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B893a
Brum, André Luiz de Oliveira
Anais do Fórum Amazônico de Direito Processual
[livro eletrônico] / André Luiz de Oliveira Brum (org.).
1.ed. – Ananindeua: Itacaiúnas, 2016.
270p.: PDF
Vários autores
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-68154-89-2
Anais do Fórum
Amazônico de Direito
Processual
1ª edição
A COMMONLIZAÇÃO DO PROCESSO
BRASILEIRO E OS INSTRUMENTOS DE
LEGITIMAÇÃO DEMOCRÁTICA DO
JUDICIÁRIO NO NOVO CPC
RESUMO: O ordenamento jurídico brasileiro, embora tradicionalmente associado à tradição do civil law, há
muito vem passando por transformações responsáveis por desencadear uma evidente aproximação ao modelo
anglo-saxão do common law. Com atenção voltada a esta realidade, o presente artigo traça um paralelo entre
as distintas formas de desenvolvimento e consolidação das principais tradições jurídicas do Ocidente,
apresentando sua relação com o espaço concedido à jurisprudência em cada uma delas. Em seguida, após
percorrer brevemente os caminhos que vêm levando à commonlização do direito brasileiro, pautando-se no
questionamento acerca da legitimidade democrática das decisões judiciais no Brasil, o artigo objetiva
demonstrar a preocupação dos juristas em agregar ao sistema jurídico pátrio instrumentos capazes de
proporcionar ao processo judicial um maior equilíbrio democrático, através do Código de Processo Civil de
2015. Desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, este estudo conta com o suporte teórico de Ataíde Jr.
(2013), Dierle Nunes (2012), Peter Häberle (2002), dentre outros juristas.
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Orientador
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1 INTRODUÇÃO
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Não obstante a relação cada vez mais próxima entre as principais tradições jurídicas
do Ocidente na atualidade – sobretudo no Brasil –, certo é que em cada uma delas, ao
menos ao longo de sua consolidação, concedeu-se espaço e força distintos para a
jurisprudência e o Poder Judiciário.
Na Inglaterra, berço do common law, observa-se que a tradição jurídica lá
dominante se desenvolveu de forma gradativa, contínua e ininterrupta, sem a evidência de
uma ruptura drástica com o passado ou a suplantação de uma ordem jurídica por outra. Na
França, entretanto, o movimento revolucionário de 1789 foi responsável por uma verdadeira
divisão entre o passado e o que estava por vir, promovendo um ataque impiedoso não só ao
Ancien Régime, como também às antigas instituições e tradições. E foi justamente neste
cenário que se deu a consolidação do civil law enquanto modelo jurídico.
Em cada um destes contextos, é notável a distinção dos papéis conferidos ao
Judiciário. Na Inglaterra (onde inexistiram uma separação histórica entre eras pré e pós-
revolucionárias e uma rejeição às tradições jurídicas do passado), a burguesia depositava sua
confiança nos juízes e, portanto, se empenhou em retirar poder da monarquia e atribuí-lo
aos magistrados. Lá, conforme explica Ataíde Jr.,
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Esta confiança atribuída aos juízes, aliada ao orgulho do jurista inglês pela
continuidade do seu direito – considerado um produto de uma longa evolução não
perturbada por nenhuma revolução (DAVID, 2002, p. 355) – contribuiu para a consolidação
de um modelo jurídico de grande valorização dos precedentes judiciais.
Na França, contudo, o quadro foi bastante distinto. Acusados de tomar decisões
contrárias ao interesse do povo e favoráveis ao rei, os juízes foram vistos com intensa
desconfiança pelos revolucionários franceses, razão pela qual se tornaram, também, alvos
da Revolução. Assim, ao tempo em que se empreendia uma luta contra o absolutismo,
procurava-se também a criação de um novo modelo jurídico, distanciado das tradições
pretéritas e que impossibilitasse a interpretação da lei e o exercício do poder criativo por
parte dos magistrados.
Em um momento histórico guiado pelos ideais de igualdade e soberania popular, os
franceses buscaram seguir à risca a teoria da separação dos poderes de Montesquieu,
elevando o Parlamento à condição – antes ocupada pelo monarca – de poder absoluto,
enquanto legítimo representante do povo.
Como forma de garantir a isonomia, a segurança jurídica e o respeito aos ideais
revolucionários, apenas o Parlamento poderia efetivamente criar o Direito e, para tanto,
deveria fazê-lo com total clareza e coerência, a fim de evitar quaisquer lacunas que
permitissem ao Judiciário subverter a separação dos poderes. Desde então, em direção
totalmente contrária à adotada pelo common law na Inglaterra, os civilistas praticamente
baniram a jurisprudência do seu rol de fontes do Direito, reprimindo a atuação do Judiciário
e enaltecendo o papel da lei, conforme evidencia John Gilissen:
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A título de exemplo, vale recordar a adoção das Civil Procedure Rules, pelos ingleses, no final do
século XX.
