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JOÃO PESSOA – PB
2012
CLEBIANA DANTAS CALIXTO
JOÃO PESSOA – PB
2012
C154o Calixto, Clebiana Dantas.
Organização do espaço e práticas para convivência com o
semiárido no assentamento Queimadas – Remígio (PB) /
Clebiana Dantas Calixto.-- João Pessoa, 2012.
124f. : il.
Orientador: Anieres Barbosa da Silva
Dissertação (Mestrado) – UFPB/PPGG
1. Campesinato. 2. Espaço agrário. 3. Agroecologia.
4. Semiárido. 5. Assentamento Queimadas (PB).
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
______________________________________________________________
Prof. Dr. Celso Donizete Locatel (PPGE/ UFRN)
Examinador Externo
DEDICATÓRIA
Eclesiástico 2: 2, 3.
RESUMO
This study has the purpose to analyze the organization of space and agrarian
practices for coexistence with the semi-arid settlement burned, located in the
municipality of Remigio (PB). Reflect on the peasantry and the struggle for land
and a task that formula in the midst of the changes resulting from the
development of capitalism in brazilian field, which, in its uneven development,
inevitably generates the expropriation and exploitation. In this sense the
expropriated use-if the occupation of the land as a form of reproduction of the
work of family-based and materialization of class struggle. In the case of the
study procedures, this was carried out by means of interviews, questionnaires,
bibliographic research, survey of secondary data in governmental and non-
governmental institutions, photo documentation and preparation of maps,
graphs and tables. Such procedures, combined with the theoretical-
methodological framework, have helped us to understand that the settlement
burned down and an area of conquest of the struggle for land and agricultural
production, since it touches experiences, being understood as the spatiality
representative the materiality of man, since the area of agricultural production is
considered the place where the settlers establish relations with each other,
producing and recreating genera that in social life, they are transformed into
goods.
Páginas
Fotografia 01 - Passeata organizada pelo MST, reivindicando a
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posse das terras da Fazenda Queimadas.
Fotografia 02 - Produção orgânica de hortaliças. 57
Fotografia 03 - Produção de Girassol com apoio da Petrobrás. 57
Fotografia 04 - Placa indicativa do P1MC em cisterna de placa 76
Fotografia 05 - Cisterna de Placa em residência do Assentamento 77
Fotografia 06 - Cisterna Calçadão 78
Fotografia 07- Tanques de pedra 79
Fotografia 08 - Produção agroecológica do algodão colorido 83
Fotografia 09 - Espaçamento na plantação do algodão, como forma
85
de inibição das pragas.
Fotografia 10 - Plantio da Palma em lote individual. Ao fundo,
90
residência do Assentado.
Fotografia 11 - Plantio da Palma em área coletiva do Assentamento. 90
Fotografia 12 - Criação de gado 100
Fotografia 13 - Criação de Ovelhas 101
Fotografia 14 - Casa de taipa construída ao lado da moradia
102
principal
LISTA DE TABELAS
Páginas
Tabela 01 - Grupos básicos do PRONAF, enquadramentos e
66
finalidades
Tabela 02 - Registro das Secas ocorridas no Nordeste brasileiro.
72
LISTA DE GRÁFICOS
Páginas
Gráfico 01 - Produção do Algodão herbáceo no Brasil (1950/2006) 82
Gráfico 02 – Naturalidade dos Assentados 94
Gráfico 03 – Formas de acesso a terra 95
Gráfico 04 – Escolaridade dos Assentados 96
Gráfico 05 – Fonte de abastecimento D‘água 104
Gráfico 06- Acesso ao crédito 105
LISTA DE MAPA
Página
Mapa 01: Localização do município de Remígio, com destaque para
a área de estudo. 18
LISTA DE PLANTA
Página
PLANTA 01: Distribuição espacial dos lotes do Assentamento
43
Queimadas – Remígio (PB).
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
PO - Puro de origem
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17
17
social. Portanto, as relações sociais envolvendo terra e trabalho, tendo o
Estado como mediador, desvendam o verdadeiro lugar do campesinato no
processo produtivo.
O estudo em tela tem a intenção de ampliar, por meio de uma análise
qualitativa sobre a organização do espaço agrário e a realidade social e
econômica do camponês em área de assentamento rural no Curimataú
Ocidental da Paraíba.
Cabe destacar que não se trata de um trabalho inovador, ao contrário,
se apóia em trabalhos já desenvolvidos por estudiosos como Cândido (1998),
Lamarche (1998), Lovisolo (1987) e Soares (2007), que realizaram estudos
sobre o trabalhador rural em outros recortes espaciais.
Nesse contexto, o objetivo geral deste trabalho consiste em analisar a
organização do espaço e as práticas para convivência com o semiárido no
assentamento Queimadas, localizado no município de Remígio (PB). Quanto
aos objetivos específicos, estes visam destacar a importância do processo
histórico de formação espacial e de luta pela terra no Curimataú Ocidental
paraibano, tendo como referência o desenvolvimento desigual e combinado do
capitalismo no campo; Discutir as práticas utilizadas pelos camponeses para
convivência com o semiárido, destacando programas, técnicas tradicionais e
novas tecnologias sociais e Analisar a realidade social e econômica dos
camponeses residentes no assentamento Queimadas.
A escolha desse assentamento como recorte espacial do estudo se
justifica pelo fato de ter sido o primeiro Assentamento de reforma agrária em
Remígio (Mapa 1). Município caracterizado pela concentração de terras,
quando comparado com os demais municípios que compõem a Microrregião do
Curimataú Ocidental. Além disso, trata-se de um Assentamento que tem sua
área territorial inserida em mais dois municípios: Areia, na microrregião do
Brejo e Algodão de Jandaíra no Curimataú Ocidental. Essa particularidade
confere a área de estudo uma diversidade de paisagens e de uso e ocupação
do solo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
o município possui uma área territorial de 177, 998 km2 e uma população de
17.581 habitantes, dos quais 4.628 habitantes na área rural (IBGE, 2010). No
Assentamento Queimadas, residem cem famílias.
18
Mapa 01: Localização do município de Remígio, com destaque para a área de
estudo.
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fazendeiro, chamado Remígio dos Reis, construiu sua morada próximo a cinco
lagoas existentes na região. A partir daí novas casas foram construídas e
surgiram novos sítios. Por este motivo o denominaram "Lagoa do Remígio",
tempos depois simplificado para "Remigio". (IBGE, 2010).
Para alcançarmos os nossos objetivos, vários procedimentos, técnicas e
instrumentos de pesquisa foram utilizados, tais como:
a) Pesquisa bibliográfica
Esse procedimento de pesquisa teve por objetivo ampliar o
conhecimento sobre a área pesquisada, bem como dá suporte teórico às
nossas reflexões. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bibliotecas da
Universidade Estadual da Paraíba e da Universidade Federal da Paraíba, no
banco de teses da Capes e em sites da internet.
c) Pesquisa de campo
A pesquisa de campo compreendeu as seguintes etapas:
Reconhecimento e coleta de informação sobre a área objeto de estudo.
Aplicação de formulários, com o objetivo de coletar informações sobre
formas de organização da produção e do trabalho, condições socioeconômicas,
bem como aspectos relacionados à participação social e política dos
assentados. Nessa etapa, desenvolvida nos meses de agosto e dezembro de
2011 e janeiro de 2012, foram aplicados aos responsáveis pelos lotes 45
instrumentos de pesquisa. Considerando que a área pesquisada tem 100 lotes,
o total de sujeitos pesquisados correspondeu a 45%.
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Para a aplicação dos instrumentos de pesquisa a área do assentamento
foi dividida em três partes, cada uma delas constituída em média de 33 lotes.
Em cada uma dessas partes foram aplicados quinze formulários, sendo a
escolha dos informantes feita de forma aleatória.
Realização de entrevistas com técnicos da Emater, com o presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e com lideranças comunitárias. A
entrevista possibilitou a obtenção de informações mais detalhadas sobre o
objeto pesquisado. O interesse maior foi o de apreender a dinâmica interna e
externa do Assentamento;
Visita detalhada aos lotes, nas áreas comuns e de preservação
permanente. Para tanto, foi utilizado o procedimento metodológico da
observação participante, na qual ―o observador participante coleta dados
através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que
estuda a fim de obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seu
próprio contexto‖ (BECKER 1999, p. 47).
d) Documentação fotográfica
Essa etapa teve por objetivo documentar fotograficamente o
assentamento estudado, de modo a possibilitar uma representação visual dos
diversos aspectos abordados no trabalho;
f) Sobre o método
Para Marx (1974), a natureza é material e dado primário, e a
consciência, as idéias, as sensações, são apenas reflexos do mundo. Nessa
perspectiva, o método dialético possibilita uma melhor compreensão dos
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fenômenos que ocorrem na sociedade ao estabelecer a relação dialética de
transformação homem-natureza-homem. Sendo assim, acreditamos que este
método permitiu desvelar a essência do Assentamento Queimadas, não
ficando apenas na sua aparência. Trata-se, portanto, de um método que exige
um espírito crítico de observação, que nos incita a rever o passado à luz do
que acontece no presente e a questionar esse presente em nome do futuro
(KONDER, 2010).
De acordo com Gil (1999), o método dialético é considerado um
procedimento de interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Esse autor
também considera que os fatos não podem ser considerados fora de um
contexto social, político e econômico, empregado em pesquisa qualitativa. Em
resumo, trabalhar com a dialética é buscar uma visão de conjunto que permite
ao pesquisador descobrir a estrutura significativa da realidade, saber quais são
as contradições que existem dentro dessa realidade, ir para além da visão
imediata, para aos poucos ir descobrindo e construindo o que é pesquisado.
g) Estrutura do trabalho
Tomando como base os objetivos propostos neste trabalho, o texto
está organizado em quatro capítulos, além desta introdução e da parte
conclusiva.
O primeiro capítulo, intitulado A organização dos movimentos sociais
como instrumento na luta pela posse da terra, contemplou as questões mais
gerais, no plano teórico, no qual os Movimentos Sociais apresenta sua
capacidade de articulação a partir de uma rede estratégica de ação e no
redimensionamento da luta política, apresentando constantemente propostas e
projetos de organização territorial.
O segundo capítulo, cujo título foi denominado A questão camponesa e
as políticas de crédito, procurou mostrar o conceito de camponês, bem como
as políticas de crédito que atendem o assentamento estudado. Os objetivos
destas políticas, quase sempre circunscritos à dimensão econômica da vida
social, são principalmente referidos à ideia de promover uma rápida
―emancipação‖ ou ―consolidação‖ dos assentamentos rurais como unidades
produtivas.
