XVII, quaes-
quer que sejam as apparencias de algumas capitaes
marítimas?
Uma lei da divina harmonia que preside o inundo,
prende as grandes questões sociaes : emanei par e ins­
truir é a fórma dupla do mesmo pensamento politico.
O que haveis de offerecer a esses entes degradados
que vão surgir da senzala para a liberdade? o baptis­
mo da instrucção. O qne reservareis para suster as
forças produetoras esmorecidas pela emancipação ? o
ensino, esse agente invisível, que, centuplicando a
energia do braço humano, é. sem duvida a mais pode­
rosa das machinas de trabalho.
INTERESSES PROVINCIAES 255

CAPITULO 11.

EMANCIPAÇÃO.

Que poderiamos nós dizer de novo sobre «essa exa­


geração sacrílega do direito de propriedade», a es­
cravidão ?
Não é para assignalar-lhe as tendências e dcscrc-
ver-lbe o caracter, que a comprebendemos no quadro
deste estudo. Não se trata mais no Brazil, felizmente,
de ponderar a gravidade deste crime, « resumo de to­
das as infam ias » ; trata-se agora dc applicar ao vicio
hereditário remedio prompto e efficaz. a desapro­
priação por utilidade publica, de que fallava Lamar­
tine.
Masquem ha dc emprega-lo? o Estado sómente?
não haverá, porventura, na obra da emancipação, ta­
refa bastante para as provincias? Eis o lado por onde
o sombrio problema toma lugar na reforma descen-
tralisadora.

J; I.—O listado e a emancipação.

Que do governo nacional dependem as mais directas


medidas sobre esto assumpto. escusado é demons-
256 PARTE TERCEIRA

0 immediate» reconhecimento da condição ingenua


dos receinnascidos ;
As providencias sobre serviços dos filhos de es­
cravas, até certa idade ;
As garantias do pecúlio, da alforria forçada, da in­
tegridade da familia, do processo judiciário, da igual­
dade perante a lei criminal ;
A liberdade dos escravos que prestarem serviço re­
levante, c dos da nação, das communhões religiosas,
das companhias anonymas, do evento, das heranças
vagas e daquellas onde não houver herdeiro dc certo
gráu ;
A matricula de escravos e seus filhos ;
Finalmente, a gradual alforria doscaptivosactuaes:
São, ninguém duvida, assumptos proprios da lei

A ultima destas medidas, porém, acaba de ser an­


tecipada por varias provincias, que consignaram em
seus orçamentos verba especial para o resgate de
captivos. Nada impede que, cumulativamente, empre­
gue o Estado maiores recursos para o mesmo fim.
Mas, neste ponto, quanto á escravatura existente,
não poderia ser mais decisiva a acção do governo su­
premo? Assim o intendem aquelles que recommcn-
dam a fixação dc um prazo (20 ou 30 annos) para a
extineção definitiva do regimen servil ein todo o im­
pério. Quanto a nós, conforme já foi mui sabiamente

* Estas são, em geral, as ideas do projecto em 1868 elaborado pelo conselho


de estado, e dos offerecidos, a 21 de maio de 1870, pelos Srs. deputados Per­
digão Malheiro e Araujo Lima.
INTERESSES PROVINCIAES 257

ponderado, nein isso fôra prudente, por abalar a pro­


priedade, nem é necessário, pois que, libertado o ven­
tre e com o acréscimo das alforrias espontâneas ou
forçadas, em poucos annos a estatística acusará um
numero tão reduzido dc escravos, que poderá o Es­
tado decidir-se a emancipal-os todos em muito mais
curto prazo.
Cabería, entretanto, ao governo central mui im­
portante tarefa : estimulando as provincias a augmen-
tarem as consignações annuaes para alforrias, devôra
adjudar nisso aquellas que possuam insignificante
numero de captivos, ou resgatar á sua custa a escra­
vatura dessas mesmas provincias, uma apóz outra.
« Abolição gradual da escravidão por provincias,
começando pelas fronteiras com os estados limitro­
phes e pelas que menos escravos possuírem, » tal é
a idéa que desde 1865 indicámos em carta ao secre­
tario da British and foreign anti-slavery society. Seja-
nos licito repetir as considerações que a proposito fa-
ziamos :
« Nas primeiras provincias (as da fronteira), dizía­
mos nós, a emancipação dever-se-ia effectuar imme-
diatamente com indemnisaeão; nas outras, (as que
possuírem poucos escravos), sem indemnisaeão, dentro
de um prazo conveniente.
« As provincias do Amazonas, Pará, Mato-Grosso,
Rio-Grande do Sul, Santa Catharina e Paraná, limi­
tadas pelos paizes circumvizinhos (Guyanas franceza,
ingleza e hollandeza, Venezuela, Nova-Granada,Perú,
Bolivia, Paraguay, Republica Argentina e Uruguay),
a prov. 33
258 PARTE TERCEIRA

em nenhum dos quaes se permitte a escravidão, são,


justamente por isso, perigos permanentes para a
tranquiilidade iuterua c para a defeza do Estado. Na
ultima guerra com o governo de Montevideo, e na
actual com o Paraguay, os chefes das forcas inimigas
traziam sempre a missão de sublevar os escravos do
Rio-Grande; e ninguém ignora que este recurso, posto
que barb aro, si fosse efficaz, causar-nos-ia grandes
desastres. A escravidão nas províncias fronteiras é,
pois, na realidade gravíssimo elemento dc fraqueza
militar.
« Além disso, em tempo de paz, a fuga de escravos
para os territórios vizinhos, e outros factos promo­
vem conilictos o amarguram algumas de nossas ques­
tões internacionaes. Ainda ha pouco, noticia-so do
norte a fuga de escravos do alto Amazonas para o
território do Peru, e uma considerável evasão de
outros do Pará para a Guyana franceza, As discus­
sões que provoca a extradição do escravos evadi-
dos pela fronteira do Rio-Grande do Sul, as ques­
tões que tem isto originado, a serie de reclamações do
governo orient il contra o b^azileiro, renovadas ainda
recentemente cm 18 >-l, a difficuldado em se cumpri­
rem os tratados de extradição, o constrangimento
que a sua execução produz, e os abusos dos Rio-gran-
denses que nas suas estâncias do Estado Oriental que­
rem conservar a escravidão, ainda que dissimulada
sob a forma de contratos de engajamento com prazos
enormes (10, 15 e 29 annos) ; tudo isso conspira para
abolir-se a escravidão na grande provincia fronteira
do Sul.
INTERESSES PROVINCIAES 259

« Entretanto , é justaménto aquella que pri­


meiro podia dispensar escravos. Como em Santa-
Catharina, verdadeiro prolongamento do Rio-Grande,
sen clima é muito mais ameno que o das outras pro­
vincias, e menos áspero qne o do Rio da Prata. O Rio
Grande é o jardim da America meridional; ali o tra­
balho agrícola, nas colonias, é exclusivamente
exercido por homens livres... A’ e.xccpção de certos
municípios, nos outros é minima a proporção dos es­
cravos para a população total. Além disso, a corrente
de emigração está já estabelecida para essa parte do
império.—Outra província fronteira, a do Amazonas,
onde o indio é o trabalhor do campo, o barqueiro e o
criado, apenas possue... um escravo por 46 livres, ou
pouco mais do 2 0|0. Santa Catharina, Paraná e Es­
pirito-Santo contam igualmente poucos c-aptivos. Ha
além disso provincias não fronteiras, como a do Ceará,
onde a agricultura é quasi cxclusivamontc praticada
por braços livres. Nossa mesma, no Rio Grande do
Norte, na Parahyba, em Alagoas e até ein Pernam­
buco, no trabalho do campo, na cultura do algodão
principalmente, e na da canna do assucar, são empre­
gados homens livres, a salario, em escala que pro­
mette subir. Outro tanto acontece no interior do
Maranhão. »
Tão felizes circunstancias permittiriam, em nosso in­
tender, relativamcnto a taes provincias, medidas mais
promptes o seguras. Ainda nos parece esto o modo
mais efficaz de oxcrcer-so a acção do Estado quanto
aos escravos actuaes. Assim, as menores provincias,
260 PAKTE TERCEIRA

especialmentc as da fronteira, aquellas, como o


Ceará, onde o trabalho escravo é insignificante, ou
onde desde já póde ser dispensado, como o Amazonas,
veriam cm breves dias o seu território consagrado
para sempre á liberdade. Como documento da since­
ridade de nossa política abolicionista, não houvéra
mais eloquente testemunho: sem réplica seria facto
similhante. Por outro lado, esse processo simplificaria
a crise futura da producção, circunscroveudo-a a uma
região menor, dc sorte que, quando no centro do im­
pério se experimentassem os seus effeitos, outras
secções do paiz já estivessem florescendo sob o re­
gimen da liberdade. Finalmente, por mais generosas
que sejain as consignações votadas pelo parlamento
para alforrias annuaes, seu alcance fôra quasi nullo
si disseminadas pelo Brazil inteiro. Repartidas só­
mente pelas provincias que indicámos, o resultado
será eflicaz e palpavel.
Deve o parlamento não hesitar na votação de fundos
consideráveis para a alforria de captivos. Entretanto,
uma operação financeira occorre que preenchería os
nossos desígnios sem acarretar novos encargos para o
contribuinte. Annualmente se amortisa no Rio de Ja­
neiro e ora Londres o capital dc nossa divida
fundada, e periodicamente desaparece, da verba res­
pectiva da despeza publica, parte dos juros corres­
pondentes aos empréstimos remidos. Propomos, pois,
que cada anno se emitta, para o resgate de escravos
de determinadas provincias, um numero dc apólices
cujos juros uão excedam aos eliminados nas verbas
INTERESSES PROVINCIAES 261

do serviço da divida fundada. Assim, poder-se-ha, no


primeiro anno, libertar os escravos do Amazonas, que
poucocxcedem de500; depois, os de Santa-Catharina,
ou Piauhy, ou Ceará, como mais exequível e proprio
parecer ao parlamento. Suppomos, seja dito de pas­
sagem, indemnisação razoavel, mesmo superior ao
maximum das colonias inglezas (50 L por adulto),
mas excluídos velhos e crianças. E’ de equidade pagar
a indemnisação, desde que não se concede prazo.
Além das provincias de trabalho livre ou de in­
significante trabalho escravo, o mesmo processo po-
der-se-ia estender ás capitaes e portos de coinmercio
directo. Nestes até parece exequivel medida mais
radical : a abolição simultânea decorridos cinco annos,
sem indemnisação, prohibida, entretanto, a expor­
tação ou transferencia dos escravos. Sem esta clau­
sula a lei autorisaria as maiores crueldades, conse­
quências inevitáveis dc vendas precipitadas.
Qualquer que seja a solução preferida quanto aos
escravos existentes, ha providencias indeclináveis que
a moralidade c a honra do paiz exigem do parlamento.
Queremos fallar da immcdiata suppressão do trafico
costeiro dc escravos, ou dc provincia a provincia,
ainda que pelas vias terrestres. Fomentando a im­
moral industria da criação dc escravos, o trafico cos­
teiro despovoa o norte, humilha o nosso pavilhão, e
converte o porto do Rio dc Janeiro na antiga Cons­
tantinople, grande mercado de carne humana, cloaca
maxima de todos os vi cios e de todas as podridões da
escravidão. Ao navio que transporta negros, ao dc-
262 PARTE TERCEIRA

posito que os recebe e vende, se póde ainda boje in-


flingir, com rigorosa exactidão, o estigma de Chan­
ning: « a maior reunião de crimes sob o mais limitado
espaço. »
Resta-nos, para concluir a primeira parte destas
observações, mencionar um ponto exclusivo da com­
petência central : é o lado por onde esta vasta questão
intende com as relações exteriores.
Para attenuar os effeitos da crise economica,—
inevitável, posto que transitório, resultado da eman­
cipação, — um meio se offerecc logo : alargar no
mundo o consumo dos nossos produetos. Ora, este
consumo é consideravelmente íeduzido pelos exces­
sivos direitos que as diversas potências cobram na
importação dos generös tropicaes. Não poderíam a
Inglaterra, os Estados-Unidos, a Allemanha do Norte,
a França, que absorvem todo o nosso café, assucar
e fumo, dar um bello exemplo da solidariedade dos
interesses, correndo em auxilio do trabalho livre,
quando o proclamássemos, abandonando a severidade
com que hoje tratam os produetos do lavor escravo?
Estes fazem, com effeito, grande concurrencia aos
generös similares do trabalho emancipado nas índias,
nas Antiihas e no sul da União-Americana : procla­
mada a liberdade no Brazil, restabelccer-se-ia o equi­
líbrio, os preços subiríam ao maximum d’onde ca­
ll iram ha trinta annos, cessando então nas colonias
europeas e no meio-dia dos Estados-Unidos os effeitos
da crise da emancipação.
Recusaria a Grã-Bretanha dar o primeiro passo
INTERESSES PROVINCIAES 263

neste caminho? Agora que suas receitas perinittem


tão largas reducçôes de impostos, porque não renun­
ciará ás excessivas taxas sobre os generös chamados
coloniaes? A philantropia, com que ha sempre pro­
cedido nesta questão humanitaria, não lhe faltará
certainente na ultima phase do problema secular. A
perspectiva da diminuição dos direitos de entrada nos
portos europeus c norte americanos apressaria me­
didas abolicionistas mais radicaes. Fundamentando o
orçamento de 1870, o ministro da fazenda, Mr. Lowe,
alludiu á benefica influencia que a diminuição de di­
reitos exercerá sobre o movimento cmancipador ; e,
sob proposta sua, foi votad l a reducção da taxa do
assucar á metade, medida que importa a perda de
2,250,000 L para o thesouro inglez. Não é licito
suppôr que, com igual decisão e a respeito de todos
os generös tropicaes, proceda o governo britânico nos
annos seguintes, mórmente vendo o Brazil e Cuba
abolirem a escravidão? Igual medida sobre o café,
que por si só fórma metade de toda a exportação do
império, fôra muito mais cflicaz auxilio na crise econo-
mica em que vai entrar nossa agricultura. .Já solici­
tou-a o Sr. Crawford, presidente do banco de Ingla­
terra, ponderando que, em voz de augmentai-, tom
diminuido muito o consumo de café naquelle paiz,
facto que elle explicava pelo excessivo imposto de 3
pence por libra (còrca de 50 por cento).
Ora, todas essas reducções dc tarifas hão dc trans­
ferir para os portos inglezes grande parte da pro-
ducção das terras tropicaes ; motivo snfficiente para
264 PARTE TERCEIRA

que as outras potências marítimas não se detenham


em imitar o exemplo da Grã-Bretanha.
A perseverança com que esta potência resolveu os
vários problemas da liberdade commercial, desde a
revogação dos privilégios de bandeira sem dis-
tincção da procedência do producto , permitte
esperar que ella daria o novo passo mesmo
sem a exigencia de reciprocidade. Si, todavia,
a apresentasse, não hesitaríamos nós em aceitar a
condição. Todos os brazileiros conhecem que as taxas
da tarifa de nossas alfandegas são hoje absurdas, são
tributos de guerra. Cumpre incessantemente reduzil-
as, pelo menos, ao nivel das do Rio da Prata, pois,
entre as differentes vantagens que as republicas vi­
zinhas offerecera ao emigrante europeu, se conta sem
duvida, entre as mais decisivas, a barateza da vida,
graças aos preços razoaveis de todos os artigos ma-
nufacturados. Por outro lado, decretada a emanci­
pação, acaso se cuida que o nosso operário ou lavrador
se resignem aos exagerados preços que hoje pagam
pelas mais indispensáveis commodidades, pelos pró­
prios instrumentos de trabalho ? E’ manifesto que,
por interesse do proprio Brazil, não hão dc prevalecer
muito tempo os direitos actuaes, que alias reduzem a
importação e a renda correspondente. Um compro­
misso, pois, com as potências produetoras das mer­
cadorias de mais geral consumo no paiz, nos parece
razoavel : não convertido em tratado commercial, mas
consigmado em lei que consagre o principio da re-
ducção ánnua de tantos por cento nas taxas da tarifa,
tal compromisso nada teria de imprudente.
INTERESSES PROVINCIAES 265

Apóz a emancipação, as colonias inglezas e fran-


cezaslogo requereram, como justa compensação, asua
plena liberdade mercantil, e o abatimento dos direitos
que dos seus produetos cobravam as metropoles. Já não
carecemos da primeira medida, graças á política que
por toda a parte vai extinguindo os privilégios das
marinhas nacionaes, restabelecendo a igualdade dos
pavilhões; mas da segunda carecemos, e não podemos
dispensal-a. Comprchendam os nossos consumidores,
europeus e americanos, que suas marinhas estão vi­
vamente interessadas no mantimento da producção
brazileira, que as entretém e anima. O declínio da
nossa agricultura, que lhes fornece côrca de 180,000
contos de transportes annuaes, póde prejudicai-os di­
rectamente. Coadjuvem-nos, pois, aliviando os direitos
de entrada nos seus portos : possa o lavrador bra­
zileiro incontrar em preços mais remuneradores com­
pensação dos gastos dc producção elevados pelo salario
do liberto, e pelas incertezas e contingências que no
começo hão de affligir os antigos proprietários.

§ II.—Missão das provincias.

Mais importante do que geralmcnte parece, é o


papel das provincias no movimento abolicionista.
São os poderes locaes que hão de completar a obra
iniciada pelo Estado, pondo em contribuição, para o
fim commum, a estatística, o imposto, a policia, a
justiça e a escola.
A PROV. 34
266 PARTE TERCEIRA

A providencia preliminar neste assumpto é averi­


guar o numero de escravos, a sua distribuição pelo
território e as profissões que exercem. Si é urgente
que o Estado organise o censo décennal, não é menos
forçoso que, auxiliando os commissarios nacionaes,
montem as provincias as suas repartições de estatís­
tica, pensamento que se acaba de iniciar na do Rio
de Janeiro. Indispensável para as medidas abolicio­
nistas, a estatística permittirá também a reforma das
imposições locaes e o estabelecimento de um largo
systema provincial de taxas directas '. Tanto basta
para recommendal-a.
O censo dos escravos fará conhecer o limito a que
cumpre elevar o fundo annualmente destinado pelas
provincias para o resgate de captivos, e mostrará
quaes as regiões do império onde, sem o risco de crise
economica, poder-se-ia adoptar desde já a emancipa
cão simultânea, como acima indicámos.
Talvez produza a estatística estranhas revelações: a
que se tentou no Ceará, em 18155, dava a proporção
de um escravo por 32 homens livres na propria comar­
ca da capital, e de 1 por 26 ou mais em florescentes
districtos produetores de café, cmquanto outros ha­
via onde quasi todos os habitantes eram livres. Si o
mesmo facto se verificasse em diversas regiões do
Brazil, como aliás se póde presumir, o problema da
emancipação perdería muito da sua gravidade. No
sul dos Estados-Unidos um terço dos Habitantes era

» Cap. VI. g 6.
INTERESSES PROVINCIAES 267

escravo : dous estados havia (Mississippi e Carolina


Meridional), onde a população escrava era superior
á livre ; e não inferior em alguns. Ora, na opiúião
do Sr. Souza Franco, em todo o Brazil haverá 4 ho­
mens livres para 1 escravo, sendo, porém, a propor­
ção de 3 : 1 no littoral do sul, de 6 : 1 no centro do
império, e de 7 : 1 no norte. Em provincia alguma,
nem no Rio de Janeiro, ha igualdade; em outras éa
população escrava mui inferior á livre; em algumas
quasi nulla. Este facto, que aliás é urgentíssimo
averiguar por um censo completo, não só dissiparia
exagerados receios, como plenamente justificaria a
medida, em que insistimos, da abolição immediata e
simultânea nas provincias dc insignificante trabalho
escravo.
Estas poderíam, por si mesmas, entrar resoluta­
mente nas operações da emancipação. Era vez de mó­
dicas consignações no orçamento ordinário, contra-
liissem um empréstimo, ou empréstimos periódicos,
que em poucos annos resgatassem todos os seus es­
cravos. Não soportaria a do Amazonas, por exemplo,
uma divida de 300 contos, sufficiente para a imme­
diata alforria de todos os seus 584 captivos, incluídos
velhos e crianças sem valor ? Os juros dc tal emprés­
timo não são onerosos para o Amazonas, cuja receita
dobra em oito annos, e demais pouco excederíam á
consignação que já vóta para resgates annuaes. O
mesmo dizemos quanto a outras em idênticas condi­
ções.
A consequência dc tal medida é o parlamento pro-
268 PARTE TERCEIRA

hibir para sempre a escravidão na provincia quo a


supprimir : na falta dc lei neste sentido, nada obsta
que a respectiva assemblca lance sobre escravos alii
incontrados ou introduzidos imposto tão elevado, que
produza o effcito da proltibição.
Não pareça uma excentricidade a idea da interven­
ção provincial neste grave interesse publico. Foi
pelos estados particulares (os do norte e leste) que a
abolição começou na Republica norte-americana. Si
cila não póde ser simultânea em todo o Brazil, póde
sel-o immediata, ou com brevíssimo prazo, em muitas
das provincias *.
Passemos aos impostos.
Taxas fortíssimas na introducção e na exportação,
seja por viaterrestre ou maritima, dc escravos de umas
para outras provincias, medida necessária emquanto
o parlamento não prohibit' absolutamente esse trafico :

1 A mesma opinião manifestou o Sr. presidente da Baliia na falia á respecti­


va assembléa (1870J :
« Para atténuai- a gravidade do objecto, dizia elle, seria talvez acertado
diminuir-lhe o volume, repartindo-o ; deixando ás provincias resolver
sobre os meios práticos de execução, que não podem ser idênticos cm todas,
fixando a lei geral o prazo fatal da completa extineção do trabalho serviL
Provincias ba que podem em poucos annos completar a mudança social, e
outras que pedem um processo estudado, prudente e mais longo, dilïcren-
ças incompatíveis de guardar em uma só lei, e em uma resolução central;
não se devendo prejudicar aquellas pela lentidão destas, nem estas pela me­
lhor situação daqueilas. Este abandono ás provincias para resolver o modo
prático nos limites da lei geral, não inhibiria que esta adoptasse certas pro­
videncias contra os hábitos que ferem mais as susceptibilidades liumanita-
rias do scculo, como o commercio entre as provincias, a venda cm hasta pu­
blica, a separação dos membros da família, os castigos exagerados, a liber­
dade obrigada como deposito do respectivo valut. »
INTERESSES PROVINCIAES 2G9

impostos severos sobre casas de venda, deposito ou


aluguel de escravos ; taxa de capitação, addicionada
á taxa geral existente, mas estendida a todos os que
esta não coinprehende ainda, sejam dc menor edade,
sejam ruraes : são recursos de que poderíam valer-se
as provincias, para a obra dos resgates periódicos.
Não aconselhamos o imposto progressivo sobre os
escravos urbanos, que aliás outr’ora nos parccêra
util. Expellir os escravos das cidades para o campo,
ou, como se exprimiam decretos relativos a Cuba,
transformar a suavíssima escravidão domestica cm es­
cravidão rural, é por si só uma iniquidade: não rou­
bemos ao escravo urbano o unico favor que a ingrata
fortuna lhe depara, o de nascer nas cidades. Por outro
lado, fornecendo novos braços servis á lavoura, facili­
tando-lhe a aequisição dos /blegos ritos, que repellcm
o arado c as machinas, não iriamos perpetuar a sua de­
gradação, agravar a sua decadência, augraentar os
seus embaraços presentes como jogo aleatorio da com­
pra de captives, origem dc tanta ruina? Acommetta-
inos a escravidão nas cidades, não expellindo-a para o
campo, mas abolindo-a directamente nos grandes por­
tos commcrciaes e nas cidades populosas, onde o tra­
balho livro se ache generalisado e ao alcance de toda
a gente '.
Aconselhamos, porém, ás provincias o lançamento
do imposto territorial. Eis o seu grande recurso finan­
ceiro, até hoje desprezado, eis a base de um systema

1 V. o paragraph» anterior.
270 PARTE TERCEIRA

de imposições directas sobre a propriedade. Eminen­


temente local, variando conforme as circunstancias
dos municípios e províncias, tudo o recommanda ás
assembléas. Tendendo a reduzir as vastas áreas in­
cultas, é elle o meio de fornecer terra barata, em bôas
condições de transporte, ao immigrante e ao liberto.
Importar trabalhadores que não incontrain onde co­
modamente se estabeleçam; emancipar o trabalhador
nacional, mas impedil-o de ser pequeno proprietário
no municipio ou na provincia que habitara, ou nos ter­
ritórios circunvizinhos ; condcmnar uns e outros ás
solidões das florestas inaccessiveis, quando aqui, á roda
das grandes povoações, ostentam-se desertos cente-
nares de léguas quadradas, é erro grosseiro em paiz
que já demasiado soflre o inconveniente da dispersão
dos habitantes. Mas não antecipemos o que cabe dizer
no lugar proprio '.
Entre as medidas de policia local, já alludimos ás
que tomará cada provincia por amor da emancipação’.
Para crearem curadores e juizes privativos dos liber­
tos, ou para confiarem taes funeções a outras autori­
dades. como melhor convenha e a experiencia recom-
inende, ha de se reconhecer-lhes a mais plena com­
petência. Da mesma sorte, quão imprudentes, im­
praticáveis aqui, insuficientes ali, não haviam ser
regulamentos geraes contra os vagabundos, ou me­
didas a liem do trabalho !

« V. o Cap. VI. g 5.
2 P. 180.
INTERESSES PROVINCIAES 271

Verificou-sc nas colonias inglczas que, mais neces­


sária que o exercito e a policia, a magistratura espe­
cial encarregada de resolver as questões entre pro­
prietários c libertos prestou, durante o periodo da
aprendizagem, relevantissimos serviços, mantendo a
ordem e restabelecendo o trabalho nas plantações
Só na Jamaica 200 desses juizes funccionaram, e com
um labor insano
Acaso poderia uma lei expedida do Rio de Janeiro
prever as circunstancias particulares do movimento
aboliciouista em cada provincia, e adaptar-lhes a mais
conveniente organisação judiciaria e policial? Algu­
mas ha, como o Amazonas, Pará, Santa Catharina,
para as quaes sejam suficientes os tríbunaes ordiná­
rios, o direito commuai : o Rio de Janeiro, porém, ca­
recerá, na maior parte das suas parochias, de um juiz
do civel e crime, com certa alçada e jurisdicção defi­
nitiva em questões de salarios e engajamentos, em
offensas physicas e ferimentos leves, damuos insigni­
ficantes, etc.; e outras parochias da mesma provincia,
repletas de escravos, exigirão, talvez, mais de um juiz
no primeiro periodo da abolição. Isto patentêa que só
as assembléas podem organisar direitamente as jus-
iças da primeira instancia
.
* Deixamos a imaginaras
lacunas, as imperfeições, os embaraços inseparáveis
de decretos desta natureza promulgados pelo governo
central para o império inteiro.

1 The fall of the sugar planters of Jamaica ; Londres, 1869. — l'm magis­
trado por cada 5,060 libertos, segundo Tocqueville, Relatorio á camara dos dc
pulados de França, 1839; p. 30.
* Parte II, cap. Vil, g 1.
2T2 PARTE TERCEIRA

A providencia do legislador inglez evitou esses gra­


ves inconvenientes. Comquanto o memorável acto de
emancipaçao de 28 de agosto de 1833 fosse lei obri­
gatória em todo o império britânico, não comprehen-
deu todavia certas matérias, deixando a adopção de
algumas providencias ás legislaturas, municipalidades
e governadores coloniaes. Regulamentos a bem da
tranquilidade publica, repressão de vagabundos, fis-
calisação das habitações dos emancipados, do seu ves­
tuário, alimeuto c cuidados medicos, graduação das
horas de trabalho e repouso, fórma e condições dos
resgates, etc , ficaram dependentes do estudo e deli­
beração dos poderes locaes.
Fallámos em regulamentos: cumpre não exagerar a
sua importância. O alcance delles deve de ser rigo­
rosamente policial, não economico ; manter a ordem,
não dirigir a actividade e industria dos libertos. Sub­
stituir a escravidão pelo trabalho forçado, tem sido
causa de amargas decepções e de sanguinoleutas des­
ordens. No erro desses vexames incorreu o governo
francez *, que opprime severamente os emancipados,
emquanto os Estados-Unidos dá-lhe o exemplo de ci-
vilisal-os pela instrucção. Si alguns dos estados do
Sulquizeram entrar nesse caminho tortuoso, deteve-os
a energia do Congresso revogando os actos contrários
á igualdade civil assegurada aos libertos, a quem
uma emenda constitucional acaba de garantir o pleno
gozo dos direitos politicos.
1 Memoria do Sr. Schœlcher annexa ao Report of the anti-slavery confe­
rence, celebrada em Pariz no anno de 1867.
interesses provinciaes 273

Não esqueçam nossas províncias este facto eloquen­


te: para fazerem do escravo um homem, os anglo-
americanos não o submettem ao tirocinio de escusa­
do» vexames ; fazem-no passar pela escola. O mundo
jamais assistiu a uma tal revolução, na mesma so­
ciedade, em meia duzia de annos.
A escola para todos, para o filho do negro, para o
proprio negro adulto, eis tudo ! Emancipar e instruir,
são duas operações intimamente ligadas. Onde quer
que, proclamada a liberdade, o poder viu com indiffe-
rença vegetarem os emancipados na ignorância an­
terior, a abolição, como nas colonias francezas, não
foi mais que o contentamento de vaidades philantro-
picas, não foi a rehabilitação de uma raça. « A abolição
da escravidão e o estabelecimento da liberdade não
são uma e a mesma cousa. » 1
Nos Estados-Unidos souberam os radicaes resolver
o problema da maneira mais completa. Que perseve­
rança ! que estrondosos resultados ! Desde o segundo
annodaguerra (1862) os generaes do Norte começaram
a crear nos acampamentos escolas regimentaes para os
negros apprehendidos ao Sul ou refugiados. Concluída
a guerra, coutavam-se 40,000 libertos que frequenta­
ram taes escolas,onde aprenderam a 1er e escrever. Logo
sahiram a campo as communhões religiosas e uma po­
derosa associação leiga ( Freedman’s Union j, auxi­
liadas depois pela repartição dos libertos (Freedman’s

1 Relatorio da American Freedman’s Union, annexa ao citado « Report of


the anti-slavery conference», p. 79.
A PROV. 35
274 PARTE TERCEIRA

bureau). Choveram então, com a liberalidade que ali sôe


ostentar-se, os donativos particulares de milhares e
milhões de dollars: Peabody envia dous milhões para
as escolas do Sul, e não foi o primeiro, nem o unico
a fornecer sommas enormes. O congresso seguiu logo
o exemplo dado pelo povo. Na Europa subscrevem-se
igualmente grossas quantias. As damas americanas
partem para o Sul, e vão preencher a falta de profes­
sores. No começo, diz um relatorio official, a incre­
dulidade era geral, até no Norte: passava por axioma
a incapacidade do negro. Explosões mortíferas, vio­
lentas represálias do odio dos antigos senhores,
poem em risco a grande empreza: algumas escolas
são incendiadas e os professores perseguidos. A som­
bra de uma arvore, ou algum pardieiro, era, muita
vez, o abrigo do mestre e dos discípulos • faltavam
livros, faltavam utensis, faltava tudo. Pois bem ! em
1867, escrevendo o relatorio com que terminou a sua
missão o Freedman's bureau, seu presidente assegu­
rava que nada mais rcceiassc o congresso ; o impulso
estava dado ; os poderes locaes e as associações cum­
priam brilhantemente o seu dever ; funccionavam no
Sul 2,207 escolas, com 2,442 professores e 130,735
alumnos de côr. O congresso applicára no ultimo anno
mais de 7,000 contos a essas escolas para os negros '.
Extincta a repartição que tão admiravelmente diri­
gira o general Howard, o movimento continuou, toda­
via, em escala ascendente. 4,000 escolas e 300,000

’ Anti.slanery-reporter do r de janeiro de 1868 ; p. 19.


