Você está na página 1de 3

Uma bolsa que só cai não motiva o investimento e embaça a vitrine das

oportunidades da economia

Se Petrobras, Vale e EBX, responsáveis pelos maiores projetos em curso no país,


vão mal, a percepção ruim tende a contaminar a economia

14/3/2013 - 02:18 - Antonio Machado

Em reunião com um empresário que lhe falou do mal-estar entre seus pares sobre o rumo
da economia, o ex-presidente Lula foi preciso na análise. A Vale e a Petrobras, disse ele,
segundo seu interlocutor, precisam recuperar valor de mercado, e ser encaminhado o
problema dos investimentos em infraestrutura do grupo EBX, de Eike Batista.

Os três grupos são o carro-chefe da bolsa brasileira, que desabou na grande crise
mundial de 2008 e nunca mais recuperou a posição de vitrine da economia. No final do
ano passado, a capitalização total da BM&FBovespa, medida em dólares, US$ 1,227
trilhão, ainda estava 10,4% abaixo de seu recorde em 2007. A capitalização total no
mundo (US$ 54,6 trilhões) estava 6,7% abaixo do pico em outubro de 2007.

Mas enquanto em 2012 o valor de mercado total das empresas abertas no mundo
cresceu 24,4% em dólar – 19,2% apenas nos EUA -, no Brasil houve uma queda de 0,1%,
basicamente atribuída à Petrobras. Segundo pesquisa da Economática, divulgada no
seminário promovido pelo PSDB esta semana para discutir a Petrobras, as ações da
estatal tiveram uma perda de valor de mercado de 47,15% do fim de 2010 a fevereiro
passado – uma desvalorização em dinheiro de R$ 179,3 bilhões.

A situação da bolsa é virtualmente clandestina nos informes sobre a economia brasileira.


Com pouco mais de 300 empresas listadas, e o grosso das transações com os principais
papéis se dando na Bolsa de Nova York por meio dos chamados ADR, não impressiona
tal descaso.

O que se esquece, diz Julio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e consultor
do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, é que a bolsa não só expressa
o sentimento do mercado em relação à economia, mas também serve de referência ao
empresário sobre o valor aproximado de seus negócios. Uma bolsa que só cai não atrai o
capitalista aos prazeres da mesa da economia.
É neste sentido, provavelmente, a intuição do ex-presidente: se as empresas
responsáveis pelos maiores investimentos em curso no país, portanto, de maior
visibilidade, vão mal, a percepção também tende a ser ruim, contaminando toda a
economia. Isso se resolve atacando os problemas objetivos enfrentados por tais grupos.
Mas não só.

A comunicação obstruída

O governo se ressente de a presidente Dilma Rousseff carecer de um canal de


comunicação direta com os empresários, papel que seria do ex-ministro da Casa Civil
Antonio Palocci e nunca preenchido desde a sua queda. Não se trata de reuniões formais
no Palácio - embora a isso ela só se dispôs, a rigor, este ano, quando se constatou que o
investimento tende à estagnação -, mas de quase um assessoramento.

Em 2012, o investimento na economia recuou 4%, estando neste dado a principal


explicação para o crescimento miúdo do PIB (0,9% sobre 2011). Para este ano, as
projeções são de que o investimento cresça 3% a 8%, condicionando o resultado do PIB:
ou em torno de 3%, como prevê o mercado, ou crescimento de 4%, a torcida do governo.

O termômetro do capital

O desempenho da bolsa tem sido sofrível. Já acumula queda de 9,3% este ano, a 57.385
pontos. O detalhe é que há uma correlação alta entre a valorização do índice da bolsa, o
Ibovespa, e a evolução da taxa de formação bruta de capital fixo, vulgo investimento.
Pode-se dizer que a bolsa é como um termômetro da confiança empresarial.

Um exercício do economista Fernando Montero sugere que o Ibovespa no nível de 76 mil


pontos, um terço acima do fechamento na quarta-feira, seria compatível com um
crescimento de 5% dos investimentos. “O resultado seria melhor se a valorização fosse
rápida, para puxar a média anual”, diz Montero. E elevar as expectativas, dizemos nós.

Seria a falta de tato?

Onde está pegando, se, como dizem autoridades do governo, se fez quase tudo em favor
dos negócios: queda dos juros, depreciação do câmbio, desoneração de impostos e de
energia? E pouco se alterou a disposição empresarial para investir. É onde entram a
bolsa e a tal interlocução com o empresariado.

“A Dilma é muito hard”, segundo um líder empresarial com acesso ao Palácio. “Ela
deveria também saber trabalhar com os símbolos do mercado, assim como faz em
relação às medidas de cunho social, e não só com o conteúdo das decisões.”

Pode ser. Fato é que a falta de jeito tirou de reformas relevantes o brilho da intenção,
como se deu com a corte da conta de luz. Não era contra o empresariado, e acabou
digerido como agressão a normas contratuais pela forma impositiva e abrupta da decisão.
Fosse feita com negociação, não haveria queima de valor das empresas elétricas. E a
bolsa teria subido, levando junto Petrobras, Vale e tudo mais.

A desindexação do CDI

Tais questões entre a intenção e prática merecem ser estudadas com carinho, já que
começa a despontar outra reforma importante, e com potencial de arrumar confusão, se
mal conduzida: a desindexação das operações financeiras. Elas hoje acompanham o CDI
e passariam a se basear em contratos futuros, negociados na BM&F, da taxa Selic.

Trata-se, verdadeiramente, de uma reforma estrutural, tão ou mais séria que a queda da
taxa básica de juro. Ela implica um regime de juros flutuantes, como há nos EUA e na
Europa, e, segundo estudos iniciais, deve afetar o resultado dos bancos.

Há duas formas para conduzir a questão: tratá-la como consenso entre o Banco Central e
a banca, e assim tem sido, ou privilegiar o retorno político, como tivesse saído a fórceps.
A aprovação do governo subiria numa ordem inversa à da confiança empresarial. E
dificultaria o desdobramento da medida, como a desindexação de tarifas públicas e de
aluguéis.

Você também pode gostar