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No terceiro capítulo, denominado de Convivência com o semiárido:
avanços e desafios em construção, foi realizada uma discussão sobre
programas e tecnologias socias existentes no assentamento para convivência
com o semiárido. Nesse capítulo também evidenciamos a adoção de práticas
relacionadas ao uso e manejo da água e a produção agroecológica,
principalmente do algodão.
Em se tratando do quarto capítulo, intitulado A organização espacial e as
infra-estruturas social e econômica, apresentamos e analisamos os dados
secundários e as informações obtidas diretamente no campo. Assim,
colocamos em evidência o entendimento de que a dinâmica social faz parte de
um processo complexo e contraditório, uma vez que esta possibilita a
apreensão da diversidade de ações, de projetos, de estratégias e de trajetórias
de luta existentes na área onde a pesquisa foi realizada.
23
Primeiro capítulo
A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO INSTRUMENTO NA
LUTA PELA POSSE DA TERRA
1
Período que corresponde ao momento em que a burguesia que é oprimida pelos estados
feudais (na Europa) ou pelas metrópoles (nas colônias), utiliza a mobilização popular
revolucionária contra o feudalismo para impor o seu domínio político e adequar o Estado, suas
instituições e suas leis ao seu já desenvolvido domínio econômico. Nessa época, podemos
diferenciar dois tipos de revoluções: a revolução democrático-burguesa contra o estado feudal
a nobreza e a igreja latifundiária, e a revolução democrático-burguesa em prol da
independência nacional das colônias com a relação aos impérios metropolitanos.
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desapropriação por interesse social e o que se entendia por
imóvel improdutivo. O projeto, compatível com a constituição
de 46, propunha uma solução inteiramente plausível para o
estabelecimento de uma política de reforma da situação da
propriedade rural, mas sofreu todo tipo de oposição e acabou
ficando engavetado no Senado por quase dez anos (SILVA,
1997, p.19).
Foi também nesse período que a luta pela terra e pela reforma agrária
foi intensificada no país, com a atuação das Ligas Camponesas, do Movimento
dos Agricultores Sem Terra (MASTER) e da União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB).
Segundo Azevêdo (1982), as primeiras Ligas Camponesas que surgiram
em nosso país remontam ao período imediatamente posterior à
redemocratização de 1945. Nasceram sob a iniciativa e direção do recém-
legalizado Partido Comunista do Brasil (PCB) e sob a forma de associações
civis que permitiam a mobilização e a organização dos trabalhadores rurais,
com o amparo do Código Civil.
O alicerce dessas Ligas iria refletir, antes de tudo, a necessidade do
PCB de ampliar as suas bases políticas para além das fronteiras urbanas e
concretizar a idéia de uma aliança operário-camponesa para se contrapor ao
latifúndio e ao imperialismo, de acordo com a estratégia política definida desde
os primeiros congressos desse partido. No entanto, essa ampliação das bases
políticas foi adiada para outro momento, como destaca Azevêdo (1982) ao
afirma que:
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Na visão das lideranças do PCB as Ligas seriam, por excelência, os
instrumentos de organização e mobilização das massas rurais. Desse modo, o
partido atuaria não somente com os assalariados da grande propriedade
comercial, mas encamparia também as reivindicações específicas dos
trabalhadores rurais.
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resistir, mas sabiam que isolados no campo não conseguiriam resistir por muito
tempo.
Diante dos fatos, resolveram buscar na cidade do Recife, respaldo
político para os camponeses do engenho Galiléia, junto a José dos Prazeres
presidente da SAPPP, e Paulo Travassos².
O movimento teve uma significativa expansão a partir da segunda
metade da década de 1950, quando passou a atuar em praticamente todo o
Estado de Pernambuco. Apesar de ter atuação mais intensa na Zona da Mata
desse Estado, foi com as ligas camponesas que a luta pela terra e contra o
latifúndio ganhou dimensão nacional, como ressaltado por Oliveira (1990) ao
afirmar que:
____________________________
²Trabalhador rural do Espírito Santo, onde militava no partido comunista. Perseguido pela
polícia, em 1945 viajou para Pernambuco e recomeçou sua atividade de mobilização e
organização dos trabalhadores rurais.
29
Com a intenção de prestar assistência social e jurídica aos associados é
que João Pedro Teixeira, Pedro fazendeiro, Nego Fubá e outros camponeses
criam, em fevereiro de 1958, a Associação dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícola de Sapé - PB, embrião da Liga Camponesa naquele município.
30
suas terras pudessem retornar e permanecer nelas ou, então, recebessem uma
indenização dos latifundiários.
Devido à forte influência exercida pelos latifundiários no cenário político
nacional e paraibano, as Ligas Camponesas passaram a ser reprimidas; seus
lideres perseguidos e mortos, enfraquecendo e desarticulando o movimento.
Como exemplo, destacamos a morte de João Pedro Teixeira, presidente da
Liga Camponesa, assassinado a mando de um usineiro local. Outro líder
igualmente assassinado foi o camponês Pedro Inácio de Araújo, o Pedro
fazendeiro.
De acordo com Bandeira e colaboradores (1997), Elizabeth Teixeira,
viúva de João Pedro Teixeira, também foi perseguida pelas forças repressoras.
Para não ser presa, abandonou o Estado da Paraíba e se refugiou na cidade
de São Rafael, no Estado do Rio Grande do Norte, sendo obrigada a ocultar a
sua real identidade.
O receio de que o Brasil se tornasse um país socialista fez com que
muitos líderes camponeses fossem presos, fugissem ou fossem colocados na
clandestinidade. Com as ausências de seus principais líderes, a Liga paraibana
foi sendo enfraquecida e aos poucos desarticulada.
Nesse contexto, o movimento das Ligas foi marcado pela violência
expressa através de assassinatos das lideranças dos trabalhadores até a sua
extinção resultante da repressão que sofreu a partir da implantação do regime
militar em 1964. Porém, é preciso entender que as Ligas camponesas, mesmo
extintas, deixaram um caminho aberto e uma legislação mais favorável àqueles
que posteriormente passaram a lutar pela terra e pela reforma agrária.
Ainda na década de 1960 inicia-se o processo de sindicalização rural,
institucionalizando a organização dos trabalhadores na atuação dos sindicatos,
das federações e das confederações, sendo o resultado desse processo a
constituição da Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil
(CONTAG). Começaram a se formar também no Brasil as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), que foram grupos de pessoas da periferia ou da
zona rural, organizados por padres ou leigos, em torno de uma paróquia
(urbana) ou capela (rural).
Nas CEBs era realizada a leitura político-religiosa da Bíblia, que
consistia em relacionar o cotidiano de camponeses aos textos bíblicos,
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enfatizando principalmente a relação entre a história de Moisés, dos hebreus e
da ―terra prometida‖ com as histórias pessoais daqueles indivíduos, o que os
ajudou no reconhecimento da comum situação de opressão e a se identificar
como grupo (TARELHO,1988).
Além das CEBs, a Igreja passou a contar, a partir de 1975, com a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), que nasceu da prática das igrejas
envolvidas contra a violência que atingia as comunidades de índios e de
posseiros na Amazônia.
A CPT tinha o objetivo de assessorar e interligar o trabalho pastoral junto
aos camponeses e, ao mesmo tempo, denunciar e registrar os conflitos no
campo. A luta pela justiça social se tornou constante na atuação da CPT, uma
vez que atuar nessa comissão é estar em meio às lutas de diferentes grupos
sociais que compõem o campo brasileiro (MITIDIERO JÚNIOR, 2008).
Na concepção de Canuto et al. (2010), a CPT é uma ação pastoral da
Igreja, tem sua raiz e fonte no Evangelho e tem como destinatários de sua ação
os trabalhadores e trabalhadoras da terra. Por fidelidade ao Deus dos pobres, à
terra de Deus e aos pobres da terra.
Formada por religiosos, voluntários e profissionais das mais diversas
áreas do conhecimento, a CPT foi criando corpo e dando início às suas ações
por todo o país. A essas pessoas foi dado o nome de agente, encarregados de
ajudarem, assessorarem e denunciarem a realidade dos camponeses
brasileiros, oprimidos dentro de um contexto ditatorial e coronelista. Como
forma de denunciar à sociedade, às autoridades governamentais e ao mundo a
situação vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais em todo país, deu
início, ao trabalho de documentação dos conflitos e violências no campo.
De acordo com Polleto (1997), um dos fundadores da CPT, a Comissão
da Pastoral da Terra teve na sua origem imediata uma geografia eclesial e
política diferente daquela seguida pelos movimentos, instituições e grupos de
ação católica que surgiram no seio das igrejas tradicionais e se desenvolveram
no Sul e Nordeste, tendo como fundamento o mandato da hierarquia concedida
aos leigos para que evangelizassem o seu meio social.
A atuação da CPT e de outras organizações que lutavam pela justiça
social no campo fizeram com que a organização sociopolítica dos
trabalhadores rurais ganhasse força no final dos anos de 1970 e no início da
32
década de 1980. Nessa época, podemos destacar os acampamentos e as
ocupações de terra elementos fundamentais para a consolidação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem -Terra (MST) – nos estados da
Região Sul; as lutas dos seringueiros na Região Norte do país e o
aparecimento dos movimentos reivindicatórios compostos de atingidos por
barragens. Essas formas diferentes de luta e resistência demonstram o
potencial contestatório e a força política significativa dos conflitos no campo
(FERNANDES, 1996).
Em se tratando da atuação da CPT no estado da Paraíba, Moreira e
Targino (1997) afirmam que:
³ A Nova República é o período de nossa história onde o Brasil passou a ser um país
democraticamente político. Em 1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente do Brasil pelo
Colégio Eleitoral. A escolha de Tancredo Neves como Presidente deu um ponto final na
Ditadura Militar. Na véspera de tomar posse do governo, Tancredo Neves adoeceu, e dias
depois, 21 de Abril de 1985, veio a falecer. Seu Vice-presidente José Sarney assume a
presidência em seu lugar.
33
Procurando fugir da bipolaridade política, mas destacando-se seu conteúdo
social e sua importância para desenvolvimento nacional, a distribuição de
renda, a ampliação do mercado interno, a produção de alimentos e o
harmonioso crescimento rural-urbano da população, é anunciado pelo governo
o Plano Nacional de Reforma Agrária, despertando uma forte reação e um
reordenamento das entidades de representação da agricultura capitalista.