INTERESSES PROVINCIAES 275

alumnos já se contavam em 1869: pouco falta para


que a frequência escolar dos meninos de côr seja igual
á dos brancos. Grande numero dos professores eram
homens do côr. Os antigos libertos sustentavam á sua
custa 1,200 escolas. No total de 4,000 incluiam-se
escolas mixtas da infancia, escolas de adultos, escolas
normaes, industriaes e agrícolas, c até profissionaes
das artes domesticas para as raparigas. São, como as
dos brancos , instituições dc todos os gráus : ci­
ta-se em Washington uma high-school frequentada por
400 alumnos dc ambos os sexos, estabelecimento igual
aos melhores da America, onde as negrinhas estudam
algebra e outras disciplinas, historia e litteratura.
liefere um viajante que, nocollegio Oberlin, assistira,
entre outros exer icios, átraduceão de um capitulo de
Thucydides por uma moça de côr '.
Queria-se fazer do negro uma casta á parte, subme-
tel-o a trabalho forçado ou expatrial-o. Leis de alguns
estados os excluiram dos direitos communs: uem ju­
rado, nem testemunha contra branco, lhes era per-
mittido : armas de fogo foram-lhes interdictas. Editos
severos contra a ociosidade, com excessivas multas,
permittindo até a venda dos serviços do liberto por
tempo limitado até satisfazer a importância da pena,
vexadores regulamentos, prohibição do exercício de
certas industrias, imposição de açoites, tudo isso se
decretou em nome da ordem publica ou antes para con­
verter o escravo cm servo da gleba : mas tudo desa-

1 Rcrue des deux mondes ', lõ dc setembro de 1869.


276 PARTE TERCEIRA

pareceu diante da energia do Congresso, que, con­


fiando no interesse, na intelligencia, no amor-proprio
do liberto, transformou-o em cidadão. E eis os resul­
tados sociaes : já os libertos reservara parte de seus
salarios, que recolhem em numerosas caixas econô­
micas, fundam sociedades de temperança, cream e re­
digem jornacs, e, finalmente, associam-se, para o
cultivo das terras, com os antigos senhores, ou for­
mam sociedades cooperativas para a exploração de
propriedades que compraram com o produeto das suas
economias. E são passados apenas cinco annos !
Si a interessantíssima republica federal da Liberia
e a colonia ingleza dc Serra-Leòa não houvessem já
attestado o gráu a que póde attingir, cm seu des-
involviinento moral, a raça negra, bastára o inaudito
exemplo do sul dos Estados-Unidos para persuadir aos
mais incrédulos c aviventar a' fó dos que jámais du­
vidaram da igualdade humana. 1
Eil-o, portanto, assaz indicado o alvo dos nossos
esforços : emancipemos e eduquemos. A despeza que
com isso fizermos, civilisando infelizes compatriotas,
é muito mais efficaz para o nosso progresso do que a
dilficil importação dc alguns milhares de immigrantes.
Desde já, sem perda de tempo, multipliquem as pro­
víncias boas escolas e bons professores; paguem os
senhores a taxa escolar por cada um de seus escravos,
exceptuado sómente aquelle fazendeiro que mantiver

’ Quanto à Libéria, vede o relatorio do respectivo secretario de estado,


Johnson (negro', enviado á conferência abolicionista de Pariz: Report cil.,
p. 107.
INTERESSES PROVINCIAES 277

uma escola primaria para seus filhos e os filhos de seus


fâmulos c captivos ; exija-se que cada grande pro­
prietário, de cem escravos para cima, sustente uma
á sua custa. Fique sem demora abolido de nos­
sos regulamentos o barbaro principio que expelle o es­
cravo das escolas, triste plagio de uma das vergonhas
dos Estados-Unidos antes da emancipação. Em summa,
já felizmente coadjuvadas nisto pela tolerância e in­
dole brazileiras, não permitiam as provincias aulas
separadas para os indivíduos de cada raça, mas reu­
nam-os todos em estabelecimentos communs, na-
cionaes, sem distineção de origem ou côr. Si formi­
dáveis prejuízos ainda obrigam os norte-americanos a
respeitar essa odiosa distineção, o Brazil, pelo contra­
rio, respeita e pratica o principio da igualdade abso­
luta das raças : e é por isso também que a solução do
problema servil será aqui muito menos grave que cm
parte alguma do mundo ’.

1 Em varias colonias européas a população livro era mui inferior á escra­


va ; em algumas pouco superior. Abi pareciam mais fundados os receios de
ruina geral o prolongada depois da abolição, o que aliás não verificou-se
sinão em escala menor e durante curto periodo. Também no sul dos Estados-
Unidos se agitaram os mesmos temores . um quinquênio bastou para o seu
restabelecimento; a producção do proprio algodão 6 hoje apenas um terço;
inferior na quantidade á maior do periodo precedente, o igual no valor. A
riqueza, porém, é, no todo, igual, sinão maior ; a nação ganhou mais 4 mi­
lhões de produetores e consumidores. No Brazil, o resultado definitivo será
idêntico. Demais, achamo-nos em mais felizes condições que os Estados-Uni­
dos. Lá a transformação economica operou-se subitamente atravéz do incên­
dio da guerra civil , aqui, não se deve temer tamanha desgraça : la, a es­
cravidão estava concentrada em uma área relativamentc pequena; aqui,
acha-se disseminada por vasta superficie: lá, contavam-se 4 milhões de
escravos em 12 milhões dc habitantes ; aqui, talvez menos de 2 (alguns sup-
278 PAKTE TERCEIRA

Deem-nos estradas que diminuam os gastos de pro-


ducção, policia que garanta a vida e a propriedade sem
vexar o trabalhador, escolas que elevem o nivel moral
do branco e do negro e preparem o melhoramento dos
processos agricolas ; e o Brazil entrará suavemente no
periodo dos seus grandes destinos.
Estradas, policia, escolas : antes, durante e depois
da abolição, eis tudo, eis a missão das provincias. A
ellas imploramos que se apressem a cumprir o seu
dever. Si o não fizerem, ó fóra de duvida que o não fará
tão cedo o regimen imperial, pois não se decidirá fa­
cilmente a alienar o apoio dos grandes proprietários do
centro do império. Esperar que elle se resolva a acom-
metter de frente a escravidão, é esperar que suicide-se.
Meditem os brazileiros sobre a sua posição neste
continente : ao norte, florescem os Estados-Unidos que
antes de um século contarão 250 milhões de habit antes
verdadeiramente livres ; ao sul o Rio da Prata, no pro­
gresso que leva, poderá, graças á immigração, contar
brevemente população, livre c branca,igual á nossa ; e,
para fechar o bloqueio moral de que fallava o Sr. La-
boulaye, de todos os lados o mundo inteiro nosex-
probra a escravidão. Cumpre a todo o custo romper
este circulo de fogo, que nos afronta e suffoca.
Que a experiencia alheia conforte os nossos conci­
dadãos. Não é tão grave, como se cuida, o problema

põem 1 c meio) em 10 milhões. Nossa desvantagem, e confessamos que é


enorme, consiste na falta de vias dc transporte, que no proprio sul dos Es­
tados-Unidos abundavam. Nada póde escusar, portanto, a negligencia que
nisto continuamos a ostentar.
INTERESSES PROVINCIAES 279

servil. ' O mal que a emancipação produziu, nóta um


escriptor, reduziu-se á ruina incontestável de um certo
numero de proprietários, ao passageiro e inevitável
soffrimento dc todos. » 1 E quaes foram os arruinados?
todos os que não quizeram acommodar-se ás exigên­
cias do novo systema de trabalho, que não tiveram
previdência nem ordem, ou a quem o odio cegou, ou o
desanimo lançou na impotência. Os que foram leaes
cm seus ajustes, moderados em suas esperanças, per­
severantes na ec niomia, e calmos encararam uma tran­
sitória diminuição dos seus lucros, viram, mais tarde,
ao influxo do trabalho livre reforçado pela escola, ele­
var-se e fixar-se o valor da propriedade, tornar-se-lhes
o credito accessivel, e menos melaucholica a vida do
campo abençoado pela liberdade.

Abolition de l'esclavage p?lo Sr. Cochin; vol. I, pag. 451.


INTERESSES PROVINCIAES 281

CAPITULO III

ASSOCIAÇÕES

Vivemos em paiz onde, isolados pelas distancias e


tolhidos pela ignorância, os habitantes sentem toda a
extensão da sua fraqueza: aqui, poderoso é só o go­
verno. Mais do que em parte alguma, no Brazil cum­
pria remover todos os empecilhos á reunião de capi­
tães e esforços para um fimcommum.
Em princípios oppostos funda-se a legislação que
modernamente imitámos : adversa ao espirito de as­
sociação, que reputa perigoso, cila estima o indivíduo
isolado diante do poder formidável. A intenção do
legislador de 1834 era abandonar a formação e exis­
tência das sociedades ao livre arbítrio dos cidadãos :
tal seria, sem duvida, o resultado definitivo do acto
addicional na parte em que, a exemplo das constitui­
ções norte-americanas, confiou ás assembléas a facul­
dade de legislarem sobre associações formadas nas
provincias. Isto, decerto, não offereceria jamais os in­
convenientes da actual concentração no Rio de Janeiro,
do direito de approval1 ou recusar a incorporação de
companhias.
Adiante veremos (cap. V, § 1) as consequências de
tão pernicioso systema applicado a melhoramentos ma-
teriaes : aqui basta recordar o que todos os pretendentes
a prov. 36
282 PAUTE TERCEIRA

sabem e lamentam, as dependencias da capital, as de­


longas das suas repartições, as despezas forçadas e
desnecessárias, o lento processo perante o conselho de
estado, o habito burocrático de emendar e reprovar, a
papelada, os mezes c annos consumidos em diligencias
ás vezes infruetiferas, oscoaflictQsde c impetencia eos
recei s que frequentemente inspiram os projectos das
províncias á timidez do governo central. Acaso não
existe já entre os brazileiros a crença de que a incor­
poração de sociedades é graça especial da gjvcruo ?
não é também essa tutela do Estado um dos instru­
mentos de corrupção? Assim fortaleceu-se o poder,
que assombra a nação. Como restaurar a liberdade
conservando esse tecido de dependencias e influencias
administrativas, elaborado atravéz de tantos annos?
Como fundar seriam'eute, sobre as minas do absolu-
tismo, um regimen duradouro, sem restringir o poder
ao seu papel essencial, cortando sem piedade todas
as excrescencias?
Tradição do despotismo, é anachronico o ciúme e
temor das companhias. Licença, autorisação ou di­
ploma para que indivíduos e capitaes se congreguem,
são exigências que restringem e podem aniquilar a
liberdade do cidadão. Talé, entretanto, o systema pre­
ventivo dc muitas das legislações contemporâneas.
Coinbatel-o, caminhar para o seu completo repudio,
é missão dos reformadores em toda a parte do mundo.
Proclamando a descentralisação entre os seus prin­
cípios fundamentaes, o Centro Liberal indicou, como
corolários, a necessidade de— garantir o direito e pro-
INTERESSES PROVINCIAES 283

mover o exercício da iniciativa individual, de animar e


fortalecer o espirito de associação, de restringir a in­
terferência da autoridade, e conceder a maior liberdade
cm materia de commercio e industria. Um rápido es­
boço do regimen das associações no Brazil mostrará
com quanta sabedoria se inscreveram naquelle pro­
grama esses bellos princípios.
O regimen das sociedades anonymas instituído pela
legislação dc 1860 contém uma dupla violência : ao di­
reito de reunião e ás franquezas provinciaes.
Nenhuma sociedade anonvmapóde constituir-se sem
licença, e esta licença é sujeita a formalidades vexa-
doras : tal é a primeira violência.
O respeito com que o codigo criminal (art. 282) tra­
t ára as proprias, sociedades secretas, das quaes exige
sómente simples communicação á policia e não licença,
o expresso reconhecimento da legitimidade de todas as
sociedades e reuniões publicas ', a indole do nosso sys­
tema constitucional, debalde se invocaram para emba­
raçar essa leviana c tristíssima imitação dos regula­
mentos de Napoleão III.
Trcz autoridades foram investidas do direito de li­
cença : a assembléa geral, quanto a bancos de cir­
culação e companhias de estradas de ferro e cauaes, que
servirem a mais de uma província ; o poder executivo,
quanto a todas as companhias anonymas,sem distineção
de provinciaes ou não ; e os presidentes, como delegados
delle, quanto a monte-pios, sociedades de soccorro

» V. pags. 230 e731.


284 PARTE TERCEIRA

mutuos, de beneficencia, scientificas c litterarias, o


ordens religiosas, que se fundarem nas provincias.
Fôra preciso escrever longas paginas para indicar
cada um dos excessos, para expôr os vexames dessa re­
gulamentação minuciosissima. A sua parte bancaria c
economica assenta em exagerado ou falso conceito da
omnipotencia do Estado, das vantagens de sua fisca-
lisação sobre os capitaes associados, da necessidade de
sua tutela. A sua regulamentação das diversas com­
panhias, porém, revela melhor o espirito absolutistada
reacção conservadora. Basta referir que o decreto dc 19
de dezembro dc 1860 expressamente declara (artigo 9)
que o prévio exame dos requerimentos para a incor­
poração dc bancos « versará sobre os seguintes pontos :
si o objecto ou fim da sociedade é licito c de utilidade
publica ; si a creação pedida é opportuna c de exito
provável ; si o capital marcado nos estatutos é bas­
tante para o objecto da empreza. » E nas demais so­
ciedades, diz o artigo 27, também se examinará « si o
fim social é contrario aos bons costumes. » Tudo isto
involve o mais largo arbítrio para o poder executivo.
Em 1866 tentára um illustre ex-ministro da justiça
desaggravar o direito dc associação : para promover o
espirito dc empreza e a iniciativa individual, elle pro­
punha a creação das sociedades limitadas, não depen­
dentes das exigências da lei dc 1860. Privou-nos dc tão
util reforma o adiamento, esse expediente com que no
Brazil se evita o incommodo do estudo. Prolongando-
sc o sofiïimento, mais imperiosa tornou-se a opinião :
hoje, para corresponder-lhe, cumpre pelo menos repôr
INTERESSES PROVINCIAES 285

as cotisas no estado anterior á legislação de 1860 ;


cumpre emancipar os brazileiros da dependencia das
repartições publicas, da tutelado governo central.
Para ser fiel á indole das nossas instituições po-
liticas, a reforma havia ser dominada por dous
princípios cardcaes : repcllir o systema preventivo
sobro associações de qualquer natureza, e, transferir aos
poderes provinciaes, em alguns casos, funeções que a
lei de 1860 centralisou quasi todas no poder executivo
ona assembléa geral. Consideremos esta parte especial
do assumpto.
Notemos, primeiramente, que, quanto aos bancos,
fôra preciso rejeitar o preceito da lei dc 1860, segundo o
qual dependem dc acto do parlamento todos os de cir­
culação. Quacsquer que sejam as suas operações, uma
vez que se circunscrevam a uma só província, os ban­
cos seriam, cm nosso intender, incorporados por lei
dessa província c na fórma que cila prescrevesse.
Quando muito, a respeito dos dc circulação, uma lei
geral marcasse as regras essenciacsde sua organisação,
sem esquecer a prohibição de bancos privilegiados,
monopolio dos mais funestos cm paizes novos, sem in­
dustria e som credito que as fomente.
Comprehende-so quanto promovería a prosperidade
nacional a liberdade bancaria assim intendida c aug-
mentada pela descentralisação *. Em paiz sem escolas,

1 Fm 1839, 41 e 47, as assembléas provinciaes do Ceará, Maranhão e Bahia


votaram leis creando bancos de emissão.
Em 1810 o senador Vergueiro oíTereccu na assembléa provincial de S. Paulo,
que adoptou-o, um projecto para o mesmo fim.
285 PAKTE TERCEIRA

sem bancos, sem nada que facilite a vida e adiante o


progresso, a reforma bancaria, sobre a base da liber­
dade completa, apenas regulada por leis provinciaes,
é, sem dúvida, das mais urgentes medidas econômicas.
Custa crer que se julgasse sábia a política da res-
tricção artificial do credito em paiz tal, sem suficiente
industria e capitaes fluctuantes, onde por isso mesmo
elle c já limitadíssimo; e que os adversários da pre­
tendida desordem financeira proveniente da multi­
plicidade dos bancos, uão empregassem o mesmo zelo
em combater o monopolio do credito exercido por um
banco unico para o império inteiro, que o distribuía
da maneira mais imperfeita e com a maior desigual-
d île, e nem logrou evitar a propria ruina apezar dc
grandes privilégios e constantes favores.
Todas as domais sociedades, cujas operações ou
cujos fins se limitem a uma provincia, fiquem igual-
inente sob as leis provinciaes, leis que dcvein do ins­
pirar-se no espirito liberal, abolindo as pôas da le­
gislação de I860.
Grande violência, em verdade, foi preciso fazer ao
acto addicional para transferir ao governo supremo as
attribuições que está exercendo relativamente a asso­
ciações formadas nas provincias. A tendencia centra"
lisadora, neste sentido, manifestou-se ainda no re­
cente decreto de 20 de agosto de 18G4. Passando do
Ainda em 1860, a do Rio Grande do Norte mandava incorporar um banco
rural e hypothecario.
A todos esses projectos, escusado é dizel-o, oppoz o governo central a mais
decidida resistência. Nenhum prevaleceu.
INTERESSES PROVINCIAES 287

poder legislativo para o executivo a concessão de


certas dispensas nas leis do desamortisaçào, a bem da
brevidade no expediente destes negocios, aquclle de­
creto deixou continuar um vexame que exige remedio.
Pois que ! de qualquer ponto do império hão de as
corporações carecidas do taes dispensas enviar ao go­
verno imperi il os seus requerimentos ? E’ uma cen­
tralisação manifestamei te contraria ao art. 10, § 10,
do acto addicional. As assembléas provinciaes deve
pertencer integralmente a faculdade de velar na guarda
das leis de mão-morta e de expedir as dispensas
razoáveis-.
As licenças a sociedades que não forem ordens re­
gulares, para possuírem e administrarem bens de raiz,
não offereccm os inconvenientes de outr’ora. A lei deve
modificar-se com o espirito e as necessidades do século.
Corporações que fundam hospitaes, que abrem escolas
e idênticos estabelecimentos, não devem carecer do li­
cença alguma para adquirirem, conservarem e dis-
porem de bens immoveis. Nestas bases liberaes deve­
ríam assentar as leis de cada provincia, quando lhes
fosse devolvida a jurisdicção sobre estas matérias. E’
mister, com effcito, que ellas não restrinjam então o
direito de reunião e a liberdade religiosa. Limitem-se a
regular a fórma da incorporação, fugindo de julgar do
fim das associações, dos seus meios, da sua organisação
e estatutos. Façam que o acto de incorporação não seja
mais que um registro, para dar reconhecimento pu­
blico á sociedade e habilitai a a funccionar como pessoa
jurídica.
288 PARTE TERCEIRA

Ainda mais: si a associação, seja civil, commercial,


politica ou religiosa, funccionar apenas dentro de um
só municipio, faça-se a sua incorporação perante a ca­
mara municipal. Desta sorte, os compromissos de ir-
mandades, muitas das quaes são sociedades meramente
parochiaes, não dependeríam do processo actual pe­
rante as assembléas. Melhor fôra nada exigir dessas
reuniões de fieis, qualquer que o seu culto seja.
Professando estes princípios, cumpre-nos, entre­
tanto, declarar que ainda sentimos a necessidade de
deixar a sociedade civil armada contra as ordens re­
gulares em geral. E’ assim que, era nosso intender,
deveríam ser absolutamente excluídos do favor da dis­
pensa nas leis de desamortisação os claustros e quaes-
quer conventos de reclusos ; pois são estas instituições
suspeitas á liberdade e perniciosas ao progresso
das nações.
Certamente, um dos mais hellos princípios da civi-
lisação é aquelle que Jules Simon, rectificando a for­
mula de Cavour, exprimiu nesta sentença que percorre
o inundo : « Igrejas livres no Estado livre.» Insurje-se
contra elle o ultramontanismo fanatico ; mas não ha
mais solemne confissão da liberdade,que cm vão reclama
o catholicismo romano sob a fórma odiosa dc um privi­
legio exclusivo. Entretanto, perguntamos : emquanto
a liberdade para todos não fôr garantida pela legislação
daquelles mesmos paizes cujas constituições a pro-
mettem em these ; emquanto subsistir o privilegio do
catholico para o exercício de certos cargos politicos e
até do magistério ; emquanto se exigir o juramento
INTERESSES PROVINCIAES 289

religioso, mesmo na collação de gráus scientificos ;


emquanto o culto catholico fôr o unico publico, man­
tido e largamente auxiliado pelo Estado, e os outros
apenas tolerados em suas práticas domesticas ; em
quanto se não reconhecer a validade do casamento
civil, nem se admittir a plena liberdade de ensino ; em­
quanto, 11a phrase deE. Picard, o Estado não fôr livre,
ha de sel-o sómente a Igreja ? Beneplácito, investidura
nos benefícios, recurso á corôa ou antes aos tribnnaes
seculares, leis de mão-morta, inspecção do ensiuo
eclesiástico, devem de vigorar emquanto prevalecerem
os privilégios do catholicismo, tão odiosos á liberdade
e tão oppostos ao progresso da nação. Extinguir os
direitos do padroado sem abolir os privilégios exclu­
sivos da igreja dominante, é perigoso e iinpolitico. Não
é a sociedade civil que condemnao direito commum,
é a Igreja que repelle-o. Quer o catholicismo alcançar
aqui aindependencia dos séculos primitivos, a inde­
pendencia de que goza uos Estados-Unidos? deixe
consumar-se cm paz a obrada liberdade religiosa. A
imaginação antecipa o dia em que a liberdade será
igualmente effectiva para todos : mas, quando troveja o
Vaticano, volcão da intolerância,aconselha a prudência
que o Estado se uão desarme diante da anachronica
restauração do regimen theocratico.

A PROV. 37
INTERESSRS PROVINCIAES 291

CAPITULO IV

IMMIGRAÇÃO

A’s assembléas conferiu o acto addicional a facul­


dade de promoverem, cumulativamente com os pode­
res geraes, o estabelecimento dc colonias. (Art. 11 §
5’.) Não involve isto, para o poder provincial, as at­
tribuições de possuir e administrar terras apropriadas
áquelle fim, e de introduzir immigrantes ? Certamen­
te. Ambas as attribuições, porém, tem o governo im­
perial exercido quasi cxclusivamente. Fiel ao seu
programa politico, o conselho de estado ha sempre
suggerido, neste assumpto, expedientes que de facto
aniquilam a faculdade deixada ás províncias. Em
alguns casos diz elle : está prevenida a materia por
acto do governo geral, e não podem as províncias al-
teral-o;—cm outros declara que, si não existe ainda
providencia do mesmo governo, cumpre esperal-a. Já
o vimos até propor a revogação de leis provinciaes
que favoreciam a introducção de emigrantes, serviço
aliás cumulativo dos dous poderes, conforme o acto
addicional. Felizmente, a escola centralisadora parece
ter renunciado a tão atrevidas preteuções.
Nos Estados-Unidos a acção do governo federal li­
mita-se exclusivamente ao cadastro, administração e
venda das torras naciouacs ; é cada estado que por
292 PARTE TERCEIRA

seus agentes promove e adquire immigrantes, como


permittea letra da constituição (art. 1° sec 9a §1°).
Nisto não intervem o governo federal ; mas, por outro
lado, a sua enorme tarefa é desempenhada com um
zelo e esforço dignos da grande republica.
Imite-se este sabio exemplo : descreva-se a esphcra
de cada um dos poderes geral e provincial, para que
se desembarace a acção de ambos. Da divisão do tra­
balho resultaria proveito maior, que da confusa con-
currencia actual. Estamos persuadido do que uma
das mais poderosas causas do naufragio de tantas ten­
tativas de iminigração tom sido a louca pretenção de
se dirigir do Rio de Janeiro as complexas operações
de um serviço disseminado por tão vasto paiz.
Ouve-se geralmente no Brazil condemnar nesta
materia a acção do governo, que aliás se empregou
cfficazmente c ainda subsiste com vantagem na Aus­
tralia, no Canadá o no Rio da Prata. Não c duvidosa
para ninguém a superioridade da iniciativa indivi­
dual; a ella se prefira tudo : mas que fazer onde não
existe ? onde leis, instituições, hábitos do povo, sys­
tema de governo, a proscreveram ou amesquinharam ?
Neste caso, valha ao menos a intervenção official,
promova ella apovoação do paiz, que os particulares
não promovem. Mas, diz-se, a colonisação official tem-
se celebrisado aqui por estrondosas decepções sómente.
Sem ’úvida : quanto a nós, porém, seus desastres, sua
impotência, sua desconsideração se explicam pela
centralisação. Este péssimo methodo administrativo
não podia deixar dc exercer nesta materia a pornicio-
INTERESSES PROVINCIAES 293

sa influencia, que o acompanha cm tudo o mais. Com


effeito, basta considerar a sorte de um núcleo de colo­
nos estabelecido em provincia longinqua e dependente,
não das autoridades dessa provincia, mas do ministro
das obras publicas na côrte. A. menor questão assu­
me logo o caracter de gravidade. As distancias, a falta
de communicações regulares, augmentant os inconve­
nientes dc pequenos nego dos tratados por via de cor­
respondência. E’ mister construir uma capella ou
abrir um caminho ? começa a papelada, repetem-se
informações, vão c vem os documentos, enchem-se as
pastas, passam os annos, o os colonos desesperam, e
o núcleo, creado sob os melhores auspícios, pára, ou
definha, ou dissolve-se. Quantas vezes foi retardado
pormezes, por annos, o pagamento de contas insigni­
ficantes, até de salarios de trabalhadores, ou a au­
to risação de despeza urgente !
Si não existisse, não se comprelienderia a possibi­
lidade dc tal systema administrativo, que faz depen­
dentes do longiuquo governo supremo a ordem para
romper-se uma picada, medir-se um território colonial,
construir-se uma ponte, uma igreja, uma escola. Eis
ahi o que exagerou os inconvenientes, que álias sem­
pre resultam da intervenção oficial em interesses ma-
teriaes.
Não encarecemos, intenda-se bem, a idéa que pre­
sidiu á formação dos núcleos coloniaes. E’ antiga
nossa opinião a tal respeito. Desejáramos, pelo con­
trario, que todos pudessem volver ao direito commum,
sobretudo quando esse direito commum fôr a liber-
294 PARTE TERCEIRA

dade, —a liberdade municipal inteira, como já a des­


crevemosRestabelecida a competência das assem­
bléas sobre a organisação das instituições locaes, facil
lhes fôra dar a cada núcleo de immigrautes os regula­
mentos policiaes e administrativos, que elles mesmos
requeressem. Não ha outra solução para taes estabe­
lecimentos, e hadesempre ser perniciosa, insuficiente
ou oppressora qualquer organisação-modelo que se lhes
envie do Rio de Janeiro. Abandonemos, ao menos
quanto a estas sociedades originaes.do Velho Mundo
no Mundo Novo, a preoccupação de um systema uni­
forme de governo, principalmente quando vasado no
typo militar das colonias da Argélia, sem represen­
tação do povo, sem autoridades electivas, sem auto ­
nomia alguma. Abandonemos a preteução de adivi­
nhar, no retiro de 'um gabinete, os interesses pecu­
liares de localidades tão distinctas e tîo differentes, e
de impôr-lhes um mecanismo administrativo qualquer
sem audiência délias.
Istoassaz demonstra o alcance e a beueGca influen­
cia da reforma descentralisadora sobre o desinvolvi-
mento da immigração. Uma depende directamente
da outra.
Definir a competência dos dous poderes era, por­
tanto, o que se devôra fazer na occasião em que regu-
louse o serviço das terras publicas. Qual seria propria­
mente a missão de cada um dellos ?
Agencias, meios de propaganda, engajamento, aes-
pezas de transporte, distribuição e estabelecimento
1 Parte II, cap. IV.; pp. 146, uota ; 151 e segs.
INTERESSES PROVINCIAES 295

dos immigrantes, auxilios nos portos, hospicios espe-


ciaes, regimen c serviço das colonias existentes, de­
veríam ser inteiramente incumbidos ás provincias.
A’ administração local passariam as colonias que
o governo ainda subvenciona ou dirige, emquanto
subsistisse tal systema, álias dc vantagem mui pro­
blemática. Certamente, a algumas provincias falle-
ceriara recursos para tanto; e neste caso se compre-
liende que o poder geral, sem encarregar-se do ser­
viço délias, auxiliasse, entretanto, os seus cofres: por
ora, très careceríam de subsídios para tal-fim '.
Mas, sempre que se ofFerccesse opportunidade de
attraliir ao Brazil uma corrente de uteis immigrantes,
cxpellidos de sua patria pela miséria, pela guerra ou
pela tyrania, não devêra o governo imperial hesitar em
provocal-a, applicando a agencias, propaganda, enga­
jamento c transporte, recursos, mais consideráveis e
ellicazes que os das provincias. Excoptuada esta hy­
pothèse, porém, assentemos, como regra, que cada
província é mais idônea que a administração central
para promover, introduzir e auxiliar o estabelecimento
de immigrantes. A parte activa, neste tão vasto e
complicado serviço, nós devolveriamos inteira aos
poderes locaes, aos seus orgãos, ás associações for­
madas nas cidades ou nos campos, ás emprezas de es­
tradas de ferro, a esses variados agentes que a des­
centralisação e a liberdade fazem surgir por incanto
do seio de uma nação nova.