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A elevação do papel dos princípios no direito brasileiro trouxe, por sua vez, uma
necessidade de fortalecimento da hermenêutica jurídica e do poder de interpretação do juiz,
reposicionando a significância deste ator político e social.
Ademais, após anos de convívio com a radical repressão do regime ditatorial, a
democratização e universalização do acesso à justiça trazida pelo novo texto constitucional
abriu caminhos para uma explosão de litigiosidade no Brasil e para uma consequente
judicialização maciça dos conflitos (CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 337). Neste contexto, a adoção
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[...] uma decisão judicial somente poderia ser dita democrática (sem caráter
autoritário) quando não fosse imposta pelo magistrado, mas sim resultante de uma
construção coparticipada dos interessados no resultado do processo. A decisão
judicial só é democrática quando os destinatários da norma também forem
tratados como seus autores (COUTINHO; CATERINA, 2014, p. 244).
Nota-se, pois, que ainda que o princípio em comento seja alvo de críticas por parte
de alguns juristas, a exemplo de Lenio Streck (2014) – que defende a incompatibilidade
3 o
“Art. 6 Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva”
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constitucional do mesmo e o seu caráter socialista –, o art. 6º do novo CPC pode ser visto
também como uma abertura ao ventilar democrático da nova forma de se pensar o
ordenamento jurídico brasileiro.
Paralelamente, a ampliação das possibilidades de estabelecimento de negócios
jurídicos processuais, proporcionada pelo art. 1904 do novo diploma, dá ainda mais voz às
partes e a seus patronos na construção da resolução dos litígios, na medida em que estes
sujeitos passam a deter maior autonomia (ainda que limitada à concordância do
magistrado5) no que tange à definição das normas que regerão o seu processo judicial.
Cuida-se de notável demonstração de flexibilização do processo judicial, a qual encontra
amparo também em outros dispositivos, como o art. 1916 do novo CPC, que prevê a
possibilidade de fixação consensual, entre o juiz e as partes, de um calendário vinculativo
para a prática dos atos processuais.
Ao compulsar a nova lei processual, verifica-se a inserção de outras normas capazes
de abrandar a rigidez processual e o protagonismo judicial, a exemplo da que permite às
partes escolher, de comum acordo, o conciliador ou mediador de seus conflitos (art. 168 7) e
da que possibilita a participação cooperativa das partes durante o saneamento do processo,
inclusive por meio da delimitação consensual das questões de fato e de direito sobre as
quais recairão a atividade probatória e a decisão de mérito, respectivamente (art. 357, §§ 2º
e 3º8).
4
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes
plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa
e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o
processo”.
5
“Art. 190, Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções
previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção
abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de
vulnerabilidade”.
6
“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais,
quando for o caso.
o
§1 O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em
casos excepcionais, devidamente justificados.
o
§2 Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência
cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.
7
“Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara
privada de conciliação e de mediação”.
8
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de
saneamento e de organização do processo:
[...]
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios
de prova admitidos;
[...]
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Como se vê, ao tempo em que o novo CPC abre espaço para uma maior
participação e cooperação entre as partes, também se preocupa em expandir a participação
da sociedade na produção do provimento judicial. E isso se reflete na ampliação da atuação
dos amici curiae no processo, evidenciada no art. 138.
Neste sentido, há de se notar a importância de se conceder maior amplitude ao
diálogo social na produção das decisões judiciais, uma vez que tais decisões, ainda quando
tenham origem em um conflito particular entre dois indivíduos, detêm o potencial de tornar-
se, futuramente, precedentes vinculativos, com efeitos erga omnes.
Sobre o tema, José Miguel Garcia Medina destaca que,
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“Art. 950. [...] §3º Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o
relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.
10
“Art. 1.035. [...] §4º O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de
terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal”.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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suas decisões a partir de uma abertura à construção conjunta do direito que permita a
participação efetiva não só dos sujeitos processuais como também de representantes de
toda a sociedade.
Conforme se afirmou, nesse sentido aparenta estar voltada a atenção do Código de
Processo Civil de 2015, que, dentre outros instrumentos processuais, agregou ao sistema
jurídico pátrio maiores garantias de participação social no desenvolvimento do provimento
jurisdicional, a exemplo da inserção do princípio da comparticipação e da ampliação dos
mecanismos de flexibilização do processo judicial e do contexto de atuação dos amici curiae.
Não basta, no entanto, que esses instrumentos de legitimação democrática das
decisões judiciais restem apenas documentados em papel. É imperioso, afinal, que a
aplicação do novo CPC se dê em conformidade com a teoria da comparticipação e em
atenção à interpretação sistemática do novo diploma, sob pena de padecerem sem eficácia
as boas novidades nele encampadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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