É nesse contexto que surge a União Democrática Ruralista (UDR),
arregimentando forças políticas opositoras à campanha reformista e difundindo
a violência contra os trabalhadores rurais.
O período compreendido entre 1985 e 1988 foi marcado por uma
acirrada disputa política entre os sujeitos sociais envolvidos na questão da
reforma agrária, culminando com a derrota do projeto reformista.
Essa derrota institucional pode ser percebida em dois momentos:
primeiramente, com a aprovação do Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA) em 1986, pois o seu perfil apresentava uma pálida imagem dos
intentos reformistas contidos na versão original; posteriormente, com a
Constituinte, onde, apesar da simpatia que o tema despertava e da mobilização
dos trabalhadores rurais, a proposta reformista tornou-se limitada à
desapropriação de terras improdutivas.
O resultado mais imediato desse processo foi que de 1988 a 1993,
quando foi aprovada a regulamentação da lei agrária, as desapropriações não
puderam ser realizadas por falta de mecanismos legais (MEDEIROS, 1997).
Segundo Silva (1997), a demora na regulamentação e as imperfeições
contidas na lei definidora do rito sumário 4 estagnaram os assentamentos que já
enfrentavam de lentidão em seus processos de aquisição da terra. Ao vazio
legal imposto pela nova Constituição, somaram-se os efeitos da crise
econômica, ocasionando o aumento da tensão no campo brasileiro.
A partir das contradições geradas com a modernização da agricultura 5 e
da intensificação da repressão política e institucional das entidades
latifundiárias, inicia-se a gestação do principal movimento social de luta pela
terra do Brasil: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem - Terra (MST).
Num breve espaço de tempo, o MST territorializou-se por todo o país e
as ocupações passaram a se consolidar como uma marca política da
resistência desses trabalhadores. Com a espacialização e territorialização da
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luta surgem os assentamentos (principalmente por meio das ocupações), que
conseguiram produzir mudanças qualitativas nas formas de se pensar as
possibilidades de uma reforma agrária.
Atualmente, o MST é considerado o maior movimento social popular
organizado do Brasil e, possivelmente, também o maior da América Latina
(GOHN,1998). Fundado oficialmente em 1984, está presente em 23 estados do
Brasil e envolve cerca de dois milhões de pessoas, com 350 mil famílias
assentadas e 160 mil acampadas. É um movimento social que tem como
principal objetivo a luta pela reforma agrária e a justiça social no campo. Entre
suas formas de ação estão acampamentos, a ocupação de fazendas, sedes de
organismos públicos e de multinacionais, a destruição de plantações
transgênicas, marchas, greves de fome e outras ações políticas (MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2003; 2004).
Do surgimento aos dias de hoje, o MST cresceu e passou por muitas
mudanças. Se inicialmente seus líderes e militantes formavam-se junto à Igreja,
atualmente já têm um setor dedicado à formação de seus participantes. É
sobre a formação do MST e a sua atuação na área de estudo que discutiremos
no item a seguir.
37
periferias dos países ricos. Esta teologia utiliza como ponto de partida de sua
reflexão a situação de pobreza e exclusão social à luz da fé cristã. Esta
situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e sociais
injustas, influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo a Teoria da
Dependência na América Latina4, que possui inspiração marxista.
A terceira condição concreta que motivou o surgimento do MST diz
respeito ao momento de retomada da democracia no país, com o
ressurgimento das greves operárias, em 1978 e 1979. Assim, o contexto
político da época foi favorável à consolidação e legitimação de um Movimento
Social vinculado às classes populares.
A partir desse conjunto de elementos, o MST surge, oficialmente, em
1984, com a realização do I Encontro Nacional, em Cascavel (PR) que contou
com a participação de 80 representantes de 13 estados brasileiros. Em janeiro
de 1985 ocorreu o seu I Congresso Nacional, em Curitiba (PR) formalizando
seus princípios e consolidando sua atuação política.
No I Encontro Nacional do MST foram elaborados seus objetivos gerais,
sendo definido que:
__________________
4
Uma tentativa de nova versão do modelo neocolonial, descrito e conhecido desde o século
XlX quando, então, o sistema político das nações hegemônicas impôs às ex-colônias um novo
modelo socioeconômico e político de exploração em nome do liberalismo triunfante.
38
O MST apresenta sua capacidade de articulação a partir de uma rede
estratégica de ação e no redimensionamento da luta política, apresentando
constantemente propostas e projetos de organização territorial. Além da
conquista da terra, as experiências das escolas nos assentamentos, a
continuidade das ocupações, o trabalho de comunicação (jornal, rádio etc.), a
cooperação agrícola, dentre outros, são elementos que possibilitam a
consolidação de uma rede organizativa de gestão dos assentamentos e o
fortalecimento político do próprio Movimento.
Esse fortalecimento político, a partir do redimensionamento constante da
luta, está diretamente relacionado com a questão da reforma agrária, que
assumiu uma relevância mais acentuada no cenário político brasileiro,
principalmente a partir das duas últimas décadas.
39
luta e reivindicação dos trabalhadores por espaço físico (terra para trabalhar) e
condições dignas de permanecerem na região e sustentar suas famílias.
Sobre a atuação do MST e o processo de ocupação da Fazenda
Queimadas, obtivemos o seguinte depoimento:
40
Fotografia 01: Passeata organizada pelo MST, reivindicando a posse das
terras da Fazenda Queimadas (Maio de 1999).
41
natureza, promoveu e promove profundas transformações na natureza mesma
e na sua própria natureza. Isto exige uma reflexão efetiva sobre o que é
natureza hoje.
Nesse sentido, o Assentamento Queimadas caracteriza-se como espaço
de conquista da luta pela terra, como também de produção agropecuária. A
área do Assentamento abarca experiências e vivências nas relações duais
homem/meio, capital social capital/econômico, política/agricultura, dentre
outras, do mesmo modo que é a espacialidade representativa da materialidade
do homem, já que a área de produção agrícola é considerada o lugar onde os
assentados estabelecem relações uns com os outros, produzindo e recriando
gêneros que na vida social transformam-se em mercadorias.
O espaço, tido por Santos (1986) como produto e condição da
reprodução das relações subjacentes à sociedade, possibilita o entendimento
de uma determinada realidade e os atores nela inscritos. Da concepção
apresentada por esse autor, depreende-se que o entendimento acerca do
espaço é de natureza social. Por meio do trabalho, os homens organizam
segundo suas necessidades e seus interesses, sobretudo porque o espaço
deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de
um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos
sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade
em movimento (SANTOS, 1999).
Sendo o espaço geográfico uma produção que resulta das relações
dinâmicas e dialéticas entre o homem e a natureza, as áreas de reforma
agrária, como um Assentamento de trabalhadores rurais, constitui um espaço
geográfico resultante da relação da sociedade com a natureza. No ato de
produzir, mediante as técnicas e trabalho, o homem automaticamente está
produzindo espaço ( LIMA, 2008).
Desse modo, Santos (2004) afirma que:
42
Ainda de acordo com o pensamento desse autor, ―o espaço é formado
por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de
objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o
quadro único no qual a história se dá‖ (SANTOS, 1999, p.50).
Nessa perspectiva, os objetos não são tratados unicamente como
coisas, como algo natural, mas como coisas materiais ou imateriais produzidas
pelos homens para servirem de exemplo materializável espacialmente. Isso
porque as relações se efetivam no ordenamento e na organização do
espaço/tempo, em que o espaço é tido como um receptáculo que absorve toda
a carga de simbologias e signos derivados da sociedade.
No Assentamento Queimadas a efetivação das manifestações, por meio
de mecanismos articulados pelo processo de partilha e acomodação no campo,
como a construção de lotes individuais, fez com que houvesse uma espécie de
ordenamento e organização do espaço. (Planta 01).
43
PLANTA 01: Distribuição espacial dos lotes do Assentamento Queimadas – Remígio (PB).
45
Santos (1999) argumenta que se procurássemos uma estrutura
ontológica para cada ciência em particular teríamos que definir especificamente
o objeto de cada uma, o que para nós resultaria em um olhar por demais
esfacelado do real. Por isso, ele aponta ainda que os mesmos objetos podem
dialogar com as mais diversas disciplinas. Isto implica em objetos iguais sob o
crivo de diferentes olhares, ou seja, diante do mesmo objeto, podemos atribuir-
lhe diferentes estatutos epistemológicos, sempre lembrados que o processo
social como um todo é indivisível.
Moraes (1982) reforça estas ideias, proporcionando múltiplos olhares
sobre o conceito de espaço, ao afirmar que não cabe a ciência geográfica
construir uma redoma lógica para justificar a propriedade exclusiva sobre este
objeto. Se assim fosse, dizemos agora, existiria um grande autoritarismo e
dogmatismo sobre um consenso nada inteligente.
Durante anos, a geografia caminhou ao lado de uma grande diversidade
de concepções que levavam a uma indefinição do seu objeto de estudo. A
preocupação com o espaço geográfico foi colocada em segundo plano, de
modo que esta ciência chegou a ser definida mais pelo seu método de
aproximação ou de enfoque do que pelo seu objeto.
Segundo Carlos (2001), o espaço passou a ser estudado como um dado
neutro, como uma unidade autônoma e homogênea, como algo estático que
detém a função de mero suporte da ação social, isto é, como palco onde se
localizam e se desenvolvem as atividades do homem.
Em contraposição a visão do espaço enquanto palco e algo exterior ao
homem, surgiu no início da década de 1970, uma nova corrente de
pensamento geográfico que possibilitou um amplo debate em torno do objeto
da Geografia e de seus conceitos fundantes: a geografia crítica. Essa corrente
de pensamento se baseia teórica e filosoficamente no materialismo histórico e
na dialética marxista, tendo o espaço como conceito-chave.
Esse foi um período de intensos debates. Um relato dessa conjuntura de
transformações é apresentado por Corrêa (1982), ao afirmar que:
46
volta de Milton Santos com sua riqueza e vigor intelectual, tudo
isto iria contribuir para a emergência de uma ‗geografia nova‘
não comprometida com o aparelho ideológico do Estado,
comprometida sim, com o interesse da maioria da população,
com os trabalhadores rurais e urbanos, e com um projeto
histórico que é o da transformação da sociedade (CORRÊA,
1982, p. 120).