1 Espiiito-Santo, Paraná, Santa Catharina: Cap. VI, § 7.


29ß PARTE TERCEIRA

No porto do Rio de Janeiro desembarca a maior


parte dos estrangeiros destinados ao Brazil : ahi é
incontestável a competência do governo supremo,
emquanto esta cidade fôr a capital do Estado. Forne­
cer á agencia creada no município neutro mais abun­
dantes meios de esclarecimentos e auxílios aos estran­
geiros, montar devidamente o seu hospício, habili-
tal-a para vencer a concurrencia de iguaes agencias
de Buenos-Ayres e Rozario, é cousa em que só he­
sitar pódem administrações rotineiras.
Não pequena tarefa ainda ficaria ao governo central,
si quizesse desempenhal-a com esforço digno de tão
urgente necessidade pública. Só o serviço da discri­
minação das terras nacionaes e sua demarcação, hoje
desprezado c quasi dissolvido, quanta perseverança e
despeza não demandaria! Está elle em erabryão,posto
que tenham já decorrido 15 annos depois do seu regu­
lamento. Concentre-se a attenção do governo nisto, e
promova efficazmenteo movimento no exterior,quando
seoffereça alguma feliz opportunidade: o mais devolva
ás provincias. Cumpra elle o seu dever ; o resto irá
por si mesmo, e irá melhor.
Cumpra o seu dever, dizemos, e, por começar,muito
lhe incumbe fazer desde já na esphera legislativa. Ca­
samento civil para todos que não queiram, ou não pos­
sam alcançar a solemnidade do acto religioso, garan­
tias da liberdade de consciência, eliminada a desigual­
dade política dos cultos, naturalisação facilitada, re­
forma da lei de locação dc serviços, reducção dos pre­
ços das terras e sua concessão gratuita cm certos casos,
INTERESSES PROVINCIAES 297

portos coloniaes franqueados ao commercio directo, li­


vre navegação costeira, abertura de grandes vias ter­
restres e fluviaes, emancipação da escravatura, e, em
summa, leves impostos de consummo, poisos actuaes
exageram o custo de todas as commodidades da vida :
eis, entre outras, as medidas de que muito depende o
futuro da immigração para o Brazil. Ajuntai aos gra­
ves inconvenientes, que ellas removeríam, a influencia
geral das nossas instituições e o peso da centralisação
que nos esmaga: devo acaso maravilhar-nos a prefe-
rencia que os emigrantes dão aos Estados-Unidos, ao
Canadá, á Republica Argentina e á Australia ?
Em vez de promover as reformas indicadas, recen­
temente lembrára-se um ministro de renovar a im­
portação de coolies. Fornecer braços á lavoura é o
pretexto com que se invoca a intervenção do governo
para tal flm. Condemnemos, vivamente condemne-
mos, este desvio da opinião mal esclarescida : não é
essa a immigração que carecemos. Estéril para o
augmente da população, dispendiosa, barbara como
o proprio trafleo de negros, ella é acompanhada de
um triste cortejo de immoralidades. As colonias fran-
cezas, hespanholas e iuglezas teem de sobra expiado
o erro de importarem indios e chins 1 : não nos apro­
veitará a sua longa cxperiencia? A indignação do
mundo persegue este novo trafleo : havemos afron-
1 L’abolition de l'esclavage, polo Sr. Cochin ; vol. Io, livro I, cap. 12 ;
livro II, cap. 3.0 — Quanto a Cuba o Jamaica, leem-se tristes "narrações
dos resultados da importação de coolies no citado Report da conferência
abolicionista de 1867, pp. 71 e 127.
A PROV. 38
298 PARTE TERCEIRA

tal-a? Demais, si vamos emancipar o escravo, cum­


prindo um dever de humanidade, como é que oppo-
remos ao trabalhador liberto o trabalhador asiatico,
concurrente insuperável pela raodicidadc do seu sa-
lario? E quem paga as despezas dessa importação
hostil ao liberto ? o povo inteiro, e, portanto, o pro­
prio liberto prejudicado. Isto é injusto e impolitico :
é injusto augmentai1 com iudios e chins a offert a do
trabalho, abaixar o salario ao extremo limite ; é im­
politico crear e dirigir contra o negro indígena, con­
tra o nacional, a concurrencia formidável do asiatico.
Não substituamos a escravidão pelo dissimulado tra­
balho servil de chins embrutecidos ou de negros re­
duzidos á miséria. Formação da pequena propriedade,
independencia industrial do povo, independencia do
suffragio, -tudo isso virá sómeute do verdadeiro tra­
balho livre remunerado por seu justo valor.
Queixa-se a grande lavoura de falta de bra­
ços? Singular queixa sob o império da escravidão,
que permitte a cada canto os mercados de captivos !
Queixe-se de si, da sua rotina, da sua resistên­
cia a qualquer melhoramento. Póde-se ouvir
sem impaciência lastimar a falta de braços o pro­
prietário que ainda lavra a terra á enchada? Quan­
to aos capazes de progresso, tenham elles auimo, e
avante! Renovem o seu material, mudem os seus
processos, abandonem a rotina : e, quando soar a
hora da emancipação, ahi teem á mão o melhor tra­
balhador dos paizes tropicaes, o negro indígena e
aclimado.
INTERESSES PROVINCIAES 299

Algumas palavras sobre terras publicas.


Confirmando o direito vigente, a lei de 1850 pro­
clamou a propriedade da nação sobre terras devolutas
dc qualquer natureza. Outra lei anterior (de 28 de oi-
tubro de 1848) concedôra, porém, a cada uma das pro­
vincias, no mesmo ou em differentes lugares do seu
território, seis leguas em quadro, destinadas exclusi­
vamente á colonisação, não podendo ncllas haver es­
cravos. Essa área póde conter, sendo toda a superficie
aproveitada, o modesto, sinão mesquinho algarismo
de 16,000 almas, ua razão de 100,000 braças quadradas
por cada familia de cinco pessoas. Desta doação já
tiraram proveito o Rio-Grande do Sul e Santa Catha­
rina, estabelecendo colonias suas ao par de colonias do
Estado.
Sem condemnar o pensamento da lei de 1848, cum­
pre-nos reconhecer a sua inefficacia a bem da imrai-
gração. Na verdade, a essa doação isolada de peque­
nos territórios devolutos, exclusivamente provinciaes
para estabelecimento de colonias provinciaes, nos pa­
rece preferível a combinação das leis norte-americanas.
Releve o leitor um ligeiro esclarescimento deste ponto,
aliás pouco conhecido. Ver-se-ha ainda nesta materia
o arranjamento do governo interior dos Estados-
Unidos.
Como se sabe, ao dominio federal pertencem as ter­
ras pisadas pelos indios do deserto dentro dos limites
dos actuaes territórios, ou as devolutas comprchendi-
das nos estados constituídos depois da independencia.
Para formar esse immenso patrimônio federal, que em
300 PARTE TERCEIRA

1850 era maior de um terço da superficie da União,


vários estados do littoral, logo apóz a independencia,
cederam vastíssimos terrenos. Foi nestes terrenos ou­
tr’ora reclamados pela Virginia, Massachussetts, Con­
necticut, New-York, Carolinas e Georgia, que depois
se erigiram os florescentes estados do oeste e do sul,
Ohio, Indiana, Illinois, Michigan, Wisconsin, Ten­
nessee, Alabama e Mississippi.
Dentro dos limites de cada um destes novos estados
possuia a União largos districtos, que sc teem vendido
aos immigrantes ou cedido a emprezas de caminhos
dc ferro c canaes. A propriedade federal ainda é, toda­
via, enorme, abrangendo um bilião de acres, contidos
agora nos estados e territórios seguintes : California,
Nevada, Colorado, Oregon, Washington, Idaho, Ari­
zona, New-Mexico.1
Mas não c só a União que possuo terras devolutas,
que as administra e vende. Com effeito, a lei fez a ca­
da estado ou território onde ha terras federaes, as se­
guintes concessões : 1", da área correspondente a uma
township (23,040 acres ou (5 milhas quadradas) para es­
tabelecimento de collegios de ensino superior ; 2", dc
uma trigésima sexta parte dc cada township demar­
cada (ou uma secção, que corresponde a 640 acres),
destinada perpetuamente ao mantimento das escolas
primarias da township ; 3”, dc 5 °/„ do produeto da ven­
da das terras federaes, sendo 3 % para auxilio a estra­
das no território ou estado, c 2 °/0 para diffusão dos

1 Report of the secretary of the interior; 1866.


INTERESSES PROVINCIAES 301

conhecimentos uteis *. Avalie-se a importância destas


concessões notando queda área ainda existente 25 mi­
lhões de acres hãode ser reservados á idstrucção do
povo produzindo a sua venda o subsidio provável de
60,000 contos. Estes consideráveis territórios, patrimô­
nio das escolas (school/und), são as terras que os estados
do oeste c do extremo oeste administram e vendem. Por
exemplo, já em 1863 o Minnesota, um dos mais novos,
possuia demarcados 1,256,320 acres, ou cèrca de 115
léguas quadradas, cedidos pela lei federal.
Ainda mais : d’entre os de léste, o Maine em 1864
também possuia 2,000,000 dc acres devolutos, que
nunca foram cedidos áUnião. Uma grande parte delles
abunda em madeiras de construcção. O produeto da
venda constitue uma das verbas dc receita desse estado.
Nos Estados-Unidos, pois, anacionalisação da terra
não foi absoluta : respeitou-se a propriedade dc alguns
dos primitivos estados, c aos outros sc fizeram largas
concessões.
Não é só isto, porém ; não se esqueça principalmcnte
a utilidade prática da combinação adoptada pelo Con­
gresso : não deu aos estados lotes destacados do seu
dominio, deu-os involvidos ou iucluidos nolle, demar­
cados e vendidos conjunctamente. Assim, a povoação
do vasto território federal, onde a pouco c pouco af-
fluisse a immigração, não adiantaria um passo, que
não aproveitasse e désse immediate valor aos terrenos
dos estados, ao patrimônio das escolas.
1 Recentemente, o congresso concedeu mais aos estados que instituírem
collcgios de agricultura c artes meranicas, o produeto dc tantos lotes de 30,000
acros quantos os seus deputados e senadores.
302 PARTE TERCEIRA

Fstc exemplo não póde acaso ser imitado no Brazil ?


Pelo menos augmente-se, e desde já tome-se effectiva
a concessão de terras promettidas ás províncias pela
lei de 1848. Descentralisado o serviço da immigração,
será isso indeclinável.
INTERESSES PROVINCIAES 303

CAPITULO V.

OBRAS PUBLÎCAS.

Deve o parlamento nacional decretar despezas para


trabalhos de melhoramentos internos ? Largo debate
esta questão suscitou nos Estados-Unidos durante o
primeiro quarto deste século, e ainda depois. De tão
porfiada contenda entre os antigos partidos federalista
e democrata resultou uma util distineção prática :
quanto a melhoramentos locaes, de qualquer natu­
reza, que a um só estado aproveitem ou que nelle se
circunscrevam, não póde promovel-os o governo fe­
deral. Sua competência, porém, é indisputável na-
quelles que interessem ao commercio nacional, ex­
terno ou interno.
E foram os proprios presidentes da republica que
duvidaram da attribuição do governo federal ; foram
elles que rejeitaram leis do congresso mandando abrir
canaes que atravessassem dous ou mais estados, me­
lhorar portos, e estabelecer novas vias de communi-
cação 1 : um justo escrupulo , um prudente acata­
mento dos direitos dos estados, fazia-os vacillar na
execução até de obras propriamente nacionaes. Nunca,

1 Kent, Commentaries d Const. ; sec. Ill, § 7 e nota linal.


304 PARTE TERCEIRA

porém, lá ventilou-se a questão no terreno em que se


tem levantado entre nós, isto é, até onde póde o go­
verno central prevenir ou repellir a jurisdicção dos go­
vernos provinciaes sobre obras meramente locaes.
Monroe firmou o principio da incompetência do
congresso quanto a melhoramentos internos. Até
á sua presidência (1823) era corrente a opinião
sobre a necessidade de se votarem fundos considerá­
veis para rápido impulso das vias de transporte, e to­
dos os annos autorisavam-se diversas, algumas de or­
dem mui secundaria. Contra o parecer de Adams,
Clay e Calhoun, estrenuos advogados da immediata
abertura de caminhos e canaes mediante auxilios do
thesouro federal, aquelle illustre presidente recusou
sanccionar um projecto idêntico sobre a estrada de
Cumberland, expondo era uma extensa mensagem os
fundamentos da opinião opposta a esse augmente
das attribuições do governo central, de que era mem­
bro. Resumindo tão importante documento, reputado
o mais sabiocommentario da constituição neste pouto,
ajunta um parlamentar americano :
« Depois de 1827, não se decretou mais nenhum
auxilio desse genero. Posteriormeute, usando do véto,
o presidente Jackson poz termo á legislação sobre es­
tradas locaes, e com o tempo este assumpto de um
systema nacional de melhoramentos internos, ha pouco
tão formidável e avultado na opinião, acabou por ser
retirado das salas do congresso e das discussões pu­
blicas. Vapores e locomotivas substituiram ás antigas
estradas e canaes ; emprezas particulares dispensaram
INTERESSES PROVINCIAES 305

o auxilio da legislação federal. Não existe talvez ca­


minho importante em um estado qualquer, que não
esteja sob a autoridade desse estado. Até mesmo grandes
c dispendiosas obras executadas por ordem do congresso
apóz longos c ardentes debates, obras então reputadas
eminentemente nacionaes, perderam este caracter
c entraram na classe das estradas ordinarias. A
de Cumberland, que custara 6,670,000 dollars, e fôra
durante trinta e quatro annos assumpto prominente
nas discussões do congresso,.... entregue afinal aos
estados (que atravessa), passou a ser uma estrada or­
dinária, e está inteiramente ofiuscada pelo caminho de
ferro paralelo. O mesmo se póde dizer, até certo pon­
to, do canal Chesapeake e Ohio, outr’ora objecto dos
cuidados da legislação federal, pois se destinava a li­
gar as aguas do Atlântico ás dos grandes rios do oeste ;
reduzido hoje a um canal local, utilisado principal­
mente por algumas companhias, muito vantajoso para
a região que córta, decahiu, porém, do caracter na­
cional que lhe valéra vótos do congresso e largos sub­
sídios do thesouro.... Tornou-se lei a opinião de Mon­
roe neste ponto da intervenção do governo federal em
melhoramentos dentro dos estados. » *
No Brazil, porém, a reacção que poz em litigio tan­
tos assumptos claríssimos, não duvidou inverter as
questões de competência que se podia suscitar nesta
parte dos interesses provinciaes. E’ o que vamos as-
signalar : ver-se-ha eutão quanto tempo precioso con-

1 Thirty years in lhe senate, by ex-senator Benton; vol. I, cap. X.


A PR0V. 39
306 PARTE TERCEIRA

some cm disputas estéreis o governo geral, que alias


uão tem correspondido á gravidade da sua tarefa e an­
tes lia protelado ou sacrificado o progresso material
do império.

§ I. A centralisação nos melhoramentos materiaes.

Com que desprezo dos direitos das provincias o go­


verno imperial intervém francamente em negocios
proprios délias ! Ora, pareceres do conselho de estado
e avisos lhes prohibem regular o modo de effectuai
*
tal ou tal obra, declarando que não podem lançar
imposto pessoal de prestação de serviços, ainda quando
é esse imposto decretado para um fim municipal. Ora,
contestam o direito com que secrearam inspecções do
algodão e assucar ; sendo aliás evidente que se trata
de interesses locaes, embora taes inspecções pare­
çam escusadas e onerosas. Outras vezes, finalmente,
negam que possam as assembléas, como incentivo ás
industrias, -encoder méros prêmios aos que nellas
introduzirem melhoramentos.
Mais atrevidas pretenções, e sobre mais considerá­
veis interesses, revela uma recente consulta. Apontar
a data é descrever-lhe o caracter : é a de 27 de setem­
bro de 1859, sanccionada pelo aviso de 4de janeiro de
1860. Refulgia então a política reaccionaria ; facillhe
fôra, até por meio de portarias, destruir sem rumor
nsse impertinente appendice da constituição, o acto
INTERESSES PROVINCIAES 307

addicional. Denunciemos ao paiz, que desperta, essas


usuipações do poder executivo. Considerem as provín­
cias na sua sorte de departamentos francezes ; conhe­
çam quanto rebaixou-as a segunda reacção conser­
vadora.
Era o objecto da consulta de 1859 determinar a com­
petência provincial sobre privilégios exclusivos. Mui
accrtadamcnte recusa ás assembléas o direito de con-
cedcl-os por invenções ou melhoramentos de industria,
pois interessam ao commercio e á prosperidade geral da
nação : e ao governo federal reservou-os por isso a
constituição dos Estados-Unidos. No intuito, porém,
de dificultar os privilégios, muito perniciosos decerto
em alguns casos, chega a consulta ao excesso de negar
ás assembléas a faculdade de os garantirem, sem de­
pendência do governo geral, para a execução de cer­
tas obras, estradas o linhas de navegação. D’aqui de­
rivou a doutrina que, adoptada pelo governo, provoca
a indignação do sentimento liberal.
Corno ainda não foi regulado por lei que obras, es­
tradas e linhas do navegação se deva considerar pro-
viuciaos, fiquem, dice o conselho de estado, fiquem
dependentes do parlamento as concessões que as pro­
víncias fizerem sobre taes objectos: proposição, que
por si só importa a negação do poder legislativo con­
ferido ás assembléas.
Ainda mais, accrescentou elle : si essas concessões
uão subirem á approvação do parlamento, nem por isso
ficará livre a acção provincial, porquanto as compa­
nhias, que devem de effectual
* as obras, para funccio-
308 PARTE TERCEIRA

nar carecem de consentimento do governo central.


E, com effeito, ahi veio a lei de 1860 contra as socie­
dades anonymas consagrar a exigencia do placet su­
premo.
Assim, decreto embora uma assembléa certa obra
e autorise a fazel-a por empreza ; si os emprezarios for­
marem sociedade anonyma, ainda que o acto escape
ao véto do presidente, nem por isso evitará a compa­
nhia o intolerável exame, as protelações desespera-
doras, as depeudencia’s da secretaria de estado, todos
os flagelles com que para aqui se trasladou a regula­
mentação franceza. Na verdade, á lei dc 22 de agosto
c ao decreto de 19 dc dezembro do 1860 nada escapa :
as mais innocentes associações dependem hoje do pla­
cet imperial. Eis a liberdade no Brazil !
Não teem as assembléas compoten ia para incor­
porarem companhias formadas por amor de objectes
provinciaes; e, entretanto, lhes pertence legislar sobre
quaesquer associações políticas e religiosas! (Art. 10
§ 10 do acto addicional.)
A incorporação de companhias, ou antes a prévia
autorisação para que possam fuiiccionar sociedades de
qualquer natureza, é, já odicemos ', reminiscencia do
antigo regimen, contra a qual levanta-se agora o es­
pirito da liberdade moderna. Oscapitaes, como os in­
divíduos, sejam livres para se reunirem sob todas as
fôrmas possíveis: o Estado, governo central ou gover­
no provincial, poder executivo ou poder legislativo,

1 Cap. ui.
INTERESSES PROVINCIAES 309

não tem o direito de regular a forma c a vida das


companhias. Assim, diante dos princípios absolutos,
não seria legitimo conceder ás assembléas a faculdade
que recusamos a quaesquer autoridades do Estado :
mas, entretanto, si a prévia autorisação é precisa, con­
cebe-se acaso que sociedades que funccionam em uma
provincia, organisadas para effectuarem serviço pro­
vincial, dependam placet imperial? A lei que isto
exige é produeto da febre reaccionaria que tantas ve­
zes temos assignalado.
Copiando a mencionada consulta, o aviso de 4 de ja­
neiro de 1860 assentou, como princípios inconcussos,
doutrinas manifestamente illegaes.
Não pódem as assembléas, segundo elle, conceder
privilegio sobre navegação de rio que. percorrendo ter­
ritório de duas províncias, seja todavia aproveitável
no dc uma délias somente ; nem quando a navegação
da costa maritima se possa estender á do rio ; nem, em
geral, sobre a navegação avapor fluvial. Está escripto,
c o commcntario desta ultima hypothèse patentea o
preconceito do conselho de estado : uma lei do 1833,
diz elle, attribuíra o serviço da navegação a vapor ao
governo geral. Póde essa lei prevalecer apezar de
anterior ao acto addicional ? Basta similhaute propo­
sição para o leitor avaliar si c exagerado nosso juizo
sobre o empenho do conselho dc estado cm restaurar
no Brazil a monarebia centralisada. Dispensa argu­
mentos a invocação dc uma lei ordiuaria para o flm de
restringir uma lei constitucional posterior. Era, entre­
tanto, expressa outra lei mais antiga, a dc 29 de agos-
310 PARTE TERCEIRA

to de 1828, que não foi revogada, antes se deve inten­


der confirmada pela das reformas. Dizem os seus
artigos Io e 2": « todas as obras que tiverem por objecto
promover a navegação dos rios, abrir canaes ou cons­
truir estradas, pontes, calçadas ou aqueduetos, perten­
centes amais de uma provincia, serão promovidas pelo
ministro do império ; as que forem privativas dc uma
só provincia pelos seus presidentes em conselho ; e as
que forem do termo de uma cidade ou villa pelas res­
pectivas camaras municipaes. » E no artigo 6“ enu­
mera-se a concessão do privilegio exclusivo entre as
clausulas com que a administração provincial póde ce­
lebrar contracto para obras provinciaes.
Introduziram também a consulta e o aviso um prin­
cipio novo de interpretação do acto addicional, mais
rcstrictivo ainda, classificando a natureza das estradas
segundo os seus motore&, vapor ou animal ; e, nem
aqui siquer, protestou contra estes excessos o autor dos
Estudospráticos, que, em outros assumptos, menos in­
teressantes aliás á real prosperidade das provincias,
sustentara doutrina conforme aos seus direitos. Com
cffeito, a consulta c o aviso consideram geraes as es­
tradas servidas por vapor, qualquer que seja sua ex­
tensão. E ajuntam o seguinte commcntario : «Estas
obras, pelos grandes capitaes que empregam e pelo ser­
viço que devem prestar, não devem ser emprehendidas
sem serem consultados os interesses geraes. » Aqui
invocam, como os escriptorcs francezes, a uniformi­
dade de policia e disciplina das estradas de ferro, a ne­
cessidade dc planos communs, etc. ; e, cm nome da lo-
INTERESSE^ PROVINCIAES 311

gica, declaram geral a pequena estrada de ferro de


Mauá, construída dentro dc um municipio do Rio de
Janeiro. Mas a lógica tem, na verdade, exigências su­
premas ; e pois, sem hesitar, estabeleccu-sc mais esta
outra regra : « quando, sendo o motor animal, e sobre­
tudo si ha trilhos de ferro, a estrada arriscar grossos
capitaes, deve ella ficar dependente do governo geral ! »
Tutor da nação, não póde o governo imperial soflrcr
que os capitaes de scuspupillos arrisquem-se em gran­
des emprezas sem o seu exame, sem o seu consenti­
mento.
Supponha-se o mais ligeiro caminho dc ferro, um
tram-road municipal ; supponha-se até uma estrada dc
rodagem que demande capitaes consideráveis : tudo
virá receber o placet do supremo governo. Si ha cen­
tralisação, é isto.
Assim : privilégios para execução de serviços pro­
vinciaes, incorporação de companhias, navegação a
vapor dos rios, construcção de estradas servidas a va­
por, ou simplesmente com trilhos de ferro, ou de qual­
quer natureza demandando grossos capitaes, tudo, to­
do o melhoramento material do paiz, ficou concen­
trado nas mãos do governo imperial. Póde-se agora
duvidar da existência da centralisação
« no Brazil? '
’ Parecem haver reconhecido a illegalidade do aviso de 4 de janeiro o
Sr. ministro das obras publicas e o seu antecessor, pois devolveram aos po­
deres provinciaes o conhecimento dos recentes projectos de estradas de ferro
em S. Paulo, Rio-Grandc do Sul c Ceará. O aviso, porém, não foi cassado;
subsiste sua doutrina, que outros ministros poderão mandar cumprir. Por
outro lado, continua em pleno vigor a obrigação de serem approvados pelo
governo imperial os estatutos das companhias. A situação é, pois, quasi a
mesma, e o será emquanto se não revogarem expressamente os actos de 1860.
312 PARTE TERCEIRA

A loi de policia e justiça (1841) e a da guarda nacio­


nal (1850) aniquilaram o espirito publico nas locali­
dades, centralisaram a política : a lei eo aviso de 18G0
atacaram a prosperidade material das províncias e o
principio de associação, coroando a obra do golpe de
estado de 12 de maio de 1840. Por isso, 1860 é o non
plus ultra áa. reacção. Desde que valeu-se de simples
avisos para interpretar e corrigir o acto addicional, re­
vogando leis expressas, nenhum poder mais restava
ao governo usurpar.

§ II. —Até onde se estende a competência provincial.

Exemplos dos Estados-Unidos mostrem quão mes­


quinha é a política centralisadora de certos estadistas
do Brazil.
Representando um capital de quatro e meio biliões
de contos, cortam o território da União 50,000 milhas
de caminhos de ferro, extensão quasi igual á da Eu­
ropa inteira, e cento e quinze vezes maior que a nossa *.
Desse algarismo prodigioso a mór-parte foi construída
em virtude de leis dos estados, por companhias nelles
fundadas, com auxilios ousem auxílios delles. Xo fim
de 1861, New-York contava 3,475 milhas dc caminhos
de ferro representando 277,000 contos. Na mesma épo­
ca, a Pennsylvania possuia 3,226 milhas, avaliadas cm

1 435 milhas, comprehendidas as linhas por inaugurar este anno.


INTERESSES PROVINCIAES 313

320,000 contos ; Ohio, 3,230 milhas orçadas em


300,000 contos : c assim o» demais estados, segundo
sua riqueza e população *. Os grossos cabedaes arris­
cados nessas emprezas gigantescas não careceram da
tutela do governo supremo da republica; e, pelo con­
trario; si essa tutela existisse ali, é mui provável que
os capitaes tivessem antes a timida prudência que os
caractérisa aqui, sob a acção raoderadora do governo
imperial, esse agente esterilisador da prosperidade
publica.
São da mesma sórte eloquentes as estatísticas dos
canaes da União. Cerca dc 3,200 milhas de canaes fa­
cilitam hoje a navegação interior, graças a uma
despeza effectiva maior de 200,000 contos. Estes capi­
taes foram também arriscados, sem a tutela do gover­
no central, por cada um dos estados. Citemos um dél­
iés, New-York. O orgulho de New-York é o seu sys­
tema de canaes, como o de Massachussetts as suas es­
colas ; possue, com effeito, 1,051 milhas de canalisação,
de ufn extremo a outro do território, ligando os lagos
Eric e Champlain aos rios e ao oceano. O custo corres-,
ponde ú obra * 1 «2 «2 , 000 contos ahi se consumiram. Não
deteve tão.vasta empreza a consideração de que essas
linhas de navegação interna prendiam-se á navegação
externa do oceano ou dos lagos que confinam com as

1 Crescem estes algarismos incessanlcmcnte. Em 1868 davam-se á Pennsyl­


vania 4,400 milhas, c ao Ohio 3,400. New-York devia em breve attingir a
4,568 milhas. No anno de 1869 abriram-se ao trafego, em toda a União, mais
do 6,000 milhas. Nos proprios estados do sul construem-se agora 60 linhas
novas.
A PROV. 40
314 PARTE TERCEIRA

possessões inglezas : as objeccões limitaram-se á exe-


quibilidade da obra c aos sacrifícios que impunha. Alas
com que firmeza, com quanta perseverança e confiança
no. futuro, inoveram-se os habitantes de New-York a
trabalhos tão colossacs I « Não obstante as sinistras
predicções de homens notáveis por sua sabedoria e ser­
viços, não obstante os conselhos do venerado patriar­
chy da democracia, do proprio Jefferson, em cuja opi­
nião fôra preciso um século para ousar tentar trabalho
siinilhante ; não obstante as exprobrações do illustre
Madison, refere Michel Chevalier, o estado de New-
York, que então (1817) coutava apenas 1,300,000 al­
mas, começou a construir o canal de Erié com 350 mi­
lhas de comprido. » 1 Pouco depois, com ramificações
em todo's os sentidos, o canal não bastou ás exigências
do commercio ; foi preciso alargal-o e aprofundal-o, e
hoje só os dous de Erié e Champlain, na extensão con­
tínua de 428 milha-s, representam odispendio de 82,000
contos.
Nos Estados-Unidos, como dicemos, o governo fe­
deral não disputa aos dos estados intervenção em suas
obras interiores, ainda q» ando sejam da maior gravi­
dade ; pelo contrario, é o congresso ou o presidente que
ás vezes tem duvidado da constitucionaliaade de auxí­
lios concedidos para melhoramentos locaes. Por outra
parte, aprecie-se o caracter quasi nacional dos trabalhos
emprehendidos em qualquer dos estados, no de New-
York por exemplo, cujos caminhos de ferro e canaes se

1 Lettres sur l'Amérique du nord; XXII


INTERESSES PROVINCIAES 315

prendem aos dos outros ou á navegação exterior : e


nem por isso invocou-se a intervenção do governo cen­
tral. Muito menos no Brazil exigiría o placet supremo,
si não fosse logo repellida a competência da provincia.
Não são, á vista de taes exemplos, manifestamente
arbitrarias as regras do aviso de 4 de janeiro de 1860 ?
não são violências á autonomia das províncias, base do
systema politico do Brazil? (Art. 71 da constituicäo’c
Io do acto addicional.)
O espirito prático dos norte-americanos tem dado
o caracter federal áqtiellas obras sómente que inte­
ressam á União inteira ou a uma grande parte delia.
Assim, é federal, e foi construído com largos subsídios
c concessões de terras federaes, o caminho do ferro do
Pacifico, que, estendendo 1,770 milhas atravez do de­
serto, liga os portos de dous oceanos. Da mesma sorte
,~o proceda no Brazil. Sabemos bem que a algumas
provincias falleccm recursos pecuniários ; mas o que
a t idas falta principalmente é a isenção precisa para
contractarem com emprezarios, para organisarem com­
panhias, para cobrarem impostos suficientes, para
abrirem novas fontes de receita. Dependentes do go­
verno central, nada tentam, nem ousam. Não é isto
méra declamação. Ainda recentemente (oitubro de
1869) o presidente do Ceará deixava de sanccionar um
projecto de lei sobre a estrada de ferro da capital a
Pacatuba, entre outros motivos, porque « tratava-se
de uma estrada servida por vapor e devia a concessão
ficar dependente da approvação dos poderes geraes. »
Nas razões com que o mesmo presidente devolvêra o
316 PAUTE TERCEIRA

projecto, transpiram as prevenções creadas pelo aviso


de 1860 ; cumpre dissipal-as, cumpre desvanecer as
confusões co n. que o conselho de ostado anarchisou
esta parte do nosso direito publico, protrahindöa exe­
cução de obras urgentes nas provincias.
E.’ assim que estão quasi todas a esperar, desde a in­
dependencia, que se melhorem seus portos de com-
mercio. O estado primitivo cm que se acham, a au­
sência absoluta das mais simples commodidades para
a navegação,, afastam das provincias o commercio di­
recto, e o concentram no Rio de Janeiro, cuja superio­
ridade aliás creou a natureza mais do que a arte. O
fatal expediente dos adiamentos indefinidos não per­
mitte adivinhar o termo das protelações. Porque não
admittir-se-ia neste serviço uma distineção prática ?
Si os portos e barras não estão abertos ao commercio
exterior, façam nelles as provincias as obras quo qui-
zerem. Si ha alfandegas, então decretem-as de accordo
com o governo geral : não se reserve a iniciativa para
este exclusivamente, pois elle não pôde até hoje, o não
poderá agora effectuai1 com os recursos do orçamento
as urgentíssimas obras dos portos do Brazil. Continha
a constituição dos Estados Confederados do Sul uma
clausula que expressamente permittia a cada um dolles
lançar, com o consentimento do congresso, sobre
navios procedentes do alto-mar, direitos de ancoragem
destinados ao melhora mento dos portos ou rios fre­
quentados por essas embarcações. Sob aquella re­
serva da approvação do parlamento, não descobrimos
inconveniente na iniciativa das provincias; c, si o
INTERESSES PROVINCIAES 317

governo central receia abusos, antecipe-se, ou pro­


mova a incorporação do emprezas que,mediante ta­
xas de navegação, transformem n’alguns annos em
verdadeiros portos de commercio essas barras arris­
cadas e esses surgãdouros sem abrigo, que man-
teem.estacionário o commercio directo das provincias.
Porque razão não admittiremos também os ajustes
de duas ou mais para effectuarem em commurn
serviços que, posto interessem a mais dc uma, não
teem rigorosamente o caracter dc nacionaes? Pro-
hibem-n’o repetidas consultas do conselho de esta­
do. A proposito dc navegação subsidiada por diver­
sas provincias, tem-se declarado excesso de compe­
tência o accordo délias para este fim. Taes convênios,
entretanto, quer para serviços de transporte communs,
quer para arrecadação de impostos e outros assumptos,
todos os dias se sentem necessários, e os governos
locaes os vão celebrando de modo mais ou menos in­
directo. Tanto basta para condemnar a doutrina do
conselho de.estado. Demais, o que induz em erro é a
expressão ajuste do artigo 83 da nossa constituição,
que reproduz incorrectamente uma clausula da dos
Estados-Unidos, onde diz : « No State shall, without
the consent of congress,.... enter into any agreement
or compact with another State, or with a foreign
power» (artigo I, sec. 10, §3); o que Tocqueville
traduziu por forma que remove todas as dúvidas : « Au­
cun état ne pourra, sans le consentement du congrès,
contracter quelque traité ou union avec un autre état
ou avec une puissance étrangère. » Infringiram este
313 PARTE TERCEIRA

preceito os estados do Sul, sublevando-se para forma­


rem a confederação aniquilada junto a Richmond. Li­
gando estados soberanos, a constituição norte-ameri­
cana proourava previnir que a União se dissolvesse cm
idênticas confederações; mas não pensava prohibit os
accordos ordinários dc caracter mcramcnte adminis­
trativo, sem fim algum politico '. « Quando um rio
separa-dous ou mais estados, podem os ditos estados
celebrar um pacto para melhorarem sua navegação »,
dizia-o expressamente a ephemera constituição do Sul
(art. I, sec. 10).
Na da Republica Argentina se incontra um artigo
que não contém a dos Estados-Unidos; é o que diz:
« As províncias podem celebrar convenções parciacs
a bem da administração da justiça, de interesses eco-
nomicos e trabalhos dc utilidade commum, depcndeil-
tes do conhecimento do oongrésso federal. » Outro tex­
to (art. 108) esclarescequaes sejamosassuiüptos sobre
que não é licito celebrar taes convenções. « Não exer­
cem as provincial *0 poder delegado á nação ; não po­
dem fazer tratados parciacs de caracter politico.... » ;
o em seguida enumeram-se os grandes interesses na-
cionaes que excedem á competência local.
Assim, o que sc dove prohibit
* ás nossas províncias
é que firmem accordos politicos, mas não ajustes par-
ciaes sobre interesses economicos e serviços dc utili­
dade commum. Exija-se embora que nestes casos o
façam mediaate assentimento do governo central, mas

1 Paschal, Annotated constitution; n. 164.


INTERESSES PROVINCIAES 319

não se lhes tolha a iniciativa, não se lhes tire o uso


de uma faculdade muito proveitosa para o seu pro­
gresso, esern perigo para a união desde que se rcsalva
aquelle assentimento '. Na propria Europa, oscstadps
(ou asseinbléas) das provincias da Hollanda podem cor­
responde r-so com os estados das outras, e regular de
accordo os negocios que interessam a mais de uma,
com a prévia autorisação do rei. ’
Conceder ás vastas regiões do Brazil, quanto aos
seus peculiares interesses, autonomia igual á dos es­
tados anglo-americanos, é consolidar as instituições
actuaes. Perpetuar a oentralisação aggravada pelos
actos de i860 é irritar as provincias contra a integri­
dade do império. As tradições do nosso governo per-
inittcm, entretanto, suppôr que, para elle, a maior
garantia da integridade repousa na força e na prepon­
derância do pider supremo. E’, certamente, um erro
deplorável; c o attesta um facto que, esclarescendo a
questão, é para nós o mais decisivo argumento: os
contiictos de competência e as illcgaes pretenções do
governo imperial teem retardado a prosperidade das
provincias. Ora, isto equivale a dizer que a força e a
grandeza da patria estão comprimidas. Si os timidos
enxergara nas liberdades locaes alguns riscos adrede
exagerados, não esqueçam que ellas promoveram a

1 No projecto de reforma municipal (1869), o Sr. ministro do império in­


troduziu um principio idêntico, permittindo a dous municípios ou parochias
vizinhos associarem-sc para a construcçào de estradas ou creação de estabele­
cimentos a expenses communs. (Art. 17.)
* Béchard, Administration intérieure de la France; vol. 2-, p. 348.
320 PARTE TERCEIRA

inaudita prosperidade e o poder a que attingiu a Amé­


rica do Norte. « Pretende-se que os legisladores an­
glo-americanos não fizeram o governo central bastante
forte, e q.íie, si o tivessem feito mais forte, não se hou­
vera cflectuado a separação de 1801 : póde ser, res­
ponde o Sr. Laboulaye ; si lá existisse um governo
central como o dos estados europeus, talvez não se ve­
rificasse a rebellião do Sul ; mas não se houvera tam­
bém visto o magnífico desiuvolvimento que ali osten­
tou-se em setenta annos. »

£ III. —Missão do g<; terno geral.

Quando se vê o governo geral disputar ás provin­


cias melhoramentos que reivindica e sujeita á sua com­
petência exclusiva, deve-se crer que elle reputa ligeira
a tarefa propria sua, ou que nada o accusa de indifie-
rença e deleixo no fomento do progresso nacional.
Ora, o nosso atrazo é manifesto em todo ogenero de
obras publicas. Basta indicar as estradas de ferro. Em
dezoito annos mal construimos 435 milhas, e póde-se
dizer que, concluídos cm 1867 os troncos das quatro
maiores linhas, ficámos desde então estacionários. Tão
lierculec esforço, longo repouso requeria ! Mais do que
isso, em metade do mesmo tempo, tendo começado
muito depois de nós, fizeram os argentinos, que não
são anglo-saxonios, mas latinos, como nós outros : e
acaso pararam? pelo contrario, empreheuderam a cou-
strucção de mais 670 milha». Inaugurado o caminho
INTERESSES PROVINCIAES 321

central de Rosario a Cordova, querem nossos vizinhos


estendel-o até á fronteira do Chile, galgar os Andes,
e unir os dous oceanos ao sul, como os anglo-ameri­
canos o fizeram ao norte. Sem poder moderador, sem
senado vitalicio, sem centralisação, atrevèm-se os ar­
gentinos a tamanha em preza ! Pela nossa parte, si na­
da executamos que imite a sua audacia de ligar ao li­
toral províncias remotas, accumulàmos relatórios e
plantas sobre a communicação para Mato-Grosso, a
navegabilidade do Rio das Velhas e do S. Francisco,
o porto de Pernambuco, e outras intermináveis ques­
tões debatidas desde o século passado. Pouco, bem
pouco se estuda aqui seriamente, apezar deseinculcar
o contrario ; e pouco se faz, quasi tudo so,adia. O adia­
mento ! eis o epitaphio do governo imperial. Progresso
constante, concepção rapida, execução activa ; eis o
móte dos governos responsáveis perante o povo. Inér­
cia, protelação, esterilidade, não são no Brazil resul­
tados do seu systema politico, onde o poder é irrespon­
sável, absoluto? .
Entretanto, todos os povos e governos, até os des­
póticos, sentem que estradas de ferro são os nervos das
sociedades modernas. Pondo ao serviço do genio da
guerra trilhos e fios de arame, a Prussia pôde em très
semanas reformar a carta da Europa, e instaurar a uni­
dade dã raça germanica. Para augmentai- a força co­
lossal dos seus estados, despende o cezaidsmo mosco­
vita centenas de milhões em caminhos gigantescos, e
dóbra nos últimos seis annos a extensão das suas es­
tradas de ferro. A França, que por tanto tempo hesi-
A PROV. 41
322 PARTE TERCEIRA

tara, já vê 10,000 milhas quasi completarem a sua rêde


de conimiinicaçõcs internas. Mais diligentes ainda, os
povos livres parecem nisto exceder a medida do vero-
simil. Conta uma pequena ilha, que o mundo contem­
pla como a magna parens da liberdade, 14,223 milhas
de vias fcrreas, construídas por cinco biliões de coutos
de capitaes particulares : e, entretanto, uão está satis­
feita a Grã Bretanha ; insta por caminhos vicinaes e
baratos tram-ways prendam as menores localidades
ás grandes estações. Mais insaciável do que o inglez é
o povo norte-americano. Possuia a União em 1860,
antes da guerra, 28,771 milhas abertas ao trafego ; de
então para cá inaugurou mais 20,039 milhas, isto c,
2,000 por anuo, ou quasi duas léguas por dia. Fez
mais, e isto é inaudito : nesse intervallo estudou, ex­
plorou, decretou e construiu uma das maravilhas do
inundo, o caminho do Pacifico, com 600 léguas conti­
nuas, atravessando, não terrenos cultivados, mas im-
mensas campinas pisadas pelo epélle-wrmelha, li­
gando, não inuunieras-grandes povoações, mas,só duas
illustres cidades, Chicago e Sacramento.
Não insistamos em paralelos pungentes. Si não
fôra razoavel exigir do Brazil igual progresso, é
acaso justificável a nossa proverbial negligencia? A
propria estrada «Pedro II», cuja renda cm 1869 jã
subiu a 4,625 contos, que, portanto, paga o sçu cus-
teamento, os juros do capital e até poderia amorti-
zal-o em um deceunio, porque hade essa magnífica
empreza esperar indefinidamente a construcção do
resto do seu tronco já decretada e o prolongamento
INTERESSES PROVINCIAES 323

até o valle do S. Francisco? Em projectos consumi­


ram-se treze longos annos, de 1842 a 1855; quinze
já decorreram na lenta execução de uma quarta parte
da linha projectada, e mais tempo se perdera si a te­
nacidade de um illustre brazileiro não houvesse lo­
grado transpor a Serra do Mar ; e, adiada desde 1864,
aiuda agora péde o governo a espera de uns dez an-
uos para a conclusîo do mais considerável de nossos •
melhoramentos materiaes. Obra eminentemente civi-
lisadora c política, esse caminho de ferro, que não
contará atinai mais de 550 milhas, terá demandado,
ainda assim, um quarto de século, si não sobrevierem
novas protelações. •
Dos outros o que diremos ? Nem dellßs se falia ;
.todos ahi estão parados: apenas os paulistas tratam
de construir alguns ramaes da sua estrada principal.
Florescentes provincias, Rio Grande do Sul, Paraná,
Alagôas, Ceará c Maranhão, debalde esperam que
uma locomotiva devasso o sou interior; recusa-se-
■llies o que não se negou a outras muito mais ricas, a
garantia dc juros. x
Em 1864 a camara liberal quizera decreto
* a nossa
rêde dc estradas dc ferro. Oppoz-se-lhe o goveruo.
Porque? porque não havia dinheiro : pediam-se trez
a cinco mil coutos para novas garantias ; a guerra
do Paraguay, depois disso, legou-nos 23 mil de des-
peza ordinaria annual, c para ella uunca faltou di­
nheiro.
Quanto ás provincias do Norte principalmente, a
indifferença é mais grave aiuda por um motivo parti-
324 PARTE TERCEIRA

ciliar. Em cada um dos últimos oito annos, a taxa


do seu algodão exportado contribuiu para a renda
geral com mil contos mais do que d’antes :. pois bem!
nem por ser tão directamentc interessado no desin-
volvimento da cultura deste genero, o governo cen­
tral decidiu-se a promover a prosperidade dessa por­
ção do império. Algumas das mesmas províncias,
nem estradas dc ferro pedem : reclamam o melhora­
mento dos seus portos. Podia o governo engajar en­
genheiros de indisputada competência, e em poucos
annos construir á sua custa, emittindo apólices, as
obras de portos c os pharóes, si não as pretendessem
emprezas idôneas sob condições razoaveis. Ora, em
ambos os casos, impostos addicionaes sobre a nave­
gação ou o commercio de taes portos pagariam os ju­
ros dos capitaes empregados.
A nenhuma provincia se deve de refusai* o im­
mediate' melluoramento do porto aberto ao commer­
cio exterior , mórmente áquellas onde existem es­
tradas de ferro. O primeiro é o complemento das
segundas. Por outro lado , nada mais ipjusto tam­
bém do' qce. privar qualquer délias, ainda as me­
nores, de uma e outra cousa.
Fôra preciso, com efleito, considerar cada provincia
um núcleo commercial, com direito a estes dous agen­
tes do progresso : porto de abrigo e estrada de ferro.
Excluídos o Amazonas e o Pará, que os dispensam,
Goyaz e Mato-Grosso, que. também preferem o vapor
nos seus rios silenciosos, se devêra reconhecer previa­
mente o direito de todas a esses melhoramentos essen-
INTERESSES PROVINCIAES 325

ciaes. Que fôra preciso para réalisai' projecto tão sim­


ples, simultaneamente, em meia duzia de annos ? Não
muito dinheiro : as obras dos portos sustentam-se por
si, paga-as o seu commercio; os caminhos dc ferro
não demandariam talvez mais de 10,000 contos de ju­
ros, na hypothèse do renda apenas suficiente para o
custeamento. O que é isto para um paiz que mal começa
a desinvolver as suas fontes de receita, graças aos mo-,
destos melhoramentos timidamente inaugurados no
ultimo decennio? Quando o trabalho co capital forem
aqui auxiliados pelas modernas invenções, essas re­
ceitas excederão de sóbra o nivel a que as elevaram tri­
butos de guerra. Conservar, estes odiosos tributos e não
fomentar a riqueza publica, ou, o que vale o mesmo, si­
mular animal-a com projectos de estradas iniciados sem
energia ou votados sem confiança, é o requinte da ro­
tina e da indifferença.
Mas onde realmente maravilha a negligencia do go­
verno c no inconcebível adiamento da navegação do
alto S. Francisco. Um só vapor, mesmo microscopico
(como alguns que para lá enviaram, um dos quaes
está a caminho ha quatro annos), ainda não sulcou as
400 léguas que esse poderoso rio e seus confluentes
offcreccm á navegação ! Custa crèl-o : a dous milhões
de habitantes» sequestrados do mundo, e a sete provin­
cias aproveita essa facillima navegação. Que admirar,
pois, si o Rio-Grandc de Minas, si o Jequitinhonha, si
o Araguaya, si o Tapajoz *, e tantos outros, continuam
1 O Tapajoz e o Araguaya indicam ao commercio de Mato-Grosso, o pri­
meiro, o ao de Goyaz o segundo, o caminlio do valle do Amazonas. Que li-
326 PARTE TERCEIRA

a ver a magestadc do silencio assentada ás suas mar­


gens primitivas ?
Atrazados em caminhos de ferro e navegação flu­
vial, não é para estranhar que mal conheçamos o uso

nlia. porém, preferirá no futuro a primeira destas províncias? a antiga via


terrestre, quando estiver concluida a estrada de ferro do S. Francisco, a
linha fluvial indirecta do Rio da Prata, a directa do Pará, ou todas conjun-
ctamcnte? Não é facil prevel-o. No estado actual do desinvolvimento do
Mato-Gro»so, dependendo seu commercio do Rio de.Janeiro exclusivamente»
a foz do Prata, que apezar de rio-abaixo é o mais longo caminho, parece,
comtudo, a mais barata das presentes vias dc commtinicação. Não é provável
que a abandone, sinão quando o porto do Buenos-Ayres, que vai sor o em.
porio de todo o valle do Paraná e baixo Paraguay, attrahir também, por suas
vantagens particulares de situação e vizinhança, as relações de Mato-Grosso.
Ao estadista brazileiro só cabe attenuar os inconveniente» deste inevitave]
acontecimento, abrindo ao norte de Mato-Grosso, que é a sua parto povoa,
da, a linha do Arinos e Tapajoz, a qual, seja dito de passagem, ainda se não
mandou reconhecer. ' Imaginar, em vez disso, uma extensissima estrada mi­
litar atravéz dos desertos da provincia do Paraná, é não attender â lei dos
frètes. Esta idéa do estrada de rodagem de centenas de léguas no deserto
julga a nossa administração. Os norte-americanos levaram ássolidõcsdo oeste,
não estradas cnacadamisadas, mas caminhos de ferro: lá os trilhos são assen­
tados no deserto por legiões de immigrantes. Ila dc chegar, c pela nossa
parte bem o desejáramos acelerar, o dia da povoaçãb dos uberrimos campos
do Paraná; mas nesse dia ler-se-ha desvanecido a preoecupação bellicosade
estradas militares, c as grandes vias de rodagem, que encarecem o frete, es­
tarão delinitivamente condemnadas.
• Attingindo a locomotiva ao S. Francisco, navegado a vapor este rio e o
Paracatú, o sul de Goyaz, como o oeste de Minas, continuará a demandar o
porto do Rio de Janeiro. Entretanto, por agora ao menos, o unico porto de
Goyaz éo Pará, por via do Araguaya e Tocantins: e, em todo o caso, ainda
quando inaugurada a estrada de ferro do Rio de Janeiro ao S. Francisco, o
norte de Goyaz e o sul do Maranÿâo só teem um caminho directo para o
oceano, o do Araguaya ao Amazonas. Por outro lado, construído um Irnni-
way para Cuyabá, muito pôde este caminho fluvial aproveitar a Mato-Grosso,
si fòr mais dillicil ou dispendioso abrir a cominunicação de Cuyabá ao Pará
pelo Tapajoz. Como, pois, hesitar? como não favorecer ctjicazmcntc o pro­
jecto do Araguaya? Nada justiftêará a falta de energica cooperação do go­
verno para a prompta rcalisação dos votos das duas províncias occidentaes.

\
INTERESSES PROVINCIAES 327

do telegrapho electrico : e aliás, para a maxima ener­


gia dò poder concentrado, não ha mais util auxiliar,
como o não ha para a defeza do Estado e para a unidade
moral da patria. Apenas uma curta linha percorre o li­
toral do Rio de Janeiro até Campos, outra córta o valle
do Parahyba, e uma terceira, ainda nãodefinitivamento
concluída, deve ligar o Sul á capital do império. Todo
o Norte do Brazil debalde esperou o telegrapho nacio­
nal, e agora fórma votos pelo exito da empreza a quem
afinal, aepois decrueis hesitações« coucedeu-se alinha
costeira. Já muito fizemos, em verdade : depois de la-
boriosissimos estudos, entrámos no periodo dos pro­
jectos; um para a linha transatlantica, duas vezes con­
cedida ao mesmo emprezario, outro para a linha cos­
teira. Lancemos, entretanto, os olhos para a par­
ta telegraphica de um pequeno Estado europeu,
Portugal, que nisto nos dá lições. Tros mil kilometros
de linhas eléctricas possuia o reino em 1868.
* Não ha
cidade alguma, não ha villa importante, que não te­
nha a sua estação telegraphica. Domais, a rêde por-
tugucza está ligada á grande rêde europca, e por ella
aos cabos transatlânticos e indicos. E tem Portugal o
seu território repartido em provincias distantes, em
regiões quasi independentes? Sente Portugal, como
nós, este embaraço das incommensuraveis distancias,
tantos portos sem defeza, tanta dilficuldade nas com-
municaçõcs interiores?
Por dezenas de milhar se contam as linhas dos Es­
tados-Unidos : 73,000 milhas e 5,000 estações. A Grã-
Bretanha vai généralisai1 o telegrapho de sorte, que
328 PARTE TERCEIRA

haja um posto electrico em cada estação oo correio do


Rcino-Unido.O continente europeu e parte do americano
constituem hoje uma vastíssima federação quanto a
correios e télégraphes. Foi preciso mergulhar nos ma­
res, e cercar o globo coin uma invisível cinta de ara­
me. As índias, a Australia, acham-se em communica-
ção instantanea com a Europa. Por via dos Andes, li­
toral do Pacifico, Panamá e llavana, o Rio da Prata
ligar-se-ha em breve ao systema electrico do mundo,
entrando mais cedo que nós na órbita da civilisação.
Será indifferente aos brazileir.os verem que são em tu­
do os derradeiros ?
Agitemos estas questões; são também parte nas
queixas da democracia. Opprimem o voto e ludibriam
da nação, porque, isoladas, as populações não sentem
vibrar em um instante, simultaneamente, como nò
systema nervoso, a fibra offendida, o sentimento con-
culcado em uma parte qualquer do império. Póde-se
impunemente surrar um brazileiro no Piauhy, ou cru-
cifical-o cm Alagoas, porque as enormes distancias
fazem que não sejamos um povo, mas uma aggloine-
ração de colonias do Rio de Janeiro. Acaso por isso
mesmo se trava aqui, no campo dos melhoramentos
materiaes, entre o império e a democracia, o conflicto
que se observa na esphera dos interesses moraes ?
A urgência de imprimir em nossas instituições o
cunho democrático, não deve de preterir a necessi­
dade, igualmente indeclinável, de crear os agentes
auxiliares do progresso.
Quando por toda a parte os antigos costumes, as ve­
INTERESSES PROVINCIAES 329

lhas usanças, as estreitas ideas fogem diante da inva­


são das duas grandes forças contemporâneas, a loco­
motiva e o telegrapho , comò ha de o Brazil esquecer
que um dos maiores erros da administração imperial
tem sido protelar, sinão obstar, á transformação dos
seus meios materiaes de existência? Como ha de
relevar essa política original, que estuda, discute,
protela, e volve a estudar, a discutir, a protelar infin-
dos projectos interrados em incommensuravel papela­
da? Pése o actual regimen a sua responsabilidada pp-
rante a historia, e abandone de uma vez os tristes habi *
tos e os expedientes da inércia.
Fosse embora de reacção política, muito perdoar-se-
ia ao presente reinado, si, abolido o trafico, houvesse
logo emprehendido a obra da emancipação, creado uma
corrente de immigrantes, construído grandes vias' de
transporte, fundado por toda a parte escolas, prepara­
do, em summa, o caminho da liberdade, a exaltação da
democracia.
Houve em França um governo, em cujo periodo as
letras, as sciencias, a filosophia, a eloquência, a
poesia, brilharam com um uovo lustre na terra de
Voltaire e Mirabeau. Osenthusiastas do rei davam-lhe
o invejável cognome de Napoleão da paz. Pois bem !
não este ou aquelle facto politico, mas um grande erro
social, precipitou-o de repente. Esse erro fôra o esque­
cimento dos interesses do povo, a mesquinhez da ins­
trucção, as incríveis hesitações na construcção da
rôde dos caminhos de ferro, o atrazo do commercio, a
debilidade das industrias, falsas noções econômicas
A PROV. 42
330 PARTE TERCEIRA

exageradas por ainda mais falsas noções de governo.


Quando o sôpro indomável da tempestade curvou por
terra o Agamemnon dos réis do Continente, ouviu-se,
sem muita estranheza, um usurpador.repetir com em­
phase: « Tudo está por fazer ! » E quando a França,
como sahindo de um sonho, viu as suas cidades trans­
formadas por encanto ; Pariz, como a Roma de Au­
gusto, passando em alguns dias de casasede tijolo a
palacios de mármore ; portos qüe competem com os
portos de Albion ; os rios contidos dentro dos leitos
como as revoluções entro as bayonetas ; caminhos de
ferro, não já nos arredores das grandes povoações,
mas por toda parte, de mar a mar, linhas contínuas
de Pariz a Moscow, a Brindes, aLisboa; o impossível
vencido no canal de Suez; um commercio universal ;
por todos os oceanos do globo tluetuando gloriosa a
bandeira tricolor : a França deslumbrada teve um mo­
mento a fraqueza de esquecer o crime do usurpador.
Reaes serviços ao progresso valeram a Napoleão 111
uma trégua, um reconhecimento talvez, de que jamais
gozara o governo parlamentar que o precedera.
Que, pois, espera da historia um systema de go­
verno que, sem haver-nos assegurado a liberdade, nos
tem privado do progresso ?
INTERESSES PROVINCIAES 331

CAPITULO VI •

RECEITA E DESPEZA

Prenuncio dc imminente ruina, o desarranjo das


finanças o sempre symptoma de grave enfermidade
nos Estados. Quão difficil superar as grandes crises
financeiras ! Quantos governos naufragaram nessa
tentativa arriscada ! Não refere a historia mais raro
espectáculo do que offerecem á admiração do mundo
os Estados-Unidos lutando e vencendo uma divida
prodigiosa. Nãn acumulada pola successão de máus
goVernos, como a dc tantos povos çlo continente eu­
ropeu, não para dilatar por alguns dias mais o inevi­
tável interramento do despotismo, como na Austria e
na Hespanha, não para libertar a outros da tyrania
dos Rozas e dos Lopez, mas para esmagar a propria
tyrania domestica emancipando uma raça inteira,
equilibrando a liberdade e a igualdade,—essa divida
enorme corrompeu a atmosphcra social da Republica,
inspirando as mais sinistras prophecias. Mas eis o
que valem a industria e a energia de um povo: em 30
annos serão resgatados os cinco biliões de contos con-
trahidos no quatriennio da guerra, e entretanto se
hão de reduzir os tributos recentes. Exercito, mari­
nha, serviços ordinários, todos volvem aos algarismos
dc despeza anteriores á rebcllião.
332 PARTE TERCEIRA

Inspire-se o Brazil na grandeza deste exemplo ; não


lhe é dado marchar com passo igual, mas também
não deve contemplar tranquillo a sua situação finan­
ceira. Problema ingente propõe-lhe a sphynge do
futuro : — o orçamento do Estado buscando debalde o
perdido equilíbrio ; a importação retrocedendo diante
dos rigores de tarifa verdadeiramente prohibitiva; a
agricultura reclamando novas estradas que compen­
sem os seus novos cargos ; a escola e o caminho de
ferro, attestados da civilisação em marcha, desespe­
rando de adiamentos repetidos depois dc aguardarem
em vão mais venturosos dias ! ... E não c tudo, pois
cumpre não esquecer a crise, transitória sim, mas
severa sem dúvida, da transformação do trabalho.
Considere o Brazil que d’ora avante agravaram-se
para elle todos os problemas politicos c sociaes. Seja
o objectivo dos espíritos reflectidos não sómeuto a
reforma' das instituições, mas também a questão fi­
nanceira.
Si o mais segufo meio de attingir á reducção do
imposto é o de reduzir simultaneamente a despeza,
haja um governo patriótico que se levanto sobre as
ruinas dos ministérios áulicos, e combata as grandes
causas permanentes dos nossos embaraços financeiros,
—o fhnccionalismo exagerado pela centralisação,
o luxo administrativo, Os subsídios estrangeiros, a
onerosa politicade intervenção e protecção.
Não se póde insistir bastante na rapidez com que
eleva-se a despeza geral do Estado, c na correspon­
dente agravação da sorte dos contribuintes, a queia
INTERESSES PROVINCIAES 333

se pediram em 2 annos 40 °[0 mais dos onus antigos.


Esta difficil situação tem ainda outro lado desa­
gradável: ella embaraça consideravelmente a satisfa­
ção de uma necessidade ha muito reconhecida, a de
recursos mais abundantes com que possam as provín­
cias provêr ás exigências do seu progresso. E’ inevi­
tável que as províncias reproduzam as suas antigas,
nunca attendidas reclamações. Si o adiamento pare­
ceu outr’ora habil expediente para a rotina gover­
namental, hoje seria rematada imprudência applical-o
a interesses que tem a coragem de affirmar-sc.
Nestas circunstancias, é forçoso encarar o problema e
resolvel-o.
Não exigissem embora os princípios economicos
severa reducção na despeza geral, bastava para acon-
selhal-a a urgência de ceder ás administrações locaes
alguns fragmentos da materia contribuinte. E’ assim
que a provincia c o municipio, cuja pobrezaaugm?nta
na proporção das novas exigências do Estado, são
vivamente interessados na economia e no alivio dos
impostos.
Appendice ás considerações já feitas sobre a admi­
nistração local, não parecerá desnecessário um estudo
das ouestões concernentes á sua receita, com o exa­
me das doutrinas que se deve corrigir e das provi­
dencias que cumpre adoptar.
334 TARTE TERCEIRA

§ I. — Insufficiency das rendas provinciaes. 0 self­


government, correctivo dos pesados tributos.