47
Nesse sentido, Santos (1980) afirma que para o homem tornar-se
homem social deve transformar o centro da natureza. Para tanto ele necessita
dos instrumentos de trabalho. É a partir de então que a atividade social passa a
ser uma combinação do trabalho desempenhado pelo homem e da natureza
modificada por este. Assim, fica evidente para nós um dos pilares que sustenta
a teoria de Milton Santos sobre o espaço: a compreensão de que o ato de
produzir consiste também na produção do espaço.
No Assentamento Queimadas, este processo de produção do espaço e
transformação da natureza é muito perceptível. A área do assentamento, antes
recoberta intensamente por vegetação nativa foi transformada em grande
campo de produção de algodão e palma forrageira através do trabalho
humano, uso de tratores e outros instrumento de trabalho. A partir da ocupação
e permanência na terra, novas produções foram sendo efetivadas: as casas e
obras de infra-estrutura (estradas, energia elétrica, barragens, entre outras)
foram construídas, os lotes foram formados, novas culturas foram sendo
incorporadas.
Nesta perspectiva, os sujeitos que atuam naquele espaço vão dando
forma e produzindo novas atividades, sendo que ―as novas atividades exigem
um lugar no espaço e impõem uma nova arrumação para as coisas, uma
disposição diferente para os objetos geográficos, uma organização do espaço
diferente daquela que antes existia‖ (SANTOS, 2004, p.205). Além disso, ―por
seus próprios ritmos e formas, a produção impõe formas e ritmos à vida e à
atividade dos homens, ritmos diários, estacionais, anuais, pelo simples fato de
ser a produção indispensável à sobrevivência do grupo‖ (SANTOS, 2004,
p.202).
Convém destacar que nessa perspectiva, a ação de produzir dos
homens não se dá pelo simples somatório ou reunião arbitrária de indivíduos,
mas sim a partir do grau de desenvolvimento das forças produtivas em uma
determinada sociedade (MORAES, 1984, p. 53).
Então, é a partir dessa produção social que o homem transforma a
primeira natureza, socializando-a, como destacado por Moreira (1982) ao
ressaltar que:
48
A natureza apresenta-se aos nossos olhos sob distintas
formas, mas simplificam-se estas formas em duas: a primeira
natureza (a natureza ―natural‖) e a segunda natureza (a
natureza ―socializada‖). No plano abstrato de que estamos
falando o processo do trabalho passa-se como sendo a
transformação da primeira natureza em segunda, isto é, sua
socialização. O que é forma natural neste momento fica
transmutada em uma forma social com o trabalho. A natureza
prenhe de trabalho historiciza-se, vira parte da história dos
homens (MOREIRA,1982: p. 79).
49
É importante lembrar que, no marxismo, é justamente essa capacidade
de pré-ideação que diferencia o trabalho dos homens das atividades dos outros
animais. Há, portanto, um processo de trabalho sobre o qual se conhece todas
as grandes partes das etapas necessárias para se produzir o que se pretende.
Não obstante, a relação ―processo de trabalho-produção‖ não se
encontra de maneira alguma reduzida a um simplório mecanicismo, já que ao
mesmo tempo em que o espaço é produzido através do processo de trabalho
este também é produto do outro e onde um é condição para o outro. ―Dessa
maneira o espaço não é apenas produzido, mas também é reproduzido.
Encontra-se em permanente processo de transformação, acompanhando e
condicionando a evolução das sociedades‖, como afirmou Moreira (1981 p.
138).
A partir das palavras desse autor, é possível afirmar ainda que o espaço
geográfico não é algo estático; ao contrário, ele está em contínuo processo de
produção e reprodução, transformando-se juntamente com a sociedade que se
relaciona de modo dialético. Nesse sentido, o espaço deve ser concebido
dentro de uma lógica processual, sobretudo se considerarmos que na
sociedade capitalista o espaço tem como conteúdo as contradições inerentes a
esse modo de produção e que, por sua vez, desembocam na luta de classes.
Sobre essa questão, Moreira (1981) afirma que:
Isto posto, é possível destacar que o espaço produzido por meio das
relações sociais, condicionadas pelo modo capitalista de produção, acaba por
criar novos objetos, novas funções e a refuncionalizar objetos criados em
períodos históricos anteriores, de modo que estes atendam ao processo de
acumulação do capital. Sendo assim, o espaço humano é necessariamente
50
produto de uma série de decisões que orientam sua organização, segundo os
critérios hegemônicos em uma dada formação econômica e social (seja pela
movimentação do capital ou pela ação organizada e planejada da sociedade
pelo Estado).
Nestas condições, a produção e a organização espacial engendrada no
Assentamento Queimadas são construídas e reconstruídas por meio através
das relações sociais efetivadas pelos movimentos sociais e os agentes que os
instituem. Com isso, constituem-se assim ações necessárias para convivência
e permanência nos espaços ora apresentados. Nesse sentido, se
considerarmos que o território é construído a partir do espaço, como
destacamos anteriormente, o processo que produz o espaço, por sua vez,
também produz território. É essa discussão que encaminhamos a seguir.
52
Surge a questão da multiplicidade do território, em um determinado
espaço geográfico. Assim, a lógica do território eminente político estaria sujeito
a unifuncionalidade. Ao contrário, dentro de um mesmo espaço geográfico
podem coexistir territorialidades diferentes, sobrepostas ou paralelas. Os
territórios estão acoplados aos sujeitos, que lá vivem e que são condicionados
pelo poder ou o reproduzem continuamente.
Apesar de considerar o território enquanto espaço físico indispensável
por ser o lócus que integra todas as relações de poder, Haesbaert (2004),
enfatiza que a sociedade estabelece uma ação principal por ser o elemento
constitutivo do território, em sua dinâmica constante: será fácil compreender
porque colocamos a população em primeiro lugar: simplesmente porque ela
está na origem de todo o poder.
Assim, é possível afirmar que o poder no seu sentido simbólico também
precisa ser devidamente considerado nas concepções de território. Sendo o
território um espaço dominado e/ou apropriado, manifesta hoje um sentido
multi-escalar e multidimensional que só pode ser concebido dentro de uma
concepção de multiplicidade. Ainda de acordo com Haesbaert (2004), essa é a
única maneira de construir outra sociedade, mais universalmente igualitária e
multiculturalmente reconhecedora das diferenças humanas.
53
Segundo capítulo
A QUESTÃO CAMPONESA E AS POLÍTICAS DE CRÉDITO
54
2.1 – O campesinato
55
Nesse sentido, a modernização do campo, o monopólio dos meios de
produção, e da circulação dos produtos, fez com que o camponês buscasse
outros meios para se reproduzir, resistir e permanecer na terra, porém sem
perder a essência. Este trabalha na indústria, no restaurante, no bar, na escola,
mas também na terra (NASCIMENTO, 2011).
Essa afirmação foi confirmada durante nossas incursões no
Assentamento Queimadas, pois alguns assentados precisam trabalhar em
outras áreas para complementar a renda. ―Aqui eu boto meu roçado, planto,
cuido, mas na maioria das vezes saio na minha moto às 4 horas da manhã
para trabalhar em construções‖ (Depoimento do assentado João, Agosto de
2011).
Na visão de Moura (1986), a partir da década de 1970, algumas
características permitiam dar significados ao estudo sobre o campesinato,
como o controle sobre a terra sem, contudo, possuir capital; o caráter familiar
da produção camponesa sem, no entanto, despender remuneração aos
membros da família, divergindo, portanto, do capitalismo, cujas atividades
realizadas em seu seio são contratadas individualmente e remuneradas; a
organização cultural e social própria ―sem ser ou poder se concretizar como
outro povo ou outra cultura‖ (MOURA, 1986, p. 8), ao mesmo tempo em que
estranha a sociedade ao seu entorno, que o contém; os complexos agro-
industriais têm transformado o camponês em um trabalhador para o capital
sem, porém, torná-lo um operário. Nesse caso, ocorreria a integração
camponesa subordinada à lógica econômica do capital industrial.
Ao tecer considerações sobre as formas pelas quais o trabalhador do
campo é explorado em outras atividades, Marx (1974) adverte que:
56
[...] em braços livres, tornando-a disponível para ser explorada
noutros ramos (MARX, 1974, p.901).
57
Fotografia 02 - Produção orgânica de hortaliças.
58
No entanto, os produtores encontram-se insatisfeitos com o preço do produto.
Estes não conseguem ter uma definição do preço real que será vendida sua
produção, pois a determinação do preço depende da variação do dólar e
muitos produtores sequer conhecem essa moeda.
No que se refere à produção orgânica de hortaliças, a mesma desponta
como alternativa de complemento de renda familiar, pois os produtores chegam
a comercializar sua produção na feira local e de cidades vizinhas.
59
Nesse sentido, a redução dos custos do crédito era categoria essencial
para que seu uso se tornasse mais coerente com as contingências e
especificidades das práticas agrícolas desenvolvidas em pequena escala e sob
condições precárias de capitalização prévia dos agricultores.
Ao disponibilizar crédito, buscava-se elevar a produtividade e o nível de
renda das famílias, de modo que o financiamento concedido fosse capaz de
assegurar não apenas maior capacidade de acumulação e, por conseguinte,
capacidade de pagar o empréstimo, mas também a elevação do nível de vida e
bem-estar das populações rurais alvo dos programas, conduzindo-os a uma
condição em que não mais necessitassem do apoio estatal para lidar com as
exigências dos mercados.
Na perspectiva de Mattei (2001) os programas e políticas públicas de
crédito rural assumiram, quase sempre, o caráter de políticas de inclusão social
ou de integração de grupos sociais economicamente carentes nos mercados
locais e regionais e, em algumas regiões, nas teias da economia agroindustrial.
No caso dos agricultores assentados, os objetivos destas políticas,
quase sempre circunscritos à dimensão econômica da vida social, são
principalmente referidos à ideia de promover uma rápida ―emancipação‖ ou
―consolidação‖ dos assentamentos rurais como unidades produtivas. Uma vez
integradas aos mercados, os assentamentos ganhariam autonomia da
intervenção estatal, conferindo, desta forma, uma medida da eficiência das
políticas de reforma agrária.
A formulação de políticas especiais de crédito para os agricultores
assentados justifica-se tanto pela inadequação das condições praticadas pelo
mercado financeiro quanto pela situação em que estes agricultores se deparam
ao terem acesso a terra.