Em 1869 arrecadavam as provincias uma receita dc


18,100 contos, e os municípios, cm 1865, a de
2,668, montando toda a renda local a cèrca dc 21,000
contos. Mesmo com administrações exemplares, não
poder-sc-ia esperar grandes resultados dc recursos
manifestamente insufficientcs para os serviços que
mais importam á commodidade dos povos.
Aquëlla somma inteira fôra apenas bastante, já o
vimos (Cap. I), para se dar á instrucção publica o
impulso deque carece. Estreito para as vastas exi­
gências deste interesse fundamental, primeiro cui-
dad.f dos-povos modernos, póde acaso o orçamento
local satisfazer ao outro agente da civilisáção, o
caminho de ferro ?
Facto digno de attenção é que os mais prosperos,
mais moralisados e mais livres dos povos são aquollcs
justamente que pagam maiores impostos ás suas
administrações locaes. Calculava-se o orçamento das
parochias e condados da Grã-Bretanha na somma de
300,000 contos’. Os dos 37 estados da União Ame­
ricana, reunidos, montam a um algarismo igual. Um

1 Trinta milhões esterlinos, segundo o ministro Goschen asseverava á


camara dos communs (sessão de 21 dc fev. dc X»70 ).
INTERESSES PROVINCIAES 335

só desses estados, New-Yórk, gastara 40,000 contos


em 1862, sendo a sua divida cerca de 60,000. Na
Suissa, no Canadá, na Australia, as despezas das
localidades são, da mesma sórte, tão grandes como
as da administrarão geral.
Dir-se-ha que a elevação dos orçamentos não signi­
fica geralmente grande prosperidade? Assim é toda a
vez que o produeto do imposto se não converte em
novos agentes de riqueza, mas cm exercitos e arma­
mentos, ou em construcções do luxo. Que mais efficaz
agente de producção, porém, do que a escola, o cami­
nho de ferro, o canal,—orgulho da União Americana?
Demais, nos paizes largamente tributados o sys­
tema livre de governo, com a responsabilidade do
funccionario electivo perante o povo contribuinte,
offerece a mais solida garantia de zelo administrativo.
Si o imposto se vota livromente para serviços do in­
teresse iinmediato da localidade, e de que ejla é juiz
*
soberano sem depeiidencia da tutela governamental;
si para o abuso da autoridade executiva ha a repres­
são dos tribunaes, além da revogação do mandato
nas eleições periódicas ; é então mui provável que a
elevação dos orçamentos corresponda a necessidades
geralmente reconhecidas, e produza vantagens apre­
ciadas, pelo povo de cada localidade.
E’ por isso unicamente, pela realidade do self-go­
vernment, pela sua administração descentralisada ou
federal, que os Estados-Unidos, a Inglaterra e as
Colonias britânicas não duvidam tributar-se em som­
mas enormes. Mas fôra razoavel esperar o mesmo de
336 PARTE TERCEIRA

um povo, como o do Brazil, onde a centralisação che­


gou ao requinte de annullar o modesto poder legis­
lativo deixado ás províncias, onde os delegados do
governo até suspendem impunemente leis promulga­
das ou refusam-se á promulgação de orçamentos devi­
damente votados ?
Não se ha de acelerar o progresso das províncias e
municípios, não hão de as localidades emprehender
grandes melhoramentos, sem que, antes de tudo, a
centralisação dominante ceda o lugar que usurpou ao
fecundo principio da reforma constitucional de 1834.
Então, exercendo amplamente o governo dos seus in­
teresses, as províncias aceitariam sem repugnância os
onus iuherentes. Mas, prival-as de administração inde­
pendente e pretender sujeital-as a maiores e crescentes
impostos, álias sem applicação ás suas necessidades
immediatas, é política que mais e mais tornar-se-ha
impopul’ar no Brazil.
Não é nova a questão do augmente da receita pro­
vincial.
Desprezando sabiamente a utopia de um orça­
mento geral formado de quotas prestadas por.cada
provincia, sem haver imposições geraes,— medida
lembrada em 1834 a exemplo da confederação ameri­
cana antes da sua definitiva organisação, — o nosso
parlamento não pòde todavia assentar logo em bases
seguras a divisão da receita. Na ausência dos indis­
pensáveis esclaresciraentos, sem os mesmos raros ele­
mentos estatísticos que possuímos, não era ligeira a
tarefa dos redactores da lei de 31 de oitubro de 1835 :
INTERESSES PROVINCIAES 337

pelo que se deve relevar que essa medida, aliás pro­


visória, não fornecesse aos poderes locaes os recursos
precisos para as despezas que passavam a seu cargo.
Com effeito, votaram-se logo apóz, em 1837, sup-
primentos da receita geral a varias provincias na
somma de 550 contos, como auxilio aos dois serviços,
então descentralisados, justiças de primeira instan­
cia e culto parochial. E, posto cessassem os suppri-
mentos em 1850, ainda figura nos orçamentos a verba
« auxilio a obras provinciaes. »
Não são, porém, soccorros da receita geral, que as
provincias requerem agora. A questão assenta em
outro terreno :
Não é acaso tempo de reconsiderar a divisão das
rendas feita em 1835? •
Por outro lado, não haverá novas fontes de receita
unicamente provinciaes ?
Finalmente, a política centralisadora restaurada
em 1840 respeitaria mais o direito das assembléas
neste assumpto do que cm tantos outros ?
Examinemos cada uma das questões propostas,
dando precedencia á ultima, onde vamos de novo in-
contrar os vestígios da reacção conservadora. *

1 No novo projecto de interpretação, que deroga algumas disposições


mais do acto addicional, apresentado a 15 de julho de 1870 pelo Sr. mi­
nistro do império, revivem, ao lado de concessões insignificantes ou no-
minaes, as tendências restrictivas do partido conservador. Quando as pro
vincias reclamam recursos, o governo geral, que todos absorvéra, vem
francamente disputar-lhes algumas migalhas I Involve o projecto (art. 11) a
condem nação das taxas itinerárias e outras equivalentes, de que abaixo
tratamos (§ III), e prohibe (art. 3o) as contribuições addicionaes sobre ma­
A PROV. 43
PARTE TERCEIRA

§ II. — Restricções ao poder provincial em materia de


impostos : taxas locaes addiciotwdas a imposições
geraes.

Nos paizes de governo descentralisado lia porven­


tura uma regra absoluta, um critério seguro, para
definir em todos os casos o caracter nacional ou local
dc certos impostos?
Alguns, o de importação, por exemplo, teem evi­
dentemente o cunho dos interesses communs do paiz
inteiro ; outros, como as taxas de pedágio, não
deixam dúvida sobre os interesses circunscriptos
que representam. Entre esses extremos fluetuam
indistinctes vários tributos, creações multiformes

lería já tributada por lei geral, de que lambem nos occuparemos II).
Não lhe escapa nem o debatido ponto do juizo fiscal para impostos
provinciaes Jart. l.°), assumpto em que só reconhece ás assembléas
o direito de prefeiirçm um dos dous juizos, o commuai ou o da fazenda
nacional, limitada competência que aliás lhes fôra contestada outr'ora.
Assim, e conforme se exprime o autor dós Erludo * priafteor no § 290,
não podem ellas crear juizes novos, proprios seus, para a arrecadação
judicial dos impostos, nem decretar uma ordem nova de processo
para essa arrecadação. Entretanto, é esse mesmo autor que diz : «Não obsta
o acto addicional, antes lhe é isso conformo, a que, todas as vezes que ha
alguma cousa de local, de peculiar no imposto provincial e necessidade de
providencia especial, ainda mesmo para a arrecadação judicial, possam as
assembléas provinciaes dar em suas leis essas providencias, para as quaes,
por serem especiaes e locaes, seria a assembléa geral imprópria e incompe­
tente.» Ora, esta é justameute u razão que pela nossa parte invocamos para
reconhecer nas assembléas a mais lata competência a tal respeito, podendo
até crear juiz privativo e processo cspccialissiino, como cada uma melhor
intender. Demais, segundo já advertimos (Parte 11, cap. VII, § 1.°), ao poder
legislativo provincial pertence organisai- todas as justiças locaes ou de pri­
meira instancia.
INTERESSES PROVINCIAES 339

do espirito do antigo regimen fecundo em compli­


cações financeiras, que a democracia tende a es­
magar na mó do imposto-modelo, lançado nos va­
lores representativos da riqueza, o imposto único.
Classificar em nacionaes e locaes os differentes
tributos foi tarefa difficil até mesmo nos Esta­
dos-Unidos. As bases da boa divisão da renda
entraram no quadro de estudos dos collabora-
dores da constituição federal. Hamilton deixou
no Federalista traços luminosos sobre os principies
que devem de limitar nesta materia a autoridade
dos governos federal c local.
Conforme já notámos tratando de conflictos entre
os dois poderes sobre melhoramentos internos ', a
questão, no assumpto que nos occupa, foi igualmen­
te proposta em sentido inverso do principio defendido
pelo nosso conselho de estado. Ali. não era o gover­
no federal que propunha-se repcllir invasões dos es­
tados ; eram estes que contestavam a competência do
congresso para votar imposições chamadas interiores,
e principalmente para lançar taxa addicional sobre
artigos já gravados por elles.
Os commcntadores da constituição no Federalista
não curavam dc resguardar os interesses dos estados,
porque a estes ninguém ameaçava ; pelo contrario,
era sua missão combater as exagerações da escola
democrática que embaraçavam a formação do gover­
no central. Mas com que medida e cautela se exprime
340 FARTE TERCEIRA

Hamilton ! Em primeiro lugar, reconhece que o im­


posto verdadeirarnente nacional, excluído por si
mesmo da autoridade dos estados, é o de importação ;
porquanto recahe sobre o commercio externo, as-
sumpto superior á competência dos governos particu­
lares. Na sua opinião, porém, não se depara uma dis­
tineção profunda que permitta da mesma sórte classi­
ficar os demais impostos, os quaes podem constituir in-
differenteraente verbas da receita provincial ou da
nacional. Assim, si um dos dois poderes tributa al­
gum dos artigos da renda interior, nem por isso o
outro fica impedido de ajuntar-lhe uma taxa addi-
cional. Eis as proprias palavras do publicista : « E’
verdade que um estado póde lançar sobre certo
objecto tributo tal e tão grande, que o congresso
ache inconveniente gravar o mesmo objecto com outro
novo imposto: mas certamcnte ninguém lhe póde
oppôr obstáculo constitucional a que o faça. »
Que dessa simultaneidade possam resultar inconve­
nientes, não o dissimula ; mas pensa que o juizo
prudencial dos governos removerá o embaraço. « A
grandeza do tributo, diz elle, as vantagens e incon­
venientes de augmcntal-o por parte de um ou outro
dos dous poderes, póde ser para cada um delles uma
questão de prudência ; mas com toda a certeza não
ha incompatibilidade real...... Abstenha-se um dos
poderes de lançar novo tributo sobre aquelle objecto
que já tiver sido tributado pela outra autoridade.
Como ambos são perfeitamente independentes um do
outro, cada um terá evidente interesse nesta condes-
INTERESSES PROVINCIAES 341

ccndencia reciproca ; e por toda a parte onde ha in­


teresse commum, póde contar-sc com a sua effica-
cia. » 1
Proclamando, não a subordinação dos movemos
particulares ao governo federal em matéria de tri­
butos, mas, por assim dizer, a jurisdicção cumulativa,
Hamilton procurou assignalar um imposto interior
peculiar dos estados. Esse imposto c justamente o ter­
ritorial , que lhe parecia reunir as condições do
recurso mais apropriado ás necessidades da adminis­
tração local ’. Hoje não a terra sómente, mas toda a
propriedade movei ou immovel paga a taxa directa
de tantos por mil (dois, trez ou mais milésimos do
valor estimado), donde os estados eos municípios all­
erem a sua maior renda, e alguns a sua renda inteira.
Entie os annos de 1838 e 1801, a receita do go­
verno federal quasi assentava em dois capítulos úni­
cos: importação e venda dc terras publicas. Os im­
postos directos e outras rendas internas votados pelo
congresso logo depois da independencia, gradual­
mente diminuídos, tinham afinal cessado. Sobr -veio
a guerra civil, e o congresso não se achou impedido
de renovar e elevar a algarismos fabulosos os impos­
tos que desappareceram, c que aliás pertenciam
então c continuara a pertencer á rendados estados.
No Braz.il não ó isso o que o governo geral
pretende; não o satisfaz a jurisdicção cumulativa;
quer alguma coisa mais.

1 O Federalista ; cap. XXXII.


’ Idem;cap. XXXVI.
342 PARTE TERCEIRA

Clamando constantcmentc contra imposições pro­


vinciaes, intenderá o governo, visto não serem gra­
tuitos os serviços locaes, que elles se devam manter
com os supprimentos doados pela sua liberalidade?
Mas, como os deficits das perturbadas finanças do Esta­
do obrigam a adiar tão paternacs desejos, nãohaveria
meio mais eíficaz de annullar as provincias consoli­
dando a centralisação, do que deixal-as assim morrer
á mingua.
Em verdade, sob a pressão de incessantes apuros,
tem o thesouro geral mouopolisado toda a sorte de
imposições, taxas directas ou indirectas, rendas in­
ternas e até municipaes. Nestas circunstancias, não
seria para as provincias solução, ao menos provisoria,
a de escolherem dentre os objectes tributados alguns
que ainda posssam soffrer uma taxa supplementär?
Oppõe-se-lhcs, porém, mais este principio rcstrictivo :
« A materia já contribuinte para a renda geral não
póde sel-o também para a provincial. » Comquanto
confirmada varias vezes, o o thesouro' supponha in­
contestável essa doutrina iniciada em 1842, é ella,
todavia, tão arbitraria, que o proprio Sr. Uruguay
não ousa adoptal-a francamente, appellando para
uma declaração authentica.1
Entretanto, as expressões do acto addicional não
deixam dúvida sobre o pensamento do legislador, o
qual condemnou sómente os tributos que possam
prejudicar as imposições geraes do Estado. O mesmo
1 Relatorio do ministério da fazenda; 1861.
s Estudos práticos', § 245.
INTERESSES PROVINCIAES 343

publicista conservador indica o sentido desta dispo­


sição contitucional, quando distingue « a offensa
clara e directa — da offensa simples c indirecta por
deducções e considerações econômicas sujeitas a apre­
ciações diversas » (§ 566).
Na incerteza gerada por similhantes decisões do
poder executivo, os presidentes, até por taes funda­
mentos, suppoein-se no direito de não sanccionar os
projectos de orçamento, e, si votados por dois terços
da assembléa, os suspendem, como recentemente na
Bahia. Por isso insistimos em attribuir as difficulda-
des que incoutra a execução do acto addicional ás
doutrinas introduzidas pelo espirito reaccionario do
governo e dos seus delegados. Facil nos fôrà citar
exemplos si quizessemos percorrer as decisões com que
os ministros sõcm referendar as deliberações do éon-
selho dc estado. '
Os principies que tendem a prevalecer entre nós,
depois dos conílictos provocados pelo thesouro, ex­
cluem a equidade e prudente medida que devem in­
spirar as relações entre os dois governos. Póde-se acaso
soffrer a pretenção com que o poder geral no
Brazil arroga-se direito de preferencia ou hypotheca
tacita sobre toda a matéria contribuinte ?

1 Votou a assembled da Bahia a taxa de 5000000 sobro casas de nego­


cio a retalho, nacionaes ou estrangeiras, em que houvesse mais de um cai­
xeiro não brasileiro Segundo o thesouro (relatório da fazenda de 1859 ),
prejudica essa taxa aos impostos geraes, porque affecta ao de industrias e
profissões : inconveniente evidentemonte imaginário. Só seria irregular a me­
dida deste genero que estabelecesse distineção entre casas dc negocio nacio
naes o estrangeiras, isentando aquellas e tributando a estas: porquanto
344 PARTE TERCEIRA

§ III —Impostos de importação. Não se confundem com


taxas de consumo local e taxas itinerárias.

Si o espirito conciliador alongou-se da contenda


travada sobre as rendas internas, não deve parecer
estranho que no imposto de importação, ponto onde
todos reconhecem a exclusiva competência do poder
geral, este fizesse do seu direito uma applicação desa-
certada.
As taxas de entrada nas alfandegas constituem cer­
tamente renda peculiar do governo nacional, unico
autori ado para legislar sobre o commercio ; mas o
caracter exclusivo deste direito é razão suficiente
par” intendcl-o em sentido literal, sem ampliações
exageradas e confusões intencionaes. Entretanto, em
muitas das decisões referidas, aliás sem a devida cri-
trica, pelo visconde de Uruguay (§§ 208 e seguintes),
se notara claramente estes dois vicios geraes : —apre-

neste caso offenderia a igualdade do tratamento garantida pelas convenções.


Outras decisões houve, igualmente illegaes, sobre taxas provinciaes lançadas
em materia considerada exclusivamente contribuinte da renda geral. Exigiu a
assembléa do Rio GrandedoSulem 1850certa contribuiçãodos que fabricassem
herva-mate nos hervaes públicos : oppoz-sc-lhe o conselho do estado por estes
serem propriedade nacional, embora bem ponderasse Alves Branco que isso
não devia impedir a assembléa de tributar os exploradores dos hervaes.
Outras vezes, llnalmente, o pretexto para a reslricção é uma pretendida
inconstitucionalidade, fulminada da maneira mais vaga. Lançou a assem­
bléa de S. Paulo em 1854 uma especie de capitação annual de 200 réis por
habitante livre, e de 100 por escravo. Oílèndc á constituição, dice o gover­
no, porque ella manda que os tributos sejam proporcionaes aos haveres do
cidadão ! Imperceptível e subtil fundamento, com o qual aliás se poderia
pôr cm litígio qualquer imposto, nacional, provincial ou municipal.
INTERESSES PROVINCIAES 345

ciação incorrccta da natureza do imposto Creado pelas


assembléas ; exageração systematica dos inconveni­
entes das leis que o votaram. Para não parecer es­
tranho este juizo, sentimos a necessidade de apoial-o
em exemplos.
Varias decisões condemnaram como impostos de im­
portação :
A taxa municipal de 80 réis sobre carga de generös
que entrassem e'm um municipio para nelle serem
consumidos (caso do Rio Grande do Norte: aviso de 13
de julho de 1860);
A de 18000 sobre barril de polvora despachado para
vender-se (Bahia: aviso de 30 de novembro de 1849) ;
As contribuições das taveruas de espíritos fortes ou
vinhos (Bahia: consulta de 18 de março de 1859).
Não ha ahi manifesta confusão em considerar-se
imposto de importação o que é taxa sobre o consumo
local de certos generös? Em toda a parte do mundo as
corporações municipaes cobraram e cobram tributos
similhantes. Comprcnhende-se que, creaudo contri­
buições dessa natureza, hajam ellas de consultar os
interesses do consumidor, e evitem as taxas prohibi-
tivas, que são contrarias aos tratados. Ser-nos-ha
preciso demonstrar que as contribuições lançadas por
aquellas provincias não teem os inconvenientes indi­
cados, e que aliás só o ultimo delles justificaria a in­
tervenção do poder geral ?
Outras decisões,apparentemente legaes, não resistem
a uma detida consideração do objecto. De accordo com
uma consulta de 1858, não duvidou o governo con­
A pRov. 44
346 PARTE TERCEIRA

demnav, como imposto de importação, a taxa do 2008


quo sabiameiite lançara a assembléa do Rio Grande do
Sul em cada escravo introduzido na provincia. Foi
assim, cm vez de favorecido, fulminado o acto intelli­
gente da única provincia que déra tão bello exemplo :
eis a quanto obriga a lógica não temperada por mais
larga doutrina ! Demais, facil fôra reconhecer o absur­
do de se estender ao facto em questão a regra especial
da importação de mercadorias. A duvida que poderia
suscitar-se, era—si não é licito ás provincias, a bom da
immigração, que também lhes cabe promovei, adoptar
uma das mais etficazes medidas, a repulsado trabalho
escravo. A legalidade do fim, que justifica neste caso o
meio a Imittido no Rio Grande, é o que autorisa igual­
mente as leis provinciaesrecentes sobre a emancipação.
N o é com a lógica somente que se governam os Es­
tados. Hão de outras considerações prevalecer, que sua-
visem os rigores das doutrinas exclusivas. Mais funesta
porém, do que a lógica doutrinaria, é a hyperbole aju­
dada pela confusão.
Um exemplo disto é a memorável controvérsia sobre
taxas itinerárias, erroneamente equiparadas a direitos
de importação. Mandava uma lei do orçamento de Mi­
nas Geraes cobrar 45 por cada animal, que entrasse
com generös de commercio, emais em proporção sendo
o transporte em carro ou barco. Posto que revogada
pela assembléa geral em 1845, a mesma disposição con­
tinuou nos orçamentos posteriores da referida provin­
cia, s b incessantes reclamações do conselho de estado.
Em 1853, porém, Alves Branco tentou dissipar a confu­
INTERESSES PROVINCIAES 347

são em que assentara o precipitado juizo do parlamento.


Direitos de importação,segundo elle, eram propriamen­
te rendas que se deduziam do valor das mercadorias pro­
cedentes de paizes estrangeiros, na sua primeira in-
troducção no império. « A provisão de 7 de abril dc
1818, acrescentava, deu particularmcnte o nome dc di­
reitos de importação áquelles que pagavam as merca­
dorias que vinham do estrangeiro, e só a estes direitos
se refere o acto addicional. As taxas que impozeram
Minas, S. Paulo, etc., em bestas que ahi entram, são
verdadeiras taxas itinerárias que antigamente já exis­
tiam, e seria muito fóra dc razão que os comraerciantcs
que negociam em animaes pelas provincias, usassem e
estragassem as estradas sem nada pagar para o seu
concerto ; o que se pretende impedir de provincia a
provincia está-se pagando de uma rua paraoutra, aqui
mesmo dentro da capital. » Não obstante as decisi­
vas allegações desse estadista, não ficou esgotada a
questão.
Apezar da constante opposição do thesouro, do con­
selho de ostado e dos avisos, o mesmo imposto hade pre­
valecer nos orçamentos das provincias interiores, sob
essa ou outra fórma qualquer. 0 proprio visconde de
Uruguay inclina-se a reconhecer a justiça dc con-
sentil-o a taes provincias, para como produeto delle
construírem e beneficiarem estradas, ou melhorarem a
navegação de rios. Recorrendo, entretanto, a uma
subtileza, admitte taxas itinerárias sobre produetos de
outras provincias ou dc outros municípios da mesma,
mas repelle-as lançadas sobre mercadorias estran-
348 PARTE TERCEIRA

geiras remettidas da província onde entraram primei­


ramente para outra central ou interior (§224). Acaso,
porém, padece dúvida que o que está prohibido ás as­
sembléas é o imposto de importação, que literalmente
significa direito de entrada no império?
Nossa intenção não é repellir limites razoaveis á
faculdade das assembléas, mas combater as invasões
do governo central. Todos os poderes são limitados;
no assumpto que nos occupa, é mister, como nos de­
mais, fazer um emprego prudente dos limites naturaes
traçados ao poder provincial.
Não votera as assembléas taxas proliibitivas, ou que
directainente restrinjam o consumo, e, portanto, a im­
portação de mercadorias nas alfandegas.
Não prejudiquem a outras provincias cobrando taxas
excessivas de mercadorias em transito por seu ter­
ritório.
Não otfc.idam a igualdade de tratamento estipulada
em convenções internacionaes.
Não estorvem a livre circulação dos produetos, não
esqueçam a solidariedade dos interesses municipaes e
provinciaes; guardem, em summa, o principio eco-
nomico da liberdade de permutas : e então suas taboas
de imposições não offerecerão sólido fundamento a
queixas do governo central.
Si alguns actos menos regulares se incontram nas
legislações provinciaes, não nos parecem elles de
summa gravidade, nem merecem o ardor com que são
condemnados. O estudo do assumpto não convenceu-
nos de queSliaja suliiciente motivo para exagerações
INTERESSES PROVINCIAES 349

que apavoram. Frequentemente se depara na aliás mui


valiosa obra do Sr. Uruguay uma exclamação contra a
incerteza e a anarchia em que laboramos na ausência
de decisões da assembléa geral, a quem debalde tem
sido affectos os pontos duvidosos. Quanto a nós, as
medidas que ae pediram ao parlamento, não fazcin
falta. Pediram-se na intenção de restricções infun­
dadas; pediram-se muita vez para interpretar disposi­
ções claríssimas ; pediram-se para que o legislador re­
novasse golpes de estado parciaes depois do valente
golpe de estado de 1840. Si laboramos em confusão,
gerou-a o conselho de estado : não fosse o proposito
reaccionarjo, e o acto addicional ir-se-ia interpretando
curialmento, sem tornar-se amarga decepção um sys­
tema inaugurade sob os mais lisongeiros auspícios.

$ IV.—Imposto provincial de exportação ; seu funda­


mento. Inconvenientes da taxa geral sobre produetos
exportados.

As republicas federaes da America attestam o seu


progresso economico preferindo, como os povos euro­
peus, rendas interiores e impostos directos a taxas so­
bre a exportação dos produetos.
Nos Estados-Unidos nem o congresso, nem os es­
tados podem tributar a exportação. « Nenhuma taxa,
nenhum direito, diz a constituição (art. I, sec. 9’,
§5°), se poderá lançar nos artigos exportados de qual-
350 PARTE TERCEIRA

quer dos estados. » 1 Segundo a constituição argentina


(arts. 4o, e 67 £ 1°), o imposto de exportação, emquanto
subsistisse, não poderia ser provincial; cobral-o-ia o
congresso como renda supplementär, mas só até 1866,
devendo cessar dalii em diante. Da mesma sórte, nos
Estados-Unidos de Colombia, nem ao governo de cada
um dolles, nem ao federal é licito gravar as mercado­
rias destinadas á exportação ( art. 6", § 4" da sua con­
stituição ).
A adopção deste principio era singular men to favo­
recida nos Estados-Unidos pelo systema de impostos,
a que já alludimos. Desistindo dessa renda, o governo
federal e os locaes, para formarem as suas receitas,
recorriam ousadamente ás imposições directas. Era
razi avel que não tributasse a sua producção o povo
que desde o começo se liabituára a pagar uma taxa
geral sobre a propriedade. Eis ahi o que cumpre não
perder de vista na porfiada disputa de que ha sido ob­
jecto entre nós o imposto de exportação. Nossas pro­
vincias achavam-se porventura nas condições dos
Estados-Unidos, para de subito converterem ein um
largo systema financeiro esses variados fragmentos
de receita, os dizimos, alcavalas, sizas e fintas, trasla­
dados para seus orçamentos?

1 Comquanto a constituição permitia aos estados, mediante consen­


timento do congresso, cobrar taxas de exportação e de ancoragem (art. I.
sec. 10 2o e 3°', e ultimamente o congresso mandasse perceber direitos
do algodão do Sul, a regra geral é não auferir renda dos produetos na-
cionaos despachados, seja para p-exlerior, .seja de um para outro estado da
União. De facto, não ha ali similhante imposto, o parece que nem se chegou
a executar a medida excepcional sobre o algodão.
INTERESSES PROVINCIAES 351

No acto addicional, redigido aliás sob a influencia


das instituições norte-americanas, deixou-se mui su­
bi ameute de transcrever a proliibição que é expressa
na lei dos Estados-Unidos. E, bem advette o Sr.
Uruguay (§ 227), ominittiu-se a palavra—expor­
tação, «talvez porque na divisão da renda tinha doser
dada ás provincias uma quóta sobre a exportação dos
generös de sua producção, e antolhava-se extrema­
mente diflicil dotal-as por ’»nt.ro modo, sem uma com­
pleta revolução no nosso systéma de impostos. »
Custa, entretanto, conceber que ainda se repute
duvidosa a competência das assembléas para cobrarem
essa taxa, e que o proprio autor citado julgue preciso
o parlamento resolver si podem ellas impôr, não só­
mente sobre a exportação para fóra do império, mas
de umas para outras provincias, ou de um muni­
cipio para outro da mesma (§241). Quanto a nós,
onde o acto addicional não distingue, não podemos
nós introduzir distineções arbitrarias ; o que elle não
prohibe, não se poderia com justiça prohibit ás pro-
vincias.
Não contestamos que vexadores impostos de ex­
portação retardem a prosperidade das industrias,
inconveniente de notoria gravidade ; mas o direito
das provincias a essa renda é tão claro, como é certo
que para a mór-parte délias não ha actualmente outra
mais abundante. Demais, c não se deve esquecel-o,
no imposto de que se trata nada ha de novo sinão a
fórma indirecta da percepção. Elle substituiu, em todo
ou parte, o antigo dizimo dos produetos da lavoura e
da criação.
352 PARTE TERCEIRA

A incidência desse imposto oppõe-lhe como limites


a capacidade da industria nacional, o respeito da so­
lidariedade dos interesses do productor e do consumi­
dor, a maxima liberdade das permutas. Mas, cm vez
de combater algumas das taxas provinciaes de expor­
tação pela sua inconveniência economica, atacou-as o
conselho de estado pelo lado da legalidade. Invaria­
velmente, sobretudo cm 1853 e 1854, renovou elle
neste ponto a porfiada contenda que traz com as pro­
vincias sobre quasi todos os impostos. Em 1863,
porém, dizia uma consulta: «Tal é já a convicção dos
presidentes relativamente á legalidade dos impostos de
exportação, que nem duvidam já da competência das
assem, lêas provinciaes para os crearem. » E concluia
com esta hyperbole : « Este modo de raciocinar e pro­
ceder em breve acabará com o vinculo politico que
constitue a integridade do império. »
O direito das provincias é, com effcito, tão patente
que o não contrariam os proprios delegados do governo
central. Cessem, pois, as dúvidas sobre a competência
das assembléas. Todas sem excepção tributam a ex­
portação, por meio de taxas proporcionaes ou fixas,
sobre todos ou os mais importantes dos produetos. E’
um 1'acto consumado. .
Verba importante do orçamento de todas ellas, em
algumas a taxa de exportação fornece dois terços da
receita. Deve, porém, continuar a simultânea impo­
sição dc um tributo geral e outro provincial sobre os
produetos nacionaes? Eis alii uma questão que, em
nosso intender, ha de sol ver-se dc modo opposto á dou­
trina do conselho de estado.
INTERESSES PROVINCIAES 353

E’ forçoso reconhecer que alguns produetos acham-


se sobrecarregados : a gomma elastica do Pará paga
direitos municipaes, provinciaes e geraes, que prefa-
zem 25 °/o do seu valor ; pagam igualmente os couros
e xarque do Rio Grande do Sul 12 %, que dificil­
mente lhes permitte affrontai1 a concurrencia de pro­
duetos similares dos Estados do Prata.
E’ o governo central, porém, que, em vez disputal-o
ás provincias, devôra dar o exemplo de renunciar ao
imposto de exportação. Fóra este o mais curto cami­
nho para totalmente abolil-o.
Como é que, depois de quasi £0 annos de chamado
governo representativo, ainda não insaiámos . sinão
agora em limitada escala, um systema de imposições di­
rectas? Não póde ainda o thesouro dispensar esses
tributos seculares, rendimentos do erário de D. JoãoVI?
Abertos novos titulos dc receita publica, a necessi-
dado a que logo cumpria attender era a abolição da
taxa geral sobre os produetos exportados. E’ o que
se patentêa considerando attentamente a natureza
deste imposto.
Em verdade, não ha talvez nenhum mais desigual
que a taxa uniforme de tantos por cento sobre a ex­
portação. Não attende ella á differença dos gastos de
producção de cada industria nacional, que aliás não
são todas igualmente remuueradoras : a gomma elas­
tica, o algodão e o café pagam sem vexame taxa que
geralmente não soporta o assucar. Não attende tam­
bém, sob o ponto de vista de um mesmo artigo, o
café por exemplo, á força produetora, aos meios de
A 1‘ROV. 45
354 PARTE TERCEIRA

transporte, ás variaveis condições economicas das di­


versas provincias. Evidcnteincnte a taxa uniforme é
mais onerosa para o algodão colhido nas longínquas
margens do S. Francisco, que para a producção dos
valles do Parahyba ou Tietê, onde circulam trens de
duas estradas de ferro.
Sendo preciso prorogal-o até que o substituam con­
tribuições directas, o imposto de exportação se reserve
para as provincias, supprimida essa verba da receita
geral. O exame do assumpto nos leva, portanto, a
uma conclusão bem differente da doutrina sustentada
sob a influencia de pjeoccupações centralisadoras.
Em quanto, porém, subsistissem ambas as taxas,
fôra mais economico que o governo central e o das pro­
vincias se combinassem para a arrecadação commum
por meio das alfandegas. Da mesma sorte, quanto ú
dos impostos directos e todas as rendas interiores,
devéra o governo servir-se das agencias provinciaes.
Os dous poderes pagariam, proporcionalmentc, as
despezas de percepção em ambos os casos. Este ex­
pediente fôra desde o começo aconselhado por Haniil-
ton : « E' provável, dizia elle, que a administração
federal.... sirva-se dos empregados c da autoridade
dos estados para arrecadar o imposto addicional (lan­
çado sobre objectos já taxados pelos governos locaes):
pelo menos seria isto mais favorável aos seus inte­
resses financeiros, porque «pouparia despezas na arre­
cadação, e não daria aos estados e ao povo occasions
de descontentamento. » 1
r O Federalista; cap. XXXVI.
INTERESSES PROVINCIAES 355

§ V.—Novas fontes de receita provincial: o imposto


territorial.