Na maioria dos casos, são agricultores pobres, com baixíssima ou
nenhuma capacidade própria de investir em melhorias de seu lote. O que
podem fazer raramente vai além do uso da mão de obra familiar para tratar
minimamente a terra conquistada.
Para agravar a situação, os assentamentos geralmente ocupam áreas
que apresentam condições estruturais precárias, que demandam investimentos
imediatos para se tornarem minimamente cultiváveis. Dadas estas
peculiaridades e demandas, a aceitação das condições de contrato do crédito
60
convencional é impraticável para estes agricultores. A instituição de subsídios
às taxas de juros e aos custos operacionais e a criação de condições especiais
de pagamento, com prazos de carência mais longos, surgem como alternativas
que vêm sendo utilizadas pelos programas oficiais, com o objetivo de custear a
produção e, associado ao investimento público na melhoria da infra-estrutura
dos assentamentos, gerar renda e condições de reprodução e inovação
socioeconômica para os agricultores assentados.
O Assentamento Queimadas também apresentava essas condições,
pois segundo relatos de assentados a antiga Fazenda Queimadas foi produtora
de várias culturas, como o café, a cana-de-açúcar, o milho, o agave, o algodão
e o fumo. Devido ao uso intensivo do solo em decorrência do cultivo desses
produtos, a área em estudo apresenta espaços onde o solo encontra-se
praticamente esgotado, sendo necessário investimento para recuperá-lo e
possibilitar ao assentado condições para que ele possa produzir em seu
espaço.
É neste sentido que, no plano macroeconômico, as políticas de crédito
se associam a estratégias e políticas públicas de desenvolvimento rural e de
redução da pobreza no campo. Deste ambiente formativo das políticas públicas
de crédito rural surgem várias questões sobre suas concepções, objetivos e
institucionalidade operativa.
Ao propor uma distribuição mais equitativa de renda, em benefício dos
pobres do campo, por meio de subsídios e recursos a fundo perdido, cabe
investigar até que ponto as políticas de crédito para os agricultores assentados
assumem o caráter anti-sistêmico das propostas que não se adéquam à lógica
hegemônica ou aos princípios do capitalismo dominante (SOUSA SANTOS;
RODRÍGUEZ, 2002), passando, por isso, a ser combatidas ou boicotadas no
cotidiano das relações sociais e econômicas que as sustentam e
operacionalizam.
Esta questão se torna relevante ao considerarmos a importância do
campo econômico e de seus agentes e a amplitude do respeito às regras e
instituições na concepção e implementação de políticas públicas. Estas regras
incluem, de um modo geral, e, por exemplo, a obediência às restrições
orçamentárias ditadas pelos ajustes fiscais e a premência dos meios que
61
promovem a viabilidade econômica das ações e empreendimentos financiados
com os escassos recursos públicos (REZENDE, 2002).
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), até os dias
de hoje, possui uma posição contrária a determinadas políticas públicas
adotadas pelo governo desde a Revolução Verde, as quais eram voltadas tão
somente à mecanização da agricultura, reduzindo ao máximo o uso de mão de
obra e gerando uma concentração cada vez maior do capital nas mãos de uma
minoria, ou seja, uma busca incessante pelo aumento da produtividade e maior
concentração de terras (NEGRI, 2005).
Nos últimos tempos, os assentamentos passaram a contar com uma
política de crédito própria, através do INCRA, que financia a implantação dos
lotes, com recursos para a construção da moradia, para manutenção da família
no primeiro ano, além de financiar o custeio da produção e disponibilizar crédito
para investimento, com prazos e carências.
Essa política de crédito objetivou fornecer assistência técnica aos
assentados, pois esta era uma das suas reivindicações históricas, e tinha como
principal objetivo o desenvolvimento das famílias assentadas; a consolidação
dos projetos de assentamento e sua inserção no mercado como unidade de
produção competitiva, geradora de renda e emprego; suprir a necessidade de
assistência técnica. Além disso, estimulava a capacitação das famílias
assentadas, no que diz respeito à implantação e desenvolvimento de culturas e
pastagens, armazenamento e comercialização, criação de animais e introdução
de novas tecnologias e ações voltadas à organização dos assentados
(MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO DE POLÍTICA FUNDIÁRIA, 2001).
A própria constituição do assentamento apresenta-se como uma
estratégia de inserção social por parte dessa população excluída. Assim,
mesmo com todas as dificuldades, o assentamento é visto como uma
alternativa consistente (LEITE, 1998).
As políticas públicas envolvem questões de valores e de recursos
disponíveis. Por isto, desenvolver uma ou outra política depende do que se
considera que é desejado socialmente. Portanto, são os critérios seguidos no
momento de se estabelecer as prioridades dos recursos disponíveis que
direcionam a distribuição e transferência de renda de um agente social para
outro (RODRÍGUEZ; ARDID, 1996).
62
Como já destacado em outras partes do texto, a construção de
assentamentos rurais é fruto do movimento nacional de luta pela terra, reflexo
da secular concentração fundiária existente no Brasil. Contudo, apenas a
aquisição do assentamento rural não soluciona a expropriação camponesa da
terra, uma vez que, para nela permanecer, esses sujeitos sociais defrontam-se
com uma série de adversidades.
Nesse sentido, as políticas públicas podem se constituir um caminho real
para o desenvolvimento do camponês, mas, conforme afirma Veiga (1998):
63
favoráveis à reforma agrária, o que envolvia, dentre outras demandas, a
questão do crédito rural.
As mobilizações e ocupações de terras eram respondidas pelo Estado
com crescente violência policial e, no campo administrativo, com mudanças
institucionais que buscavam limitar o poder de ação dos movimentos sociais,
sobretudo o MST.
Desde a divulgação do programa de reformulação das políticas públicas
de reforma agrária e desenvolvimento rural, conhecido como ―Novo‖ mundo
rural, as novas orientações institucionais relacionadas ao desenvolvimento
rural, particularmente das pequenas unidades de produção, foram influenciadas
pelas propostas do Banco Mundial.
Naquela época, o Banco Mundial recomendava uma ampla revisão das
políticas públicas de desenvolvimento rural, recomendando que o Estado
priorizasse a produção familiar e criasse mecanismos que promovessem sua
integração aos mercados. O mercado passava a ser visto tanto como um meio
para obtenção do acesso a terra, por intermédio de programas como o Banco
da Terra, quanto um objetivo a ser alcançado na viabilização econômica dos
agricultores familiares (VILELA, 1997).
Neste contexto de mudanças institucionais marcadas pelo processo de
reforma do Estado e de pressão dos movimentos sociais por ações em prol da
reforma agrária, as alterações mais significativas no primeiro ano de governo
do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram a criação do
Gabinete Extraordinário de Política Fundiária e a transferência do INCRA para
responsabilidade desse gabinete, deixando este órgão de estar subordinado ao
Ministério da Agricultura.
Deste modo, como argumenta Medeiros (2002, p.60), a questão agrária
saía da alçada do Ministério da Agricultura, tradicional espaço de controle dos
grandes empresários rurais, e passava a ser subordinada mais diretamente à
Presidência da República.
Estas mudanças sinalizavam a determinação governamental para
assumir o protagonismo das ações de reforma agrária, na tentativa de tornar as
respostas institucionais mais ágeis e eficazes. Por outro lado, abriam-se novas
perspectivas e limites de interlocução entre as organizações de movimentos
64
sociais e o governo por meio dos novos mecanismos administrativos e das
novas institucionalidades criadas. O PRONAF é originário deste contexto.
Em 1994, no governo Itamar Franco, foi criado, pelo Ministério da
Agricultura e do Abastecimento (MAARA), o Programa de Valorização da
Pequena Produção Rural (PROVAP), antecipando algumas concepções que,
um ano depois, seriam reformuladas para a instituição do PRONAF, cuja
intenção era ajustar as políticas públicas agrícolas voltadas para os pequenos
agricultores familiares, viabilizando infra-estruturas para aumentar a
produtividade através da capacitação profissional dos agricultores e da
inserção da produção no mercado de insumos e produtos.
De acordo com Silva (1999), o PRONAF também atendia a uma
reivindicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), funcionando inicialmente com uma linha de crédito ao custeio da
produção, operando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) por
meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
com um alcance muito limitado por conta de suas exigências para contratação
dos financiamentos (BELIK, 2004).
Em 1996, o PRONAF passou a ser um programa governamental e a
operar recursos do Orçamento Geral da União (OGU), que também poderiam
ser aplicados em infraestrutura rural nos municípios e em capacitação dos
produtores rurais. O Programa surgiu como uma novidade institucional
relacionada à redefinições do papel a ser desempenhado pela pequena
produção agrícola, de perfil familiar, no processo de integração ao mercado e
de promoção do desenvolvimento econômico.
Segundo Pérsico e Resende (2011), o PRONAF abrange três grandes
eixos de atuação, com uma ampla abrangência de propósitos: política agrícola
(crédito, preços e tributação), oferta de serviços de apoio (pesquisa, assistência
técnica, extensão rural e reforma agrária) e apoio à formação de infraestrutura
física e social nos municípios. Estes eixos foram distribuídos em três grandes
modalidades de investimento: (a) PRONAF - Infraestrutura e Serviços
Municipais, para o financiamento de obras e serviços que deem suporte às
atividades agrícolas; (b) PRONAF - Capacitação, visando proporcionar aos
agricultores e suas organizações conhecimentos para a gestão dos sistemas
65
de produção, e (c) PRONAF - Crédito Rural que se destina ao investimento na
produção agropecuária, apoiando financeiramente os agricultores.
No decorrer do tempo, e das revisões nas concepções iniciais do
Programa, foram várias as mudanças nas linhas de crédito do PRONAF, que
também se diversificaram bastante. Neste processo, que se desenrolou
inicialmente em meados dos anos de 1990, tiveram um papel importante a
CONTAG, a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura
(SPA/MA), o Departamento de Extensão Rural da Secretaria de
Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura (DATER/MA), o Fórum
Nacional das Secretarias de Agricultura e a Casa Civil da Presidência da
República.
No PRONAF – Infraestrutura e serviços, por exemplo, os municípios são
os demandantes e executores dos recursos obtidos, aplicando-os na
implantação, ampliação e modernização da infraestrutura e dos serviços
necessários ao incremento das atividades agrícolas. Um dos critérios
estabelecidos para o recebimento dos recursos dessa modalidade é que o
município constitua um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
(CMDR), que possua no mínimo 50% de representantes dos agricultores
familiares, e elabore um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural,
planejando a aplicação da demanda dos recursos.
Segundo Vilela (1997), este fato constitui uma das principais inovações
institucionais do PRONAF, introduzindo novas formas de relação entre o
Estado, a gestão das políticas públicas e as organizações da sociedade civil.
Os recursos desta linha do PRONAF são repassados aos municípios pela
Caixa Econômica Federal.
Para Abramovay e Veiga (1998), a participação, embora discreta, dos
sindicatos patronais, também teve importância nas negociações
desencadeadas no processo de criação do Programa e, nas mudanças
institucionais que vêm marcando a sua execução.
No tocante à liberação do Pronaf para o desenvolvimento dos
assentamentos é importante ressaltar a diferenciação dos beneficiários do
programa, classificados em: Grupo (A) – assentados; Grupo (B) – agricultor
com baixa produção e pouco potencial na produtividade; Grupo (C) – agricultor
com exploração intermediária e nível esperado para aumentar a produtividade
66
e o Grupo (D) – agricultor estabilizado economicamente (LEAL, 2003). Os
grupos básicos do PRONAF com suas finalidades e enquadramentos estão
expressos na tabela 01.
67
Portanto, essas modalidades de crédito vêm se constituindo em um
importante instrumento de financiamento das atividades produtivas e de
melhoria da infraestrutura dos assentamentos rurais. Na área de estudo, os
assentados são beneficiados principalmente pelo crédito do Pronaf C, pois
como apresentado anteriormente é um crédito Rural para custeio e
investimento na produção agropecuária. Essa linha de crédito é utilizada
sobretudo para produção da Palma forrageira, que é um dos principais projetos
para convivência com o semiárido.
68
Terceiro capítulo
CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO: AVANÇOS E DESAFIOS EM
CONSTRUÇÃO
69
O termo semiárido é utilizado basicamente para designar um tipo
climático caracterizado por forte insolação, temperaturas relativamente altas e
um regime de chuvas marcado pela escassez, irregularidade e concentração
das precipitações num curto período de tempo. A esse tipo climático
corresponde a formação vegetal de Caatinga, caracterizada pela adaptação
dos vegetais à carência hídrica, com espécies, na sua maioria, caducifólias,
espinhosas, com folhas pequenas ou de lâminas subdivididas, existindo,
inclusive, algumas sem folhas (áfilas) para reduzir ao máximo a perda de água
por transpiração. A sua fisionomia varia de acordo com as condições climáticas
e edáficas locais.
O clima é considerado por muitos estudiosos como o elemento mais
marcante da região semiárida, pois apresenta um regime pluviométrico que
delimita duas estações bem distintas: uma curta estação chuvosa, ou ―inverno‖,
e uma longa estação seca ou ―verão‖. As chuvas geralmente são torrenciais e
irregulares no tempo e no espaço, com ausências prolongadas, ocasionando o
fenômeno da seca climática. A pluviosidade é considerada não muito baixa,
isto é, 500 mm em média (MENDES, 1992).
De acordo com Moreira (2007), essas características, são encontradas
áreas da hinterlândia dos estados nordestinos (à exceção do Maranhão) e
ainda o norte do estado de Minas Gerais. Trata-se da ―região semiárida do
Nordeste‖. Essa região está localizada principalmente no interior do Nordeste,
somente atingindo a costa no litoral setentrional do Rio Grande do Norte e no
litoral Cearense. Compreende uma imensa área de mais de 1.000.000 de km²,
que corresponde a ¾ da região Nordeste e mais de 10% da superfície do
território (MENDES, 1992).
Para efeito de atuação do Estado brasileiro, por meio de suas políticas
públicas, várias delimitações do semiárido nordestino têm sido efetuadas, via
de regra, utilizando-se indicadores naturais, como por exemplo, a pluviosidade
(a isoieta de 800mm tem sido um dos indicadores mais utilizados para a
delimitação regional), o déficit hídrico, o índice de aridez e o risco de ocorrência
de seca.
Do ponto-de-vista político-administrativo, o Nordeste brasileiro é uma
região formada por nove Estados, caracterizados pela desigualdade
socioespaciais, onde habita quase um terço da população do país. Além disso,
70
a região vem experimentando nos últimos tempos grandes descompassos
inter-setoriais no processo de crescimento econômico, sendo necessário
portanto, ações afirmativas e políticas públicas que possibilitem a redução das
desigualdades existentes.
Isso significa dizer que não se deve adotar uma única receita, programa
ou modelo de crescimento, uma vez que um dos traços característicos da
região, e particularmente do semiárido, é a sua heterogeneidade, pois dentro
de um mesmo município podemos encontrar realidades distintas, o que
demanda ações e tratamento diferenciado. Nesse sentido, é importante
destacar que o semiárido possui características próprias, com peculiaridades
há muito tempo conhecidas, porém não levadas em consideração no momento
em que foram executadas determinadas ações governamentais, como, por
exemplo, as políticas de combate às secas.
O semiárido nordestino tem sofrido com o problema das secas há várias
décadas. Estas secas se explicam em parte pelas altas temperaturas
registradas na região, o que entre outras coisas, acarreta uma taxa de
evaporação alta. Desta forma, não se faz possível a permanência de alguns
corpos d‘água, e a maiorias dos rios tornam-se intermitentes. Estes fatores
naturais, associados às próprias ações humanas – que utilizam o solo, a água
e a vegetação de forma predatória – agravam ainda mais a situação.
Convém, no entanto destacar que o atraso socioeconômico desta porção
do território nordestino não se deve ao fato de que as condições climáticas não
são tão favoráveis ao desenvolvimento e tampouco podemos culpar a
população, que não tem como intervir nesta situação, por falta de
esclarecimento, ou simplesmente por falta de incentivo.
Segundo Rebouças (1997), que não acredita no determinismo fisio-
climático, as condições que predominam no Nordeste do Brasil, podem,
relativamente, dificultar a vida, exigir maior empenho e maior racionalidade na
gestão dos recursos naturais, em geral, e da água em particular, não podem
ser responsabilizadas pela pobreza e pela cultura das secas na região.
É evidente que mesmo uma região com as características fisio-
climáticas consideradas adversas por muitos pesquisadores pode e deve
almejar a melhoria de seus indicadores sociais e econômicos. Entretanto, para
que isto aconteça necessita-se de um maior comprometimento dos governos
71
Federal, Estadual e Municipal e da sociedade civil organizada na gestão do
território, com vistas à adoção de práticas que tenham como único propósito
reverter o atual quadro de precariedade e de pobreza que ainda se mantém na
região, por meio de uma política clientelista e conservadora. Além disso,
também faz-se necessário a superação de outros desafios, como por exemplo:
72
Tabela 02 - Registro das Secas ocorridas no Nordeste brasileiro.
Século XVI Século XVII Século XVIII Século XIX Século XX
1900 1998/99
73
Embora as condições naturais predominantes na região Nordeste
possam relativamente dificultar a vida, exigindo uma maior responsabilidade na
gestão dos recursos naturais, principalmente a água, tem-se observado nos
últimos anos, a partir de uma análise mais crítica da política local, que estas
condições não podem ser responsabilizadas pelo quadro de pobreza
amplamente manipulado e sofridamente tolerado. Rebouças (1997, p. 128)
explica que: ―o que mais falta no semiárido do Nordeste brasileiro não é água,
mas determinado padrão cultural que agregue confiança e melhore a eficiência
das organizações públicas e privadas no negócio da água.‖
O combate aos efeitos das secas na região Nordeste se deu de muitas
formas, mesmo que algumas destas ações tenham sido pouco eficientes. O
que se pode concluir ao observar a realidade do Nordeste é que o principal viés
de enfrentamento a esse fenômeno natural foi a adoção de políticas públicas
voltadas à construção de açudes e barragens, instalação de perímetros
irrigados e a construção de canais por todo o seu território, configurando-se,
portanto, uma exorbitante tecnificação e uma indisfarçável despolitização da
questão.
Isto foi possível porque a intervenção governamental em grande parte,
estava orientada por três dimensões que se combinam no combate à seca e
aos seus efeitos: a finalidade da exploração econômica; a visão fragmentada e
tecnicista da realidade local; e o proveito político dos dois elementos anteriores
em benefício das oligarquias locais no/do espaço semiárido (SILVA, 2007).
Uma breve reflexão sobre a lógica de intervenção no território e a
atuação das oligarquias nordestinas, permite-nos afirmar que a seca foi um
meio para se conseguir investimentos governamentais na região, para o
estabelecimento de políticas de favores e para o estabelecimento de um
conceito de combate às secas, o qual é visto por muitos estudiosos como um
grande equívoco porque:
5
Tecnologia inventada por um pedreiro sergipano. As cisternas são reservatórios que se
apresentam de forma ovalada e com metade de suas dimensões encravadas no chão.
Geralmente, elas são construídas próximas das casas porque são utilizadas calhas para captar
à água da chuva que escorre pelos telhados e conduzi-la para as cisternas. Hermeticamente
fechadas, elas não permitem a entrada de luz e tampouco a evaporação ou a transpiração. A
76
Em 2003, o assentamento ora estudado foi contemplado com as ações
do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o
Semiárido: um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), como pode ser visto na
fotografia a seguir.
água depositada ali durante os períodos chuvosos fica guardada para os períodos em que
normalmente não chove.
77
Fotografia 05 - Cisterna de Placa em residência do Assentamento
6
O numeral "1" significa terra suficiente para que nela sejam desenvolvidos processos
produtivos, visando à segurança alimentar e nutricional. E o "2" corresponde a duas formas de
utilização da água: água potável para cada família e água para a produção agropecuária, de
forma que as famílias de agricultores e o contingente por elas influenciado vivam dignamente.
7
A Cisterna calçadão chega a captar até 52 mil litros de água. Com essa cisterna é possível
irrigar pequenas áreas, como um "quintal produtivo" de verduras; regar mudas ou ter água para
pequenos animais, como galinhas.
79
natural neles existentes. Em alguns locais, é necessário construir paredes ou
muretas para facilitar a contenção ou o direcionamento da água para os
tanques e, consequentemente, maior acúmulo de água. É uma das inovações
técnicas que tem como base à valorização do conhecimento do camponês nas
estratégias de uso e gestão da água.
80
geradoras de renda e de utilização da mão de obra no semiárido nordestino.
No entanto, os problemas econômicos, o surgimento da praga do bicudo no
início da década de 1980, as mudanças na matriz tecnológica e o aumento nos
custos de produção afetaram a cotonicultura e podem ser apontados como
fatores responsáveis pela redução das áreas destinadas ao cultivo do produto.