Carecem as provincias alargar os estreitos limites


da sua parca receita; carecem fundar a verdadeira
instrucção popular, abrindo escolas por toda a parte
c confiando-as a mestres idoneos. Ora isto exige o
dispendio de sommas consideráveis, que não compor­
tam os seus modestos orçamentos. Dabi a necessidade
da taxa escolar, contribuição eminentemente local,
de que tratámos no lugar competente ( Cap. Ir § 2o).
Não c este, porém, o unico imposto novo, que se ofte-
rcce aos legisladores provinciaes. Outro occorre igual­
mente, c assaz o reeommendam elevadas considera­
ções
• econômicas.
Acelerar a divisão das terras, combater a tendên­
cia para desmedidas propriedades incultas, é remover
o mais formidável obstáculo ao estabelecimento de
immigrantes espontâneos nos districtos proximos dos
actuaes mercados. Por outro lado, é acaso justo que
proprietários beneficiados pelas vias dc communicaeão,
construídas e mantidas á custa de todos os contri­
buintes, deixem de concorrer para novos melhora­
mentos materiacs? Eis o duplo fim do imposto territo­
rial que lia muitos annos se tenta crear.
Em 1813 incluiu-se no projecto da lei das terras
um artigo que o decretava ; e foi a questão agitada
ate 1850, rejeitando-se afinal a medida. Adoptando,
356 PARTE TERCEIRA

com certas modificações, a proposta da commissão no­


meada pelo ministro do império em 1849, renovámos
em 1867 a mesma idéa. 1
Divergem os differentes projectos quanto ás taxas
propostas, o que se explica principalmente pela au­
sência de estimativas da renda .da terra. Entretanto
o imposto de que se trata não merece crear-se com
taxas tenuissimas, que mal preencham o alto fim eco-
nomico da sua instituição.
Talvez por se esquecer uma circunstancia essencial,
não se pôde graduar bem a tarifa da nova imposição.
Na verdade, difierindo profundamente as condições
cconoricas da industria agrícola c da pronriedadc
immovel em cada provincia, ou pelo menos em cada
região do império, não fôra nem prudente nem justo
converter o novo tributo cm renda nacional. Facil
é reconhecer que só as assembléas poderíam
graduar a contribuição das terras pelo valor délias

1 Propuzemos um imposto sobre terrenos cultos ou incultos, na razão


seguinte :
— Por cada quadrado de cem braças de lado, ou superfície equivalente :
l.o Na zona de 5 léguas do cada margem das estradas de. ferro, estradas do
rodagem, canaes, e vias navegadas a vapor, 2S000;21’. Nas demais terras dc
cultura, 200 réis.; 3.° Nos campos decriação, 100 réis.
— Por cada braça quadrada: 1." Nos suburbios da cidade do Rio de Janei­
ro, dois réis ; 2.“ Nos das capitaes de provincia, um real; 3.“ Nos das cidades
marítimas, meio real.
Em uma memoria do Sr. I. Galvão iembra-se a taxa fixa de 50 réis
por hectare, que corr°sponde a 250 réis por alqueire, e a 50S por sos­
maria de meia légua om quadro. Esta taxa seria oito vezes menor do que a
primeira do nosso projecto para a zona das vias de communicaçno.
A revista do Diário do Rio dc 23 de janeiro de 1869 lembrava a taxa uni­
forme, muito mais forte, de 500 réis-por acre, igual a quasi 6S000 por al­
queire.
INTERESSES PROVINCIAES 357

o pelo lucro do proprietário, afrouxando ou aper­


tando a taxa conforme a capacidade da materia
contribuinte.
Que se não repute esta idea fructo de opiniões sys-
tcmaticas. Vóte-se um imposto geral sobre as terras,
e logo se patenteará a grave offensa da primeira das
regras no lançamento de impostos, a proporcionali­
dade. Tudo quanto ponderámos a respeito dos incon­
venientes da taxa nacional sobre a exportação IV),
se póde repetir aqui da mesma fórma. Com effeito,
quão desiguaes os valores das terras uas diversas re­
giões do Brazil, dentro ás vezes de uma mesma pro­
vincia ! quão differentes as condições que aos proprie­
tários faz a ausência ou a facilidade de meios dc
transporte ! Um território cortado por estradas dc
ferro assemelha-se acaso aos municípios apenas ser­
vidos por algumas picadas e pontilhões? Um municí­
pio produetor de algodão ou café compara-se, em ri­
queza e capacidade tributaria, com os de generös ali­
mentícios ou criadores de gado *? A pequena proprie­
dade agricola do norte, do Ceará por exemplo, deve­
ria ser vexada por uma taxa igual á necessária para
promover a diminuição das grandes propriedades do
Sul mantidas com o trabalho escravo ?
Outro inconveniente da conversão do novo im­
posto cm renda geral, seria impedir as provincias de
abandonarem a taxa indirecta sobre a exportação
logo que adoptassem a taxa directa sobre a proprie­
dade. A primeira se excusa sómente como substi­
tutiva da segmnda ; podem ambas coexistir, mas, sem
358 PARTE TERCEIRA

os recursos fornecidos pelo imposto territorial, não ó


licito esperar que as provincias renunciem a ama de
suas mais abundantes rendas.
Ainda quando não attiugisse ao resultado de ace­
lerar a divisão das propriedades e de impedir a pósse
de vastas áreas incultas, o novo imposto seria dos
mais fecundos para as provincias, habilitando-as a
cmprehender trabalhos de interesse geral.
A’ mór parte délias fallecem terras que possam ser
occupadas por immigrantes, porque os possuidores
actuaes recusam v.-nder as que reunem as condições
de fertilidade e proximidade das povoações e estradas.
Ora, n?o ha immigração sólida sinão fundada sobre a
propriedade territorial O que cumpre então fazer ?
Cumpre que cada província affronte a ditficuldadc, re­
solvendo a questão radicalmente : isto é, compre ou
desaproprie desde já, na direcção das estradas de ferro
em estudo', lótes alternados, que se vendam unicamen­
te a immigrantes. Para occorrer ás necessárias despe­
zas, bastaria parte do produeto do imposto, cuja creação
propomos.
Apressem-se as provincias ; porquanto, si forem
negligentes, acontecerá coisa bem singular : a estrada
de ferro, que deve de attrahir immigrantes, ha de
afugental-os pela exageração que communica ao preço

1 A lei de 27 de setembro de. 1860 autorisou o governo a comprar ter­


renos nas proximidades das estradas do ferro para estabelecimento de
colonias, licando para isso em vigor o credito especial de 1856. Si a aequi"
siçào de terras se reservar para depois dc conslruidas as estradas, não se.
verificará nunca, altento o cxc.es-ivo preço a quo os novos meios dc com-
municação elevam as propriedades vizinhas.
INTERESSES PROVINCIAES 359

das terras. Não é paradoxo : prolongada, por exemplo,


a estrai’ i de ferro « Pedro II » até o valle do Rio das
Velhas, um alqueire de terra que. hoje custa 40$, preço
tolerável para certa classe de immigrantes (quatro réis
por braça quadrada), valerá dez vezes mais, ficando
totalraente acima do alcance mesmo daquelles que
aportem com pequenos capitaes. Então, para deter­
minar a divisão das áreas incultas, fôra mister um im­
posto territorial exagerado, e os inconvenientes disto
são manifestos. O remedio seria a terra devoluta, mas
o listado não a possuo nessa região. Entretanto, Minas,
como todo o oeste do Brazil entre o alto S. Francisco e
o Paraná, é um território fadado para a immigração
européa. Não é triste que o regimen da centralisação
haja impedido as provincias de attenderem a este e
outros assuinptos de igual importância ?
Nem a falta de terras será sensível sómente para
os colonos ; sel-o-lia também, como em alguns dis­
trictos do sul dos Estados-Unidos, para os emancipados
que, reunindo algum capital, queiram estabelecer-se
era propriedade sua. Ora, édo maior interesse nacional
a generalisação da pequena propriedade, tanto como a
rapida conversão do simples trabalhador em proprietá­
rio, seja cada um isoladamente, seja por contracto de
parceria ou outra fórma cooperativa.
Mas onde ineontrar, perto de rios e estradas, terras
a preço modico, si todas estão apropriadas? Só o im­
posto territorial e a prévia desapropriação de áreas in­
cultas, á margem dos futuros caminhos de ferro, podem
resolver a enorme dificuldade que legou-nos a impre­
360 PARTE TERCEIRA

vidente política das prodigalisadas doações de ses-


marias.

VI.— Fusão das imposições provinciaes ; taxa directa,


sobre a propriedade.

Será forçoso ás provincias manter, ainda por muito


tempo, a mesma variedade de taxas que compõem a
sua receita. Entretanto, não- menos que o govcruo
geral, se devem cilas aproximar do ideal da maxima
simplicação das imposições, pois com'isto obtem-
se também um resultado financeiro, o de reduzir as
despezas de percepção, além de um grande effeito po­
litico, o menor incommodo do povo.
O proprio imposto territorial de que acima tratámos,
é apenas elemento auxiliar de nm systema transitório
de contribuições. Elle facilitaria, porém, a combinação
* taxa directa sobre toda a pro­
definitiva assentada na
priedade.
Fôra, em verdade, mais economico fundir as varias
contribuições provinciaes, directas e indirectas, em
um imposto sobre a riqueza movei ou immovel de
qualquer especie. Em vez da longa lista de pequenas
taxas esterais, de dificílima arrecadação, teriam as
provincias, como fonte de renda principal, sinão unica,
uma quóta parte da fortuna dos seus habitantes.
A verdadeira receita de cada cantão suisso deriva-se
de uma só taxa directa, que se eleva, na mór-parte
déliés, a 1 l/2 sobre cada mil francos de propriedade.
INTERESSES PROVINCIAES 361

Ajtintam-lhe, é certo, alguns cautões impostos in­


directos. E’ esta também a base do systema finan­
ceiro dos estados auglo-americauos. Assim como o go­
verno federal, antes da recente guerra, auferia a sua
receita de dois capítulos quasi somente,—dire tos de
importação e venda de terras,— assim os Estados li­
mitam-se a dois ou très artigos, sendo o mais valioso,
imposto modelo, a taxa proporcional ao valor das ri­
quezas. Tomemos um exompio. No florescente Illinois,
um dos principaes do oeste (cêrcáde 2,500,000 dc ha­
bitantes), a receita provém, em primeiro lugar, da taxa
de dois e meio millesimos sobre o valor da propriedade
de qualquer classe, e maiswn e 1/5 de millesimo. sobre
o mesmo valor com aplicação especial ao pagamento
de juros da sua divida. 1 A essas duas verbas, que

1 Para a arrecadação da taxa fixa do tantos millesimos sobre a propriedade,


é esta devidamente avaliada pelos cvmmissarios do estado: recentemente se
tratava do crear uma repartição de estatística privativa do lllinpis para fa­
cilitaras avaliações dos bens o o lançamento do tributo. Em 1868 a estima­
tiva da propriedade existente nesse estado, para a cobrança da referida
taxa, deu o seguinte resultado :
A. Propriedade pessoal ou movei : 124,183,395 dollars. Comprehendendo :
—animacs, 54,025,000 dollars (valor de 854,842 cavatlos e mais de 6 mi­
lhões de outros animaes».-—carros, carr oças, wagons (no valor de 6,279,000
dollars);—relogios ; — pianos (no numero notável de 10,398 pianos); —mer­
cadorias em geral ; — propriedades de banqueiros e corretores ; — artigos
manufacturados; —papéis de credito c moeda;— títulos de divida, acções de
companhias, otc. ;—acções de bancos;—e diversas.
B. Propriedade real ou immovel : 340,093,518 dollars. Compreheu-
dendo :
I. Caminhos de ferro, 14,189,931 dollars, n saber: propriedade immo-
vel dos caminhos de ferro, 1,770,659 dollars : — 2,540 milhas de estradas,
6,970,466 dollars ;— material rodaute, 4,978,343 dollars; — propriedade mo­
vei das emprezas, 464,463 dollars.
A PROV. 46
302 PARTE TERCEIRA

então produziram cêrca de 3,200,000 dollars,


acrescem a taxa escolar, o rendimento de um caminho
de ferro do estado, e o producto de terras vendidas,
além de outros proventos secundários, como execu­
ções centra contribuintes relapsos, iudemnisações, etc.
Com estas fontes de renda, arrecadava o Illinois em
1863 a somma de 3,600,000 dollars, que aliás elevou-
se muito acima nos annos posteriores.
Este orçamento ordinário de 7,000 contos ( não con­
templando os recursos obtidos pelo mesmo estado para
as suas grandes despezas militares durante a rebel-
lião do Sul ) não parecerá modesto si considerarmos
quão descentralisada éa administração naquelle paiz,
onde os municipios e as cidades despendem sommas
avultadas, e emprezarios e associações realisam mui­
tos melhoramentos mediante as taxas especiaes que
se lhes permitte cobrar.
Tama. ha simplicidade financeira, que não é pecti-

II. Terras aproveitadas (21,312,790 acres) . . . 131,137,858


Bemfeitorias nas terras........................................... 46.929,073
178,102,031 dollars.

III. Terras incultas (11,022,309 acres'...................... 44.240,247 »

IV. Terrenos trabalhados das cidades 222,146 lotes' 38,556,591


Bemfeitorias nesses terrenos urbanos...................... 47,206,066
«5,762,657 »

V. Terrenos nas cidades sem bemfeitorias


(267.477 lotes)..................................................... 17,799,842
INTERESSES PROVINCIAES 363

liar do Illinois, mas se incontra em grande parte da


União, não é só um magnífico attestado da alta civi-
lisação do povo americano ; é também poderoso ele­
mento de força, pois fornece ao congresso, em caso de
guerra, como ha pouco se viu, o meio de levantar som­
mas consideráveis addicionando á contribuição local
uma taxa federal extraordiuaria, cobrada simultanea­
mente com a taxa dos estados pelos collectores
destes.
Mas, já o dicemos, longe estamos deste ideal; e,
para as nossas provincias, com effeito, a medida ur­
gente é fornecer-lhes recursos correspondentes ás des­
pezas da desceutralisação. Isto nos leva a mnstrar,
antes de concluir, que é forçoso transferir ás provin­
cias certas rendas absorvidas pelo thesouro nacional.

§ VIL. — Impostos geraes que se póde transferir ds


provincias. Correspondem d despeza dos serviços que
devem ser descentralisados.

Não é certamente novas fontes de receita o que


mais reclamam as provincias ; desgraçadamente, como
acabamos de vêr II, III e IV), estão ellas a dispu­
tar a pósse do pouco que lhes coubéra na partilha.
Mas, para melhor julgar dos embaraços oppostos desde
1840 ao desinvolvimento da sua renda, recordemos a
parcimônia com que lhes cederam em 1835 alguns
dos impostos geraes.
364 PARTE TERCEIRA

Eis a apuração das rendas que lhes deixara uma lei


desse anno :—contribuições de policia, décima ur­
bana, décima dc heranças e legados, direitos do por­
tagem, imposto sobre aguardente, imposto sobre libra
de carne, passagens de rios, novos e velhos direitos,
venda de proprios provinciaes, dizimos, quóta espe­
cial do dizimo do assucar, quóta especial do café,
terças partes de officios, direitos de chancellaria (que de­
pois volveram á renda geral), imposto nas casas de leilões
e modas, emoiumentos do passaportes,emolumentos de
visitas de saúde, imposto sobre séges, e bens do evento.
Dessas, eram as seis ultimas quasi improductivas,
verbas de receita nominaes ; e, adverte um escriptor
insuspeito dentre cilas só os dizimos do café o assucar
offe’eciam recursos abundantes *. Desta sórte, bem se
comprehcnde que tornou-se inevitável o .lançamento
das taxas de exportação e das outras, que tantas vezes
teem sido exprobradas ás provincias.
Legados pela desordem financeira do primeiro rei­
nado, deficits permanentes aSligiam o Estado ; a uma
deplorável guerra externa succediam commoções in-
testinas : acaso podia então o legislador privar o the-
souro de recursos que era diíficil substituir por novas
combinações financeiras? Fazendo uma partilha pro­
visória, elle esperava talvez que o futuro removesse
bem depressa o obstáculo momentâneo; pelo contrario,
porém, adiando a diliiculdade, a reacção perpetuou o
provisorio.

* Uruguay, Estudos práticos ; § 202.


INTERESSES PROVINCIAES 365

A classificação de 1835 prevaleceu quasi inteira até


hoje, continuando como geraes certas verbas de re­
ceita que em rigor seriam provinciaes. Ora, da actual
lista das rondas interiores que o Estado arrecada nos
municípios; poder-se-ia deduzir, para transferil-as ás
provincias, as seguintes contribuições :
— Imposto da transmissão de propriedade, abran­
gendo as antigas sizas e sellos de heranças e lega­
dos ;
— O das industrias e profissões ;
— O pessoal c dos vencimentos ;
— A taxa dos escravos :
— A décima addicional das corporações de inão-
morta ;
— O sello do papel fixo c o proporcional ;
— Os impostos da mineração diamantina o datas
mineraes ;
— Os fóros e laudemiofc de terrenos em geral e
dos de marinhas, rendimento aliás mais proprio das
municipalidades.
Receia-se que estas alterações desequilibrem o
orçamento? Vejamos si a questão financeira embara­
ça as indeclináveis reformas administrativas, cuja
restauração propomos.
O produeto, recolhido nas provincias, dos impostos
mencionados (6,174 contos, segundo o orçamento dc
1870) corresponde justamente á importância dos ser­
viços centralisados depois de 1840.
Quaes são, na verdade, as despezas que, posto com-
prehendidas hoje no orçamento do império, já foram
provinciaes ou o devam ser ?
366 PARTE TERCEIRA

Quando em 1832 tratou-se de descriminar isto,


propoz o deputado Lédo ura projecto, cujo artigo 4"
dizia : « As despezas provinciaes são todas as de
tracto successivo com sua administração civil, ecle­
siástica, judiciaria, policial. » A esta lacônica ex­
pressão do sentimento geral obedecia a lei dc 24 de
oitubro do mesmo anno classificando nos serviços
locaes as seguintes rubricas da despeza publica :
— Presidência, secretaria e conselho do governo,
dos quaes, supprimido o ultimo, só o segundo conti-
núa como tal, tendo-se devolvido o primeiro á despe­
za do Estado em virtude do acto addicional ;
— Justiças territorriaes, que no exercício de 1843—
44 começaram a ser dc novo comprelicndidas no or­
çamento do império, conforme a organisação da lei
de 3 de dezembro de 1841 ;
— Empregados da colonisação e cathechese, c os
da vaccina e saúde ( exclüido o da visita maritima,
segundo declaração posterior), os quaes todos foram
ultcriormente voltando á despeza geral ;
— Parochos, que só em 1848 a lei do orçamento
incluiu eutre os serviços nacionaes ;
— Seminários, que ainda mais tarde começaram a
ser auxiliados pelos cofres do Estado ;
— Finalmente, as cathedraes, que, consideradas
da mesma fórma serviço provincial por lei de 1834,
voltaram ao geral por outra de 1846.
Aceitemos a base da legislação contemporânea do
acto addicional, e a completemos acompanhando o es­
pirito desta reforma. Eis os serviços que cousideratnos
INTERESSES PROVINCIAES 367

provinciaes, com o algarismo da despeza estimada em


uma recente proposta do poder executivo (1869) :
1. ° Governo das provincias, sendo: — Presidentes,
inclusive adjudas de custo, 163:0008 ;—Secretários e
serviço dos palacios, 72:2108.
2. ° Culto publico, a saber:—Bispos, 64:4008;—Ca-
tbedraes, 168:136$ 1 ; —Obras nas cathedraes, segun­
do a despeza feita no exercicio de 1866-67, 10:0008 ;
—Seminários; 115:0008;—Parochos, 792:5008 *.
3. " Justiças de primeira instancia e adjudas de custo,
1,380:0008 ( comprehendido o recente augmento
dos vencimentos).
4. ° Policia (seus chefes, repartições e auxiliares nas
provincias), 300:1118.
5. “ Guarda nacional, sua instrucção, armameuto e
equipamento, 129:3848.
6. “ Iuspectores de saúde publica, 5:600$.
7. “ Instituto de educaudas do Pará, 2:000$.
8. “ Engajamento de immigrantes, seu transporte
ao Brazil, agencias e hospedarias; serviço das colonias,
suas estradas c obras, 511:000$. (Consideramos ge-

1 Na Bélgica, onde, como se sabe, apezai da separação da Igreja e do Es­


tado, não se supprimiram as dotações dos cultos, ás provincias é que incumbe
o serviço das cathedraes c o dos palacios episcopaes : não entra isto no orça­
mento nacional.
*’ Si fosse a Igreja livre no Estado livre, quem devera de propôr o parocho
sinão os Üeis, e, emquanto não é, quem devéra apresental-o sinão u municipa­
lidade directamente ao bispo? Entretanto, o provimento dos benefícios eclesi­
ásticos nas provincias devo de ser reslituido aos presidentes, a quem isto já
competiu : antes mesmo do acto addicional, o decreto de 25 de novembro de
1833 declarara pertencer-lhes essa attribuição por virtude da lei da regencia.
368 PARTE TERCEIRA

raes sómente as despezas coin as repartições das terras


publicas e medição destas, orçadas em 390:000$.)
9. ° Catechese de indios, 80:000$.
10. Garantia provincial dc 2 por cento ás compa­
nhias das estradas de ferro da Bahia e Pernambuco,
adiantada actualmente pelo governo geral, 533:333$
(não se contemplando a de S. Paulo por já ser no­
minal).
11. Auxilio a obras provinciaes, 150:000$.
12. Subvenções á navegação a vapor dentro dc uma
só provincia, ou limitada a grupos de provincias mais
vizinhas, sendo.
— Da costa do Maranhão e extremo Norte,
192:000$ ;
— Da de Pernambuco e litoral proximo, 134:000$;
— Da Bahia, idem, 84:000$ ;
— Interna de Sergipe, 12:000$ ;
— Do Espirito-Santo e Campos, 90:000$ ;
— Do Paraná e Santa-Catharina (linha interme­
diaria), 120:000$;
— Do rio Parnahyba, 48:000$ ;
— Do baixo S. Francisco, 40:000$ ;
— Do Amazonas, 720:000$ ;
— Dos seus aftluentes (Madeira, Punis o Negro),
96:000$.
Incluindo aqui a somma de 1,380:000$, commue o?
cofres geraes subvencionam essas emprezas de nave­
gação, suppomos que as provincias interessadas se
auxiliem e intendam, celebrando os necessários ajus­
tes, para os quaes, em nossa opinião, não se lhes póde
INTERESSES PROVINCIAES 369

negar competência (Cap. V, § 2o). Na lista não podia,


porém, figurar a linha costeira do Sul ao Norte, que,
sendo aliás duplicata em quasi toda a sua extensão,
prejudica á prosperidade das companhias provinciaes,
e parece não carecer do sacrifício das subvenções depois
de inauguradas tantas linhas transatlanticas.
A importância total dos serviços acima enumerados
é 6,012 contos, segundo a estimativa dos orçamentos;
a effectiva, porém, é 400 contos menor, ou 5,612.
Ora, como produzem 6,174 coutos os impostos trans-
feriveis ás provincias, o orçamento geral não seria
desequilibrado pela simultânea descentralisação de ser­
viços e rendas interiores, que propomos. Resta averi­
guar si cada uma das provincias póde satisfazer desde
já, com a sua quóta dessas rendas, á correspondente
despeza paga pelos cofres geraes.
Para dissipar dúvidas, verificámos os algarismos of­
ficiaes, consultando o balanço de 1866—67 quanto á
despeza, e relativamente á receita o orçamento de 1869,
onde já figuram as estimativas do novo imposto pes­
soal e dos augmentes decretados em 1867. O resultado
deste exame pareceu-nos satisfactory.
Metade das vinto provincias, — Rio de Janeiro, Mi­
nas Geraes, Rio Grande do Sul, S. Paulo, Pernam­
buco, Bahia, Ceará, Alagoas, Sergipe e Mato Grosso,
— fariam a despeza que lhes tocasse, auferindo até as
seis primeiras saldos mui consideráveis, e as très se­
guintes um pequeno lucro.
Offereceria a Parahyba o insignificante deficit de
8 contos, o Rio Grande do Norte de 24eGoyaz de 61,
A PROV. 47
370 PARTE TERCEIRA

que aliás desappareceria, nas duas primeiras, com


menor consignação para certas verbas variaveitf.
Si não levássemos á conta do Pará o subsidio da na­
vegação do Amazonas, inaugurada aliás sob a influen­
cia de nossa política exterior e em nome de interesses
nacionaes, apresentaria aquella provincia um saldo
considerável. O Maranhão, onde também se verifica
outro, poderia pagar, com idêntico auxilio do Ceará, a
subvenção dos vapores que percorrem esta parte da
costa.
Da mesma sórte, deduzida a verba da navegação,
o deficit dó Piauhy e do Alto-Amazonas não exeederia
a 32 coutos.
Sal-lo, não déficit, haveria em Santa-Catharina, Pa­
raná e Espirito-Santo, si não fôra a despeza, relativa­
mente considerável, que em virtude de antigos com­
promissos faz o governo coin acolonisação na primeira
dessas provincias, e com o mesmo serviço e o da na­
vegação nas duas outras.
As sete provincias mencionadas em ultimo lugar
poderíam evitar o deficit proveniente dos contractos de
navegação ou do serviço de colonias ainda mantidas
pelo Estado, quer diminuindo as despezas correspon­
dentes, quer elevando proporcionalmente as taxas dos
impostos que lhes fossem cedidos. Assim, esta agra-
vação das contribuições internas, limitada a poucas
provincias sóinente, não prejudicaria áquellas que já
arrecadam renda suficiente. Por outro lado, o go­
verno procedería com muita equidade não refusando o
pagamento das subvenções, durante o resto do prazo
INTERESSES PROVINCIAES 371
estipulado nos contractos, á navegação do Amazonas,
á dos seus afluentes e á de algumas secções da costa.
Ao cabo de poucos annos, expirados os contractos,
qualquer das provincias interessadas se achará habi­
litada para satisfazer á despeza, sendo que nessa época
hão de as companhias contentar-se com subsidios me­
nos elevados, e provavelmente algumas poderão dis-
pensal-os. as do Amazonas, por exemplo.
Na hypothèse, porém, do governo geral continuar o
pagamento de taes despezas superiores ás forças das
referidas provincias, conservasse elle a renda do im­
posto do sello, que (sem incluir a arrecadação do mu­
nicipio neutro) produz no império 1,800 contos, summa
suficiente para esses encargos da navegação a vapor
c da colonisação.
Privadas as provincias desta verba de receita, não
augmentar-se-ia, comtudo, o numero das que offere-
cessem deficit ; apenas o dc algumas elevar-se-ia um
pouco mais. .
Finalmente, deixemos certificado que todas, ti­
rante sómente Goyaz, Amazonas, Piauhy e Rio-
Grande do Norte, estariam habilitadas desde já, me­
diante as rendas indicadas, para fazerem os gastos da
sua administração local,—policia, justiça, guarda
nacional e culto publico. Dez a quarenta contos de
receita supplementär bastariam ás quatro exceptuadas
para equilibrarem os seus orçamentos.
Sem agravar as circunstancias do thesouro, nem
acarretar onus excessivo ás provincias menos flores­
centes, a reforma da descentralisação se recommenda
372 PARTE TERCEIRA

por muitas vantagens. Cessariam desde logo as repeti­


das disputas c obstáculos oppostospelo governo impe­
rial ao augmente do numero das comarcas e paroclnas.
E muito mais ganharia o Estado com a restauração
das franquezas locaes. Ella permittir-lhe-ia di­
minuir as despezas de arrecadação, quer por ces­
sar nas provincias a cobrança de impostos interio­
res, que exigem numeroso pessoal, quer porque o
nosso thesouro, imitando o exemplo do dos Estados-
Unidos, poderia servir-se dos mesmos agentes délias
para recolher nos municípios as rendas dessa especie
que lhe restarem. Não é também para desprozar a
possibilidade de simplificar-se a administração cen­
tral, attente o numero de negocios que, expedidos
actualmente pelas secretarias de estado, passariam a
sel-o pelas dc cada uma das presidências. Finalmcntc.
reforçadis com alguns abundantes recursos, restitui-
das á sua autonomia administiativa, não duvidariam
as provincias organisai- cfficazmente as guardas mu­
nicipaes e os corpos de policia. Então, dispensado o
exercito do serviço de pequenos destacamentos, facil
fôra reduzir a força pública aos limites compatíveis
com as circunstancias do thesouro c a liberdade do
cidadão.