Apesar de o pólo produtivo ter migrado para a região dos Cerrados, Silva
e outros estudiosos (2005) destacam que a região semiárida é possuidora de
condições edafoclimáticas favoráveis ao cultivo do algodão, sobretudo o
ecológico. Além disso, as características das propriedades locais, ocupadas
basicamente por camponeses que cultivam espécies diversificadas e utilizam a
mão de obra famíliar como fonte de trabalho, favorecem o cultivo do algodoeiro
desta forma. Junte-se a isso a demanda premente por produtos de base
ecológicas, voltadas para um mercado cada vez mais exigente, e será possível
ter uma idéia do potencial de desenvolvimento deste tipo de cultivo para a
região.
Por ser um produto primário de grande importância para a produção de
diversas mercadorias a serem comercializadas, o algodão tornou-se uma das
culturas de maior importância para a fabricação de fibras. O seu cultivo é
realizado durante o período de estiagem, o que possibilita ao camponês o uso
do solo para o plantio de outras culturas, como as de subsistência, durante o
período das chuvas. Tal característica torna viável a produção do algodão
como uma atividade capaz de oferecer suporte financeiro, já que a produção é
destinada ao mercado, principalmente para grupos fabris, da Paraíba e de
outros estados.
No entanto, cabe destacar que essa forma de integração dos produtos
ao mercado favorece a ampliação da monopolização do capital no campo, a
qual se expressa, na área de estudo como uma estratégia utilizada pelos
detentores dos meios de produção na busca pela reprodução ampliada do
capital, ao estabelecer conexões para subordinar a renda da terra produzida
pelos camponeses, transformando-a em capital (OLIVEIRA, 2008).
Segundo esse autor, o capital não tem operado necessariamente no
sentido de implantar seu modo específico de produzir por meio do trabalho
assalariado em todo lugar. Pelo contrário, ora ele controla a circulação dos
produtos agropecuários, subordinando-os à produção, ora ele se instala na
81
produção, subordinando a circulação. Um processo engendra o outro. Como
consequência desse movimento contraditório, temos ora o monopólio do capital
na produção, ora esse monopólio, sobretudo, instaura-se na circulação. Desse
modo, e considerando o atual estágio de desenvolvimento capitalista no Brasil,
é possível dizer que há um predomínio do capital industrial ou comercial
atuando na circulação e sujeitando a renda da terra produzida na agricultura.
Nesse viés, Amin e Vergopoulos (1986), afirmam que:
82
Gráfico 01 - Produção do Algodão herbáceo no Brasil (1950/2006)
83
Fotografia 08 - Produção agroecológica do algodão colorido
85
sobrevivência de uma das principais pragas do algodão: o bicudo (Anthonomus
grandis B.).
86
aspectos que atestam o respeito à natureza e a forma de combate às pragas
do algodão, as quais ainda assolam as plantações desse gênero no Nordeste
do Brasil.
Outro aspecto de grande relevância quando se analisa as iniciativas
agrícolas baseadas na produção algodoeira da área pesquisada, diz respeito à
possibilidade de reprodução socioeconômica dos assentados e,
consequentemente, para sua permanência na região.
Além disso, constatamos, a partir das observações de campo e das
conversas informais com os produtores do assentamento Queimadas, as várias
estratégias de (re) produção camponesa, as quais são consideradas por eles
como eficazes. Uma dessas estratégias diz respeito à maneira como utilizam o
solo de acordo com a estação climática. Como o algodão é uma cultura que
tem o seu período para plantio e colheita os meses de estiagem, o camponês
utiliza o solo durante os meses chuvosos para realizar outros tipos de
plantação capazes de suprir suas necessidades.
Portanto, as práticas agrícolas realizadas no assentamento Queimadas,
que têm como principal produto o algodão, apontam para o fato que os
agricultores buscam colocar em prática estratégias de produção que promovam
a qualidade dos produtos, utilizando-se de ações agrícolas sustentáveis, como
a alternância das culturas plantadas, o que facilita o combate às pragas e
favorece adoção de formas para convivência sustentável no semiárido.
87
toneladas de matéria verde/ha/ano (ou15 toneladas de matéria seca/ha/ano),
desde que se associem práticas agronômicas adequadas e variedades de
elevado potencial produtivo.
Famosa como uma alternativa para a alimentação dos animais durante o
período de estiagem, a Palma é uma alternativa eficaz para combater a fome e
a desnutrição no semiárido nordestino, além de ser uma importante aliada nos
tratamentos de saúde é a palma forrageira rica em vitaminas A, complexo B e
C e minerais como Cálcio, Magnésio, Sódio, Potássio além de 17 tipos de
aminoácidos. A palma é mais nutritiva que alimentos como a couve, a
beterraba e a banana, com a vantagem de ser um produto mais econômico
(NUNES, 2011).
A palma forrageira se consolidou no semiárido nordestino como
estratégia para os diversos sistemas de produção da pecuária, sendo cultivada
de forma precária e nas piores condições de manejo, por se tratar de uma
planta xerófila que sobrevive com poucos índices pluviométricos. Porém,
estudos realizados por diversos pesquisadores têm demonstrado que para
obter bons níveis de crescimento e produtividade a palma necessita de
adubação e de cuidados, como qualquer produto agrícola.
Segundo Menezes (2005), a palma requer solos de boa fertilidade e bem
drenados, pois não toleram alagamentos e não se desenvolvem bem em áreas
salinizadas. A partir da década de 1950, começaram os estudos de caráter
mais aprofundados sobre a espécie, visando assim seu melhor aproveitamento.
Entre os anos de 1979 e 1983, durante a estiagem prolongada ocorrida no
nordeste brasileiro, a palma teve a sua área de cultivo ampliada, como
destacado por Dias (2005) ao afirmar que:
88
A produção de forragem no semiárido brasileiro é comprometida em
consequência do baixo índice pluviométrico e pela ausência ou má distribuição
das chuvas durante grande parte do ano. Devido a esta oscilação na oferta de
alimentos para os rebanhos, o gado, que geralmente é criado solto e
aproveitando as pastagens naturais, apresenta baixos índices de produtividade
em decorrência da estiagem. Com a finalidade de amenizar essa situação, a
palma forrageira surgiu como fonte alternativa de alimento, pois oferece boa
disponibilidade no período seco, bom coeficiente de digestibilidade da matéria
seca e alta produtividade. Desse modo, pode ser introduzida na alimentação de
bovinos, caprinos, ovinos e avestruzes.
Alguns estudiosos afirmam que a introdução da palma se deu pelos
portugueses na época da colonização, provavelmente trazida das Ilhas
Canárias, sendo estas de origem mexicana. Inicialmente, foi utilizada para a
produção de corantes naturais ―carmim‖, vindo a ser utilizada como forragem
somente por volta de 1915. Após a seca de 1932, por ordem do Ministério da
Viação, foram plantados, do Piauí até a Bahia, diversos campos de
demonstração, sendo este o primeiro grande trabalho de difusão da palma no
Nordeste (FIGUEIREDO et al.,2010).
Segundo Nunes (2011, p. 55):
90
Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ou público-alvo do Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF).
91
As reflexões feitas até então, nos permitem compreender que o
Assentamento Queimadas caracteriza-se como espaço de conquista da luta
pela terra, da produção agropecuária e da espacialidade representativa da
materialidade do homem, já que a área de produção agrícola é considerada o
lugar onde os assentados estabelecem relações uns com os outros, produzindo
e recriando gêneros que, na vida social, se transformam em mercadorias.
A área pesquisada representa, ainda, a expressão das territorialidades
camponesas por meio das diversas estratégias utilizadas pelas famílias para
garantirem sua reprodução social. Atualmente, o assentamento apresenta uma
organização socioprodutiva, baseada na produção familiar, na qual os
camponeses buscam caminhos alternativos para permanência na terra, com a
adoção de tecnologias apropriadas ao local e orientadas na perspectiva de
―convivência com o semiárido‖. Nestas condições, as associações comunitárias
vêm desempenhando papel fundamental, pois se constituem em espaço de
discussão e socialização de informações e conhecimentos.
92
Quarto capítulo
A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL E AS INFRA-ESTRUTURAS SOCIAL E
ECONÔMICA
93
O entendimento de que a dinâmica social faz parte de um processo
complexo e contraditório possibilitou a apreensão da diversidade de ações, de
projetos, de estratégias e de trajetórias de luta existentes na área onde a
pesquisa foi realizada. Avaliar esse contexto é um passo fundamental para
entender a dinâmica social presente nos Assentamentos Rurais, uma vez que
eles ´´adquirem feições próprias em função da multiplicidade de variáveis
existentes no movimento da realidade, um permanente pulsar da historia‖
(SILVA; VIEIRA, 2008, p. 144).
Nesse sentido, são apresentadas, nos itens a seguir considerações
decorrentes das analises e interpretação dos dados obtidos com a aplicação
dos formulários de pesquisa (Apêndice A), com o objetivo de explicitar o perfil
socioeconômico dos sujeitos sociais pesquisados.
94
Gráfico 02 – Naturalidade dos Assentados
51%
26% 74% Natural de Remígio
95
Gráfico 03 – Formas de acesso a terra
50%
45%
40%
Reuniões
35%
30% Acampamentos
39,13% Invasão
25%
30,43%
20% Desistência
15% 21,75%
10%
8,69%
5%
0%
96
sujeitos a partir dos próprios contextos de vida. Para esse autor, existe a
educação no campo caracterizada pelo acesso aos conhecimentos no meio
rural, ao passo que a educação do campo se relaciona ao direito de educar o
homem do campo, cuja reflexão político-pedagógica é elaborada a partir do seu
lugar de vida e da sua realidade.
2%
4% 9%
85%
97
Segundo os assentados pesquisados, o elevado percentual de pessoas
com o ensino médio incompleto deve-se as dificuldades de deslocamento para
a cidade, pois o ensino médio só é ofertado na área urbana. Outros fatores que
foram apontados pelos informantes para a descontinuidade dos estudos, dentre
os quais destacam-se a árdua jornada de trabalho que os tornam indispostos
para freqüentar a escola no período noturno e às más condições das estradas,
que apresentam problemas sérios de trafegabilidade no período de estiagem, e
não permitem o tráfego de veículos no período chuvoso, por conta disso, a
maioria dos estudantes durante seis meses no ano de 2011 foram
prejudicados, onde não puderam freqüentar a escola.
98
4.2. Trabalho e renda
99
também provém de transferências governamentais. Estas transferências são
oriundas basicamente do programa Bolsa Família do governo federal, e de
aposentadorias, as quais têm contribuído para melhorar a condição de vida das
famílias assentadas.
100
veneno e não deu bicho nenhum (Assentado Mário Pereira,
Agosto de 2011).
101
Fotografia 13 - Criação de Ovelhas
102
Num primeiro momento, quando as famílias recebem os lotes, as
moradias são construídas de lona ou madeira, mas, após a consolidação das
atividades produtivas (período de 3 a 5 anos), geralmente a casa passa a ser
construída de alvenaria (LEAL, 2003).
No assentamento ora estudado pudemos constatar que dos 45
entrevistados todos possuem moradia própria. A alvenaria é o tipo de
construção mais comum com exceção de um tipo de moradia encontrada
durante nossa pesquisa. Trata-se de uma casa de taipa que foi construída para
abrigar outra família que passou a residir dentro do mesmo lote, como pode ser
visto na fotografia 14.
103
aos assentados. Quanto aos principais utensílios, a televisão é encontrada nas
casas de todas as famílias entrevistadas. A antena parabólica é outro item que
está presente em 87% das casas dos entrevistados. O fogão a gás, a geladeira
e o rádio estão presentes em todas as residências visitadas. O computador
está presente em apenas 2% e o aparelho de DVD em 68% das residências. A
presença desses bens de consumo atestam a melhoria das condições de vida
das famílias assentadas.
104
Gráfico 05 – Fonte de abastecimento D‘água
7%
Compra Água
60%
Caminhão
Açude 18%
105
à burocracias ou porque tiveram receio de assumir a condição de
endividamento.
60%
54%
50%
40%
35%
30%
20%
15%
10%
0%
5%
Ponaf Investimento
-10% Pronaf Custeio
Não Conseguiram
Aprovação do Tiveram Medo de se
Crédito Endividar
106
Assim, na perspectiva de Silva e Vieira (2008), a aquisição do crédito
está processando uma melhoria das condições sociais, sobretudo daqueles
que aplicam corretamente o crédito, faz-se necessário acrescentar que
mudanças capazes de reverter à precariedade socioeconômica em que vive
uma parcela expressiva de agricultores exigem intervenções mais profundas e
período de tempo de atuação maior.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
Estas alterações socioculturais e econômico-institucionais, no entanto,
nem sempre contam com um adequado suporte das políticas públicas, uma
decorrência das próprias relações de forças políticas presentes no interior do
Estado. Assim, a construção/reconstrução das relações sociais adquire um
caráter histórico (BERGAMASCO, 1997).
O Assentamento Queimadas caracteriza-se como espaço de conquista
da luta pela terra, como também de produção agropecuária. A área do
Assentamento abarca experiências e vivências nas relações duais
homem/meio, capital social/capital econômico, política/agricultura, do mesmo
modo que a espacialidade representativa da materialidade do homem, já que a
área de produção agrícola é considerada o lugar onde os assentados
estabelecem relações uns com os outros, produzindo e recriando gêneros que
na vida social, transformam-se em mercadorias.
A área pesquisada representa, ainda, a expressão das territorialidades
camponesas por meio das diversas estratégias utilizadas pelas famílias para
garantirem sua reprodução social. Atualmente, o assentamento apresenta uma
organização socioprodutiva baseada na produção familiar, onde cada família,
em seu lote, pode produzir tanto individualmente quanto coletivamente.
Com isso, percebe-se que os camponeses estão buscando caminhos
alternativos para permanência na terra com a adoção de tecnologias
apropriadas ao local e orientadas na perspectiva de ―convivência com o
semiárido‖. Nestas condições, as associações comunitárias dos pequenos
produtores rurais desempenha papel fundamental, pois se constituem em
espaço de discussão e socialização de informações e conhecimentos.
Mas, vale ressaltar que em termos de políticas públicas o campo
brasileiro ainda carece de mudanças significativas para o alcance de um
desenvolvimento rural, de modo que este deve merecer atenção do atual
governo para que as medidas postas em prática possam conciliar de fato
crescimento econômico com desenvolvimento.
Nesse sentido, percebe-se que os assentamentos geralmente ocupam
áreas que apresentam condições estruturais precárias, que demandam
investimentos imediatos para se tornarem minimamente cultiváveis. Dadas
estas peculiaridades e demandas, a aceitação das condições de contrato do
crédito convencional é impraticável para estes agricultores. A instituição de
109
subsídios às taxas de juros e aos custos operacionais e a criação de condições
especiais de pagamento, com prazos de carência mais longos, surgem como
alternativas que vêm sendo utilizadas pelos programas oficiais, com o objetivo
de custear a produção e, associado ao investimento público na melhoria da
infraestrutura dos assentamentos, gerar renda e condições de reprodução e
inovação sócioeconômica para os agricultores assentados.
O Assentamento Queimadas também apresentava essas condições,
pois segundo relatos de assentados, a antiga Fazenda Queimadas foi
produtora de várias culturas como o café, a cana-de-açúcar, o milho, o agave,
o algodão e o fumo. Devido ao uso intensivo, a área em estudo apresenta
espaços onde o solo encontra-se praticamente esgotado, sendo necessário
investimento para recuperá-lo e possibilitar ao assentado condições para que
ele possa produzir em seu espaço.
É neste sentido que, no plano macroeconômico, as políticas de crédito
se associam a estratégias e políticas públicas de desenvolvimento rural e de
redução da pobreza no campo. Deste ambiente formativo das políticas públicas
de crédito rural surgem várias questões sobre suas concepções, objetivos e
institucionalidade operativa.
O contexto de surgimento do Programa Nacional de fortalecimento de
Agricultura familiar (PRONAF), em meados dos anos de 1990, foi marcado pela
intensa mobilização dos movimentos sociais e organizações de trabalhadores
rurais que buscavam acesso a terra e melhores condições de permanência
produtiva no campo, reivindicando ações governamentais favoráveis à reforma
agrária, o que envolvia, dentre outras demandas, a questão do crédito rural.
Quanto ao acesso ao crédito rural no Assentamento Queimadas,
constatou-se que um número expressivo de assentados teve acesso as linhas
de crédito do Pronaf na área Investimento e Custeio.
Assim, Apesar da inconsistência das políticas governamentais para os
assentamentos a curto e a médio prazos, o acesso à terra permite uma
reorganização social para as famílias de trabalhadores rurais pela abertura de
um espaço para a construção habitacional e o aumento na disponibilidade
familiar de alimentos por meio da prática do autoconsumo.
110
REFERÊNCIAS
111
CALADO, Alder.; et al. (Org.). Memórias do Povo - João Pedro Teixeira e as
Ligas Camponesas na Paraíba. 2007.
CAPEL, Horacio - ―El curso de las ideas científicas ‖ tercera parte In Filosofia y
Ciência en la Geografia Contemporânea. Espanha: Barcanova, 1981.
CARLOS, Ana Fani Alessandri; O consumo do Espaço. Novos Caminhos da
Geografia. São Paulo: Contexto, 2001.
CASTRO, M. H. Reforma agrária e pequena produção. Campinas,
IE/Unicamp, 1992 (tese de doutorado).
112
_____. Brasil: 500 anos de luta pela terra. In: Revista Cultura Vozes, número
2, ano 93. Petrópolis: Vozes, 1999.
113
LEAL, G.M. Impactos Socioterritoriais dos Assentamentos Rurais do
Município de Teodoro Sampaio – SP. Presidente Prudente, 2003.
Dissertação de Mestrado.
114
MENDES, B. V. Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável do Semi-
árido. Fortaleza: SEMACE. 108 p. 1997.
115
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Recuperado em 17 de maio de 2003, de http://www.mst.org.br/historia1.html.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (2004). Quem somos 1984-
2004: MST 20 anos de lutas, conquistas e dignidade! Recuperado em 19 de
setembro de 2011.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
116
RIBAS, Alexandre Domingues. O Sistema Cooperativista dos Assentados.
In Revista NERA, Série Estudos, UNESP, n.º 01, Presidente Prudente, 2002.
117
SILVA, R. M. Entre o combate à seca e a convivência com o Semiárido:
políticas públicas e transição paradigmática. In: Revista Econômica do
Nordeste. Fortaleza, v. 38, no 3, jul-set 2007.
SILVA, Regina Lúcia Paulino da; SOUZA, José Gilberto de. A consolidação
do ser social nos Assentamentos – da construção coletiva a
individualização. Revista Formação nº 15, vol. 1, p. 147-158.
118
VARELA, Francisco. A Questão Agrária Nacional e Assentamentos Rurais
na Paraíba. 3ª edição. João Pessoa: Idéia, 2003.
119
APÊNDICE A
IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
( ) Própria ( ) Alugada
( ) Taipa ( ) Alvenaria
( ) Madeira ( ) Outro.
Qual?_____________________________________________
( ) Até 03
( ) De 04 a 07
( ) Mais de o7
( ) Fogão ( ) Computador
121
( ) Geladeira ( ) Antena parabólica
( ) Televisão ( ) Rádio
( ) Açude ( ) Cacimba
( ) Cisterna ( ) Tanque
( ) Enterrado ( ) Reciclado
( ) Sim ( ) Não
( ) Acampamentos ( ) Outros
_________________________________________________
( ) Até 03
( ) De 04 a 06
( ) De 07 a 09
( ) Mais de 10
122
2.6. Sua vida melhorou depois que teve acesso ao lote?
( ) Sim.
Porquê?______________________________________________________________
( ) Não.
Porquê?_____________________________________________________________
Acesso ao crédito
3.1. O (A) Sr (a) teve acesso a algum crédito após a formação do assentamento?
( ) PRONAF CUSTEIO
( )PRONAF INVESTIMENTO
( ) PROCERA
( )COOPERATIVA
( ) Outros. Quais?_____________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
123
Quais os tipos de animal são criados na propriedade?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
( ) Não. Por
quê?__________________________________________________________________
( ) Não. Por
quê?__________________________________________________________________
( ) Em parte
( ) Não.
Porquê?_______________________________________________________________
124
0.5. ASPECTOS SOCIOPOLÍTICOS
5.1. Sindicalizado?
( ) Não
( ) Não
5.3. Cooperativado?
( ) Não
( ) Sim. Qual ?
______________________________________________________________________
( ) Não
125