O exame das restricções feitas ao poder provincial


em materia de impostos ;
A indicação das rendas geraes que, transferidas ás
provincias, podem habilitar os seus governos para as
despezas (d a descentralisação ;
INTERESSES PROVINCIAES 373

A proposta de novas fontes de receita local,


umas das quaes tenha privativa applicação ao desin-
volvimento do ensino publico :
Taes eram os très pontos, que desejavamos subme­
ter áquelles que não reputam uma questão resolvida
quando apenas se lhe descobriu um nome, ou entre-
viu-se o seu contorno geral. Não terminaremos,
porém, sem volver a ideas em que nos parece
necessário insistir.
Si ó certo que sem avultados orçamentos póde um
povo prosperar, quando a iniciativa individual e o
espirito de empreza supprem ou restringem a interven­
ção do Estado; ó ainda mais indubitavel também que,
sem liberdade política e vigorosas instituições locaes,
jamais um povo attingirá áquelle gráu de riqueza e
bem-estar cm que os mais pesados tributos são fardos
ligeiros. Contemple-se a União Americanc : não ha
parte alguma do mundo onde enormes impostos sejam
mais benevolamente soportados, do que nèsse paiz
venturoso que, pela maxima diffusão das luzes, por
um systema democrático de governo descentralisado
que traz o patriotismo em excitação constante, resol­
veu este difficilimo problema politico :—tornar os
tributos suaves ao povo, tornando o povo o primeiro
responsável pelo bom ou máugoverno do Estado.
Muita vez o desequilíbrio das finanças favoreceu a
conquista das liberdades e o exito das reformas. Pela
nossa parte, estamos persuadido de que, na sinistra
perspectiva de uma successão de deficits legados pela
crise da emancipação, ha de o Estado ceder ao peso
.374 PARTI TERCEIRA

da carga exagerada pela centralisação : diante das


reclamações de novos melhoramentos a que não póde
attender, forçoso lhe será render-se ás exigências das
provincias impacientes. Ao governo imperial não
resta mais, com effeito, que uma sahida segura : a
larga estradada liberdade. Dai-nos instituições livres,
tereis boas finanças : conceito que o século XIX
elevou a maxima de moral política.
INTERESSES PROVINCIAES 375

CAPITULO VII

INTERESSES GERAES NAS PROVINCIAS

Não parecerão escusadas aqui algumas reflexões


sobre assumptos que, comquanto geraes, interessam
de perto os habitantes das localidades.
N bastará restituir ao poder provincial as attri­
buições lentamante usurpadas pelo governo central :
por amor da commodidade dos povos, da liberdade do
cidadão e da celeridade administrativa, é também ne­
cessário fazer processar e dicidir nas provincias os ne­
gocios nacionaes secundários, e limitar os casos de
despacho ou nomeação imperial.
Demasiadamente numerosos são os negocios geraes,
que, ventilados nas provincias, nellas apenas se pro­
cessam, para subirem, instruídos pelas autoridades
competentes, ao despacho das secretarias de estado.
Póde-se acaso desconhecer a lentidão a que isso obriga,
e as dependencias que géra, por questões, algumas
sem gravidade, outras insignificantes, e muita vez
raéras invenções do engenho protelador de funccioua-
rios rotineiros?
Não é só isto, porém. Concentrada nas secretarias
da capital toda a sorte de interesses, apurou-se o sys-
376 PARTE TERCEIRA

tema com a addição de novo vexame ; as informações


e consultas, multiplicadas na razão directa, da peque-
nhez do objecto ou da inexperiência do ministro.
Vive a administração literalmente suffocada peia pio-
digiosa correspondência official, próva sem. réplica,
não da fecunda energia do governo, mas da sua inér­
cia esferilisadora.
Ninguém desconhece os inconvenientes de uma
administração, cujos commissarios nas provincias e
cujos proprios chefes na capital, méros intermediários,
são destituídos da faculdado de resolverem sobre os as-
sumptosordinarios.e despacharem o expediente J ' cada
dia. A divisão da responsabilidade e o seu eni. xdeci-
mento resultado das decisões ad referendum depen­
dentes de acto definitivo do poder central ; a protela­
ção de todos, ainda ós mais singelos negocios ; a con­
sequente exageração do funccionalismo, sempre.re­
putado inferior ás exigençias dc um expediente mons­
truoso ; as té as de multiplicados rogulamcntos ; as il-
lusorias combinações do systema. preventivo: a falta
de iniciativa e autoridade própria nos mais elevados
funccionarios, nivelados com os escreventes, do quem
se distinguem somente por titulos pomposos; o regi­
men da desconfiança, do chefe para com o seu delegado,
e das repartições centraes para com as provinciaes :
tornaram impotente e odiosa a administração brazi-
leíra, victimados mais pungentes sarcasmos.
De muito depende, sem dúvida, melhorar tão imper­
feita organisação do serviço publico ; é evidente, po­
rém. que um dos meios mais efficazes fôra simplicar o
INTERESSES PROVINCIAES 377

processo dos negocios nas repartições superiores e nas


filiacs, deferindo-se a decisão dc certos assumptos aos
agentes auxiliares do governo, e reservando-se para
este os altos negocios sómente. Já lembrámos nesse
intuito a idéa de uma alçada, e onde fosse cila
impossível, as instrucções dos ministros indicassem
os raros casos dependentes do despacho central. 1
Nem propomos uma novidade. No projecto do acto
addicional incluíra-seuma disposição,que infelizmente
foi supprimida na votação da reforma. « Todos os ne­
gocios municipaes e provinciaes, dizia o art. 23, serão
decididos e definitivamente terminados nas respectivas
provincias, ainda que seu conhecimento tenha sido
commettido a empregados geraes. »
Longe disto, prevaleceu a prática opposta, e os an­
nos teem visto requintar este suppiicio da concentração
e protelação. Em vão conta o poder executivo era cada
provincia, além do presidente, chefes particulares dos
differentes serviços públicos, o financeiro, o militar, o
naval, o postal : são méros intermediários da. adminis­
tração superior, não são administradores activos.
Porque não se introduziría no nosso direito pú­
blico a regra de que os agentes do poder central
nas provincias são instituídos para plenamente repre-
sental-o? Assim, por exemplo, porque hão de vir re-
solver-sc no Rio de Janeiro todas as questões concer­
nentes ao dominio nacional e ás minas? porqueé que
1 O decreto de 20 de abril de 1870, reorganisando as alfandegas, acaba
de dar (art. 33 aos seus inspectores, e aos das thesourarias, uma alçada
maior em questões de impostos,a qual aliás ainda se poderia alargai.
A 1’ROV. 48
378 PARTE TERCEIRA

as thesourarias de fazenda não teriam competência de­


finitiva,mesmo nos assumptosdo contencioso fiscal? não
são delegacias do thesouro? Na propria França, os
prefeitos deliberam por si, independente de autorisa-
ção dos ministros, em materia de contribuições directas
e questões do dominio público. Poder-se-ia consagrar
a regra da competência definitiva das repartições pro­
vinciaes, com uma resalva sómente, que tudo previne :
nos casos mais graves,seja a sua deliberação communi-
cadaá repartição central respectiva,para que a ratifique,
ou annulle,dentro de certo prazo; e si o não fizer,decor­
rido este, intende-se haver tacitamente approvado. A
difficuldade consiste em indicar os casos a cxceptuar,
mus i*uo será tarefa insuperável para homens experi­
mentados na administração.
ila, entretanto, assumptos que designadamente se
poderia devolver ás autoridades residentes nas provin­
cias: o» conflictos de jurisdicção, por exemplo. E’ o
conselho de estado quem hoje conhece definitivamente
dos que se suscitam entre autoridades administrati­
vas, e entre estas e as judiciarias. Emquanto o presi­
dente fôr delegado do imperador, não ha razão para
que deixe elle de julgar todos os do primeiro genero,
como álias dispunha a lei de 3 de oitubro dc 1834 (art.
5o § 11); e, pir outro lado, nada patentèa melhor a
subordinação do nosso poder judicial do que o lacto do
conselho de estado decidir seus conflictos com a admi­
nistração. As relações e o supremo tribunal, que re­
solvem os conflictos entre juizes, é que sem dúvida
deveríam conhecer desses outros.
INTERESSES PROVINCIAES 379

Da mesma sorte, como não condemnar a excessiva


concentração da justiça operada,sob o nome de conten­
cioso administrativo, pelo capitulo 3o do regimento do
conselho de estado, regimento mais inconstitucional
ainda que a lei de 23 de novembro de 1841 ? Todos os
pleitos em que a administração geral é parte, onde
quer que se ventilem,hão dc ser processados e julgados
pelo conselho de estado ! Este refinamento de auto­
cracia aos proprios conservadores espanta ; querem
attenual-o creando em cada provincia uma junta con­
sultiva incumbida, entre outras, da faculdade de julgar
em primeira instancia taes questões. Já fizemos a de­
vida justiça a essa imitação franceza (Parte II, cap. I
§4°), e não cessaremos de repet ir que a uuica medida
justa é devolver aos tribunaes communs a actribnição
que usurpou-lhes um regulamento do governo.
Onde o povo não é pupillo do governo, simples e
expedita é a marcha administrativa : conhecem os
Estados-Unidos e a Inglaterra a péste designada pelo
nome expressivo de papelada ? Onde não é o povo que
a si mesmo se governa, mas é o poder real que gére
paternalmente os negocios da nação, a burocracia
tudo domina, tudo enreda e prejudica com as suas
fórmulas rotineiras. Uma reforma séria não deixaria,
portanto, subsistir certas práticas das nossas repar­
tições : urgente é simplificar algumas c abolir outras.
Infelizmente a lei parece quasi impotente contra essas
parasitas; só conseguirá erradical-as a perseverança
de admiuÍF>radores illustrados. Não desdenhem elles
380 PARTE TERCEIRA

essa obra de fastidiosas minúcias : que disso depende


também o melhí ramento dos serviços públicos
.
*
Desembaraçar a marcha administrativa c necessi­
dade Imente reconhecida. Ora, um dos maiores
obstáculos á rapida expedição dos negocios é a origi­
nalíssima maneira porque no Brazil funcciona o con­
selho dc gabinete. Ila governos francamente absolu­
tes, os da Europa quasi todos, talvez todos sem ex-
cenção, onde o rei intervém sómente nos casos de alta
política e alta adn inistração ; c nenhum Estado con­
stitucional sabemos onde se use e abuse tanto da as-
signatura do monarcha, nem c ide este assuma as prero-
guí vas da trindade exprimida nesta maxima imperti­
nent : o rei r ■ . governa c administra. Isso não
1 \ as notáveis observaçõ«- práticas que o Sr. Alencar, ex-ministro da
justiça, consignou a p 138 do relatorio de 18G9, a propósito da respectiva
secretaria.
Vivien não duvîuou indicar as alteraçõr revisas nas fórmulas das repar­
ações. I.<’- o no ultimo capitulo do vol. 1 dos seus E'tiides administratives:
a Des formules imprimées d’avance pour tout ce qui est de pure forme,
des signatures données par bordereaux pour out c qui n’est pus sus­
ceptible de vérification, de simples annotations au lieu dc copies, des
transmissions faites par un ordre écrit en marge au lieu de lettres, d’au­
tres simplifications encore qu’il serait facile d’adopter, corrigeraient des
h; .1 ludes créées sans doute par des commis inutiles, qui voulaient se
d • ner quelque chose à faire. Il est juste dc dire que quelques ministres
sont entrés dans cotte voie. Il importe que leur exemple soit suivi, e!
qu’en dépit <e la routine et des résistances des bureaux, la réfoi me s’élen-
* . à tous les services publics.
« il faudrait donner plus aux rapports personnels et directs. Rien n’est
plus trompeur que l’administration assise et toujours armée d’uno plume.
Trop souvent, celui que a envoyé une lettre croit que son devoir est accom­
pli, et qu’un acto ordonné est un acte lait.... Il n’j a de bonne adminis­
tration que celle qui voit par ses yeux, qui se monte et qui parle....
A écrire beaucoup on gagne d’etre jugé sur les moyens plus que sur les
effets. »
INTERESSES PROVINCIAES 381

humilha só os ministros de estado, commissarios do


parlamento : mata a administração, enfraquecendo a
iniciativa e qucbrantando os brios dos homens pú­
blicos. Emquauto não fizermos uma realidade da pre­
sidência do conselho, instituição parlamentar, con­
vertida, porém, cm escudo da realeza, emquanto não
dcscmpecermos a acção dos ministros, economisaudo
o tempo consumido em infinitos e estereis conselhos
dc gabinete, continuará irreparável o esmorccimento
dc toda a administração .'
Para simplificar o acelerar a marcha administrativa,
é indeclinável também que o provimento de certos em­
pregos geraes nas provincias seja coinmettid aos de­
legados do governo nellas, ou aos chefes de cada um
dos serviços.
E’ um erro julgar isto indifferente para os interesses
locaes e para a liberdade. Pernicioso á autonomia das
provincias é tudo que exagerar possa a influencia da
capital Mas basta que a commodidade dos povos o
exigisse, para que não devesse subsistira fórma actual
do provimento de cargos secundários. Notarios pú­
blicos ’, officiaes papelistas, escreventes das repar-

1 V. o projecto que neste sentido oHereccmos á camara dos deputados,


em sessão de tf de junho de 1868.
’ Quanto aos officios do justiça, cargos eminentemente locaes, não bas­
taria arrancal-os do podar executivo ; dever-se ia, a exemplo dos Estados-
Unidos, devolver aos juizes c tríbunaes o provin nto dos ollieios respecti­
vos. Fôra isto homenagem á independencia da magistratura. V. Parte I!
cap VII, §2”.—Entretanto, nada menos sustentável que o actua' proxi-
mento de todos os ollieios pelo imperador, usurpação feita ás provincias
depois de 1840 : tem-lhe dignamente resistido Minas-Geraes, onde nenhum
s partidos ainda consentiu em revogar a legislação provincial que regula
a tomeação para esses cargos e a provisão de advogado.
382 PARTE TERCEIRA

tições e seus porteiros, agentes do correio, ainda lioje


dependem de nomeação central, alguns até deassigna-
tura do imperador ! Neste sentido, mais extensas attri­
buições que as dos nossos presidentes, foram pelos reis
portuguezes investidas nos donatários c governa­
dores das capitanias
Ainda quando fosse electivo o presidente, não devia
de prevalecer a presente concentração do poder exe­
cutivo : este tem em cada provincia commissaries dos
serviços especiaes, a quem poderia incumbir o provi­
mento dos cargos subordinados. Emquanto, porém,
é o presidente delegado do imperador, que inconveni­
ente liavoria nessa deslocacão de attribuições, de uns
para outros agentes do mesmo poder?
Debalde très vezes propoz-sc uma lei a este respei­
to, em 1859, 1860 e1864: ainda pende do senado,
onde todas as reformas naufragam, a ultima votada
pelos lib 'raes. Oppoz-se-lhc a letra da constituição,
argumento com que se repellcm o progresso das in­
stituições c as reformas liberaes. mas que não tem
obstado a nenhuma lei rcaccionaria.
E’, todavia, urgente a medida tantas vezes lem­
brada. Notável serviço prestaria aos interesses pro-
viuciaese á propria dignidade do governo, o ministério
qne reduzisse a estatística dos que exercem no Rio de
Janeiro a profissão de pretendentes ou corrcctorcs de
empregos geraes nas provincias.
Dever-se-ia preferir, nesse intuito, a idéa do pro-

1 Obras de J. F. Lisboa; vol. III.


INTERESSES PROVINCIAES 383

jecto de 1859, mais amplo que, os outros, comquanto


menos preciso Si a medida, porém, assentasse no
largo pensamento do acto addicional, não se limitaria
a essa deslocação sómente
*, mas deveria converter em
empregos provinciaes parte dos que reputavam geraes
os mencionados projectos.
Entretanto, admitta-se ou não a larga reforma res-
tauradora das franquezas provinciaes, fique para
sempre extincto este süpplicio da concentração de
pequenos empregos e pequenos negocios no Rio de
Janeiro. Já os conservadores começam a comprelien-
der que isso vexa os povos, embaraça os ministros e
corrompe a administração, tirando-lhe a força e o pres­
tigio ’. E’ acaso mister insistir nos effeitos politicos
dessa odiosa centralisação ?
Bél.' aquilataram os perigos da oranipotencia do
executivo os estadistas de 1831. Antes do acto addi­
cional, a lei das attribuições da regencia onferiu ao
governo imperial o provimento dos altos cargos só-

1 Abrangia o projecto de 1859 os seguintes cargos, que aliás os outros


não mencionaram : secretários do governo, da policia, das faculdades, das
relações, dos arsenaes, das capitanias, bibüolliérarios, official maior dos
tríbunaes do coinmer.-io, contadores dos correios, elC- Não incluía, porém,
os empregados das repartições da terras publicas. — Escusado é advertir
que, perante o acto addicional, não são geraes, mas provinciaes, o primeiro,
segundo, quarto o oitavo dos referidos cargos.
* Segundo a pi oposta de 1869 para a reforma da guarda nacional, só os
commandantes superiores seriam nomeados pelo governo geral ; e um dos
projectos ministeriaes de reforma judiciaria, do mesmo atino, commettia acs
piesidentes de provincia a escolha dos juizes municipaes. Um deputado pro
*
poz então que os chefes de policia fossem igual mente nomeados pelos pre­
sidentes.
384 PARTE TERChiRA

mente; os mais empregos civis ou eciv iasticos cessa­


ram de pertencer ao pailroado central. 1
Esse padroado.nào corrigido por um rigoroso systema
de concurso,era accusado,ua propria Inglaterra.de cor­
romper as eleições e prejudicará independencia do par­
lamento5. Exerce-o o presidente dos Estados-Unidos em
escala enorme : dezenas de milhar de empregos fe­
deraes dependem das secretarias dc Washington : mas
tão larga distribuição de favores pelo executivo já se
reconhece ser perigosa para a moralidade publica,
comquanto não para a liberdade cm paiz tão profunda­
mente democrático. U mal, com efieito, é ali atte-
nuado pela propria origem popular e pela renovação
periodica do supremo magistrado da republica : ella
não corre o perigo de ver o funccionalismo convertido
em exercito dynastico, como em França. Entretanto,
uma lei recente restringiu consideravelmente o arbí­
trio do executivo ’, e não falta quem lá deseje con­

' Lei de 14 de junho de 1831, art. 18 : <r A altribuição dc nomear bispos,


magistrados, commandantes da força d? terra c mar, presidentes das provin­
cias, embaixadores e mais agentes diplomáticos e commerciaes, e membtos
da administração da fazenda da côrte, c nas provincias os membros da»
juntas de fazenda, ou as Autoridades que por leis as houverem de substituir,
será exercida pela regeucia, attribuição, porém, de prover os mais empre­
gos civis ou. eclesiásticos excepto os acima especilicados, e aquelles cujo
provimento detinitivo competir por lei a outra autoridade ) será exercida na
côrte pela regencia, e nas provincias pelos presidentes em conselho, prece­
dendo as propostas, exames e concursos determinados por lei. » .
* Era incontestável a intluencia perniciosa das nomeações c promoções
arbitrarias ; c, por acto proprio do gabinete, o governo inglez acaba de con.
sagrar mui amplamente o concurso para o provimento dos cargos civis. Mais
uma conquista da democracia na terra dos privilégios 1
» Tenure of civil offices act, 1867. — Segundo a constituição (art. 11, sec.
INTERESSES PROVINCIAES 385

ferir ao povo a escolha de certos empregados federaes,


conio.já o foi a de muitos dos funccionarios dos estados1.

§ 2), póde o congresso conferir a nomeação para empregos secundários


ou sú ao presidente, ou aus tribunaes de justiça, ou aos chefes das repar­
tições.
1 « Nenhum parlido jamais removerá inteiramente as restricções .'da leide
1867), e deixará o provimento dos empregos inteira e exclusivamente ao ar­
bítrio do presidente. O verdadeiro mal procede do demasiado padroado
exercido pelo executivo, e das influencias corruptoras por tanto tempo
aberlamente empregadas cm dirigir as eleições por nrcio desse padroado fede­
ral. O mal sú se poderia extinguir, e as eleições prcsidenciacs sõ se tornariam
pacificas épuras com nina reforma organica, que conferisse a escolha dos
funccionarios federaes a quem as constituições dos estados a teem geral­
mente conferido, — ao povo. Si o tempo tem demonstrado que o principio
democrático da electividado pôde ser deixado á sabedoria da escolha popu­
lar, porque não se appliçaria a mesma regra a muitas classes de empregados
federaes? » Paschal, Annotated Constitution ; n. 184.

A PROV. 49
INTERESSES PROVINCIAES 387

CAPITULO VIII

NOVAS PROVINCIAS E TERRITÓRIOS

Deferindo ás provincias tão amplas faculdades, con­


vertendo em autoridades locaes alguns dos funccio­
narios geraes, transformando o presidente em dele­
gado do povo, acaso suppomos que possa coexistir
com essa reorganisação a actual divisão do império?
Problema rodeado de innumeros tropeços, deman­
dando serio estudo dc nossa geografia politica, não
cabe aqui tratar-se sinão mui imperfeitamente. Não
nos parece, entretanto, temerário affirmai1 que um
dos erros da constituição foi dividir o Brazil em pro­
vincias politicamente iguaes, com as mesmas insti­
tuições e a mesma representação. Os autores do acto
addicional viram-se forçados a contemporisar com o
facto consummado. Não lhes foi dado seguir o sabio
exemplo da União Americana, onde os territórios do
deserto, si possuem instituições municipaes e legis­
latura local, não teem representação no congresso:
por commissarios do presidente da republica são
administrados, até que, povoando-se e prosperando,
sejam admittidos no grêmio da União como estados
perfeitos.
Quem considerar attentamente a nossa carta poli­
tica, cujas linhas caprichosas só incontram similhan-
388 PARTE TERCEIRA

ça nos labyrinthos das ruas de nossas cidades edifica-


dãsá tòa, perceberá desde logo estes doas vicios prin-
cipaes : — lia grandes provincias mal traçadas, com
dimensões irregulares c prolongamentos arbitrários,
que em demasia prejudicam aos interesses dos povos;
— ha, por outro lado, verdadeiros desertos, com muitas
dezénas de milhar de léguas quadradas, convertidos
em provincias o incluídos nellas, quando melhor fôra
repartil-os em certo numero de districtos administra­
tivos.
Estas duas proposições nada teem de exageradas.
Para verificar a primeira, basta ver a Bahia, esten­
dendo e pelo baixo S. Francisco íalém da Boa-Vista),
abranger um terreno que mais commodo' fôra anne­
xai' a Sergipe; passando ao sul do Jequitinhonha,
privar o norte de Minas de attingir ao litoral e ligar-
se aos portos de mar que justamente reclama ; e,
emfim, espraiando-se pela margem esquerda do mesmo
S. Francisco, dominar um território que, tendo Barra
por capital e comprehendendo as comarcas de Parna-
guá (Piauhy), da Palma e parte da de Porto-Imperial
(Goyaz), deveria possuir administração propria, como
aliás se tem proposto.
Mais ao norte, Pernambuco prolonga-se pela v.alle
do grande rio commuai, e abrange o vasto sertão dc
Ouricury e Boa-Vista, cujas communicações melhor
far-se-iam pela Bahia, a quem mais natnralmente
pertence.
Alarga-se Minas em todos os sentidos, jazendo a um
canto a sua capital. Dessa vasta superficie haveria
INTERESSES PROVINCIAES 389

bastante para duas novas provincias : Minas do Norte,


comprehendida entre o curso do Jequitinlionha e o do
Rio Doce, com portos de mar tomados á Bahia e Es­
pirito Santo ; Minas do Oeste, formada das comar­
cas de Passos, Uberaba, Paracatú e Januaria, com o
8ul de Goyaz desde o Paranahyba até o alto Ara­
guaya.
S. Paulo toma as comarcas de Lorena e Bananal ao
Rio de Janeiro, assim como este occupa, além do
Parahyba, um território que devêra de unir-se ao
Espirito Santo.
Não menos evidente, resalta. do mappa do Brazil o
outro facto assignalado.
O que são o Alto-Amazonas e Mato-Grosso inteiros?
as extremidades septentrionacs e meridionae
* 5 do
Pará ? o angulo meridional do Maranhão (comarcas
de Pastcs-Bons e Carolina) e o septentrional de Goyaz
(Boa-Vista e norte do Porto-Imperial) ? o que são,
finalmente, os abençoados Campos Geraes que do Rio
Grande, ao norte de S. Paulo, se estendem até ao
Uruguay cm Santa Catharina, e á serra de Maracajú
em Mato-Grosso, limitando com o Paraguay e Cor-
rientes ? Desertos, immensos desertos, cobrindo très
quintos da superfície do Brazil, 150,000 léguas qua­
dradas. Como conceber aaministração expedita e se­
gura cm taes extensões, ou formem uma só provincia,
como Amazonas e Mato-Grosso, ou se prendam a
outras, como as demais? Como acreditar que nessas
isolidões funccionem seriamente as instituições de um
povo livre, instituições que aliás pódem manejar as
390 PARTE TERCEIRA

populações, muito mais felizes, do litoral? Como des­


conhecer que actualmeutc essas regiões são apenas
campo de exploração política de algumas summidade
do Rio de Janeiro, e que o systema represe’ .tivo
traduz-se para ellas em uma permanente corrupção?
Como incobrir que ahi não se promovem melhora­
mentos alguns, e que sua triste iminobilidade só po­
derá ser interrompida por administradores sem
preoccupações políticas ?
Assaz vimos os perniciosos effeitos da uniformidade
cm nossa organisação : aqui elles se patentêam
a toda a luz.
Estamos persuadido de que, si outra fôra a primi­
tiva divisão do império, si melhor se houvessem
agrupado as comarcas componentes de cada provin­
cias, e destas separado os extensos desertos intermé­
dios e os occidentaes, menos pretexto haveria para
negar ás provincias a restituição das faculdades usur­
padas em 1840. A’s reclamações das mais illustradas
e prosperas oppõe-se constantemente o atrazo em que
jazem esses desertos elevados a provincias ou incluí­
dos nellas ; e o argumento é, sem dúvida, plausível.
Não se inverta, porém, o nosso pensamento. Não
propomos a subdivisão das provincias por um proces­
so mecânico e brutal, como o aplicaram ein França,
e como o desejaram aqui cm odio ás instituições lo­
caes. Não queremos dilacerar laços formad.s por tra­
dições seculares e interesses positivos. A divisão de
um Estado uão se faz a compasso, descrevendo infle­
xíveis linhas astronômicas, ou acompanhando só-
INTERESSES PROVINCIAES 391

mente os limites da natureza physica. Fazem-na,


atravez dos séculos, a historia e o commercio dos
povos. De pouco nos contentamos quanto a novas pro­
vincias : a do S. Francisco no occidente da Bahia,
a de Minas do Norte entre os Rios Doce e Jcqui-
tinhonha, e ade Minas do Oeste comprehendendo osul
de Goyaz, satisfariam, segundo parece, ás necessidades
do presente. O futuro, as novas vias terrestres e fluvi-
aes, indicarão depois o que mais convenha. Essas mes­
mas quizcramos que fossem erigidas, não por acto dis­
cricionário do parlamento, sinão ouvidas as popula­
ções interessadas, processo que, a imitação dos Es­
tados-Unidos, devemos adoptai
*.
Desta sorte facilfôra effectuai' as creações propostas.
Acaso parece mais difficil converter era districtos ad­
ministrativos, com assembléas onde houvesse popu­
lação bastante, ou sem ellas, como simples presidios,
os territórios a que alludimos? Taes são, para indi< al-
os de um modo preciso, os nove seguintes: do Solimões,
do Rio Negro (actual provincia do Amazonas), do Ma­
deira e Guaporé (Amazonas e Mato-Grosso), do Oya-
pock (nordeste do Pará), do alto Tapajoz (sudoeste da
mesma), do Araguaya eTocantins (abrangendo secções
do Pará, Mato-Grosso, Goyaz e Maranhão), do alto
Paraná (occidente de S. Paulo, do Paraná e Santa-Ca­
tharina, e valle do Ivinheima em Mato-Grosso), do
alto Paraguay (comarca de Cuyabá e Villa Maria), e
do baixo Paraguay (districto de Corumbá, comarca de
Miranda). Legislaturas, a quem coubesse prover so­
bre o governo municipal dos territórios menos des-
392 PARTE TERCEIRA

habitados, poderíam desde já funccionar nos do alto


Paraguay, Rio Negro e Araguaya, onde existem po-
voações consideráveis (Cuyabá, Manáos, Carolina).
Para essa formação de territórios não faltará a es­
pontânea coadjuvação das provincias interessadas ;
não hão de ser menos generosas e devotadas á causa
nacional, do que os estados de Massachussetts, New-
York, Virginia, Carolinas, Georgia, Louisiana e
California o foram cedendo á União os vastíssimos
terrenos, a principio desertos, onde hoje se contem­
plam os florescentes estados do sul e do oeste. Invo­
quemos o patriotismo das provincias para essa obra
comnium, que tanto importa á grandeza da patria.
Comprehende-se que recusem a sua cooperação e dis­
putem obstinadamente as pósses actuaes, quando se
trata de desannexar dc uma para unir a outra paro-
chias ou comarcas, sein fim elevado que justifique
ou atteinte a dissolução de antigos laços e veneráveis
tradições. Mas, ao se eflèctuarein as vastas reformas
descentralisadoras, todas farão alegremente o sacri­
fício imposto pela causa cominum.
A empreza demandará, em todo o caso, muitíssimo
tacto. As maiores provincias teem que fazer, da sua
parte, grandes concessões : o Rio de Janeiro carecerá
resignar-se a ver a capital do Estado transferida para
sitio mais resguardado, mais conveniente á vida
política e ao trabalho de gabinete, mais salubre, mais
central; todas ellas hão de respeitar o principio da
igualdade, nomeando cada uma (lous senadores so­
it mte, e consentindo na periódica distribuição das
INTERESSES PROVINCIAES 393

cadeiras da camara temporária proporcionalmente á


população verificada pelo ultimo censo. Realisar-se-lia
desta sorte o equilíbrio politico, que debaldc se tenta
firmar por outros meios.
Sobre a urgência dessa nova distribuição parlamen­
tar, muito haveria que dizer. Si, na falta de um
censo exacto, se tomasse, como expressão do mo­
vimento das transacções, do commercio e da riqueza
em cada provincia, o produeto das rendas internas, re­
sultariam desproporções consideráveis. Por exemplo,
Minas Geraes, que noraôa um sexto de toda a repre­
sentação nacional, para a renda interna (unica que
alii se cóbra além da extraordinária ) sómente con­
tribue com a décima oitava part”. Occorre exacta-
mente o inverso no municipio noutro e provincia do
Rio de Janeiro, que, contribuindo com 61 •/, de toda
aquella renda, apenas teem 10 •/. do numero de depu­
tados e senadores. Só aestatistica da população e da
riqueza, explicando esses disparates, removería de
nosso regimen a censura, que justamente lbe fazem,
de repousar sobre bases completamente arbitrarias.
Este grave inconveniente da desigualdade na re­
presentação, que tantos ciúmes fomenta e tantos de­
sastres semêa, os Estados-Unidos o evitam prefixando,
periodicamente, o numero de habitantes correspondente
a cada cadeira da camara dos deputados. Muito menor
outr’ora, este algarismo é hoje de quasi 150,000. Ali a
deputação de cada estado não é fixa, mas altera-se
conforme iluctúa a população. Os de léste e centro
dominavam, ha pouco, a maioria do congresso : hoje a
a prov. 50
394 PARTE TERCEIRA

influencia passou aos populosos e florescentes estados


occidentaes. Só no senado existe, c mui sabiamente,
absoluta igualdade de representação.
Concluamos com uma derradeira advertência. A
repartição de duasprovincias(Amazonase Mato-Grosso)
em certo numero de territórios, e a conversão em outros
das secções que confinam com o deserto ou são deser­
tos, não importa sóraente á boa administração, mas
também á liberdade política. Os districtos eleitoracs
chamados do sertão, os das duas mencionadas provin­
cias, de Goyaz e outras, não são, porventura, bourgs-
pourris, uso-frueto de cada ministério por seu turno?
Ahi as candidaturas officiaes são infalliveis ; ahi não
ha illu ação, riqueza, pessoal, que possa sobrepujar
ou emnece- torrente do poder. O candidato official
não ;ui ahi competidor. O que ganham os partidos
com esta falsificação do systema? Cada qual abusa
por sua vez desse facil triumpho, e por sua vez des-
m valisa-se recorrendo a um triste expediente.
A actual divisão do império incorre, portanto, nesta
dupla censura : embaraça a reforma descentralisadora,
e falsifica o systema representativo.
395

CONCLUSÃO

Depois de estudar cada um dos poderes provinciaes,o


legislativo, o executivo, o judicial, examinámos tam­
bém, quanto em nossas forças cabia, o vasto circulo
de interesses meramente locaes, ou communs ao Estado
e á Província. Quão longe nos achamos, ha de o leitor
reconhecer agora, de uma organisação ondv os primei­
ros funccionem independentes do poder central, e os
segundos attinjam á plenitude do seu desinvol-
vimento !
Assembléas provinciaes, pêadas pelas usurpações
de 1840 e posteriores, arrastam a vida inglória de
uma instituição desprestigiada.
Presidentes, — agentes de outro poder, não repre­
sentantes da província, commissarios eleitoraes, não
administradores e executores dos decretos das assem­
bléas,— tudo podem, até suspender leis promulgadas.
Municipalidadcs'îextinctas, literalmente extinctas,
sem mais prestigio que as assembléas, e muito menos
sensíveis á qualquer movimento de independencia,
nem protestam contra a sua profunda humilhação.
Justiça c policia, não separadas, mas estreitamente
unidas je confundidas,—puro funccionalismo, pelo go-
396 CONCLUSÃO

verno central arbitrariamente montado, com a mais ri­


gorosa symetria, sem attenção ás difiércnçasdas lo­
calidades, — exercem, ás ordens directas do presidente,
a grande missão de domarem o suffri ,io e de conver­
terem o parlamento em cbanccllaria do império.
Melhoramentos moraes ou materiaes, a instrucção
do povo, a emancipação do escravo, o povoamento dos
nossos desertos pelo emigrante do norte do globo, vias
terrestres ou fluviaes, tudo protrahe-se lentamente
ou tudo está por fazer.
Em summa, gover o absoluto, dispondo a capricho
da segurança, da honra, da propriedade e da vida do
cidadã que vegeta sem tranquilidade e não scisma
no futuro cm receios ; espirito publico corrompido,
sen ideal, dominado pelas mais terrenas preoccupa-
ções, inerte diante das exigências do patriotismo,
indifferente á causa da liberdade — á honra dc povo
soberano : eis o resultado da eentrali-ação fundada
sobre as ruinas do acto addicional.
De sóbra alcançaram sou alvo os contra-revolu-
cionarios de 1840 : intorpecidas, annulladas, carre­
gando responsabilidade mui superior ás faculdades
que lhes deixaram, nossas provincias offerecem o mais
triste espectáculo . Lástima é vel-as debatendo-se nesse
supplicio. Do que se occupam ? o que nellas commoveos
espíritos? o que agita a imprensa ? Excessosde autori­
dades irresponsáveis como o poder que as mantém, elei­
ções viciadas, e sempre eleições. f.ivorcs illegães, pre-
tenções de empregados, e, quando muito, projectos de
intermináveis edifícios nas capitaes.
CONCLUSÃO 397

Fossem, porém, as provincias reintegradas na sua


autonomia constitucional, formassem livremente o
seu governo interior, gyrassem com plena isenção no
circulo dos interesses locaes, e sem dúvida se desva­
neceríam estas scenas mesquinhas, tristes effeitos da
centralisação.
Esboço de obra não acabada, o que valem nossas
instituições provinciaes a bem da liberdade política,
o que podem para o fomento do progresso ? Deficien­
tes e incohérentes, não perservam uma, nem acele­
ram o outro. Cumpre encher as lacunas, cumpre eli­
minar as incongruências da organisação actual.
Para curar enfermidade tão grave, não bastam me­
didas moderadas. Ou promovam a larga refoi <a des-
centralisadora, ou terminem uma situação eq ivoca
e detestável proclamando francamente a unidade
monarchica á européa. Dividam então o Brazil era
200 eircunscripções iguaes, da ordem c ■■ comar­
cas, dêem a cada uma conselho de prefeitura e admi­
nistrador civil : herdem o parlamento ou o governo as
attribuições legislativas das assembléas. E’ logico,
é pelo menos urna solução clara: acaba o equivoco,
cessa o ingano, completa-se resolutamente a obra
destruidora que um novíssimo projecto de interpre­
tação recomeça com a habitual temeridade das rea-
cções.
Terão, porém , esta audacia das suas convicções
aquelles que systematicamente hão amesquinhado a
Província ? Poderá a reacção monarchica preenche ■
todos os seus desígnios, c, depois de diluir o acto
addicional, abolil-o francamente ?
398 CONCLUSÃO

Quanto a nós, preserva-nos deste receio a propria


situação gerada pela política centralisadora, os des­
contentamentos que promove, as impaciencias e irri­
tações que excita. Quem desconhece, por ventura,
que só a descentralisação póde abaixar os clamores
que já resoatn contra a integridade do império?
A união não hade resistir muito tempo aos sa-
cudiraentos dc sérios interesses conctilcados ou desa-
tendidos. Pedem-se de toda a parte escolas, es­
tradas, trabalho livre, melhoramentos moraes e ma-
teriaes. Por si só, mal póde o governo central acudir
a este ou aquelle mais ardente reclamo ; e por
cada um que satisfaz ou illude, vê recrescer a im­
paciente exigencia de todos os outros. Não lhe resta,
portanto, niais que uma solução : dividir a sua formi­
dável responsabilidade, invocar o auxilio do municí­
pio e da provincia para a obra commum da prosperi­
dade nacional ; em uma palavra, descentralisar.
Não, não ó isto abdicar; é, pelo contrario, fortifi­
car-se, e habilitar-se, alliviado de um onus excessivo,
para o pleno desempenho da grande missão que
ao Estado compete cm nossa imperfeita sociedade.
Essa grande missão dc liberdade e progresso não
se circunscreve á perseverança no aperfeiçoamento
da legislação, á implacável energia cm moralisai- o
governo ; comprehende. também a tarefa de acelerar a
obra da civilisação. Caminhos de ferro, navegação,
telegraphos, agentes physicos do progresso moral,
são meios infalliveis de fortalecer ou de consolidar a
união das provincias, afrouxando os odiosos laços
da centralisação.
CONCLUSÃO 399

Como escurescer a immensidadc do erro de um go­


verno que, desdenhando da sua missão propria, tão
grandiosa, tão nobre, ha consumido trinta annos em
luta aberta contra as liberdades do cidadão e as fran-
quezas da provincia ? Como não exprobrar-lhe a ce­
gueira de uma política que, rejeitando o caminho que
o levava a elle á gloria, e o Brazil á prosperidade, pre­
feriu trilhar obstinadamento a róta batida dos princi­
pes europeus? Como não cmbargal-o na marcha ver­
tiginosa em que prosegue, bradando-lhe :
Vós perdeis o paiz, perdendo-vos ! vós o arremes­
sais de novo nas crises revolucionarias !
Julgais unir estreitamento a com: nhão
brazileira, apertando-a com os vosso regula­
mentos, e suflbcando-a na papelada das vossas se • -
tarias ? Engano manifesto ! estais, sem dúvida, estais
preparando a obra, talvez fatal, da dissolução do im­
pério.
Vêde o Norte. E’ nome vão apenas depois que
vossas leis e vossos proconsules arregimentaram as
cohortes pretorianas do absolutismo dissimulado ; pois
bem ! elle passará a ser depressa uma realidade
tremenda. Basta-lhe computar suas forças, e pesar
friamente os benelicios e os encargos da união.
Auginentam cada anno as prosperas receitas das
onze provincias septentrionaes: da Bahia ao Amazonas
entram nos cofres nacionaes 36,000 contos; mas só­
mente 15,000 nellas se despendem, ou no Rio de Ja­
neiro e em Londres, com serviços realisados em cada
uma ou que a todas as onze interessam. Os 21,000 contos
400 CONCLUSÃO

restantes desde já promoveríam o desinvolvimento ma­


terial e moral do Norte, sinão fossem absorvidos pelos
juros da divida pública e pelo custeamento da adminis­
tração central. Àté o ultimo ceitil paga. o Norte, que
aliás geralmente se reputa na dcpendencia do Sul, a
quóta que lhe cabe na despeza dos serviços nacionaes,
sem nada restar ao thesouro do império, antes o au­
xiliando com uma somma liquida considerável, pouco
inferior a7.000contos este anno. 1
Para avaliar, porém, de resultado tão Jisongeiro a
essa parte, do Brazil, attenda-se que na despeza propria­
mente nacional figuram verbas exageradas, figura o
luxo de administração montada com funccionalismo ex­
cessivo,clientela dos homens politicos da capital, figúra
o serviço da divida accumulada pelas guerras do Prata
e Paraguay.
Certo, cumpre reconhecel-o, não é duvidosa a van­
tagem da união pelo lado da grandeza e da força ; mas,
sob o ponto dc vista financeiro, se deve confessar que
a separação é indifferente. Outras questões hão de
surgir, outros interesses hão de inclinar a balança, e
decidir dos destinos da nossa nacionalidade.
Mui graves são essas questões ,e tão patentes, que
mal avisado fôra tentar vélal-as. Resolutamente
as encaremos, pois, si buscamos a verdadeira solução
da dificuldade, o meio seguro de restabelecer o equi­
líbrio, consolidando a integridade do Brazil.
Desde o primeiro reinado, guerras com as republi-

> V. o Appendice.
CONCLUSÃO 401

cas vizinhas dizimam a população do Norte, con­


vertendo-o em viveiro de recrutas do exercito e ar­
mada, e impõem-llie o sacrifício permanente de divida
avultada, na qual só ó moralmente solidário de quantia
minima, a divida da independencia. Entretanto, sem
colherem vantagem da preponderância ou intervenção
era negociosdo Prata, que lhes não importam directa-
mente, sinão como parte integrantedo império, as pro­
vincias do Norte sabem que nunca involveram o
Brazil em guerras externas, e nas civis não foram
mais abundantes que o Sul.
No valle do Parahyba (Rio de Janeiro, S. Paulo,
Minas) concentra-se um milhão de escravos. Outr’ora,
os interesses da sua grande propriedade prosei astina-
ram a repressão do trafico, humilhando a nação inteira
e corrompendo um g-overno em que iníluiam os
Crésos, negreiros da capital : hoje, esses mesmos in­
teresses adiam indefinidamente as medidas abolicio­
nistas da escravidão, e repellem até as indirectas. No
Nu.te, porém, varias provincias quasi não possuem
escravos, e todas, inclusive Bahia e Pernambuco, pra­
ticam o trabalho livre em escala considerável : o al­
godão, o café, o fumo, a borracha, o caeáo, que ellas
exportam, não os produz o escravo; o proprio assucar,
em parte que augmenta progressivamente, é também
fructo da liberdade. Algumas dessas provincias podem
por si mesmas remir os seus captivos, e desejam apro­
ximar a época da emancipação : nenhuma encara com
pavor a política abolicionista. Fôra, entretanto, mais
plausível a exigencia do lavor servil no clima ardente
a prov. 51
402 CONCLUSÃO

das nossas regiões do equador, que nos amenos campos


e temperados valles das provincias tropicaes. Todavia,
naquellas, si elle diminue, cresce sem cessar a sua
prosperidade ; nestas, onde tudo favorece o trabalho
livre e convida o immigrante, accumulou-se a escra­
vatura ; e, cavando a ruina de duas gerações, retar­
dando o progresso, derramando o pânico, tornando
incertos todos os cálculos, falliveis todas as emprezas,
a funesta instituição dominadora no Sul obriga a um
adiamento temerário o resto do paiz, que póde affrontai’
o futuro com menos susto ou mais coragem. Repetin­
do a memorável phrase de Sumner, se póde, portan­
to, di'er aqui, com a mesma exactidãoquo nos Esta­
dos- Ui .dos : Freedom national, slavery sectional.
E, mame melhoramentos materiaes, tem acaso
o Norte um só porto, sem exceptuar o de Pernambuco,
onde se hajam feito trabalhos sérios? Em sete das
provinci 3 septentrionaes, nenhum serviço notável
custea o Estado. Duas contam estradas de ferro cou-
demnadas á estabilidade, emquanto a de « Pedro II »,
inda que timidamente, não tem cessado de proseguir
á custa da receita geral. Não possue o Norte marinha
mercante; aos armadores do Rio de Janeiro paga fretes
excessivos : suporta as duras condições da marinha
privilegiada, soporta as fascinadoras doutrinas de
uma escola que pretende promover industrias e fa­
bricas em paiz agrícola, onde á propria lavoura fal-
lecem aptidões profissionaes e capitaes baratos, mais
ainda que braços.
Emfim, epara não ir mais longe, é o Norte interes-
appendice
CONCLUSÃO 403

sado nessa concentração administrativa, que sujeita


o pau á ineluctavel supremazia dos politicos da
capital ’?
Pesai bem esses vivos contrastes, e dizei si a in­
tegridade de um Estado igual a très quartas partes da
Europa póde subsistir sinão a sombra de uma política,
que indemnise as provincias dos sacrifícios que fazem
á uwão. Poderá, porém, resistir muito tempo á acção
de duas causas isoladoras, a desigualdade de trata­
mento e ” centralisação?
Notai que os 36,000 contos da actual receita
do Norte eram, ha vinte annos, a do Brazil todo ; e
que, mesmo sem incluir as rendas municipaes e pro­
vinciaes, é aquella receita superior ao orçamento da
Republi. a Argentina e ao dc qualquer dos povos da
America, excepto sómcnte os Estados-Unidos.
O Norte, folgamos reconhecel-o, não attingiu a esse
extremo de descontentamento, em que a discussão li­
mita com o combate. Fluctúa, é certo, nas regiões
mais próximas do equador, um instincto vago de in­
dependencia ; cm outras propaga-se a dúvida sobre as
vantagens da união. Querem sinceramente dissipar
a nuvem ameaçadora ? Um meio existe, pacifico, in­
fallivel, glorioso; grande resolução exige, porém, e
amais nobre de todas: ade eeder sem constrangimento,
a de resignar o poder arbitrário diante da liberdade
opprimida. Ceda o governo imperial espontaneamente
o que desde 1840 usurpára ao povo, ao municipio, á
provincia; restaure, i.ãouma liberdade nominal e pré­
caria, mas a liberdade, taugivel e prática, da des-
404 CONCLUSÃO

centralisação. Politicatãomagnanima será repudiada


pela cegueira fatal que arrasta á perdição todos os
governos infelizes, todos os systemas decadentes ?
O NORTE E O SUL

(P. 400)

Cobrem as rendas do Norte todas as respectivas despezas da


administração publica e a quota correspondente dos encargos
propriamente nacionaes?
Vejamol-o, começaudo pela

RECEITA

Cresce do modo mais lisongeiro a receitado Nor el’


deve ter contribuído com 30,000 contos para a renda d .369
—70, que attingirá a 96,000, segundo o ultimo relatorio do
ministério da fazenda (1870). Eis a distribuição pelas provin­
cias, extrahida de uma tabella do mesmo relatorio

Amazonas...................................... 91:103$
Pará................................................ 4.077:218$
Maranhão...................................... 2.791:334$
Piauhy......................................... 207:066$
Ceará............................................. 2.815:446$
Rio Grande do Norte................... 591:718$
Parahyba...................................... 706:741$
Pernambuco................................ 13.935:056$
Alagôas......................................... 756:989$
Sergipe.......................................... 364:647$
Bahia............................................. 9.584:943$
35.922:262$
408 A BNDICJ

DESPBZA

Posto que fastidiosos, não podemos aqui supprimir alguns


desinvolvimentos.
Vamos seguir, excepto nos lugares expressamente indicados,
os algarismos de um balanço definitivo, o do exercício de 1866
—67. Como se sabe, as verbas ordinárias da administração
não ofierecem subitamente grandes alterações. Póde-se, pois,
tomar como expressão da realidade as sommas desse balanço,
que aliás é o ultimo publicado na occasião em que escrevemos.

Duxpeza dei administração geral no Norte.

Comprehendemos aqui todos os serviços des differentes mi­


nistérios. sem exceptuar nenhum,— instrucção superior, justi­
ça, culte, fazenda, obras publicas, corpos de guarnição e
divisõer navaes, — cujas despezas se pagam nas thesourarias
de cada provincia. Eis a sua importância :
Amazonas....................................... 352:565»
Pará................................................ 1.467:255»
Maranhão...................................... 1.111:927»
Piauhy.......................................... 363:119»
Ceará............................................. 566:061»
Rio Grande do Norte................... 235:618»
Parahyba....................................... 329:691»
Pernambuco ....'................. 2.881:849»
Alagòas.......................................... 406:814»
Sergipe.......................................... 292:192»
Bahia............................................. 3.497:545»
11.504:636»

Subirá a 11,527 coutos esse total, ajuntando-lhe 12:443»


que no mesmo exercício se pagaram, em Londres e
APPENDICE 409
no Rio de Janeiro, a alguns funccionarios ausentes das provin­
cias, ou por serviços délias. O recente augmente dos venci­
mentos da magistratura o elevará a 11,800 contes.
No exercício do balanço que com pulsámos, as despezas mi­
litares (ministérios da guerra e marinha) efléctuadas no Norte
quasi equivalem ás quenelle se fizeram em anno anterior á
luta do Paraguay, 1863—64, quando lá havia mais tropa de
linha e mais navios da esquadra. O total acima se póde, pois,
reputar despeza normal dos serviços geraes nessa parte do
império.
Si agora se confrontarem os dous totaes, ver-se-ha:
1. “ que tem renda superior á despeza nellas effectuada
cada uma das onze provincias, exeepto Amazonas e Piauhy,
cuja receita aliás se cóbra em grande parte nas estações íiscaes
das outras vizinhas ;
2. » que- a renda excede á despeza em 24,122 contos.
Esta quantia não representa, porém, saldo effec.ivo com
que o Norte contribúa para o erário do Brazil. Pelo thesouro
nacional e pela caixa de Londres se fazem duas ordens de des­
peza, que elevam muito o passivo daquellas provincias. A
primeira é a dos serviços contractados por bem délias ; con­
stituem a segunda as quótas que lhes cabem nos gastos com o
governo central, as relações exteriores e a divida publica.
Vamos dedtizil-as separadamante.

Despeza dc ser riços do Norte.

Aqui incluímos juros a estradas de ferro e subvenções á


navegação, que não se paguem nas provincias que gozam
desses melhoramentos, mas no Rio de Janeiro ou em Londres.
A saber :
1“. Estradas de ferro, 1,646:791$. Sendo:—5 % integraes
garantidos ã da Bahia, 800:000$; 2 •/« da responsabilidade
provincial adiantados pelo governo, lambem integralmente,
320:000$:—5 °/0 á de Pernambuco, não integraes, porque dá
A PROV. 52
410 APPENDICE

renda liquida, 385:5959; 2 idem, da responsabilidade


provincial, 141:196?» ; algarismos que soti'rerào um leve aug­
mente com o recente acréscimo do capital garantido.
2°. Navegação a vapor, 1,652:000b. Sendo:
— Do Amazonas, 720:0009.
— Dos afluentes do Amazonas (96 contos), e do baixo S.
Francisco (40) : despezas que incluímos, posto que, sendo pos­
teriores, não figurem no balanço que acompanhamos.
— Parte da subvenção á companhia Brazileira de paquetes,
correspondente á distancia percorrida da Bahia ao Pará, ou
cêrca de 4/5 da subvenção total, 616:0009, despeza aliás menor
hoje em virtude do novo contracto.
— Parte iguahnente da linha do Rio de Janeiro a New-
York, 180:000b.
Nao-Se’contemplaífi aqui, por se effectuarem nas thesou-
rarias d i fazenda do Norte os respectivos pagamentos, as
subvenções das companhias Bahiana, Pernambucana, Ma­
ranhense, Scrgipense e do Parnahyba, cuja somma, portanto,
já figura no total, acima indicado, da despeza geral realisada
nessas provincias.
As duas verbas, juros de estradas e subvenções de paquetes,
sommando 3,298:7919, reduzem o saldo do Norte a 20,823
contos. Vejamos si elle desaparece diante da despeza propria­
mente nacional, que o Norte soporla como parte integrante do
império.

Quólu d'i des/wt. propriamente nacional.

Quanto attribuiremos ás provincias septentrionaes dos en­


cargos da união ? Onde acharemos a expressão arithmetics da
justa responsabilidade délias ? Resposta exacta dal-a-ia so­
mente a estatistica da população e riquezas do Brazil. Não a
possuímos, nem parcial! Ora. não bastaria conhecer o numero
de habitantes do Norte para determinura sua força produclora,
unica base equitativa dos impostose encargos públicos; e, por
outro lado, nenhuma confiança inspiram as estimativas ofli-
APPENDICE 411
ciaes. Em um documento deste genero (o Império do Brasil na
Exposição Universal, 1867) até se desprezáramos arrolamentos
policiaes já conhecidos, como os do Amazonas e Santa Catha­
rina, dando-se á primeira 100,000 habitantes e á secunda
200,000, em vezde 40,443 e 119,181, que são o resultado de
censos anteriores. Atiribuindo ás onze provincias do Norte
metade da população do império, esse documento não é con­
firmado pelo elemento mais seguro que se depára neste cál­
culo de probabilidades,— a correspondente somma das rendas
geraes.
Para avaliar com justeza a parte dos encargos nacionaes
que direitamente competem ao Norte, nós preíirimos esse ele­
mento, a proporção da sua receita para a receita do im­
pério, por dous motivos: 1’, porque são os impostos geraes
os mesmos em todo o Brazil, excepto sómente, quanto ás al-
fandegas de Mato-Grosso e Amazonas,' uma ligeira differença
de tarifas, que álias não altera o resultado; 2*, porque, tocando
esses impostos a todo o commercio interno e externo, a todas
as transacções e factos da vida civil e industrial, o seu pro-
dueto exprime aproximadamente o valor economico de cada
secçâo de um Estado, e, portanto, a sua capacidade trib.i-
taria.
Ora, no exercício de 1869 — 70, bem como em outros
anteriores, a renda das mencionadas provincias foi 37,5 % da
renda do império. Esta proporção é confirmada pela parte
correspondente ao Norte nos valores officiaes do commercio
de importação, de exportação e de cabotagem. Com certa se­
gurança, portanto, podemos tomar o algarismo 37 °/0 como a
quóta da despeza de caracter nacional impntavel ao Norte.
Passemos a discriminal-a cnidadosamente.
1°. Representação nacional : Família imperial, 1,396:196»;
— Parlamento, 509:672» total, 1,905:868».
Quóta do Norte, 715:159».
2o. Secretarias de estado, agregada ã dc fazenda a parte
da direcção geral do thesouro, 1,366:270».
412 APPENDI

Quota do Norte, 505:494$.


3o. Representação diplomática, tomando a verificada em
um exercício de paz, o de 1863—64, e excluindo a verba da
secretaria de estrangeiros já englobada acima, 621:231$.
Quota do Norte, 229:844$.
4.’ Repartições e despezas diversas da administração cen­
tral, a saber : conselho de estado, supremo tribunal de justiça,
relação eclesiástica metropolitana, casa da moeda, archivo
publico, typographia nacional e Diário oflicíttl, exposições (a
nacional e a internacional de 1867';, adjudas de custo a presi­
dentes e magistrados, eventuaesde diversos ministérios e des­
peza secreta em Londres:—total, 791:687$. Não considera­
mos nacionaes os estabelecimentos de instrucção da cArte, os
institutos de caridade, etc.)
Quóta Norte, 292:892$.
5”. Exercí , sendo:
— f’ùnselho supremo militar, addicionada a consignação
do ministério da marinha, 35:548$.
— Instrucção militar, 170:666$.
— Offici s generaes c dos corpos especiaes, despeza
feita nacôrteeem Londres, além da effectuada nas provincias
(acompanhamos nesta parte o balanço de 1863—64), 417:592$.
— Archivo militar, 22:075$.
— Laboratorios (citado exercício de paz), 128:000$.
— Fabricada polvora (idem), 150:228$.
Não incluímos nem a despeza com arsenaes, nem com os
corpos do exercito, nem com fardamento e equipamento, por­
que, achando-se o exercito distribuído por todas ellas, em cada
província se fazem em tempo de paz os respectivos gastos, que
já foram acima englobados no monte da despeza com a admi­
nistração geral. Em 1863—64, por exemplo, mais de3/4 da
despeza com o exercito pagaram as thesourarias das diversas
provincias aos corpos fixos ou moveis.
Total a distribuir, das indicadas despezas com o exercito,
além das que se effectuant nas provincias mesmas : 924:109$.
APPENDICE 413

Quota do Norte, 341:920®.


6. " Marinha, sendo:
— Conselho naval, quartel general, escola de marinha, bi­
bliotheca, contadorias (uão se ajuntando a intendencia, etc.,
por ser propriamente accessorio do arsenal do Rio de Ja­
neiro), 220:529®.
— Despeza feita na côrte e em Londres, além da que o foi
nas provincias, com officiaes do estado maior, corpos an ne­
xos, divisões da esquadra, gratificações, etc., no citado exer­
cício de paz, 1.244:425®.
— Material da armada, quantia despendida em Londres,
no dito exercício, 941:395®.
— Armamento, equipamento, munições, artigos de reparos
e construcções, medicamentos, combustível, pagos na côrte,
pouco mais ou menos, 709:610®. (Não se inclue t a im­
portância da despeza elTectuada, porque parte p. tenr-' espe
cialmente ao arsenal e divisão naval do Rio de Janeiro.,
Total da despeza com a marinha de guerra, a distribuir :
3,115:954®.
Quota do Norte, 1,152:902®.
Não carecemos advertir que, achando-se a armada mais
concentrada no Rio de Janeiro, onde existem os principaes
estabelecimentos navaesdo império, a despeza central da ma­
rinha é por isso mesmo maior que a do exercito, o qual nos
tempos ordinários se espalha por todo o Brazil e é supprido
pelas thesourarias de cada provincia.
7. ° Finalmente, a mais onerosa das verbas, a do serviço
da divida pública :
— Juros da externa (segundo a lei do orçamento
de junho de 1870).................................... 8,056:560®
— Da interna fundada (idem)..................... 15,269:266®
— Dos bilhetes do thesouro (idem) . . . 3,526:000®
— Dillerenças de cambio............................... 2,668:880®
— Caixa de amortisação............................... 58:900®

Total. 29,579:606®
411 APPENDICE

Quêta do Norte, 10,944:452$.


Sommando as parcellas acima, achamos que a quêta da
despeza propriamente nacional, correspondente ás ODze provin­
cias, é 14,182 contos.
Este considerável algarismo, elevado principalmente pelo
onus excessivo da divida pública, não absorve, entretanto, o
saldo da receita do Norte (20,823 contos), não o deixa em
deficit perante o thesouro nacional. Pelo contrario, o Norte
fornece ao Sul um saldo liquido de 6,641 contos, deduzida
toda a especie de gastos locaes ou nacionaes.

Em resumo :
Satisfaz o Norte, na parte que lhe compete, a todos os en­
cargos da união.
Paga as despezas da administração geral nas suas pro­
vincias.
paga cs serviços que lhes interessam, vapores e estradas
de ferru.
Paga, além da que nellas se effectua, a quota relativa da
despeza com o exercito e a armada.
Pega a quóta igual men te da representação nacional o da
administração central.
Paga os tributos legados pelas guerras do Sul. soffre o pa-
pel-moeda, atura a divida pública.... Ainda mais: remette
ao Rio de Janeiro saldos líquidos, alguns milhares de
contos.
Deve acaso, por cúmulo de males, soportar a centralisação?
Não é sobejamente pesada a união pelos seus onus financei­
ros ? Hadesel-o ainda, perpetuamente, por sua organisação
interna?
INDICE

PREFACIO............................................................................................................ V

PARTE PRIMEIRA

CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO

CAPITULO L— A obra da centralisação...................................... 3


CAPITULO 11.—0 governo nos Estamos modernos................... 13
CAPITULO III.—A CENTRALISAÇÃO E AS REFORMAS...................................... 21

CAPITULO IV.— Objecção.............................................................. 31

Capitulo v.— a federação nos Estados-Unidos........................ 37


Governo federal.......................................................... 38
Governo dos estados : poder legislativo.................... 44
Poder executivo.......................................................... 46
Organisação judiciaria................................................ 51

CAPITULO VI.—Autonomia mas Colonias Inglezas.................... 61


41G INDICE

PARTE SEGUNDA

INSTITUIÇÕES PROVINCIAES

CAPITULO L— O ACTO ADDICIONAL................................................ 79


§ I.— A tentativa de descentralisação........................ 81
§ II.— A reacção: influencia do conselho de estado.
Contra-ieacção................................................ 88
§ III.—Precedentes estabelecidos pela reacção. . . 96
§ IV.— Novos projectos cetitralisadores : conselhos
de província, agentes administrativos. . . . 102
§ V.—Missão do partido liberal................................... 109

CAPITULO II.— A ASSEMBLÉA......................................................................... 113


I.— Senados provinciaes........................................... 114
§ II.— Commissões permanentes.................................. 116
§ III.— Eleição.............................................................. 119

CAPITULO III.— O PRESIDENTE........................................................ UI


§ I.— Eleição do presidente ; independencia dos func­
cionarios geraes................................................ 122
§ II.—Vantagens da eleição do presidente . ... 130
§ III.— Órgãos da administração provincial .... 137

CAPITULO IV.— A MUNICIPALIDADE................................................ 141


§ I.— O vicio da uniformidade. Diversidade dos mu­
nicípios : competência das assembléas ... 143
§ II-—O acto addicional e as municipalidades. . . 149
§ III-—Autonomia do municipio; bases de reforma. 154

CAPITULO V.— A policia . ...................................................... 165


.§ 1.— A uniformid le da policia. Caracter local das
instituições poiiciaes........................................... 166
— Organisação | ilicial de algumas provincias de­
pois do acto addicional : os leis dos prefeitos.
Seu fundamento................................................ 173
INDICE 417

CAPITÜIX) VI.— A força policiai. k a guarda nacional. . . 183


jÿ I.— Força policial : instituição commum à provin­
cia c ao municipio........................ ... 184
§ II.— Guarda nacional: limite da competcncia do
poder central. Abolição.................................. 187

CAPITULO VII.—A justiça............................................................... 195


§ I.— Juizes dc primeirainstancia. Razão do acto
addicional......................................................... 199
S II.— Independencia do poder judicial : nomeação e
promoção dos juizes. Princípios de organisa­
ção judiciaria communs ã lei geral e ás pro­
vinciaes...................................... 206
§ III.— Relações em cada provincia............................. 213
S IV.— Assumptos da competência provincial. Requi­
sitos para o cargo de juiz : o noviciado . . 216
§ V.—Competência exclusiva da lei geral . garantias
do cidadão......................................................... 219

PARTE TERCEIRA

INTERESSES PROVINCIAES

CAPITULO I.— Instrucção publica................................................ 227


§ L— Liberdade do ensino particular. Desiuvolvimen-
to do ensino publico. Ensino obrigatorio . . 229
§ II.— Um systema eílicaz de instrucção consome
muito dinheiro. Justificação da tara escolar,
imposto exclusivamentc provincial .... 238
§ III.— Applicaçào da taxa escolar. Organisação do
ensino nas provincias...................................... 243

CAPITULO II.-Emancipação.............................................. 255


§ I.— O Estado e a emancipação.................................. »
II.— Missão das provincias . . •............................. 265
a pitov. 53
418 INDICE

CAPITULO 111 — Associações............................................ . . . 281

CAPITULO IV.— Immigração.............................................................. 291

'CAPITULO V.— Obras puBÚCÃS.......................................................... 303


§ I.— A centralisação nos melhoramentos materiaes . 306
§11.—Até onde se estende a competência provincial . 312
§ IH.— Missão do governo geral ....... 3»q

CAPITULO VI.— Receita e despeza................................................ 331


§ I.— Insulliciencia das rendas provinciaes. O self-go­
vernment, correctivo dos pesados tributos . . 334
§ II.— Restricções ao poder provincial em matéria de
impostos : taxas locaes addicionadas a impo­
sições geraes . . . •.................................. 33S
§ III.— Impostos de importação. Não se confundem
com taxas de consumo local e taxas itinerárias. 341
§ IV.— Imposto provincial dc exportação ; seu funda­
mento. Inconvenientes da taxa geral sobre
produetos exportados...................................... . .349
§ V.— Novas fontes de receita provincial: o imposto
territorial. . . •........................................... 355
. § VI.— Fusão das imposições provinciaes: taxa di­
recta sobre a propriedade.................................. 360
§ VII.— Impostos geraes que se pode transferir ás pro­
vincias. Correspondem á despeza dos serviços '
que devem ser doscentralisados........................ 363

CAPITULO VII.— Negocios geraes nas provincias........................ 375

CAPITULO VIII.— Novas provincias e touiitorius . . . : . 387



CONCLUSÃO........................................................................................... 395

APPENDICE.—O Norte e o Sui........................................................ 405

ERRATAS 1

Pag. 197. linhas 14—15: regras eriminaj em xez ito regras do processo críiai-
í » ► 16—17: projecto do processo de ,rfima em vea àe projecto de
re/orua.
» 248. > 6—7 : ns m oríarffl
* em vez dc das proriucias.
, 255, „ 13 ; por utilidade publica en vez <le por bem da moralida­
de pública.

Você também pode gostar